Diferentes Sujeitos e novas abordagens da educação popular urbana.

July 21, 2017 | Autor: E. Serra | Categoria: Educação popular
Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

DIFERENTES SUJEITOS E NOVAS ABORDAGENS DA EDUCAÇÃO POPULAR URBANA

DISSERTAÇÃO

apresentada

como

exigência

para

obtenção do grau de Mestre em educação na linha de pesquisa Movimentos Sociais e Política Públicas.

ORIENTADORA: PROFª. DRA. LUCIA M.ª WANDERLEY NEVES MESTRANDA: ELIZABETH SERRA OLIVEIRA NITERÓI/2001

ELIZABETH SERRA OLIVEIRA

DEFERENTES SUJEITOS E NOVAS ABORDAGENS DA EDUCAÇÃO POPULAR URBANA

Orientadora: Profª Dra. Lúcia Mª Wanderley Neves

2

BANCA EXAMINADORA

PROFª DRA. MARIA JULIETA COSTA CALAZANS - UERJ

_____________________________________________________________ PROF. DR. GAUDÊNCIO FRIGOTTO – UFF

_________________________________________________________________________

PROFª. DRA. LÚCIA MARIA WANDERLEY NEVES - ORIENTADORA

PROF. DR. JOSÉ RODRIGUES- - UFF (SUPLENTE)

______________________________________________________________

3

DEDICATÓRIA

A TODOS OS EXCLUÍDOS SOCIALMENTE, EM ESPECIAL AS CRIANÇAS E JOVENS: Sem- terra, Sem - trabalho, Sem – moradia, Negros, índios, mulheres, Aos que não perderam a capacidade de se indignar diante das desigualdades sociais, e LUTAM.

4

AGRADECIMENTOS

Minha construção permanente enquanto ser humano, mulher de grandes paixões pela liberdade, justiça e pelas transformações das desigualdades sociais, são fruto da partilha de generosas vidas de homens e mulheres, às quais aproveito este trabalho de dissertação para reconhece-las. A minha mãe Luci, esta mulher feita de resistência e sensibilidade por todos os ensinamentos de vida. Meus irmãos, Francisco, Manuel, João Bosco e Larissa pelo carinho e torcida por este momento. Ao meu padrasto João pelo carinho e admiração. Ao meu grande amor, cúmplice, companheiro e amante Helder Molina, pelos sonhos e projetos empreendidos juntos. Um especial agradecimento às grandes mulheres de minha vida. Elizene, Corrinha, Valdete, Irmã Leticia, Irani, Afonsina, Clara, Cristina, Edenise, Sylvinha, Jaqueline e a Onete um agradecimento também pelas contribuições nessa fase de conclusão do trabalho. E como não poderia deixar de agradecer aos generosos homens amigos, Cícero, Marcelo Santiago, Acrisio Sena, Joaquim, Francisco Gilson, Augusto Lima e Alexandre Bonfim . Durante minha graduação e pós-graduação na Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense inúmeros foram as pessoas responsáveis pelo processo de construção do conhecimento. Até aqui consolidado em função da

5

presença mais constante, geraram uma total identificação de idéias, sonhos e projetos. À minha orientadora Lúcia Neves, com quem divido todos os méritos desse trabalho, obrigado pela sensibilidade e dedicação. Aos educadores, João Batista, Maria Lúcia Oliveira, Léa Calvão, Angela Borba, Jorge Najjar, Felisberta, Osmar Fávero, Eunice Trein, Maria Ciavatta,

lutadores em defesa da escola

pública, gratuita e de qualidade para as classes populares, o meu muito obrigado pelo privilégio da convivência. A generosidade, sensibilidade e fortaleza de um grande mestre educador, Gaudêncio Frigotto, meu reconhecimento por todas as contribuições de conhecimentos e de vida. A Lia Tiriba, pela fortaleza de ser mulher e pela oportunidade de partilhar da pesquisa de seu doutoramento. Um agradecimento todo especial a Dayse Noval e Alexandre Nascimento, integrantes do PVNC, que foram fundamentais no desenvolvimento desse trabalho. Ao projeto Ex-cola, Carlos, Toni, Rosana, Luciene, Simone, Valdir, Leandro, Renato e em especial a todos os jovens do programa de moradia. Ao Nedate, Núcleo de Estudos e Dados sobre Trabalho e Educação e ao Coletivo de Políticas Públicas. Aos colegas de curso, Josiane, Anna Violeta, Claudia Affonso, Marcelo, Cristiano, Edgar e toda a turma de trabalho e educação.

6

SUMÁRIO RESUMO

8

ABSTRACT

9

INTRODUÇÃO

10

CAPÍTULO I -- CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO POPULAR NO BRASIL URBANO-INDUSTRIAL

13

1.1 Movimentos Sociais: Delimitações Conceituais

13

1.2 Movimentos Sociais e Educação Popular no Brasil Urbano-industrial

23

1.3- Educação Popular na História do Brasil Urbano-Industrial

34

1.4 Iniciativas de Educação Popular dos anos 60 aos anos 80

40

CAPÍTULO II- PRESSUPOSTOS OBJETIVOS DAS MUDANÇAS NAS INICIATIVAS DE EDUCAÇÃO POPULAR NO BRASIL DA DÉCADA DE 90 DO SÉCULO XX 54 2.1- Neoliberalismo no Brasil na década de 90 do século XX

54

2.2- Política Educacional Neoliberal

63

2.3- Neoliberalismo e Movimentos Sociais no Brasil nos anos 90.

71

2.4- Educação Popular em tempos neoliberais

75

2.5- Igreja Católica e Educação Política das massas na última década do séc. XX

80

CAPÍTULO III - MOVIMENTO DOS PRÉ-UNIVERSITÁRIOS POPULARES URBANOS: NOVAS DEMANDAS DOS TRABALHADORES POR EDUCAÇÃO? 88 3.1- Conhecendo as primeiras iniciativas de pré-vestibulares populares em nível nacional.

88

3.2 – As Experiências dos Pré-Vestibulares Populares no Estado do Rio de Janeiro

101

3.2.1- Conhecendo o Movimento: Pré-Vestibular para Negros e Carentes

107

3.2.2 - Pré-Vestibular para Negros e Carentes: O Projeto Político-Pedagógico

110

CAPÍTULO IV- CONSIDERAÇÕES FINAIS

119

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

122

ANEXO I – RELAÇÃO DOS NÚCLEOS DE PRÉ-VESTIBULARES POPULARES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 133 ANEXO II – CARTA DE PRINCÍPIOS DO PVNC

137

7

Resumo

Situada no contexto brasileiro, a presente dissertação procura, em primeiro lugar, identificar os pressupostos objetivos e subjetivos que contribuíram para consolidar as experiências dos pré-vestibulares populares urbano no Brasil dos anos 90 do século XX. Outra empreitada consiste em conhecer o projeto político pedagógico do Movimento de Pré-Vestibulares para Negros e Carentes (PVNC), expressão concreta dessas experiências de educação popular. Inicia-se pela atualização do debate acerca das concepções de Movimento Social e de Educação Popular, e o modo como essas concepções vêm se construindo no Brasil urbano-industrial. Em seguida, destaca-se, igualmente, os principais pressupostos objetivos e subjetivos da ideologia e da prática neoliberal que contribuíram para aflorar, na cena brasileira os diferentes sujeitos e as novas abordagens da Educação Popular Urbana na década de 90. Partindo-se dessas análises identifica-se uma nova abordagem no interior do Movimento de Educação Popular nessa década. Trata-se das experiências de núcleos de pré-vestibulares populares urbanos que abordam, dentre outras, a questão da democratização do acesso ao ensino superior. Por fim, utiliza como referência dessas experiências o Movimento de Pré-Vestibulares para Negros e Carentes (PVNC), desenvolvido no estado do Rio de Janeiro, buscando identificar seu projeto político pedagógico.

8

ABSTRACT

9

INTRODUÇÃO O elemento popular “sente”, mas nem sempre compreende ou “sabe”; o elemento intelectual “sabe”, mas nem sempre compreende e especialmente “sente”.(...) O erro do intelectual consiste em crer que se possa saber sem compreender e especialmente sem sentir e ser apaixonado(...) (Gramsci, 1978:101)

“Ô ô ô ô.... o filho do pedreiro vai poder virar doutor!”, foi ouvindo essas palavras de ordem em uma manifestação na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, referente à votação do projeto de lei que determina à reserva de 50% das vagas oferecidas pelas universidades estaduais para alunos oriundos de escolas públicas, que começamos a perceber que existia uma nova demanda dos movimentos sociais por educação. Nas décadas de 70-80, a influência dos movimentos sociais na conformação da consciência popular do direito à educação pública estava ligada ao direito à educação básica e, majoritariamente ao ensino fundamental. Nesse novo contexto apresenta-se uma nova demanda pela democratização do acesso ao ensino superior. Trata-se da reivindicação dos movimentos sociais pela participação de setores populares no ensino superior que se consolida no contexto de reestruturação produtiva, globalização e ideologia neoliberal em curso na década de 90 do século XX. Percebi também que essa demanda por democratização do acesso à educação superior atraiu diferentes sujeitos político coletivos: Movimento Estudantil, Igreja Católica através da Pastoral do Negro, Movimento Negro, Movimento Sindical e Movimento Comunitário.

