Diálogos intersetoriais em políticas públicas e grandes eventos

May 27, 2017 | Autor: Rita Afonso | Categoria: Turismo, Olimpíadas 2016, Grandes Eventos
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Diálogos intersetoriais em políticas públicas e grandes eventos Rita de Cassia Monteiro Afonso Cristine Clemente de Carvalho Este artigo se propõe refletir sobre as questões colocadas pela organização do Seminário Internacional Turismo, Natureza e Cultura, promovido em parceria pelo Programa de Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social – EICOS,

o

Programa

de

Pós-Graduação

em

Políticas

Públicas,

Estratégias

e

Desenvolvimento – PPED, o Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção PEP da UFRJ, a Universidade de Paris 1, e a Fundação Casa de Rui Barbosa/Ministério da Cultura.

Busca-se, identificar: (1) as principais expectativas para o turismo no Rio de Janeiro durante as Olimpíadas, (2) os problemas centrais que precisarão ser enfrentados em pesquisa e políticas públicas em turismo no período pós Olimpíadas e, (3) os caminhos possíveis e experiências em curso que poderão ser potencializadas após as Olimpíadas. A partir de uma leitura crítica sobre a relação natureza e cultura no contexto de uma sociedade em crise, o objetivo do artigo é refletir sobre o tema e a prática de ensino e pesquisa e sua relação com as políticas públicas, utilizando como caso o evento das Olimpíadas Rio 2016. O percurso metodológico adotado na elaboração deste artigo, de modo que seja possível atingir tais objetivos a partir das questões colocadas, será o de levantar a bibliografia produzida por diferentes setores da sociedade, sobre as Olimpíadas do Rio, a saber, planos governamentais, relatórios do Comitê Olímpico brasileiro e internacional, documentos produzidos pela sociedade civil organizada e estudos realizados por grupos de pesquisa. Nestes materiais serão identificadas as expectativas dos diferentes grupos em relação aos impactos positivos e negativos por eles relacionados, os aspectos relativos ao modo como as informações são produzidas e as análises realizadas e publicadas serão também objeto de observação. Em paralelo aos relatórios e estudos, serão mapeadas iniciativas inovadoras de negócios em turismo e sua articulação com políticas públicas. Finalmente, será proposta a reflexão sobre os desafios da academia diante das construções de políticas públicas em turismo, meio ambiente e desenvolvimento social, em termos de diálogo inter setorial e reconhecimento de novos modelos organizacionais.

A análise dos impactos das Olimpíadas sobre o turismo no Rio de Janeiro envolve os aspectos de meio ambiente e sociedade, além de economia, negócios e infraestrutura urbana; a imagem da cidade (como destino turístico) e os equipamentos esportivos, são os maiores destaques do Plano da Prefeitura para o evento. A partir disto o artigo reflete sobre o entendimento de “legado” e as apostas do poder público municipal nas olimpíadas. Experiências anteriores em outros países mostram que além do evento, as grandes transformações urbanas aumentam o volume de turistas pós-evento e que, no entanto, o legado deixado para as cidades sede não compensam claramente o investimento financeiro realizado. A partir dos Jogos de Atenas 2004 a indústria do turismo cresceu consideravelmente, mas os custos do governo foram o dobro do planejado. Em Pequim 2008, o custo dos Jogos foi o maior da história das Olimpíadas e o legado em termos de mobilidade e qualidade ambiental não supriram o rápido crescimento urbano da cidade, deixando de atrair visitantes. Em Londres 2012, com a inauguração de parques públicos, o número de cidadãos que praticavam esportes semanalmente aumentou, mas foi reduzido em seguida devido, entre outras razões, ao aumento no preço do ingresso nas piscinas públicas. Em todos estes casos os estádios e centros esportivos construídos para os grandes eventos são subutilizados e os custos de manutenção elevados, tornando-os impróprios para os recursos das cidades. Nos Jogos Pan Americanos do Rio de Janeiro em 2007 os aparelhos esportivos, no geral, foram pouco desfrutados pela população e alguns foram destruídos ou tiveram a entrada sujeita ao pagamento de ingressos caros: “Além do mais, a localização das instalações olímpicas, em geral, favorece áreas da cidade que já têm bastante infraestrutura esportiva”, segundo o Comitê Popular da Copa (2015), em referência à orla e a parques e praças. O projeto “megalomaníaco” (MASCARENHAS, 2016) implementado pela Prefeitura, apresenta uma série de impropriedades que vem sendo contestadas pela sociedade civil e que impactam direta ou indiretamente a experiência turística na cidade. O dossiê “Megaeventos e violações dos direitos humanos no Rio de Janeiro” (2015), elaborado pelo Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro, reforça a leitura de que a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016 servirão para criar um Rio de Janeiro excludente, com remoção de famílias, criação de bairros exclusivamente turísticos e de classe alta, infraestrutura concentrada e sem acesso da população aos eventos esportivos.

