Diálogos sobre o Excesso: Fundamentos para uma Museologia Nómada

June 4, 2017 | Autor: Pedro Pereira Leite | Categoria: Museologia, Museologia Social, Museologia Informal
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Diálogos sobre narrativas sobre o Excesso: Fundamentos de uma Museologia Nómada Pedro Pereira Leite – Centro de Estudos Sociais Universidade de Coimbrq

Resumo O desprendimento é reconhecido como um fenómeno de passagem através duma experiência individual. A experiencia individual, vivida colectivamente emerge em diversos fenómenos sociais, tais como a festa ou

os

rituais,

onde

emergem

possibilidade

de

arrebatamento

e

experiencias de extase. Marc Augé, em “Não lugares” caracteriza a sobremodernidade com dependente de três figuras de excesso: tempo, espaço e individualidade. O excesso de acontecimentos, leva à perda do sentido da diacronia e o excesso do espaço leva a implicação com tudo em todo o lado, criando a desorientação nos indivíduos. O excesso de individualidade sobrevaloriza o individuo, impedindo-o de se relacionar com a dinâmica social.

Informal Museology Studies, 12, spring 2016

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O sociólogo Boaventura Sousa Santo, em “A Crítica da Razão Indolente” propõe

a

metáfora

do

barroco

como

análise

dos

processos

de

subjectividade e sociabilidade capaz de explorar as potencialidades emancipatórias da transição paradigmática. Propõe esta ideia como fenómeno de excentricidade em lugares alternativos às produções hegemónicas,

onde

emergem

fenómenos

legitimadores

de

novas

práticas. A museologia social, por seu turno, procura

criar

processos

de

narrativas sociais, com base na tensão essencial. Musealizar a gota de sangue, como expressão da procura da relevância narrativa e delimitação das fronteiras. Este foi o ponto de partida para o seminário que organizamos no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Procuramos interrogar, a partir do diálogo entre a museologia e a antropologia, os processos de representação sobre o êxtase como experiencia social. Procuramos os limites e o alcance das narrativas sobre o excesso como representações da experiencia da emancipação social. Nesse seminário e a propósito do nosso artigo “A nova museologia e os movimentos sociais em Portugal”1 procuramos interrogar o lugar do excesso na museologia. Essa interrogação deu origem a um conjunto de inquietações que de forma

fragmentada

foram

tomando

corpo

em

diferentes

postais

publicados neste primeiro trimestre, no nosso Caderno de Investigação “Global Heritage – Local Memories”2 As inquietações tomaram a forma de uma

1 2

museologia

nómada.

Um

pensamento

que

flui

a

partir

da

http://bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/rcc/article/view/2603 http://globalherit.hypotheses.org/?s=excessos

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observação e da experiencia. Um espírito que toma conta do pensamento e vai procurando dialogar com diferentes linguagens estéticas e analíticas. Em suma uma experiencia de potência social. Aqui se apresentam os sus fragmentos.

Excesso O excesso, o arrebatamento, o desprendimento, é reconhecido como um fenómeno de passagem através duma experiência individual. Um renascimento. Walter Benjamin em "Passagens" escreve: " O despertar como um processo gradual que se impõe

na

vida

do

indivíduo como na das gerações. O sono é seu estágio

primário.

experiência juventude

A de

de

uma

geração tem muito em comum com a experiência do sonho.

Sua forma (Gestalt) histórica é a forma do sonho. Cada época tem este lado voltado para os sonhos, que é seu lado infantil. Para o século passado, ele aparece muito nitidamente nas passagens. Mas enquanto a educação das gerações anteriores interpretou para elas esses sonhos segundo a tradição e a instrução religiosa, a educação atual conduz simplesmente à distracção das crianças. Proust só pôde surgir como um fenómeno sem igual numa geração que havia perdido todos os recursos corporais e naturais de rememoração e que, mais pobre do que as anteriores, havia sido abandonada a si mesma, só podendo, por isso, se apoderar dos mundos infantis de maneira isolada, dispersa e patológica.

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O que é oferecido aqui a seguir é um ensaio para a técnica do despertar. Uma tentativa de compreender (innewerden) a guinada dialética, copernicana, da rememoração". A partir destas palavras podemos então deduzir que a experiência individual, vivida colectivamente pode fazer emergir esse despertar. Assim a festa ou do ritual como experiências sociais são potencialmente produtoras de arrebatamento. Será então possível interrogar as narrativas museológicas a partir dos seus processos de representação sobre o êxtase como experiência social e emancipação.