10

Essas percepções se constituíram em motivação para desenvolvermos a presente dissertação. Assim, elegemos como preocupação maior identificar os pressupostos objetivos e subjetivos que contribuíram para consolidar as experiências dos pré-vestibulares populares urbano no Brasil dos anos 90 do século XX, como também identificar o projeto político do Movimento de Pré-Vestibulares para Negros e Carentes (PVNC), que constitui uma expressão concreta dessas experiências de educação popular. Para percorremos o caminho em busca desses objetivos construímos três movimentos, que se consubstanciaram em capítulos da dissertação. O primeiro capítulo constitui uma tentativa de realizar uma atualização do debate acerca das concepções de Movimento Social e Educação Popular. O resultado dessa análise nos proporcionou a criação das categorias Movimentos Sociais organizados para os trabalhadores e Movimentos Sociais organizados pelos trabalhadores; Educação Popular organizada para os trabalhadores e Educação Popular organizada pelos trabalhadores. Essas categorias se constituíram em ferramentas de análises das experiências concretas de educação popular do Brasil urbano-industrial. No segundo capítulo nos propomos a conhecer os pressupostos objetivos e subjetivos que contribuíram para consolidar as iniciativas de PréVestibulares Populares no Brasil na década de 90 do século XX. Destacamos entre esses pressupostos a nova dinâmica da reestruturação produtiva; as principais características do neoliberalismo; os rumos tomados pela política educacional neoliberal, as metamorfoses dos movimentos sociais nos anos neoliberais, assim como as relações entre Igreja Católica e Movimentos Sociais no mesmo período. No terceiro capítulo situamos os diferentes sujeitos e as novas abordagens da Educação Popular Urbana, tomando como sujeito principal as experiências de pré-vestibulares populares urbanos. Inicialmente fizemos um levantamento não exaustivo das experiências de pré-vestibulares populares em

11

andamento nas diversas regiões do país até o momento. Em seguida realizamos o mesmo levantamento no conjunto das experiências de pré-vestibulares populares no estado do Rio de Janeiro. Ainda nesse capítulo, tomamos como objeto específico de análise o Movimento de Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC), procurando destacar as principais características e os pontos exitosos dessa experiência na construção de um projeto alternativo de organização social e educacional para o Brasil. Finalmente, nas considerações finais procuramos explicitar, nessas novas abordagens de Educação Popular em curso, seus desafios e tensionamentos, os quais buscam se consolidar enquanto estratégia de defesa de uma educação popular e pública em todos os níveis.

12

CAPÍTULO I -- CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO POPULAR NO BRASIL URBANO-INDUSTRIAL Não podemos renunciar à luta pelo exercício de nossa capacidade e de nosso direito de decidir e de romper, sem o que não reinventamos o mundo. Neste sentido insisto em que a história é possibilidade e não determinismo. É impossível entendermos a História como tempo de possibilidade se não reconhecermos o ser humano como ser de decisão, da ruptura ( Paulo Freire, 1995;23).

1.1 Movimentos Sociais: Delimitações Conceituais

A categoria de análise movimento social se insere num complexo emaranhado de significados que a ela foram sendo incorporados ao longo da história. Assim, podemos ter movimentos de diferentes classes e grupos sociais. O tipo de ação social nele envolvido, bem como seus objetivos, serão os elementos indicadores do caráter do movimento. Nesta perspectiva, os estudos que abordam os movimentos sociais nos apresentam diferentes concepções, as quais vão se afirmando no decorrer da história. Gonh (1997), por exemplo, reconhece essas diferenças e os classifica em “quatro paradigmas” (sic) distintos: o neopositivista; o neo-idealista; o culturalista e o histórico-estrutural1. Parece, pois, pertinente delimitar melhor o conceito, as características, bem como a concepção aqui privilegiada. 1 O paradigma neopositivista, formulado especialmente por Blumer (1951), define os movimentos sociais como empreendimentos coletivos para estabelecer uma nova ordem de vida. Segundo o autor os movimentos sociais estão divididos em três categorias: genérica, específica e expressiva. O paradigma neo-idealista, representado por Foucault, Guattari e Delluze tem centro a defesa da autonomia e, diz respeito ao paradigma dos Novos Movimentos Sociais, ou os chamados Movimentos Sociais Alternativos (ecológicos, feministas, de homossexuais, de negros, etc.). Esse paradigma se fundamenta no discurso dos agentes, na ação dos indivíduos. É uma “(...) abordagem micro, centrada na ação social, retrata os atores como movidos por forças internas” (Gonh: 133: 1997). O paradigma culturalista, inspirado em Touraine, Mellucci e Claus Offe, também envolve a categoria dos Novos Movimentos Sociais, mas os definem a partir da identidade coletiva. Este paradigma destaca como

13

Segundo Gonh (1997), movimentos sociais, São ações sociopolíticas construídas por atores sociais coletivos pertencentes a diferentes classes e camadas sociais, articuladas em certos cenários da conjuntura socioeconômica e política de um país, criando um campo político de força social na sociedade civil (...) identidade coletiva para o movimento, a partir dos interesses comuns. Os movimentos participam, portanto da mudança social histórica de um país e o caráter das transformações geradas poderá ser tanto progressista como conservador ou reacionário, dependendo das forças sociopolíticas a que estão articulados (p.252).

De acordo com Cerroni (1986) são características gerais dos movimentos sociais: a) ausência de estruturas estáveis, pela presença de programas setoriais e pela composição geralmente definida por caracteres particulares(sexo, idade, interesses singulares, atividade social etc.; b) duração limitada no tempo e no espaço; c) momentos particulares da vida sócio-política e de ambientes territoriais determinados; d)(...)uma notável inserção na massa e por isso provocam influências importantes sobre a vida política. Exatamente por isso, os movimentos assumem um destaque particular na definição da relação entre vida social e vida política. Tal relação, que geralmente tende a se distender em decorrência da natureza mesma da democracia representativa, reanima-se muitas vezes precisamente por intermédio do nascimento de movimentos de massa; e) vínculo entre os interesses particulares por eles representados e as finalidades gerais da vida política(p.109-110). Ressaltamos que neste estudo estamos classificando tais movimentos a partir de duas dimensões. Uma delas denominamos de movimentos sociais organizados pelos trabalhadores (conhecidos também como movimentos sociais populares). A outra dimensão diz respeito aos movimentos sociais organizados para

características gerais básicas dos Novos Movimentos Sociais, modelos teóricos baseados na cultura (compreendida como expressões de práticas culturais); a negação do marxismo como campo teórico capaz de dar conta da explicação da ação dos indivíduos e o uso da dimensão política, principalmente, no âmbito das relações microssociais e culturais. Ressalta-se que no âmbito dos Novos Movimentos Sociais os atores sociais são analisados, prioritariamente, sob dois aspectos: por meio de suas ações coletivas e pela identidade coletiva criada no processo. Alguns autores apresentam diversas características como marca desses novos movimentos (cf. Jonhston, Laraña e Gusfield (1994:7-8). Já o paradigma histórico-estrutural define as análises cuja preocupação é recuperar as condições de vida da classe trabalhadora, suas lutas, movimentos e projetos. Tal abordagem demarca o caráter de classe presente nos movimentos sociais. Esse paradigma está amparado no referencial marxista e será melhor desenvolvido no decorrer do capítulo.

14

os trabalhadores. Esses últimos classificados por alguns autores como Novos Movimentos Sociais2. É importante frisar que, de acordo com a literatura especifica, “os primeiros adotam categorias e conceitos totalizantes, buscam soluções sistêmicas que implicam ruptura com o modo de produção capitalista. Os últimos, ao contrário, são pragmáticos e pouco ideológicos” (Leher,161: 2000). Camacho (1997), colabora para esta compreensão ao afirmar que: Há movimentos sociais que representam os interesses do povo, assim como há os que reúnem setores dominantes do regime capitalista, os quais não têm interesse de questionar de modo absoluto, nem em transformar totalmente as estruturas de dominação. Ao contrário, pois estes setores recebem benefícios da manutenção destas estruturas. No entanto, interessam-se em questionar fragmentariamente a ordem social e propõem reformas parciais, em seu próprio benefício. Um exemplo claro disto consiste na ação dos movimentos empresariais e patronais, que se dirigem à busca de mudanças que os beneficiam ainda mais, deixando intacta a estrutura de dominação fundamental da sociedade. Em contraste, o questionamento feito pelos movimentos sociais populares é mais radical. Podemos dizer, então, que os movimentos sociais tem duas grandes manifestações: por um lado, aqueles que expressam os interesses dos grupos hegemônicos, e, por outro lado, os que expressam interesses dos grupos populares. Os movimentos sociais do segundo tipo são os que conhecemos como movimentos populares (apud: Scherer-Warren & Krischeke; 1997: 217-8).

Aqui optamos por privilegiar as concepções que incorporam a contribuição de autores marxistas na construção da natureza dos movimentos

2 O que criamos para dignar de movimentos sociais organizados para os trabalhadores – ou movimentos sociais que nascem de iniciativas de fora das organizações dos trabalhadores, portanto, de cima para baixo, no âmbito do Estado Stricto Sensu – Leher (2000) denomina de novas formas de movimentos sociais. As iniciativas desse tipo de movimento, hoje no Brasil, vão desde a educação de jovens e adultos, Comunidade Solidária, a adoção de escola pública pelo chamado “terceiro setor, Organizações Não Governamentais(ONGs), à formação profissional em parceria com os sindicatos de trabalhadores. Ainda de acordo com este autor os movimentos sociais organizados pelos trabalhadores ou movimentos sociais populares são movimentos sociais tradicionais. Esses movimentos, na nossa compreensão, estariam representados pelos movimentos sociais populares urbanos(movimento “Custo de Vida-Carestia, em defesa de transportes públicos, moradia, emprego, etc.); movimento populares rurais(Ligas camponesas, Comissão Pastoral da Terra, Movimento dos Sem-Terra), movimentos sindicais que fizeram nascer a Confederação Geral dos Trabalhadores - CGT, a Central Única dos Trabalhadores - CUT, etc), Movimento estudantil(União Nacional dos Estudantes - UNE, União Nacional dos Estudantes Secundaristas, etc.). já os “movimentos sociais para os trabalhadores”, predominantemente, desenvolvem parcerias com os governos em ações centradas em políticas compensatórias. Afirma o autor que os movimentos sociais para, “indicam novas identidades, valores e interesses capazes de articular a subjetividade como a etnia, o gênero, a opção sexual, a religião, a nacionalidade, o meio ambiente, entre outros”(ibid: 161). Caracterizam-se por desvincular seu locus da dimensão econômico-social.