Dentre os principais impactos ambientais e sociais anunciados sobre o projeto Olímpico estão a construção do Campo de Golfe na APA Marapendi, a privatização do Estádio de Remo e a ampliação da Marina da Glória. O Plano de Sustentabilidade Rio 2016 aponta “a necessidade de estabelecer um programa abrangente de envolvimento de partes interessadas”. Os indicadores que medem o desempenho deste quesito são as reuniões e fóruns organizados, surveys e consultas abertas, grupos de trabalho e painéis de especialistas criados, assim como percentual de perguntas e dúvidas tratadas/respondidas. Segundo a Câmara dos Deputados (1996), através da Comissão sobre Governança Local, “governança é a totalidade das diversas maneiras pelas quais os indivíduos e as instituições, públicas e privadas, administram seus problemas comuns”. Trata-se de distinguir o funcionamento do aparato estatal dos conteúdos das políticas públicas e sintonizá-lo com os mecanismos de acesso às regras do jogo político-democrático, aos arranjos institucionais e orçamentários: “o papel da academia, com o apoio das demais instituições da sociedade civil organizada, tem sido o de contribuir com o monitoramento e

avaliação

de

políticas

públicas

e

os

programas

de

capacitação

para

implantação/fortalecimento de novos arranjos institucionais em busca de maior efetividade da ação governamental” (NUNES, 2015). Outra dimensão considerada pela autora é a formação dos atores sociais para compreensão dos arranjos institucionais do processo de planejamento e orçamento públicos. Neste sentido, a universidade possui papel

primordial

no

empoderamento

dos movimentos sociais afim de garantir

condições para o exercício da governança democrática e participativa nas cidades (NUNES, 2015). Na tentativa de identificar os problemas centrais que precisarão ser enfrentados em pesquisa e políticas públicas em turismo no período das Olimpíadas, há uma questão anterior a respeito de como os governos “consideraram” a participação da sociedade civil no projeto olímpico e na identificação dos impactos. A discussão sobre o “direito a cidade”, proposta pelo sociólogo francês Henri Lefebvre (2001) quando questiona sobre quem tem a propriedade da cidade e a qual propósito serve, se dá no sentido do entendimento coletivo sobre a participação efetiva nos benefícios do processo de urbanização. O Estatuto da Cidade (2009), dentre outras garantias, estabelece que a gestão democrática se dá através da participação da população e suas associações representativas na formulação, execução e monitoramento dos planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

O debate critico já está acontecendo. Cabe pensar como a Academia se relaciona com estas vozes, como ela produz o conhecimento apreendido ao estudar práticas e discursos da sociedade civil; como ela cumpre seu papel de orientador de políticas públicas. O que deveria ser enfrentado antes das Olimpíadas para que restasse legado deveria ter sido construído anteriormente. Acompanhar os projetos públicos é objeto de estudo da academia e o trabalho aí realizado é bom para os governos. Em relação aos impactos das Olimpíadas podem ser acessadas as publicações realizadas por organizações da sociedade civil e academia, onde são analisados estes impactos e expectativas dos jogos, como o Dossiê produzido pelo Comitê Popular da Copa e Olimpíadas e o relatório da SAGE/COPPE/UFRJ, por exemplo. Um desafio que se coloca à academia e aos gestores públicos se refere a mudança na cultura de articulação entre os diferentes setores da sociedade. Ainda que o Ministério da Educação tenha o direcionamento de promover o diálogo entre os conhecimentos produzidos academicamente e a sociedade, persistem problemas de comunicação/ difusão que interferem diretamente na produção acadêmica: não bastaria apresentar trabalhos, mas escutar, aprender, debater e construir conhecimentos de maneira conjunta. A exigência da atividade de pesquisa como um indicador de atividade docente ainda é um método novo e discutível; a experiência de projetos de extensão procura estender a atividade da universidade para a sociedade, mas existem diversos modelos possíveis ainda pouco explorados. Trata-se também de olhar para as iniciativas isoladas que promovem trocas e vínculos entre os diferentes segmentos da sociedade como novas maneiras de fazer turismo que podem ser inspiradoras. Uma das formas da academia promover diálogos entre empreendedores e gestores públicos é exatamente fomentar a articulação destas experiências, semelhantes e inovadoras, que não estão articuladas. Neste cenário, tanto academia como poder público podem exercer papel fundamental na construção participativa de políticas públicas democráticas.

Referências bibliográficas BARTELT, DAWID DANILO. "The Other Side Of The Medal - Major Sporting Events in Brazil in the Web of Urban Planning, Speculation and the Right to the City."39, no. PUBLICATION SERIES ON DEMOCRACY, Germany, 2015.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Estatuto da Cidade”, 2nd ed., Brasília, 2009. Disponível em http://bd.camara.gov.br, acesso em Abril de 2016. COMITÊ POPULAR DA COPA E OLIMPÍADAS DO RIO DE JANEIRO. “Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro”. Brasília, 2008, 2015. LÉFÈBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001. NUNES, Lucia Helena. "Megaeventos Turísticos: Impactos Sócioespaciais, Ambientais E Culturais Da Copa Do Mundo 2014 E Olimpíadas 2016 Na Construção Do Espaço Metropolitano De Belo Horizonte, Minas Gerais”, 2013. SAGE/COPPE/UFRJ. "ESTUDO SOBRE O IMPACTO DOS JOGOS OLÍMPICOS.". 2014.

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