DICAS DE REDAÇÃO

May 21, 2017 | Autor: Frederico Holanda | Categoria: Teses e Dissertações, questões de forma
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DICAS DE REDAÇÃO
Frederico de Holanda
2014 04 22

Estas "dicas" dizem respeito à redação de textos acadêmicos, não à redação de textos literários. Visam à concisão, elegância, clareza, ausência de cacoetes e, secundariamente, referem erros gramaticais usuais. Seguem como "tempestade cerebral" – fui listando à medida que fui lembrando. Eventualmente, complementarei. A língua se reinventa continuamente, portanto regras também mudam. Mas é prudente não arriscar. Nem todos somos Machado de Assis ou Guimarães Rosa...
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Cuidado para não usar o verbo implicar em outras regências, quando o certo é como transitivo direto (erro muito comum nas melhores famílias...):
Escrever cientificamente implica ser conciso – e não: implica em ser conciso

A regrinha simples para a crase é: substitua por um masculino – se resultar ao, então tem crase:
ele foi à esquina (ele foi ao supermercado)
Ela nunca é usada antes de um masculino. Mas não vale quando é uma contração da expressão francófona à la. P. ex., ele argumentou à Frederico de Holanda... (ou seja, à maneira de...)

Cuidado ao usar o verbo corroborar: ele quer dizer ratifica, confirma etc., e não concorda: fulano corrobora sicrano ao afirmar que... e não: fulano corrobora com sicrano ao afirmar que...

Evite os trailers (como veremos) ou retrospectivas (como se viu). Se você vai dizer depois, não estrague a surpresa. Se você está repetindo, é porque é necessário, não carece pedir desculpas ao leitor.

Não use poluições de texto, expressões dispensáveis que só tornam o discurso prolixo: é preciso notar que..., importante frisar..., assim sendo..., de fato... Na verdade também deve ser evitado, é em geral um cacoete, a não ser que você esteja contradizendo o que veio antes.

Nunca use o mesmo, a mesma, os mesmos, as mesmas nos casos do tipo: antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar... Melhor: antes de entrar no elevador, verifique se ele encontra-se parado neste andar... Não é muito mais elegante?... A primeira alternativa parece linguagem cartorial...

Não use parágrafos curtos demais, que coincidem às vezes com uma única frase. Ideias concatenadas, ao longo de várias frases, formam um parágrafo. Em geral, não faz sentido um parágrafo com uma única frase, a não ser uma adequada ênfase estilística ou conceitual, como ao final do meu texto O mundo das miudezas:
"Resolver os problemas pendentes é libertar a cidade das (perversas) circunstâncias nas quais ela foi gerada.
Ainda não foi dessa vez."

Cuidado com a pontuação: duas ideias diferentes são separadas por um ponto; duas relacionadas, ou itens de uma lista com uma descrição relativamente longa, por um ponto e vírgula; duas em sequência, por uma vírgula; exemplos que se seguem a uma afirmação, por dois pontos. P. ex.:
"Pelo contrário: as qualidades essenciais de Brasília não se relacionam à cartilha moderna. Elas decorrem de atributos que fazem a excelência das cidades desde sempre, ainda que, no caso de Brasília, limitem-se principalmente a dimensões expressivas: uma forte identidade, uma legibilidade interpartes clara (à la Lynch), uma beleza ímpar, uma configuração que cumpriu à excelência os requisitos de cidade-símbolo da nacionalidade. Os problemas, sim: a cidade-para-todas-as-classes, realizada mediante um tipo edilício ideal e universal, revelou-se um mito (superquadras não são acessíveis a baixos poderes aquisitivos); fortes barreiras físicas impõem pesados ônus para os pedestres; padrões de mobilidade são compatíveis com o veículo privado, não com o transporte público; bioclimaticamente, a cidade é confortável no interior dos setores (ou superquadras), muito desconfortável fora deles (ou entre eles)." (De meu texto O mundo das miudezas.)

Evite a todo custo advérbios e adjetivos: totalmente, completamente, enormemente, muito, pouco, admiravelmente, todo/todos/toda/todas... Em geral, eles não fazem falta, a não ser quando claramente qualificam de forma contrastante, novamente, o que foi afirmado antes.

