DIDATICÁRIO DE CRIAÇÃO: AULA CHEIA

May 23, 2017 | Autor: Sandra Mara Corazza | Categoria: Education, Didática, Em Sala De Aula
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DIDATICÁRIO DE CRIAÇÃO: AULA CHEIA

SANDRA MARA CORAZZA

Apoio: CNPq; OBEDUC – CAPES/INEP; FAPERGS; PROPESQ – UFRGS; PPGEDU – FACED/UFRGS.

Porto Alegre, janeiro 2012. 1

Para meu sol-e-estrelas, neto primeiro, PEDRO PEREIRA LIMA CORAZZA – criador de Vita Nuova, em 04 junho 2010, 21h 34min.

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SUMÁRIO I – APRESENTRADUÇÃO: LIVRO-LUGAR 5 Para-e-didático 5, Conceitualização 6, Matéria 6, Política 7, Movimentos 7, Escrileitura 7, Procedimento geral 8, Pragmática 8, Avaliação 8 II – PASSOS DE AULA 10 II. 1. – ECOS 10 Didática da criação: aula cheia, antes da aula 10 Pautas para aulas de invenção 14 Aula-Medéia 16 As Aulas, a Auleira e a Poesia: caixa de ressonâncias ou câmara de ecos 20 II. 2. – “DAR” 29 10 passos para “dar” uma aula sem “mancar” 29 Outros “10 passos” (Colaboração de integrantes do BOP – Bando de Orientação e Pesquisa e do Grupo de Pesquisa DIF – artistagens, fabulações, variações) 32 Para desenhar uma aula em 3 dimensões (Betina Frichmann Gonçalves) 32 Para “dar” uma aula e fracassar (Cristiano Bedin da Costa) 34 Para “ler” um “texto didático” (Deniz Alcione Nicolay) 36 (Des)educativos para “dar” uma aula de música (Eduardo Guedes Pacheco) 39 Para dar uma aula lítero-filosófica (Ester Maria Dreher Heuser e Moacir Lopes de Camargos) 41 Para “dar” uma aula sem se decepcionar (Gabriel Sausen Feil) 45 Para dar uma aula “intempestiva” (Karen Elisabete Rosa Nodari) 47 Para “dar” uma aula “contemporânea” (Letícia Testa e Máximo Daniel Lamela Adó) 49 Para uma aula minimalista (Luciano Bedin da Costa e Larisa da Veiga Bandeira) 51 Para co-criar uma aula (Maria Idalina Krause de Campos) 53 Para dar uma aula escritural (Marcos da Rocha Oliveira) 55 Para “ler-escrever” uma aula em meio à vida (Patrícia Cardinale Dalarosa) 58 Para criação de procedimentos didáticos (Sonia Regina da Luz Matos) 61 III. EXERCÍCIOS DE DIDÁTICA 62 III. 1. – ESCREVER 62 Do Querer-Escrever ao Poder-Escrever 62 Escrever: Tender-para 63 Escrever é um ato de Fazer-Valer 68 3

Exercícios de Vidarbo 70 X fantasias de Escrileitura 72 O que é o ato de criação? 88 Imagem de AICE (Autor, Infantil, Currículo, Educador) 89 III. 2. – MÉTODOS 90 O Drama (Deleuze) do Espírito (Valéry) 90 Criar um personagem de Comédia Intelectual 95 Método 10: Espiritografema 99 O Método de Dramatização na Comédia do Intelecto: Valéry & Deleuze 103 Análise e criação de um currículo 110 Pesquisar um currículo-nômade 112 Chave de escrileitura: dramatização de um currículo 116 Inventário de procedimentos didáticos 130 IV – POSFÁCIO: ENFIM, UMA DIDATRADUÇÃO 187 Tratamento 133, Diferenças 135, Transcriação 137, O Didata-Tradutor 138, Procedimentos 140, Bricolagens 141, Estrangeiro 142, Escavação 143, Estoque 143, Combinação 144, Isomorfia 144, Crítico 145, Make it New 146, Texto 147, Glossário 148

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I – APRESENTRADUÇÃO: LIVRO-LUGAR Para-e-didático Este é um livro didático. Mas, por injunções diversas, como se verá, também é um livro paradidático. Acima de tudo, esse seu gênero ambíguo possui uma natureza pedagógica, voltada para a (de)formação de professores e estudantes de Graduação e de Pós-Graduação, precipuamente em Educação; embora esteja, também, dirigido para outras áreas de estudo e de pesquisa, como Música, Ciências Sociais, Artes Plásticas, Psicologia, Dança, Antropologia, História, Biologia, Teatro, Geografia, Letras, Estudos Culturais, etc. É devido a essa sua condição “para-e-didática” que, já desde o título, o livro pospõe o sufixo ário à palavra didática e, torna-se, assim, um Didaticário; isto é, um estado, qualidade, quantidade, forma, acervo, coletânea, lugar – no qual, é guardada, acondicionada, armazenada uma composição de didáticas. Composição que foi sendo produzida, durante algum tempo, no transcurso diário de uma professora; logo, que pode equivaler a uma vida, tratando do ofício de ensinar, da arte de aprender, e viceversa. Ofício e arte de uma Pedagogia Ativa, no sentido de Pound, que perguntam: “O que é a Didática que, neste livro-lugar, fica armazenada”? Ora, Didática é Artista; além disso, não é nada menos do que Tradução1. “Tudo bem” – algum leitor diria –; porém, se Didática-Artista é tomada como Tradução, traduz o quê”? Conceitos, perceptos, afectos e funções, no sentido deleuziano. “Mas, onde são produzidos esses afectos, conceitos, perceptos e funções? Em qual espaço ou domínio de práticas? Em que planos de pensamento”? A Didática-Artista traduz conceitos, perceptos, afectos e funções que, originariamente, foram criados nas línguas da Filosofia, da Arte e da Ciência. “Tradução, então” – diria outro leitor –; “mas, tradução de que tipo”? Não se trata de quaisquer atos tradutórios, a não ser de uma tradução criadora, transcriadora, na direção dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos. “No entanto, a Didática-Artista, concebida como Tradução Transcriadora, é realizada por quem”? Por professores, pedagogos, educadores, agentes culturais, todos aqueles que se empenham nessa atitude didática. “Outrossim” – acrescentaria outrem –, “ser um Didata-Artista da Tradução, enquanto transcriador, implica que tipo de compromisso”? Implica, primeiramente, produzir-se 1

Confira “Notas” (p.31-96), em Caderno de notas 1: projeto, notas & ressonâncias, organizado por HEUSER, E.M.D., na Coleção Escrileituras, do Observatório da Educação, CAPES/INEP – Cuiabá: EdUFMT, 2011.

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como um competente e consistente escrileitor de conceitos, perceptos, funções e afectos; pois, do contrário, a seguir, não conseguirá traduzi-los da Arte, da Filosofia e da Ciência para a Educação; permanecendo no nível da aplicação ou do decalque, segundo o senso comum, a opinião, os estereótipos, os preconceitos, as idéias feitas, os valores consagrados. Conceitualização Enunciadas as principais inflexões deste livro, vamos acompanhar, mais de perto, o seu ponto de vista e correlatas linhas saídas de linhas. Toda Didática-Artista da Tradução é crítica, visto que os seus processos são de pesquisa, criação e inovação. Por meio da Arte Menor e do Planejamento da Desnaturação, essa Didática constitui um campo artistador de variações múltiplas, que produz ondas e espirais; compõe linhas de vida e devires reais; promove fugas ativas e desterritorializações afirmativas. DidáticaTradução que é pragmática, por privilegiar a ação operatória de perceptos, afectos, funções e conceitos, a partir de obras já realizadas, que outros autores criaram, em outros planos, tempos, espaços. Portanto, Didática que honra as criações desses autores e obras, como suas efetivas condições de possibilidade, necessárias para a própria elaboração e execução; e, ao mesmo tempo, como o seu privilegiado campo de experimentação para exercitar possibilidades de criar os próprios perceptos, afectos, funções e conceitos. Ao fissurar certezas e verdades herdadas (ou mesmo auto-produzidas), a Didática-Tradução age nas dimensões ética e estética, potencializando, para a Educação, os fluxos desejantes que se insinuam entre os blocos epistêmicos e sensíveis da Filosofia, da Arte e da Ciência. Eminentemente heterogênea, maquina suas composições contra a homogênese, atribuindo primado à fluidez criadora, em detrimento das normas formais. Embora suscetível a regimes de ações estáveis, é Didática que se considera um sistema aberto, distante do equilíbrio e do apaziguamento; e, mesmo quando estabiliza suas ações, bifurca-se e ingressa em novos regimes de instabilidade. Executa, dessa maneira, uma espécie de autopoiese – enquanto processo de produção do novo –, através da criação de codificações (= forma de expressão + forma de conteúdo), em campos de comutabilidade e de diferencialidades, que circunscrevem o seu funcionamento e limites. Matéria A matéria principal dessa Didática-Artista da Tradução é a vida. A matéria-vida é trazida para a Didática, via encontros com formas de conteúdo e formas de expressão, 6

que compõem o mundo natural, animal e humano; foram criadas em outros meios históricos, geográficos, lingüísticos; e são auto-aprendidas ou aprendidas com outros. A Didática-Tradução apropria-se dessas formas e, ao mesmo tempo, desafia o tempo, o espaço, a linguagem que as produziram; leva-as a escaparem dos meios e autores que as engendraram; conserva traços de seus perceptos, afectos, funções e conceitos; agencia esses traços de diferentes maneiras; avalia o valor de seus efeitos produtivos, em diversos espaços educacionais, como aulas, discussões, orientações, oficinas e tantos outros. O realismo da Didática-Artista não remete à mimese do real; desde que ela busca no real o outro misterioso da realidade, que possibilita a sua existência e a fragiliza, fazendo-a seguir, levando-a adiante. Política Suscetível de determinações puramente pensantes e pensadas – as quais constroem um empirismo transcendental, contra o idealismo e o racionalismo –, a Didática-Artista da Tradução valoriza a multiplicidade, funcionando como meio de resistência contra a mesmidade e de luta contra a mediocridade. O seu gênero é impuro, pois mescla e cruza o que passou; o que nos afeta; e os mundos possíveis por vir. O seu método é cartográfico; o padrão de procedimento é diagonal e transversal; o vetor de suas intensidades sensíveis e inteligíveis é a dobra. A sua finalidade assumida é tornar as ações didáticas dignas dos acontecimentos que as constituem e produzem. Movimentos Os movimentos da Didática-Tradução consistem em extrair acontecimentos das coisas, dos corpos, dos estados de coisas e dos seres – inventando personagens (conceituais, estéticos, observadores parciais) e estabelecendo ligações entre eles e os acontecimentos. Rejeitar as modelizações confinantes, que negam o novo e requerem, somente, regularidades, médias e métricas – priorizando a poética, o processual e a reversibilidade. Localizar as dobras do mundo, entre as dobras do espírito e da matéria – acedendo, assim, aos planos de imanência (Filosofia), de composição (Arte) e de referência (Ciência). Capturar e liberar as forças inéditas e vitais, que agem sob as formas (de conteúdo e de expressão) – trabalhando as potências que estas carregam e carreiam. Substituir a relação forma-matéria pela relação força-material – associando obras, autores, criadores, tradutores, em devires de mutação das culturas. Favorecer culturas do dissenso – reinventando novas formas, significações, posições de indivíduos e de grupos. Traçar, inventar, criar linhas, que dobram os saberes, fazeres, sentires, uns sobre os outros – consoando-os. 7

Escrileitura A Didática-Artista da Tradução passa, necessariamente, pela escrileitura, que acontece em atos de ruptura, de desterritorializações e de devires-outros, que são sempre devires-minoritários. Suas formas de expressão precedem as formas de conteúdo. Instalando-se em regiões de ser e de pensamento, que portam problemas que uma didática – não configurada como Artista, nem da Tradução – deixa de formular, pode até revelar aspectos dos seres que estavam ocultos e abrir circuitos inéditos de pensamento. Procedimento geral Por não comportar determinismos, todos os momentos, lugares, incidentes e circunstâncias da Didática-Tradução podem se transformar em móveis fecundos de experimentações. Esse construcionismo é efetivado por um gesto triplo: inventar um plano pré-Didática-Artista; dar vida a personagens pró-Didática; criar Traduções. Desse gesto triplo – plano, personagens, traduções –, a Didática-Tradução extrai problemas para maquinar. Pragmática Partindo de um clichê – forma, sentido, interpretação, indivíduo, identidade, subjetividade, conhecimento, certeza, verdade –, a Didática-Artista da Tradução analisa a correspondente imagem dogmática do pensamento, em seus pressupostos explícitos e implícitos de senso-comum e doxa. Desenvolve procedimentos crítico-genealógicos e exploratório-experimentais, para borrar, escovar, varrer, raspar o clichê, por meio do uso de um diagrama – conjuntos operatórios de traços pré-individuais, irracionais, involuntários, acidentais, ao acaso, livres, não-representativos, não-ilustrativos, nãofigurativos, não-narrativos. Liberada dos clichês pelo diagrama, a Didática pode seguir devires, em zonas de indiscernibilidade e indeterminação; além de produzir formas deformadas, figuras desfiguradas, paradoxos, não-sensos. É assim que arranca, isola o material, o figural e o jogo de forças; desfaz os rostos (que são efeitos sobrecodificados) e deixa aparecer os devires múltiplos das cabeças; distribui forças informais (na tela, na folha, no piso, na areia), pelas quais as partes deformadas estão em relação com o seu de-Fora; produz sensações, ou seja, ações diretas sobre o sistema nervoso, através de vivências sensíveis e relacionais; faz correr linhas de variações contínuas, em modalidades e variedades diferentes. Avaliação

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Os critérios de avaliação da Didática-Artista da Tradução são: o vital, o interessante e o notável. Logo, o livro Didaticário de criação: aula cheia – feito para, por e com essa Didática – indaga e responde: “Como tornar interessantes e notáveis Idéias já criadas, levando-as a vivificar outros devires, em cenários da Educação Contemporânea, mesmo ao preço de voltá-las contra si mesmas”? A par disso, avalia a maior ou menor liberação das forças vitais dos seus escrileitores e participantes (onde quer que estejam represadas); trabalhando para que essas forças reencontrem a própria virtualidade, através da desestratificação das camadas sedimentadas de saber, poder e subjetividade.

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II. PASSOS DE AULA II. 1. – ECOS

DIDÁTICA DA CRIAÇÃO: AULA CHEIA, ANTES DA AULA

Cheia É uma ingenuidade o professor pensar que, ao dar uma aula, está diante de um quadro vazio, de uma página em branco, de uma tela virgem (Deleuze, 2007). É um equívoco o professor acreditar que, para fazer uma aula, basta ele entrar na sala, fechar a porta, e dar a aula que quiser. É um erro o professor achar que a sua aula é inexistente; e que, ao fazê-la, poderia reproduzir uma aula que já funcionara como modelo exemplar. O verdadeiro problema do professor não é entrar na aula, mas sair da aula. Isso porque, antes mesmo de começar, a aula já está cheia, e tudo está nela, até o próprio professor. O professor carrega, encontra-se carregado, há cargas: ao seu redor, nos alunos, no plano de ensino, nos livros, na escola. Antes que o professor comece a dar a sua aula, dela pode ser dito tudo, menos que se trata de “a sua aula”; pois a aula está cheia, atual ou virtualmente, de dados; os quais levam o professor a dar uma aula que já está dada, antes que ele a dê. Dados Assim como o currículo (Tadeu, 2003), a aula possui “dados”, que estão prontos, são anteriores a ela, e a ocupam: a) em primeiro lugar, dados de “conhecimento e verdade”, que determinam aquilo que é ensinado (o conteúdo) e a maneira como é ensinado (a didática); b) em seguida, dados sobre “sujeito e subjetividade”, que indicam o modo de subjetivação que a aula pratica e a identidade do Eu que ela requer; c) após, dados correspondentes à definição de “valores e critérios”, que são exigidos, postos, impostos, instituídos pela aula; d) e, finalmente, dados sobre a “vontade de poder”, que indicam a favor de quem e do quê é realizado o confronto de forças na aula. Esses dados, que preenchem a aula, constituem clichês. Logo, são dados-clichês, que não funcionam apenas em uma ordem intelectual ou cognitiva, mas também psíquica, física, perceptiva, amorosa, etc. Os clichês não representam, passiva e inocentemente, alguma coisa; mas produzem, ativamente, o conhecimento, o sujeito, o 10

valor e o poder das coisas vistas, sentidas, pensadas, faladas, olhadas, escritas, lidas, desejadas, numa aula. É que os dados são modos de ver e de falar; posições de sujeitos; regimes de signos; palavras de ordem; imagens de pensamento; códigos estriados; funções rígidas; sensações traduzidas em sistemas retilíneos; narrativas explicativas e tranqüilizadoras; e assim por diante. Trabalho Visto que uma aula é, desde sempre, feita de clichês-dados, se o professor quiser que a sua aula seja instigante, interessante e, mesmo, sua – em outras palavras, se desejar realizar uma aula singular –, não vai planejar, preparar e desenvolver a aula, como se ela estivesse vazia; tampouco vai se restringir à tarefa de, tão-somente, prever objetivos, conteúdos, atividades, recursos, avaliação. O professor necessita fazer um trabalho de maior relevância, que pertence à aula, mas precede o ato de dar a aula: trabalho preparatório, “invisível e silencioso, e entretanto muito intenso”, pelo qual o ato da aula é um a posteriori em relação a esse mesmo trabalho. Preparatório Trabalho preparatório que implica, antes de tudo, esvaziar, desobstruir, desentulhar, faxinar, limpar a aula. Assim, o professor vai varrer, esfregar, escovar a aula, para produzir a sua aula, cujo funcionamento subverta as relações dos modelos (os dados, os clichês) com as cópias (Deleuze, 1998). Para tanto, ele precisa identificar os dados (formações discursivas e não-discursivas), que ocupam a aula-dada; e, dentre esses dados, designar aqueles que constituem “um obstáculo, quais são uma ajuda ou mesmo os efeitos de um trabalho preparatório” (Deleuze, 2007, p. 102; p.91). Aquele professor que se restringir a maltratar, ou mesmo triturar os clichês, pode estar agindo em prol de uma transformação por demais abstrata; e, assim, correr o risco de permitir que os clichês retornem, espalhem-se e voltem a agir. Desse modo, o professor pode até dar uma “boa aula”, segundo as normas tradicionais de “Como dar uma aula” (Corazza, 1996); porém, a sua aula irá consistir, apenas, em uma aula-clichê. Luta Desde a perspectiva de uma didática da criação, a boa aula (no sentido tradicional) pode ser uma aula extremamente ruim; isto é, improdutiva, conservadora, obstaculizadora ou impeditiva da criação, da invenção, da fabricação do novo. Por isso, mesmo que “a luta contra os clichês” seja “algo terrível”, como pode um professor

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evitar que a sua aula seja uma aula-clichê? Como pode um professor dar uma aula que não seja uma aula-dada? Não há regras nem soluções universais. Cada professor sabe como proceder e tem uma idéia mais ou menos precisa do que quer fazer. O que o salva é que ele “não sabe como conseguir, não sabe como fazer o que quer” (Deleuze, 2007, p.94; p.100). A única certeza que o acompanha é que se, anteriormente (trabalho pré-aula), ele entrou na aula, com sua carga de dados-clichês e de probabilidades; agora, ele precisa sair daí (trabalho da aula), extirpando tanto suas formas de conteúdo quanto as de expressão (Deleuze 2004; Deleuze e Guattari, 1996), e experimentando. Procedimentos Nessa luta contra a aula-clichê, o professor sabe que não basta mutilá-la para obter a sua deformação. Afim de não agir como os professores-copistas, que fazem renascer os clichês onde eles teriam desaparecido – já que as “reações contra os clichês engendram clichês” –, o professor leva em conta que “muitas pessoas tomam uma foto por uma obra de arte, um plágio por uma audácia, uma paródia por um riso, ou, pior ainda, um mísero achado por uma criação” (Deleuze, 2007, p.93; p.94). Querendo criar, por si mesmo, uma diferente e inédita aula, que dê oportunidades ao improvável, o professor ora insiste, até o ponto de saturação, nos saberes tradicionais; ora acumula, até o esgotamento, as relações existentes de poder; ora faz paródias e transforma subjetividades conhecidas em personagens de comédia; enquanto, às vezes, deixa de lado os valores intelectuais em prol dos intuitivos; etc. Dentre esses procedimentos pré-racionais, involuntários, acidentais, o professor vai traçando, no interior da própria aula-clichê: linhas descontínuas, estilhaços flutuantes, resíduos irregulares, rupturas de sentidos, sinais fragmentários, espaços vazios, pequenas cenas, pormenores insignificantes, punctuns, incidentes, “coisas que caem, sem choque, e no entanto com um movimento que não é infinito” (Barthes, 1984; 2004, p.284). Ato A didática da criação considera que a potência artística de uma aula, exercida por meio de um processo criador de verdades (imanentes), valores (nãorepresentativos), sujeitos (pré-individuados) e poderes (provisórios), não se equaliza com uma adesão sem resistência ou com uma simples rejeição das normas. Havendo, astuciosamente, criado regras próprias de ação, para desorganizar e deformar os dados de aplicação das forças, valoração dos valores, jogos de verdade, 12

vontade de ser, saber e poder; tendo entrado de cabeça e saído voando da aula-clichê; o professor tem – agora sim – a sua aula. Como um “acaso manipulado” ou um “acidente manipulado” (Deleuze, 2007, p.99), a aula do professor pode, então, ser dada. Depois de começada, só nos resta perguntar se essa aula – conjunto informe e indiferenciado de multiplicidades livres – funciona. Referências BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. (Trad. Júlio Castañon Guimarães.) ___. O neutro: anotações de aulas e seminários ministrados no Collège de France, 1977-1978. São Paulo: Martins Fontes, 2003c. (Trad. Ivone Castilho Benedetti.) CORAZZA, Sandra Mara. “Como dar uma aula?” Que pergunta é esta? In: MORAES, Vera Regina Pires de. (Org.). Melhoria do ensino e capacitação docente: programa de aperfeiçoamento pedagógico. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1996, p.57-63. DELEUZE, Gilles. Foucault. Paris: Minuit, 1994. ___. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 1998. (Trad. Luiz Roberto Salinas Fortes.) ___. Francis Bacon: lógica da sensação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. (Coord. Trad. Roberto Machado.) ___. GUATTARI, Félix. Kafka: pour une littérature mineure. Paris: Minuit, 1996. TADEU, Tomaz. “Dr. Nietzsche curriculista – com uma pequena ajuda do Professor Deleuze”. In: CORAZZA, S.M; TADEU, T. Composições. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, p.35-57.

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PAUTAS PARA AULAS DE INVENÇÃO 1. As Aulas de Invenção (AdeI), nem só de dados feitas, são novas. > AdeI não são meros instrumentos dos professores; elas os constituem.<

2. Com estilhaços de romance, as AdeI seguem, param, voltam um instante e batem na cara da história Da Aula (DA). > A carga de passado DA entrava a mudança e obstaculiza o fluxo da criação.<

3. Porque as AdeI fazem-se com máscaras, aluvião e mágicas, os professores se espantam e caem da linguagem DA. > As AdeI libertam a linguagem DA de sua completude reconfortante, assertivas, certezas, estereótipos, arcaísmos, egotismo, conservadorismo.<

4. Conteúdos, expressões, sensações e palavras das AdeI sacodem, esganam e largam a identidade DA. > Doces e malemolentes, as AdeI fazem o corpo DA balançar, em resistência incondicionada.<

5. Monstra horrorosa, de bocarra imensa e duras escamas, a prática DA persegue os vôos dos morcegos e das borboletas da Invenção. > Não há transparência nem inocência DA e aquela Aula que assim se apresenta é mais aliciadora e insidiosa do que outras.<

6. Desenvolvidas por meio da escrileitura literária e poética, as AdeI levam a Aula a se abrir ao não dito, não sentido, não pensado, não desejado. > Concebendo o espontaneísmo como reino de clichês, lugares-comuns e idéias feitas, as AdeI distanciam-se dos defensores da criatividade solta, do esteticismo estéril e do vale-tudo; logo, supõem preparação, escolhas e crítica.<

7. A campainha de bronze das AdeI toca na torre de cristal DA e ataca suas bobagens, tolices, idiotices.

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> O trabalho de renovação DA transforma as besteiras em verdadeiros problemas de pesquisa, análise e reescritura.<

8. Há muito tempo, caixilhos de ferro, cortinas de chita e armários com cupins promovem incidentes DA. > Ao contestarem os discursos das Aulas científicas, acadêmicas e burocráticas, as AdeI não dispensam suas normas, mas as deformam.<

9. A máquina das AdeI tende para a isenção dos sentidos, o que as leva a perceberem os rumores DA. > Os rumores DA remetem a não-sentidos, que fazem as AdeI produzir novos sentidos.<

10. Assim, o dia DA, com pautas de música, compõe ressonâncias, em sol maior. > É que, mesmo que não se perceba, na barriga DA, vivem e se agitam as AdeI como lombrigas que dissolvem as imagens dogmáticas DA; promovem a circulação do desejo de ensinar AdeI e a multiplicidade do prazer de aprender AdeI; desbaratando, assim, os papéis prefixados da Comédia Educacional.<

< Currículos ligados.>

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AULA-MEDÉIA – Não ao modo de Descartes que, seguindo o princípio aristotélico, toma um pedaço de cera para fazê-la refletir a identidade; mas no sentido da problematização, em que um enigma repercute e, friamente, faz de nós o seu espelho. – Não com saudades da finada Aula, com letra maiúscula. Ela foi-se... – Não empatia ou simpatia por um novo vetor-de-estrutura, tal como uma gelatinosa função catártica e aquisitiva da Aula, que partilha o ufanismo de estados exóticos, mágicos, místicos, marginais ou malditos. – Não abastança de significação e a peste metafórico-lirificante da Aula. – Não criptas funerárias da estupidez analítica e da tacanhice discursiva das aulas pomposas, ossificadas, medrosas. – Apenas, culturmorfologicamente, uma aula de metamorfose vetoriada, transformação qualitativa, Make it New. – Uma Aula-Medéia (Euripides, 2004). – Logo, não uma medíocre vingança, do dente-por-dente e do-olho-por-olho, ou do insuportável remorso judaico-cristão. – Mas, uma aula de criação e de manutenção dos laços, que proclamam um amor na medida do seu ser: “Para quem procura minha morte” (vocifera Medéia), “posso, sim, ser cruel”. – Aula câmara de ecos, com um ponto que repete o enigma, cuja questão persiste através – olhar de través, que evoca ausência de si próprio – da emoção de milênios.

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– Obliqüidade de uma aula, com desejo de compactuar o esvaecer do ser, ponto inicial de todos os encontros e desencontros. – Uma aula que ninguém imita, como ninguém sonha imitar aquela mulher, Medéia, que veio do Leste; e que, segundo Heródoto, retorna ao Leste, para viver com os únicos povos com quem pode viver, depois que se torna Medéia: os povos nômades. – Então, uma aula com a nova identidade, adquirida na estepe mítica (e, ao mesmo tempo, verdadeira), inventada pela posição: “Agora, sou Aula-Medéia”. – Uma aula que mata os próprios filhos, mas se torna mãe de todo um povo: glorioso, rival e aliado. – Aula, que transforma o desejo e transmuta a crueldade. – Com potência de resfriamento (Deleuze, 2009), a Aula-Medéia é gelada e purificada, impessoal e introspectiva. – Aula, que tem de ser assim (pois não pode não ser para mim), não pode ser antecipada, nem vivida por procuração. – Aula, que produz algo singular; e, por isso, a cada vez, repetido. – Como Medéia, ninguém tem coragem, nem interesse, de se apropriar dessa aula, de levá-la a ilustrar algo, ou de inseri-la em sistemas. – Aula, que não é das nossas, humanas civilizadas; pois segue outras leis, já que descende do Sol – ancestral de Medéia, que a presenteou com o vestido amarelo, o qual Jasão teve a petulância de solicitar, para dá-lo a Creusa, que o invejara. – Aula vencida, mas irrefutavelmente ameaçadora. – Aula sem culpa e sem justiça, que faz a Aula (com letra maiúscula) desmoronar; desequilibra suas linhagens tranqüilas; e a ataca, feito horda bárbara. 17

– Aula de Morte, na qual, o Sol não vem de Apolo, luminosamarela fonte de vida, mas une-se à escuridão infernal. – Como a Mãe devoradora, aula nunca mais submetida aos laços do amor conjugal e da maternidade respeitável; não mais a-mulher-do-homem, não mais a-mãedos-filhos-do-homem; ao contrário, aula assassina, que impõe a própria sobrevivência, para além da vida das crias; dessa maneira, transformando-as em crianças sobrehumanas: animais e céus persas. – Uma aula inimaginável na ordem do fantasma vienense e que só tem lugar na fantasia literária e artística. – Aula que, por existir, persegue e explode símbolos, mitos, alusões, certezas subjetivas, formalismo nirvânico, contemplação, jargão lírico vigente, idéias fracas, adjetivos, representação figurativa de temas e motivos, desenvolvimento linear de princípio-meio-fim, ossificação das fórmulas, morfinização nostálgica de jogos sem imprevistos, abastança de significação, omissão diante da burrice. – Aula que pouco hesita, ao se aproximar da escrileitura; e que, quando o faz, ainda exclama (como Medéia): “Minha covardia é vergonhosa”. – Aula que não tem piedade dos textos, dos autores, das obras; não os perdoa, nem os consola; feito Medéia, a qual (escreve Eurípides) é tão temível, que é capaz de, ao agir, sussurrar a si mesma: “Chorarás mais tarde”. – Aula sem cuidados ou afeição pelo pensamento, que não o repara ou concilia, tampouco presta-lhe solidariedade. – Aula que, portanto, nada faz; não pode fazer mais nada que seja consensual. – Através da Aula-Medéia, um Auleiro (isto é, cada um e todos que dessa Aula participam) passa do estado líquido ao cristal; mas não se transforma em uma mulher, a ser enganada e abandonada.

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– A nova Aula é feiticeira, que encontra o poder de existir na primeira, mas nada lhe pede; pois tem uma forma singular de crueldade: não a do capricho nem a da maldade, mas a da mulher-carrasco. – Crueldade de Aula Ideal, com o seu ponto específico de congelamento e de idealização: ponto impassível, terrível, colérico e pânico de uma aula totalmente expurgada do medo à traição de textos, autores, obras.

Referências DELEUZE, Gilles. Sacher-Masoch: o frio e o cruel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. (Trad. Jorge Bastos.) EURIPIDES. Medéia. São Paulo: Civilização Brasileira, 2004. (Trad. Millor Fernandes.)

