Diario do Nordeste - Popular ou erudito?

May 31, 2017 | Autor: P. Funari | Categoria: Cultural History, Cultural Studies, Popular Culture, Cultura Popular, Historia Cultural
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1 http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/artista-teve-reconhecimento-1.699447 DIÁRIO DO NORDESTE

ÚLTIMA HORA NACIONAL : Grampos de Lula devem permanecer válidos, diz Rodrigo Janot ao STF POPULAR OU ERUDITO?

Artista teve reconhecimento

01:37 · 05.03.2009

() Patativa já tinha reconhecimento popular quando foi abraçado pela intelectualidade

Patativa do Assaré já nasceu artista. Partindo do princípio de que não se aprende a fazer poesia em bancos de escolas ou nas academias, o poeta de Assaré foi consagrado artista pelo povo. ´Patativa começou a ser conhecido aos 20 anos de idade, quando viajou ao Pará´, lembra o amigo e compadre, Oswald Barroso, poeta e dramaturgo, responsável pela inclusão do ´gênio´ no livro ´Letras ao Sol´ , uma antologia de literatura cearense, em 1996.

A inclusão da poesia no livro foi uma afirmação da sua arte, diz, embora admita que Patativa era um poeta popular, portanto, não necessitava de reconhecimento de intelectuais ou da academia. Sem querer reabrir uma discussão em torno do que seja cultura popular e cultura erudita, a poesia de Patativa se enquadra no contexto da primeira. ´A literatura popular nordestina representa bem essa autonomia estética´, como destaca Pedro Abreu Funari, no livro ´Cultura Popular na Antigüidade Clássica´.

Para o autor, o que o povo não frui não é aceito ou imitado, portanto, a lírica de Patativa demonstra bem esse pensamento. A independência deste fazer artístico, quando a intuição

2 supera o intelecto, o racional, acaba gerando na cultura dominante ´uma reação no sentido de desqualificar seu aspecto propriamente estético´.

Por isso, reforça Oswald Barroso, antes de 1979, quando um grupo de artistas e intelectuais apresentou Patativa do Assaré ao Brasil, durante a reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Fortaleza, o poeta já era reconhecido. Ele declamava seus versos em feiras do Crato, levando sua lira por toda a região do Cariri, terra de grandes poetas como Cego Aderaldo e Cego Oliveira.

O que menos importa a estes poetas é a classificação dada pela academia, sendo chamados de populares, matutos ou da oralidade. No entanto, estes rótulos não cabiam a Patativa que, conforme Barroso, tinha vasto conhecimento e escrevia sonetos clássicos buscando inspiração na lírica de Camões. ´Ele participava de rodas de intelectuais, no Crato´. Portanto, naquela ocasião, ´ele já era queridíssimo do povo. Todos paravam o Patativa na rua para que ele recitasse os seus versos´. Ele influenciou muito a gente, admite, destacando que, aos poucos, Patativa foi assumindo a posição ´de poeta brasileiro, e não apenas, da roça´, como costumava dizer com modéstia.

Isto significa que antes de ser apresentado ao meio intelectual de Fortaleza, o poeta tinha uma trajetória traçada a partir de sua criatividade. Como destaca a crítica e artista plástica Fayga Ostrower (1920-2001), no livro Acasos e Criação Artística: ´Todo ato de criação é um ato de compreensão que redimensiona o universo humano´, justificando que a experiência artística se dá no âmbito da sensibilidade.

´Patativa era um fenômeno´, diz Oswald Barroso, afirmando jamais ter conhecido alguém com a capacidade de memorização como a de Patativa. O repentista, por exemplo, após a peleja, não lembra dos versos. Patativa, não, criava na memória e, depois, aprimorava os versos passando para o papel. Esta é uma das suas principais qualidades no campo da criação artística.

O primeiro contato com Oswald Barroso aconteceu no Crato, em 1975, durante viagem do projeto ´Artesanato´ do Centro de Referência Cultural. ´A gente visitou o Cariri todo por ocasião da romaria de Nossa Senhora das Dores´, recorda. Patativa vendia os seus livros de mão em mão, além de levar sua lira através da cantoria. Patativa do Assaré também fazia melodias e tocava viola.

Participação política

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Um poeta rude, analfabeto, matuto, beiradeiro. Foi assim que Patativa do Assaré foi recebido, inicialmente, pela elite culta do Ceará, desabafa o cineasta Rosemberg Cariry, lembrando que em Fortaleza eram os muitos os intelectuais e escritores que tinham preconceito com a poesia de Patativa.

Essa realidade foi mudando aos poucos. A resposta positiva por parte de críticos literários do Sudeste aos seus livros e o interesse de alguns pesquisadores estrangeiros terminaram por mudar o enfoque da intelectualidade fortalezense sobre Patativa.