15

sociais populares. Contribuições que são a base do paradigma histórico-estrutural nos quais, movimentos sociais, quer dizer Movimentos que, operando as contradições de classes, buscam transformações no mundo do trabalho e da vida. Dentro desse enfoque, interessa-nos, de modo especial, identificar as relações desses movimentos sociais no Brasil com a educação popular. Doimo (1995), ao rastrear as origens dos movimentos sociais, salienta que a categoria Movimento Social foi criada por volta de 1840 para designar o surgimento do movimento operário europeu, e posteriormente desenvolvida no âmbito do marxismo, para representar a organização racional da classe trabalhadora em sindicatos e partidos empenhados na transformação das relações capitalistas de produção. Sabemos que o centro das preocupações de Marx foi o estudo da sociedade capitalista, a partir de sua gênese histórica. Fixou no estudo da mercadoria o ponto de partida para a compreensão de todo o processo de acumulação e desenvolvimento das relações sociais capitalistas. Não sendo ênfase, portanto, uma teoria específica sobre os movimentos sociais. No entanto, o desenvolvimento das relações capitalistas no interior das unidades produtivas levou Marx à reflexão sobre uma categoria que, na nossa compreensão, tornar-se-á de grande importância ao estudo do movimento social da classe trabalhadora e da própria burguesia: a práxis social. Conforme argumenta Bottomore a expressão práxis refere-se, em geral, à ação, à atividade, e, no sentido que lhe atribui Marx, à atividade livre, universal, criativa e auto-criativa, por meio da qual o homem cria(faz, produz), e transforma(conforma) seu mundo humano e histórico e a si mesmo; atividade específica ao homem, que o torna basicamente diferente de todos os outros seres (Bottomore, 1998: 293).

Com efeito, em A Ideologia Alemã (1996), Marx afirma na II tese sobre Feuerbach: “É na práxis que o homem deve demonstrar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno de seu pensamento”.(126: 1996). Para 16

Konder (1992), a práxis, na concepção de Marx, não se limitou a unir a theoria e a poiésis, pois envolvia também a atividade política do cidadão (p.128). A práxis política portanto, no nosso entendimento, contribui especialmente para a análise sobre os movimentos sociais. Gonh (1997), aponta nessa mesma direção. Para tanto, cita a carta de Marx dirigida a F. Bolt na qual o autor faz referência à questão dos movimentos da seguinte forma: Assim, além dos distintos movimentos econômicos dos operários, surgem em todos os lugares movimentos políticos, isto é, movimentos de classe, com o objetivo de impor os seus interesses de forma geral, de uma forma que possui força coercitiva-social geral. Se esses movimentos pressupõem certo grau de organização prévia, em compensação eles igualmente significam meios de desenvolver esta organização (“K. Marx to F. Bolt In N. York - 23/11/1891,apud Gonh, ibid, p. 177).

Em Miséria da filosofia, Marx também se refere aos movimentos sociais. Diz textualmente o autor: “Não se diga que o movimento social exclui o movimento político. Jamais haverá movimento político que não seja ao mesmo tempo social” (Marx, apud; Gonh,1997: 178). Entretanto, para Lênin um dos mais importantes seguidores do marxismo, a vanguarda é que seria a responsável por esse tipo de organização. Em sua obra Que fazer? estabelece de forma clara uma distinção entre a organização operária para a luta econômica e para a luta política. Para Lenin o lócus central de organização dos trabalhadores é o partido e o papel vital é desempenhado pelas vanguardas políticas. Podemos perceber a reafirmação desse pensamento na concepção leninista de Partido: Um pequeno núcleo compacto composto de operários, os mais seguros, os mais experimentados e os mais firmes; um núcleo de homens de confiança nos principais bairros ligados segundo todas as regras da ação conspirativa mais estreita; a organização dos revolucionários poderá perfeitamente, com o mais amplo apoio da massa e sem regulamentação alguma, realizar todas as funções que

17

incumbem a uma organização profissional (Lenin, apud: Gonh,1997:181).

Não obstante, vale ressaltar que estas reflexões foram feitas para a situação vivenciada pela classe operária russa, logo não podem ser tomadas como ponto de vista geral do autor. Já em Rosa Luxemburgo, diferentemente de Lênin, percebemos alguns dos fundamentos teórico-filosóficos que ressaltam a importância dos movimentos sociais (por meio da participação das massas) no processo de construção de uma nova realidade social. Gonh (1997) destaca nas obras de Rosa Luxemburgo os seguintes pontos que evidenciam essa posição: 1) a espontaneidade das massas e suas iniciativas criadoras; 2) a possibilidade de vencer etapas do desenvolvimento do capitalismo pelo desenvolvimento gradual de suas contradições; 3) a revolução (...) como um processo relativo à consciência dos homens, é o produto de suas experiências, surge em função delas e atua como força integradora; age em defesa e transmutação dessas mesmas experiências (p.182).

Essa contribuição de Rosa é referendada na obra de Paulo de Castro sobre Rosa Luxemburgo (1961), quando afirma que para a autora, o socialismo pode apenas nascer da experiência e da consciência das massas, das suas necessidades e do seu sentido de responsabilidade e espontaneidade, não podendo de forma alguma pode ser preestabelecido” (apud: Gonh:1997:182). Posteriormente, Gramsci na elaboração de uma teoria ampliada de Estado, ao tratar da problemática da construção da hegemonia popular ou contahegemonia à classe dominante3, irá considerar a cultura popular, e a articulação de elementos dispersos e fragmentados no cotidiano dos indivíduos, como germe e

3

“As idéias (Gedanken) da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes; isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritualmente dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o que faz com que ela sejam submetidas, ao mesmo tempo e em média, as idéias daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual. As idéias dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como idéias; portanto a expressão das relações que tornam uma classe a classe dominante, portanto, as idéias de sua dominação” (Marx, 1996 :72).

18

possibilidade da politização e transformação da consciência das massas. Assim, talvez seja Gramsci o pensador marxista em que se materializa de forma mais ampliada a participação dos movimentos sociais nos processo de socialização da inserção política das massas. Nesse sentido, Estado em sentido amplo, para Gramsci (1991), comporta duas esferas principais: Sociedade Política mais Sociedade Civil.

A

Sociedade Política, que Gramsci também chama de Estado em sentido “estrito” ou Estado-coerção teria sua materialidade nos aparelhos de coerção sob controle das burocracias executivas e policial-militar. Diz o autor: “o elemento Estado-coerção pode ser imaginado em processo de desaparecimento, à medida que se afirmam elementos cada vez mais conspícuos de sociedade regulada (ou Estado ético ou sociedade civil)” (ibid: 149). A Sociedade Civil, de acordo com Gramsci, seria: Formada precisamente pelo conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e/ou difusão das ideologias, compreendendo o sistema escolar, as igrejas, os partidos políticos, os sindicatos, as organizações profissionais, as organização material, da cultura (revistas, jornais, editoras, meios de comunicação de massas), etc. (Coutinho;76:1989).

O Estado para Gramsci é a “sociedade política”, representando o momento da força da coerção e a “sociedade civil” uma rede complexa de materialidades educativas e ideológicas. Sociedade civil é composta de um conjunto de organismos “internos e privados” onde estão situados os movimentos sociais. É nesse espaço que se estabelece a relação do grupo hegemônico com o grupo contrahegemônico. A Sociedade civil torna-se portadora material da função social da hegemonia. Gramsci defende uma relação dialética de “identidade-distinção entre

sociedade civil e sociedade política”. Duas esferas da “superestrutura”,

distintas e relativamente autônomas, mas inseparáveis na prática. Para o autor,

19

a primeira se caracteriza pela elaboração e a difusão das ideologias e dos valores simbólicos que visam a “direção”, e a segunda esfera se caracteriza pelo conjunto dos aparelhos que concentram o monopólio legal da violência e visa a “dominação”(Q.8,p.1028,Apud: Semeraro, 74; 1999).

A distinção entre estas esferas da sociedade é metodológica e não “orgânica”. Ou seja, a sociedade política e sociedade civil não existem de forma independente, existe uma autonomia relativa. O que determina o grau de maior ou menor autonomia são as correlações de forças existentes em determinado momento histórico social. Essa concepção gramsciana de sociedade civil se contrapõe à concepção liberal-burguesa de sociedade civil como o espaço do indivíduo separado e até contraposto à esfera do Estado. Na concepção liberal-burguesa se manifesta uma forte ressignificação e um hipertrofiamento da noção de sociedade civil, como algo desvinculado da esfera econômico-social. “(...) ocorre uma clara delimitação entre, de uma parte, o Estado e, de outra parte, as relações sociais de produção ou, em outras palavras, entre o político e o econômico” (Leher, 2000: 161). Para a concepção liberal-burguesa, a sociedade civil é hoje uma categoria que os organismos internacionais, leia-se Banco Mundial, muito tem valorizado, enquanto esfera do livre mercado. Assim destaca-a como alternativa ao Estado ineficiente, senão vejamos como se expressa, em relação ao seu sentido, um de seus representantes: O significado de “sociedade civil aberta, criadora e ativa” é construída em oposição ao “Estado burocratizado e ineficiente”, típico das economias com forte participação estatal (welfare state), aludindo a processos de participação na esfera do “livre mercado”(Hayek,1998, apud Leher, 2000:160).

Essa concepção de sociedade civil é uma perspectiva compartilhada pelos movimentos sociais para, como parte de um movimento que procura apagar as diferenças de classe, as contradições, com o objetivo de atenuar as tensões sociais e, por conseguinte, as lutas de classe.