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AS AULAS, A AULEIRA E A POESIA: CAIXA DE RESSONÂNCIAS OU CÂMARA DE ECOS Em relação às Aulas e à Poesia, que a cercavam por todos os lados, como ficaram as mãos, a cabeça, o coração e os nervos da Auleira? Primeiramente, de modo reativo (porque se dava conta que estava na defensiva), a Auleira quis identificar os poemas; traduzir as frases; aderir às palavras; acrescentar ou mudar pontuações de lugar; transportar ou descodificar sentidos; implicar com os títulos das poesias, que lhe traziam idéias batidas, como a de metamorfose ou de salvação, com um-antes-e-um-depois; achar que faltavam imagens para compor os conteúdos; encontrar um plano, qualquer foco, um eixo, qualquer temática, um assunto, qualquer fio, um grãozinho que fosse de estrutura – pois ainda achava que eram necessários para que algo durasse como obra de arte. Buscou, então, levar as Aulas e os poetas a se comunicarem entre si; significar o conjunto, por meio de relações entre temas e estilos da Ciência, Literatura, Educação. Muitas vezes (repetindo em voz baixa, como bordões), invocou afectos e perceptos; revisitou-os, remanejou-os e, forçadamente (sentia), simulou que aqueles poemas que serviam de solo ou de trampolim para a Aula tratavam-se de conceitos ou funções de X, Y e Z, feitos por N, B e D. (Mesmo que ela tentasse pegar esses poemas e autores por trás, como Valéry pegara Descartes; o Estagirita pegara Dionísio, Eurípides, Homero; e Deleuze pegara todos eles.) Padeceu tanto com essas procuras (que haviam se grudado pegajosamente nela, desde que lera o primeiro verso), que se deixou carregar pela leveza sonora, para que as Aulas se transformassem no que sempre mereceram ser diante da Poesia: em sua caixa de ressonâncias ou câmara de ecos. Tendo, assim, o corpo-escrileitura da Auleira sido possuído pela Poesia, disposta ficou para transferir as energias do sistema oscilante da Poesia para o da Aula, de maneira que a freqüência desta (isto é, os movimentos ondulatórios em relação às unidades de tempo) conviesse à sua própria freqüência de Auleira. Conseguiu fazer com que fantasias de títulos, temas, focos, eixos, relações, que, teimosamente, buscara, fossem usadas como emblemas da ideografia poética de que uma Aula é composta. Ideografia que, se por um lado, rompe com os sistemas de origem; por outro, homenageia seus autores e obras, em função de escolhas e

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composições, feitas nas escrileituras de uma Aula e na última página em branco do seu Caderno de Notas (que a Auleira achou, inicialmente, fossem dedicadas à morte). Logo, enquanto câmara de ecos, ela deixou que a Poesia ressoasse dádivas e repercutisse anseios nas Aulas: chorou com constelações brilhantes e finais de tarde; com medo das paixões retrospectivas e saudade das canções incontáveis; com estradas viajadas e ilusões visíveis. Mas, também se permitiu rir (embora pouco, ao modo de esgares), com as vozes daquilo que Aulas passadas não expressaram e dos seus espectros na relva. Sentiu o cangote arrepiar-se, quando a Aula querida foi transformada (pelos malucos-cabeça Artaud e Van Gogh) naquele Bebê-Monstro que, germinal, selvagem e sorrindo, comandava toda a Via Láctea, a Terra e seus botões invisíveis. Urrou (e jamais saberia se de dor), quando encontrou laços microscópicos, degraus dormentes, musgos luxuriosos, ao lado de unicórnios adâmicos e ninfas lilases na primavera, clamando que a deixassem agir, pois precisava de um pouco de imaginação. Deu barrigadas de tanto gargalhar (aí, sim), ao se deparar com os seres que rastejam na lama e no lodo, embriagados de veneno inútil. Adorou sonhar-se acordando, para escrever Cahiers, antes da aurora em Sète; e, depois, com retornos a intervalos de fumaça em San Juan de Pasto; sóis impacientes na ilha de Manhattan; atmosfera dos vales de Caxemira; ensinamentos do himeneu em Dublin, debaixo de um castanheiro, feitos uma ponte para o furor de velhos cantos. Como, agora, a Auleira escrevia-e-lia acusticamente, começou a perceber que os ecos poéticos das Aulas eram uma reflexão dos sons, que só lhe chegavam um tempo depois de, nelas, serem emitidos diretamente. E chegavam, após atravessarem obstáculos, que estavam distantes e eram feitos de materiais polidos ou densos, que não os tivessem absorvido. Desse modo, sons, imagens, culturas, conteúdos, rimas, planos de pensamento vinham do fundo de fluidas escadarias de mármore; escorregavam por enormes edifícios brancos, no fundo do mar, cheios de maquinarias de espuma; eram vocalizados em salas feitas de crânios, que continham a destruição da virtude; valsavam desatinados em estrelas cheias de ternura; subiam por asas e bicos de águias inanimadas, com textura da pele de cadáveres; deslizavam por escarpas camufladas e celeiros insondáveis; bufavam em balsas cheias de salamandras cambaleantes a espreitarem jovens e virgens. Assim reverberando, as Aulas emitiam algumas flexões poéticas que a Auleira não conseguia jamais distinguir umas das outras. Também, dependendo da intensidade dos ecos, uns lhes eram desejáveis (como no radar) e, outros, indesejáveis (como na 21

microfonia). Feita um aparelho de ultra-sonografia, que sentia as emissões de ondas, no ar, na terra, na luz e na água, a escrileitura da Auleira ecolocalizava e biosonava as Aulas, com se fosse um golfinho, uma baleia ou a Noite. Ondas Aulísticas que, às vezes, lhe eram desmobilizadoras: “Como correr das batalhas”? “O que fazer para deixar o tempo passar”? “Quando chegam o descanso e a fruição”? Mas, em seguida, vinha-lhe uma onda-viveira na vibração das frases: “Qual é este amor despertado”? “Que palpitante Aula me foi legada pela Poesia”? “Mais do que o dever cumprido, que sensação aprazível é esta que da Aula-Poema me chega”? Já outras ondas traziam-lhe sensações antigas, duradouras, doloridas, como quando alguém erguia a vela principal e navegava sem mais perspectiva de encontro; enquanto outro alguém dizia “É tudo idéia feita”. Escutava o desagradável eco do consenso em: “É muito sacrifício para tão pouco”; mas, daí, tornava-se-lhe audível a frasemovimentadeira: “Aprendeste lições com aqueles que admiras”? Estupefata ficava quando, logo adiante, chegava a emissão rançosa da cansada frase: “Dou Aula do mesmo jeito que me deram”. Detestou o que lhe pareciam lembranças edipianas de infância: “A professora é uma mãe”. Também se desgostou, ao ouvir “A escola é o segundo lar” ou o demasiado repetido “Se queres ser alguém, na vida, estuda”. E o que mais odiou (por seu agnosticismo) foi a onda, tantas vezes recebida, de alguma divindade ou máxima redentora, em ação na Educação. Ler-e-escrever as Aulas, por meio do procedimento poético caixa-deressonância, levou Auleira a sentir e entender melhor que uma Aula (por definição e em ato) ocupa-se, momentaneamente, ou atravessa um grau-zero de produção de sentido; grau que é, também, verticalização ou estilo (lembrava de Barthes), somente viável num espaço da criação de escrileituras. Agora, ela se considerava dispensada de aprofundar códigos, gêneros, autores, origens, escolas; de comentar ou de interpretar os poemas e seu conjunto, segundo critérios preexistentes e valores a eles transcendentes. E, o mais incrível, ficava eximida de proceder a qualquer Juízo, viesse de quem ou de onde viesse! Poderia deixar as Aulas sossegadas, para serem apreendidas, no que nelas havia de poeticamente novo. Auleira adquirira, assim, a inocência da eco-escrileitura de uma Aula, que a desobrigava de remetê-la à miséria das paixões tristes, às pobrezas dos sonhos classificados e aos rigores das organizações; conseguindo, spinozianamente, fazer com que uma Aula lhe conviesse, isto é, lhe transmitisse suas forças internas e ricas da potência poética; ou não. Ao fazer simplesmente uma Aula existir, em sua inédita 22

combinação, deixava-a alçar-se a algum modo novo de funcionamento, criando-se por meio das forças poéticas que conseguia captar. Valorizava-a, finalmente, em sua própria produção. Então, do prazer de escutar as ressonâncias das Aulas, levemente, ela passou ao desejo de escrevê-las; desta vez, em seu Caderno de Notas, como Doris Lessing (1972), em The golden notebook (O carnê dourado). CADERNO DE NOTAS 1. (Na primeira página desse Caderno, abaixo do título “Aula”, aparecem as seguintes palavras assustadas.) Aula existem aí lamentos indolência curiosidade conquistas? medo de ficar só na continuidade neste estágio intermediário entre ser e imago Aula dialoga mas nada mais que boca e ouvidos deglute fala escuta escreve lê e pronto em estado de andadura e desprendimento como poeira dos tempos sorte cor de esmeralda ou lágrima que goteja absorvida pela areia isso a faz viver 2. (Há, em seguida, uma anotação à margem, escrita com tinta forte, sublinhada.) Cadência Termo para designar o processo de afastamento das experiências de Aulas passadas. 3. (A segunda página está dividida em três blocos por nítidas linhas pretas. Nelas, lê-se.) Uma altivez Depois que Auleio, já não sou mais o que fui. O que está lá? Enquanto, antes, tinha só cópias para fazer, tenho, agora, experimentações inimitáveis: escrileitura, esbelta como pernas de mariposa; vozes desenhadas e cérebros hemisféricos, com bilhões de facetas, matizes, lados, utensílios e perturbações, ao mesmo tempo; pistas de sabedoria, extraídas, com língua pontuda de poeta, da superfície dos estudos relevantes. Na justa medida de uma Aula altivamente reversa. 23

Mônada olho para a Misteriosa tudo fechado não existem portas nem janelas local afastado silêncio absoluto por fora parece que dentro nada acontece ilusão atividade tremenda por séculos inteiros quem trabalha ali? a vida da Aula-Mônada princípio do ovo curioso que passa aos escultores aos herdeiros da chama para as formas o princípio vital é a alma porém não se trata de monogamia é alma dividida em corpos infinitos Enigma Como é possível que uma pequenina Aula, que nada conta, possa sair da Poesia, tão dadivosa e resplandecente? A solução é Alegria. 4. (A seguir, um adendo, colado com fita adesiva.) – A Aula busca um raio, pois a tempestade lhe escapa; quer, assim, correntes que fogem, para cavalgá-las. A fim de analisar uma Aula perfumada, é preciso decifrá-la na aspiração. Para compreender um broto de poesia de Aula, é preciso encrespá-lo no Espírito. O Espírito da Aula é um berço de línguas; dele, saem recém-nascidos e serpentes. Também os tímpanos alimentam-se; e, mesmo tumultuada, a Aula esparramase nos tímpanos do Espírito, sob formas alteráveis e vibráteis. Como abrir o pensar do Espírito da Aula às portas da Vida? Este é o divertido (e fracassado) combate, nas estações da Comédia Intelectual da Educação: o combate contra o pensar poético. 5. (Por fim, nas últimas páginas, sob o título “Auleira”, aparece escrito.) Auleira

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– não morrerei tão facilmente sou uma Guerreira de Aula – se és uma Guerreira luta contra o Imobilismo – até o faria mas como cruzar os limites da Fantasia de Aula? – ora Fantasia não tem limites... – isto não é verdade mentes! – tonta não te dispuseste ainda a viver a Fantasia é o mundo das diferenças logo é ilimitado – mas por que a Fantasia de Aula agoniza então? – porque sem ela os Auleiros são mais fáceis de arrebanhar despojar entristecer aniquilar

tua Aula crava-se na grande terra calosa do mundo da Poesia feito de céus mares astros deusas diamantes ervas mortais ali onde canta o rouxinol de Keats Rimbaud com 17 anos faz o primeiro experimento toca paisagens escreve vertigens inventa o barco

encontras o mestre dos heterônimos Alberto Caeiro saído a pouco do escritório na Baixa que diz passa uma Aula adiante onde o arroio brota das raízes e atrás vem Fernando Pessoa ele-mesmo resmungando dizem que a Aula finge ou mente tudo o que faz simplesmente sente com a imaginação

num promontório Archibald MacLeish desenha sua Ars Poetica uma Aula deve ser palpável como um fruto redondo ou velhos medalhões ao toque dos dedos deve ser calada como a Lua subindo deve ser e não significar

nas asas das perdizes Pablo Neruda canta o Poema XVIII 25

Aulas não se descartam nem se somam ardem de doçura e se enfurecem no exílio Murilo Mendes estrebucha de rir com Aulas em família que têm por testemunha a Gioconda

na água-furtada Baudelaire baixa a Aula do seu reino aéreo em cujas asas encharcadas de sal Mallarmé embarca para ir à festa possível lá onde soa o violino de Verlaine

na biblioteca Jorge Luis Borges sussurra amamos as Aulas que não conhecemos e as já perdidas as antigas que não nos decepcionam mais porque são mito e esplendor as mutantes formas de Aulas feitas do que foi esquecido e que mal deciframos

no jornal Aurora Walt Whitman convoca a virem a si as suas Aulas tomarem o melhor que ele tem pois precisa demais do contato com almas e corpos

e na sacada Apollinaire suplica que a Aula seja o seu obus boche para matá-lo de súbito amor

a Aula não é nem nunca será de sobriedade mas do excesso exagero desmesura desmedida orgia

nela ouve-se a Canção da inocência de William Blake

as Aulas da noite soberbas altas com suas patas galopam entre as vinhas à busca dos escombros da paisagem que foi Hilda Hilst em seus recantos e desvãos

Manuel de Barros recita avencas 26

e Proust ouve aves e beethovens de Aulas Hokusai pede cento e dez anos de vida para que toda Aula caiba num pontinho do seu pincel de pêlo de marta

na Aula Dementada em que a Educação vive aberta do Cemitério marinho Valéry contempla o dia que incendeia o mar que recomeça sempre e é recompensa depois de um pensamento

Florbela Espanca sonha na Aula a vaidade de ser a poetisa eleita e quanto mais no alto voa acorda do sonho e nada é

o Homem sem qualidades de Musil segreda que o melhor esconderijo da Aula é o plano

à procura eterna da poesia Drummond convida chega mais perto e contempla as Aulas cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta sem interesse pela resposta pobre ou terrível que lhe deres trouxeste a chave?

então lhe dirás não há só poemas luminescentes de radiação luminosa na fonte da Aula impossíveis de medir objetivamente como velas num quarto escuro parecem brilhantes mas jamais à luz do sol

com Mário Faustino as Aulas vão contra o peso do mundo e a pureza dos anjos têm alma cantante e risonha imantada por luzes e sons pulsam e palpitam o pulso contra os olhos vazios da morte são armas carregadas de futuro 27

nossas Aulas apontam setas de poesia direto para os peitos tiram intenções piedosas não pedem definições precisas nunca ordenam “vai por aí”

vendaval louco que se solta onda do mar que se eleva um átomo mais que se anima pecados sem adornos veredas de escamas papéis úmidos de tinta desertos de malmequeres torrentes de pôr-de-sol abismos sangrentos que tocam o fundo paixão de suicidas que se matam sem explicação para além de suas penas

Aula canta teus poemas como o ar treze vezes por minuto para trazer impulsos coragem ferramentas na fertilização de tantas outras 6. (Nisto, faltou luz. A Auleira acende a vela. Um fantasma de Aula flutua em direção à chama e cai. Morto. Antes de fechar o Caderno de Notas e de assoprar a vela, ela ainda tem tempo de variar uma frase do Padre Antonio Vieira: “Desculpe por tão longa Aula; mas é que não tive tempo, jeito, nem peito, de fazê-la breve”.)

Referência LESSING, Dóris. O carnê dourado. São Paulo: Círculo do Livro, 1972. (Trad. Sônia Coutinho e Ebréia de Castro Alves.)

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II. 2. – “DAR” 10 PASSOS PARA “DAR” UMA AULA SEM “MANCAR” Aos colegas da área de Didática, DEC/FACED/UFRGS; dentre os quais, Marise Basso Amaral, que forneceu o mote.

1º. Não pergunte a ninguém como “dar uma Aula”. Se, no entanto, em algum dia precedente: a) você estudou formas de “dar uma Aula”, registradas na História da Educação e da Pedagogia, tome essas formas como meras histórias, ou seja: produzidas em tempos-espaços específicos, em meio a relações de saber-poder, que produzem determinados modos de subjetivação – e esqueça a História; b) se alguém supôs ter lhe “ensinado” algo sobre como “dar uma Aula” – esqueça-o, também, totalmente. 2º. Então, faça o que precisa ser feito: da melhor maneira ética, e com o melhor material que você conseguir, prepare uma Aula. 3º. Como uma Aula não é uma coisa que você agarre, acumule, distribua ou “dê” a alguém, fabrique, confeccione, produza, invente, ficcionalize uma Aula. Em síntese: puxe-se! 4º. Viva a Aula em intensidade, como uma Aventura humana, demasiadamente humana. Para tanto, largue a Moralina na porta de entrada; pois, só assim, você terá condições de criar uma nova sensibilidade para sentir, desejar, trabalhar, fazer uma Aula. 5º. Pense... 6º. Veja se, por meio da Aula, você próprio, como “Auleiro” consegue: a) pensar a Diferença Pura que ilimita toda ação humana; b) esgarçar as Identidades, a Racionalidade Moral, a Experiência Utilitária; c) pôr em jogo saberes plurais para ler signos heterogêneos: Mundanos, Amorosos, Sensíveis, Artísticos; d) praticar a Fantasia de Aula, para que esta não integre o domínio do Estereótipo, do Já-Dito, do Espontaneísmo Vazio, da Mesmidade Estéril. 7º. Verifique se a Aula: a) não opera com pretensões à Verdade; b) não suspende a vontade de criticar; c) não aborrece, entedia, nem transmite a sensação de déjà vu; d) mas aligeira e adianta as potências do Futuro; e) funciona como um Atrator Caótico; f) produz efeitos de Inspiração e de Criação.

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8º. Avalie se você, enquanto “Auleiro”, está transitando do Prazer de Aprender ao Desejo de Educar e vice-versa, por realizar a Aula como um território singular, instigante, novo, que desloca os valores estabelecidos e descodifica as formas de conteúdo e de expressão correntes. 9º. Faça a Aula combater todas as maneiras medíocres de “dar Aula”, que diminuem, reduzem e aviltam a Vida; portanto, faça-a funcionar como Máquina de Guerra contra as burocracias intelectuais, o pesadume da vida, as forças secundárias de adaptação e de regulação: Memória, Lucro, Honras, Poder, Vaidade. 10º. Se, ao dar algum ou todos os 09 Passos anteriores, você “mancou”, mesmo sem querer, faça como naquela música: levante, sacuda a poeira, e dê a volta por cima, isto é: prepare, com toda dedicação e amor, a sua próxima Aula. Merde para você!

Apêndice (1) Os professores e os tratados que dão receitas sobre “Como dar uma aula” (ou “Como fazer um currículo”, ou “Como desenvolver um conteúdo X”) são tão imbecis como o seria um livro que fornecesse medidas ou combinações de cores para produzir uma obra de arte ou uma obra-prima à la Van Gogh. (2) Aprende-se a pintar pelo olho, não por álgebra; aprende-se a fazer uma aula fazendo-a, pelo coração, pelo desejo, pela vontade de educar. (3) Assim como em música, a prosódia e a melodia são aprendidas pelo ouvido atento, e não por um índex de nomenclaturas ou pelas informações de que tal ou qual nota se denomina lá ou sol; assim também uma aula é aprendida pelo próprio processo de ser feita. (4) Se você der a um desenhista 64 moldes das curvas mais comuns de Botticelli ou se der a ele os 18 tons de amarelos mais usados por Van Gogh, ele será capaz de fazer uma obra de arte? (5) Você esperaria criar uma melodia, tal como Mozart ou Bach, simplesmente golpeando notas alternadas ou alternando mínimas e colcheias? (6) Podemos fazer listas e mais listas puramente empíricas de técnicas bemsucedidas (sabe-se lá o que é isto!); podemos, até mesmo, fazer um catálogo de nossas aulas ou currículos prediletos; mas o que não podemos fazer é fornecer uma fórmula para compor uma aula, currículo, melodia mozartiana, livro beckettiano, etc. (7) Adianta alguém pedir a um professor de artes uma receita para fazer um desenho como Leonardo da Vinci? 30

(8) Adianta alguém pedir a um professor da Faculdade de Educação uma “receita” para fazer uma aula bela, produtiva, criadora? (9) Se ninguém pedir e ninguém oferecer essas receitas, teremos, talvez, afastado o extremo tédio que cansa a professoralidade e as besteiras disseminadas sobre metodologia, didática, currículo. (10) Virem-se!

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OUTROS “10 PASSOS” (Colaboração de integrantes do BOP – Bando de Orientação e Pesquisa e do Grupo de Pesquisa DIF – artistagens, fabulações, variações)

PARA DESENHAR UMA AULA EM TRÊS DIMENSÕES Betina Frichmann Gonçalves (Artista Plástica. Mestranda em Educação pelo PPGEDU/UFRGS. De BOP e DIF.)

Uma aula pode começar do encontro de pessoas e de coisas. Um choque que produz algum efeito. Um sistema de desterritorialização, com permissões, percepções, imaginações, operações, aprofundamentos e superações, deslocamentos, olhares.

Os passos 1- Permitir a criação de espaços de valor artístico na vida objetivamente fabulada pela personagem de professora-autora. Espaços lisos, fora das segmentações do pensamento moral e de seus modelos.

2- Perceber o pedaço das coisas e comportar o todo. O ato de perceber como ação para a criação.

3- Imaginar sem modelos, como orientação e desenho do pensamento, descarregar regras, desmodelizar o pensar.

4- Operar pelo sonho, pela embriaguez, pelo excesso, pelo irracional do humano.

5- Atingir um ponto secreto, aforismo do pensamento, anedota da vida, anedota do pensamento.

6- Aprofundar para chegar ao efeito de superfície. Com a verticalidade entre a profundidade e a altura se chegaria à autonomia da superfície. O acontecimento na superfície.

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7- Deslocar. Tornar-se outro, trocar de pele, olhar-se com os olhos dos outros e realizar o acabamento artístico. Encontrar clarões de emoções, aquilo que dissolve vínculos de rotina.

8- Olhar-se de modo totalmente crítico, como professora-autora: um ato de certa consciência.

9- Sair do pensamento como pensamento de verdade.

10- Saltar. Mas saltar para onde? Para qual linguagem? Derrapar, agarrar e arrastar. Não se trata mais de reencontrar, na leitura do mundo e do sujeito, simples oposição, mas transbordamento, superposições, escapes, desligamentos, deslocamentos, derrapagens. – Não volte prematuramente para os efeitos de sua própria execução.

Referências CORAZZA, Sandra Mara. Seminário Avançado: O método da dramatização na comédia do intelecto: Deleuze e Valéry. Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, UFRGS. 2010/2.

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PARA “DAR” UMA AULA E FRACASSAR Cristiano Bedin da Costa (Psicólogo pela UFSM, Mestre e doutorando em Educação pela UFRGS. De BOP e DIF.)

Para uso dos planejadores 1º. Comece por fixar um ponto ao redor do qual você poderá organizar o trabalho. Pode ser um tema, uma matéria, um conceito ou assunto específico; mas também algo da ordem de um gosto, de um determinado movimento ou gesto; talvez uma lembrança ou até mesmo um segredo, desde que o conteúdo possa servir como esteio para um emcasa, um esboço de um centro estável, para onde você tenha certeza de poder voltar a qualquer hora; sobretudo nos momentos de maior desorganização e fragilidade. 2º. Tendo encontrado o ponto, dê voltas, investigue, selecione os componentes capazes de auxiliar na necessária organização de um espaço limitado em torno do centro estável. Com isso, você já estará definindo um plano, o seu plano de aula, que não é igual aos outros. Trata-se da sua marca, da placa fixada em um meio específico, com os elementos que definem a sua postura: refrões e fragmentos de leitura, estratégias, treinos, tiques, rituais, preferências teóricas, didáticas e metodológicas; todas as coisas grandes e tudo o mais que for real ou aparentemente pequeno, inconfessável ou até mesmo impensável, concorrendo para a constituição da sua assinatura. 3º. Um plano é necessariamente uma construção: um arranjo inusitado, um atalho, um improviso incerto e frágil, talvez um murinho apenas; ou então um compacto, robusto e aparentemente intransponível casarão: métododidáticopráticoteóricopedagógico. Seja como for, por si só, o plano não existe, devendo ser incessantemente fantasiado, fabricado e avaliado, em função dos modos de existência que o constituem e que nele são desenvolvidos. 4º. Frente aos materiais que constituem o plano de aula, para nada interessa perguntar por essências, uma vez que a preocupação é saber e avaliar como cada um dos elementos se compõe com os demais, e o que resulta dessas composições. Mesmo as conjunções mais disparatadas podem configurar um bom encontro, renovando assim os modos de vida e aumentando a potência de agir dos componentes em relação. 5º. Um plano não é bom ou mau por um simples inventário de seus componentes. Enquanto planejador, seu critério de avaliação será a potência inventiva dos encontros, e

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não a análise dos elementos isolados. Sendo assim, fabule, selecione, componha, invente. Com sons, cores, imagens, textos. E então inverta o procedimento: até o avesso. 6º. O plano é aquilo que dele se diz, aquilo que nele se faz e fantasia, cada salto ou passo em falso que em seu meio é dado. O plano é a pequena ciranda, a territorialidade segura que possibilita a reiteração dos gestos, que orienta a didática e os procedimentos de pesquisa e escrileitura. Por essa via, o plano irá se contrair ou expandir, tornar-se mais ou menos intenso, em função das formas que desenvolve e dos sujeitos e conexões que dá a ver. O plano, em cada uma de suas dimensões, é também o planejador que ele abriga e torna possível. 7º. Em uma dimensão prática, o plano é trama expressiva. Componentes intelectuais, visuais e sonoros, toda uma rede corpórea operando na estruturação de um meio específico. Por sobre uma estreita relação entre os componentes, e naquilo que nela é produzido, recai a responsabilidade por sua clareza e eficácia. O planejamento, por sua vez, é a condição de possibilidade dessa relação. Desse modo, procure preservar cada conexão estabelecida, cada movimento encenado, cada partida e cada chegada fantasiada, mesmo que isso seja impossível: o plano, plano de vida, plano de aula, tanto faz, só pode fracassar, invadido por outras afecções, outros contágios – é justamente a expressividade que carrega em seus movimentos que faz com que o plano se abra a uma nova rede de encontros, conectando-se com outros elementos que não os seus, em um contraponto territorial que coloca em cena uma nova relação de forças. 8º. Ao inevitável fracasso do plano, dê o nome de Aula. 9º. Não tome a aula como um a posteriori, tampouco o plano como uma simples etapa anterior de seu trabalho de “Auleiro”. A aula sempre esteve presente, teve início, não se sabe onde nem quando, assim como o plano não se encerra na hora marcada. Em seu tempo e em seu espaço específico, com os elementos que lhe cabem, aquilo que propriamente chamamos de aula dá a ver é, apenas, a fração de um drama mais profundo, este não de todo representável. 10º. Finalmente, não negue à aula uma dimensão de confronto: do planejamento com o seu fora, do estabelecido com o imprevisto, da certeza com o indeterminado (neste meio, não haverá o que lamentar: serão novos componentes a serem conectados, novos elementos a serem integrados ao jogo de criação). Dizendo de outro modo: frente a outras dimensões expressivas, esforce-se para que o fracasso do plano seja próprio do movimento (fantasia de um só procedimento: compor com o novo, em terras estrangeiras). A prática educacional, bem se sabe, é uma incursão sobre o desastre. 35

PARA “LER” UM “TEXTO DIDÁTICO” Deniz Alcione Nicolay (Doutor em Educação pelo PPGEDU/UFRGS. Professor Assistente da Universidade Federal da Fronteira Sul, UFFS, Campus Cerro Largo, RS. De BOP e DIF.) Em homenagem a Hugo de São Vítor e ao seu “Didascálicon” (Da arte de ler) de 1127.

Parte-se do pressuposto de que aquele que lê não aprende nada com o texto, objeto de leitura, cujas frases têm diante dos olhos. Então, qual o tipo de leitor que lê apenas mecanicamente e, de fato, não entende nada do que lê? Alguns exemplos: leitor pula-pula (literalmente “pula” as partes do texto que não lhe interessam); leitor Jack Estripador (lê apenas as vísceras do texto: orelhas, contracapa, biografia, breves comentários); leitor faz-de-conta (afirma que leu em algum lugar, em algum momento, porém não lembra nada do texto). Para tais tipos, sugere-se uma formação emiliana (de Emílio); ou seja, como o tutelado fictício de Rousseau, que o leitor leia, ao menos (durante toda a vida), um único livro: de preferência Robinson Crusoé. Simplesmente porque tal livro é um tratado de como sobreviver sem leitura, durante muito tempo, num mesmo lugar, quer dizer, numa ilha. Mas, se o texto é “Didático” supõe-se a existência de alguns aspectos que, de todo modo, introduzem o jovem leitor no universo das ciências oficiais (aquelas que são trabalhadas no ambiente escolar). Eis o problema: em que lugar se lê na escola? Deboche surreal: na escola, tudo é leitura. Logo: nada é leitura, compreendida em sua extensão máxima, enquanto força ativa de comunicação do pensamento. Ao contrário, assiste-se à consumação de exercícios reativos, superficiais em demasia, de maneira que o escopo aí pretendido serve apenas para cumprir a rotina do calendário letivo. Por isso, na alusão barthesiana de uma “Joie de Lire” (alegria de ler), listam-se 10 passos fundamentais para sacralizar (à maneira de Hugo de São Vítor) o exercício da leitura nas escolas. 1°. Antes de tudo, para ser bom leitor, é preciso estar próximo da sábia filosofia bovina, isto é, ruminar as palavras, o texto, as idéias. Sem precisar se o capim é novo ou velho: rumine tudo. No final, o resultado é o mesmo: húmus argumentativos ad scriptor. 2°. Leia superficialmente um texto, extraindo expressões-chave. Tais expressões constituem a topologia dos parágrafos (de abertura e fechamento). E é por 36

meio delas que o bendito autor dirá com quantas linhas se faz um livro. Mas, cuidado! Ele pode estar troçando da vossa excelentíssima sapiência. Nesse caso, reescreva com suas próprias palavras outro texto, discordando, em gênero, número e grau, de todas as conclusões do autor. 3°. Agora, volte atrás e leia minuciosamente o mesmo texto, percebendo os detalhes tipológicos empregados pelo autor. É possível perceber, inclusive, se se trata de um espírito ressentido (tipo: megalomaníaco colunista social) ou de um fiel artista da palavra (tipo: Kafka fascinado pela estética do livro). De qualquer forma, escute sempre o demônio das entrelinhas. 4°. Liste e avalie as premissas do autor. Elas ocultam o sentido e o valor das idéias fixadas sobre a forma de conceitos e/ou palavras. Esqueça (no começo) a conclusão. Ela não dirá nada que alguém, em outros tempos, já não tenha dito. As premissas não. Elas carregam a potência dos silogismos lógicos. Ou seja, quando negativas, não passam de valores distorcidos, a serviço da moral dos escravos; quando positivas, elevam o teor da ação, perfazendo a afirmação de valores nobres, portanto, mais saudáveis. A regra é clara: torne-se “Senhor” do texto que lê. Caso contrário, será sempre o “Escravo” das palavras vazias. 5°. Em relação ao texto, atue como uma espécie de ator trágico. Isto é: dramatize o texto em toda sua proporção. Então, questione-o (Quem? Quanto? Como? Onde? Quando?). 6°. Certamente não se deve esquecer as agradáveis companhias: dicionários, bloco de notas, canetas... Há aqueles que não dispensam os amuletos da escrivaninha (cada um no seu devido lugar). Sobretudo, transforme o ato de ler num “otium” (São Vitor, 2007, p.33). 7°. Se, todavia, ainda assim, não compreende o que lê, tenha calma. Nem tudo o que se lê serve para alguma coisa. Mas esforce-se em distinguir textos obscuros de textos confusos. Não imagine que James Joyce tenha preocupações didáticas. Quando muito, a distinção entre os dois tipos de texto é uma questão de interpretação. Nessa condição, você está só. 8°. Persista na aquisição de uma disciplina de leitura. Isso inclui as condições do ambiente e, também, a determinação do tempo. Entretanto, evite práticas viciosas (ler durante o almoço, no vaso sanitário, numa roda de amigos...). Não é preciso “forçar a barra”.

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9°. Entenda que todo texto didático se orienta em duas dimensões, isto é: do ponto de vista inteligível e do ponto de vista intelectível. Na primeira, é o produto real de um pensamento, de um raciocínio que está ali para ser compartilhado. Na segunda, é determinado pelo grau de afecção que provoca no leitor (sua utilidade ou mediocridade). 10°. Por fim, antes de começar, deve ter presente: saber o que se deve ler, o que lerá primeiro e, acima de tudo, como se deve ler o texto. Portanto, esses passos não serviram para nada (apenas para mim). Crie os seus ou vá para a ilha de Robinson Crusoé.

Referências SAINT VICTOR, Hugo de. Didascálicon: da arte de ler. Bragança Paulista: Editora da Universidade São Francisco, 2007. (Trad. Antonio Marchionni.)

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(DES)EDUCATIVOS PARA “DAR” UMA AULA DE MÚSICA Eduardo Guedes Pacheco (Doutor em Educação pelo PPGEDU/UFRGS. Professor Assistente da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, UERGS, Montenegro. Coordenador pedagógico da Associação CUICA – Cultura, Inclusão, Cidadania e Artes. Pesquisador Participante do Observatório da Educação CAPES/INEP, FACED/UFRGS. De BOP e DIF.)

1º. Para se criar uma aula de música, algumas questões devem ser colocadas. São elas: quem quer uma aula de música? Onde essa aula vai acontecer? Quando vai acontecer? Por que vai ser ministrada? 2º. Um professor “dá aula” sobre aquilo que deseja entender, aprender, inventar; e não sobre aquilo que já conhece.

3º. É de fundamental importância que o professor conheça os métodos de educação musical que alcançaram reconhecimento por sua eficiência; entre esses, aqueles historicamente reconhecidos, bem como propostas contemporâneas de ensino. Essa aproximação permite que se realize o afastamento dos métodos, possibilitando que a aula possa se tornar um espaço de invenção, não só de músicas, mas, também, de formas para se ensinar música.

4º. Uma boa aula de música acontece quando o professor que a ministrou sai tão transformado pela experiência proposta quanto os seus alunos.

5º. Uma aula leva em conta o tempo histórico em que uma obra foi criada; está atenta para suas geografias e etnias: não para estabelecer hierarquias, nem para realizar julgamentos morais sobre formas, estilos e conteúdos; mas para servir de alimento para a invenção de músicas e de formas de dar aula.

6º. Afastar a passividade da audição: ouvir é tão importante quanto tocar ou cantar. Portanto, fazer da aula a possibilidade de audição como um ato criativo.

7º. Desconfiar de proposições concebidas como verdades; como, por exemplo, som e silêncio são entidades antagônicas. 39

8º. Inventar problemas que coloquem em xeque diretrizes que fazem do pensamento algo sem movimento. No caso da aula de música, inventar problemas que digam respeito às relações estabelecidas entre harmonias, melodias e ritmos e como tais relações podem estar implicadas com a composição.

9º. Perguntar: harmonias, melodias e ritmos são os únicos parâmetros possíveis e responsáveis pela criação em música?

10º. Fazer da aula de música um espaço de invenções. O professor, além de criar melodias, ritmos, harmonias, texturas, intensidades, superfícies, silêncios, inventa formas de compartilhar o pensamento em música com seus alunos.

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PARA DAR UMA AULA LÍTERO-FILOSÓFICA Ester Maria Dreher Heuser (Professora no Curso de Filosofia da UNIOESTE – Toledo(PR) Doutora em Educação – UFRGS Bolsista do Observatório da Educação CAPES/INEP, UFRGS/UNIOESTE De BOP e DIF.)

Moacir Lopes de Camargos (Professor no Curso de Letras da UNIPAMPA – Bagé (RS) Doutor em Lingüística – UNICAMP)

Caro(a) leitor(a), começaremos com algumas perguntas que levarão a outras tantas. E, quanto às possíveis respostas, estas serão gestadas em meio a muitas interrogações. Então, eis a primeira pergunta: tu crês que para entender Machado de Assis deve-se, antes, ler Shoppenhauer e, antes dele, Kant? E também que, para compreender este cânone brasileiro, é obrigatória a leitura do Pentateuco? Ou ainda, pensas que alguém da escola de periferia não tem capacidade de interpretar O Príncipe de Maquiavel ou A República de Platão? Bom, idéias maquiavélicas à parte, para que possas dar uma aula lítero-filosófica – especialmente se for uma Aula de invenção (AdeI2) –, sugerir-te-emos alguns passos pressupondo que não é preciso, necessariamente, começar por Tales de Mileto nem por Homero. Ei-los:

1. Imagina que a aula seja um Banquete. Neste, não se pode agir como o glutão Marquês de Rabicó e comer tudo sozinho e de uma só vez! Apesar da enorme bibliografia básica e complementar imposta pelo programa da disciplina, ou determinada por sua própria volúpia, deguste os enunciados de Eros manifestos nos livros, mas também aqueles presentes na vida, que é plena de poesia e filosofia! 2. Nesta aula banquete, não ignores os comensais que dela deverão participar – no caso dos alunos, não podem ser escolhidos, mas no caso dos autores e personagens, sim – e considera a recomendação de Epicuro: antes de comer ou beber qualquer coisa, pensa em companhia de quem vais fazer isso, ao invés de querer, primeiro comer ou beber. 3. Dispensa a atenção e cuidados necessários a todos os convidados da aula banquete ao ponto de animar a Vontade de cada um deles de maneira gentil, justa e sem arrogância, pois “não é raro suceder, quando um homem é tratado arrogantemente, de forma injusta e sem precedentes, que ele comece a perder a confiança em si próprio. 2

Ver o texto Pautas para aulas de invenção, neste livro, p.14.

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Começa a desconfiar vagamente (...) que, por espantoso que pareça, a justiça e a razão sempre estão do outro lado” e, a tudo, passa a “preferir não” (Melville, 1988, p. 33). 4. Ainda que, para alguns, haja escritores ditos execráveis, como Sade, Bataille e Lautréamont ou falocêntricos tal como Borges, Freud e Caio Fernando Abreu, deixeos entrar nessa aula banquete. Mesmo que, à primeira vista, pareçam convivas indesejados, verás que eles aguçarão a curiosidade – tua e dos estudantes – uma vez que universos desconhecidos e proibidos se abrirão. Permita que discursem por eles mesmos, sem mediação e censura prévia, faça perguntas a eles e convida os estudantes para fazerem o mesmo; afinal, se formos instigados, todos podemos perguntar, pensar, filosofar, literaturar. 5.

Deixa as portas abertas para Safo, Diotima, Hipácia, Virgínia, Clarice, Cassandra Rios, Inés de La Cruz, Teresa de Ávila, pois essas filósofas literatas que, procurando bem, podem ser encontradas entre malditos afins, talvez livrem a aula do tédio provocado pela mesmice dos manuais que só faz pesar as pálpebras e empurrar os alunos para qualquer outro lugar fora da aula. Cada aula é um acontecimento único, conforme nos ensina Geraldi (2010).

6. Se ouvires algo do tipo: “quem não leu Guimarães Rosa não sabe o que é a literatura”, ou “só é possível filosofar em grego ou alemão”, lembra-te que, como afirma Gustavo Bernardo (2000, p.96), “a pose, e em geral, todas as poses, é disfarce pouco sutil dos ignorantes!”. 7. Bebe o vinho da vida com Guimarães Rosa, alemães, gregos, religiosos, ateus, escritores marginais e canônicos, filósofos menores e maiores, autores que estão à espera na biblioteca ou na internet, até o ponto em que, ébrio, consigas mesclar emoção e inteligência, falar deles com entusiasmo e fascínio; pois, para dar uma aula, “é preciso estar totalmente impregnado do assunto e amar o assunto do qual falamos” (Deleuze, 2001). 8. Não espera que tudo o que apresentares aos estudantes agrade a todos e qualquer um. Alguns alimentos e bebidas são aprazíveis para determinados paladares e intoleráveis para outros; o mesmo acontece com livros, estilos, vertentes de pensamento, idéias, problemas, autores. Deixa que cada estudante pegue da aula banquete o que convém ao seu corpo e espírito. Não há uma lei que determine o que diz respeito a alguém. Por isso, faça tantas variações quantas forem necessárias até que cada um encontre seu alimento, seu centro de interesse, e torça para não cruzar com nenhum olhar 42

vazio dentre os convivas, pois por baixo das pálpebras semi cerradas pode estar um jejuador, um Artista da fome (Kafka). 9. Embora seja tentador concordar com Rousseau (1994) que, muitas vezes, se pode encontrar indícios do caráter das pessoas pela escolha dos alimentos que elas preferem, e fazer a transposição disso para a ideia de que “se é aquilo que se lê (e escreve)”, contém-te! Não te ponhas no lugar de Deus, não julgues como se fosses um juiz todo poderoso, não rotula, nem fixes as identidades dos alunos afirmando verborréias do tipo: esotéricos amam Paulo Coelho; loucos veneram Cortázar; idealistas adoram Platão; gays cultivam Oscar Wilde etc. Sinta-te implicado e avaliado no processo de avaliação, considera que “avaliações são maneiras de ser, modos de existência daqueles que julgam e avaliam (...) Desse modo, temos sempre as crenças, os sentimentos, os pensamentos que merecemos em função de nossa maneira de ser ou de nosso estilo de vida” (Deleuze, 1976, p. 03ss). 10. Por mais que te sintas enredado aos sistemas de avaliação, determinados por macropolíticas de Estado do tipo Prova Brasil, ENEM, ENADE, e que sejas tentado a introjetar práticas semelhantes que entravam qualquer possibilidade de liberdade de expressão, de criação, de inovação e de experimentação ao longo do ano letivo, por mais cômodo que seja fazer o mesmo feijão com arroz semanalmente: RESISTA! Encara os efeitos da semiótica capitalística. Escapa por alguma saída micropolítica de escrileitura, do consenso cretinizante e infantilizante e cultiva o dissenso. Por mais homogeneizadoras que sejam as escolas e as tribos juvenis “convém deixar que se desenvolvam as culturas particulares inventando-se, ao mesmo tempo, outros contatos de cidadania [outros tipos e critérios de avaliação]. Convém fazer com que a singularidade, a exceção, a raridade funcionem junto com uma ordem estatal o menos pesada possível” (Guattari, 2009). Todos nós, mais cedo ou mais tarde, somos forçados a tomar lugar num banquete de conseqüências. Stevenson. Referências BERNARDO, Gustavo. Redação Inquieta. Belo Horizonte: Formato Editorial, 2000. DELEUZE, GILLES. O abecedário de Gilles Deleuze. Vídeo. Editado no Brasil pelo Ministério da Educação, “TV Escola”, 2001.

