Diante do ódio e da intolerância, a “lógica da boa notícia”

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IGREJA & COMUNICAÇÃO

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omunicar esperança e confiança, no nosso tempo”: esse é o título da mensagem do papa Francisco (1936-) para o 51o Dia Mundial das Comunicações Sociais, celebrado em 28 de maio, festa da Ascensão do Senhor. O texto reflete sobre a frase do profeta Isaías: “Não tenhas medo, que Eu estou contigo” (Is 43,5). O pontífice situa sua reflexão em um contexto comunicativo marcado, muitas vezes, por “‘más notícias’ (guerras, terrorismo, escândalos e todo o tipo de fracasso nas vicissitudes humanas)”. O convite é a “romper o círculo vicioso da angústia e a deter a espiral do medo”, resultante do hábito de fixar a atenção nesse tipo de conteúdos. Por isso, a mensagem exorta a uma “comunicação construtiva, que, rejeitando os preconceitos contra o outro, promova uma cultura do encontro por meio da qual se possa aprender a olhar, com convicta confiança, a realidade”. Depois de articular, nas mensagens dos anos anteriores, a comunicação

como proximidade e o ícone do Bom Samaritano (“Comunicação ao serviço de uma autêntica cultura do encontro”, 2014), a comunicação em família e o ícone da visita de Maria a Isabel (“Comunicar a família: ambiente privilegiado do encontro na gratuidade do amor”, 2015), e a relação entre a comunicação e a misericórdia no ano do Jubileu Extraordinário (“Comunicação e Misericórdia: um encontro fecundo”, 2016), o pontífice apresenta, em 2017, o ícone do “Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus’”. A mensagem parte de um cenário comunicacional que conhecemos muito de perto no Brasil, em que o jornalismo sensacionalista e a intolerância nas redes sociais digitais vão ganhando cada vez mais espaço. “Em um sistema comunicativo”, afirma o papa, “em que vigora a lógica de que uma notícia boa não desperta a atenção e, por conseguinte, não é uma notícia, e em que o drama da dor e o mistério do mal facilmente são espetacularizados, podemos ser tentados a anestesiar a

consciência ou a cair no desespero”. Diante disso, o papa Francisco convida a “ultrapassar aquele sentimento de mau humor e de resignação que muitas vezes se apodera de nós, lançando-nos na apatia, gerando medos ou a impressão de não ser possível pôr limites ao mal”.1 Para isso, o papa Francisco apresenta o ícone da “Boa Notícia por excelência, ou seja, o ‘Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus’”. A partir dessa imagem, ele convida a buscar um “estilo comunicativo aberto e criativo, que não se prontifique a conceder papel de protagonista ao mal, mas procure evidenciar as possíveis soluções, inspirando uma abordagem propositiva e responsável nas pessoas a quem se comunica a notícia”. Assim, o pontífice convoca e encoraja a todos, no dia a dia, a oferecer relatos “permeados pela lógica da ‘boa notícia’”. Com o objetivo de revelar essa lógica, o pontífice utiliza diversas metáforas. Uma delas são os “óculos” para enxergar a boa notícia onde

menos se espera. Segundo o papa Francisco, a vida humana não é mera crônica asséptica de eventos, mas é “uma história à espera de ser contada através da escolha duma chave interpretativa capaz de selecionar e

reunir os dados mais importantes”. Portanto, afirma, “tudo depende do olhar com que a enxergamos, dos ‘óculos’ que decidimos pôr para vê-la: mudando as lentes, também a realidade aparece diversa”. Outra metáfora é a “semente”. Uma comunicação cristã, explica o pontífice, é aquela que ocorre na perspectiva da “esperança do Reino de Deus, ou seja, “como um homem que lançou a semente à terra. Quer esteja a dormir, quer se levante, de noite e de dia, a

semente germina e cresce” (Mc 4,26-27). “O Reino de Deus”, continua o papa, “já está no meio de nós, como uma semente escondida a um olhar superficial e cujo crescimento acontece no silêncio. Mas quem tem olhos, tornados limpos pelo Espírito Santo, consegue vê-lo germinar e não se deixa roubar a alegria do Reino por causa do joio sempre presente”. Mas há uma metáfora principal, que simboliza a própria Boa Notícia por excelência e orienta toda a mensagem. Trata-se do pão. “A mente do homem está sempre em ação e não pode parar de ‘moer’ o que recebe, mas cabe a nós decidir o material que lhe fornecemos”. Por isso, o papa dirige sua mensagem como “um encorajamento a todos aqueles que diariamente, seja no âmbito profissional seja nas relações pessoais, ‘moem’ tantas informações para oferecer um pão perfumado e bom àqueles que se alimentam dos frutos da sua comunicação”.