20

Com base nessas contribuições podemos perceber o caráter contraditório dos movimentos sociais organizados pelos trabalhadores como movimentos, que dependendo da correlação de forças do momento histórico, fazem parte do processo de alongamento ou socialização da participação política. São, pois aparelhos privados de hegemonia, ou como sugere Coutinho, são “organismos de participação política aos quais se adere voluntariamente (e, por isso, “privados”) e que não se caracterizam pelo uso da repressão”(Coutinho, 1989:76). E, portanto, atuam em um dos espaços importantes para a formação de uma nova ordem intelectual e moral. Assim, pondera ainda Coutinho que de acordo com o método dialético, Gramsci vê o movimento social como um campo de alternativas, como uma luta de tendências, cujo desenlace não está assegurado por nenhum determinismo econômico de sentido unívoco, mas dependente do resultado da luta entre vontades coletivas e organizadas (Coutinho,1989:13).

A compreensão de que o movimento social organizado pelos trabalhadores nasce no seio das lutas populares e, traz consigo a perspectiva de um projeto de classe, também é compartilhada pelo Partido dos Trabalhadores. Diz o documento escrito na ocasião do quinto Encontro Nacional do partido: o movimento popular é uma das frentes de luta de classes. Sua composição social é heterogênea, seus objetivos imediatos bastante diversificados, mas é evidente que [congrega]assalariados e autônomos de baixa renda, em conflito com o Estado, que representa a classe dominante, ou contra setores capitalistas(...).É um movimento de grande potencial na luta pelo socialismo, pois há nele formulados, e em processo de massificação, objetivos e propostas que, se em tese são possíveis dentro do capitalismo, a atual sociedade capitalista não parece ser capaz ou disposta a ceder. Destacam-se, nesse sentido, entre suas bandeiras: a estatização dos serviços de transporte público, saúde e habitação; a participação popular nas decisões e na gestão dos órgãos do Estado e das empresas públicas; o fim da grande propriedade territorial urbana(...) (PT, 1987).

Embora o senso comum venha realçando o caráter emancipatório dos movimentos sociais, advogamos o caráter contraditório desses movimentos. Dessa forma os movimentos sociais se prestam tanto para a conservação quanto para a

21

transformação da sociedade. O caráter conservador ou transformador de um movimento social não se define necessariamente pela sua especificidade, mas pela ligação que estabelece com os diferentes projetos de sociedade em disputa.

22

1.2 Movimentos Sociais e Educação Popular no Brasil Urbano-industrial

A produção cientifica sobre o caráter contraditório dos movimentos sociais no Brasil possui um considerável acúmulo, senão vejamos: Jacobi (1989), Torres Ribeiro e Machado da Silva (1985), Kowarick (1987) Scherrer-Warren (1993) Eder Sader (1995), Doimo (1995), Gohn (1997 e 1995). No Brasil, a existência de movimentos sociais, quer para a conservação quer para a transformação, torna-se mais evidente a partir do período nacional-desenvolvimentista (1945-1964), o qual coincide com governos de características populistas4. Tais governos começam a lançar iniciativas com o intuito de absorver para seus projetos alguns desses movimentos. Esse período trouxe uma grande quantidade de estudos sobre raça, cultura, gênero, costumes, etc. Na luta por hegemonia, os movimentos sociais populares se consubstanciam em expressão de luta no espaço nacional, contribuindo para uma maior socialização da participação política dos indivíduos5. Desde meados da década de 1950, o crescimento da organização popular, por meio de sindicatos (criação da Confederação Geral dos Trabalhadores e das Ligas Camponesas), forçou mudanças na indiferenciação ideológica do populismo, tornando-o cada vez mais criticado pelas teses da esquerda. 4

(...) de acordo com Bobbio o populismo é uma ideologia de síntese, uma ideologia global e cicatrizante. A síntese populista dá-se entre os valores de base em que se fundamenta a cultura tradicional da sociedade em questão e a necessidade de modernização”( Bobbio, 1990, 981). 5 A socialização da participação política acontece através dos sujeitos políticos coletivos, tais como: partido de massa, sindicatos, associações profissionais. Essa socialização se dá em dois níveis. Primeiro, ao agrupar massas humanas e diversificar seus interesses em função de uma crescente divisão do trabalho. A própria dinâmica do capitalismo estimula essa socialização da política, ou seja, contribui para a ampliação do número de pessoas e de grupos empenhados organizadamente na defesa de seus interesses. Em segundo lugar, a possibilidade de que tal crescimento de auto-organização fosse satisfeito resulta da dinâmica do próprio capitalismo á época (Coutinho, 2000: 27).

23

No período da ditadura civil-militar (1964-1985), em especial o período que vai de 1964 a 1974, esses movimentos são obrigados a silenciar e, portanto, buscam se expressar representados por outros sujeitos políticos coletivos6, entre eles a Igreja Católica, especialmente através de seus grupos progressistas. Assim, no Brasil pós 70 do século XX, esses movimentos sociais começam a se expressar com maior visibilidade social e, passam a se denominar por “movimento popular”. Destaca-se desde já uma disputa de valores e representações que qualificava cada campo específico de atuação. De um lado uma leitura referida ao popular, cujas bandeiras eram as da “autonomia”, “independência” e “democracia direta”. Por outro lado, distingue outra concepção que compreende que a base de ações dessas “redes movimentalistas” (Doimo:1995) são apenas de açõesdiretas. Em sua grande maioria, tais movimentos, partem de lutas de ações, como saúde e educação pública, trabalho, moradia, transporte coletivo urbano, saneamento básico, segurança pública, (condições de vida no espaço urbano) direito de cidadania. Vale lembrar que, segundo Coutinho (2000), essa socialização da participação política não se restringiu à classe trabalhadora, outros grupos e camadas sociais também passaram a se organizar. Na medida em que acontece na sociedade a socialização da participação política, o Estado obriga-se a fazer uma mediação maior entre a coerção e a hegemonia. Isto se dá concomitante ao processo de consolidação dos sujeitos políticos coletivos. No que se refere á educação, já a partir de 1980 alguns estudos sobre os movimentos sociais populares começam a relacionar a questão da educação a tais movimentos na tentativa de identificar nas lutas desses movimentos a preocupação com a escola preferencialmente nas periferias urbanas (Spósito,1993). Esses estudos 6

Sujeitos políticos coletivos constitui uma categoria do pensamento gramsciano, a qual dá conta do crescente número de organizações sociais surgidas, na sociedade civil, neste século. Sendo esta, fruto da socialização da participação política provocada pela industrialização, especialmente pelo tipo de industrialização que tem por base a organização cientifica do trabalho. GRAMSCI, 1991.

24

porém não chegaram a envolver a reflexão sobre a dimensão educativa dos movimentos e de suas lutas. De modo geral predomina a polarização que se transformou em marca do pensamento educacional: ou se trata da educação somente através da escola ou não se entra nessa discussão. Paulo Freire (1978,1983,1997) embora não tenha tido exatamente os movimentos sociais como principal objeto de suas análises, em muito contribuiu para o esclarecimento da relação entre movimentos sociais e educação. Essa contribuição aparece na medida em que construiu toda sua reflexão em torno do processo de produção do ser humano como sujeito, da potencialidade educativa da condição de oprimido, bem como do esforço para tentar deixar de sê-lo. O que quer dizer, lutar para transformar a realidade social. “Paulo Freire reproduz em plano próprio a estrutura dinâmica e o método dialético do processo histórico de produção do homem” (Friori: 1983, p. 08).7 Reportando-nos à atualidade, é possível constatar que embora a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº. 9394/96, no seu artigo 1º afirme que a educação tem como espaço educativo, tanto a escola quanto os movimentos sociais, ainda é visível na nossa sociedade, uma tentativa de privilegiar-se a escola como espaço de educação em detrimento das possibilidades educativas dos movimentos sociais. Vejamos o que reza a Lei: Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil (grifo nosso) e nas manifestações culturais (LDB, 2000: 09).

Embora a escola e os movimentos sociais eduquem de forma específica ambos têm em comum o sentido político da educação. Cabe, portanto, ressaltar o caráter educativo manifesto nestas experiências, assim como constatar os espaços das práticas sociais como lugares adequados ao desenvolvimento de uma educação crítica e emancipatória. Isto é, os Movimentos Sociais e/ou Movimentos

7

Cf. Ernani Friori no prefácio à Pedagogia do Oprimido( 1983).

25

Populares devem ser vistos como espaços de Educação Popular, conceito, do nosso ponto de vista, um tanto problemático, ao qual voltaremos mais adiante com vista a uma delimitação de concepção, posto que antes de discuti-lo parece pertinente uma rápida referência ao termo popular. Partimos, pois, da noção de que as idéias de povo e de popular vão adquirindo, no Brasil, novas significações de acordo com cada momento do processo histórico. Chauí (1983), por exemplo, observa que em nome das idéias de povo e de popular, muitas coisas já foram feitas: presidentes foram eleitos, ou renunciaram; plebiscitos e reformas de base foram propostas; conspirações e golpe, realizados; imperialistas atacados; mundos livres e igualitários, aclamados; e várias outras ações. Referindo-se ao conceito de povo, Cerroni (1986), afirma que “povo é tanto um conjunto de entes naturais humanos, quanto um conjunto de sujeitos políticos” (p.116). O autor ressalta, ainda, a importância que esses grupos vão adquirindo na vida política (partidos, corpos representativos, associações), assim como a cultura política dos cidadãos que compõem o povo, posto que “os cidadãos são cada vez mais chamados a se tornarem eles mesmos protagonistas da mediação política” (Cerroni, 1986:116). Por sua vez, Doimo (1995) argumenta que em alguns momentos de nossa história o “povo” foi apresentado como um sujeito periférico e suspeito. Em outros momentos ele vai adquirindo legitimidade através de suas lutas e passa a ser especificado conceitualmente como segmento de classe: a classe operária, especialmente a industrial; as massas trabalhadoras do campo, especialmente aquelas em condições de proletarização; a intelectualidade, passível de desenvolver consciência revolucionária”. “Logo, o sentido de povo é amplamente recuperado e reelaborado: de clientela cativa, passa a ser vista como aquela que não se deixa cooptar e manipular; de massa amorfa, torna-se coletivo organizado e predisposto à participação continuada na luta por seus interesses (Doimo, 1995: 124).

