Diferenças e preconceitos no islamismo africano: uma análise de relatos de Ibn Battuta

May 31, 2017 | Autor: T. Mundstock Jahnke | Categoria: African Studies, Ibn Battuta, Islamismo
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UNIVERDIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INTITUTO DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA MEDIEVAL ORIENTAL

Diferenças e preconceitos no islamismo africano: uma análise de relatos de Ibn Battuta

Teane Mundstock Jahnke (00192184)

Trabalho apresentado como parte da avaliação da disciplina de História Medieval Oriental A (HUM 03037), ministrada pelo professore José Rivair Macedo.

Porto Alegre, julho de 2011

“É muito curiosa a condição de vida desses povos e estranhos os seus costumes” (Ibn Battuta)1

Introdução Ibn Battuta foi um grande viajante marroquino, nascido na cidade de Tânger em 25 de fevereiro de 1304.2 Seu nome era Shams ad-Din Abu Abd Allah Muhammad ibn Muhammad ibn Ibrahim al-Luwati at-Tanyi3, entretando devido a complexidade nome era chamado de Ibn Battuta, ou seja, filho de Battuta. Adepto ao islamismo, de tradição sunita e rito maliquita4, pretendendo realizar peregrinações aos lugares santos, acabou por ser um dos maiores viajantes da idade medieval oriental. Percorrendo, inclusive, a África Subsaariana. Os seus relatos de viagens, rihla, foram ditados, anos depois de suas viagens, a um copista chamado, Ibn Yuazayy. Este manuscrito foi intitulado Tuhfat al-nuzzar fi gharaíb al amsar wa adjaíb al-asfar (Um presente para aqueles que contemplam as Belezas das Cidades e as Maravilhas da Viagem)5. Neste artigo, serão discutido duas partes do Rihla: a viagem até o antigo Mali e as viagens para o Iêmen e a África Oriental. Nestes dois contextos grande parte da população estava convertida ao islamismo, mesmo que existissem tribos e populações não-islâmicas. O Rihla nos traz informações únicas dos costumes, atividade comerciais e cotidianas e diferenças religiosas destes contextos. Ibn Battuta, mesmo tendo, muitas vezes, falas carregadas de preconceitos e descriminações sócio-raciais, também nos traz tons de ironia e graça das aventuras ocorridas. Justamente pelas discriminações sócio-raciais que será elaborada a discussão a seguir, possibilitando vários indícios de discriminação e discutindo as diferenças entre os povos que Ibn Battuta deixa em seus relatos. Considerando a magnitude do islamismo, não é de se estranhar as tamanhas diferenças culturais entre um povo e outro, mesmo que sigam as mesmas ‘leis’ divinas: o corão. As interpretações são variadas e adaptadas às culturas locais. Estas sobreposições de culturas trazem traços de comportamento (social, político e religioso)

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IBN BATTUTA. Voyages. Trad. de C. Defremery e B. R. Sanguinetti. Introdução e notas de Stéphane Yerasimos. Paris: La Découverte, 1997. “Viajem ao Mali”. subcapítulo “A Cidade de Ualata”. 2 MACEDO, José Rivair; MARQUES, Roberto Pôrto. “Uma viagem ao Império do Mali no século XIV: o testemunho da Rihla de Ibn Battuta (1352-1353)”. Ciências & Letras: Revista da FAPA, n. 44, 2008. 3 IBN Battuta Disponível em: . Acesso em: 09 jun. 2011. 4 Ibiden 1 5 MACEDO, Rivair (org). Viajando pela África com Ibn Battuta: suplemento de pesquisa. Brasília: MEC (em curso de publicação).