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_____. Nietzsche e a filosofia. Rio de Janeiro: Rio, 1976. (Trad. Edmundo Fernandes Dias e Ruth Joffily Dias.) GERALDI, João Wanderley. A aula como acontecimento. São Carlos, SP: Pedro e João Editores, 2010. GUATTARI, Félix. As três ecologias. Campinas, SP: Papirus, 2009. (Trad. Maria Cristina F. Bittencourt. KAFKA,

Franz.

Um

artista

da

fome.

Disponível

em

http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/traduzidos/download/Um_artista_da_fome. pdf, acessado em 09 de fevereiro de 2011. MELVILLE, Herman. Bartleby. Lisboa: Assírio e Alvim, 1988. (Trad. Gil de Carvalho.) ROUSSEAU,

Jean-Jacques.

Júlia

ou

a

nova

Heloísa.

Campinas,

SP:

HUCITEC/UNICAMP, 1994. (Trad. Fúlvia Moretto.)

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PARA “DAR” UMA AULA SEM SE DECEPCIONAR Gabriel Sausen Feil (Professor de Comunicação Social da Universidade Federal da Pampa, UNIPAMPA. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS. De BOP; Grupos de Pesquisa DIF e Diálogos do Pampa; Líder do GP T3XTO.)

Prólogo: a única maneira de dar uma aula sem se decepcionar é pressupor, de início, a possibilidade de decepção.

Para não se decepcionar... 1º. Intuir que aquilo que se diz jamais é aquilo que se ouve. 2º. Não entrar na onda dos alunos. O professor nada tem a ver com o político preocupado em agradar os seus eleitores. É verdade que eles, os alunos, não estão ali para seguirem os nossos caminhos; porém, também é verdade que eles não estão ali para nos indicar caminhos. A sala de aula é a mesma, mas a maneira de ocupá-la é diferente. 3º. Ver a Aula como uma guerra sem fim. Então, não estranhar os constantes desacordos. Os acordos, dentro de uma sala de aula, não passam de concessões feitas entre inimigos. 4º. Encarar os alunos ao modo dos signos, no sentido deleuziano. É que os signos incomodam-nos, violentam-nos; a partir deles, somos forçados a pensar (Deleuze, 2003, p. 22). É preciso sentir esse efeito, que nos força a procurar sentidos, sem esquecer que o sentido encontrado é sempre menos importante do que o estado de procura em que o signo nos coloca. 5º. Não querer que os alunos desapareçam. Odiar os alunos e achá-los repugnantes pode ser saudável; porém, querer que eles desapareçam faz perder toda a graça e sentido. Frederico, personagem de Gombrowicz (1960, p. 122), repudia os homens, mas, ainda assim, afirma: “se eu encontrasse a hipótese de visitar outros planetas, só escolheria a lua; e gostaria de levar comigo outra pessoa – qualquer uma, só para minha humanidade achar um espelho onde se refletir”. Disso decorre, com algum deslocamento que, se ao professor repugna-lhe os alunos, é apenas porque estes o violentam, de modo que ele necessita dessa violência para refletir-se, tal como Frederico. 6º. Não repugnar o aluno no sentido Crítico. Este é aquele professor que nega o inimigo, em vez de com ele empreender batalhas; aquele que, se pudesse, optaria pela 45

inexistência do seu oponente; aquele que tem como recurso estratégico a denúncia das fraquezas de tal inimigo. Essa estratégia Crítica, gradativamente, perde a sua fúria e torna-se, logo, moralista; afinal, combate apenas até a destruição do inimigo, uma vez que na ausência deste, busca instaurar-se como realidade substituta. Esse sentido Crítico foca as reformas do mundo, não denunciando, sem sonhar em ser, ele mesmo, o novo mundo. 7º. Provocar o jogo, estabelecer o jogo, dar as regras a ele, porém, sem deixar de dar brechas para a intuição. No que diz respeito ao aspecto intuitivo da aula, os alunos são, normalmente, aguçados. Então, não cortar a parte intuitiva do processo. Isso significa pressupor que, apesar dos esforços, o pensamento não é controlável. 8º. Instigar a traição dos alunos. Os alunos podem ensinar os professores, mas, quando ensinam, ensinam traindo. O aluno que não trai o seu professor não ensina nada a ele, de nada vale. Esse aluno é perfeito, mas é perfeito demais. Ele serve somente nos casos em que o professor não quer nada além de acomodar a sua existência consagrada. 9º. Conceber o aluno como alguém “mais jovem” (mesmo que, em termos de idade, isso não seja verdade). Os “mais jovens” são aqueles que incomodam; não, simplesmente, por não estarem de acordo (não se trata da ordem hermenêutica da compreensão), mas por povoarem outros planos, testemunhando que as certezas de um plano podem ser concebidas como piadas num outro; absurdas num, inexistentes num outro. 10º. Não esperar encontrar, no final, aquilo que se imaginava no início. Epílogo: a decepção é pressuposta porque não existe a possibilidade de, ao final, depararmo-nos com aquilo que tínhamos no começo. Isso vale tanto em termos de expectativa quanto em termos de substância.

Referências DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. (Trad. Antonio Piquet e Roberto Machado.) FEIL, Gabriel Sausen. Procedimento erótico, na formação, ensino, currículo. Jundiaí, São Paulo: Paco Editorial, 2011. GOMBROWICZ, Witold. A pornografia. Lisboa: Relógio D'água, 1960. (Trad. Aníbal Fernandes.)

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PARA DAR UMA AULA “INTEMPESTIVA” Karen Elisabete Rosa Nodari (Doutora em Educação pela UFRGS. Professora do Colégio de Aplicação da UFRGS, no Núcleo de Orientação e Psicologia Educacional. Bolsista do Observatório da Educação CAPES/INEP, FACED/UFRGS. De BOP e DIF.)

1 – Para início de conversa, se você é professor e se dedica, bravamente, dia após dia, ano após ano, ao mui digno ofício de ensinar, é fácil constatar que você está contra o seu tempo. Sim, pois numa sociedade, na qual, Ronaldinho Gaúcho e Gisele Bündchen são celebridades que monopolizam a mídia, apenas 2% dos jovens escolhem o magistério como profissão. O que isto significa? Será que quase mais ninguém possui vocação para o ensino? Será que formar as novas gerações é menos importante ou interessante do que qualquer outra atividade? Mas, como não se está aqui para fazer queixas, muito menos uma análise sociológica das origens e das causas desse fenômeno alarmante, seguem algumas “dicas” para você se fortalecer e desenvolver uma aula à altura da sua vocação; ou seja, fora do tempo, a favor, quem sabe, de um tempo que virá. 2 – É fundamental que você seja fascinado pelo que ensina; caso contrário, terá dificuldade em inspirar-se e, quanto mais, inspirar o seu grupo de alunos. É preciso horas e mais horas de ensaio e preparação para que a tão esperada inspiração aconteça, como bem sabia Deleuze. 3 – A sua aula será tanto mais interessante quanto mais se situar no limite tênue entre o saber e o não saber... Vá até o limite da sua ignorância. Não banque o sábio do que você desconhece. Tenha coragem e arrisque-se! Caso contrário, o que você disser pode não ter interesse algum. Neste sentido, evite cultivar a pretensão de ser entendido totalmente quando explica algo, isto é uma ilusão. A boa aula reverbera na mente dos alunos, entre uma semana e outra, encontro após encontro, ao longo de um bloco de espaço-tempo. Toda aula se movimenta nas suas costas, ou, mesmo, enquanto você pisca. 4 – Não fique arrasado se não souber responder a uma questão. Você, como qualquer um, não é obrigado a saber tudo. Desenvolver a humildade não faz mal algum. Mais vale aprender a arte de sair das questões, como já disse Deleuze, do que responder a todas elas.

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5 – Encontre e cultive o seu estilo – grandes mestres portavam um charme singular e eram grandes emissores de signos. Foucault tinha uma emanação, como alguém que emitisse raios, e seus gestos eram metálicos. Deleuze usava unhas compridas e chapéu, além de ser conhecido por sua voz singular. Portanto, não se acanhe, descubra ou invente o seu estilo e siga em frente. 6 – Assuma uma postura nietzschiana ao desenvolver a sua aula – como um arqueiro a lançar flechas no espaço que tanto podem cair no chão, como alguém pode apanhá-las e reenviá-las para outro lugar. Lembre-se que, por melhor e mais bem intencionado que você seja, cada estudante se apropria, a seu modo, do que lhe convém. 7 – A sua aula não será ultrapassada, nem pouco potente, se você não fizer uso das tão badaladas novas tecnologias educacionais, que tem como “vedete” o uso do computador na sala de aula. Este aparelho, por mais deslumbrante que possa parecer, aos olhos de muitos, é apenas mais uma ferramenta a sua disposição que não substitui, de modo algum, a matéria a ser ministrada e o seu élan para ensinar. 8 – É conveniente que a alegria faça parte da sua aula; isto não quer dizer que você deva se comportar como um “bobo alegre”, um “palhaço de circo”, a fazer piadinhas forçadas todo o tempo, a fim de divertir os alunos. E, sim emanar aquela satisfação de quem está efetuando a sua potência, realizando aquilo que pode, com estilo e gosto. 9 – Como uma decorrência natural do oitavo passo, procure não separar os seus alunos daquilo que eles podem, pois, isto só vai produzir neles o sentimento de impotência e afetos tristes. 10 – Por mais difícil que seja a situação que você venha a enfrentar no decorrer da sua aula, mantenha o humor. Pois é sabido que este estado de espírito torna tudo mais leve, como uma lufada de ar fresco que entra pela janela e renova os ânimos. O riso tem o poder de aliviar toda e qualquer tensão que possa haver num encontro. Por outro lado, evite a ironia, pois, além dela conferir ares de superioridade a quem a usa, tem o poder de afastar o seu interlocutor.

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PARA “DAR” UMA AULA “CONTEMPORÂNEA” Letícia Testa (Mestranda em Filosofia pelo PPGF/UFSC. Bacharel em Filosofia pela UFSC. Parecerista ad hoc do Ministério da Cultura nas áreas de Humanidades e Artes Cênicas. De BICA: Bureau de Investigações Cão amarelo.)

Máximo Daniel Lamela Adó (Doutorando em Educação pelo PPGEDU/UFRGS. Mestre em Literatura pelo PPGL/UFSC. Licenciado em Ciências Sociais pela UFSC. De BOP, DIF e BICA: Bureau de Investigações Cão amarelo.)

1º. Comece por lançar mão de uma ética do contemporâneo; no sentido de pôr-se em jogo, de colocar-se em cena, por meio de um abandono sem reservas. Aqui o que se abandona, antes de tudo, é a intenção de dar uma aula para que possam advir novos modos de seu uso. Visto que a aula nunca se possui ou se controla, mas é decidida por seu próprio processo. Então, arme e opere a cena já em sua preparação, pois, o que se intenciona com essa ética, desde sempre, é o lugar vazio da dramatização de um tema. 2º. Para produzir uma aula contemporânea, opere em dramatizações contínuas, de forma a ficar propositalmente à sombra; porque, assim, ela resistirá mais facilmente como lugar vazio de poderes. A todo momento, certifique-se de que, na aula, todos os papéis de poder, ou maiores, tenham sido subtraídos e garanta lugar ao vazio do gesto operante (de variações) da própria dramatização, que só tem como objeto o processo em que se constitui. 3º. Como em uma aula contemporânea nunca se está dentro de seu tempo – isto é, nada do que dista de nós muitos séculos pode deixar de ser menos próximo, simultânea e indistintamente, do que nos é recentíssimo –, atualize a aula de modo descontínuo e deslocado. Misture códigos e atribua leituras múltiplas e cruzadas aos saberes de valores estabelecidos. 4º. Sendo um operador sombrio de uma aula contemporânea, saboreie o modo inadequado de não coincidir ou aderir perfeitamente às pretensões do seu tempo; pois, quando isso ocorre, não se pode manter o olhar fixo sobre ele e, tampouco, fazer com que os mais diferentes tempos se comuniquem; daí, para uma aula contemporânea, destina-se: a) a dissociação; b) o anacronismo. 5º. De chofre, disponha, insistentemente, de uma visão de escuro. Ou seja, de uma visão capaz de provocar indeterminações de espaços e tempos, desconexões que

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não cessem de repetir singularidades. Porque a temporalidade do presente de uma aula contemporânea é sempre ruptura que fratura completudes ou normalizações. 6º. Uma aula contemporânea exige um tempo intempestivo, não histórico ou eterno, mas intempestivo. Isso não para esgotar sua realização, mas todo o possível daquilo que, em sua cena, entra em relação. Em uma aula contemporânea, esgote-se pelas possibilidades de esgotar todo o seu possível. 7º. Opere por cortes. Cortes que recaem, ao mesmo tempo, sobre o fio da duração e o contínuo da extensão. Para operar por cortes, aja de modo intempestivo e interrompa, destaque, separe, na duração, um instante; fracione, recorte, capte, na extensão, uma porção. Neste corte único e singular de espaços-tempos, temos uma aula contemporânea que age como um jogo. A eficácia do corte-jogo está na jogada. E depois? Novo corte. Uma aula contemporânea opera por cortes e por uma compulsão por repetição, arriscando tudo a cada novo corte-jogo-cena-aula. 8º. Ora, o que interessa não é uma aula feita, mas o próprio fazer de uma aula e seus modos constituintes, bem como, o seu processo como gênese de uma relação de reciprocidade momentânea entre a aula e os “auleiros”; por isso, construa a aula como transferência de um efeito de real momentâneo. 9º. Arregace as mangas e, como um prestidigitador e ilusionista, faça força para que o múltiplo apareça nas formas dos conteúdos correntes. 10º. Uma aula já sempre começou e, sucessivamente, não finda; uma aula permanece, retorna, começa e termina sempre no meio.

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PARA UMA AULA MINIMALISTA Luciano Bedin da Costa (Professor de Psicologia, na FACED/UFRGS. Doutor em Educação. Integra a equipe de coordenação do projeto CARTOGRAFIAS INFANTIS: a cidade pela criança / a fotografia pela infância. De BOP e DIF.)

Larisa da Veiga Bandeira (Educadora e discente de Pedagogia na UFRGS. Faz parte da coordenação do projeto CARTOGRAFIAS INFANTIS: a cidade pela criança/a fotografia pela infância.)

1º Para tal empreendimento, precisa-se no mínimo de um professor(a), de preferência pequeno(a).

2º Ele/ela precisa conhecer as quatro paredes que constituem a sala de aula: as saídas e as entradas, as portas e as tomadas, os acessos, as vistas e os pontos cegos, o previsível e o imprescindível, todos os cantos conhecidos, para neles se perder;

3º Trazer as listas de chamada, os planejamentos, o projeto pedagógico, o currículo, a ementa e o programa, tudo que possa enrijecer o tecido “auleiro”; e também trazer no bolso a cola e tesourinha de cortar unha, para que possa recortá-los em pequenos pedaços, colá-los e embaralhá-los, em caso de absoluta emergência (leia-se “em quase todas as aulas”).

4º Saber qual a parte dos alunos (sim, vamos precisar dos alunos), que ele(a) não tinha e qual de suas partes pretende dar.

5º Satisfazer e satisfazer-se, permanecer insatisfeito, viver em busca de...

6º Ter medos, dúvidas, esquecimentos; lembrar, às vezes.

7º É preciso estar lá.

8º Lembrar que as aulas acabam, às vezes, cedo, às vezes, tarde demais.

9º Lembrar que a aula é uma versão original, aversão original, é original, a aula é. 51

10 º Saber usar as tecnologias; leia-se: ligar os aparelhos para organizar e fazer o powerpoint funcionar; se nada resolver, use-o.

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PARA CO-CRIAR UMA AULA Maria Idalina Krause de Campos (Mestranda em Educação no PPGEDU/UFRGS. Bacharel e licenciada em Filosofia pela PUCRS. Bolsista do Observatório da Educação CAPES/INEP, FACED/UFRGS. De BOP e DIF.)

“A humanidade é uma miríade de superfícies refratoras colorindo o branco resplendor da eternidade, cada superfície refrata a refração, das refrações das refrações” (Laing, 1982, p.11).

Uma aula é corrente energética entre corpos, movimentos, fluxos entre correntes de forças, refração, quebra, desvios, infinitas direções.

Para tanto, os passos não possuem uma marcha pré-determinada; são tentativas múltiplas de investigação sobre novas possibilidades de danças, pintalgadas miríades, que derramam cor sobre a branca superfície-aula.

Musicalidade que vibra tímpanos, aberto, ao inusitado do guincho e do silêncio. Gestos e ações intuitivas que co-criam com desejo ardente, volúpias inusitadas com loucos dançarinos de vida própria, que saltam, rolam em inumeráveis acrobacias nada convencionais.

1)

Atenção, olhar radar, chegada ao “salão”: flerte, entre! (Lembre-se, enquanto

olha-se, é-se olhado por outros olhos atentos). 2)

Fale por necessidade, escute com paixão.

3)

A-luno (sem luz) – Perceba, explore a energia geradora de “novos lunos” e

pensares indeterminados. 4)

Aula não é só na sala, busque outros lugares – paisagens diversas, jogos em

terrenos desconhecidos. 5)

Leia a vida do aluno, componha novos problemas, adentre outros mundos.

Romance, tragédia, enigmas policiais, tramas psicológicas, humanidade em ação. Novos mundos, novas constelações, universos mutantes. 6)

Toque e deixe ser tocado. Capte o vivível!

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7)

Crie dispositivos para que infantes criaturas impotentes, amnésicas e paralisadas,

corpos e espíritos aprisionados se insurjam via criação. 8)

Embriague seus alunos com boas leituras. Confesse sua dependência a esta

“droga”. Faça com que acessem escrileituras. 9)

Amor fati nas vísceras, matilhas em metamorfoses.

10)

Não professe, dramatize! Dance, apesar do desconforto dos sapatos, mais de dez

passos, geradores de novas perspectivas. Invente, compartilhe, profane o solo sagrado das pedagogizações vigentes, pise, puxe, solte, crie, refrate-se.

Referências LAING, Roland David. O eu e os outros: O relacionamento interpessoal. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1986. (Trad. Aurea Brito Weissenberg.)

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PARA DAR UMA AULA ESCRITURAL Marcos da Rocha Oliveira (Pedagogo, mestre e doutorando em Educação pela UFRGS. De BOP; Grupos de Pesquisa DIF e T3XTO.)

1º. Situação de ensino: o professor como operador de linguagem ligado à fala não escreve. A aula, lugar do falar bem – falar bem, tempo de toda autoridade. Porém, a fala, ela mesma, pode ser escrita, mas escrita na sua vacilação – admitindo que: para escrever a fala é preciso inventá-la, criar seu efeito em outro espaço-tempo: o de produção escritural. Então aí, e assim, a fala, transcriada e não transcrita, pode ligar-se à escritura, lugar crítico da linguagem. Assim, em uma situação de ensino, não há espaço para nenhuma inocência, nenhuma segurança: “a linguagem é sempre potência; falar é exercer uma vontade de poder” (Barthes, 2004, p.388). Assumir ou não a autoridade da língua (falar mal deliberadamente – com gaguejos, atropelos, demoras ou reticências – é ainda ocupar, reiterar, mostrar e ensinar o falar bem, o tempo perfeito da estereotipia da língua)? A saída, um passo: assumir sem restrições que o professor, enquanto operador de linguagem, fala – mas que se o soubesse escreveria. Sou professor, escrevo: eis a voz de um ensino escritural. 2º. Uma aula não possui auditório ou platéia: nem conferência, nem espetáculo: apenas mais uma aula. Um professor que sabe que fala também já sabe que não basta falar – embora, claro, sabe que, para falar bem, basta tagarelar. Uma aula escritural é o lugar da produção de sentido, da preparação da escritura, da canalização temática e material (a produção exige uma fantasia de forma, uma fantasia de plano, um efeito fantasmático). Assim, não há comunhão, e não espere – mesmo sabendo-se professor – fazer escola: um aluno não assiste a suas aulas, não escuta o que você diz: um aluno lê – e a leitura operada por um aluno dissemina o tema e a matéria da aula: prolonga a fantasia. Sem saída, um passo: a leitura de uma aula escritural é justamente o lugar onde o falar bem do professor se descontrola. Sou aluno, leio: polissemia de um ensino escritural. 3º. Na aula, o aluno que lê o faz e afirma isso – por sua impostura, suas entradas e saídas da aula, por sua política de mirar, baixar e levantar a cabeça. Ao professor, isso pouco importa: cabe a ele dar uma aula – o que implica o rigor na preparação desta, e certa distração do contexto, pois “o contexto é um dado estrutural, não da linguagem, mas da fala”, sendo, “por estatuto, redutor do sentido” (Barthes, 2004, p.386) – e, isso 55

sim lhe importa, não dar o dado. Dar uma aula escritural implica distrair-se da clareza da palavra falada, pois esta clareza (que é uma espécie de clareza de contexto) é “o banimento da polissemia” (Barthes, 2004, p.386), o estabelecimento de uma única locução: a única escritura possível desta voz seria, ela mesma, a escritura divina, de toda autoridade, de toda Lei. Um passo: um aluno afirma sua leitura (leio) e um professor não fala bem (escrevo): a polifonia em um ensino escritural. 4º. Para que qualquer passo de uma aula escritural não carregue um cheiro de fala, o professor deve incluir, em sua preparação, a escrita, cento e sessenta e nove vezes, com o pé, canhoto, da seguinte frase: o professor fala, mesmo com as mãos (sinais e escrita); um professor escreve, mesmo com a boca (voz e escritura). 5º. E assim um professor escreve. É justamente isso que ele faz, até mesmo ou quando dá uma aula. Pois procede da mesma maneira, nas duas operações distintas: dar aula e escrever. Um professor escreve. A escritura nesta aula é inevitavelmente intransitiva, eis a suma. E mesmo assim um professor escreve, inclusive, quando prepara suas aulas. A preparação de um professor quer, apenas, que seu procedimento seja sacado: a operação de leitura que este pratica tende a ser prolongada na operação de leitura de um aluno: o ato interruptivo que produz a situação de ensino. Assim, uma aula reitera menos um conteúdo específico, um saber de ementa, e mais uma matéria e um tema – um tema problemático e uma matéria vital. Por isso, um professor em sua aula escritural pouco reclama de suas obrigações (se o faz é apenas para criar um efeito de real), e apenas escreve sua prática. 6º. No currículo de uma aula escritural, seu “biografema derradeiro” (Corazza, 2009, p. 46), constam, justamente, os efeitos que a matéria e o tema desta mesma aula causam a um professor. Pois há sempre uma operação de leitura na preparação de uma aula, leitura esta que traça um ensino escritural – “aberração se ele for entendido como a transmissão de um know-how”, mas “possibilidade, se se entender esse ensino como aprendizagem de uma postura ou de uma impostação artística” (Perrone-Moisés, 2007, p. 51). Outra vez: dar uma leitura – e não recitar a Lei. 7º. Não dar o já dado implica inventar antepassados que passam, assim, a serem professores de um ensino escritural – e estes, então, não coincidem com uma tradição de fala e de escrita tagarela (escrevência), que se debruça sobre si ou sobre uma suposta situação de ensino para facilitá-la, explicá-la, descrevê-la. Inventar ao citar demanda uma impossibilidade de ensinar algo sobre A Didática, O Currículo, A Educação – ou sobre outra coisa qualquer. Tal postura crítico-inventiva não facilita a aula, mas requer 56

uma leitura que afirme, invente e prolongue a matéria e o tema problemático desta mesma aula. “Só o difícil interessa: mas não o deliberadamente ilegível, o scriptível” (Oliveira, 2010, p.127) – escrevem: um professor e um aluno. 8º. Mas um professor não pode esquecer aquilo que assume; ele se lembra que fala, que pode dizer que fala. Então diz, mas já dispersando a fala: farei avaliações, teremos prova, estudem tais e tais textos, mas isso é puro senso comum! Um aluno, lendo-o, pode anotar a boca do professor da seguinte forma: façam o novo – pois é o que diz um professor ao se distrair da repetição do enfado em seu ensino, deixando para algum outro a responsabilidade de se repetir como modelo, “na medida em que [seu ensino] não envolve a transmissão de um saber, e sim a exibição de uma postura que tende a produzir ao invés de sistematizar”. É aí que um professor operacionaliza seu ensino escritural, e deste modo, em sua aula, o “que permanece não é o que foi dito, mas, sim, a tendência em querer produzir uma nova escritura” (Feil, 2010, p. 85). 9º. Em uma aula escritural, nos limites de um professor, trata-se de trabalhar para traçar, pacientemente, uma forma de flutuação: nada a destruir, apenas desorientar a Lei: as obrigações de ensino, os imperativos do saber, o prestígio de um método: tudo está aí, mas a flutuar (Barthes, 2004, p. 411). 10º Em caso de vacilo da voz, lembre-se: “virem-se, é só, escrever” (Oliveira, 2010, p. 127).

Referências BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 2007. (Trad. Leyla Perrone-Moisés.) _____. O rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004. (Trad. Mário Laranjeira.) CORAZZA, Sandra Mara. “Currículo”. In: AQUINO, J. G.; CORAZZA, S. M. Abecedário: educação da diferença. Campinas, SP: Papirus, 2009, p. 40-46. FEIL, Gabriel Sausen. “O simulacro e o biografema – de A a Z”. In: CORAZZA, S. M. (Org.). Fantasias de escritura: filosofia, educação, literatura. Porto Alegre: Sulina, 2010, p. 79-91. OLIVEIRA, Marcos da Rocha. “Notas de leitura para um pesteseller pedagógico”. In: CORAZZA, S. M. (Org.). Fantasias de escritura: filosofia, educação, literatura. Porto Alegre: Sulina, 2010, p. 115-129. PERRONE-MOISÉS, Leyla. “Lição de casa”. In: BARTHES, R. Aula. São Paulo: Cultrix, 2007, p. 47-95.

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PARA “LER-ESCREVER” UMA AULA EM MEIO À VIDA Patrícia Cardinale Dalarosa (Psicóloga. Mestre em Educação pelo PPGEDU/UFRGS. Assessora Pedagógica na Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre/RS. Especialista em Filosofia e Ensino de Filosofia pela PUC/RS. Pesquisadora Participante do Observatório da Educação CAPES/INEP, FACED/UFRGS. De BOP e DIF.)

Em meio à vida, uma aula opera conceitos e trabalha entre conexões de sentidos que perfazem o meio de seus componentes. Na esteira de Deleuze, fazemos teorias, cursos, livros, aulas, etc., com as mãos, o cérebro e o espírito que dispomos. Para fazer uma aula, dispomos do pensamento já pensado e daquele que ainda não pensamos. Ambos fabricam sentidos, dobras, máscaras, estilos e performances de criação. O primeiro, situado na arena das escolhas teoréticas e dos encontros possíveis, como um escriturário de novas vírgulas e respiros, permite a energética produtiva da tradução: uma espécie de fábrica da linguagem, geradora de outros campos de forças na maquinaria dos sentidos e, portanto, possibilidade de novas línguas. O não pensado, todavia, é coexistente ao que já temos por pensado em nossa imaginação e, assim, ambos permitem outras combinações na efetuação de uma aula. Entre os passos escriturantes de uma aula, todo o texto de fruição é feito em meio à produção de sentidos, em meio à vida, na experimentação de outras formas de expressão, de afectos e de modos de enfrentar e de ordenar o que ainda não está materializado no campo da aprendizagem. Os passos de uma aula em meio à vida encontram suporte no campo do vivido, dos sentidos, das sensações ou das invenções. Assim, cada aula compreende um convite à escrita e à leitura: escrileituras que se desdobrarão em saberes, histórias, aventuras, problematizações, musicalidade, arte, fantasias e fruições. É tratar a vida nietzschianamente como obra de arte, trazer o desordenamento necessário à efetuação do encontro como criação, por meio da afetação, da transgressão e da abertura a outro corpo, seja um bloco de sensação, uma imagem, uma pergunta, um pensamento, um humano... Trata-se de por em experimentação o que não se conhece, através de uma espécie de infância do mundo. E, na extensão de sua estrangeiridade, fazer falar e escrever outra língua na liberação de forças mais criativas. Esta aula é tributária da noção de corpo rizomático, atravessado e composto por uma infinidade de linhas e de fluxos que fogem ao infinito, atravessado por cheiros, imagens, hormônios, afetos, sensações, ondas sonoras, gravitacionais, dinamizadas... 58

Enfim, uma “aula-texto”: meio de produção textual que salte do sítio sombreado de velhas árvores conhecidas do Éden (representacional) em direção à massa disforme da imaginação, por onde brotam desertos, saqueadores, combates, festas dionisíacas, aritméticas desconhecidas e intensidades que não se submetem ao impedimento cognitivo, mas inauguram novas formas de “ler-escrever” com e na vida. “Ler-escrever” uma aula em meio à vida, de alguma forma, é experimentar um estado de transcodificação. “A transcodificação ou transdução é a maneira pela qual um meio serve de base para um outro ou, ao contrário, se estabelece sobre um outro, se dissipa ou se constitui no outro” (Deleuze, 1997, p.118). Embora cada meio seja constituído pela repetição do seu componente, há comunicação entre eles. Isso nos diz que o meio não é unitário e que o seu código transcodifica outros meios codificados. Essa “transdução” permite que os componentes do meio ganhem dimensão (território), pois constituem um novo plano de expressão ao adquirir um ritmo, uma constância temporal e espacial, isto é, uma assinatura, uma marca territorial que constitui um domínio, uma morada de aprendizagem. Significa criar matérias de expressão, na organização de novos agenciamentos territoriais, demarcar distâncias em relação a outros meios e definir limites próprios. Assim, uma aula pode ser tomada como uma vida: uma vida imanente, deste mundo, reverberadora de outras vidas (humanas e não humanas). Uma aula em meio à vida constitui uma assinatura. Como uma carta de intenções, a aula é endereçada por afectos e por contaminações teóricas do pensamento que a produz. Suas linhas também produzem passos tipológicos e topológicos do fazer aulístico, numa repetição periódica. Esta, no entanto, cria a diferença (singularização), através da qual, um meio passa para outro meio. A aula constitui um meio de aprendizagem, no qual, as condições do conhecimento passam pela transcodificação entre os meios de contato. Posto assim, os passos necessários para “ler-escrever” uma aula em meio à vida atravessam o plano do vivido e transversalizam modos de pensar e de enfrentar o caos. Cada um deles, em composição, exige que se mantenha uma aula em pé. Para “ler-escrever” uma aula em meio à vida, este texto propõe dez passos e uma advertência: eles não seguem uma ordem hierárquica, universalista ou seqüenciada e, ainda, podem produzir tantos outros passos possíveis... 1. Prepare a aula como se fosse a primeira. Leia muito e ultrapasse aquilo que já é sabido.

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2. Gaste o tempo necessário, mas também gaste os olhos, as mãos, os ouvidos e a voz. 3. Comece pelo texto que você ama e apaixone-se pela aula. 4. Disponha dos meios que a própria aula irá produzir. 5. Não dê a aula. Deixe que ela se produza em meio à vida, através do problema. 6. Estabeleça um contrato de aula e cobre as assinaturas. 7. Não abra mão das encenações. Crie intensidades capazes de colocarem o pensamento em cena. Mantenha o rigor e a morte como elementos necessários à aprendizagem. 8. Crie condições diversas do ideal de recognição. Disponibilize objetos que possam ser sentidos e não apenas reconhecidos; que possam ser vividos ao entrar e ao sair de cenários diversos, na inimaginável pele de guerreiros ancestrais, de animais, de árvores, de exploradores, de loucos, de navegadores, de inventores, de poetas, de cientistas, de oceanos... Enfim, acene para a possibilidade de circulação por entre mundos impessoais da aprendizagem (do pensamento), através do encontro. Assim, busque o nascimento da sensibilidade no sentido. 9. Transforme a aula em espaço de pesquisa acerca dos objetos estudados e esteja, sobretudo, atento aos pontos que se sobrepõem, às recorrências, aos detalhes de raridades e ao improvável. 10. Quando tudo parecer controlável e perfeito, saia da aula. Deixe que um tanto de caos novamente atravesse as paredes e, então, torne-a mais potente e siga pelo meio.

Referências DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Rio de Janeiro: Graal, 1988. (Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado.) _____. Empirismo e subjetividade: ensaio sobre a natureza humana segundo Hume. São Paulo: Ed. 34, 2001. (Trad. Luiz B. L. Orlandi.) _____; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, v. 4, 1997. (Trad. Suely Rolnik.) _____. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997. (Trad. Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz.)

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PARA CRIAÇÃO DE PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS Sonia Regina da Luz Matos (Doutoranda em Educação pela UFRGS. Professora da Universidade de Caxias do Sul, UCS. Bolsista do Observatório da Educação CAPES/INEP, FACED/UFRGS. De BOP e DIF.)

1. Os clássicos da didática: estudando muito esses intercessores para ser infiel ao seu espírito. 2. A sala de aula: afectando-se pelos micromovimentos. 3. Conteúdo: funcionando como linguagem errância. 4. Metodologia: fazendo rasgão no caos. 5. Sujeito e objeto: escapando da didática da recognição com as perguntas genealógicas nietzschianas. 6. Avaliação: experimentando as perguntas genealógicas para criar tensores didáticos. 7. Escola: impressionando-se com a variação de forças que estão em jogo neste espaço. 8. Formação de professores: pontuando nas linhas inflexivas. 9. Currículo: estreitando a sensação dos perceptos. 10. Didática: saindo da didática como se fora dela não estivesse.

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III. EXERCÍCIOS DE DIDÁTICA Esses 14 Exercícios de Didática, constituintes da seção IV – sendo 06 em IV.1. “Escrever” e 08 em IV.2. “Métodos” –, foram todos já experimentados, pela via da escrileitura e de outras formas de expressão; por uma ou mais vezes, junto a professores de Educação Básica, estudantes de Graduação, Pós-Graduação, Orientação, Extensão e Pesquisa. Nas notas de rodapé de cada exercício, aparece indicada a sua utilização primeira, em termos do tipo de ação e de público; bem como a data e localização principais.

III. 1. – ESCREVER

DO QUERER-ESCREVER AO PODER-ESCREVER3 Selecione uma das 20 temáticas, indicadas abaixo, e escreva, sobre/com/para ela. 1. Por que escrevo?