26

Para Doimo (1995), a idéia de “povo” em geral, sempre foi uma idéia imprecisa, de forte tradição populista, sinônimo de alianças de classe e ao acobertamento das suas diferenças fundamentais. Não obstante, com o processo democrático, a referida categoria vai ganhando novo significado. A partir dos autores citados distinguimos formas distintas de conceituar povo. Nota-se que o conceito, ora, aparece como termo designador de grupos de indivíduos dispersos, segregados; ora como noção de sujeito individual e coletivo organizado e em luta. Outra forma de emprego do conceito remete-o à idéia de uma vanguarda que se manifesta enquanto força política, que, no entanto, está completamente afastada do popular que pretensamente representa. Diante dessa diversidade conceitual, esclarecemos que, neste trabalho nos referiremos a “povo” como vocábulo designador de sujeitos políticos coletivos, ou seja, “povo” “como possível sujeito de vida política” (Bobbio; 1992: 987). Compreender povo como sujeito político coletivo, decorre do entendimento de que o homem se define por seus intercâmbios sociais concretos, e que, esses intercâmbios se dão sob a forma de relações de classes. Insistimos que na sociedade capitalista distinguem-se duas classes fundamentais antagônicas: burguesia e classe trabalhadora. Todavia, em decorrência da complexidade social crescente, a definição da classe trabalhadora como social fundamental demanda maior amplitude, quer dizer, o momento histórico exige maior abertura conceitual em torno da compreensão de classe social. Hoje, o confronto entre as classes toma novas dimensões a partir da redefinição dos diversos grupos ou camadas que constituem a classe trabalhadora. Classe social é, portanto, uma categoria que se constitui historicamente. Aqui, faz-se necessário a abertura de um parêntese para inserir duas ou três palavras sobre o conceito de classe, já que é um conceito diretamente implicado na definição de educação popular. Na perspectiva de Cerroni (1986), do ponto de vista teórico, a noção mais exata, portanto mais útil de classe é aquela que se define por meio da contraposição à idéia de estamento ou camada social. Argumenta o autor que (...) 27

enquanto o estamento (stand) é um grupo social politicamente vinculado, a classe é essencialmente um grupo social com estrutura móvel, no sentido de que o indivíduo que dela não faz parte nela pode ingressar” (p.119). Ressalta, porém que um dos componentes relevantes da moderna teoria das classes continua sendo a referência à relação de produção. Assim, a (...) sociedade com classes móveis separa-se em dois grandes grupos ou classes diferenciados entre si pelo caráter dirigente ou subalterno das funções no que diz respeito à disponibilidade e à gestão dos fundamentais meios de produção (Cerroni, 1986: 120-21).

Bobbio (1992) ao se referir ao conceito de classe em Marx ressalta que, na concepção marxiana, a relação de produção é o referencial da teoria das classes. Logo, As classes são expressão do modo de produzir da sociedade no sentido de que o próprio modo de produção se define pelas relações que intermedeiam entre as classes sociais, e tais relações dependem da relação das classes com os instrumentos de produção. Numa sociedade em o modo de produção capitalista domine, sem contrates, em estado puro, as classes se reduziram fundamentalmente a duas: a burguesia(..) e o proletariado (Bobbio, 171; 1992).

Todavia, como bem lembra o próprio Bobbio, ao falar da perspectiva de classe marxiana é fundamental ter em conta que Marx também nos fala que, “os indivíduos formam uma classe só quando estão comprometidos na luta comum contra uma outra classe” (Marx, apud Bobbio,1992:172). Isto porque a manifestação de interesses comuns e a realização dos que vivem sob as mesmas condições de exploração criam a possibilidade de uma consciência de classe. Quando as classes conscientes geram um movimento social e uma organização de classe, desenvolve uma ideologia própria de classe (Scherer-Warren; apud: Gonh, 1997: 177).

Referindo-se mais recentemente ao conceito de classe Limoeiro Cardoso (1978), utiliza o conceito subalterno para designar Todos os segmentos da sociedade capitalista que não possuem os meios de produção e estão, portanto, sob o domínio econômico, político e ideológico das classes

28

que representam o capital no conjunto das relações de produção e das relações de poder: assalariados dos setores caracterizados como primário, secundário e terciários (elementos dos setores produtivos e improdutivo); os que exercem atividade manual e os que exercem atividades não-manual e intelectual. Incluem-se, ainda, os segmentos não-incorporados, ao mercado de trabalho que são os trabalhadores em potencial, inclusive o exército industrial de reserva, que é um segmento extremamente funcional no capitalismo (p. 62).

Antunes (1999), atualizando o conceito de classe, denomina de “classe-que-vive-do-trabalho” a classe social à qual pertencem os trabalhadores, isto é, classe que efetivamente vive do trabalho. Para ele a classe–que-vive-do-trabalho, a classe trabalhadora, hoje inclui a totalidade daqueles que vendem sua força de trabalho, tendo como núcleo central os trabalhadores produtivos .Ela não se restringe, portanto, ao trabalho manual direto, mas incorpora a totalidade do trabalho social, a totalidade do trabalho coletivo assalariado. Mas a classe-que-vive-do-trabalho engloba também os trabalhadores improdutivos, aqueles cujas formas de trabalho são utilizadas como serviço, seja para uso público ou para o capitalista, e que não se constituem como elemento diretamente produtivo, como elemento vivo do processo de valorização do capital e de criação de mais-valia (Antunes, 1999: 102).

Voltando ao tema da educação popular, podemos dizer que neste campo, o adjetivo popular se converte em qualificativo de uma educação peculiar. De modo geral, tem sido denominado de educação popular toda ação educativa destinada aos jovens e adultos desenvolvida por instituições públicas ou privadas. Essa não tem sido, no entanto, uma compreensão consensual entre os que estudam e/ou trabalham nesse campo. Percebemos que muitas são as dificuldades apresentadas nessa conceituação da educação popular. A primeira consiste na dificuldade de recuperarmos uma concepção mais universal de educação, isto é, de uma concepção na qual a educação seja entendida como formação humana na perspectiva da emancipação e da transformação social. Ou seja, reconhecer os processos 29

educativos presentes tanto na escola como fora da escola. A segunda dificuldade também se refere à compreensão de formação. Compreender a escola como espaço de formação, implica em vinculá-la diretamente aos processos sociais concretos, portanto, escola como lugar também da educação popular. Vencer essa dificuldade significa romper com toda uma tradição no pensamento educacional, que concebe como educação, apenas aquela ministrada dentro da escola e, como educação popular, a prática formativa desenvolvida fora da escola. Nesse sentido, a educação popular no Brasil e na América Latina tem sua trajetória marcada pela ênfase nas práticas educativas que se desenvolvem fora da escola. Não obstante, a luta dos movimentos populares por escola pública de qualidade vem contribuindo para que seja rompida esta separação estanque, exigindo um lugar efetivo para a educação do povo na escola. A terceira dificuldade refere-se à pouca importância atribuída historicamente, pela sociedade brasileira e, consequentemente, pelas políticas públicas do país a esse tipo de ação educativa. Uma quarta dificuldade advém da pouca delimitação da especificidade desse tipo de educação, ou seja, do pouco entendimento sobre as práticas-político-pedagógicas, características desse tipo de intervenção social. Outra dificuldade ainda apresentada na conceituação da educação popular diz respeito à explicitação do termo popular, que qualifica essa educação. Nessa perspectiva Beisiegel (1982), ressalta que o uso indiscriminado do termo popular para designar apenas as ações no campo educacional voltadas para a população de jovens e adultos, termina por diluir o caráter de classe dessas intervenções educativas. Essa interpretação aponta, segundo o autor, para a compreensão de: uma educação concebida pelas ‘elites intelectuais’ com vistas à preparação da coletividade para a realização de certos fins. É nestas modalidades da ‘educação do povo’ que o processo educativo explicita com maior clareza suas dimensões ideológicas e suas funções de controle social (Beisiegel, 1982: 46).

30

Entretanto, esse mesmo autor argumenta que o conceito de popular adquire diferentes significados na medida em que as atividades a ele atribuídas se orientam para os segmentos ‘populares’ da coletividade, e sua condição de classe e às potencialidades transformadoras são inerentes a essa condição”(ibid: 50). Wanderley (1986), reforçando essa perspectiva teórico-metodológica na abordagem da educação popular, concebe-a como um trabalho pedagógico voltado para a construção de uma sociedade cujo poder esteja sendo construído pelos segmentos responsáveis pela produção social – os trabalhadores. Tratar-se-ia, então, de uma “educação sócio-transformadora”. Logo, o elemento distintivo da educação popular em relação às outras modalidades de educação é “a sua proposta e práxis8 direcionadas para a efetiva transformação do homem, da sociedade e do Estado” (Rodrigues, 1999: 21). Por sua vez, Brandão (1994) vem contribuir para a construção de um novo conceito de educação popular, quando inclui a escola igualmente como lócus onde essa educação pode acontecer. O autor em tela apresentando três alternativas de modelos de educação com as classes populares: 1)Modelos de educação produtores de ‘benefícios do saber escolar’ (alfabetização, supletivo, etc.), associados direta ou indiretamente a agências mediadoras de controle do trabalho de organização popular; 2)Modelos de educação associados direta ou indiretamente ao trabalho político dos movimentos populares de libertação social através da construção histórica de uma nova hegemonia; .3) Modelos de educação tornados expressão de todo um sistema de trabalho educacional em sociedade transformadas através do trabalho político das classes populares (p.43).