singulares. O rihla de Ibn Battuta, portanto, é essencial para conhecer e compreender estes contextos de poucas fontes e possibilidades de contato. Os preconceitos: raça, cor e costumes. Durante o Rihla (do Iêmen até a África Oriental e até o antigo Mali) pode-se perceber diversas problemáticas de preconceitos relacionadas à população negra. As falas, muitas vezes, trazem o desconforto e o descontentamento de Ibn Battuta, em relação a esses indivíduos, irmãos de religião, mas estranhos de costumes locais e de tons de pele: estranhos e diferentes de raça e de cor. Estes preconceitos aparecem de diversas formas: em relação à cor e raça (com sentimentos de superioridade ‘branca’), nos tipos de dedicação ao Corão e ao Islamismo, nas relações de gênero e de família, na alimentação, nas vestimentas etc. Nos relatos da viagem ao Iêmen e à África Oriental, estes preconceitos aparecem de forma menos intensa em relação ao relato da viagem ao Mali. Mas, nos dois casos, é perceptível a admiração pelos homens e governantes generosos e a decepção com aqueles que não o são. Essa atitude aparenta estar relacionada diretamente com os escritos do Corão. Na Sura 8, versículo 41, temos: “E sabei que, em todo despojo que capturais, o quinto é de Deus e do Mensageiro e dos parentes e dos órfãos e dos necessitados e dos viajantes (...)”.6 A partir do trecho citado acima podemos compreender por que a cultura de ajudar viajantes, estranhos, órfãos e outros se tornou tão forte. Primeiramente que a parte do poder econômico do individuo deve ser voltado aos ‘irmãos’ em religião. Também, “a viagem era uma expressão religiosa e, ao mesmo tempo, uma forma de construção do saber”7: a viagem como peregrinação ritual, uma obrigação de todo muçulmano; e a viagem como forma de aperfeiçoar e adquirir conhecimentos ajudou a criar e uma mútua necessidade de ajudar os viajantes: acolher, vestir, alimentar e ajudálos economicamente, pois desejaria o mesmo. Os viajantes eram indivíduos normalmente admirados pelos islâmicos8, principalmente pelo adjetivo intrínseco aos viajantes (não comerciantes) de eruditos.

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O ALCORÃO Rio de Janeiro: Acigi, 19??. 355 p. Tradução de Mansour Challita. Sura 8, versículo 41. BISSIO, Beatriz. “A viagem no medievo islâmico: o exemplo de Ibn Battuta”. p.1. In: José MACEDO, Rivair (org). Viajando pela África com Ibn Battuta: suplemento de pesquisa. Brasília: MEC (em curso de publicação). 8 MACEDO, José Rivair; MARQUES, Roberto Pôrto. “Uma viagem ao Império do Mali no século XIV: o testemunho da Rihla de Ibn Battuta (1352-1353)”. Ciências & Letras: Revista da FAPA, n. 44, 2008. P.19 7

Este costume de donativos se tornou quase uma obrigação aos sultões. Assim, àqueles que davam bons presentes eram exaltados nesta qualidade, de ser generoso, pelo Ibn battuta, enquanto os que não o faziam eram chamados de avaros. Assim também são julgadas as pessoas e os povos que receberam Ibn Battuta. Por exemplo, ao descrever Ualata, o primeiro domínio do Sudão diz: “Nesse instante me arrependi de ter vindo a essa terra devido aos maus costumes de seu povo e seu desprezo pelos brancos”9. E, ao comentar de identidades que marcaram sua viagem: “Jamais conheci outro sudanês tão gentil e distinto quanto ele”10. Nos dois casos citados, é possível perceber este desconforto em relação aos sudaneses (negros). O que Ibn Battuta descreveu como desprezo pelos brancos, pode ter sido apenas uma indiferença aos brancos, já que, provavelmente, Ibn Battuta esperava ações submissas, inferiores, dos negros em relação aos brancos. Mas, em contexto de maioria negra percebesse que não havia os sentimentos de inferioridade identificada na antiga poesia árabe por Bernard Lewis no seu texto “Raça e cor no Islã” 11, mas sim um sentimento de diferenciação. A população negra escravizada, em contexto islâmico, de maioria população branca, mostrava-se com sentimentos de inferioridade, já no contexto subsaariano, Ibn Battuta se desconforta com o possível contrário. Na segunda citação, se percebe um grau de espanto com a possibilidade de um sudanês mostrar tão boas qualidades, dando a entender que até mesmo os sudaneses podem ser bons. Os sultões generosos são elogiados por seus presentes. O sultão de Quiloa, Abul-Muzaffar Hasan, é exaltado pelo fato de seus atos de generosidade e “é muito humilde; se senta para comer junto aos pobres e tem grande estima os homens nobres e generosos”.Entretanto, como no caso do sultão (Mansa) Sulaiman, a impressão é contrária: “é um homem avaro, do qual não se pode esperar presentes de valor”12. Os presentes que Ibn Battuta recebeu da Mansa Sulaiman foram de tão pequeno valor que Ibn Battuta pôs-se a rir quando o viu “não passava de três pedaços de pão, um pedaço de carne de gado frita com garti e uma cabaça com coalhada”13. Nas relações familiares e a condição de vida da mulheres, encontramos diversas exaltações. Em Ualata, por exemplo, Ibn Battuta se espanta que os homens não tem 9