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Maio Maiode de2017 2017

Soldado e criança, 2012, Photoshelter

DIANTE DO ÓDIO E DA INTOLERÂNCIA, A “LÓGICA DA BOA NOTÍCIA” O M E N S AA GG EE IIRROO DDEE SSAANNTTOO AANNTTÔÔNNI OI O Maio de 2017 2017

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FOGÃO DE SANTO ANTÔNIO

O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO

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palavras, sons, imagens, para manter vivas as relações interpessoais, na reciprocidade dos laços humanos. É ser criativamente generoso, também onde parece faltar o “fermento” necessário para o “pão” da comunicação. Como afirma o papa Francisco, até mesmo “qualquer novo drama que aconteça na história do mundo torna-se cenário possível também de uma boa notícia, uma vez que o amor consegue sempre encontrar o caminho da proximidade e suscitar corações capazes de se comover, rostos capazes de não se abater, mãos prontas a construir”. Por isso, dentro de uma perspectiva cristã, toda pessoa que, “com fé, se deixa guiar pelo Espírito Santo, torna-se capaz de discernir em cada evento o que acontece entre Deus e a humanidade”, reconhecendo Sua presença no “cenário dramático deste mundo”. Vendo e lendo a realidade a partir dos “óculos” da Boa Notícia que é Jesus, “o próprio sofrimento é vivido em um quadro mais amplo, como parte do Seu amor ao Pai e à humanidade”. Ao relacionar a “lógica da boa notícia” com tais símbolos, o papa Francisco eleva a própria metáfora como “forma misericordiosa” de comunicação. Segundo ele, a metáfora “deixa ao ouvinte o ‘espaço’ de liberdade”, que, assim, pode acolher a “força humilde

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Salmão em crosta de maracujá com purê de banana-da-terra

NOTA 1

Disponível em: Acesso em: maio 2017. (Tradução do autor).

Moisés Sbardelotto Jornalista, leigo casado, doutor em Ciências da Comunicação e autor do livro E o Verbo se fez bit: a comunicação e a experiência religiosas na internet (Santuário, 2012)

Modo de preparo Preaqueça o forno em 180 ºC. Em uma frigideira, refogue levemente as cebolas já fatiadas com um pouco do óleo. Desligue o fogo. Depois, em uma panela grande, adicione o leite, o óleo, os ovos e o queijo. Misture bem. Em seguida, em uma vasilha, misture o fermento com os flocos de milho, acrescentando aos poucos esses ingredientes às cebolas. Mexa sempre. Adicione o sal e a pimenta e transfira tudo para a fôrma untada. Asse por aproximadamente 50 minutos, ou até a massa ficar dourada. Nota: A torta de milho, queijo e cebola, típica do Mato Grosso do Sul, é chamada de sopa porque servia de guarnição para os soldados que lutavam na Guerra do Paraguai (1864-1870). Naquele tempo, eles levavam uma sopa substanciosa para se alimentar; por conta da falta de praticidade em transportar algo líquido, foram adicionando bastante milho, até virar uma torta.