A partir dessas concepções de educação popular, e também em função da análise da natureza dos movimentos sociais realizada anteriormente, compreendemos que o que define a educação popular é o caráter políticopedagógico, assim como seu projeto político-ideológico que, em última instância,

8

Estamos utilizando práxis na concepção marxista, na qual “práxis é toda atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva e, para poderem alterá-la, transformam-se a si mesmos” (Konder, 1992:128) .

31

definem-na como uma prática social que, trabalhando, fundamentalmente com o conhecimento, tem uma intencionalidade e objetivos políticos, “é indistintamente, um espaço de participação social e um método de ação política” (Gajardo, 1995: 191). Conforme frisamos, ao longo da nossa história, a literatura sobre a educação popular apresenta concepções distintas quanto à natureza da educação popular. A primeira delas reporta-se à educação popular como aquela destinada à alfabetização de jovens e adultos, concentrando suas atividades no espaço escolar. A segunda reserva à educação popular um caráter exclusivamente transformador, concentrando suas ações predominantemente fora do espaço escolar. A terceira, e mais recente, compreende a educação popular como uma educação política da classe trabalhadora, tanto numa perspectiva emancipatória como numa perspectiva de conformação ao status quo. Essa concepção advoga serem a escola e sociedade espaços legítimos de educação popular. Isto significa que as iniciativas de educação popular, em cada momento histórico, podem se identificar tanto com iniciativas da classe trabalhadora, como com o projeto dominante de sociedade. O próprio leitor poderá fazer o exercício de identificar essas concepções nas diversas experiências a que nos referiremos no decorrer desse trabalho. Insistimos que a distinção entre a educação popular e as outras modalidades educacionais localiza-se em sua proposta de “práxis política” direcionada para a efetiva transformação do homem e da sociedade. Tomando como referência investigativa a luta do movimento de prévestibulares populares em prol do acesso ao conhecimento cientifico e tecnológico, somos instigados a perceber que a educação popular não é mais uma “educação pobre”, no sentido do saber mínimo (alfabetização), para satisfazer a camada social mais pobre. É notório que se coloca, de forma bem mais clara para a classe

32

trabalhadora, a tarefa da educação popular, ou seja, a educação destinada a formar seus novos intelectuais orgânicos9 no exato sentido gramsciano.

9

Vale lembrar que para Gramsci todos os homens são intelectuais, apesar de nem todos exercerem a função de intelectual, por isso mesmo, cada classe gera seus intelectuais, portanto, o intelectual orgânico está estritamente ligado à classe, representando a consciência dessa classe (Gramsci, 1971: 97).

33

1.3- Educação Popular na História do Brasil Urbano-Industrial

A estruturação do Brasil Urbano-Industrial é marcada por profundas transformações. De sociedade predominantemente rural, passamos para uma sociedade urbana, por conseguinte, da produção no campo para a produção na cidade; de um modelo econômico agrário-exportador para um modelo UrbanoIndustrial. Tratou-se da vitória do projeto liberal-industrializante, que se sobrepondo às elites conservadoras rurais, delineará, de forma gradual um novo cenário para a nação: a cidade passa gradativamente a ser objeto de atenção das políticas públicas. Passa a existir um investimento em infra-estrutura voltado para reprodução plena do capital e, para a conformação técnica e ético-política das frações urbanas da classe trabalhadora; as indústrias crescem na região sudeste do país; as correntes de imigração estrangeira vão sendo substituídas pelas migrações em âmbito nacional, especialmente da região nordeste para a região sudeste, pólo dinâmico da economia. No período do Estado Novo (1930-1945), contraditoriamente, ao mesmo tempo em que o Estado passava a trazer para seu domínio os sindicatos, as camadas empobrecidas da população, vêem surgir a possibilidade de concretização de algumas de suas reivindicações relativas aos direitos sociais, as quais eram agora implementadas pelo Estado. A principal dessas conquistas diz respeito ao aparecimento de uma legislação trabalhista. Torna-se legal o que até então era tratado como “caso de polícia”. Naturalmente, esse processo foi fruto da pressão exercida pelas massas operárias em luta pelos seus diretos.

34

A situação política brasileira encontrava-se, portanto, nesse período em grande processo de mudanças. Segundo Gomes (1994): Inaugurou-se a partir de 1935 um novo quadro na vida política brasileira e, em especial, na dinâmica das relações Estado/classe trabalhadora. Se em 1920 a questão social foi definida como uma questão policiale os anarquistas foram apontados como “inimigo objetivo”- em 1935 ela iria ser definida como uma questão de segurança nacional e o mesmo tipo de discurso acusatório iria se voltar contra uma categoria: os comunistas (p.163).

No final da era Vargas (1945), define-se um novo cenário econômico e político para o Brasil, o qual acena com o aperfeiçoamento no processo de desenvolvimento de “substituição de importações”, que está na base do crescimento industrial do país. Do ponto de vista político, tem início uma maior inserção das massas que, de forma mais intensa, vão contribuindo com sua participação efetiva na definição dos rumos da sociedade. Esta é uma interpretação compartilhada também por Gonh, para a autora, “as classes populares começam a emergir como atores históricos sob novos prismas. Paulatinamente vão deixando de ser apenas caso de polícia e se transformando em cidadãos com alguns direitos, como os trabalhistas” (1995: 81). Em decorrência dessas transformações, é gerada uma demanda por mais escolarização, cujo objetivo maior era preparar mão-de-obra para atender às novas exigências do parque industrial em expansão, assim como conformar10 parcelas da classe trabalhadora à nova cultura Urbano-Industrial. Têm início, também, em meio a esse processo, as primeiras iniciativas no campo da educação popular. Paiva (1987) diagnostica seu surgimento a partir do processo de institucionalização da educação de adultos (1940-1950), em face da evidência de grandes contingentes de analfabetos ou defasados escolares.

10 Termo utilizado no sentido gramsciano de sociabilidade.

35

Para Brandão (1984) 11, a educação popular no Brasil surge em meio à luta por educação pública, mas, em seguida ela se desenvolve à margem da educação de adultos e, aos poucos, afirma-se contra ela, no sentido de que a educação popular,

apesar de todo o apelo nacional-populista nesse momento,

vislumbra ter uma atuação política também fora dos muros das classes de alfabetização. É nesse momento da institucionalização da ideologia do nacionaldesenvolvimentismo que a educação de jovens e adultos passa a ser implementada, recebendo ajuda externa da UNESCO, órgão vinculado à ONU, criado em 1945, para implementar, dentre outras iniciativas, aquelas voltadas para alfabetização de adultos. Passou-se, a partir de então, a estimular a criação de programas nacionais de educação de adultos analfabetos, sendo inclusive elaborado um conceito de educação funcional como: um processo global e integrado, de formação técnica e profissional do adulto – em sua forma inicial – feito em função da vida e das necessidades do trabalho; um processo educativo diversificado, que tem por objetivo converter os analfabetos conscientes e eficazes na produção e no desenvolvimento em geral. Do ponto de vista econômico, a alfabetização funcional tende a dar aos adultos iletrados os recursos pessoais apropriados para trabalhar, produzir e consumir mais e melhor. Do ponto de vista social a facilitarlhes sua passagem de uma cultura oral a uma escrita, a contribuir para sua melhoria pessoal e de grupo (Beisiegel, 1974: 83).

Percebe-se que o conceito de educação produzido pela UNESCO tem como objetivo enfatizar a relação entre educação e desenvolvimento, isto é, vê a educação como pré-requisito para inserção plena dos indivíduos no mundo da produção. A ação da UNESCO se concentrou especialmente nas regiões norte e nordeste, regiões mais pobres economicamente, onde o número de analfabetos era superior à média nacional de 55% da população brasileira, maior de 18 anos

11 BRANDÃO observa que a educação popular surge nos países da América Latina, “sob governos emancipatórios e ou nacional-populistas, e, sobretudo, em períodos de industrialização, com a tarefa de alfabetizar “em massa”, surge como emergência social, e gera inicialmente campanhas, movimentos e até “bandeiras” (1984, p. 27).

36

(Recenseamento de 1940) . Nessa mesma época, o governo federal cria, pelo decreto n.º 19513, o Fundo Nacional de Ensino Primário. Esse decreto determina a concessão de auxílio federal ao ensino primário e estabelece que 25% destes recursos sejam aplicados em um plano geral de ensino supletivo, destinados para adolescentes e adultos analfabetos. Esse procedimento marcou o início da institucionalização da educação de adultos pela União. Em janeiro de 1947, atendendo ainda aos apelos da UNESCO iniciamse no país, de forma mais intensa, as campanhas de educação de adultos voltadas para a educação de base e, no caso brasileiro, quase que somente para o processo de alfabetização. A respeito das intenções da Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), Vanilda Paiva comenta: a educação dos adultos convertia-se num requisito indispensável para “uma melhor reorganização social com sentido democrático e num recurso social da maior importância”, para desenvolver entre as populações marginalizadas o sentido de ajustamento social. A campanha significava o combate ao marginalismo, conforme pronunciamento de Lourenço Filho: “ devemos educar os adultos, antes de tudo, para que esse marginalismo desapareça, e o país possa ser mais coeso e mais solidário; devemos educá-los para que cada homem ou mulher melhor possa ajustar-se à vida social e às preocupações de bem-estar e progresso social. E devemos educá-los porque essa é a obra de defesa nacional, porque concorrerá para que todos melhor saibam defender a saúde, trabalhar mais eficientemente, viver melhor em seu próprio lar e na sociedade em geral (1984: 179).