IBN BATTUTA. Voyages. Trad. de C. Defremery e B. R. Sanguinetti. Introdução e notas de Stéphane Yerasimos. Paris: La Découverte, 1997. “Viajem ao Mali”. subcapítulo “A Cidade de Ualata”. 10 Ibiden 9. Subcapítulo “A boa hospitalidade sudanesa” 11 LEWIS, Bernard. “Raza y color em El Islam”. Al Andalus (Madrid), vol. 33 n. 1, 1968, pp. 1-51. 12 Ibiden 9. Subcapítulo “No coração do mali”. 13 Idem ibiden 12

ciúmes de suas mulheres, e que os sobrenomes não derivam do pai, mas sim dos tios paternos. Assim como, para ele, não seria concebível que mulheres tivessem amigos, como ocorre na visita à casa de Abu Yankadan, um massufi: “(...) Perguntei ao dono da casa: ‘Quem é essa mulher? ’. E ele respondeu: ‘É minha esposa’. Disse-lhe: ‘E que relação ela tem com o homem que a acompanha?’. E ele respondeu: ‘É seu amigo’. E eu: ‘E está satisfeito com tal coisa, tu, que já viveu em nossas terras e conhece a lei de Deus?’. E ele: ‘Entre nós, a amizade entre homens e mulheres é bem vista e não tem nada de suspeito. Além disso, nossas mulheres não são como as suas’. Fiquei espantado com a sua conivência, tanto que sai da casa e nunca mais voltei mesmo ele tendo me convidado várias vezes.”14 Neste caso, se percebe a concepção islâmica de inferioridade das mulheres. Fato que, devido ao sincretismo cultural entre a cultura local e o islamismo, não foi desenvolvido tal qual pregaria a religião. Neste mesmo modo, Ibn Battuta comenta sobre à terra dos Bardama, um povo berbere: “Entre eles a mulher desfruta de posição superior à dos homens” 15. Neste caso, não temos nenhum comentário que indique diretamente a problemática das mulheres terem posição privilegiada socialmente. Entretanto, a escolha desta singularidade como comentário de identificação a tal povo, também trás questões de estranhamento e preconceito. Vê-se, no trecho acima, um traço de preconceito vindo de Abu Yankadan em relação

às mulheres do povo de Ibn Battuta. Ao dizer que ‘suas’ mulheres não são tal qual as ‘dele’, retrata que as mulheres do povo ‘de lá’ não são confiáveis para terem amizades com homens, seriam elas perfídias? Já Sobre mercadores iemenses, da população “As-Sarya” as mulheres são engrandecidas por suas qualidades, além de serem belas, se casam com homens “forasteiros” e se contentam com pouco, apenas o necessário para alimentar-se e vestir-se.16 Também, no Rihla a alimentação aparece com importância, sendo necessária como meio de sobrevivências. No mesmo sentido da hospitalidade a alimentação é convocada. Sempre que um viajante seria recebido deveria ser bem alimentado e bem vestido. Durante o Rihla foram comentados alimentos que não são bons aos brancos. Ibn Battuta conta, no capitulo “No coração do Mali”: “Dez dias depois de chegarmos comemos uma ‘asida’ feita com algo semelhante ao ‘kalkas’ conhecido entre eles