11. Filiação de escrita.

2. Escrever é...

12. O desejo de escrever como único desejo.

3. O Prazer da leitura.

13. A “indomável fantasia de escrever que tenho”.

4. O Prazer de escrever.

14. O Escritor é aquele que...

5. Leitura e escritura.

15. O Desejo do Escritor.

6. Como passar do ler ao

16. Como se pode ler sem se sentir obrigado a escrever?

escrever? 7. Imitar o livro.

17. Como se pode ser feliz lendo e, mesmo assim, nunca passar ao escrever?

8. A obra de outro para

18. Em busca do tempo perdido: o romance do scripturire

mim.

(Querer-Escrever).

9. O meu autor amado.

19. O desejo de escrever e a Literatura (como Instituição ou Comércio).

10. Trocas de fantasias.

20. Escrever como tendência.

3

Exercício preparatório ao estudo da Aula 1, de Roland Barthes, com data de 1º dezembro 1979: BARTHES, Roland. A preparação do romance II: a obra como vontade. Notas de curso no Collège de France 1979-1980. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.3-34. (Trad. Leyla Perrone-Moisés); durante o Seminário Avançado de 2008/2, desenvolvido no PPGEDU/UFRGS e intitulado: Em busca do romance perdido: a obra como vontade, a vida como obra.

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ESCREVER: TENDER-PARA4 Indistinção/Poikílos “Quando o objeto se apaga ou se esvai, em proveito da Tendência (Escrever), é evidente uma indiferença crescente à distinção dos objetos do Escrever, isto é, dos „gêneros‟ da literatura” (p.35). Regras 1) Ao modo de autores (citados na Aula 2) 2) no livro de Roland Barthes (A preparação do romance II: a obra como vontade) 3) considere os excertos de cada livro, indicados a seguir 4) e escreva sobre as temáticas e noções encontradas na mesma Aula 5) em até uma página. 1. PLATÃO: Diálogos – Medo de não-escrever (Sócrates e Fedro encontram-se numa rua de Atenas.) SÓCRATES: – Meu caro Fedro! Para onde vais e de onde vens? FEDRO: – Venho, caro Sócrates, da casa de Lísias, o filho de Céfalo. Vou dar um passeio fora dos muros da capital. Estive lá sentado durante muitas horas, desde a madrugada. Obedecendo à prescrição do nosso amigo Acumeno, costumo passear fora dos muros, pois diz ele que tais passeios são muito salutares. SÓCRATES: – Acumeno tem razão, meu caro. Mas, pelo que vejo, Lísias se encontra na capital. FEDRO: – Sim, está em casa de Epícrates, que mora no edifício de Mórico, próximo ao tempo do Olimpo. SÓCRATES: – Qual foi o assunto de vossa conversa? Ou porventura Lísias vos terá banqueteado com os seus discursos? FEDRO: – Eu te contarei, se tiveres tempo para me acompanhar.

4

Exercício de acompanhamento ao estudo da Aula 2, 08 dezembro 1979, de Roland Barthes, p.35-66: BARTHES, Roland. A preparação do romance II: a obra como vontade. Notas de curso no Collège de France 1979-1980. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.3-34. (Trad. Leyla Perrone-Moisés); durante o Seminário Avançado de 2008/2, desenvolvido no PPGEDU/UFRGS, intitulado: Em busca do romance perdido: a obra como vontade, a vida como obra.

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Diálogos: Mênon, Banquete, Fedro. Rio de Janeiro, Porto Alegre, São Paulo: Globo, 1962, p.191. (Trad. Jorge Paleikat.) 2. NIETZSCHE: O nascimento da tragédia – O sabordage (naufrágio do desejo) de um escritor esquizo Teremos ganho muito a favor da ciência estética se chegarmos não apenas à intelecção lógica mas à certeza imediata da introvisão [Anschauung] de que o contínuo desenvolvimento da arte está ligado à duplicidade do apolíneo e do dionisíaco, da mesma maneira como a procriação depende da dualidade dos sexos, em que a luta é incessante e onde intervêm periódicas reconciliações. Tomamos essas denominações dos gregos, que tornam perceptíveis à mente perspicaz os profundos ensinamentos secretos de sua visão da arte, não, a bem dizer, por meio de conceitos, mas nas figuras penetrantemente claras de seu mundo dos deuses. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p.27. (Trad. J. Guinsburg.) 3. NIETZSCHE: Ecce homo – O escritor pesquisador e a via da Ociosidade PRÓLOGO Prevendo que dentro em pouco devo dirigir-me à humanidade com a mais séria exigência que jamais lhe foi colocada, parece-me indispensável dizer quem sou. Na verdade já se deveria sabê-lo, pois não deixei de “dar testemunho” de mim. Mas a desproporção entre a grandeza de minha tarefa e a pequenez de meus contemporâneos manifestou-se no fato de que não me ouviram, sequer me viram. Vivo de meu próprio crédito; seria um mero preconceito, que eu viva?... Basta-me falar com qualquer “homem culto” que venha à Alta Engadina no verão para convencer-me de que não vivo... Nessas circunstâncias existe um dever, contra o qual no fundo rebelam-se os meus hábitos, e mais ainda o orgulho de meus instintos, que é dizer: Ouçam-me! Pois eu sou tal e tal. Sobretudo não me confundam! Ecce homo: como alguém se torna o que é. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.17. (Trad. Paulo César de Souza.) 4. CHATEAUBRIAND: Mémoires d’outre-tombe – 64

A solução fantasmática do Vazio Como me é impossível prever o momento do meu fim; e como, na minha idade, os dias que ainda restam para viver não são mais do que dias de graça, ou melhor, de rigor, vou, mesmo com o temor de ser surpreendido [pela morte], explicar-me sobre um trabalho destinado a enganar, por esforço próprio, o tédio dessas horas derradeiras e solitárias, que ninguém valoriza e nem sabe o que fazer com elas. As Memórias, na cabeça daqueles que lerão esse prefácio, iluminaram ou iluminam o curso inteiro de minha vida. Elas iniciam no ano de 1811 e prosseguem até os dias de hoje. Nelas, eu contarei aquilo que já aconteceu e, também, aquilo que ainda não terminou, tal como: minha infância, minha educação, minha juventude, o ingresso no serviço militar, minha chegada em Paris, a apresentação a Louis XVI, as primeiras cenas da Revolução, minhas viagens à América, minhas voltas pela Europa, a imigração na Alemanha e na Inglaterra, meu retorno à França, por meio do Consulado, minhas ocupações e obras sob o Império, minha passagem por Jerusalém, minhas ocupações e obras sob a Restauração; enfim, a história completa dessa Restauração e de sua queda. Mémoires d‟outre-tombe (Extraits). Paris: Larousse, 1938, p.12. (Trad. Sandra Mara Corazza.) 5. MONTAIGNE: Ensaios – O Wu-wei (Não-Agir) ou a Bricolagem Não se trata de aprender os preceitos desses filósofos, e sim de lhes entender o espírito. Que os esqueça à vontade, mas que os saiba assimilar. [...] As abelhas libam flores de toda espécie, mas depois fazem o mel que é unicamente seu, e não do tomilho ou da manjerona. Da mesma forma, os elementos tirados de outrem, ele os terá de dissimular e misturar para com eles fazer obra própria, isto é, forjar sua inteligência. [...] Ora, para exercitar a inteligência, tudo o que se oferece aos nossos olhos serve suficientemente de livro: a malícia de um pajem, a estupidez de um criado, uma conversa à mesa, são, como tantos outros, novos assuntos. Por isso, o comércio de homens é de evidente utilidade, assim como a visita a países estrangeiros; não

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para nos informar [...] mas para observar os costumes e o espírito dessas nações e para limpar e polir nosso cérebro ao contato dos outros. Ensaios. Brasília: Edit. Univ. de Brasília; Hucitec, 1987, p.216; p.219. (Trad. Sérgio Milliet.) 6. PASCAL: Pensamentos – O Texto: escrever como verbo Intransitivo ARTIGO I Pensamentos sobre o espírito e sobre o estilo 1 – Diferença entre o espírito de geometria e o espírito de finura – Num os princípios são palpáveis, mas afastados do uso comum; de maneira que, por falta de hábito, custanos virar a cabeça para esse lado: por pouco, porém, que nos viremos, vemos em cheio os princípios; e seria preciso ter o espírito inteiramente falso para raciocinar mal sobre princípios tão grandes que é quase impossível nos escaparem. Mas, no espírito de finura, os princípios são de uso comum, aos olhos de todo mundo. Basta virar a cabeça, sem nenhum esforço; trata-se somente de ter boa vista, mas que seja boa, pois os princípios são tão sutis e em tão grande número que é quase impossível não nos escaparem alguns. Ora, a omissão de um princípio leva ao erro; assim, é preciso possuir a vista bem clara para ver todos os princípios e também o espírito justo para não raciocinar erroneamente sobre princípios conhecidos. Pensamentos. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p.37. (Trad. Sérgio Milliet.) 7. ROUSSEAU: Os devaneios do caminhante solitário – A bariolage (Poikílos: misturado, manchado, sarampitado; o Rapsódico, o costurado) e a Tendência de Escrever PRIMEIRA CAMINHADA – Outono de 1776 Eis-me, portanto, sozinho na terra, tendo apenas a mim mesmo como irmão, próximo, amigo, companhia. O mais sociável e o mais afetuoso dos humanos dela foi proscrito por um acordo unânime. Procuraram nos refinamentos de seu ódio que tormento poderia ser mais cruel para a minha alma sensível e quebraram violentamente todos os elos que me ligavam a eles. Teria amado os homens a despeito deles próprios. Cessando de sê-lo, não puderam senão furtar-se ao meu afeto. Ei-los, portanto, estranhos, desconhecidos, 66

inexistentes enfim para mim, visto que o quiseram. Mas eu, afastado deles e de tudo, que sou eu mesmo? Eis o que me falta procurar. Infelizmente, essa procura deve ser precedida por um exame da minha situação. É uma idéia por que devo necessariamente passar para chegar deles a mim. Os devaneios do caminhante solitário. Brasília: Edit. Univ. de Brasília, 1995, p.23. (Trad. Fúlvia M. L. Moretto.)

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ESCREVER É UM ATO DE FAZER-VALER5 1) Escolha uma das 30 afirmações abaixo, feitas por Roland Barthes na Aula 3 de 15/12/1979. 2) DISSERTE sobre ela, ao modo da Crítica Literária.

1. No ponto zero do Desejo de Escrever, tudo em mim estava parado. 2. A fantasia do dia 27 de agosto de 2008: Festa do Abandono. 3. Há um tédio de não escrever, e um tédio de escrever. 4. Sou uma ostra e o meu romance é o rochedo que me prende ao mundo. 5. A escrita está do lado do Ideal do Eu (simbólico). 6. A escrita não satisfaz completamente o meu Eu Ideal (imaginário). 7. O meu Eu Ideal não coincide com minha escrita. 8. Valho mais do que aquilo que escrevo. 9. A Obra é de Amor: pela qual se diz certo amor pelo Mundo. 10. A escrita é o espaço da alma amante. 11. Escrevo para ser amado: por alguns, mas de longe. 12. Criar o Outro, saber fazê-lo, este é o papel do Romance. 13. Escrever o Romance é dar testemunho sobre o Outro: sobre sua miséria e sua força. 14. Romance: toda obra em que há transcendência do egotismo, na direção da sim-patia pelo outro. 15. O Romance é uma forma de escrita capaz de transcender a própria escrita. 16. Desde que se começa a escrever, estabelece-se uma mecânica de sobrelanço, que obriga a continuar escrevendo. 17. Escrever não é sensato porque é se entregar inteiramente ao olhar do Outro. 18. Flaubert e Proust não romperam com o Eu Ideal, mas o dialetizaram através de uma grande escrita romanesca.

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Exercício referente à Aula 3: 15 dezembro 1979, de Roland Barthes, p.67-98: BARTHES, Roland. A preparação do romance II: a obra como vontade. Notas de curso no Collège de France 1979-1980. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.3-34. (Trad. Leyla Perrone-Moisés); durante o Seminário Avançado de 2008/2, desenvolvido no PPGEDU/UFRGS, intitulado: Em busca do romance perdido: a obra como vontade, a vida como obra.

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19. Mallarmé aceitou a obra como Morte, por isso, diz o Nada: “Eu só existo – e tão pouco – no papel. E este é branco, de preferência”. 20. “Cada vez que o artista é preferido à obra, essa exaltação do gênio significa uma degradação da arte” (Maurice Blanchot). 21. O homem se opõe menos à Obra se ele faz de si mesmo uma obra. 22. Tipologia histórica das escritas, em função do pronome do Imaginário, Eu: 1. O Eu é odioso – Clássicos; 2. O Eu é adorável – Românticos; 3. O Eu é démodé – Modernos; 4. Imagino um “clássico moderno” – o Eu é incerto, trapaceado. 23. No Curso-Livro, ou Curso-Teatro, tento fundar uma preparação da Obra no Desejo de Escrever. 24. O Amador é aquele que simula ser o Artista; e o Artista deveria, de tempo em tempo, simular ser o Amador. 25. Método? A Simulação: eu simulo ser aquele que quer escrever uma obra. 26. A obra-maquete se apresenta como sua própria experimentação: ela encena um dispositivo para produzir efetivamente. 27. Quando a Simulação do Romance, como método, torna-se fabuladora: Eu, professor, ligado a um ofício remunerado, como homem que quer escrever, empreendo uma colocação em posição e simulo a preparação da obra. 28. A questão, de alcance histórico, é a seguinte: se uma reflexão sobre o quererescrever pode interessar e concernir a quem não escreve. 29. Aquele que quer escrever deixa o espaço da Esperança e do Desejo para, então, começar um caminho iniciático: coisas que devem ser superadas. 30. As três provas de quem realiza o trabalho de escrita são: 1) abstrata, mentalmente, decidir sobre o que escrever (a Dúvida); 2) concreta, prática: o Tempo e a Conduta de vida (a Paciência); 3) moral: acordo da obra com o social-histórico (a Separação).

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EXERCÍCIOS DE VIDARBO6 Regras (1) Ao modo de Roland Barthes (1915-1980) – escritor, crítico, semiólogo, filósofo francês –, que escreveu o livro Roland Barthes por Roland Barthes (São Paulo: Estação Liberdade, 2003. Trad. Leyla Perrone-Moisés.), escreva acerca de sua VIDARBO – Vida-e-Obra – (“X por X”). (2) No entanto, siga as três limitações estabelecidas por Barthes, que se encontram abaixo: Figurações, Olhos, Biografema.

I. Figurações “Não se encontrarão pois aqui, mescladas ao romance familiar, mais do que as figurações de uma pré-história do corpo – desse corpo que se encaminha para o trabalho, para o gozo da escritura. Pois tal é o sentido teórico dessa limitação: manifestar que o tempo da narrativa (da imageria) termina com a juventude do sujeito: não há biografia a não ser a da vida improdutiva. Desde que produzo, desde que escrevo, é o próprio Texto que me despoja (felizmente) de minha duração narrativa. O Texto nada pode contar; ele carrega meu corpo para outra parte, para longe da minha pessoa imaginária, em direção a uma espécie de língua sem memória que já é a do Povo, da massa insubjetiva (ou do sujeito generalizado), mesmo se dela ainda estou separado por meu modo de escrever” (p.14: em itálico, no original). II. Olhos “Mas eu nunca me pareci com isso! – Como é que você sabe? Que é este „você‟ com o qual você se pareceria ou não? Onde tomá-lo? Segundo que padrão morfológico ou expressivo? Onde está seu corpo de verdade? Você é o único que só pode se ver em imagem, você nunca vê seus olhos, a não ser abobalhados pelo olhar que eles pousam sobre o espelho ou sobre a objetiva (interessar-me-ia somente ver meus olhos quando eles te olham): mesmo e sobretudo quanto a seu corpo, você está condenado ao imaginário” (p.48). III. Biografema

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Exercícios produzidos para o Curso de Extensão Oficinas de Escritura VIDARBO – OEVI, realizadas no segundo semestre de 2009, no espaço do PPGEDU/UFRGS, destinadas a estudantes de Graduação e Pós-Graduação; professores de escolas e outros espaços educacionais; interessados e público em geral.

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– “Em Bayonne, por causa das grandes árvores do jardim, muitos pernilongos; havia filós nas janelas (aliás furados). Queimavam-se pequenos cones odoríferos chamados Phidibus. Depois foi o começo do Flite, vaporizado por uma bomba rangente, quase sempre vazia”. – “Atrabiliário, o Sr. Dupouey, professor do segundo colegial, nunca respondia ele próprio a uma pergunta que fizesse; esperava por vezes uma hora em silêncio, até que alguém encontrasse a resposta: ou então ele mandava o aluno passear pelo liceu”. – “No verão, de manhã, às nove horas, dois meninos me esperavam numa casa baixa e modesta do bairro de Beyris; era preciso ajudá-los a fazer os deveres de férias. Esperava-me também, sobre uma folha de jornal, preparado por uma avozinha miúda, um copinho de café com leite muito claro e muito doce, que me dava enjôo. Etc. (Não sendo da ordem da Natureza, a anamnese comporta um „etc.‟”.) – “Chamo de anamnese a ação – mistura de gozo e de esforço – que leva o sujeito a reencontrar, sem o ampliar nem o fazer vibrar, uma tenuidade de lembrança: é o próprio haicai. O biografema (veja-se SFL, 13) [Barthes refere, aqui, as iniciais do título de seu livro Sade, Fourier, Loyola. Paris: Editions du Seuil, 1971] nada mais é do que uma anamnese factícia: aquela que eu atribuo ao autor que amo”. – “Essas poucas anamneses são mais ou menos foscas (insignificantes; isentas de sentido). Quanto mais se consegue torná-las foscas, mais elas escapam ao imaginário” (p.125-126).

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X FANTASIAS DE ESCRILEITURA7

Fantasia I

1. Escolha uma, dentre as 112 fantasias indicadas abaixo. 2. Você pode, ainda, inventar uma não listada. 3. Escreva, então, um texto breve, em até 10 linhas. 4. Você optará por escrever de: a) modo sistemático, feito um texto acadêmico ou científico; b) modo assistemático, como poesia, poesia filosófica, prosa rítmica, canto, paródia, alegoria, parábola, metáfora, provérbio, máxima, fragmento, aforismo, haicai, renga, haibun, etc.; c) modo literário (seja lá o que isso significa); d) modo misturado; e) outros modos; f) modo nenhum. Uma Fantasia de...

29. Padre Vieira

58. Mulher Melancia

85. valèryana

1. infância

30. Nostradamus

59. Mallarmé

86. kleiniana

2. currículo

31. I Ching

60. Dissertação

87. freireana

3. devir

32. Santa Tereza de Ávila

61. Tese

88. althusseriana

4. nomadismo

33. Copérnico

62. Poema

89. drummondiana

5. cafajeste

34. Pasteur

63. Romance

90. melvilleana

6. carnaval

35. passarinho

64. Música

91. socialista

7. amor

36. urubú

65. Filme

92. libertária

8. notícia

37. cavalo

66. Religião

93. diferente

9. crime

38. cão

67. Halloween

94. capitalistística

10. epifania

39. anônimo

68. Hollywood

95. individuadora

11. artista

40. máquina

69. Gisele Bündchen

96. fascista

12. um povo

41. professor

70. Dostoiévski

97. consumista

13. um mundo

42. bombeiro

71. serial killer

98. singular

14. casal

43. pirata

72. Haicai

99. gentil

15. sujeito

44. odalisca

100. ideal

16. objeto

45. gueixa

101. indeterminada

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Exercícios apresentados e desenvolvidos, por ocasião do Curso de Extensão Oficinas de Escritura VITA NOVA – OEVN (I e II), desenvolvidas no primeiro e segundo semestres letivos de 2008, junto ao PPGEDU/UFRGS; destinadas a estudantes de Graduação e Pós-Graduação; professores de espaços escolares e não-escolares; interessados e público em geral.

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17. inconsciente

46. pato

73. erótica

102. romântica

18. Pátria

47. palhaço

74. sexual

103. totalitarista

19. Teatro

48. mãe

75. obscena

104. fundamentalista

20. Mestre Zen

49. pai

76. edipiana

105. fanática

21. Gradiva

50. avó

77. proustiana

106. integrista

22. Freud

51. desespero

78. flaubertiana

107. horrorosa

23. Da Vinci

52. perda

79. marxiana

108. medrosa

24. Dante Alighieri

53. traço

80. beatnik

109. memorável

25. Jacques Derrida

54. desaparecimento

81. lacaniana

110. temerária

26. Michel Foucault

55. contingência

82. deleuziana

111. inconfessável

27. Moisés

56. acontecimento

83. barthesiana

112. ???

28. São Paulo

57. escrileitura

84. piagetiana

Fantasia II

Selecione e escreva um texto, com forma e tamanho livres, cujo gênero ou título seja um dos sugeridos abaixo: 1. Ode ao Infantil. 2. Manifesto (della scrilettura cannibale). 3. Ensaio sobre Fantasmofísica. 4. Um pedaço de currículo. 5. Poética ao Desejo de Escrever. 6. Haicai da Desesperança. 7. O silêncio da Crítica. 8. Mistério nebuloso (yugên) da Poesia. 9. Proustificação do Romance. 10. Criptologia da Fantasia. 11. Variantes de Escrileitura. 12. Diário de escrituras. 13. Ruminações de um professor. 14. Farrapos de estudo. 15. Canteiro de fragmentos. 16. O Senhor do Giz. 73

17. A beleza da Tese. 18. Manual interessante... mas inútil. 19. Notas da superfície. 20. A literatura e os malditos. 21. A infância, a razão e o mal. 22. Para uma filosofia do inferno na Educação. 23. O zen e a arte de escrever. 24. Cartas ao Porvir. 25. Dicionário de idéias feitas e ferinas nos confins da Educação.

Fantasia III

1. Abaixo, encontram-se a primeira e a última frases de um pequeno texto intitulado “Ora” (CORAZZA, Sandra Mara. Os cantos de Fouror: escrileitura em filosofia-educação. Porto Alegre: Sulina & UFRGS, 2008). 2. Elabore o seu próprio texto. 3. A única exigência é que o seu texto contenha as mesmas frases, nas mesmas posições: a inicial e a final. 4. Você pode atribuir ao texto outro título, e o número de parágrafos é escolha sua. Frase inicial: “Quando numa noite percebe-se com espanto que nunca se será artista do Cirque du Soleil, e se pensa sobre solidão, morte e literatura...” Frase final: “– então, nessa noite, está-se escrevendo com a maior irritação, como quem ora às pressas”.

Fantasia IV

1. Coloque-se, durante 5 minutos, num ponto qualquer dessa sala, onde estamos. 2. Sinta, perceba, intua, afecte-se, pense sobre o que aí existe, sobre o que aí se passa, etc., especialmente sobre aquilo que lhe parece imperceptível. 3. Faça um texto do tipo “Descritivo Fantástico” (digamos), de extensão livre. 4. Para tanto, lembre Tzvetan Todorov (1939-: filósofo e lingüista búlgaro) afirmando, em Introduction à la littérature fantastique (Paris: Seuil, 1970, p.29), o

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seguinte: “Le fantastique c‟est l‟hésitation éprouvée par un être qui ne connaît que les

lois naturelles, face à un événement en apparence surnaturel”. (“O fantástico é a hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais, diante de um acontecimento aparentemente sobrenatural”.) 5. Recorde Gonçalo Tavares (1970-: escritor português), nas suas “Tabelas literárias”, em “Roland Barthes e Robert Musil” (p.69-166), integrante do livro A perna esquerda de Paris seguido de Roland Barthes e Robert Musil. (Lisboa: Relógio D‟Água, 2004), escrevendo: A) “Há um prazer nos jogos de palavras, como dizia R. B. Uma certa perversão ingénua [grafia de Portugal] e infantil, que substitui a pornografia física, ou a desloca, para um sítio que não é visível: a linguagem. Até em países extremamente quentes a linguagem é tímida”. B) “O admirável na ficção é o modo como ela resiste ainda melhor que a Verdade. Ao assumir-se como mentira jamais poderá sofrer uma oposição que não seja desnecessária. Dizer logo no início que se vai mentir é uma das maneiras de conquistar o mundo” (p.129). 6. Ou, ainda, leia Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), em “Lição de Coisas” (Reunião: 10 livros de poesia. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1974, p.247), poemando: “Tudo é teu, que enuncias. Toda forma nasce uma segunda vez e torna infinitamente a nascer. O pó das coisas ainda é um nascer em que bailam mésons. E a palavra, um ser esquecido de quem o criou; flutua, reparte-se em signos – para incluir-se no semblante do mundo. O nome é bem mais do que nome: o além-da-coisa, coisa livre de coisa, circulando”.

Fantasia V

1. Considere, junto a Jorge Luis Borges (1899-1986: escritor, poeta, tradutor, crítico, ensaísta argentino), o caráter de irrealidade da literatura: “la irrealidad es condición del arte”.

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2. Então, de acordo com Jean-Paul Sartre (1905-1980: escritor e filósofo francês), “vá às coisas mesmas”, ou seja, “o axioma que está na origem de toda Fenomenologia”. 3. Antes de escrever, escolha ou um objeto (uma “coisa”) corriqueiro, vulgar, ordinário: I – Tenha presente Maurice Blanchot (1907-2003: escritor e teórico francês) dizendo que a “árvore de Francis Ponge é uma árvore que observou Francis Ponge e se descreve como imagina que ele poderia descrevê-la”, e veja antes “o poeta dos objetos” Francis Ponge (1899-1988: poeta e escritor francês), em: A) La table – 21/11/1967 a 16/10/1973; A mesa. São Paulo: Iluminuras, 2002. (Trad. Ignacio A. Neis; Michel Peterson); ou no poema: B) “A rã”, “La grenouille” (MOTTA, Leda T. da. Francis Ponge: o objeto em jogo. São Paulo: Iluminuras, 2000). A) “Um extrato de meu trabalho sobre a Mesa” “Ô Mesa, que és consolo e que és consoladora, por que, mesa, hoje tu me és urgente? Mesa da escrivaninha (mesa ou tábua), que há muito tempo subvieste (souvins) em apoio a meu corpo como hoje, enfim, a meu espírito tua noção. Ô Mesa, que és consolo e que és consoladora? – É que não me resta mais senão tua formulação a ouvir (de ti) e transcrever, para ter, de todo, para ter, é hora, absolutamente acabado” (p.307). B) “Quando a chuva em agulhinhas curtas rebate na relva encharcada, uma anã anfíbia, uma Ofélia desengonçada, do tamanho de um punho, dispara às vezes por sob os passos do poeta. Deixemos fugir a nervosinha. A de graciosas gâmbias. Todo o seu corpo é uma luva de pele impermeável. De pouca gordura, os músculos compridos são de uma elegância nem carne nem peixe. Mas, para nos escorregar entre os dedos, a virtude do fluido alia-se, no seu caso, aos esforços do ser vivente. Papuda, ela perde o fôlego... E o coração que bate forte, as pálpebras enrugadas, a boca assustada me dão pena e eu solto a coitadinha” (p.89).

II – Ou, também, você pode escrever sobre um dos “objectos hábeis” de Gonçalo Tavares (A perna esquerda de Paris seguido de Roland Barthes e Robert Musil. Lisboa: Relógio D‟Água, 2004), como se pode ver na conceitualização a seguir: “Objectos hábeis são objectos que poderiam ser animais. Objectos de estabilidade orgânica, isto é: instáveis. Um objecto que ameaça, objecto que não compreendo, não

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domesticável. Se os objectos inúteis não forem apoiados pelos gestos dos loucos ou por governos sensatos, deixarão de existir. Louca é a pessoa que torna funcional um objecto considerado inútil: e torna inútil a utilidade dos normais. O objecto como um contrato da Forma com o tempo. Um contrato assinado pelas duas partes. Um cão que surge de um sítio inesperado (por exemplo, de uma árvore) pode parecer um gato” [negrito no original] (p.12). Como o próprio Gonçalo Tavares pratica, no mesmo livro citado: “Fenda [negrito: idem] – Intervalo para onde a matéria cai (baixando-se muito como um bajulador). Se aumentares uma fenda obterás um buraco. O buraco é o somatório de milhares de fendas. Uma fenda é como uma fatia de bolo invertida, uma fatia de matéria negativa: a prova de que algo saiu daqui. Todo o espaço vazio é o registo [em português de Portugal] de uma memória. De algo que antes existia. No início o mundo era repleto de matéria. Matéria compacta, espessa. A violência – ou seja – a criação – passou por retirar fatias. A escultura – e todo ser vivo é uma escultura – não é assunto de acrescentar ou acumular, mas sim assunto de retirar, esburacar” (p.15).

III – Ou, ainda, se quiser (e puder), escolha uma das famosas “descrições de sensações objetais” de Marcel Proust (1871-1922, em O tempo redescoberto. Rio de Janeiro: Globo, 1988. Trad. Lúcia M. Pereira), tal como segue no excerto: “E logo a seguir, bem a reconheci, surgiu-me Veneza, da qual nunca me satisfizeram meus ensaios descritivos e os pretensos instantâneos tomados pela memória, e me era agora devolvida pela sensação outrora experimentada sobre dois azulejos desiguais do batistério de São Marcos, juntamente com todas as outras sensações somadas no mesmo dia, que haviam ficado à espera, em seu lugar na fila dos dias esquecidos, de onde um súbito acaso as fazia imperiosamente sair. Tal como o gosto da pequena madeleine me recordava Combray” (p.149).

Fantasia VI

1. Juan José Saer (1937-2005: escritor, crítico, ensaísta argentino) afirmou: “Cada romance tem de ser um objeto único. O enredo ordena a sua forma. A estrutura do relato segue a intensidade da narração”.

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2. Nessa direção, selecione: I) ou o início do romance Graus (Degrés [1960], Lisboa: Arcádia,1964. Trad. Mário D. Ramos; Manuel de Castro.) de Michel Butor (1926-: romancista francês integrante do grupo Nouveau Roman); II) ou um excerto de Mamma, son tanto felice (Rio de Janeiro: Record, 2005), o primeiro volume de o Inferno provisório de Luiz Ruffato (1961 - : escritor mineiro). I – De Michel Butor, Graus (p.9). “Entro na aula, subo ao estrado. Quando a campainha acaba de tocar, tiro da pasta que pousei na secretária a lista alfabética dos alunos e uma folha de papel branco na qual eles próprios designaram os seus lugares nesta sala. Após o quê, sento-me, e, feito silêncio, começo a chamada: procurando fixar na memória os seus semblantes, pois que sou ainda incapaz de os reconhecer, exceto uns tantos que acompanhei o ano passado, tu, particularmente, Pierre, que ergues os olhos castanhos na altura em que te pronuncio o nome no lugar da lista, depois de ” II – De Luiz Ruffato, Mamma, son tanto felice (p.136-137). “A gargalhada imobilizou a mão direita, que riscava nervosa letras garranchadas no quadro-negro. O Professor voltou-se para a classe, “Quem foi”?, a vista escureceu, “Quem foi”?, encarou olhares acantonados. “Tem algum palhaço aqui”? Um incontrolável tremor açoitou seu corpo. De costas para os alunos, pensamentos embaralhados, tentou retomar a lição. Um cochicho, um riso reprimido acenderam um rastilho que, percorrendo todas as carteiras da sala de aula, explodiu numa única gargalhada histérica, imensa. O Professor pegou a lista de chamada, a sovada pasta de couro, abriu a porta e desceu a rampa correndo, como que perseguido pela balbúrdia. Quando ganhou o pátio, ainda ouvia berros e assobios e vaias Foi ela Foi Foi ela a”

3. Reescreva, a seguir, o excerto que você acabou de escolher, em um dos seguintes gêneros (atente para as distribuições formais e experimentais dos textos), ao modo de Raymond Queneau (1903-1976: poeta, novelista francês, expoente da Nouvelle Vague), em Exercícios de estilo. Rio de Janeiro: Imago, 1995. Trad. Luiz Resende.). 4. Atenção! Escolha apenas um gênero dos 20 listados a seguir. 78

1. Sonho (Rêve). 2. Metaforicamente (Métaphoriquement). 3. Profecias (Pronostications). 4. O lado subjetivo (Le côte subjctif). 5. Animismo (Animisme). 6. Relato (Récit). 7. Versão oficial (Lettre officielle). 8. Textículo de orelha (Prière d‟insérer). 9. Não sei de nada (Ignorance). 10. Presente (Présent). 11. Pretérito (Passé simple). 12. Alexandrinos (Alexandrins). 13. Quer dizer, né (Moi je). 14. Exclamações (Exclamations). 15. Então (Alors). 16. Povão (Vulgaire). 17. Ocorrência (Interrogatoire). 18. Comédia (Comédie). 19; Fantasmático (Fantomatique). 20. Filosófico (Philosophique).

Fantasia VII

1. Construa um diálogo entre um professor e um aluno, sob uma das cinco formas de diálogo, tal como apresentadas por Raimundo Carrero (1947-: jornalista e escritor pernambucano), no livro Os segredos da ficção: um guia da arte de escrever narrativas. (Rio de Janeiro: Agir, 2005), a saber: A) direto ou convencional; B) entrecruzado; C) interno; D) interno dramático; E) sem sinais gráficos. 2. Para tanto, considere a caracterização de cada diálogo e alguns exemplos: A) Diálogo direto ou convencional. Identificado por aspas ou travessões. Costuma ser marcado pelas expressões “ele disse”, “ela respondeu”; cujos verbos são denominados, na Gramática, “verbos de elocução”, como “dicendi”, “declarandi” ou “sentiendi” – “genitivos do gerúndio dos verbos dicere, declarare e sentire”, significando “de dizer”,

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“de declarar”, “de sentir” (RC, p.136). Muitos autores contemporâneos suprimem essas marcações repetitivas, deixando que os personagens se manifestem sozinhos, sem interferência do narrador: este “onisciente poderoso” que “desapareceu” (RC, p.133). Exemplos: I – José Lins do Rego (1901-1957: paraibano), em Cangaceiros (livro de 1953). – Povo infeliz – disse Alice –, só vive de matar e de morrer. Só queria, Bentinho, sair desta terra, e nunca mais ouvir falar destas coisas. Zé Luís está no mesmo caminho do pai. Não tarda a cair no crime como os outros. – Menina, tu não fala assim – foi-lhe dizendo a mãe –, a vida da gente vai ser esta, até o fim. II – Graciliano Ramos (1892-1953: alagoano), em Memórias do cárcere. (São Paulo: Record, 1984, V.1, p.94). – General, estes senhores... Finda a apresentação, o homem alto pregou-me um olho irritado. – Comunista, hem? Atrapalhei-me e respondi: – Não. – Não? Comunista confesso. – De forma nenhuma. Não confessei nada. Espiou-me um instante, carrancudo, manifestou-se: – Eu queria que o governo me desse permissão para mandar fuzilá-lo. – Oh! General! Murmurei. Pois não estou preso?

B) Diálogo entrecruzado. Uma criação de Gustave Flaubert (1821-1880: escritor francês). As vozes circulam livremente, sem apoio da marcação – “disse”, “afirmou”, “respondeu” – do narrador. Nasce assim “a idéia de personagens com estilo – aqueles que unicamente conduzem a narrativa”. Assim como em Madame Bovary: costumes de província. São Paulo: Nova Alexandria, 1993. p.319. (Trad. Fúlvia M.L.Moretto.) E, durante um quarto hora, pensaram nas diferentes pessoas de Yonville dispostas talvez a socorrê-la. Porém, cada vez que Félicité nomeava alguém, Emma replicava. – Não é possível! Não vão querer! – E o doutor que vai chegar! – Eu sei... Deixa-me sozinha.

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Ela tentara tudo. Nada mais havia a fazer agora; e, quando Charles aparecesse, iria dizer-lhe então: – Retira-te. Este tapete sobre o qual caminhas não mais nos pertence. De tua casa, não tens nenhum móvel, nem um alfinete, nem uma palha e fui eu que te arruinei, pobre homem”!