A partir de 1978, conta que começou a trazer o então ´poeta rude´ para apresentações, na Capital. Nessa época, iniciou a gravação do filme de média metragem ´Patativa do Assaré - um Poeta Camponês´, em super 8. O trabalho foi exibido em 1979, durante a Assembléia da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

O evento ganhou o nome de ´Cante lá que eu canto cá´, em homenagem ao poeta de Assaré. Durante o encontro, conta que organizou e dirigiu junto com o grupo Siriará, o show ´Canto Cariri´. O espetáculo teve como palco o Theatro José de Alencar, reunindo artistas populares do Cariri, entre eles, Patativa do Assaré. Conforme Rosemberg Cariry, Patativa foi aclamado por lideranças intelectuais e populares de todo o País, atuando no movimento pela anistia.

A sua música ´Canção do Pinto´ torna-se uma espécie de hino libertário da anistia e da redemocratização do País. O jornal e movimento cultural ´Nação Cariri´, que teve entre os dirigentes Rosemberg Cariry e Oswald Barroso, se tornou um dos principais veículos de divulgação da obra de Patativa. Em 1994, juntamente com Jefferson de Albuquerque Jr., Rosemberg rodou (em 16mm, depois ampliado para 35mm) o filme ´Patativa do Assaré - um Poeta do povo´, que foi legendado em vários idiomas para exibições em festivais nacionais e internacionais. O filme ganhou prêmios na Jornada Internacional de Cinema da Bahia e circulou no Brasil e no exterior. Em 1979, Rosemberg organizou o movimento ´Massafeira´ que contou com a participação de artistas do Cariri, sendo Patativa do Assaré a estrela maior, cantando ao lado dos cearenses Raimundo Fagner e Ednardo. Consolidou também a sua amizade com jovens compositores.

Ainda como fruto do ´Massafeira´, a CBS gravou ao vivo um disco, ´Poemas e Canções´, produzido por Raimundo Fagner. Em 1980, Patativa se apresenta com Fagner em vários shows por todo o País, e a música ´Vaca Estrela e Boi Fubá´ torna-se um grande sucesso popular. Em 1981, Fagner produziu um novo disco de Patativa, ´A Terra é Naturá´. Foi nesse ano que Patativa deixou a Serra de Santana e passou a morar em Assaré.

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O reconhecimento popular nacional de Patativa do Assaré, que começou na segunda metade da década de 1970, é consolidada no início dos anos 1980. O apogeu é em 1984 ´ quando o poeta se faz presente em vários acontecimentos políticos e culturais, participando da campanha pelas Diretas-Já´, afirma.

Em 2007, no ´XVII Cine Ceará - Festival Ibero-Americano de Cinema´, em Fortaleza, aconteceu a estréia nacional do filme de longa-metragem ´Patativa do Assaré - Ave Poesia´, que Rosemberg Cariry montou com as imagens que fez do velho mestre durante mais de 20 anos.

REFORMA AGRÁRIA

Pobre agregado, força de gigante,/ escuta, amigo, o que te digo agora / Depois da treva vem a linda aurora/ e a tua estrela surgirá brilhante. Pensando em ti eu vivo a todo instante/ minh´alma triste, desolada chora/ quando eu te vejo pelo mundo afora/ vagando incerto qual judeu errante. Para saíres da fatal fadiga/ do invisível jugo que cruel te obriga/ a padecer situação precária. Lutai altivo, corajoso e esperto/ pois só verás o teu país liberto/ se conseguires a reforma agrária´

"Patativa do Assaré"

Várias histórias o ligam aos Arraes

A ligação de Patativa com a literatura universal começou cedo e contou com a ajuda de dona Benigna Arraes, mãe de Violeta e de Miguel Arraes, que sempre considerou Patativa como parente próximo. Sensibilizada com a dedicação do menino da Serra de Santana pelas letras, dona Benigna ajudou a compor a biblioteca do poeta com os clássicos da literatura. “Nós temos um parente, um menino pobre e muito inteligente que mora em Assaré, se vocês tiverem algum livro sobrando, mandem para eu enviar para ele.” Pedia a parentes e amigos para dar ao menino que gostava de ler tudo o que via pela frente. Com esta ajuda, Patativa leu, dentre outros, Camões, Eça de Quieroz, Padre Antonio Vieira, Fernando Pessoa, Machado de Assis, José de Alencar, Castro Alves, Olavo Bilac, Guimarães Rosa, José Américo, Casimiro de Abreu e Monteiro Lobato.

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Há quem diga que nas suas veias corre o mesmo sangue de Bárbara de Alencar, mãe de José Martiniano de Alencar e Tristão Gonçalves, que lideraram a Confederação do Equador. De acordo com o historiador e advogado, Adauto Alencar, autor do livro “Roteiro Histórico e Genealógico de Assaré”, Patativa é descendente do Coronel Leonel Pereira de Alencar Rego que chegou ao Brasil, procedente de Portugal , com mais três irmãos, por volta de 1680. Leonel era avô da heroína cratense Bárbara Pereira de Alencar.

Ao visitar o local, no túmulo de Alexandrina Benigna de Alencar, localizado no sítio “Bonita”, próximo à Serra de Santana, em companhia da reportagem, a então reitora da Universidade Regional do Cariri, Violeta Arraes de Alencar disse que “neste túmulo está enterrada minha bisavó, que era irmã do bisavô de Patativa.”

IRACEMA SALES Repórter

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