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IBN BATTUTA. Voyages. Trad. de C. Defremery e B. R. Sanguinetti. Introdução e notas de Stéphane Yerasimos. Paris: La Découverte, 1997. “Viajem ao Mali”. Subcapítulo “A Cidade de Ualata”. 15 Ibiden 14. Subcapítulo “Caravanas e Bérberes do Deserto”. 16 IBN BATTUTA. A través del Islam. Introducción, traducción y notas de Serafín Fanjul y Frederico Arbós. Madrid: Alianza,1987. P. 339.

como ‘kafi’, e que é muito apreciado. Todos ficamos doentes e caímos de cama. Éramos seis e um de nós morreu.”17 Assim como no caso, no capítulo “Rumo ao Mali’ Quando descreve os frutos que por lá dão: Também se extrai da terra uns grão parecidos com favas, que os fritam e comem e que tem gosto parecido com grão-de-bico. Ás vezes eles os moem e fazem uma espécie de bolinho frito com ‘garti’, que é uma fruta parecida com a pêra – dulcíssima, mas muito danosa para os brancos que a comem.18 Não é claro o motivo de estes alimentos fazerem mal aos brancos, mas é interessante notar está possível resistência estomacal diferenciada entre os ‘negros’ e os ‘brancos’. O interessante é que, no mesmo lugar do ocorrido da primeira citação sobre a alimentação, Ibn Battuta é presenteado com o mesmo ‘garti’ que anteriormente ele havia dito que é ruim aos brancos: “O alfaqui Abd al-Wahid trouxe-me dois sacos de ‘funi’ e uma cabaça de ‘garti’. Nos possibilita, esta concidencia, uma discussão sobre o que realmente havia feito mal ao grupo anquela ocasião. Teria sido mesmo ‘asida’, ou poderia a memória estar confundida e ter sido o ‘garti’ que lhes fizeram mal. Sobre a alimentação, Ibn Battuta se espanta com o fato de que alguns povos comem carne impura. A carne impura seria a carne de todo e qualquer animal que não fosse imolado de acorod com o alcorão para depois servir de alimento. No sura 2, versículo173 e no Sura 5, versículo 3: Ele vos proíbe somente o animal morto, o sangue e a carne de porco, e tudo o que tenha sido sacrificado sob a invocação de um nome que não o Seu. 19 São vedados o animal morto (...), os animais estragulados, os animais mortos por espancamento ou de queda ou de chifradae so devorados por feras, exceto os qe imolardes quando ainda com vida.20 Ibn Battuta comenta, no capítulo “Virtudes e defeitos dos sudaneses”, sobre o fato de que muito dos sudaneses comem carne impura e, também, comem cães e asnos.21 Também o caso de quando o seu camelo morreu, em Kuri mansa22, e ele quis vê-lo, mas os sudaneses já o tinham comido. Estranhamento semelhante à alimentação de carne impura, Ibn Battuta demonstra quando chega a um povoado de Tuwat, chamado Buda, em que os moradores se alimentam de tâmaras e gafanhotos: “Os moradores alimentam-se de tâmaras e gafanhotos que

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IBN BATTUTA. Voyages. Trad. de C. Defremery e B. R. Sanguinetti. Introdução e notas de Stéphane Yerasimos. Paris: La Découverte, 1997. “Viajem ao Mali”. Subcapítulo “No coração do Mali”. 18 Ibiden 17. Subcapítulo “Rumo ao Mali” 19 O ALCORÃO Rio de Janeiro: Acigi, 19??. 355 p. Tradução de Mansour Challita. Sura 2, versículo 173. 20 O ALCORÃO Rio de Janeiro: Acigi, 19??. 355 p. Tradução de Mansour Challita. Sura 5, versículo 3. 21 Idem Ibiden 17, Subcapítulo “Virtudes e defeitos dos sudaneses”. 22 Idem ibiden 17. Subcapítulo “As povoações do Vale do Níger”.

por lá dão aos enxames. Saem para caçá-los antes que o sol apareça porque com o frio eles não podem voar”23. Muitos outros fatores culturais, além destes apresentados, demonstram o estranhamento e os preconceitos nas entrelinhas do Rihla. Sendo assim, possibilitou-se uma analise mais profunda relacionada à indumentária.