C) Diálogo interno. Bastante utilizado na ficção contemporânea. Não confundir com o monólogo interior. Proporciona maior rapidez nas vozes. “É trabalhado com aspas por Ismail Kadaré e por Rubem Fonseca, com ou sem aspas, ou apenas com a sinalização da primeira letra no maiúsculo por José Saramago, às vezes por Lygia Fagundes Teles, definindo a alternância de vozes” (RC, p.137). Exemplo: Sete-Sóis soergueu-se na enxerga, e também inquieto, Estás a mangar comigo, ninguém pode olhar por dentro das pessoas, Eu posso, Não acredito, Primeiro quiseste saber, não descansavas enquanto não soubesses, agora já sabes e dizes que não acredita, antes assim, mas daqui para o futuro não me tires o pão, Só acredito se fores capaz de dizer o que está dentro de mim agora, Não vejo se não estiver em jejum [...] (José Saramago, 1922-: escritor português, em Memorial do convento, livro de 1982).

D) Diálogo interno dramático. O narrador usa aspas, no sentido dramático, para indicar punição, conflito psicológico, etc. Consegue, assim, rapidez nas vozes. O uso de aspas atribui ao texto uma densidade forte, interior, carregada. Exemplo (de Ismail Kadaré, 1936-: escritor albanês, em seu livro Abril despedaçado, que serviu de argumento ao filme dirigido por Walter Salles, com o mesmo título): Gjorg fazia parte dele. Por vontade própria jamais teria ido. Ocorrera entre ele e o pai aquela que esperava ser a última das desavenças mil vezes repetidas nas pradarias montesas. “Você deve ir ao enterro e também ao almoço fúnebre”. “Mas eu sou o gjaks, por que logo eu devo ir”? “Exatamente porque matou, você tem que ir. Qualquer um pode faltar ao enterro e ao almoço fúnebre, menos você. Eles o esperam mais que a todos os outros”. “Mas, por quê”? insistira Gjorg, pela última vez. “Por que devo fazer uma coisa dessas”? O pai então o havia fulminado com os olhos, e ele se calara”.

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E) Diálogo sem sinais gráficos. Alguns escritores não usam sinais gráficos – aspas, travessões, letras maiúsculas –, mas interferem com marcações insistentes. Essa ausência dá leveza (psicológica) ao texto. O leitor vai sendo surpreendido. As palavras tornam-se vigorosas. Veja Rubem Fonseca (1925-: mineiro, escritor e roteirista de cinema), por exemplo, em “Passeio noturno – Parte II” – Feliz ano novo. Você não bebe?, Ângela perguntou. Às vezes. Agora diga, falando sério: você não pensou nada mesmo, quando eu te passei o bilhete? Não. Mas se você quer, eu penso agora, eu disse. Pensa, Ângela disse.

Fantasia VIII

1. Leia as seguintes formulações presentes no texto de Antonio Candido (1918-: mineiro, poeta, ensaísta, crítico literário), intitulado “A personagem do romance” (p.5180), que integra o livro A personagem de ficção (São Paulo: Perspectiva, 2005). I – “O enredo de um romance existe através das personagens; as personagens vivem no enredo” (p.53). II – “os três elementos centrais dum desenvolvimento novelístico (o enredo e a personagem, que representam a sua matéria; as „ideias‟, que representam o seu significado – e que são no conjunto elaborados pela técnica), estes três elementos só existem intimamente ligados, inseparáveis, nos romances bem realizados”. III – “No meio deles, avulta a personagem, que representa a possibilidade de adesão afetiva e intelectual do leitor, pelos mecanismos de identificações, projeção, transferência, etc.” IV – “A personagem vive o enredo e as idéias, e os torna vivos”. V – “Eis uma imagem feliz de Gide: „Tento enrolar os fios variados do enredo e a complexidade dos meus pensamentos em torno destas pequenas bobinas vivas que são cada uma das minhas personagens”. VI – “Não espanta, portanto, que a personagem pareça o que há de mais vivo no romance; e que a leitura deste dependa basicamente da aceitação da verdade da personagem por parte do leitor” (p.54).

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VII – “A personagem é um ser fictício”. VIII – “o problema da verossimilhança no romance depende desta possibilidade de um ser fictício, isto é, algo que, sendo uma criação da fantasia, comunica a impressão da mais lídima verdade existencial”. IX – “Podemos dizer, portanto, que o romance se baseia, antes de mais nada, num certo tipo de relação entre o ser vivo e o ser fictício, manifestada através da personagem, que é a concretização deste” (p.55). X – “surge o problema: de onde parte a invenção? Qual a substância de que são feitas as personagens? Seriam, por exemplo, projeção das limitações, aspirações, frustrações do romancista”?

2. Depois, invente, no mínimo, uma personagem, dentre a tipologia que Antonio Candido afirma que pode ser extraída de “elementos” deixados por romancistas, quais sejam: A) Personagens transpostas com relativa fidelidade de modelos dados ao romancista por experiência direta – seja interior, seja exterior. [Tolstoi, em Guerra e paz, retrata seu pai e sua mãe, quando moços, respectivamente em Nicolau Rostof e Maria Bolkonski.] B) Personagens transpostas de modelos anteriores, que o escritor reconstitui indiretamente – por documentação ou testemunho –, sobre os quais a imaginação trabalha. [No mesmo romance de Tolstoi, é o caso de Napoleão I, estudado por ele em livros de História.] C) Personagens construídas a partir de um modelo real, conhecido pelo escritor, que serve de eixo ou ponto de partida. Mesmo que o trabalho criador desfigure o modelo, este, todavia, pode ser identificado. [É o caso de Tomás de Alencar, no romance Os maias de Eça de Queiroz.] D) Personagens construídas em torno de um modelo, direta ou indiretamente conhecido, mas que é apenas um pretexto, um estimulante, um trampolim para o trabalho de caracterização. Trabalho do escritor que explora ao máximo suas virtualidades, por meio da fantasia, ou as reinventa de modo que os traços da personagem resultante não mais convêm ao modelo. [Mr. Micawber, de David Copperfield, de Dickens, tem conexões com o pai do romancista, mas acaba ficando tão afastado dele, a ponto de serem inassimiláveis.]

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E) Personagens construídas em torno de um modelo real dominante, que serve de eixo, ao qual vêm juntarem-se outros modelos secundários: tudo isso refeito e construído pela imaginação. [O grande exemplo: Marcel Proust constrói o Barão de Charlus inspirado em Robert de Montesquiou, mas também no Barão Doazan, em Oscar Wilde, no Conde Aimery de La Rochefoucauld e, ainda, nele próprio, Marcel.] F) Personagens elaboradas com fragmentos de vários modelos vivos, em predominância sensível de uns sobre outros, resultando numa personalidade nova. [Ainda em Proust, é o caso de Robert de Saint-Loup, inspirado num grupo de amigos de Marcel, mas diferente de cada um deles; embora a maior parte de seus traços e gestos possa ser remetido a um deles, enquanto a combinação resulta original: Gaston de Caillavet, Bertrand de Fénelon, Marquês de Albufera, Georges de Lauris, Manuel Bibesco e outros.] G) Ao lado desses tipos de personagens, cuja origem pode ser traçada mais ou menos na realidade, há o tipo de personagem cujas raízes desaparecem na personalidade fictícia resultante, que, ou não possuem qualquer modelo consciente, ou os elementos tomados à realidade não podem ser traçados pelo próprio autor. Trata-se de um arquétipo? [Seria o caso dos personagens de Machado de Assis, de Dostoievski, de Tchekov.]

Fantasia IX

Reescreva como lhe aprouver do tamanho que quiser com a densidade que souber com a originalidade que couber um dos três excertos sobre Infância & Escola respectivamente de Graciliano Ramos Manoel de Barros Nathalie Sarraute. I – Graciliano Ramos. Infância. Rio de Janeiro: Record, 1994.

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“A notícia veio de supetão: iam meter-me na escola. Já me haviam falado nisso, em horas de zanga, mas nunca me convencera de que realizassem a ameaça. A escola, segundo informações dignas de crédito, era um lugar para onde se enviavam as crianças rebeldes. Eu me comportava direito: encolhido e morno, deslizava como sombra. As minhas brincadeiras eram silenciosas. E nem me afoitava a incomodar as pessoas grandes com perguntas. Em conseqüência, possuía idéias absurdas, apanhadas em ditos ouvidos na cozinha, na loja, perto dos tabuleiros de gamão. A escola era horrível – e eu não podia negá-la, como negara o inferno. Considerei a resolução de meus pais uma injustiça. Procurei na consciência, desesperado, ato que determinasse a prisão, o exílio entre paredes escuras. Certamente haveria uma tábua para desconjuntar-me os dedos, um homem furioso a bradar-me noções esquivas. Lembrei-me do professor público, austero e cabeludo, arrepiei-me calculando o vigor daqueles braços. Não me defendi, não mostrei as razões que me fervilhavam na cabeça, a mágoa que me inchava o coração. Inútil qualquer resistência” (p.104). II – Manoel de Barros (1916-: poeta nascido em Cuiabá, MT). Memórias inventadas: a Infância. São Paulo: Planeta, 2003. “Quando eu estudava no colégio, interno, Eu fazia pecado solitário. Um padre me pegou fazendo. – Corrumbá, no parrrede! Meu castigo era ficar em pé defronte a uma parede e decorar 50 linhas de um livro. O padre me deu para decorar o Sermão da Sexagésima de Vieira. – Decorrrar 50 linhas, o padre repetiu. O que eu lera por antes naquele colégio eram romances de aventura, mal traduzidos e que me davam tédio. Ao ler e decorar 50 linhas de Sexagésima fiquei embevecido. E li o Sermão inteiro. Meu Deus, agora eu precisava fazer mais pecado solitário! E fiz de montão.

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– Corrumbá, no parrrede! Era a glória. Eu ia fascinado pra parede. Desta vez o padre me deu o Sermão do Mandato. Decorei e li o livro alcandorado. Aprendi a gostar do equilíbrio sonoro das frases. Gostar quase até do cheiro das letras. Fiquei fraco de tanto cometer pecado solitário. Ficar no parrrede era uma glória. Tomei um vidro de fortificante e fiquei bom. A esse tempo também eu aprendi a escutar o silêncio das paredes” (“Parrrede!”, s/p.). III – Nathalie Sarraute (1900-1999: feminista, advogada, escritora na França, de origem russa). Infância. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. (Trad. Luiz Carlos B. Rezende.) “Nas grandes folhas de papel azul que servem para encapar os meus cadernos e livros, recorto quadradinhos que dobro várias vezes como me ensinaram para fazer bichinhos de papel. Na cabeça de cada um deles escrevo de um lado o nome e de outro o sobrenome de cada uma das alunas da classe: trinta ao todo, contando comigo. Disponho-os sobre a mesa, lado a lado, em várias fileiras, e sou a professora... não a verdadeira, que nos dá aula esse ano... mas uma que invento... instalo-me em minha cadeira na frente de todas. Assim consigo aprender sem sofrimento, divertindo-me até, as lições mais massacrantes. Tenho à minha frente o livro de história ou geografia e faço perguntas às alunas e a mim mesma... às gazeteiras, quando ainda não sei bem a lição... elas tartamudeiam, dizem todo tipo de coisas estúpidas e divertidas que invento imitandoas.. gosto muito de imitar os outros e minhas imitações geralmente fazem rir... Envolto nessa espécie de facécias, de bufonaria, de disparates hilariantes, chega a introduzir-se em mim e aí permanecer o que em estado natural seria rejeitado... tratados de paz, nomes de batalhas, de cidades, de departamentos e de países, sua superfície, o número de seus habitantes, seus produtos... tempero tudo isso ao meu gosto... coisas do gênero... „Pode me dizer, é você, Madeleine Tamboitte... mas por favor, não fique com

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esse ar espantado... Quem ganhou a batalha de Poitiers? Quem? Não soprem... martelo impacientemente a mesa com o meu lápis.. Quem, você disse‟” (p.178-179)?

Fantasia X

Invente um Exercício de Fantasia (fantasístico, fantasioso, fantasmático) e escreva-o.

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O QUE É O ATO DE CRIAÇÃO?8 QUESTÃO – O QUE É O ATO DE CRIAÇÃO? De onde surgem as formas? Como se dá o ato de ver, de falar, de interpretar, de escrever num não-lugar, numa não-relação? Como pensar do lado de-Fora? O que é o ato de criação? O que significa ter uma idéia? O que acontece quando alguém diz: “Tive uma idéia”? O que é o ato de pensar (ou de escrever ou de criar)? Será deter-se, e depois partir novamente? Em outras palavras: como é possível o surgimento do novo e a produção do informe em educação?

AVALIAÇÃO E CRITÉRIOS – Forma. Sua escrita pode adquirir a forma de: (a) textos acadêmico-científicos (sistemáticos), como artigos, ensaios, estudos; (b) textos literários (assistemáticos), como: drama em prosa, poesia filosófica, prosa rítmica, poesia, canto, música, ditirambos, sátiras, paródias, alegorias, parábolas, imagens, tropos, simbolismos, metáforas, provérbios, máximas, fragmentos, aforismos, e tantos outros. – Critérios. Os critérios para avaliação variam de acordo com o tipo de escrita/texto/produção: (a) acadêmico-científico: intersecção com conceitos, ressonância dos temas e da perspectiva; consistência conceitual e rigor na argumentação; riqueza no uso de autores, ideias, posições, problemas; interlocução com a produção atual do pensamento em Educação; algo do próprio pensar, por meio de novos arranjos, montagens, composições, que reinterrogam e operam, sem aplicar ou exemplificar, ou seja, pensam; (b) literário: texto singular, instigante, novo, que transmite no prazer de ler o desejo de escrever; desloca valores estabelecidos; descodifica formas de conteúdo e de expressão correntes; permite pensar a diferença que o ilimita; esgarça identidades, moral, experiência utilitária; desprende-se do estereótipo e do já-dito; não é fruto do espontaneísmo vazio, da criatividade solta, do esteticismo estéril; põe em jogo uma pluralidade de códigos; pratica fantasias de crítico-escrileitura.

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Exercício, como roteiro para fazer a produção final do Seminário Avançado O que é ato de criação? Método Valéry-Deleuze, do período letivo de 2010/2, no PPGEDU/UFRGS; ainda constituiu uma das três questões da Prova de Seleção, para Mestrado e Doutorado, da Linha de Pesquisa 09 Filosofia da diferença e educação, realizada em novembro de 2010 para ingresso em março de 2011.

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IMAGEM DE AICE (AUTOR/INFANTIL/CURRÍCULO/EDUCADOR)9 1. Considere que a concepção de IMAGEM, para esta Pesquisa, NÃO É: - um dado psicológico ou um suporte psíquico - uma visão do objeto ou um corpo estático - uma cópia de algo interior ao cérebro - um representante de algo ou uma representação na consciência;

2. Considere, ainda, que esta Pesquisa TOMA E OPERA com o entendimento de IMAGEM como: - um sistema de ações e reações, ao nível da própria matéria - uma vibração movente da matéria - uma relação de forças, que é sempre plural - um bloco de dinamismos espaços-temporais - um real, que existe em si mesmo e tem uma existência física, enquanto um choque, um movimento;

3. Desde esse PONTO DE VISTA da Pesquisa, que atribui realidade à IMAGEM,

4. ESCREVA/FALE/DESENHE/CANTE/DANCE/DRAMATIZE as IMAGENS DE AICE (Autor, Infantil, Currículo, Educador).

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Estes Exercícios de Imaginação foram realizados, em janeiro de 2012, junto a professores de Educação Básica e Ensino Superior; voluntários e bolsistas de Iniciação Científica; alunos de Mestrado e Doutorado; além de Pesquisadores Participantes do OBSERVATÓRIO DA EDUCAÇÃO, CAPES-INEP, projeto Escrileituras: um modo de ler-escrever em meio à vida, Núcleo FACED/UFRGS; e integra a PESQUISA DE PRODUTIVIDADE CNPq: Dramatização do infantil na comédia intelectual do currículo: método Valéry-Deleuze.

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III. 2. – MÉTODOS

O DRAMA (DELEUZE) DO ESPÍRITO (VALÉRY)10 I – DRAMATIZAÇÃO Texto 1 “Não conheço outro modo de lidar com grandes tarefas senão o jogo: este é, como indício de grandeza, um pressuposto essencial. A menor constrição, o ar sombrio, um tom duro na garganta são objeções a um homem, ainda mais à sua obra!... Não é lícito ter nervos... Objeção é sofrer da solidão – sempre sofri somente da „multidão‟... Absurdamente cedo, aos sete anos, já sabia que nenhuma palavra humana jamais me alcançaria: alguém me viu ensombrecido por isso? – Demonstro ainda hoje a mesma afabilidade para com todos, trato inclusive com distinção os humildes: em tudo não há um grão de soberba, de secreto desprezo. Quem eu desprezo adivinha que é por mim desprezado: com meu simples existir ofendo a tudo o que no corpo possui sangue ruim... Minha fórmula para a grandeza do homem é amor fati: nada querer diferente, seja para trás, seja para frente, seja em toda a eternidade. Não apenas suportar o necessário, menos ainda ocultá-lo – todo idealismo é mendacidade ante o necessário – mas amá-lo...” (Friedrich Nietzsche. Ecce homo: como alguém se torna o que é. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.51. Trad. Paulo César de Souza).

Texto 2 “INSUPORTÁVEL: O sentimento de um acúmulo de sofrimentos amorosos explode neste grito: „Isso não pode continuar‟. (...) Constatar o insuportável: esse grito serve para alguma coisa: ao me significar que é preciso sair disso, de qualquer maneira, instalo em mim o teatro marcial da Decisão, da Ação, da Saída. A exaltação é como lucro secundário da minha impaciência; me alimento dela, me afundo. Sempre „artista‟ faço da forma conteúdo. Ao imaginar uma solução dolorosa (renunciar, partir, etc.), faço vibrar em mim exaltada fantasia da saída; uma glória de abnegação me invade (renunciar ao amor, não à amizade, etc.) e esqueço logo aquilo que seria preciso então

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Exercícios organizados e praticados como “Temas de Casa”, durante o Seminário Avançado O que é ato de criação? Método Valéry-Deleuze, no período letivo de 2010/2, no espaço do PPGEDU/UFRGS.

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sacrificar: simplesmente minha loucura – que, por estatuto, não pode se constituir objeto de sacrifício: já se viu um louco „sacrificando‟ sua loucura por alguém? Por enquanto só vejo na abnegação uma forma nobre, teatral, o que ainda equivale a retê-la no abrigo do seu Imaginário” (Roland Barthes. Fragmentos de um discurso amoroso. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989, p.132-133. Trad. Hortênsia dos Santos).

Texto 3 “Tento definir mais rigorosamente a dramatização: são dinamismos, determinações espaço-temporais dinâmicas, pré-qualitativas e pré-extensivas que têm „lugar‟ em sistemas intensivos onde se repartem diferenças em profundidade, que têm por „pacientes‟ sujeitos-esboços, que têm por „função‟ atualizar Idéias... (...) Quando se procura corresponder um tal sistema de determinações espaço-temporais a um conceito, parece-me que um logos é substituído por um „drama‟, parece-me que se estabelece o drama desse logos. (...) Uma cólera é uma dramatização que põe em cena sujeitos larvares. (...) se a dramatização está ligada ou não ao trágico. Nenhuma referência privilegiada me parece haver aí. Trágico, cômico são ainda categorias da representação. Haveria, sobretudo, um liame fundamental entre a dramatização e um certo mundo do terror, mundo que pode comportar o máximo de bufonaria, de grotesco...” (Gilles Deleuze. “O método da dramatização” in A ilha deserta: e outros textos. São Paulo: Iluminuras, 2006, p.145-146. Org. revisão e tradução Luiz B. L. Orlandi).

Prescrição (1) Primeiramente, considere a seguinte indicação de Gilles Deleuze, ao final do Prólogo do livro Diferença e repetição (Rio de Janeiro: Graal, 1988, p.18-19. Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado): “Aproxima-se o tempo em que já não será possível escrever um livro de Filosofia como há muito tempo se faz: „Ah! O velho estilo...‟ A pesquisa de novos meios de expressão filosófica foi inaugurada por Nietzsche e deve prosseguir, hoje, relacionada à renovação de outras artes, como, por exemplo, o teatro e o cinema”. (2) A seguir, indique UMA FANTASIA DE ESCRITURA (Infância, Currículo, Romance, Artista, Diferença, Professor, Ensino, Leitura, Autor, Desejo, Paisagens Corpóreas, Escola Crônica, Vita Femina, Bônus da Bondade, Metainfanciofísica, etc.), que seja pertinente às suas intenções de pesquisa. 91

(3) Então, do modo como operam Nietzsche e Barthes (nos excertos acima), e como Deleuze define, no texto “O método da dramatização”, use o MOVIMENTO DA DRAMATIZAÇÃO, isto é: realize uma Simulação da Fantasia que você escolheu. (4) Jogue com essa Fantasia num Texto encenado, diverso de uma história, memória, biografia, narrativa, trama coesa, sequências, personagens demarcados. (5) Para tal (sem ultrapassar uma página), FAÇA FALAR O SUJEITO DA FANTASIA escolhida, em “um discurso composto, simulado, ou, se preferir, um discurso „montado‟ (resultado de uma montagem)” (Roland Barthes. O grão da voz. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.400. Trad. Ligia Fonseca Ferreira). II – ESPIRITOGRAFIA* * Para ser usada no sentido valéryano, ESPIRITOGRAFIA é uma expressão retirada da Doutrina Espírita, na qual consiste em: (1) “Os dois termos, escolhidos por Allan Kardec – psicografia e pneumatografia – indicam a diferença na própria etimologia. Psicografia (gr.) – psikê=borboleta – alma Graphô (gr.) = eu escrevo Pneumatografia (gr.) – pneuma = ar, sopro, vento Espírito / grafia feita pelo Espírito”. (2) “Os Espíritos transmitem, por vezes, certas comunicações escritas sem intermediário direto. Os caracteres, neste caso, são traçados espontaneamente por um poder extra-humano, visível ou invisível. Como é útil que cada coisa tenha um nome, a fim de nos podermos entender, daremos a esse modo de comunicação escrita o de espiritografia, para distingui-la de psicografia, ou escrita obtida por um médium. A diferença entre esses dois vocábulos é fácil de apreender. Na psicografia, a alma do médium desempenha, necessariamente, um certo papel, pelo menos como intermediário; ao passo que na espiritografia é o Espírito que age diretamente, por si mesmo.

Prescrição (1) Considere como Paul Valéry pensa a ação biográfica (em Degas Dança Desenho. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. Trad. Christina Murachco e Célia Euvaldo).

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(2) Verifique os procedimentos, por ele indicados, e que compõem o seu método de escrita sobre a Vidarbo de Degas. (3) Então, escolha um PERSONAGEM DE PENSAMENTO, que considere importante em sua própria área de formação ou de trabalho. (4)

Acompanhando

Valéry,

escreva

uma

ESPIRITOGRAFIA

desse

PERSONAGEM.

(Excertos: p.21 à p.24.) – “Como acontece que um leitor um pouco distraído rabisque nas margens de uma obra e produza, ao sabor do alheamento ou do lápis, pequenos seres ou vagas ramagens, ao lado das massas legíveis, assim farei, segundo o capricho da mente, em torno desses poucos estudos de Edgar Degas”. – “Acompanharei essas imagens com um pouco de texto que seja possível não ler, ou não ler de uma única vez, e que tenha com esses desenhos não mais que uma ligação frouxa e as relações menos estreitas”. – “Será, portanto, apenas uma espécie de monólogo, em que voltarão como quiserem minhas recordações e as diversas idéias que formei sobre um personagem singular, grande e severo artista, essencialmente voluntarioso, de uma inteligência rara, viva, fina, inquieta”. – “Falava sempre de arte científica; dizia que um quadro é o resultado de uma série de operações... Enquanto para o olhar ingênuo as obras parecem nascer do feliz encontro de um tema e de um talento, um artista dessa espécie profunda, talvez mais profundo do que seja sensato ser, protela o gozo, cria a dificuldade, teme os caminhos mais curtos”. – “Degas recusava a facilidade como recusava tudo o que não fosse o objeto único de seus pensamentos. Sabia apenas desejar sua própria aprovação, ou seja, contentar o mais difícil, o mais duro e o mais incorruptível dos juízes. Certamente, ninguém desprezou mais do que ele as honras, as vantagens, a fortuna e a glória que um escritor pode oferecer tão facilmente ao artista com generosa leviandade”. – “Voltarei a falar sobre tudo isto, sem dúvida.... Aliás, nem sei muito bem o que direi mais à frente. É possível que, ao falar de Degas, eu vagueie um pouco pela Dança e pelo Desenho”. – “Não se trata de uma biografia seguindo as regras; não tenho uma opinião muito boa das biografias, o que prova apenas que não fui feito para escrevê-las”. 93

– “De todo modo, as vida de alguém não passa de uma seqüência de acasos, e de respostas mais ou menos exatas a acontecimentos casuais”... – Aliás, o que me importa em um homem não são os acidentes, nem seu nascimento, nem seus amores, nem suas tristezas, nem quase nada do que é observável pode me servir. Não encontro nisso a menor clareza real sobre o que lhe dá seu valor e o diferencia profundamente de qualquer outro e de mim”. – “Não estou dizendo que eu não fique muitas vezes curioso sobre esses detalhes que não nos dizem nada de concreto; o que me interessa não é sempre o que me importa, e todo mundo faz o mesmo. Mas deve-se tomar cuidado com o que é divertido”. – “Por fim, nenhuma estética; nenhuma crítica, ou o menos possível”.

CRIAR UM PERSONAGEM DE COMÉDIA INTELECTUAL11 A – O PERSONAGEM 11

Exercício produzido para o final do Seminário Avançado, de 2009/1, intitulado Biografemática: escrileitura de vida; e para o início do Seminário de 2009/2, Introdução ao método biografemático, ambos realizados no PPGEDU/UFRGS.

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> Para criar, como Paul Valéry (Introdução ao método de Leonardo da Vinci. São Paulo: Ed. 34, 1998. Trad. Geraldo Gérson de Souza), em uma “Comédia Intelectual” (p.109), ou “Comédia do intelecto”, consagrada “às aventuras e às paixões da inteligência” (p.93): (a) o Personagem ou uma Criatura de Pensamento (le personnage ou une criature de pensée), de Poesia, de Canto, de Música, de Currículo, de Infância, etc.; (b) que tenha uma forma original de espiritualidade e seja uma “criatura sempre improvisada” (p.165); (c) como “um jogo da natureza” (p.163-164), dotado de “poder do espírito” (p.13) ou de “poder intelectual” (p.159); (d) uma “criatura de pensamento”, um “possível do pensamento”, com suas redes de possíveis, infinitos mundos, em que todas as possibilidades se realizam em todas as combinações possíveis); (e) para “construir seu personagem”, no “drama das existências dedicadas a compreender e a criar” (p.15); (f) um “eu, o pronome universal, nome daquilo que não tem relação com um rosto”; (g) com “imagética mental” e “lógica imaginativa” (p.169); (h) concebemos e descrevemos à nossa “maneira o possível” de alguém que não alguém “da História” (116-117). B – ESPIRITOGRAFIA > Para realizar, com Valéry, uma Comédia Intelectual (Monsieur Teste. São Paulo: Ática, 1997. Trad. Cristina Murachco.), dedique-se às aventuras e paixões da inteligência, estudando e descrevendo os procedimentos de pensamento do espírito humano (Espiritografia). < Como Mr. Teste, pergunte: Que pode um humano? > Realize a busca metódica do processo de como é feito o pensar, elegendo “um modelo psicológico, mais ou menos grosseiro, mas que represente, de alguma forma, a nossa própria capacidade de reconstruir a obra que nos propusemos explicar-nos” (p.173). < Crie, assim, uma mística (sem deus) acerca das formas originais da espiritualidade humana, escrevendo sobre o drama das existências dedicadas a pensar e a criar. > Pense os pensamentos e as obras, o conhecimento e a abstração, a auto-poiesis respectiva. < Pesquise os limites das coisas ou das vidas, bem como os seus operadores invariantes. > Comece por retirar o rosto de qualquer Eu. Então, desencarne-o completamente, pois se trata de uma criatura de pensamento, ou seja, de uma inteligência abstrata (e não nenhum humano, do qual você trairia a história). < Lembre-se que “a vida do autor não é a vida do homem que ele é” (p.171).

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> Realize uma “partogênese intelectual” (p.173), detectando a geração das obras daquele espírito humano. < Não figure, apoiado em documentos, um personagem de romance; mas crie “um espírito” (p.175), uma criatura, um personagem do pensamento, “um ser teórico” (p.173). > Acredite que cada um é um jogo da natureza, isto é, uma criatura sempre improvisada. < Crie “um personagem de fantasia” (p.7), que expresse a capacidade que você tem de reconstruir a obra que aquele personagem criou. Isto é, conceba e descreva, à sua maneira, o possível de alguém, muito mais do que alguém da história. > Tente conceber o que alguém concebeu, o poder do seu espírito, o possível do seu pensamento. < Descreva a sua potência intelectual, imagética mental, lógica imaginativa. > Desenhe “o próprio demônio da possibilidade” (p.11) de alguém. < Pense nesse demônio como “um Hipogrifo, uma Quimera da mitologia intelectual” (p.12). > Afaste (se a tem) sua maldita erudição. < Faça todos os recursos retóricos diferirem. > Espante a História, a Época, o Contexto, as Estruturas. < Coloque-se, de bom gosto, no lugar daquele ser espiritual com o qual você vem-se ocupando: “colocar-nos de bom grado no lugar do ser que nos ocupa”, “em nós mesmos” (p.175). > Imagine e forme o personagem do pensamento, com a sua própria substância: “é com nossa própria substância que imaginamos e que nos formamos” “um objeto” (p.177). < Não poupe o personagem de pensamento (músico, cantor, filósofo, dançarino, educador) que já está em você: “não poupamos aquele que está em nós” (p.12). > Procure “antes uma ação poética que uma personalidade criadora” (BARBOSA, João Alexandre. A biblioteca imaginária. São Paulo: Ateliê Editorial, 1996, p.251): muito mais ações do personagem vivente e pensante do que a sua personalidade criadora; visto que a personalidade de um sujeito espiritual nada mais é do que a característica de um papel social que alguém soube percorrer. < Analise o funcionamento da inteligência criadora de um ser de espírito, indicando o jogo das aventuras de seu espírito; isto é, daquela prática de pensar que você está reconstituindo.

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> De início, perceba um mundo exterior ao espírito humano; então, tente apreender esse mundo exterior pelo espírito; porém, não qualquer espírito, não aquele limitado pelos espíritos especializados em uma determinada forma de pensamento ou atividade particular; mas aquele que é mais completo e penetrante para os homens universais, quais sejam: (a) aqueles que podem, a qualquer momento, avançar numa certa direção, apelando a elementos utilizados em outra especialidade; (b) aqueles, que emprestam recursos de símbolos e metáforas a outros domínios, de modo que toda grande novidade é obtida pela intrusão de noções e de meios que não estavam previstos. < À apreensão e compreensão do mundo exterior, faça suceder a obra construtora do espírito, com a sua ação de coordenação e de composição. > Forneça, desse modo, exemplos singulares do funcionamento da inteligência humana em casos privilegiados. < Realize e permita a análise do mecanismo da inteligência pura, sabendo que o autor por você escolhido será sempre euzisado (euvisado, eugizado, euviesado), em sua inteligência lógica, isto é, desencarnado, despersonalizado, desensibilizado e desgenializado. > Veja sua potência e o seu limite de conhecer e de sua compreensão do mundo. < Em outras palavras, faça uma espécie de tomografia de um cérebro humano, na qual, no entanto, apareçam zonas obscuras, o sentido do mistério e os limites que esse cérebro percebeu antes de seus contemporâneos. > Distinga os planos genéticos e enunciativos de uma obra. < Exercite a arte da abstração, diante de empresas do conhecimento e das operações artísticas. > Veja a inventividade de suas matérias textuais. < Destaque o processo dinâmico que permeia os atos criadores da escritura como acontecimento. > Ponha em evidência as coisas e também as hesitações do autor, diante da obra em formação: correções, transformações, comentários marginais. < Busque as reflexões do autor sobre a obra em curso : efeitos esperados, mecanismos de recepção visados, suportes estilísticos e formais. > Investigue a complexidade do processo de invenção e de elaboração da obra: reescrituras, natureza intertextual e intratextual da escritura, posições enunciativas do movimento de escritura, pulsões gráficas, etc.

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< Não se ocupe dos fatos cotidianos, mas da investigação que busca o auge radical de lucidez e consciência de linguagem, seja verbal, da matemática, da filosofia, das artes, da educação.

MÉTODO 10: ESPIRITOGRAFEMA12 MÉTODO 10 (de 2010) 12

Exercício produzido para o Seminário Avançado, de 2010/1 – intitulado O método de dramatização na comédia do intelecto: Valéry & Deleuze –, oferecido no PPGEDU/UFRGS.

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– para fazer uma ESPIRITOGRAFIA ou ESPIRITOGRAFEMA – para criar um PERSONAGEM DE PENSAMENTO ou uma CRIATURA DE PENSAMENTO na COMÉDIA INTELECTUAL DA EDUCAÇÃO (ao modo de Paul Valéry) I. REGRA GERAL – Para produzir uma Comédia Intelectual, do Intelecto ou do Espírito, ao modo de Paul Valéry, dedique-se às aventuras e paixões da inteligência. I. 1. REGRA GERAL ÚNICA – Como o spinoziano Monsieur Teste, pergunte para, depois, responder: – Que pode um corpo? I. 2. REGRA GERAL MÍSTICA – Crie, assim, uma mística (sem Deus) sobre as formas originais da espiritualidade humana. II. REGRAS DIVERSAS II.1. REGRA ÚNICA DE PESQUISA – Pesquise os limites das coisas ou das vidas, bem como os seus operadores invariantes. II.2. REGRA ÚNICA DE ESCRITA – Escreva sobre o drama das existências dedicadas a pensar e a criar. II.3. REGRAS (NÃO TÃO ÚNICAS) DE LEITURA, ESTUDO E PENSAMENTO II.3.1. Estude os procedimentos de pensamento do espírito humano. II.3.2. Pense os seus pensamentos e obras, conhecimento e abstração, sua auto-poiesis. II.3.3. Comece por retirar o rosto de qualquer eu. II.3.4. Então, desencarne-o completamente; pois se trata de uma criatura de pensamento, ou seja, de uma inteligência abstrata. II.4. REGRA ÚNICA INUMANA E DESUMANA – A questão é que essa criatura de pensamento não consiste, necessariamente, em nenhum “humano”, do qual você trairia a história. II.5. REGRA ÚNICA DE PARTEIRO – Realize uma partogênese intelectual, detectando a geração das obras daquele espírito humano (inumano, desumano, super-humano, sobre-humano). II.6. REGRA ÚNICA DE CRIADOR – Crie um espírito, uma criatura, um personagem do pensamento, um ser teórico. II.7. REGRA ÚNICA DE LEMBRANÇA 99

– Lembre-se que a vida do autor não é a mesma vida daquele que viveu aquela vida. II.8. REGRAS DE FANTASIA POSSÍVEL II.8.1. Não se apóie em nenhum documento para criar uma figura histórica; nem figure um personagem de romance. II.8.2. Crie, ao contrário, um personagem de fantasia, que expresse a capacidade que você tem de reconstruir a obra que esse personagem criou. II.8.3. Conceba e descreva, à sua maneira, o possível de alguém, muito mais do que o alguém de alguém. II.8.4. Tente conceber o que alguém concebeu, em termos do poder do seu espírito, do possível de seu pensamento. II.8.5. Acredite que cada um é um jogo da natureza, isto é, uma criatura sempre improvisada. II.8.6. Descreva a potência intelectual, imagética mental e lógica imaginativa dessa criatura. II.8.7. Nas palavras de Valéry, desenhe o demônio de possibilidade de alguém. II.8.8. Pense nesse demônio como hipogrifo ou quimera de uma mitologia intelectual, e realize-a. III. REGRAS EXCLUSIVAS (SÓ PARA VOCÊ) III. 1. Afaste (se tiver) a sua maldita erudição. III. 2. Faça todos os seus recursos retóricos (se tiver) diferirem. III. 3. Espante a História, a Época, o Contexto, a Estrutura. III. 4. Largue as produções (antigas) do seu próprio pensamento. III. 5. Coloque-se, com gosto (filosófico, diria Deleuze), no lugar daquele ser espiritual com o qual você se ocupa. III. 6. Imagine e forme esse personagem de pensamento, com a sua própria substância (vai ter de descobri-la antes, claro). III. 7. Não poupe o personagem de pensamento (músico, cantor, filósofo, dançarino, cineasta, escritor, escultor, educador) que já está (e vive) em você. III. 8. Procure muito mais as ações (de Vidarbo) do personagem vivente e pensante do que a sua personalidade criadora. III. 9. Considere, para isso, que a personalidade de uma criatura espiritual nada mais é do que a característica de um papel social que alguém soube percorrer. III. 10. Analise e descreva o funcionamento da inteligência criadora de um ser de espírito. 100

III. 11. Indique o jogo das aventuras do espírito – ou seja, da prática de pensar que você está reconstituindo. IV. REGRAS ÚTEIS (à la Leonardo Da Vinci) IV. 1. De início, perceba um mundo exterior ao espírito humano. IV. 2. Então, tente apreender esse mundo exterior pelo espírito. IV. 3.