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Narrativas sobre o Excesso como poética na museologia Na Declaração da Conferencia do Movimento Internacional para uma nova museologia, realizado em 2013, no Museu de Maré, no Rio de Janeiro defendeu-se uma museologia com base em processos políticos, poéticos e pedagógicos, em permanente construção e vinculados a visões específicas

do

mundo.

Esta

nova

museologia

com

base

na

compreensividade e no sensível dos processos museológicos abre, no campo na teoria museológica, à reflexão sobre os afetos e os estados de transição. A transição ocorre perante um estado de saturação. Um momento de libertação de energia, criadora ou não, muitas vezes acessível pela capacidade de leitura intuitiva do real. O sensível abre-nos para a interrogação sobre a adesão e o desprendimento. Adesão à relevância e o desprendimento em relação ao supérfluo. As narrativas museológicas têm vindo a ser marcadas por práticas narrativas que privilegiam a adesão. A adesão a um saber, a uma hegemonia. Narrativas que tem por base a ideia da produção de uma memória com base em vínculos de continuidade, no tempo e no espaço, entre o passado herdado e o futuro como vontade. Narrativas estáveis, que evitam o conflito ou olham o conflito como um processo de produção de virtudes. A proposta duma museologia do sensível ao interrogar a ruptura das hierarquias de poder, ao favorece a emergência de novos protagonistas, produtores das suas próprias memórias, não só favorece esta visão duma

museologia

como

processo

de

reconstrução

de

narrativas

vinculadas a visões emancipatórias com base em compromissos e em novos

agenciamentos.

Implica

essa

museologia

do

sensível

o

desprendimento como processo de passagem através duma experiência individual.

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A experiencia individual, vivida colectivamente, emerge em diversos fenómenos sociais, tais como a festa ou os rituais, onde se torna possível o arrebatamento e as experiencias de êxtase. Esta oficina propõe interrogar os processos de representação sobre o êxtase como experiencia social. Procura abordar os limites e a relevância da Museologia e dos Estudos sobre o Património para a teoria crítica bem como e o alcance das narrativas sobre o excesso como representações da experiencia da emancipação social. Procura estabelecer um diálogo com os novos lugares de enunciação do património. Interrogar os lugares do tempo, do espaço e da individualidade a partir do sensível como expressão da reconstrução da relevância narrativa e delimitação das fronteiras

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Leapfrogging Leapfrogging é um conceito criado por Joseph Schumpeter na sua reflexão sobre "tempestades de destruição criativa", na sua análise do crescimento económico capitalista, em 1940. Atualmente

é

usado

como

instrumento

de

análise

em

estudos

organizacionais e contextos facilitadores de inovação (com a variante do “brainstorming” na psicologia. Shumpeter coloca a hipótese de que as empresas que detem o monopólio das tecnologia tem pouco incentivo para mudar. A alteração dessa posição de domínio surge da inovação gerada por transformações tecnológicas radicais. É certo que a predisposição para o risco é fraca em empresas estáveis e favorece o espírito empreendedor. O salto tecnológico é um desafio que nem sempre será bem-sucedido. Exemplos de transições tecnológicas. A emergência dos dispositivos de gravação electrónica. Cartões, Videotape /Cassetes, CD, sistemas de Bluetooth, máquinas calculadoras, escavadoras hidráulicas, máquinas de ultra-som, o telemóvel, os computadores portáteis.

Ectasy Nos anos 90 uma nova droga, sintética, invadiu as noites da cidade. Trata-se de uma mistura feita em laboratório que causava euforia, uma sensação de bem-estar e a alterações da percepção sensorial. Facilitando a sociabilidade, tinha um inconveniente, que era a impossibilidade de mistura com o álcool. Por essa razão os seus consumidores, quase sempre apreciadores da batida tecno, andavam sempre com uma garrafa de água, para combater a secura da boca.

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A metilenodioximetanfetamina (MDMA), da família das anfetamina tinha vários efeitos. Um deles era a sensação do êxtase que arrebatava as noites, por vezes até bem dentro das madrugadas. Ao nível dos efeitos cerebrais o ectasy produzia uma diminuição da absorção da serotonina, dopamina e noradrenalina no cérebro,

facilitando

o

contato

entre

as

sinapses, produzindo a sensação do êxtase ou uma dimensão do excesso.