Singularidade nos discursos de pré-conceitos: a indumentária. A indumentária muçulmana, apesar de não ser assunto principal no discurso de Ibn Battuta, aparece de diversas formas. Primeiramente, precisamos estar atentos ao fato de a vestimenta ser mais do que uma forma de esconder a intimidade e a individualidade, mas sim, “é o produto de uma elaboração coletiva e traz em si significados partilhados (...) [que] em determinados períodos históricos teve implicações jurídicas e sociais muito particulares”.24 Assim a vestimenta tem caráter de distinção. As vestimentas do individuo identificam a que cultura ele pertence, e nos casos do islamismo trazem significado de importância social: tal qual a vestimenta feminina seria “uma indicação importante da virtude da família e da comunidade”25, e nos homens os arranjos do cabelo e da barba serviriam como indicativos de posição dentro dos grupos, dependendo de sua posição política ou religiosas.26 Ibn Battuta repara sobre as vestimentas de diversos modos, como no caso de Ualata, em que “as pessoas vestem boas roupas egípcias”27 ou elogiando as roupas e tecidos finos de uso dos sultões. Assim como nas virtude e defeitos dos sudaneses, os quais se vestem “com boas roupas brancas às sextas-feiras28”. Também descordando nos casos de escravas e mulheres se porem nuas frente ao sultão e sem véu em diversas ocasiões públicas. O Corão não é específico em relação às vestimentas e indumentários. No Sura 24, versículo 31, a respeito do véus das mulheres: "Diz às crentes que baixem o olhar e preservem o pudor, que não exibam de seus adornos além do que aparece 23

IBN BATTUTA. Voyages. Trad. de C. Defremery e B. R. Sanguinetti. Introdução e notas de Stéphane Yerasimos. Paris: La Découverte, 1997. “Viajem ao Mali”. Subcapítulo “Retorno ao Marrocos”. 24 MACEDO, José Rivair. Os sinais da infâmia e o vestuário dos mouros em Portugal nos séculos XIV e XV. Disponível em: . Acesso em: 08 jun. 2011. P. 2 25 SCHOUTEN, Maria Johanna. Modernidade e indumentária: As mulheres islâmicas. Disponível em: . Acesso em: 03 jun. 2011. P. 2. 26 Ibiden 24. P. 9. 27 Ibiden 23. Subcapítulo “Os costumes de Ualata”. 28 Ibiden 23. Subcapítulo “Virtudes e defeitos dos sudaneses”.

necessáriamente. E que abaixem seu véu sobre os seios e não exibam seus adornos senão a seus maridos ou pais ou sogro ou filhos ou enteados ou irmão ou sobrinhos ou damas de companhia ou servas ou criados despojados do apelo sexual ou às crianças que nada sabem da nudez da mulhaer. E não façam tilintar, ao andar, os anéis de seus pés com a intenção de revelar suas jóias escondidas.”29

Também, em relação às mulheres, no Sura 33 e versículos 53 e 59: “E se pedirdes algum objeto às suas esposas, pedi-o através de uma cortina: é mais limpo para vossos corações e para os seus”30 “Ó Profeta, recomenda a tuas esposas e a tuas filhas e às mulheres dos crentes que apertem seus véus em volta delas: é mais provável que sejam assim reconhecidas, evitando ser molestadas”31 Nestes casos, referindo-se sempre em relação à indumentária feminina, não impõem diretamente as ações relacionadas às vestes, mas sim, recomenda. De modo que, as mulheres que bem usarem o véus não serão molestadas, pois não incitariam os desejos masculinos com seus adornos. Além disso, o véu se apresenta como uma espécie de crivo, o qual deixaria o mundo mais ameno ao ser humano, seria mais limpo os desejos, as palavras e as visões. Ibn Battuta em “Os costumes de Ualata”, fala sobre as mulheres mussafis, as quais “não demonstram nenhum pudor frente dos homens nem usam o véu, embora sejam assíduas nas orações.”32, indigna-se com a possibilidade de, mesmo as mulheres sendo religiosas e seguindo o Corão, não usarem véu como o corão propõem (estas mesmas são aquelas que tem amizades com homens que não são da família). Em relação às “Virtudes e defeitos dos sudaneses”, além de as mulheres e suas filhas não usarem véu no rosto frente ao sultão, ainda “ficam sem roupa alguma”.33 E, além disso, escravas e meninas apareçam em público nuas, “com suas vergonhas à mostra”34. O preconceito relacionado às mulheres também nos trazem resquícios de incomodo com as diferenças raciais. Pois, o motivo de estas mulheres não usarem véu aparenta ser um ignorância em relação a isto, na qual, só as inferioridades sudanesas (negras) poderiam aceitar. E, em casos que os homens usam véus, tal qual o sultão Idris, de Bornu, que “sempre aparece em público usando véu”35, demonstra a surpresa e, até mesmo o alívio, de que sudaneses (negros) se adaptem à cultura islâmica que Ibn Battuta conserva.