Não por meio de qualquer espírito; não aquele limitado pelos espíritos

especializados, em uma determinada forma de pensamento ou atividade particular; mas aquele espírito que é mais completo e penetrante para os homens universais (tipo Leonardo da Vinci mesmo). IV. 4. Homens (e mulheres) que podem, a qualquer momento, avançar numa certa direção, apelando a elementos e saberes que são utilizados em outra especialidade. IV. 5. Mulheres (e homens), portanto, universais, que emprestam recursos de símbolos e metáforas a outros domínios; de modo que obtêm novidades introduzindo noções e meios que não estavam previstos. IV. 5. À apreensão e compreensão do mundo exterior faça suceder a obra construtora do espírito, com a sua ação de coordenação e de composição. IV. 6. Forneça, desse modo, exemplos singulares do funcionamento da inteligência humana em casos privilegiados. IV. 7. Permita e realize a análise do mecanismo da inteligência pura. (Pode parecer repetitivo, mas é très importante; por isso, fica aqui redito.) V. REGRA IMPERDÍVEL – Saiba que o autor, por você escolhido, será sempre, sempre, euzisado (euvisado, eugizado,

euviesado),

em

sua

inteligência

lógica;

ou

seja,

desencarnado,

despersonalizado, desensibilizado, desgenializado. VI. REGRAS MÉDICAS V.1. Avalie a potência e identifique o limite de conhecer da criatura de pensamento, além da sua compreensão do mundo. V.2. Faça uma espécie de tomografia de um cérebro humano; na qual, no entanto, apareçam zonas obscuras, o sentido do mistério e os limites que esse cérebro percebeu antes de seus contemporâneos. V.3. Distinga os planos genéticos e enunciativos de uma obra. VI. REGRAS ABSTRATAS VI. 1. Exercite a arte da abstração, diante de empresas do conhecimento e das operações artísticas. 101

VI. 2. Veja a inventividade das suas matérias textuais. VI. 3. Destaque o processo dinâmico que permeia os atos criadores da escritura como acontecimento. VI. 4. Ponha em evidência as coisas e também as hesitações do autor, diante da obra em formação:

correções,

transformações,

descontinuidades,

desvios,

comentários

marginais. VI. 5. Busque as reflexões do autor sobre a obra em curso: efeitos esperados, mecanismos de recepção visados, suportes estilísticos e formais. VII. REGRA ÚNICA COMPLEXA – Investigue a complexidade do processo de invenção e de elaboração da obra: reescrituras; natureza intertextual e intratextual da escritura; posições enunciativas do movimento de escritura; pulsões gráficas; etc. VIII. REGRA ÚNICA ANTI-COTIDIANO – Não se ocupe dos fatos cotidianos, mas da investigação que busca o auge radical de lucidez e consciência sobre as linguagens, sejam estas verbais, das matemáticas, das filosofias, das artes. IX. REGRA ABSOLUTAMENTE MÉTODICA – Não sejamos tolos, nem queiramos facilidades: com Valéry, realizemos a busca metódica do processo de como é feito o nosso pensar.

O MÉTODO DE DRAMATIZAÇÃO NA COMÉDIA DO INTELECTO: VALÉRY & DELEUZE13

13

Quadro Conceitual e Exercícios, que atravessaram o Seminário Avançado de 2010/1 – intitulado O método de dramatização na comédia do intelecto: Valéry & Deleuze –, oferecido no PPGEDU/UFRGS.

102

1. No quadro de Conceitos/Noções abaixo, das duas primeiras colunas, selecione e extraia 03 conjuntos de Paul Valéry e de Gilles Deleuze que você considera comporem entre si. 2. Na terceira coluna, indique a bibliografia escolhida para estudá-los e escrevêlos. 3. Então, escreva sobre eles, ao modo de um artigo acadêmico-científico, em até 15 páginas.

CONCEITOS/NOÇÕES MÉTODO DE

COMÉDIA DO INTELECTO:

Bibliogra-

DRAMATIZAÇÃO:

PAUL VALÉRY

fia

GILLES DELEUZE (1) dinamismos espaço-

circunstâncias

temporais (dramas)

acidentais/experiências/resistências exteriores/universo/universal e particular/continuidade/unidade/liberdade/p oder/potência/imprevisto

(2) sujeito larvar/embrionário

gênio (europeu)/homem/homem completo/Leonardo/criatura do pensamento/um jogo da natureza/criatura improvisada/embrião/monstro/argonautas do espírito/indivíduo pensante

(3) teatro/teatro da

teatro/comédia/divertimento

repetição/do pensamento/da língua/da não-representação/ de crueldade/da repetição/da encenação/da vontade de potência/do eterno retorno/de precisão cirúrgica/criador e crítico /constituinte/ do futuro/do humor/da fé/de mímicas/teatroexperimentação/ filosofia103

teatro/esquema kantiano/ a cena/o espetáculo/ dramas de idéias (idéias convertidas em visíveis, sensíveis) (4)

intelecto/ídolo do intelecto/coisas do

idéia/pensar/pensamento/pens

intelecto/ física

amento-cérebro

intelectual/inteligência/pensamento/jogo geral do pensamento/ciência da inteligência/pensar/pesagem/apreender/com preender/operações abstratas/arquitetura da inteligência/trabalho mental (de previsão)/ geometria (grega)

(5) cérebro (“le cerveau est

espírito/ espírito simbólico/espírito

l‟esprit même”)/pensamento-

especulativo/espiritual/ poder do espírito/

cérebro/espiritualizar

processo do espírito/fantasias do

(Nietzsche)

espírito/liberdade do espírito/política do espírito/crise do espírito/aventura do espírito/alma

(6) consciência de

consciência possível/consciência pura/auto-

minoria/tomada de

consciência/permanência da consciência

consciência (grande potência)/devir da consciência/inconsciente (do pensamento puro/das idéias) (7) máscara (da vontade de

máscara/face/rosto

potência) (8) obra de teatro/obra de

obra de arte/arte/anti-obras/ anti-fins/obra

arte/arte (subordinação da

não acabada/variedade temática

forma à variação de velocidade e do sujeito-tema à variação intensiva dos afectos) (9) história/geografia/noologia história (10)

método/disciplina do espírito/programa de

104

método/técnica/procedimento/

autoconsciência/teoria do

estratégia/esquema/operação

funcionamento/literatura

(para o pensamento

potencial/estratégia de imagens

filosófico): de

funcionais/dicionário filosófico/geometria

leitura/compreensão/análise e

do todo/rigor obstinado/suspensão do

produção/variação

assentimento

contínua/operação crítica

(époche)/perspectivismo/ceticismo/racional ismo/empirismo/positivismo/relativismo/

(11) reversão do platonismo

inversão do platonismo

(12) artista /personagem

artista/pesquisador de verdades/

(menor)/operador (da

personagem/personagem de

idéia)/(que subtrai o poder e

fantasia/herói/ele/autor/demônio de

faz proliferar o inesperado)/

possibilidade

protagonista/autor (menor)da obra/ator-autor-diretor (13) mundo (incompossível)/

mundo

arte-ciência-filosofia: arte –

moderno/cultura/civilização/cultura/sonhos/

sensações, plano de

a paz e a guerra/ordem e desordem/caos/as

composição, figuras estéticas,

coisas do mundo/

variedades; ciência – funções,

ciência/arte/filosofia/poesia

plano de referência, observadores parciais, variáveis; filosofia – conceitos, plano de imanência, personagens conceituais, variações (14) spatium (puro, pré-

espaço

extensivo) (15) imagem

visões/imagem/imagens mentais/figura

(16) aprender

educação

(17) virtual/atual/real/possível

possível/o possível de um possível/impossibilidade/acaso/necessidade

(18) linhas abstratas/linhagem

objeto de pensamento/fatos do pensamento

105

(19) diferença/

eu/pronome universal/eu puro (ataraxia –

diferençação/diferenciação/in

tranqüilidade da alma)

dividuação (20) vice-dicção (construir a

a palavra/a linguagem/máquina (do

essência a partir do

espírito)

inessencial) (21) perguntas de

perguntas do espírito (quem? quê? onde?

Nietzsche/questões do

em que tempo? por quê? como? por qual

acidente/do acontecimento/da

meio?)

multiplicidade/ da diferença/de Hípias/(método)/o quê? que é? quanto? como? em que caso? quem? de qual ponto de vista? (22) vida/vita femina

vida

(23) precursor sombrio

biografia/vida de um.../obra/ obras magistrais/pensa sua vida e vive seu pensamento/ser e conhecer/ teoria de si mesmo

(24) séries (heterogêneas/

leis íntimas/precisão (mal agudo)/rigor

disparatadas)/ sentido/

obstinado/clareza/desgosto pela

signos/acontecimentos

facilidade/lógica imaginativa/não distração/autodiscussão infinita/ceticismo

(25) o filósofo (pensador que

o filósofo

vive o problema das máscaras) (26) conceito/concepto

possibilidade (não verdadeiro e falso)/ficção/ ponto de vista/realizações/ memória

(27) tragédia/trágico

corpo/corpo e espírito/Corpo-EspíritoMundo – CEM/sensibilidade/vontade/liberdade/ hierarquia dos sentidos/durações de

106

percepções (28) outrem

outro

(29) criação/pensar-

construção/compreender/criar/invenção

criar/como minorar? – para desprender devires contra a história; vidas contra a cultura; pensamentos contra a doutrina; gostos e desprezos contra o dogma (30) epistemologia filosófica

epistemologia poética

(31) escrita sistemática

escrita em fragmentos/formas breves

(filosófica) (32) forma de conteúdo/forma

a forma (mais do que conteúdo)/o método

de expressão

(mais do que a meta)/ o meio (mais do que o fim)

Referências e bibliografia I – DELEUZE, Gilles. ___. Nietzsche e a filosofia. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1976. (Trad. Edmundo Fernandes Dias e Ruth Joffily Dias.) ___. Nietzsche. Lisboa: Edições 70, 1981. (Trad. Alberto Campos.) ___. Diferença e repetição. Rio de Janeiro: Graal, 1988. (Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado.) ___. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 1991. (Trad. Claudio Sant‟Anna Martins.) ___. O mistério de Ariana. Cinco textos e uma entrevista de Gilles Deleuze. Lisboa: Passagens, 1996. (Trad. Edmundo Cordeiro.) ___. “Para dar um fim ao juízo” in Crítica e clínica. São Paulo: Ed. 34, 1997, p.143153. (Trad. Peter Pál Pelbart.) ___. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 1998. (Trad. Luiz Roberto Salinas Fortes.) ___. Espinosa: filosofia prática. São Paulo: Escuta, 2002. (Trad. Daniel Lins e Fabien Pascal Lins.) ___. Superposiciones. Buenos Aires: Artes del Sur, 2003. (Trad. Jacques Algasi.)

107

___. “Manfred: um extraordinaire renouvellement”. In: ___. Deux regimes de fous. Textes et entrétiens 1975-1995. Paris: Minuit, 2003, p.173-174. ___. “Préface pour l´‟édition américaine de Nietzsche et la philosophie”. In: ___. Deux regimes de fous. Textes et entrétiens 1975-1995. Paris: Minuit, 2003, p.187-193. ___. “Sur les principaux concepts de Michel Foucault”. In: ___. Deux regimes de fous. Textes et entrétiens 1975-1995. Paris: Minuit, 2003, p.226-243. ___. “Préface à l‟édition américaine de Différence et répétition”. In: ___. Deux regimes de fous. Textes et entrétiens 1975-1995. Paris: Minuit, 2003, p.280-283. ___. “Qu‟est-ce que l‟acte de création? In: ___. Deux regimes de fous. Textes et entrétiens 1975-1995. Paris: Minuit, 2003, p.291-302. ___. A imagem-tempo. Cinema 2. São Paulo: Brasiliense, 2005. (Trad. Eloisa de Araujo Ribeiro.) ___. “O método da dramatização”. In: ORLANDI, Luiz B.L. (Org.). A ilha deserta e outros textos. Textos e entrevistas (1953-1974). São Paulo: Iluminuras, 2006a, p.129154. (Trad. Luiz B.L.Orlandi.) ___. “Conclusões sobre a vontade de potência e o eterno retorno”. In: ORLANDI, Luiz B.L. (Org.). A ilha deserta e outros textos. Textos e entrevistas (1953-1974). São Paulo: Iluminuras, 2006b, p.155-166. (Trad. Luiz B.L.Orlandi.) ___. “A gargalhada de Nietzsche”. In: ORLANDI, Luiz B.L. (Org.). A ilha deserta e outros textos. Textos e entrevistas (1953-1974). São Paulo: Iluminuras, 2006c, p.167169. (Trad. Peter Pál Pelbart.) ___. “Sobre Nietzsche e a imagem do pensamento” in ORLANDI, Luiz B.L. (org.). A ilha deserta e outros textos. Textos e entrevistas (1953-1974). São Paulo: Iluminuras, 2006d, p.175-183. (Trad. Tomaz Tadeu e Sandra Corazza.) ___. “Gilles Deleuze fala da filosofia” in ORLANDI, Luiz B.L. (org.). A ilha deserta e outros textos. Textos e entrevistas (1953-1974). São Paulo: Iluminuras, 2006e, p.185187. (Trad. Luiz B.L.Orlandi.) ___. “A imanência: uma vida...”. In: “Dossiê Deleuze e a Educação”. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 27, n. 2, julho-dezembro 2002, p.10-18. (Trad. Tomaz Tadeu.) ___; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Ed.34, 1992. (Trad. Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz.) II – VALÉRY, Paul. ___. L‟idée fixe. Paris: Gallimard, 1934. 108

___. Charmes. Précédés d‟extraits en prose relatives à la “poétique” de Valéry. Paris: Larousse, 1958. ___. O pensamento vivo de Descartes. Apresentado por Paul Valéry. (Coleção Biblioteca do Pensamento Vivo.) São Paulo: Martins, 1965. (Trad. Maria de Lourdes Teixeira.) ___. Cahiers Paul Valéry 2. “Mes théâtres”. Paris: Gallimard, 1977. ___. “Esboço de uma serpente”. In: CAMPOS, Augusto de. Paul Valéry: a serpente e o pensar. São Paulo: Brasiliense, 1984, p.27-57. (Trad. Augusto de Campos.) ___. Variedades. São Paulo: Iluminuras, 1991. (Trad. João Alexandre Barbosa.) ___. Discurso sobre a estética: poesia e pensamento abstracto. Lisboa: Passagens, 1995. (Trad. Pedro Schachtt Pereira.) ___. Eupalinos ou O arquiteto. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1996. (Trad. Olga Reggiani.) ___. A alma e a dança e outros diálogos. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Trad. Marcelo Coelho.) ___. Política del espíritu. Buenos Aires: Losada, 1997. (Trad. Angel J. Battistessa.) ___. Monsieur Teste. São Paulo: Ática, 1997. (Trad. Cristina Murachco.) ___. Introdução ao método de Leonardo da Vinci. São Paulo: Ed. 34, 1998. (Trad. Geraldo Gérson de Souza.) ___. Degas, dança, desenho. São Paulo: Cosak & Naify, 2003. (Trad. Christina Murachco e Célia Euvaldo.) ___. Alfabeto. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. (Trad. Tomaz Tadeu.) ___. Cahier de Cette. Fata Morgana. Sète: Ministère de la Culture et de la Communication, 2009. ___. Collège de Cette. Sète: Ministère de la Culture et de la Communication, 2009. ___; ARTAUD, Antonin. La libertad del espíritu. Buenos Aires: Leviatán, 2005. (Trad. Claudia Schvartz.)

ANÁLISE E CRIAÇÃO DE UM CURRÍCULO14

14

Este exercício destina-se a alunos de Graduação, na Formação Pedagógica dos Cursos de Licenciatura da UFRGS; foi adaptado do material produzido por Cassiano de Oliveira Stahl – mestrando da Linha de Pesquisa 09 Filosofia da diferença e educação, integrante do PPGEDU/UFRGS –, durante o seu estágio docente CAPES, na disciplina intitulada Teoria do currículo, em 2009/2, sob o título: Pequena bula de navegação – Para análise de um currículo possível. (Texto digitado.)

109

I – GERAL De posse do currículo específico de sua área de formação ou do nível de ensino em que vai exercer a docência; a partir das leituras realizadas até agora na disciplina Teoria do currículo (Graduação) e dos elementos abaixo; elabore um diagnóstico crítico e crie experimentações para reinventar o currículo de seu curso. II – DADOS DE IDENTIFICAÇÃO 1. De onde vem o currículo: escola, instituição, área? 2. Em qual nível de ensino ele é usado? 3. Em qual período foi elaborado? Por quem? 4. Há quanto tempo é vigente? 5. Os componentes curriculares situam-se em qual linha: tradicional, crítica, pós-crítica, outra linha, nada disso...? III – DESCRITORES III. 1. DIAGNÓSTICO CRÍTICO 1. O currículo em questão predetermina ações e espera resultados previstos? 2. Identifique nele os 4 pontos apresentados pelo texto “Dr. Nietzsche, curriculista”, de autoria de Tomaz Tadeu, quais sejam: (a) Qual/quais verdades/conhecimentos? (b) Qual sujeito/subjetividade? (c) Quais valorações/valores? (d) Quais forças/vontade de poder? 3. O currículo determina, preferencialmente, qual forma de identidade, modo de pensar, agir e viver? 4. Indica os seus próprios objetivos, mas deixa (ou abre) espaço para a construção de outras finalidades? 5. Consiste em uma “receita” para ensinar? De que tipo? 6. Compreende a possibilidade daquilo que é considerado “Diferença Pura”? De que maneira? 7. Permite criação e variações de procedimentos? Quais? 8. No sistema de avaliação previsto, o currículo configura o que considera “bom aluno” e “mau aluno”? Em qual sentido: moral ou da teoria das forças?

110

9. Contempla teorias? Quais? Ou fundamenta-se no senso comum, no bom senso e na opinião? 10. Quais modos de “ser aluno” e de “ser professor” são produzidos por este currículo?

III. 2. EXPERIMENTAÇÃO EXPLORATÓRIA Fantasie um currículo destinado ao seu estágio, no curso de Licenciatura, que abranja: (a) Uma artistagem curricular, didática e de planejamento. (b) A recusa da hegemonia de um sujeito fixo. (c) A docência como um dos modos possíveis de fazer da sua vida uma obra de arte (e não como uma reprodução mesmerizante do já falado, já pensado, já escrito, já vivido). (d) A singularidade de cada um que estiver envolvido na situação educacional. (e) A invenção da própria prática. (f) Ontologia, ética e política de um Currículo-Nômade. III. 3. INVENÇÃO INESPERADA

PESQUISAR UM CURRÍCULO-NÔMADE15 I – IDENTIFICAÇÃO E CONSIDERAÇÕES 1. Identifique o currículo selecionado: instituição, ano, duração, etc.

15

Também destinado a alunos de Graduação, este exercício é utilizado na Formação Pedagógica dos Cursos de Licenciaturas da UFRGS; foi elaborado, a partir do texto “Para pesquisar um currículonômade: múltiplos nomes em 51 fragmentos e XXV critérios de avaliação”, de Sandra Mara Corazza; inicialmente, texto publicado, na íntegra, em: QUARTIERO, E. M.; SOMMER, L. H. (Orgs.) Pesquisa, educação e inserção social: olhares da Região Sul. Canoas: ULBRA, 2009, p.569-580.

111

2. Considere: (a) o Pensamento da Diferença em Educação; (b) a si mesmo como um professor em devir-artistagem; (c) o currículo como Texto; 3. a partir daí, avalie-pesquise o currículo conforme o que segue. II – AVALIAÇÃO EM 17 E TANTOS PONTOS 1. É um currículo de véspera, original, instigante, surpreendente, um disparate generoso, que transmite o desejo de aprender no prazer de ensinar? 2. Como a vida e a diferença, é primeiro, em relação à morte, ao repouso, às formas estratificadas, às constantes, à homogeneidade? 3. É o que é, não está no lugar de outra coisa, por isso, mostra-se: (a) vitalista, não sistemático; (b) naturalista, não romântico; (c) terrestre, não de outro mundo? 4. Funciona como máquina de guerra contra: (a) o intolerável; (b) as maneiras medíocres de criar um currículo; (c) as burocracias intelectuais; (d) o pesadume da vida; (e) as ilusões de eternidade; (f) o retorno ao misticismo e ao culto do natural; (g) as forças secundárias de adaptação e de regulação: memória, lucro, honras, poder, vaidade; (h) a máquina mass-mediática planetária e a megamáquina capitalista, que não cessam de produzir formas inusitadas de controle social e subjetivo, miséria, morte e horror; (i) isto é, o currículo combate todos os neo-arcaísmos e tudo aquilo que diminui, reduz e avilta a vida? 5. Funciona como um atrator caótico, isto é, produz efeito de inspiração e mobilidade de criação? 6. Agonístico, permite pensar a diferença que o ilimita, ao: (a) deslocar sentidos e valores estabelecidos; (b) descodificar formas de conteúdo e de expressão correntes; (c) fazer caducar as formas inerciais de pensar, de existir, de relacionar-se; (d) ampliar os modos de produção da subjetividade; (e) esgarçar as identidades, a moral e a experiência utilitária? 7. Distante da fascinação obtusa pela globalização, da acomodação abestalhada, do niilismo absoluto e do pessimismo atávico, aligeira e adianta as potências do futuro, por meio da composição metaestável de seus lugares, cidades, instituições, culturas, artifícios, técnicas, máquinas, rituais, mitos, cenas, personagens, corpos, tatuagens, linguagens, línguas, semióticas, narrativas, momentos, sensações, afetos, ritmos, imagens, amores, inimigos, fluxos diversos? 8. Blindando a metafísica: (a) rompe com a ordem das coisas e o estado dos corpos; (b) despedaça formas e totalidades; (c) fissura feitios e aramados; (d) marca afetos e 112

sensações; (e) sente limiares e quase-imperceptíveis; (f) reconstrói conceitos e conteúdos; (g) antecipa funções e matérias (o estado informe, indiferenciado)? 9. Embora possa impregnar-se de pares dicotômicos (como cultura/natureza, necessidade/acaso, branco/negro, hetero/ homossexual, etc.), pelo tecido fibroso do seu pensamento da multiplicidade, o currículo transborda e introduz, no meio desses pares, zonas de mistério e dobras insuspeitadas? 10. Reserva de novas linhas de possíveis, dota os seus pontos de singularidade de uma processualidade cosmopolita, que lhe permite: (a) ler signos heterogêneos (mundanos, amorosos, sensíveis, artísticos); (b) recarregar a sua complexidade através de banhos caóticos? 11. Fragmentário, polifônico, multirreferencial, põe em jogo uma pluralidade de códigos, que exige um vasto e disseminado saber, a ser desconstruído pelo trabalho da sua linguagem? 12. Com palavras-chicotadas, prova a inocência de quem o escreve, lê e avalia, por ser: (a) autopoiético (produtor de si mesmo); (b) exopoiético (produtor de mundos, seres, sentidos); (c) heteropoiético (produtor e mantenedor das forças do Fora); (d) alopoiético (interfaceado, aberto para o exterior, relacionado com a alteridade)? 13. O currículo é: (a) um doador universal, pois, dá o que ler e escrever, o que pensar e avaliar; (b) um pegador: agarra, e não se tem vontade de ser solto; (c) um mordedor: crava os dentes e, quando solta, deixa marca, ferida visível, cicatriz; (d) um propagador de ondas (curtas, médias e longas), pois suas vibrações transmitem uma cintilante alegria por se estar vivo e saudável, de modo a poder estar com ele? 14. Com a potência criacionista de suas linhas virtuais, abertas para as subjetividades emergentes, envolve individuações moleculares antes do que individualizações molares, e revela-se: (a) anônimo, feito um burburinho; (b) um discurso indireto livre, com o indeterminado curriculariza-se; (c) um reino de individuações sem sujeito? 15. Em seu universo fabulatório, dotado de estreiteza de representação e da vertigem de temas telescópicos, pratica fantasias de crítica-escrileitura, com pleno conhecimento de causa, ou seja, não: (a) integra o domínio do estereótipo e do já-dito, nem é fruto do espontaneísmo vazio, da criatividade tola ou do esteticismo estéril; (b) não é um valetudo, um subjetivo intocável, um gozo numa boa, um deslumbramento de pavão, um prazer destrambelhado, uma sedução que se esgota nela mesma; (c) não opera como um Juiz de Paz, de modo conciliatório e apologético, com pretensões à verdade; (d) não sublima, não cura, não suspende a vontade de ensinar, o prazer de estudar, o desejo de 113

escrever; (e) não aborrece ou entedia, nem transmite a sensação de déjà vu; (f) não é um memorial descritivo ou um diário do cotidiano, nem conta lembranças de infância, histórias da juventude ou da vida adulta; (g) não exclui ambigüidades, paradoxos, contradições, zonas de indiscernibilidade, paixões, tragédias, loucuras, mascarados; (h) não produz sectarismos, incapacidade de diálogos com outros currículos, tampouco comportamento de rebanho; (i) não termina com a finitude, com o não-senso, com a alegria spinozista da potência de viver? 16. Lamina e desconjunta os sistemas estabelecidos de modelização (teóricos, teológicos, estéticos, etc.), delirando não num vazio, mas debruçado sobre uma história, um arquivo, um repertório, um enredo, uma circunstância, uma data, uma tradição: daí, carrega um quantum brilhante de gozo e fantasias de novos mundos possíveis, com os seus ardores de desejo? 17. Sem que a sua potência seja reduzida, o currículo: (a) não integra nenhuma tradição, que interprete, traduza ou aplique Freire, Deleuze, Piaget, Nietzsche, Marx, Proudhon, Foucault, Klein, Lacan, etc.; (b) não produz nem estimula algo chamado racionalismo, cognitivismo, freireanismo, marxismo, feminismo, ou qualquer outro “ismo”; (c) expressa assim, em ato, a impossibilidade de se fazer um currículo sobre a filosofia deleuziana, a psicologia freudiana, a psicanálise lacaniana, a sociologia gramsciana, a ecologia construtivista, a epistemologia piagetiana, etc.; (d) mas é escrito com Bourdieu, com Habermas, com Morin, com Serres, com Barthes, Blanchot, Bataille, Joyce, Flaubert, Dostoievski, Lautréamont, etc., em belos movimentos antropofágicos; (e) percorre os labirintos do pensamento de cada autor, irrita-se com suas dificuldades e limites, convive com seus gostos e desgostos; (f) reconhece que as dificuldades para compreender e tratar cada pensamento consistem nas dificuldades próprias de quem abandonou a curricularização dogmática da representação; (g) subversivo e falso, põe o pensamento escolhido em perspectiva e o ficcionaliza; (h) desejante, curriculariza somente o que o apaixonou, as linhas mais desconcertantes, perturbadoras e enigmáticas de cada pensamento; (i) produzido no Aberto, meio-escritura, meio-fala, gagueja pela boca-de..., como um duplo ou um ventríloquo; (j) por isso, não se consegue dissertar sobre os seus sentidos, produzir comentários, extrair leis, atribuir significações, usar metáforas, recorrer à metalinguagem, realizar interpretações, impor regressões, submeter a transcendentes e, nem mesmo, explicar por que o currículo funciona, por que é belo para mim, por que combina comigo, por que faz Tilt?

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III – PESQUISA DE COMO? 1. Agora, chegou a hora de inventar-responder: (a) Como criar para si um Currículo Nômade, que desenvolva um novo espaço de pensar, sentir, existir? (b) Como abrir os poros e criar novas sensibilidades, que forneçam condições de possibilidade para acompanhar os movimentos imperceptíveis e intempestivos de currículos fortemente codificados? (c) Como, por meio de um currículo, esticar linhas de inovação, criar contrapensamentos para pensar o impensável, o não-pensado do pensamento, a exterioridade pura? (d) Como analisar as multiplicidades não métricas e os pontos de singularidades de cada um dos Currículos-Codificados, para ver do que ainda são capazes, quais são as suas vagas, andamentos curvilíneos, o turbilhonar de suas linhas diferenciais e os novelos de seus fios subterrâneos, que saem de um Currículo-Malta, arrastam um Codificado e o explodem? (e) Invente.

CHAVE DE ESCRILEITURA: DRAMATIZAÇÃO DE UM CURRÍCULO16

Para pôr em evidência o caráter dramático de um currículo: 16

O presente exercício foi organizado, em sua versão completa, por ocasião do Seminário Avançado O método de dramatização na comédia do intelecto: Valéry & Deleuze, no PPGEDU/UFRGS, em 2010/1. Em versão reduzida, foi efetivamente trabalhado durante o primeiro e o segundo semestres de 2010 e 2011, como Chave de Escrileitura de Currículos, em turmas de Graduação, na disciplina Educação contemporânea: currículo, didática e planejamento.

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– Debaixo de todo currículo há um drama. Método (técnica, procedimento, operação) de leitura, de compreensão, de análise e de produção.

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO Currículo: Nível de ensino: Ano/Série/Semestre/Ciclo: Data de produção: Tempo de utilização:

PARTE PRIMEIRA: INTRODUÇÃO AO MÉTODO I – A PESQUISA DE NOVOS MEIOS DE EXPRESSÃO NA FILOSOFIA-EDUCAÇÃO (a) “Aproxima-se o tempo em que já não será possível escrever um livro de Filosofia como há muito tempo se faz”. (b) “A pesquisa de novos meios de expressão filosófica foi inaugurada por Nietzsche e deve prosseguir, hoje, relacionada à renovação de outras artes, como, por exemplo, o teatro ou o cinema” (Deleuze, 1988, p.18-19). II – O TEATRO ESPÍRITO ENCENADOR (a) “Kierkegaard e Nietzsche estão entre os que trazem à Filosofia novos meios de expressão”. (b) “Trata-se de produzir, na obra, um movimento capaz de comover o espírito fora de toda representação; trata-se de fazer do próprio movimento uma obra, sem interposição; de substituir representações mediatas por signos diretos; de inventar vibrações, rotações, giros, gravitações, danças ou saltos que atinjam diretamente o espírito”. (c) “Esta é uma idéia de homem de teatro, uma idéia de encenador”. (d) “É neste sentido que alguma coisa de completamente novo começa com Kierkegaard e Nietzsche”. (e) “Eles já não refletem sobre o teatro à maneira hegeliana. Nem mesmo fazem um teatro filosófico. Eles inventam, na Filosofia, um incrível equivalente do teatro, fundando, desta maneira, este teatro do futuro e, ao mesmo tempo, uma nova Filosofia”.