Sobre o eterno retorno O Eterno Retorno é um conceito não acabado em vida pelo próprio Nietzsche, trabalhado em vários de seus textos aforismo (Assim falou Zaratustra; A gaia ciência; Além do bem e do mal). O eterno retorno aborda os ciclos repetitivos da vida, a ideia que estamos limitados a um conjunto de factos, que se deram no passado e se repetem no presente, e que eventualmente ocorrerão no futuro. A ciclo do êxtase (guerras, epidemias, ódios, vinganças, ciúmes ) regenerador, ao qual sucedes a temperança. Com o eterno retorno Nietzsche questiona a ordem da dialética. O mundo não é feito de oposições inconciliáveis, mas como duas faces duma mesma realidade. Polos de complementaridade. Logo os excessos (o ódio, a angustia, a inveja, a luxúria, a gula, a preguiça, o orgulho) são formas extremadas, instâncias complementares da realidade, que se alternam. Assim o amor exacerbado, a castidade, o activismo, a euforia, a subcomiseração também formas extremadas da realidade: excessos.

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Retornando. Como os fenómenos reais carecem de objectividade (ou finalidade) sem os atributos da ação humana (pois se os tivessem não necessitariam dela) a oposição entre os polos complementares não cessa.

Assim,

sendo

o

tempo

infinito,

a

relação

entre

forças

complementares é também ela infinita, repetindo-se do passado e no futuro. Assim o excesso constitui-se como

um

momento

de

interrogação do ser. Sobre a sua ação (fazer e estar). Um momento de eternidade. Um momento de questionamento. O

questionamento

pode

emergir pela moral (ética) ou pela prática, mas implica sempre uma consciência (juízo) sobre o valor particular de cada momento. Em suma o excesso transporta uma vontade de potência que permite um amor fati ou uma vontade de destino

Os pecados capitais Afirmamos no postal anterior que os pecados capitais constituem os limites éticos do excesso. Balizam o momento em que passam para além. Este postal também poderia ser incluído na série “mergging” se não estivemops ocupados com outros limites antropocêntricos. A lista é a seguinte A IRA: Tem como sinónimos a raiva, a cólera, agressividade exagerada. A atitude que está por detra´s da ira é a vontade de destruir, para dar oportunidade ao renascimento. A sua oposição é o amor sem limites.

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A GULA: No sentido literal, gula é o excesso de beber e comer. O seu oposto é a inércia A INVEJA: É a dificuldade de admirar o outro. A oposição é o amor excessivo ao outros O ORGULHO: É o brio, a altivez, a soberba. A oposição é miséria do si. A depressão. A

AVAREZA

excessivamente

:

Define-se apegado

a

como

estar

alguma

coisa

levando a um grande medo de faltar, uma percepção de escassez. O seu oposto é a entrega. A PREGUIÇA: É definida como aversão ao trabalho, negligência. Este sentimento faz com que as pessoas desqualifiquem os problemas e a possibilidade de solução destes. A preguiça não se resume na preguiça física mas também na preguiça de pensar, sentir e agir. O seu oposto é o activismo. A LUXÚRIA: É definida como uma impulsividade desenfreada, um prazer pelo excesso. O seu oposto e a castidade.

O dilema do velho do restelo Quando nos Lusíadas, Luís Vaz de Camões apresentou a personagem do “velho do restelo” (canto IV) como alguém que, simbolicamente, representava o pessimismo ou aqueles que eram contra epopeia, estava longe destes nossos problemas atuais sobre o futuro da humanidade. Ou talvez não ! Manuel de Oliveira no seu Vento e a Fúria (2014) representa esta personage3, também como alguém que questiona a efemeridade do 3

https://vimeo.com/104030172

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gesto humano. Por tudo o que se faça há sempre duas faces, uma boa e uma má, sendo que à medida que o tempo passa a ultima tende a esbater ou diluir os aspectos positivos das boas ações O dilema entre o fazer ou nada fazer, ou se preferirmos entre a conservação e o progresso, a tradição ou a modernidade talvez seja uma falsa questão

O princípio da precaução O princípio da precaução que tem vindo a ser introduzido pela ciência da complexidade

ajuda

a entender a questão entre ação e sentido da ação. Precaução, senso

para

comum,

o é

qualquer coisa que é feita

para

prevenir

ou evitar uma possibilidade de alteração ou de qualquer coisa no futuro. Para a ciência da complexidade, contudo, precaução não tem este sentido restrito de prevenção. Na ciência da complexidade o princípio da precaução é um exercício sobre as consequências da ação. Por isso se fala de princípio da precaução. Princípio porque tem como objectivo estabelecer uma regra moral ou ética sobre o limite e alcançe do bem e do mal duma ação. O princípio da precaução, na ciência da complexidade, é um exercício científico que tem como objectivo evitar, minorar ou remedair, os efeitos indesejados da ação no futuro. É um olhar antes de ser.