Em meio ao processo de redemocratização do país iniciado em 1945, acontece o Primeiro Congresso de Educação de Adultos (1947), sob o slogan de que “Ser brasileiro é ser alfabetizado”. Destaca-se, então, a importância da educação de adultos para o pleno funcionamento da democracia, defendendo-se a alfabetização em nome do exercício da cidadania em especial, como forma de participação política.

37

O Segundo Congresso de Educação de adultos, só vem acontecer no entanto, em 1958, durante o governo de Jucelino Kubitschek.12 Esse congresso discute o papel da educação de adultos na resolução dos problemas criados pelo desenvolvimento econômico, e busca traçar novas diretrizes para a educação de adultos no país. Note-se que o sentido político desses Congressos demonstra todo empenho do Estado, estrito senso, através de seus governos em controlar e dar direção a essa modalidade educacional. Somente no meio rural a educação de adultos consegue desenvolver outras ações educativas que não estavam voltadas apenas para o processo de alfabetização. São experiências desenvolvidas através da Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) e, promovidas pelos Ministérios de Educação, Saúde e Agricultura. Em particular, as missões rurais foram criadas a partir da experiência mexicana e, utilizaram metodologias de educação comunitária com equipe interdisciplinar de técnicos que, através de diretrizes técnicas e processos educativos e assistenciais, tentaram contribuir para melhorar as condições de vida econômica e sanitária das comunidades rurais. Outra iniciativa que merece ser resgatada, ainda, no período nacional-desenvolvimentista, diz respeito aos Centros de Treinamento destinados aos professores leigos, os quais tinham como incumbência a preparação de filhos de agricultores para atividades agrárias, bem como a preparação de técnicos em audiovisuais voltados para a educação popular. Percebe-se que, entre os anos 40 e 50 a educação popular esteve estritamente vinculada às iniciativas de institucionalização da educação de adultos. Utiliza-se o modelo de campanhas somente para a expansão do ensino elementar, localizada no âmbito do sistema formal de educação, com preocupações educativas voltadas para a alfabetização. Essas experiências não chegaram a vivenciar o desenvolvimento de outras metodologias que contribuísse para uma nova concepção de educação, ampla e dinâmica, que compreendessem todos os espaços sociais 12

Esse é o período em que a formação de recursos humanos é a prioridade na educação, devido a expansão do crescimento econômico, a relação “educação e desenvolvimento” começa a se manifestar através da teoria do capital humano.

38

como espaço de formação humana. São iniciativas predominantemente, criadas para a classe trabalhadora. É nesse terreno de disputa de hegemonia que especialmente na década de 50, são gestados as iniciativas populares e a produção teórica que serão o germe dos movimentos de base dos anos subseqüentes.

39

1.4 Iniciativas de Educação Popular dos anos 60 aos anos 80

No período entre 1960 e 1963, em meio ao crescimento da participação popular na arena política, especialmente no governo João Goulart, as iniciativas da sociedade civil reforçam a atuação dos sujeitos políticos coletivos (Igreja Católica, Partido Comunista Brasileiro, União Nacional dos Estudantes, Governos Populares, etc.), que têm entre os seus horizontes políticos e sociais a promoção de cultura popular e da educação popular. Com esse objetivo, os movimentos sociais populares e instituições da sociedade se uniram objetivando, através de esforços comuns, ampliar e consolidar mecanismos de participação popular no processo político. Até o golpe de 31 de março de 1964, a relação entre governos progressistas e movimentos populares voltados para a educação popular foi de colaboração. Isto é, no sentido de desenvolver esforços para concretizar as propostas do populismo e do desenvolvimentismo brasileiro. Nascem aí alguns dos movimentos mais expressivos de educação e cultura popular do Brasil. São expressões desse movimento 13: o Movimento de Cultura Popular (MCP), o Movimento de Educação de Base (MEB), Centro Popular de Cultura (CPC), e a Campanha “De pé no chão também se aprende a ler”. A partir de então a educação e a cultura não mais se prestavam à simples formação do eleitorado. Passam a ser consideradas instrumentos de transformação da estrutura social, como espaços de formação de seres conscientes,

13

Para um estudo mais aprofundado da memória dos anos 60, ver a coletânea de documentos produzida pelos movimentos que se destacaram nesse período. A coletânea foi organizada por Osmar Fávero, intitulada Cultura Popular e Educação Popular: memória dos anos 60, Rio de Janeiro, Graal, 1983.

40

críticos e participantes. Depois dessa data essa relação entre sociedade política e sociedade civil é marcada por profunda repressão da primeira sobre a segunda. O Movimento de Cultura Popular (MCP) foi criado inicialmente em Recife, sendo estendido para outras cidades do interior de Pernambuco. Esse movimento sofreu influência socialista e cristã. Tendo entre seus objetivos: compreender a cultura popular, ou seja, interpretar adequadamente e sistematizar aquilo que houvesse de mais específico e significativo na cultura do povo, valorizando a produção cultural das massas e criando condições para que o povo pudesse não somente produzir como também usufruir de sua própria cultura ( Paiva,1987: 237).

Para atingir tais objetivos, o MCP organizava suas escolas como Associações de Cultura Popular que serviam de ponto de partida para a participação de todos nas atividades culturais espontâneas da comunidade e naquelas promovidas pelo próprio movimento. É nesses aparelhos privados de hegemonia da sociedade civil que se intensifica, nesse período, uma maior socialização da participação política. Diversos movimentos o confirmam, senão vejamos: O Movimento de Educação de Base; Centro Popular de Cultura; Campanha De pé no chão também se aprende a ler. O Movimento de Educação de Base (MEB) foi criado pela Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), com o apoio da Presidência da República, durante governo Jânio Quadros, em março de 1961. As experiências de trabalho de base do MEB inicialmente se dão através da “educação radiofônica”, em emissoras católicas que logo viriam a atuar na Educação de Base. Assim, a Igreja Católica passa a se constituir em sujeito coletivo de forte atuação nesse período, especialmente seus setores progressistas, sobretudo, através especialmente, da criação da Juventude Operária Católica

(JOC) e da Juventude Universitária

Católica (JUC).

41

O Centro Popular de Cultura, por sua vez, foi criado pela União Nacional dos Estudantes, também em 1961 e, teve como objetivo utilizar a música, o teatro e o cinema popular brasileiro como espaço de formação política. A Campanha “De pé no chão também se aprende a ler”, criada em Natal (RN), teve como objetivo principal desenvolver a alfabetização de crianças e adultos das classes populares, tendo como espaço privilegiado o cotidiano popular. Esses movimentos existentes eram classificados em três grupos: a)Movimentos dedicados preferencialmente à alfabetização (MEB, “De Pé no chão”); b) Movimentos dedicados à pesquisa e à produção de manifestações artísticas populares (CPC); c)Movimentos com atividades diversificadas (MCP). Essas são iniciativas predominantemente organizadas pela classe trabalhadora. A titulo de exemplo é lapidar o pensamento de Estevam (1983), para quem “só há cultura popular onde se produz o processo que transforma a consciência, ativamente engajada na luta política” (1983: 41). Nessa mesma direção, afirma Ferreira Gullar, que “cultura popular é, (...) antes de mais nada, consciência revolucionaria” (1983: 52). Dessa consciência, isto é, tendo como proposta de cultura popular e da educação popular o compromisso com a libertação do homem e da transformação social, nasce o Sistema de Educação Paulo Freire, cuja aplicação tinha entre seus objetivos, a conscientização do analfabeto através do conceito de cultura. Afirma textualmente, Paulo Freire: Parece-nos então que o caminho será levarmos ao analfabeto, através do conceito antropológico de cultura. (...) A distinção entre os dois mundos: o da natureza e o da cultura. ( ...) A partir daí, o analfabeto começará a operação de mudanças de suas atitudes anteriores. (...) Descobrirá que tanto é cultura o boneco de barro feito pelos artistas, seus irmãos do povo, como cultura é também a obra de um grande escultor.. Que cultura é toda a criação humana (Freire, 1983: 116).

42

Com a criação desse sistema, Freire inaugura uma nova etapa na educação de adultos no Brasil. Esse projeto educacional – executado pelo Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife, sob a sua liderança, denominado Sistema Paulo Freire de Educação, tinha como alvo principal o analfabetismo adulto. No entanto, após pouco tempo de implantação, esses projetos esses projetos, foram interrompidos pelo golpe militar de 1964. E, em colaboração com as iniciativas e às ações da sociedade civil, o governo federal, através do MEC, cria o Programa Nacional de Alfabetização – PNA (Decreto n.º 53.465-22/01/64). Com esse programa o governo pretendia alfabetizar cinco milhões de brasileiros até 1965, utilizando para tanto o método Paulo Freire14. Mas, com a eclosão do movimento de 1964, o programa foi extinto. Com o golpe militar em 1964, uma forte repressão recai sobre os movimentos sociais, efetivando-se também sobre os grupos e as instituições que atuavam em projetos de educação e de cultura populares. O MEB, no entanto, manteve-se em funcionamento através do Programa Nacional de Alfabetização, visto que aceitou, como estratégia de sobrevivência, romper com as propostas dos projetos que sinalizavam para uma nova concepção de educação para a libertação. Segundo Paiva, A mudança da orientação observou-se imediatamente no nível didático. “Viver é Lutar” era substituído pelo “Mutirão”, passando o MEB da ênfase sobre a conscientização para a ênfase sobre a ajuda mútua. Segundo Emamanuel de Kant, a politização era substituída pela cristianização (Paiva, 1984: 283).