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(f) “Descobre-se um pensador que vive o problema das máscaras, que experimenta este vazio interior próprio da máscara e que procura supri-lo, preenchê-lo, mediante o „absolutamente diferente‟, isto é, introduzindo nele toda a diferença do finito e do infinito”. (g) “Zaratustra é inteiramente concebido na Filosofia, mas também para a cena. Tudo é aí sonorizado, visualizado, posto em movimento, em andamento e em dança”. (h) “O teatro é o movimento real e extrai o movimento real de todas as artes que utiliza” (Deleuze, 1988, p.32-33). (i) “Nietzsche talvez seja, profundamente, homem de teatro. Ele não apenas fez uma filosofia de teatro (Dioniso), ele introduziu o teatro na própria filosofia. E, com o teatro, novos meios de expressão que transformam a filosofia. Quantos aforismos de Nietzsche devem ser compreendidos como princípios e avaliações de diretor, de metteur en scène”. (j) “Zaratustra, Nietzsche o concebe inteiramente na filosofia, mas inteiramente também para a cena. Ele sonha com um Zaratustra com música de Bizet, zombando do teatro wagneriano. Ele sonha com uma música de teatro como máscara para o „seu‟ teatro filosófico, já teatro da crueldade, teatro da vontade de potência e do eterno retorno” (Deleuze, 2006b, p.166). SIMULAÇÃO CÊNICA (a) “Pensa-se no espaço cênico, no vazio desse espaço, na maneira como ele é preenchido, determinado por signos e máscaras através dos quais o ator desempenha um papel que desempenha outros papéis; pensa-se como a repetição se tece de um ponto relevante a um outro, compreendendo em si as diferenças”. (b) “Quando Marx também critica o falso movimento abstrato ou a mediação dos hegelianos, ele próprio é levado a uma idéia essencialmente „teatral‟, idéia que ele mais indica que desenvolve: na medida em que a história é um teatro, a repetição, o trágico e o cômico na repetição formam uma condição de movimento sob a qual os „atores‟ ou os „heróis‟ produzem na história algo efetivamente novo”. (c) “O teatro da repetição opõe-se ao teatro da representação, como o movimento opõese ao conceito e à representação que o relaciona ao conceito”. (d) “No teatro da repetição, experimentamos forças puras, traçados dinâmicos no espaço que, sem intermediário, agem sobre o espírito, unindo-o diretamente à natureza e à história; experimentamos uma linguagem que fala antes das palavras, gestos que se elaboram antes dos corpos organizados, máscaras antes das faces, espectros e fantasmas 117

antes dos personagens – todo o aparelho da repetição como „potência terrível‟” (Deleuze, 1988, p.34-35). (e) “Que o Mesmo e o Semelhante sejam simulados não significa que sejam aparências e ilusões. A simulação designa a potência para produzir um efeito. Mas não é somente no sentido casual, uma vez que a causalidade continuaria completamente hipotética e indeterminada sem a intervenção de outras significações. É no sentido de „signo‟, saído de um processo de sinalização; e é no sentido de „costume‟ ou antes de máscara, exprimindo um processo de disfarce em que, atrás de cada máscara, aparece outra ainda... A simulação assim compreendida não é separável do eterno retorno; pois é no eterno retorno que se decidem a reversão dos ícones ou a subversão do mundo representativo” (Deleuze, 1998, p.269). REPETIÇÃO E DIFERENÇA MASCARADAS (a) “A repetição é verdadeiramente o que se disfarça ao se constituir e o que só se constitui ao se disfarçar”. (b) “Ela não está sob as máscaras, mas se forma de uma máscara a outra, como de um ponto relevante a outro, com e nas variantes”. (c) “As máscaras nada recobrem, salvo outras máscaras”. (d) “Portanto, nada há de repetido que possa ser isolado ou abstraído da repetição em que ele se forma em que, porém, ele também se oculta”. (e) “Não há repetição nua que possa ser abstraída ou inferida do próprio disfarce”. (f) “A mesma coisa é disfarçante e disfarçada”. (g) “Em toda parte, a máscara, o travestimento, o vestido é a verdade do nu”. (h) “É a máscara o verdadeiro sujeito da repetição”. (i) “É porque a repetição difere por natureza da representação que o repetido não pode ser representado, mas deve sempre ser significado, mascarado por aquilo que o significa, ele próprio mascarando aquilo que ele significa” (Deleuze, 1988, p.46-47). (j) “Se tudo é máscara, se tudo é interpretação e avaliação, que haveria, então, em última instância, já que não há coisas a serem interpretadas, nem avaliadas, nem coisas a serem mascaradas? Em última instância, nada há, salvo a vontade de potência, que é potência de metamorfose, potência de modelar as máscaras, potência de interpretar e de avaliar” (Deleuze, 2006a, p.157). III – A IDÉIA BOAS QUESTÕES

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(a) “Quando pergunto que é?, suponho haver uma essência atrás das aparências, ou, pelo menos, algo último atrás das máscaras. O outro tipo de questão, ao contrário, descobre sempre outras máscaras atrás de uma máscara, deslocamentos atrás de todo local, outros „casos‟ encaixados num caso” (Deleuze, 2006a, p.152). (b) “A Idéia, a descoberta da Idéia, é inseparável de um certo tipo de questão”. (b) “Não está assegurado que a questão que é? seja uma boa questão para descobrir a essência ou a Idéia”. (c) “É possível que questões do tipo: quem?, quanto?, como?, onde?, quando?, sejam melhores – tanto para descobrir a essência quanto para determinar algo mais importante concernente à Idéia” (Deleuze, 2006a, p.129; p.130). A IDÉIA NÃO É ESSÊNCIA, MAS MULTIPLICIDADE (a) “Uma Idéia é uma multiplicidade definida e contínua com n dimensões”. (b) “Por dimensões é preciso entender as variáveis ou coordenadas das quais um fenômeno depende; por continuidade é preciso entender o conjunto das relações entre as mudanças destas variáveis; por definição é preciso entender os elementos reciprocamente determinados por estas relações, relações que não podem mudar sem que a multiplicidade mude de ordem e de métrica” (Deleuze, 1988, p.297). (c) “A Idéia de modo algum é a essência”. (d) “O problema, como objeto da Idéia, encontra-se do lado dos acontecimentos, das afecções, dos acidentes, mais que do lado da essência teoremática”. (e) “A Idéia desenvolve-se nos auxiliares, nos corpos de adjunção que medem seu poder sintético, de modo que o domínio da Idéia é o inessencial”. (f) “O racionalismo quis que o destino da Idéia estivesse ligado à essência abstrata e morta; e na medida em que a forma problemática da Idéia era reconhecida, ele ainda queria que esta forma estivesse ligada à questão da essência, isto é, ao „Que é‟”? (g) “Mas quantos mal-entendidos nessa vontade”! (h) “É verdade que Platão se serve desta questão para opor a essência e a aparência e recusar aqueles que se contentam em dar exemplos”. (i) “Acontece que seu objetivo, então, era tão-somente o de calar as respostas empíricas para abrir o horizonte indeterminado de um problema transcendente como objeto da Idéia”. (j) “Desde que se trata de determinar o problema ou a Idéia como tal, a questão „que é‟? dá lugar a outras questões de outro modo eficazes e potentes e de outro modo imperativas: quanto, como, em que caso (Deleuze, 1988, p.304)? 119

(l) “A Idéia é uma imagem sem semelhança; o virtual não se atualiza por semelhança, mas por divergência e diferençação. A diferençação, ou atualização, é sempre criadora em relação ao que ela atualiza, ao passo que a realização é sempre reprodutora ou limitativa” (Deleuze, 2006a, p.137). IDÉIA CONTRA IDENTIDADE (a) “E é verdade que toda Idéia nos faz larvas, tendo posto abaixo a identidade do Eu e a semelhança do eu, o que se expressa mal quando se fala em regressão, em fixação ou parada do desenvolvimento. Com efeito, não somos fixados a um estado ou a momento, mas sempre fixados por uma Idéia como pelo clarão de um olhar, sempre fixados num movimento que se está fazendo”. (b) “Que seria uma Idéia, se não fosse a Idéia fixa e cruel”? (c) “No que diz respeito à Idéia, somos sempre um paciente”. (d) “Mas não se trata de uma paciência ou de uma fixação ordinária. O fixo não é o feito ou o já feito. Quando permanecemos como embriões ou voltamos a ser embriões, é antes de tudo este movimento puro da repetição que se distingue fundamentalmente de toda regressão”. (e) “As larvas trazem as Idéias em sua carne, quando permanecemos nas representações do conceito. Elas ignoram o domínio do possível, estando todas próximas do virtual, de que elas trazem, como sua escolha, as primeiras atualizações”. (f) “Tal como intimidade da Sanguessuga e do Homem Superior, elas são ao mesmo tempo, sonho e ciência, objeto do sonho e objeto da ciência, mordida e conhecimento, boca e cérebro” (Deleuze, 1988, p.352). APRENDER UMA IDÉIA (a) “Na verdade, a Idéia não é o elemento do saber, mas de um „aprender‟ infinito que, por natureza, difere do saber, pois aprender evolui inteiramente na compreensão dos problemas enquanto tais, na apreensão e condensação das singularidades, na composição dos corpos e acontecimentos ideais” (Deleuze, 1988, p.310). (b) “O que é um acontecimento ideal? É uma singularidade. Ou melhor: é um conjunto de singularidades, de pontos singulares que caracterizam uma curva matemática, um estado de coisas físico, uma pessoa psicológica e moral. São pontos de retrocesso, de inflexão, etc.; desfiladeiros, nós, núcleos, centros; pontos de fusão, de condensação, de ebulição, etc.; pontos de choro e de alegria, de doença e de saúde, de esperança e de angústia, pontos sensíveis, como se diz” (Deleuze, 1998, p.55).

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(c) “Aprender a nadar, aprender uma língua estrangeira, significa compor os pontos singulares de seu próprio corpo ou de sua própria língua com os de uma outra figura, de um outro elemento que nos desmembra, que nos leva a penetrar num mundo de problemas até então desconhecidos, inauditos”. (d) “E a que estaríamos destinados senão a problemas que exigem até mesmo a transformação de nosso corpo e de nossa língua”? (e) “A Idéia e o „aprender‟ exprimem a instância problemática, extra-proposicional ou sub-representativa: a apresentação do inconsciente, não a representação da consciência”. (f) “Não é de admirar que o estruturalismo, nos autores que o promovem, seja tão freqüentemente acompanhado de um apelo a um novo teatro ou a uma nova interpretação (não-aristotélica) do teatro: teatro das multiplicidades que, sob todos os aspectos, opõe-se ao teatro da representação, teatro que não deixa subsistir a identidade de uma coisa representada, de um autor, de um espectador, de um personagem em cena, qualquer representação que possa, através das peripécias da peça, vir a ser objeto de uma recognição final ou de um recolhimento do saber, teatro de problemas e de questões sempre abertas, levando consigo o espectador, a cena e os personagens no movimento real de uma aprendizagem de todo o inconsciente, cujos últimos elementos são ainda os problemas” (Deleuze, 1988, p.310-311). PARA-SENSO E PARADOXO DA IDÉIA (a) “Há um ponto em que pensar, falar, imaginar, sentir, etc., são uma mesma coisa, mas esta coisa afirma somente a divergência das faculdades em seu exercício transcendente”. (b) “Trata-se, pois, não de um senso comum, mas, ao contrário, de um „para-senso‟ (no sentido de que o paradoxo é também o contrário do bom senso)” (Deleuze, 1988, p.313; também Deleuze, 1998, p.69-76 e p.77-84). (c) “O bom senso é a afirmação de que, em todas as coisas, há um sentido determinável; mas o paradoxo é a afirmação dos dois sentidos ao mesmo tempo” (Deleuze, 1998, p.1). (c) “Este para-senso tem as Idéias como elementos, precisamente porque as Idéias são multiplicidades puras que não pressupõem qualquer forma de identidade num senso comum, mas que, ao contrário, animam e descrevem o exercício disjunto das faculdades do ponto de vista transcendente”. (d) “Assim, as Idéias são multiplicidades de fulgores diferenciais, como fogos-fátuos de uma faculdade a outra, „virtual cauda de fogos‟, sem nunca ter a homogeneidade desta luz natural que caracteriza o senso comum”.

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(e) “Eis porque aprender pode ser definido de duas maneiras complementares que se opõem igualmente à representação no saber: ou aprender é penetrar na Idéia, em suas variedades e seus pontos relevantes; ou aprender é elevar uma faculdade a seu exercício transcendente disjunto, elevá-la a este encontro e a esta violência que se comunicam às outras” (Deleuze, 1988, p.313). DESCOBERTA ROMANESCA DA IDÉIA (a) “Que o romance, notadamente depois de Joyce, tenha encontrado toda uma nova linguagem que se faz ao modo do „Questionário‟ ou do „Inquisitório‟, que ele tenha apresentado acontecimentos e personagens essencialmente problemáticos, não significa, evidentemente, que não se esteja seguro de nada, não é, evidentemente, a aplicação de um método da dúvida generalizada, não é o signo de um ceticismo moderno, mas, ao contrário, a descoberta do problemático e da questão como horizonte transcendental, como foco transcendental que pertence de maneira „essencial‟ aos seres, às coisas, aos acontecimentos”. (b) “É a descoberta romanesca da Idéia, sua descoberta teatral, sua descoberta musical, sua descoberta filosófica...; é, ao mesmo tempo, a descoberta de um exercício transcendente da sensibilidade, da memória-imaginante, da linguagem, do pensamento, descoberta pela qual cada uma destas faculdades se comunica com as outras em plena discordância e se abre à diferença do Ser, tomando como objeto, isto é, como questão, sua própria diferença” (Deleuze, 1988, p.315). OBRA E AUTOR DA IDÉIA (a) “Uma obra em geral é sempre um corpo ideal”. (b) “A obra é um problema nascido do imperativo e é tanto mais perfeita e total num lance quanto o problema é melhor determinado progressivamente como problema”. (c) “O autor da obra, portanto, é bem denominado o operador da Idéia” (Deleuze, 1988, p.320). (d) “Chegar a esta vontade que nos faz o acontecimento, tornar-se a quase-causa do que se produz em nós, o Operador, produzir as superfícies e as dobras em que o acontecimento se reflete, se reencontra incorporal e manifesta em nós o esplendor neutro que ele possui em si como impessoal e pré-individual, para além do geral e do particular, do coletivo e do privado – cidadão do mundo” (Deleuze, 1998, p.151). UMA IDÉIA SE DRAMATIZA (a) “Uma Idéia se dramatiza em vários níveis, mas dramatizações de ordens diferentes também ecoam e atravessam os níveis”. 122

(b) “Se cabe ao pensamento explorar o virtual até o fundo de suas repetições, compete à imaginação apreender os processos de atualização do ponto de vista dessas retomadas ou desses ecos”. (c) “É a imaginação que atravessa os domínios [psicológico, orgânico, químico], as ordens e os níveis, abatendo as divisórias, co-extensiva ao mundo, guiando nosso corpo e inspirando nossa alma, apreendendo a unidade da natureza e do espírito, consciência larvar, indo sem parar da ciência ao sonho e inversamente” (Deleuze, 1988, p.352-353). IV – NA CABEÇA E NO OLHO A DRAMATIZAÇÃO (a) “A dramatização se faz na cabeça do sonhador, mas também sob o olho crítico do cientista. Ela age aquém do conceito e das representações que este subsume. Não há coisa que não perca sua identidade, tal como ela é no conceito, e sua similitude, tal como ela é na representação, quando se descobrem o espaço e o tempo dinâmicos de sua constituição atual”. (b) “Toda tipologia é dramática, todo dinamismo é uma catástrofe. Há necessariamente algo de cruel nesse nascimento de mundo que é o caosmos, nesses mundos de movimentos sem sujeito, de papéis sem ator”. (c) “Quando Artaud falava do teatro da crueldade, ele o definia somente por um extremo „determinismo‟, o da determinação espaço-temporal, na medida em que ela encarna uma Idéia da natureza ou do espírito, como um „espaço agitado‟, movimento de gravitação que gira e fere, capaz de tocar diretamente o organismo, pura encenação, sem autor, sem atores e sem sujeitos”. (d) “Só se cavam espaços, só se precipitam ou desaceleram tempos à custa de torções e deslocamentos que mobilizam e comprometem todo o corpo. Pontos brilhantes nos atravessam, singularidades nos arrepiam, em toda parte o pescoço da tartaruga e seu deslizamento vertiginoso de protovértebras. Mesmo o céu sofre por causa de seus pontos cardeais e por causa de suas constelações, que inscrevem em sua carne uma Idéia, como „atores-sóis‟”. (e) “Portanto, há sem dúvida, atores e sujeitos, mas são larvas, porque são os únicos capazes de suportar os traçados, os deslizamentos e rotações” (Deleuze, 1988, p.351). (f) “Estranho teatro feito de determinações puras, agitando o espaço e o tempo, agindo diretamente sobre a alma, tendo larvas por atores – e para o qual Artaud havia escolhido a palavra „crueldade‟” (Deleuze, 2006a, p.134).

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(g) “Tento definir mais rigorosamente a dramatização: são dinamismos, determinações espaço-temporais dinâmicas, pré-qualitativas e pré-extensivas que têm „lugar‟ em sistemas intensivos onde se repartem diferenças em profundidade, que têm por „pacientes‟ sujeitos-esboços, que têm por „função‟ atualizar Idéias...” (Deleuze, 2006a, p.145). O

MÉTODO:

DIFERENCIAL,

TIPOLÓGICO,

GENEALÓGICO,

PERSPECTIVISTA (a) O objeto do Método de Dramatização é a parte dramática da Idéia de um currículo. (b) Idéia de um currículo que, em geral, é dissimulada ou recoberta por uma imagem do pensamento. (c) Imagem do pensamento que é unívoca, “dogmática ou ortodoxa, imagem moral”; pressuposta, pré-filosófica, natural, generalizada, resultante do acordo entre as faculdades, extraída do senso comum ou da opinião e que tudo prejulga (Deleuze, 1988, capítulo III, p.215-273). (d) Por meio do Método de Dramatização, referir um conceito “à vontade de poder para dele fazer o sintoma de uma vontade sem a qual ele não poderia nem mesmo ser pensado (nem o sentimento experimentado, nem a ação ser empreendida). O que quer uma vontade, eis o conteúdo latente da coisa correspondente” (Deleuze, 1976, p.64).

PARTE SEGUNDA: MOVIMENTOS DO MÉTODO DE DRAMATIZAÇÃO MOVIMENTO 1: CRÍTICO-GENEALÓGICO DIAGNÓSTICO 1. DIANTE DAS SÉRIES (a) A seguir, você encontrará séries. (b) Considere as séries como disparatadas e paradoxais, integrando um sistema metaestável, constituído por puras intensidades heterogêneas (Deleuze, 1998, p.39-44). (c) Séries que “se desenrolam em dois planos, ecoando sem semelhança: uns, reais, ao nível das soluções engendradas, outros, ideacionais ou ideais, ao nível das condições do problema, como atos ou, antes, sonhos de deuses que duplicariam nossa história” (Deleuze, 1988, p.306). (d) Séries que são postas em comunicação, pela via de encontros e de avaliação imanente, por meio de um “precursor sombrio”: “invisível, insensível, que de antemão lhe determina o caminho invertido e escavado, porque o precursor é, primeiramente, o

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agente da comunicação das séries de diferenças” (Deleuze, 2006a, p.133; Deleuze, 1988, p.437; e Deleuze, 2006a, p.132). 2. INDÍCIOS E SIGNOS > Nas séries abaixo, relacione todos os indícios e signos, que agem nas situações e nos acontecimentos do currículo, são dados à representação e podem ser encontrados como sintomas de uma vontade que quer alguma coisa < 1. Objetos/Coisas/Fenômenos 2. Conceitos/Conhecimentos/Saberes 3. Sentimentos/Emoções/Sensações 4. Poder/Relações de Poder 5. Crenças/Desejos/Pretensões 6. Sujeitos/Subjetividades 7. Identidades/Identificações 3. ESCOLHER > Dentre os indícios e signos que você relacionou, para cada uma das séries, escolha aquele (somente um) que seja o mais recorrente ou o mais incomum < 1. Objeto/Coisa/Fenômeno 2. Conceito/Conhecimento/Saber 3. Sentimento/Emoção/Sensação 4. Poder/Relação de Poder 5. Crença/Desejo/Pretensão 6. Sujeito/Subjetividade 7. Identidade/Identificação 4. PERGUNTAS SOBRE OS PROCESSOS DINÂMICOS QUE DRAMATIZAM O CURRÍCULO: DINAMISMOS ESPAÇO-TEMPORAIS OU DINAMISMOS DRAMÁTICOS (a) Considere os dinamismos espaço-temporais como “dramas de Idéias”, como aqueles que “dramatizam a Idéia”, e que são “atualizantes, diferenciantes” (Deleuze, 1988, p.350; p.344). (b) Leve em consideração as propriedades dos dinamismos espaço-temporais, quais sejam: “1º) eles criam espaços e tempos particulares; 2º) eles formam uma regra de especificação para os conceitos que, sem eles, permaneceriam incapazes de se dividirem logicamente; 3º) eles determinam o duplo aspecto da diferençação, qualitativo e quantitativo (qualidades e extensos, espécies e partes); 4º) eles comportam ou designam 125

um sujeito, mas um sujeito „larvar‟, „embrionado‟; 5º) eles constituem um teatro especial; 6º) eles exprimem Idéias”. (c) “Sob todos esses aspectos, eles figuram o movimento da dramatização” (Deleuze, 2006a, p.129). (d) Ao constituir “tempos de atualização ou de diferenciação” e traçar “espaços de atualização”, esses dinamismos, no “teatro de encenação” (Deleuze, 1988, p.348), agitam o espaço, fazem buracos de tempo e são puras sínteses de velocidades, de direções e de ritmos. (e) Lembre-se de tratar cada indício e signo selecionado (para cada uma das séries) como sintoma de uma vontade (força, potência) que quer alguma coisa. (d) Dê a máxima importância à forma das perguntas da qual deriva o Método de Dramatização. (e) Não responda às perguntas formuladas abaixo por meio de exemplos, mas pela determinação de um tipo: “O que uma vontade quer não é um objeto, mas um tipo, o tipo daquele que fala, daquele que pensa, que age, que não age, que reage, etc.”. (f) Ressalve que “um „tipo‟ é constituído pela qualidade da vontade de poder, pela nuança dessa qualidade e pela relação de forças correspondentes; todo o resto é sintoma”. (g) E, ainda que “só se define um tipo determinando o que quer a vontade nos exemplares desse tipo” (Deleuze, 1976, p.64). (g) Por isso, em vez de perguntar “O que é?” (pergunta central do senso comum e da representação e que leva à essencialização), perguntar de modo a privilegiar um certo comportamento, um certo movimento do pensamento. > PERGUNTAR E RESPONDER < 1. QUEM QUER...? (Quem é aquele que quer...? O que quer aquele que diz...? Quais são as forças que dominam aquele que quer isso? Qual a vontade que possui aquele que quer isso? Quem, então, se exprime e, ao mesmo tempo, se oculta naquele que quer isso? Qual o seu tipo, isto é: a vontade, a força, o lugar e a ocasião em que ele quer...? Quem ou de qual ponto de vista quer isso? Então, esta vontade de poder (este “quem”?) supõe o quê? Logo, qual a imagem do pensamento pressuposta por esse tipo – que não é um indivíduo, mas aquele que quer a vontade de...? O que quer aquele (tipo) que diz, pensa, sente ou experimenta isso? (Indicar o elemento dominante em cada série.) Aquele que não poderia dizer, pensar, sentir ou experimentar isso, se não tivesse tal

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vontade, tais forças, tal maneira de ser? “A potência não é o que a vontade quer, mas quem quer na vontade” (Deleuze, 2006b, p.158). 2. QUANDO QUER...? (Em que condições? Em que caso(s)?) 3. ONDE QUER...? (Lugares? Circunstâncias? Pontos de vista?) 4. COMO QUER...? (Por quais operações? Por quais configurações de forças?) 5. QUANTO QUER...? (Intensidade das forças que querem isso? Extensão da vontade que quer isso?) MOVIMENTO 2: EXPERIMENTAL-EXPLORATÓRIO > DESCREVA O SENTIDO E O VALOR DE CADA SÉRIE, EM TERMOS DE < 1. Tipologia e topologia do currículo (Vasconcellos, 2008). 2. Relação de forças que determina uma vontade (um tipo) de... 3. Ontologia do currículo (sujeitos larvares). 4. Ética do currículo (Huchet, 2004). 5. Política do currículo (Pellejero, 2005). 6. A “essência” do currículo (considere que “essência” é sempre o sentido e o valor). 7. Novos modos de existência derivados da experimentação do currículo. 8. Agitações de novos espaços, buracos de tempo, outras sínteses de velocidades, direções, ritmos (Wiame, 2009). 9. Mundos possíveis (Deleuze, 1998, p.311-330). 10. Terras incógnitas (espaços sub-representativos). 11. Devires do currículo. 12. Ressonâncias (internas e externas) do currículo. 13. Outras experiências de pensamento curricular. 14. Nova Idéia (pensamento sem imagem) de currículo ou uma nova imagem do pensamento de um currículo (o sentido e o valor, o nobre e o vil, segundo a natureza das forças que se apoderam do pensamento). 15. Outros campos e novos regimes de individuação (realidade mais larga e mais constitutiva que o indivíduo). 16. Encontros imanentes (Debaise, 2005). 17. Superação do caráter antropológico do currículo, suas determinações humanas: “uma coisa, um animal, um deus não são menos dramatizáveis do que um homem”; eles também são “os sintomas de uma vontade que quer alguma coisa” (Deleuze, 1976, p.65).

127

18. Formulação de outra qualidade da vontade de poder capaz de transmutar as nuanças demasiado humanas do currículo (o desumano e o sobre-humano). 19. Responder: se uma vontade do currículo (o dramatizado) também é sintoma de uma vontade, então o que seria uma vontade capaz de afirmar o currículo? O que quer essa vontade? Qual é a sua qualidade que se torna também a qualidade do currículo? 20. Indicar outras Idéias (como elementos ideais, diferenciais e problemáticos) que saem do currículo dramatizado (Burchill, 2007). 21. Lembrar (ou criar) um currículo cuja vida lhe pareça ser inócua, silenciosa, que atribui um sentido negativo para a própria vida; depois, lembrar (ou criar) um currículo cuja vida lhe pareça ser entregue aos acontecimentos, às intensidades, à produção de sentidos incorporais corporificados em superfícies onde tais sentidos emergem. Escrever sobre esses currículos. 22. Pensar e escrever sobre: uma “pedagogia do sentido”, que associe a vivência dos limites corporais e a criatividade artística, a partir de um campo transcendental como produtor do pensamento; ou acerca de “acontecimentalizar” o currículo; ou sobre uma “educação empirista-transcendental”, que condensa no movimento de educar todo o sentido. 23. Inventar tudo.

Referências BURCHILL, Louise. “Deleuze comme „traductologue‟? Ou les temps de traduire”. Association Multitudes, 2007/2, n.29, p.187-197. DEBAISE, Didier. “Spéculation et dramatisation. Quelques contrastes entre Whitehead et Deleuze”. Concrescence: The Australian Journal of Process Thought, 2005, p.3036. DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1976. (Trad. Edmundo Fernandes Dias e Ruth Joffily Dias) _____. Diferença e repetição. Rio de Janeiro: Graal, 1988. (Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado) _____. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 1998. (Trad. Luiz Roberto Salinas Fortes.) _____. “O método de dramatização”. In: _____. A ilha deserta e outros textos. São Paulo: Iluminuras, 2006a, p.129-154. (Trad. Luiz B. L. Orlandi.)

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_____. “Conclusões sobre a vontade de potência e o eterno retorno”. In: _____. A ilha deserta e outros textos. São Paulo: Iluminuras, 2006b, p.155-166. (Trad. Luiz B. L. Orlandi.) HUCHET, Sthéfane. “Meta-estética e ética francesa do sentido (Derrida, Deleuze, Serres, Nancy)”. Belo Horizonte: Kriterion, Revista de Filosofia, vol.45, n.110, Jul./Dez.2004, 16p. In: http://www.scielo.br/scielo.php?scritpt=sci_arttex&pid MARROU, Flore Garcin-. “Félix Guattari: théâtre et clinique”. Actes de la Journée des Doctorants du CRHT, Centre de Recherche sur l‟Histoire du Théâtre, Université Paris-Sorbonne, Paris-IV, 16 mai 2009. Texte en ligne, 7 p. PELLEJERO, Eduardo. “Deleuze y el teatro de la filosofía: dramatización, minorización y perspectivismo”. Devenires - Revista de Filosofía y Filosofía de la Cultura, v. 12, Morelia (México), UMSNH, 2005, p. 20-68. VASCONCELLOS, Jorge. “O pensamento e a cena: teatro e filosofia em Gilles Deleuze”. São Paulo: AISTHE, nº3, 2008, p.87-95. WIAME, Aline. “Un étrange théâtre psychique: la pulsión de mort selon Gilles Deleuze”. Actes de la Journée des Doctorants du CRHT, Centre de Recherche sur l‟Histoire du Théâtre, Université Paris-Sorbonne, Paris-IV, 16 mai 2009. Texte en ligne, 8p.

INVENTÁRIO DE PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS17 – CRÍTICO-GENEALÓGICOS (PCG) E EXPLORATÓRIOEXPERIMENTAIS (PEE) –

17

Exercício destinado a inaugurar a criação de um Inventário de Procedimentos Didáticos, para a organização e a implantação das Oficinas de Transcriação – OsT, constituintes do PROGRAMA OBSERVATÓRIO DA EDUCAÇÃO Edital 2010, desenvolvido e coordenado pela Faculdade de Educação, UFRGS; UFTM; UNIOESTE; UFPEL; desde janeiro de 2011 até 2014.

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Nota de Leitura XVII: Um Fim-Começo. Episódio 13½ – INVENTÁRIO ESCOLHAR (I.E.): A função deste I.E. é pedagógica – num sentido restrito, de doação de uma leitura fabulada: ela dá uma outra forma ao leitor e a este cabe a responsabilidade de tomá-la em sua tópica escritural, ou seja, de prolongar sua distância do sentido, ou, ainda, de tomá-la como a verdade, o sentido último, a chave de leitura para os episódios anteriores. Inventário: inventa rio: formante movente, sítio da invencionice crítica; Escolhar: escolho escólio escola: o trabalho no texto, sobre o texto e as doações acadêmicas sobre os conceitos estudados. E tudo finda numa ausência de fala, num nadaninguém-diz de um espirro < inominável >. (OLIVEIRA, Marcos da Rocha. “Notas de leitura para um pesteseller pedagógico”. In: CORAZZA, S. M. (Org.). Fantasias de escritura: filosofia, educação, literatura. Porto Alegre: Sulina, 2010, p.123.)

PROCEDIMENTO (PRO) nº 1. Título: ERRO, ESQUECIMENTO, CONCEITO NOVO Tipo: PCG/PEE Oficina de Transcriação (OsT): FILOSOFIA Autor (a): Sandra Mara Corazza Data: janeiro 2011 Tradução de: VILLANI, Arnaud. La guêpe et l’orchidée: essai sur Gilles Deleuze. Paris: Belin, 1999. (Especialmente “V. De la méthode”, p.56-58.) I – Leia o extrato abaixo de uma carta de Gilles Deleuze, de 29 de dezembro de 1986, para Arnaud Villani, acerca de uma “boa obra”: “Acredito que um livro, se merece existir, pode ser apresentado sob três rápidos aspectos. Escreve-se um bom livro se: 1. pensa-se que os livros sobre o mesmo tema ou sobre um tema próximo cometem uma espécie de erro global (função polêmica do livro); 2. avalia-se que alguma coisa de essencial foi esquecida sobre o tema (função inventiva); 3. Acredita-se ser capaz de criar um novo conceito (função criadora). Ou seja, este é o mínimo quantitativo: um erro, um esquecimento, um conceito... Desde aí, abandonando a modéstia necessária, eu tomaria alguns de meus livros e me perguntaria: 130

1. qual erro pretende combater; 2. qual esquecimento busca reparar; 3. qual novo conceito cria. Por exemplo, meu livro sobre Masoch: o erro é o de haver sido negligenciada a importância do contrato (e, para mim, o sucesso desse livro é que, após ele, todos falam do contrato masoquista; enquanto antes, esse era um tema bastante acessório); o novo conceito é a dissociação do sadismo e do masoquismo. Outro exemplo, em Proust [Proust e os signos]: 1. o erro é a memória; 2. o esquecimento é dos signos; 3. o conceito é a coexistência de três (e não dois) tempos”. II – Veja, agora, “um diagrama provisório”, que Villani organiza acerca de algumas obras de Deleuze: ERRO

ESQUECIMENTO CONCEITO

OBRAS

NOVO a memória

os signos

coexistência de três

Proust e os signos

tempos (e não dois) a ênfase posta sobre a importância do

dissociação entre

Apresentação de

a dor

sadismo e

Sacher-Masoch

contrato

masoquismo os problemas

a multiplicidade, a

o “novo”, a

duração, a

multiplicidade

coexistência

intensiva, o misto

Bergsonismo

mal formado a repetição referida

a diferença do

Diferencial

Diferença e

ao idêntico

possível e do virtual

(Différentielle) =

repetição

Idéia = Liberdade de invenção o desejo (concebido

a máquina

as três sínteses, o

como falta)

desejante, a

díspar, o corpo sem

esquizofrenia

órgãos

a metamorfose ou

o “menor”, a

Kafka: por uma

bloco de devir

função K, a

literatura menor

a culpabilidade

O anti-Édipo

inocência a arborescência, o

o agenciamento, o

linguagem =

Estado, a

espaço liso

palavra de ordem;

Mil platôs

131

linguagem

rostidade, aparelho de captura, regimes

III – Atente, ainda, para o exemplo de Villani, abarcando a leitura da obra integral de Deleuze, qual seja: 1. o erro seria considerar a produção de Deleuze como uma filosofia de afirmação da diferença, segundo um modo espontaneísta; 2. o esquecimento seria aquele do caráter ideal/virtual do diferencial (différentielle); 3. o conceito novo seria a idéia de multiplicidade intensiva como regra interna da produção de diferenças. IV – Escolha, agora, 03 obras, livros ou artigos de Filosofia – que considere novos, interessantes, notáveis – e organize um diagrama, também provisório e passível de ser desenvolvido em outras direções, ao modo de Villani-Deleuze. ERRO

ESQUECIMENTO CONCEITO

OBRAS

NOVO

POSFÁCIO: ENFIM, UMA DIDATRADUÇÃO18 Tratamento

18

A primeira proposta de uma Didática Artista da Tradução (aqui, Didatradução) consta em HEUSER, E.M.D. (Org.) Caderno de notas 1: projeto, notas & ressonâncias. Cuiabá: UFMT, 2011, p.33 à p.96.

132

- O livro Didaticário de criação: aula cheia é tratado pela via de uma Didática-Artista da Tradução (DAT). - DAT encontra alegria no babelismo de diferença e abertura, relacional e dialógico, passagens e transposições, pluralidade e multiplicidade de línguas, influências e textos; logo, é uma didática translingüística, transliterária, transcultural, transpensamental, que nasce e vive em diversas obras de diferentes línguas: “Ficção de um indivíduo (algum Sr. Teste às avessas) que abolisse nele as barreiras, as classes, as exclusões”; “que misturasse todas as linguagens, ainda que fossem consideradas incompatíveis; que suportasse, mudo, todas as acusações de ilogismo, de infidelidade” – “Este homem seria a abjeção de nossa sociedade: os tribunais, a escola, o asilo, a conversação, convertê-loiam em um estrangeiro”. “Ora, este contra-herói existe: é o leitor de texto, no momento que se entrega a seu prazer. Então, o velho mito bíblico se inverte, a confusão das línguas não é mais uma punição, o sujeito chega à fruição pela coabitação das linguagens, que trabalham lado a lado: o texto de prazer é Babel feliz” (Barthes, 2006, p.7-8; Barthes, 2005a,b). - DAT opera, no mínimo, em um duplo sentido de transcursos e circuitos de transferências: o Pensamento da Diferença, no atinente à criação e ao pensar (Deleuze, 2003; Deleuze e Guattari, 1992; Guattari, 1992); as teorias da tradução (TRA) literária no Brasil – Teorias das Traduções Criadoras (TTC) –, que lidam com a idéia de TRA como um processo criador, especialmente do lado de Haroldo de Campos (1972) e Augusto de Campos (1986), e que são tributárias de Paul Valéry, Edgar Allan Poe, Walter Benjamin, T. S. Elliot, Jorge Luis Borges, Lezama Lima, Octavio Paz, Roman Jakobson, C. S. Peirce, Max Bense, Ezra Pound, dentre outros (Rónai, 1987; Paes, 1990; Laranjeira, 1993; Campos, 2002; Mandelbaum, 2005; Matos, 2005; Oseki-Dépré, 2005; Santaella, 2005). - Assim, a Tradução Transcriadora (TRATRANS) percorre a Didática-Artista (DA), “como um dispositivo” que a desencadeia “ou uma prática” que a desdobra (Campos, 1976, p.10; Deleuze, 1991a). - DAT pensa que “a vida deve ser traduzida, como processo de criação” (Villani, 1999, p.71); então, traduz Perceptos, Afectos, Funções e Conceitos (PAFCs) – que são lidos, ouvidos, aprendidos com outros, ou com problemas e questões que se agitam à sua volta ou em nosso entorno –, vertendo-os das línguas em que foram criados, pela Filosofia, pela Arte e pela Ciência (FAC), e expressando-os no meio, na cultura e na Língua Menor (LiM) (Deleuze e Guattari, 1992) de DAT. 133