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Quem vai a mar havia-se em terra Dizem os marinheiros quem vai ao mar havia-se em terra. Quer isto dizer que cada um deve preparar-se para a sua viagem, levando os víveres e agasalhos necessários para a sua viagem. Dizem também entre os mais avisados que mais vale prevenir do que remediar. Há nesta sabedoria popular algo que é importante capturar para a construção da relevância da ciência na era da complexidade. A ciência não é neutra e hoje

é

necessário

introduzir no pensamento científico o princípio da precaução. O princípio da precaução é uma forma de pensar o excesso. Há uma possibilidade de prevenir cientificamente o excesso da ação humana na natureza. Uma precaução que deve ter feita, segundo a UNESCO, de acordo com os princípios da análise científica. Os eventos que são previsíveis devem ser proporcionais à dimensão das transformações possíveis e devem ser levada em linha de conta as possíveis transformações sistémicas. Os

princípios

da

ação

são

baseados

nas

formas

de

pensar

as

consequências da ação. A consideração do que é bom ou é mau. Pergunta que parte das questões pertinentes, ou se quisermos uma forma de pensar o excesso. O caminho de Gilgamesh4 – ensaio sobre um bailado De onde se fala duma história desafiante. Um arqueólogo encontra os vestígios dum bailado em pegadas de argila. Em cada pegada está 4

Publicado pelos Estudios Cor em 1967.

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inscrito um signo. Um signo que se relaciona com as outras numa ordem precisa. Cada uma tem um significado próprio e ao mesmo tempo um significado coletivo. Ao arqueólogo cabe a tarefe de identificar os vestígios e deduzir as ausências. O caminho de Gilgamesh é um Drama Aforísitico, uma arte de extinsão do surpéfulo. Uma poética que explora as contradições. Uma narrartiva onde pulsa a vida. Um narrativa onde as continuidades marcam as descontinuidades, tal como no som o timbre, na sua cadência, sucede ao silêncio, permitindo escutar as ondas nas sua intermitente reflexão. O drama aforístico é uma dução (antes da adução, depois da dedução e antes da indução), um numema. Um caminho invertido, da sabedoria para a procura da experiencia da vida, onde recolhe o objeto, para regressar á plenitude. Só a experiência comunica os seres. Sem identidade e sem experiencal não simpatia trágica. A experiência supera a sabedoria, para a ela regressar. Metamorfoseia-se O excesso como metamorfose

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O Castelo dos Destinos Cruzados de Italo Calvino Vai para uns anos, uma boa amiga do Liceu emprestou-me o livrinho de Italo Calvino com o titulo “O Castelo dos Destinos Cruzados”. Um livrinho que li numa noite de verão e que me deixou estonteado, ao ponto de andar com ele na cabeça por alguns dias. Confesso que por vezes a observação do real se assemelha a fluxos caóticos de acontecimentos que se vão equilibrando. A história de Calvino narra, na

primeira

pessoa,

o

percurso

do

personagem num Castelo e os

seus

encontros com outras

personagens,

todos

convidados

para

um

jantar,

mas

desconhecidas entre si. Em volta da mesa, cada um, impedido de falar, contava a sua história por meio das cartas de um baralho de tarôt. A partir do seu lançamento aleatório, cada um encontra o seu destino. A leitura da história é também ela aleatória, acompanhando as cartas. Cada leitura encontra o seu próprio percurso no interior da narrativa. E era esta natureza fluida e implicada na construção da leitura que me entusiasmou. Acresce à aleatoriedade, que cada destino corresponde a um clássico da literatura. ((Lady Macbeth, Hamelt, Édipo, Fausto, Rei Lear, etc). O livro questiona o leitor que ao seguir o percurso das cartas, saltitando na leitura por entre as páginas, nada pode perguntar, e tudo tem que interpretar. Destinos que se cruzam numa discursividade distópica, envolta na mitologia e no misticismo do Tarôt. Informal Museology Studies, 11, autumn 2015