Colaboração: Cleonice Maria, Guaíra (PR)

Pensar a comunicação a partir da imagem do pão nos leva a refletir em um processo que é criativo, tentativo, artesanal, local. Não há dois pães iguais; cada um traz as marcas de quem os preparou, da receita utilizada, das mãos que o amassaram, da fôrma que lhes deu forma, do calor recebido do forno. Também não há dois pães com o mesmo sabor, pois, mesmo que tenham sido feitos exatamente com a mesma receita, serão saboreados em momentos diferentes. Em um encontro com os membros do Movimento dos Focolares, em fevereiro, o papa Francisco aprofundou essa metáfora. Ele explicou que, em uma época em que não havia geladeiras, para conservar o fermento-mãe do pão, uma vizinha doava à outra um pouco da massa fermentada e, quando tinha de fazer o pão de novo, recebia de volta um pouco dessa massa. Esse gesto de reciprocidade mantinha o fermento vivo e ativo, sem deixá-lo apodrecer, em uma corrente de generosidade em que um pão gerava outro, uma mão ajudava a outra. Assim, “a comunhão não é só divisão, mas também multiplicação dos bens, criação de novo pão, de novos bens, de novo Bem com maiúscula”. O mesmo pode ser dito sobre a comunicação. Comunicar é multiplicar

Ingredientes 500 g de flocos de milho pré-cozido sem sal (popularmente conhecido como Milharina®) 500 g de queijo minas padrão ralado (meia cura, caipira) 1 xícara de óleo de girassol 4 cebolas fatiadas em rodelas finas 4 ovos

Colaboração: Cleonice Maria, Guaíra (PR)

O desafio proposto é tornar-se “ícones do amor de Deus”, “‘canais’ vivos” do Reino, “faróis na escuridão deste mundo, que iluminam a rota e abrem sendeiros novos de confiança e esperança”. Só assim “é possível enxergar e iluminar a boa notícia presente na realidade de cada história e no rosto de cada pessoa”

Sopa paraguaia

• 1 litro de leite • 2 colheres (chá) de fermento em pó • Sal e pimenta a gosto

Arquivo pessoal

Refugiados socorridos pelos Médicos Sem Fronteiras no Mar Mediterrâneo, 2015, Francesco Zizola/Noor

do Reino”. E o próprio pontífice argentino possui uma grande capacidade de “metaforizar”: “cheiro de ovelhas”, “Igreja em saída”, “periferias existenciais”, “Igreja hospital de campanha”, entre outros. É o mesmo que Jesus fazia para falar do Reino, ao usar as parábolas da ovelha perdida, da lâmpada, da moeda, da pérola, da semente de mostarda, entre tantas outras. Isto é, são as próprias imagens, mais do que qualquer conceito teórico, que comunicam a beleza da boa notícia, da vida nova em Cristo. “Compreender as metáforas”, confidenciou o pontífice aos jesuítas da revista italiana La Civiltà Cattolica, em uma audiência em fevereiro, “ajuda a tornar o pensamento ágil, intuitivo, flexível, afiado. Quem tem imaginação não se enrijece, tem senso de humor, desfruta sempre a doçura da misericórdia e a liberdade interior”. Voltando à mensagem, o papa Francisco encerra o texto recorrendo ainda a outras metáforas para convocar todas as pessoas a serem comunicadoras de boas notícias e da Boa Notícia por excelência. O desafio proposto é tornar-se “ícones do amor de Deus”, “‘canais’ vivos” do Reino, “faróis na escuridão deste mundo, que iluminam a rota e abrem sendeiros novos de confiança e esperança”. Só assim “é possível enxergar e iluminar a boa notícia presente na realidade de cada história e no rosto de cada pessoa”, reconhecendo que, mesmo em meio ao mal, à dor e ao sofrimento, Deus está compondo “a trama de uma história de salvação”.

Ingredientes 200 g de salmão em posta 1 maracujá 5 ml de azeite de oliva extravirgem 1 banana-da-terra 30 g de abobrinha Ervas frescas (tomilho, manjericão, alecrim, dill) picadas Sal e pimenta a gosto

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Modo de preparo Em uma frigideira preaquecida, coloque um fio de azeite e sele o peixe temperado com sal e pimenta. Reserve. Em uma panela, ponha a polpa do maracujá com as sementes. Deixe evaporar um pouco e adicione as ervas. Mexa sempre. Distribua os ingredientes sobre o peixe e leve ao forno por 5 minutos, em temperatura alta. Para o purê, cozinhe a banana com a abobrinha em uma panela com água o suficiente para cobri-las.

Depois de cozidas, processe com um pouco da água do cozimento. Adicione o sal e a pimenta e sirva com o peixe.

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