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O ALCORÃO Rio de Janeiro: Acigi, 19??. 355 p. Tradução de Mansour Challita. Sura 24, versículo 31. 30 Ibiden 29. Sura 33, versículo 53. 31 Idem ibiden 30. Versículo 59. 32 IBN BATTUTA. Voyages. Trad. de C. Defremery e B. R. Sanguinetti. Introdução e notas de Stéphane Yerasimos. Paris: La Découverte, 1997. “Viajem ao Mali”. Subcapítulo “Os costumes de Ualata”. 33 Ibiden 32. Subcapítulo “Virtudes e defeitos dos sudaneses”. 34 Idem ibiden 33. 35 Ibiden 32. Subcapítulo “As minas de cobre de Takada”.

As descrições de vestimentas sempre aparece quando Ibn Battuta se encanta com elas. Tecidos egípcios e peças de seda são altamente valorizados, já demonstrando, em parte, a extensão do comércio deste e de diversos outros produtos. Tecidos finos, principalmente de seda, aparecem no corão como dádivas de Deus àqueles que merecem. Em direção ao Iêmen, ao aportarem em Ra’s Dawaír, encontram um povo negro, o qual se veste com túnicas amarelas e com a cabeça envoltas de cintas vermelhas.36 Neste caso, o colorido, o diferente é admirado e, aparentemente, o estranhamento a isto não tem cunho preconceituoso. A vestimenta branca também é valorizada, principalmente no seu uso das sextas-feiras, dias dedicados às preces religiosas. Em “Virtudes e defeitos dos sudaneses” “Entre as boas qualidades, podem-se citar: (...) – Vestir-se com boas roupas brancas às sextasfeiras. Mesmo aqueles que têm apenas uma camisa, lavam-na para comparecer às orações na mesquita.”. O branco representaria, portanto, um estado de pureza, o limpo, sentimento repassado a cor da pele. O branco é bom, o negro é ruim. As vestimentas indicam as diferenças do sincronismo cultural que o islamismo enfrentou, e essas diferenças foram também motivos de desvalorização e pré-conceito nos relatos de Ibn Battuta.

Conclusão São várias as possibilidades de discussão sobre o preconceito aparente nos discursos de Ibn Battuta. Neste artigo foram comentado alguns de modo que possamos melhor compreender essa diferença de preconceito entre cor, raça e costumes existentes em um contexto histórico e geográfico tão distantes de nosso conhecimento. Bibliografia ALMEIDA, Maria Cândida Ferreira. “Palavras em viagem: um estudo dos relatos de viagem medievais muçulmanos e cristãos”. Revista Afro-Ásia (Salvador), nº 32, 20032005. BARTLETT, Robert. “Medieval and modern concepts of race and ethnicity”. Journal of Medieval and Early Modern Studies, vol. 31 n. 1, 2001, pp. 39-56. BISSIO, Beatriz. “A viagem no medievo islâmico: o exemplo de Ibn Battuta”. In: José FARINHA, Dias. O sufismo e a islamização da África subsaariana. Disponível em: . Acesso em: 02 jun. 2011.

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IBN BATTUTA. Voyages. Trad. de C. Defremery e B. R. Sanguinetti. Introdução e notas de Stéphane Yerasimos. Paris: La Découverte, 1997. “Viajem ao Mali”. Subcapítulo “Virtudes e defeitos dos sudaneses”.

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Maria

Johanna. Modernidade

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As

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véu,

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identidade

e

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. Acesso em: 03 jun. 2011.

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