Cuidado com o uso de este, esta, deste, desta; esse, essa, desse, dessa... Os primeiros indicam algo imediato, presente, "o que está próximo do falante, no espaço, no tempo ou no discurso" (Houaiss); os segundos, o contrário: p. ex. "o tema desta tese é..."; "Brasília é a Capital. O problema dessa cidade é que..."

Antes de etc. é mais elegante não usar vírgula nem a conjunção "e": "casas, apartamentos, mansões etc." (etc. é abreviação de et cetera, que quer dizer e outras coisas; portanto o "e" ou a "," antes de "etc." sobram).

Melhor não usar tanto... quanto, mas usar "e". Em vez de: "Brasília é tanto barroca quanto moderna", isso: "Brasília é barroca e moderna". Viu a concisão e a elegância?...
O mesmo se aplica a assim como. Em vez de: "Brasília é barroca, assim como moderna", novamente a redação acima: "Brasília é barroca e moderna". Texto enxuto!

Escreva frases completas e curtas que sejam compreensíveis autonomamente. É vício comum começar a frase com um gerúndio, sem que haja um sujeito explicitado. P. ex., não escreva: "Brasília é a segunda cidade mais dispersa do mundo. Contribuindo para que os custos de mobilidade sejam altos". A segunda frase não é compreensível autonomamente. Então, escreva: "Brasília é a segunda cidade mais dispersa do mundo, contribuindo para que os custos de mobilidade sejam altos".

Curiosamente, detrimento é frequentemente utilizada em sentido contrário ao significado correto da palavra. "Em detrimento de" significa "em prejuízo de", não "em benefício de", como aparece bastante.

É comum começar um parágrafo com em: "Do meu ponto de vista, Brasília repete as mazelas do modernismo, mas inova em outros aspectos...", "Parece-me que etc....", "Acho que etc....". Não faça isso. É você que está escrevendo, portanto é óbvio que é do seu ponto de vista! Afirme o que quer, sem "anestesia": "Brasília repete as mazelas do modernismo, mas inova em outros aspectos...".

O ponto anterior puxa o aspecto pronominal. É aspecto controverso, orientadores divergem. Alguns preferem a redação impessoal, na terceira pessoa, voz passiva. Assim: "Realizou-se um esforço abrangente...", quando o autor quis dizer "Realizei um esforço abrangente...". Ainda há o problema da ambiguidade: quando você lê a solução acima, frequentemente fica em dúvida: quem mesmo realizou o esforço? O autor ou terceiros? Ele está citando o trabalho de outros implicitamente? Ou pior: "Esta tese chegou à conclusão que...". Tese não chega a conclusão nenhuma, quem chega é o autor – ao fazer a tese, claro. Ou outra variante: o "nós majestático", de suposta modéstia, quando é o contrário: escreve-se "Realizamos um esforço...", quando o trabalho é uniautoral (se é de mais de um autor, claro, está certo). Melhor usar a primeira pessoa do singular. Isso não significa que você fica dizendo eu, eu, eu a cada frase. Depende de como redige o texto.

Tá proibido o uso de e/ou (poluição de linguagem: ou é – também – aditivo).

Evite o "constituísmo": é erro curiosamente comum usar o verbo constituir quando o certo é o ser. P. ex.: "Brasília constitui uma cidade moderna por excelência". Ou, pior ainda: "Brasília se constitui em uma cidade moderna...". Veja: "Brasília é uma cidade moderna por excelência" (mentirinha, não é não, apenas bolei a redação como exemplo). Entretanto, seria correto dizer: "As superquadras constituem a parte residencial do Plano Piloto", no sentido, portanto, de formar, estabelecer, organizar. Sempre que vier à mente o verbo constituir, substitua na mente pelo verbo ser e veja se sua intenção não é esta.

O travessão já é uma pausa. Portanto, nunca ponha uma vírgula depois de um travessão, como aqui: "Eles protestaram veementemente – sabendo que não ia resultar em nada –, mas mesmo assim valeu a pena". Sem vírgula, por favor!

Aguardem os próximos episódios!
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