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MUSEOLOGIA NÓMADA Inspirado no pensamento de Giles Deleuze o filósofo autor do Livro “Mil Planaltos” em colabora com Felix Guatteri a museologia nómada é uma museologia que advoga a ptiencia do corpo em olhar o real de múltiplas formas. Giles Deleuze não foi e não é um filósofo de fácil compreensão, muito menos

o

Planaltos”

seu ,

livros cuja

“Mil leitura

andamos à longos meses a digerir,

numa

segunda

tentativa, depois e nos idos anos

de

noventa

o

termos

folheado. Nómada, é algo que está em transita, algo que não tem um lugar fixo. O pensamento nómada é portanto, por analogia, um pensamento que não parte da premissas pré-estabelecidas. O pensamento clássico, o pensamento herdado de Sócrates e Platão, recuperado no renascimento, e que marcou a modernidade até ao século XIX, tem com principal atributo, ou premissa: a) há algo de bom na natureza que necessita de ser procurado, e essa procura/encontro é possível pelos humanos (os bons humanos, ou homens de boa-vontade) b) que o que há de bom na natureza pode ser encoberto (ofuscado) pelas paixões. O corpo, os seus impulsos e sentidos não são, à priori, instrumentos adequados para procurar essa verdade

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c) É necessário um método para captura e compreensão da verdade. O acesso à Bondade da natureza plena depende do rigor do método. Através destas premissas o pensamento clássico, e moderno admite que é possível encontrar a verdade, como

algo

que

existe

independentemente do sujeito, através da aplicação rigorosa do método. A verdade é algo que está inscrito na natureza e que pode ser revelado. Mais, se o processo da atingir essa

verdade

depende

dum

método, que é um exercício de olhar

o

mundo

instrumentos

através

de

(metodologias)

adequados, o pensamento é o processo

que

permite

aos

humanos alcançar a verdade. A Verdade é algo que se situa fora

do

mundo

pensamento das

ideias

e

do

e

o

pensamento é o processo que permite aceder a essa verdade, algo que é absoluto. A Verdade é uma realidade que se situa no mundo, num plano exterior das ideias e que pode ser acessível através da experiência metafísica do

pensamento. A

Verdade, revelada pelo

pensamento, como experiência metafísica, apresenta-se com algo de imaterial.

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O pensamento nómada, alicerça-se no pensamento crítico, que afirma o caráter relativo da verdade, como algo de depende da perspectiva do processo de observação. Um mesmo fenómeno pode ser apreendido de diversas formas por diversas pessoas e por diversos motivos. Cada ponto de observação e cada subjetividade terá uma apreensão diferenciada dum mesmo fenómeno. O pensamento nómada flia-se por sua vez em Nietzsche Deleuze e Foucault. Um campo onde se pode observar o pensamento nómada é o da produção artística. Bataille, Passollini, Godard, entre outros são expressões desta transgressão de forma poética. Comparando

o

pensamento

clássico,

platónico,

que

procura

a

mortificação do corpo para uma apreensão mais pura da verdade, o pensamento nómada convoca e encontra o corpo como um espaço de resistência aos dispositivos de poder (no sentido de Foucault) e o parte do corpo como exercício de libeertação.. Se o poder age sobre o corpo, interditando a sexualidade e comportamentos desviantes, é pelo corpo que o pensamento nómade irá ter um de seus campos de resistência. O pensamento nómada não é apenas um pensamento metafísico. Ele é na sua essência um discurso e uma prática. Parte da experiencia (matéria) para atingir o pensamento, o relfxivo. É só através do enfremento com o real que o pensamento é ativado em busca de alguma verdade (que é nessa medida sempre relativa). Para Deleuze, “O que define o pensamento, as três grandes formas do pensamento, a arte, a ciência e a filosofia, é sempre enfrentar o caos,

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traçar um plano, esboçar um plano sobre o caos.” (Deleuze,A Era do Infinito) Se isto não é suficiente para tornar claro o que é o inesgotável tema que é o pensamento nómada, ele pelo menos permite verificar as suas características anárquicas e antidogmáticas. O

posicionamento

singulares,

que

nómada

não

se

mobiliza

encaixam

novas em

formas

quaisquer

de

existência,

categorias

pré-

estabelecidas, sendo a própria categorização um modo de querer enquadrar essa singularidade em um papel pré-estabelecido, da qual ele, em sua natureza de transgressão não procura.

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Final

“Todas as belezas contêm, como todos os fenómenos possíveis, qualquer coisa de eterno e qualquer coisa de transitório – de absoluto e de específico. A beleza eterna e absoluta não existe, ou, antes, não passa de uma abstracção desnatada à superfície geral das diversas belezas. O elemento próprio de cada beleza provém das paixões, e como temos as nossas paixão próprias, temos as nossas belezas.” Charles Baudelaire

“Por que razão seremos nós, os modernos, tão dispersivos, por que razão nos deixamos levar por pretensões que não podemos alcançar nem resolver?” Goethe

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