- Porém, DAT não traduz todos os PAFCs, mas privilegia aqueles que mudaram, afetaram ou revolucionaram cada uma das áreas de FAC e que, para ela, relevam, em termos de um projeto “de militância cultural” (Campos apud Milton, 1998, p.206); assim como traduz aqueles PAFCs, cuja “obscuridade ou dificuldade intencional” apresenta maiores desafios de TRA: “quanto mais inçado de dificuldades”, “mais recriável, mais sedutor enquanto possibilidade aberta à recriação” (Campos, 1992, p.35; Milton, 1998, p.210), seguindo a posição de Augusto de Campos (1978, p.7): “nunca me propus traduzir tudo. Só aquilo que sinto. Só aquilo que minto. Ou que minto que sinto, como diria, ainda uma vez, Pessoa em sua própria persona”. - A TRA realizada por DAT é, por isso, “transcriação e transculturação, já que não só o texto, mas a série cultural” “se transtextualizam no imbricar-se subitâneo de tempos e espaços literários diversos”. – “Transcodagem. Tropismo. Tradução” (Campos, 1976, p.10-11). - DAT funciona sobre um plano transcendental de Tradução-Criação (TRACRI), que liga o tempo ordinário e a produção de algo novo, sem que haja “linha reta, nem nas coisas, nem na linguagem”; de modo que sua LiM “tem de alcançar desvios femininos, animais, moleculares, e todo desvio é um devir mortal” (Deleuze, 1993, p.12; Deleuze e Guattari, 1977). - Traduzir, para DAT, é distinguir entre descoberta e invenção da LiM, já que “a descoberta incide sobre o que já existe, atualmente ou virtualmente; portanto, cedo ou tarde ela seguramente vem”; enquanto “a invenção dá o ser ao que não era, podendo nunca ter vindo” (Deleuze, 1999, p.9; Buydens, 1990; Sauvagnargues, 2005). - Talvez, a TRA de PAFCs, em DAT, possa ser chamada “des-tradução”: não TRA “como teoria da cópia ou do reflexo salivar, mas como produção da di-ferença no mesmo” (Campos, 2008, p.208); ou, uma “operação contra a corrente que, mais do que transferir algo do original para a língua de chegada” – no caso, a LiM de DAT –, “toma o original distante como ponto de chegada para o qual visa expandir” a própria língua (Mandelbaum, 2005, p.198); e, mesmo, uma “crítica de amor e de amador”, que “é cor, é som, é fracasso de sucesso, e não passa de uma conferência sobre nada” (Campos, 1986, p.10). - A TRA (ou des-tradução) realizada por DAT é: chave para as relações da Didática com o mundo; uma maneira de introduzir novos modelos, formas, idéias, gostos, vocabulários, sintaxes, na área de estudos e de pesquisa educacional; “uma força motriz” de “estilos novos e idéias”, nos atos de ler, escrever e pensar, que está no centro 134

de mudanças e desenvolvimentos em Educação; “mimética e não-mimética”, como “a „sobrevida‟ do texto original”, que “vive mais tempo e também de modo diverso”; “uma experiência expressionista, capaz de anamorfoses, de ser ela mesma e um outro”; “um treinamento excelente”, já que a TRA é também treinamento, “quando você acha que seu original „vacila‟ quando tenta reescrevê-lo” (Milton, 1998, p.119; Paz, 1981, p.11; Matos, 2005, p. 79; p.132). Diferenças - Diante da tendência de encontrar “diferenças de grau” (“pensar em termos de mais e de menos”), onde só existem “diferenças de natureza”, DAT luta “contra a ilusão”, para “reencontrar as verdadeiras diferenças de natureza ou as articulações do real” (Deleuze, 1999, p.13; p.14; 2007), que os PAFCs carregam, e traduzi-las para sua LiM. - O novo, a novidade imprevisível, a imagem virtual das traduções (TRAs) feitas por DAT são expressos, inicialmente, por uma língua antiga, conforme Bergson (2006, p.127): “Para fazer compreender o novo, por força há que exprimi-lo em função do antigo; e os problemas já postos, as soluções que lhes haviam sido fornecidas, a filosofia e a ciência do tempo no qual ele viveu, foram, para cada grande pensador, a matéria que ele era obrigado a utilizar para dar uma forma concreta a seu pensamento”. - Considerando que todas as línguas são diferenças que expressam diferenças, o trânsito de um PAFC (originariamente criado em FAC) à sua TRA (pela DAT) requer diálogos entre as línguas, que leve em conta a produção de diferença, com a condição que cada uma esqueça a própria origem, para se tornar dupla de si mesma; é dessa maneira que DAT pode realizar “encontros” fugidios entre os PAFCs originais e suas TRAs; sem, no entanto, perder o parentesco, a proximidade, a vizinhança, entre as línguas, que é aquilo que as torna estrangeiras (Deleuze, 1998a). - Porque uma espécie de anacronismo latente faz com que as literaturas compartilhem espaços e tempos heterogêneos e simultâneos; e porque a TRA “não consiste na assimilação do outro a si mesmo, mas uma aproximação da distância, uma transposição de uma cultura estrangeira através dos expedientes da escritura que transforma, por assim dizer, a primeira, já que a tradução não é cópia, mas modificação do original”; a TRA DATiana é um “ato político”, como “defesa da língua e por isso heterofilia”, que “desfaz não apenas a noção de identidade sedentária, mas, sobretudo a timidez snob da isoglossia”. - No ato de traduzir, DAT produz correspondances entre Literatura, Filosofia, Artes, Ciências, Educação – “correspondances pode ser tomado aqui com suas ressonâncias 135

baudelairianas (recurso à cartomancia, grafologia, mesmerismo, Hermes Trismegisto, ocultismo, Swedenborg e aos „paraísos artificiais‟, mas, sobretudo como a arte de reconhecer semelhanças entre as palavras e as línguas e também de criá-las” –; e, na contramão dos binarismos (como nacional/estrangeiro), DAT encontra “um medium que destabiliza o status quo da linguagem”; deparando-se (assim como os chamados “poetas malditos”) com uma “desfuncionalização da língua instrumental do cotidiano” – encontrada “no código genético de todas as futuras dissidências literárias já que não há como defini-las sem começar pelo estrago que buscam fazer na linguagem” –; sendo que um tal desarranjo “é um transtorno das palavras, o que lhes confere, devolvendolhes, seu aspecto de exotes, o sentimento do diferente, o poder de conceber o „outro‟, numa reconfiguração de si”, a partir da distância, da diferença e da multiplicidade. - Assim, DAT verte, refratando e reescrevendo PAFCs, via ações recíprocas entre as línguas traduzidas, que as mesclam e, com elas, culturas e planos de pensamento; ao mesmo tempo, que desapropriam pertencimentos, liberando-as de “referências a sangue, solo ou história coletiva” – línguas que vêm de outros lugares e se alimentam de diferentes línguas e culturas, “que não sofrem de „otite‟” (Matos, 2005, p. 144; p.139; p.132; p.140-142). - DAT opera, sob o fascínio das “interinfluências trazidas pelas linguagens contemporâneas”, que “implicam a invenção de um corpus crítico-seletivo que interliga criteriosamente os conceitos de tradução poética, operação metalingüística, paródia, carnavalização, intertextualidade, literatura comparada e relações entre diversos sistemas de signos” (Santaella, 2005, p.222). - As TRAs promovidas por DAT consistem, acima de tudo, em “uma questão de alma”, na ressonância do poema de Augusto de Campos (1986, 2ª orelha): “re-criar é a meta/ de um tipo especial/de tradução:/ a tradução-arte// mas para chegar à/ re-criação/ é preciso identificar-se/ profundamente/ com o texto original/ e ao mesmo tempo/ não barateá-lo/ enfrentar todas as suas/ dificuldades/ tentar reconstituir/ a criação/ a partir de cada palavra/ som por som/ tom por tom// é uma questão de forma/ mas também/ é uma questão de alma”. Transcriação - A TRACRI – dos PAFCs de FAC, feita por DAT – não é: literal, funcional, automática, etimológica, estruturalista, hermenêutica, celebração epifanística, uma violação, um caso de sobretradução, um semidecalque, uma superafetação; não soa como extravagância; não traduz palavra por palavra; não transmite a mensagem do 136

original; não apresenta qualquer purismo ultra-acadêmico; não atualiza textos pelos contextos; ao contrário, consiste em TRAs, em que são postas tal força criadora que, alegadamente, o resultado vale como se cada TRA fosse uma obra original, viva e aberta (Paes, 1990; Laranjeira, 1993; Wanderley, 1993). - Em DAT, as TRAs aproximam-se daquelas de “textos criativos”, poesia ou “prosa que a ela equivalha em problematicidade”; assim, “é da essência mesma da tradução” “o estatuto de impossibilidade” e os PAFCs são, a princípio, intraduzíveis; por isso, DAT assume que só é possível a sua “transposição criativa” ou “transcriação” (TRANS) – “aquela modalidade de traduzir que designo por „transcriação‟ – e que se aplica a obras de arte verbal – como uma forma de „desbabelizar Babel‟” –; a qual será mais ou menos inventiva, segundo a habilidade de cada tradutor, nas operações tradutórias (Campos, 1972, p. 110; p.111; p.112; p.113; 2004, p.71; Jakobson, 2001, p.72; OsekiDépré, 2005, p.219). - DAT integra uma Pedagogia Ativa de Tradução (PAT), que dobra as linguagens de FAC sobre as próprias formas, em busca de novos sentidos, que neutralizam o princípio de arbitrariedade do significante, por meio da “reimaginação” – como diz Haroldo de Campos (1972, p.121), diante da poesia chinesa: “Propus-me „reimaginar‟ (prefiro esta palavra, no caso, ao conceito usual de „traduzir‟)”. - Justamente, por serem os PAFCs intraduzíveis – já que um PAFC original é sempre “infiel a sua tradução, pois esta, como o próprio original, age por transcriações, a partir das latências do original” (Matos, 2005, p.137) –, resulta que DAT é merecedora dos maiores esforços: “Todas as coisas que valem a pena são impossíveis. Somente as coisas impossíveis são dignas de ser feitas”; ou, então: “Impossível, claro – é por isso que faço” (Hamburguer e Trask apud Milton, 1998, p.144-145). - Porque a TRANS é um “modo de traduzir que se preocupa eminentemente com a reconstituição da informação estética do original”, não lhe sendo pertinente “o simples escopo didático de servir de auxiliar à leitura” dos PAFCs originais, DAT traduz no avesso da denominada “tradução literal” – “ao sentido, ou tradução servil, concepções para as quais a tradução deve transmitir o conteúdo do original” (Santaella, 2005, p. 225; p.227). - Assim, mesmo que um PAFC pareça, em princípio, intraduzível, DAT engendra “o corolário da possibilidade, também em princípio, da recriação”; por outro lado, “quanto mais remota a fonte lingüístico-cultural, mais fácil é conseguir uma penetração sumária e uma transferência de características estilizadas e codificadas”; logo, as TRAs 137

DATianas não podem ser menos do que uma questão de arte: “não é surpreendente, pois, que o tradutor se empenhe em traduzir o intraduzível” (Campos, 1992, p.35; p.34) – questão que pertence “à área da traduzibilidade” (Steiner apud Milton, 1998, p.104; p.9). - DAT deve adquirir uma força de vida criativa tal, que não precise “jogar uma violeta num caldeirão” para “descobrir o princípio formal de sua cor e seu perfume”: “a planta tem de brotar de novo de sua semente, ou não dará frutos – é isso o ônus da maldição de Babel” (Shelley apud Milton, 1998, p.107); assim, as aventuras tradutórias DATianas comportam mais do que o transporte do significado de um PAFC para a LiM didática; fazem DAT traduzir o próprio signo: linguagem verbal e não-verbal; elementos de estrutura e visuais; homologias fônicas e sintáticas; espacialização de poemas e imagética visual; filmes e cartazes publicitários; combinações sonoras e coreografias logopaicas; assonâncias, rimas, aliterações, métrica, ritmo, melodias de canções; etc. - Para indicar as Traduções Transcriadoras (TRATRANS) feitas por DAT, usamos os seguintes termos e neologismos dos irmãos Campos, entre outros: “transcriação, transparadisação, transluminação, transluciferação mefistofáustica, bem como os mais comuns recriação e reimaginação” (Campos, 1987; Milton, 1998, p.5; p.208). O Didata-Tradutor - O Didata-Tradutor (DiTra) – isto é, cada participante de DAT, sem exceção – não faz cópia, dublagem ou fingimento; não é um servo, escravo ou ladrão dos autores que traduz; não busca uma suposta autenticidade ou verdade textual; não tem boa-vontade para promover o bem-comum, proporcionando acesso a produções estrangeiras; não preserva “a chama” ou “essência” dos originais; não é um conselheiro, que goza de intimidade real com as obras; não é alguém que abre a cortina, deixando olhar o lugar sagrado ou que remove a tampa de um poço, afim de tirar água; não é filtro ou chave entre o autor e o texto original; não toca uma música, que fora feita para outro instrumento; não é um fotógrafo, taxidermista ou anatomista; nem mesmo é o traduttore-traditore

(tradutor-traidor) do trocadilho italiano ou o sourcier-sorcier

(descobridor de fontes e mágico) dos franceses; não é um “cirurgião que realiza transplantes”; não é “um personagem em busca de si mesmo”; não é ator, artesão, cozinheiro, florista, poeta-camaleão ou “trad-revisor”; sua TRA não é “a casca” que reveste “a fruta” original; nem um “manto real de amplas dobras”; nem um “treinamento na selva”, um “jogo de tênis”, ou “ressurreição, mas não do corpo”; e assim por diante (Milton, 1998, p.2-6). 138

- Como um ser de linguagem, DiTra é, simplesmente, um escritor-e-leitor (escrileitor), que transcria e transcultura PAFCs, praticando “a arte não só de reconhecer analogias, correspondências, diferenças e semelhanças”, entre eles; como também de produzi-las, num “universalismo polimorfo e cosmopolista” – “cosmopolitismo de tipo novo, o da literatura, transverso a governos, economias e mercados”, que “instala em nós a diferença como condição de nosso estar com os outros” (Mandelbaum, 2005, p.199; Matos, 2005, p.132-134). - DiTra não é alguém que tem “medo do novo” nem tem “medo do antigo”; com Augusto de Campos (1978, p.7), defende “até a morte o novo por causa do antigo e até a vida o antigo por causa do novo”; pois, “o antigo que foi novo é tão novo como o mais novo novo”; e “o que é preciso é saber discerni-lo no meio das velhacas velharias que nos impingiram durante tanto tempo” (Campos, 1978, p.7). - DiTra cultiva uma empatia com os PAFCs originais de FAC e uma habilidade de se projetar em suas experiências precursoras e vivas; bem como, exercita uma dedicação amorosa para transmitir essas experiências de volta à LiM da DAT, numa recriação fantasística e imaginativa, por meio de escrileituras e diálogos críticos, que fazem os PAFCs estranharem-se a si mesmos, num processamento singular de interpretações. - Como uma mirada aléfica, DiTra possui “o olho criativo”, que condensa, presentifica e vivifica o passado e a tradição dos PAFCs, reinventando-os, como queria T. S. Eliot (apud Campos, 1972, p.110): “Necessitamos de um olho capaz de ver o passado em seu lugar com suas definidas diferenças em relação ao presente e, no entanto, tão cheio de vida que deverá parecer tão presente para nós como o próprio presente”. - E, “como à visada aléfica corresponde uma leitura partitural, o transcriador não pode contentar-se com o jogo parco das rimas terminais e a compulsão métrica”; assim DiTra, como transcriador, ao “traduzir como forma”, responde “não à vida do original, mas à sua sobrevida, ao estágio do seu perviver” (Campos, 2008, p.189; Campos apud Santaella, 2005, p. 231): “nada mais estranho à tarefa de traduzir, considerado como uma forma” “que aspira a uma fidelidade – hiperfidelidade – a outra forma („fidelidade à re-doação da forma‟) do que a humildade” (Campos, 2008, p.180) - Para tanto, DiTra emprega uma “recepção distraída”, disseminada, dos PAFCs originais, a qual “prefigura, num outro nível, aquela do espectador de cinema, enquanto examinador distraído” (Campos apud Oseki-Dépré, 2005, p.214). - Reconhecendo-se como alguém “datado e situado”, na contemporaneidade, que precisa tomar decisões criativas “para conferir qualquer sentido ao original” e que trata 139

o PAFC original como um fenômeno diferente de tudo o que ele mesmo poderia produzir, quando não o faz, diferindo, DiTra presume que achou “o original tão aborrecido quanto nós achamos a sua tradução”; além de, evidentemente, ter-lhe faltado a imaginação necessária: “se o tradutor não traz o seu próprio ser, seu relacionamento com sua sociedade”, o resultado da TRA “será artificial, frágil e flácido” (Milton, 1998, p.101). Procedimentos - Em suas ações de traduzir, DiTra realiza “Procedimentos” (PROs), em torno de um PAFC, concebido “não como um monumento glorioso”, mas como algo criado, “visto por alguém que só pode enfocá-lo pela ótica do tempo presente” (Deleuze, 1988; 1997; 1998b; 2009; Deleuze e Guattari, 1977; Feil, 2010; 2011; Campos, 1972, p.112). - Os PROs de DiTra não reconhecem ou compreendem, nem se referem a um sistema de interpretação pronto; mas propõem um Inventário (IN) – “inventa rio: formante movente, sítio da invencionice crítica” (Oliveira, 2010, p.123) – e desenvolvem experimentações que têm relação com o novo e com todos os modos de desterritorialização; por isso, não “querem dizer” nada e, sim, fazer com que DAT funcione: DAT-máquina. - Parafraseando Valéry (1945, p.173), os PROs não tentam impor à LiM de DAT a LiM que DAT não impõe ao ouvido DATiano: “Isto é traduzir de verdade. Isto é realmente traduzir, é reconstituir o mais próximo possível o efeito de certa causa”. - Como tradutor brasileiro, em seus PROs, DiTra é um antropófago – não que devora o traduzido, pois lhe seria alheio, mas que o digere e o leva adiante –, reproduzindo “o original com sua marca distintiva” (Milton, 1998, p.221), como escreve Augusto de Campos (1978, p.7), acerca dos “intraduzidos e intraduzíveis” trovadores provençais: “A minha maneira de amá-los é traduzi-los. Ou degluti-los, segundo a Lei Antropofágica de Oswald de Andrade: só me interessa o que não é meu. Tradução para mim é persona. Quase heterônimo. Entrar dentro da pele do fingidor para refingir tudo de novo, dor por dor, som por som, cor por cor”. - PROs DATianos operam a “transluciferação”, ou seja, TRAs “luciferinas”, possuídas de demonismo (no sentido haroldiano), ao transgredir os limites sígnicos e a relação aparente entre forma e conteúdo, recusando-se “a servir submissamente a um conteúdo” e “à tirania de um logos pré-ordenado”, e rompendo “„a clausura da metafísica da presença‟” (diria Derrida); assim, a TRA DATiana torna-se “uma empresa satânica, transgressora por excelência”; pois, “no limite de toda tradução que se propõe como 140

operação radical de transcriação, faísca, deslumbra, qual instante volátil de culminação usurpadora, aquela miragem” de converter, “por um átimo que seja, o original na tradução de sua tradução” (Santaella, 2005, p.228). Bricolagens - Embora um PAFC traga “algo de novo para o mundo”, “por força há de se manifestar através das idéias já prontas que encontra à sua frente e arrasta em seu movimento” (Bergson, 2006, p.129); e DiTra vai traduzir essas “idéias já prontas”, “sob o signo da invenção”, que rasura sua origem e oblitera sua originalidade, pois situa “a tradução como espécie da categoria criação” (Campos, 1972, p.111). - Desse modo, DiTra não é um filólogo, erudito ou paleólogo, mas um agente de fluxos de invenção, cujos PROs fazem “comércio com os vivos”, como diz Haroldo de Campos (1972, p.109), referindo-se à TRA de poemas clássicos: “Naturalmente esta tradução não é para filólogos ensimesmados em suas especialidades como em tumbas de chumbo, indesejosos de comércio com os vivos. É uma tradução para os que se interessam por um texto de poesia como poesia, e não como pretexto para considerações sapientes em torno do autor e de sua era, ou para escavações de paleologia lingüística, coisas todas essas úteis e necessárias, respeitáveis como as que mais o sejam, mas que, em si mesmas, nada têm a ver com a função poética do texto”. - Ao traduzir PAFCs existentes, DiTra não os toma para fundi-los numa síntese superior, generalizá-los, nem combiná-los com idéias novas; por meio de um projeto radical de intertextualidade, que agrega os PAFCs, DiTra transcria-os; dessa maneira, expõe-se aos riscos que envolvem toda audácia e “aventura do involuntário” (Deleuze, 1988, p.270) e transforma, a si próprio, em um Artista do Risco: “Parecia não haver nenhum mérito em traduzir se eu não fosse criar uma obra nova. Poderia haver outras traduções, mas nenhuma semelhante à minha” (Honig apud Milton, 1998, p.132). - Para DiTra, “traduzir é sempre retraduzir, ao sabor das mutações da língua „cativa‟ do original, transpondo-a, e este gesto rompe o dogma de sua unidade e seus complementos – línguas originárias e de destino – e da identidade de todas as línguas, pois a tradução manifesta que o caráter originário é sempre plural” (Matos, 2005, p.146); visto que “a tradução radical libera a forma semiótica oculta no original, no mesmo gesto em que se dessolidariza, aparentemente, de sua superfície comunicativa” (Campos, 2008, p.208; Benjamin, 2011). - DiTra é, assim, um “artista envolvido em uma busca”: “artista inibido – satisfeito somente quando pode deitar as cinzas quentes do seu coração na urna bem acabada que 141

está fora de si próprio. Ou se pode dizer que supera suas repressões na sua conversa íntima com o poeta estrangeiro; e que acaba por elevar suas inibições através da catarse de uma forma desconhecida. A tradução é, até certo ponto, um exorcismo, ou a conjuração através de outro espírito de si mesmo. O tradutor é uma „personagem em busca de um autor‟ – ao descobrir o autor por fora, descobre o autor dentro dele mesmo” (Milton, 1998, p.140). - É que DiTra intui que, ao traduzir, está encontrando uma solução possível para seus próprios problemas de criação (Valéry, 1984; 1991; 1996; 1997; 1998; 2003; 2009). Estrangeiro - Porque alarga as fronteiras da LiM DATiana e “subverte-lhe os dogmas ao influxo do texto estrangeiro” (Campos, 1976, p.35), os PROs DATianos funcionam por meio de bricolagens de conhecimentos e de intuições; buscam agenciamentos de elementos heterogêneos e de acontecimentos emergentes; escutam, vêem, sentem, planejam e desenvolvem processos de singularização artistadora; recuperam as forças de experimentação e fabulam um finito aberto para o infinito; tocam algo do caos circundante (“de-Fora”) e dali retiram “Idéias” para DAT (Deleuze, 1988; 1991). - Em DAT, através de um “dépaysement lingüístico” (Matos, 2005, p.132), como tradutor-escrileitor, DiTra evoca o estrangeiro (ksénos) e o transforma em familiar; bem como abandona o familiar e traduz os PAFCs, em suas forças estrangeiras e distantes, incluindo-os e aproximando-os; fazendo, deles, surgir “mundos possíveis” (Deleuze, 1998). - No aprendizado das línguas de PAFCs, o mais importante, para DiTra, não é aquela língua que ele aprende, mas abandonar a sua própria língua (“só então se a compreende verdadeiramente”); de toda maneira, aquilo que DiTra toma por sua língua não é propriedade sua, já que “uma língua só é um pertencimento se traduzir-se em uma outra que, pela tradução, passa por transmutações, a ponto de não ser mais língua de ninguém” (Matos, 2005, p.147). - DAT, PROs, DiTra: são todos vivências de experimentações da estrangeirização. Escavação - Há, em DiTra, um autor de dicção, como lance inventivo, desde que ele traça, com seus PROs, “uma espécie de língua estrangeira, que não é uma outra língua, nem um dialeto regional redescoberto, mas um devir-outro da língua, uma minoração” (Deleuze, 1997, p.15).

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- Assim, DAT ajuda a revirar a linguagem da Educação, ao escavar “uma língua estrangeira” (LiM), com a qual traduz as línguas originais de PAFCs, pois: “uma língua estrangeira não é escavada na própria língua, sem que toda a linguagem por seu turno sofra uma reviravolta, seja levada a um limite, a um fora ou um avesso que consistem em Visões e Audições que já não pertencem à língua alguma” (Deleuze, 1997, p.16). - Dessa maneira, DAT enseja uma Educação-Artista (EA); uma Ética da Docência (ED); uma Estética da Criação (EC); e uma Experimentação de Pesquisa-Tradução (EPT). Estoque - Concebendo que o sentido de um PAFC “é menos uma coisa pensada do que um movimento de pensamento, menos um movimento do que uma direção” (Bergson, 2006, p.139), as TRAs DATianas, feitas por DiTra, implicam mais do que transportar ou transladar os sentidos de uma língua para outra; o PAFC a ser vertido é recriado, com a consistência de “um estoque de formas, seu domínio das possibilidades de agenciamento estético da língua para a qual o texto é traduzido” (Campos, 1972, p.110). - Para que os PROs de DiTra tenham mérito, eles rompem com a tradição, só que não empreendem novos começos; ao contrário, apropriam-se dos PAFCs estrangeiros e os tornam seus, acrescentando e fazendo ecoar a voz de DiTra, através da TRA: “não se pode manter tudo no original, e a sintaxe da língua-alvo não deve ser influenciada pela sintaxe da língua original. Um dos elementos mais importantes consiste em acrescentar a própria voz do tradutor” à voz original (Milton, 1998, p.83). - Para realizar tal apropriação, DiTra necessita possuir as seguintes qualidades: um “nível curricular”, que o faça aproveitar e selecionar os mais radicais PAFCs de seu tempo; uma “irreverência temática”; um privilegiamento de PAFCs, obras e autores marginalizados, anômalos, que introduziram novas Formas de Expressão e Formas de Conteúdo (FoEFoC) para problemas, temas, questões, pouco ou nada ortodoxos; o uso da “linguagem como instrumento” e a “experiência com os vários elementos de uma língua”; a tecnologia, “o trabalho de estruturação e de ajuste das peças”, “em termos de artesanato” (Milton, 1998, p.209-210; Deleuze, 1991). Combinação - Fica combinado que a Língua de Chegada (LiC) – ou Língua-Alvo (LiA), LínguaMeta (LiMe) – de DAT só pode ser aquela formada pelas forças da língua, do repertório, da perspectiva e do sentido do Pensamento da Diferença Pura (PDP) e das Teorias das Traduções Criadoras (TTC) = PDP + TTC. 143

- A maior responsabilidade de DiTra é agir como um competente, atualizado e avançado escrileitor de PAFCs, que cabem a ele traduzir-transcriar em sua LiC. - Logo, a língua “materna” DATiana é a língua de PDP + TTC, que DiTra usa para liberar “aquela „língua pura‟ (linguagem, diria Pignatari) exilada no idioma estranho” (Campos, 1972, p.110). - Ao realizar DAT, então, DiTra envida esforços por aniquilar-se, diante do PAFC que ele mesmo traduz: “Eu mesmo não sei como separar minha própria voz das vozes precursoras porque as vozes precursoras fornecem uma motivação contínua para a minha. Há duas vozes, duas presenças” (Belitt apud Milton, 1998, p.132). Isomorfia - Nos PROs de recriação dos PAFCs, DiTra possui ampla liberdade de formas à sua disposição: orgânicas, analógicas, miméticas, mais ou menos fiéis ao PAFC original, qualidades musicais, ironia, humor, tragédia, comédia, intertextualidade, metáfrase (TRA literal, palavra por palavra, linha por linha), paráfrase (palavras e sentidos seguidos, não alterados, porém ampliados), imitação, misturas híbridas, etc.; entretanto, DiTra atenta para a necessidade de manter uma “relação de isomorfia” (ou de “paramorfia” – “do sufixo grego pará, „ao lado de‟, como em paródia, „canto paralelo‟”) entre os PAFCs precedentes e as TRAs DATianas; de modo que, operatoriamente, estas consistam em “recriação, ou criação paralela, autônoma porém recíproca” (Campos, 1992, p.35; Benjamin, 2011); o que permite a DiTra “evitar o problema das equivalências sem cair na idéia de tradução-cópia do original” (Oseki-Dépré, 2005, p.214; p.219). - Para Haroldo de Campos (apud Santaella, 2005, p.232), trata-se de uma “plagiotropia” (cujo sinônimo seria “transculturação”), ou seja: “derivado do grego plágios, oblíquo, que não é em linha reta” e que caracteriza “o movimento de derivação ou ramificação por obliqüidade”, “o desenrolar do processo literário como leitura „polifônica‟, antes por desvios do que por um traçado reto, da tradição”. - A TRA de DAT é, acima de tudo, uma vivência interior do mundo e da técnica daquele PAFC que é traduzido, causando “efeitos novos ou variantes, que o original autoriza em sua linha de invenção”; a mira tradutória DATiana é, portanto, “produzir um texto isomórfico em relação à matriz, um texto que, por seu turno, ambicione afirmar-se como um original autônomo, par droit de conquête” (Campos, 1992, p.37; Santaella, 2005, p.225).

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- DiTra não segue o PAFC original, mas domina a TRA, “colocando seu próprio ser dentro dela” (Milton, 1998, p.118); para tal, realiza TRAs que ficam no meio-termo, ou seja, “mais subjetivo do que imitação e mais visceral do que paráfrase”: “Acho que chega um momento para as traduções que têm a intenção de ser fiéis em que se tem de fazer uma escolha entre reproduzir o que é, aparentemente no sentido estrito da palavra, o significado do original, e cair abaixo do nível estético do restante, ou providenciar o que parece, para você, um equivalente próximo. Acredito que sempre escolheria o equivalente próximo em tal caso” (Wilbur apud Milton, 1998, p.137). - Uma das normas básicas da TRA, efetivada por DAT, é “verter não inverter” (Campos,

1986,

p.17);

além

de

não

realizar

“traduções

facilitadas”

(ou

pseudotraduções), feitas com termos preestabelecidos, as quais não possibilitam contato com outro modo de pensamento e do estilo de escrevler; e que, além disso, fingem que foram escritas na LiC DATiana e dão a impressão que todas as línguas são transparentes: “este tipo de tradução nos transmite uma „ilusão do natural‟, como se um texto de partida se desse na língua de chegada” (Milton, 1998, p.167). - Pescador “de si no outro”, DiTra não confia numa TRA que não tenha ligação com o PAFC que traduz; portanto, executa “o trânsito através do não-familiar, para desfamiliarizar-se e reencontrar-se” (Mandelbaum, 2005, p.197). Crítico - O trabalho prévio às TRAs DATianas é crítico, “no sentido poundiano da palavra crítica”, isto é: “uma penetração intensa da mente do autor”; em seguida, o trabalho fazse “técnico”, também “no sentido poundiano da palavra técnica”, qual seja: “uma projeção exata do conteúdo psíquico de alguém e, pois, das coisas em que a mente desse alguém se nutriu” (Kenner apud Campos, 1992, p.37). - Ao desmontar e remontar “a máquina da criação” (Campos, 1992, p.43), que engendrou os PAFCs existentes – como produtos supostamente acabados, em outros planos ou línguas estranhos –, DAT homenageia o conhecimento e a habilidade que os autores tinham sobre aquilo que fizeram. - DiTra traduz o “tom”, em que um PAFC foi dito (escrito, feito), com um acento singular e, permitindo-se uma liberdade de reelaboração, adquire “a mesma absorção clarividente de um outro mundo”; absorve, em função disso, “o ambiente do texto no seu sangue antes que ele possa traduzi-lo com autoridade”; e, a partir daí, aquilo que ele escreve (diz, faz) é o seu próprio texto, “que segue os contornos do texto que está diante de si” (Milton, 1998, p.83). 145

- A TRA feita por DiTra consiste, num primeiro movimento, no gesto de leitura – “forma privilegiada de leitura que é a tradução” (Campos, 1972, p.115) –; numa leitura crítica,“como resultante de uma leitura afiada, detalhada, quase musical” (Mandelbaum, 2005, p.198), que compreende não apenas a descodificação simples de um PAFC, mas, também, o mapeamento das condições (lingüísticas, históricas, intelectuais), em que aquele PAFC foi criado, o espaço que ocupa na língua e na cultura de origem, na literatura e no conjunto da obra daquele autor; o segundo movimento é o trabalho transcriador, no qual, DiTra traça a transversalização do PAFC na DAT. - Toda escrileitura difícil é uma TRA, como afirma Valéry (1956, p.4): “qualquer tipo de escritura que necessita de certo tempo de reflexão é tradução” e “não há nenhuma diferença entre esse tipo de tradução e aquele que envolve transformar um texto de uma língua para outra”; logo, DAT é uma didática eminentemente crítico-vivificadora, que revolve as entranhas do PAFC anterior, para trazê-lo novamente à luz, em outro corpo lingüístico, pragmático, pensamental: “tradução é crítica, como viu Pound melhor que ninguém. Uma das melhores formas de crítica. Ou pelo menos a única verdadeiramente criativa, quando ela – a tradução – é criativa” (Campos, 1978, p.7). Make it New - Por meio de DAT, o velho é tornado novo, seguindo a máxima de Pound Make it New – isto é: “renovar”, “dar nova vida ao passado literário via tradução” (Campos, 1992, p.36) – e funcionando, em conseqüência, ao modo de uma transculturação, como processo de transformação cultural. - Portanto, as TRAs DATianas não buscam qualquer semelhança com o sentido original, “mas por um movimento de amor até o mínimo detalhe, fazer passar em sua própria língua o modo de visar do original” (Benjamin apud Matos, 2005, p.138); assim, o que importa não é a reconstituição da informação semântica de um PAFC; mas, a reconstituição do sistema de signos, como informação estética, em que ele está incorporado, bem como os movimentos de sua linguagem. - Na TRA de um PAFC, este é reconfigurado criadoramente, numa produção que abdica de ser fiel ao significado para se tornar inventiva; na medida em que, deliberadamente, transcende a fidelidade, conquista uma lealdade maior ao espírito do original transladado e ao próprio signo estético, visto como entidade indivisa, em sua realidade material e carga conceitual, perceptiva ou funcional: “uma forma de fidelidade é criar uma obra nova” (Honig apud Milton, 1998, p.132).

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- Em suas operações programáticas, DAT lida com TRA – tanto no aspecto micro dos PROs transcriadores, quanto no aspecto macro, sistêmico, de seleção daquilo a ser traduzido –, guiada pelo valor da incorporação do estrangeiro (do alheio, do estranho), como estratégia de renovação do sistema artístico-cultural-educacional contemporâneo. Texto - Nas confluências isomórficas entre os PAFCs precedentes e aqueles que estão sendo canibalizados, DAT reconhece que está cercada por uma regressão infinita de TRAs (Derrida, 1997). - Como um palimpsesto, DAT minimiza ou devora TRAs já feitas, produzindo a sua própria interpretação dos PAFCs originais. - Para DAT, é impossível julgar qual é a melhor TRA, em relação às anteriores; a não ser com o uso dos critérios de vital, interessante e notável. - O método tradutório DATiano é descritivo, tipológico, cartográfico. - DAT considera que “boas” TRAs são aquelas que atribuem Vita Nuova aos PAFCs: “A tradução dá a impressão de que o original ainda está vivo depois do surgimento da tradução”; isso quando o processo de TRA é de mudança: “movimento que tem a aparência de vida, mas de vida como uma vida depois da vida, porque a tradução também revela a morte do original” (Zohn apud Milton, 1998, p.165). - DAT considera que TRAs “ruins” são aquelas que matam a vitalidade de pensar do PAFC traduzido, tornando-o fácil, trivial, ou forçando-o a fazer “a transmissão inexata de um conteúdo inessencial” (Campos apud Matos, 2005, p.132). - O erro DATiano elementar é conservar o estado da própria LiM, sem deixá-la ser afetada pelas línguas estrangeiras dos PAFCs. - DAT avalia que a maior covardia de DiTra (em face da tarefa impossível de traduzir) é desistir de realizá-la, antes mesmo de tentar, de começar ou de terminar. - DAT concebe uma TRA como elevadamente exitosa se “assumir seu lugar como um texto, não somente como uma tradução, na língua-alvo” (Milton, 1998, p.221); podendo, tal TRA, tornar-se, às vezes, mais importante do que o próprio PAFC original. - Assim, “em vez de um mero substituto esteticamente vacilante, pelo qual o tradutor „fiel‟, à medida que o produz, vai-se apressurando em pedir desculpas quanto ao resultado”, Haroldo de Campos (apud Santaella, 2005, p.226) indica a configuração para as TRAs DATianas: “um texto poeticamente eficaz, minuciosamente trabalhado, autônomo como obra de arte verbal, dentro dos recursos da língua portuguesa, extremados, quando necessário, para responder ao impacto do original. O produto 147

obtido guarda, com o texto de partida, uma relação formal e semântica de „reimaginação‟, para além tanto do rudimentarismo literal, quanto da banalidade explicativa”.

GLOSSÁRIO DA – Didática-Artista DAT – Didática-Artista de Tradução DATiana, DATiano – Derivado de DAT DiTra – Didata-Tradutor EA – Educação-Artista EC – Estética da Criação ED – Ética da Docência EL – Escrileitura EPT – Experimentação de Pesquisa-Tradução ET – Empirismo Transcendental FAC – Filosofia, Arte, Ciência FoC – Forma de Conteúdo FoE – Forma de Expressão FoEFoC – Forma de Expressão + Forma de Conteúdo IN – Inventário LiA – Língua-Alvo LiC – Língua de Chegada LiC DATiana – Língua de Chegada da Didática-Artista de Tradução LiM – Língua Menor LiM DATiana – Língua Menor da Didática-Artista de Tradução LiMe – Língua-Meta PAFC – Percepto, Afecto, Função, Conceito PAFCs – Perceptos, Afectos, Funções, Conceitos PAT – Pedagogia Ativa de Tradução 148

PCG – Procedimento Crítico-Genealógico PDP – Pensamento da Diferença Pura PDP + TTC – Pensamento da Diferença Pura (PDP) + Teorias das Traduções Criadoras (TTC) PEE – Procedimento Exploratório-Experimental PRO – Procedimento PROs – Procedimentos PROs DATianos – Procedimentos da Didática-Artista de Tradução PROsTra – Procedimentos de Tradução PROsTRA de DAT – Procedimentos de Tradução da Didática-Artista de Tradução PROTRA – Procedimento de Tradução TTC – Teorias das Traduções Criadoras TRA – Tradução TRACRI – Tradução-Criação TRA DATiana – Tradução TRANS – Transcriação TRAs – Traduções TRATRANS – Traduções Transcriadoras

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