Orientada pela ideologia da segurança e do desenvolvimento nacional surge, nesse período, a Cruzada de Ação Básica Cristã, criada pelos protestantes, visando fortalecer os projetos que priorizavam a educação cívica e a propaganda do 14

“A prática do método tinha como base inicial o levantamento do universo vocabular dos grupos com os quais a equipe pretendia trabalhar. Em seguida eram escolhidas as palavras no universo vocabular pesquisado, devendo ser selecionadas pela sua riqueza fonêmica , pelas dificuldades fonéticas da língua e pelo engajamento da palavra numa dada realidade social, cultural ou política. Tais palavras eram relacionadas a situações existenciais típicas do grupo, que serviam como ponto de partida da discussão, à qual se seguia a decomposição das famílias fonêmicas correspondentes aos vocábulos geradores..” (Paiva, 1984, 237).

43

Brasil grande. A Cruzada de Ação Básica Cristã – Cruzada ABC, criou um programa voltado para a alfabetização, sendo desenvolvido prioritariamente em alguns estados e municípios do nordeste. Esse programa era financiado com recursos da União, da USAID – Agência Americana para o Desenvolvimento da Educação e da Aliança para o Progresso. A Cruzada foi progressivamente extinta entre os anos 70/71, quando o Brasil, ao instaurar o ato institucional n.º 05 no governo Costa Silva, entra no período mais repressivo da ditadura militar, período denominado de “golpe dentro do golpe”. Nesse período, o governo opta por instalar uma estrutura de dimensão ainda maior, o Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL (Lei n.º 5. 379 de 15/12/67), que tinha entre os seus objetivos difundir a ideologia oficial do desenvolvimento, com vistas a fortalecer o modelo de dominação e modernização vigentes. Com a perspectiva de formar trabalhadores para o processo de industrialização, essas campanhas eram realizadas apenas nos municípios com maiores possibilidades de desenvolvimento econômico. Tal estrutura sobreviverá até a Nova República. Sobre a época, manifesta-se Paiva: Na concreta situação política do período, quando ainda se acreditava que o campo apresentava grandes riscos políticos e crescente tensão: a campanha alfabetizadora servia aí como ponta de lança para o controle político das massas, especialmente no interior, estendendo a todos os municípios brasileiros tentáculos capazes de perceber rapidamente não apenas as tensões sociais, mas também eventuais mobilizações de natureza política num período em que ainda vicejavam, bem ou mal movimentos guerrilheiros no campo (Paiva,1990: 11).

Percebemos que o enfoque político e cultural que predominava na década de 60 (século XX) foram sendo redimensionados pelos governantes e seus aliados na sociedade civil de modo a afirmar uma ideologia voltada para a segurança e o desenvolvimento. Em conseqüência, enfatizava-se a educação para a profissionalização, na qual a inserção no mercado de trabalho começa a se configurar como objetivo nuclear.

44

Nessa perspectiva, em 1971, acontece a regulamentação da educação de

jovens

e

adultos,

por

meio

da

Lei

de

n.º

5.692,

IV

capítulo

(Romanelli:226;1999). Temos, portanto, uma legislação específica na qual a Educação de Jovens e Adultos se diferencia do ensino regular básico e secundário. Essa modalidade se destina àqueles que não conseguiram suprir a escolarização na idade própria. Cria-se ainda o ensino supletivo e tenta-se também dar ênfase à necessidade de formar professores para essa modalidade de ensino. Percebemos que essa ação, embora tenha contribuído para democratização das oportunidades de acesso à escolarização, atendendo demandas efetivas de frações da classe trabalhadora, foi igualmente fruto da pressão dos organismos de cooperação internacional que exigiam projetos educacionais voltados para redução do alarmante quadro de analfabetismo brasileiro. Nesse período entre os anos de 1970/1975, a disputa de projetos de sociedade se intensifica e, na perspectiva dos movimentos sociais populares, a idéia de “povo como sujeito” (Doimo:1995), apresenta-se de forma intensa no discurso de várias entidades políticas coletivas tais como: a Igreja Católica (especialmente seus setores progressistas), grupos de intelectuais acadêmicos, em especial os que fundaram centros independentes de pesquisa em respostas ao expurgo das universidades, impetrado pelo regime militar; e grupos de esquerda, que depois de desestruturados pelo regime buscavam novas formas de trabalho social. Assim, a aposta na capacidade ativa do “povo como sujeito” passa a ser o cenário principal da atuação política. Nunca como neste período as idéias de povo e de participação ganharam tanta significação positiva no pensamento sociológico de esquerda. Parece que, no vácuo da falência do nacional-desenvolvimentismo (...) finalmente se descobria que somente o povo poderia, “de baixo para cima”, produzir as necessárias transformações históricas (Doimo,1995: 75).

Após 1975, em conseqüência do agravamento da crise econômica e política, surgem na cena política novos sujeitos políticos coletivos, entre eles, as

45

Comunidades Eclesiais de Base, o Sindicalismo Combativo, a as Associações Profissionais e Científicas. Sendo os movimentos sociais de base orientados majoritariamente pelo cristianismo da Teologia da Libertação, materializados nas Comunidades Eclesiais de Base, os movimentos sociais organizados pelos trabalhadores contavam também com a participação de quadros laicos da Igreja e abrigavam setores da esquerda marxista, dispersos após as tentativas frustradas de luta armada e pelo forte processo de repressão imposto pelo regime militar. As comunidades Eclesiais de Base (CEBs) já existiam desde o começo dos 60 (século XX), mas somente a partir de 1975 se tornaram um importante foco de resistência popular à ditadura. “As CEBs eram nesta época um dos poucos lugares sociais onde os trabalhadores encontravam condições para se organizar e lutar contra as injustiças e pelos direitos” (Fernandes,1999: 90). Podemos afirmar que a Teologia da Libertação, através das CEBs, de certa forma, nesse período realiza uma espécie de autocrítica do apoio inicial da Igreja Católica ao golpe militar. Essa autocrítica pode ser a partir do instante em que as CEBs começam a se tornar lugares de reflexão, o espaço de socialização política, onde o objetivo do trabalho pastoral era a conscientização sobre a realidade dos participantes. Esses lugares são transformados em espaços de liberdade”, no sentido que ali se podia falar, ouvir e pensar. Dessa maneira, através da ampliação desse processo pedagógico, onde os sujeitos refletiam sobre as suas histórias, também começou-se a articular ações de resistência contra as injustiças (Fernandes,1998: 90),

Segundo estudos realizados por Doimo (1995), o maior volume editorial de livros e documentos referentes ao movimento popular, em especial os que mantinham estreita ligação com as Comunidades Eclesiais de Bases – CEBs, foram produzidos pela Igreja Católica. “A Igreja continuou a abrigar, ao longo dos anos 80, o veio mais profundo da memória ainda vida do Movimento Popular” (Carneiro, 1991, apud Doimo, 1995: 138).

46

O método de educação popular vivenciados nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), era denominado de “ver, julgar e agir”, e posteriormente foi aprofundado pela denominação de prática, teoria e prática. Para alguns autores a educação popular desse período, através da discussão de cultura popular, em muito contribuiu para as mudanças da Igreja Católica em relação à temática da cultura, posto que como salienta Doimo de uma postura tradicional, pela qual se contemplava o ‘mundo revelado’, parte-se para uma concepção mais moderna e antropológica, pela qual a cultura aparece como fundamento do Homem e como expressão dos modos de pensar e agir dos povos (1995: 132).

De fato, setores da Igreja Católica através da Teologia da Libertação incorporam essa nova concepção de cultura e de educação popular, através da “educação de base”. Essa nova concepção se confronta com a dos setores que achavam impensável esse tipo de ação fora do trabalho de alfabetização de adultos. Não obstante, esse tipo de ação foi dando legitimidade aos representantes da Teologia da Libertação que foram ganhando terreno na definição das políticas da Igreja no plano da educação. Assim, no âmbito da sociedade civil, incrementaram-se, ainda nesse período, outras ações denominadas de “comunicação popular”,

audiovídeo,

imprensa popular, rádio popular e teatro popular. Tais ações, segundo Dellacava, possuíam conotações distintas das praticas ditas alternativas. Em sua opinião a noção de comunicação popular não pode ser simplesmente confundida, com a imprensa alternativa. Enquanto esta foi cunhada para designar inicialmente a imprensa “nanica” que floresceu durante a abertura “lenta, gradual e segura” implementada pelo General Ernesto Geisel nos anos 19741979, aquela surgiu com o desenvolvimento do “movimento popular” no mesmo período, para referir-se a toda sorte de iniciativas comunicacionais à base de tecnologias rudimentares (Dellacava, 1991: 40).

A partir dos anos 70 (século XX), as experiências de educação popular que antes estavam, invariavelmente associadas à alfabetização, passam a ter um caráter de organização política com o objetivo de conscientizar e contribuir na 47

organização popular. A educação popular dirigia-se para a agregação de novos valores ético-políticos às lutas sociais. Nesse momento, a educação popular aproveita (...) todas as oportunidades para criar atitudes e comportamentos capazes de conduzir, a níveis superiores de atuação política, a organização do povo, [provocando] seu sentido crítico, autônomo, criativo (Barreiro,1980: 132).

Podemos afirmar que os anos de 1970/1980 foram de luta e resistência, tendo em muito contribuído para o processo de democratização do país. Junto com o “novo sindicalismo”, os movimentos sociais se consubstanciaram em importantes mobilizadores sociais pela democratização das relações econômicopolítico-sociais do Brasil dos anos 8015. Para o enriquecimento da análise, recorremos ainda a Eder Sader (1995) em obra dedicada às experiências e lutas dos trabalhadores da grande São Paulo (1970 – 1980), na qual destaca novas mudanças ocorridas nesse período. De acordo com o autor: (...)novos sujeitos sociais coletivos se constituíram, representando a emergência de uma nova configuração das classes populares no cenário público. (...) o fim dos anos 70 assistia à emergência de uma nova configuração de classe. Pelos lugares onde se constituíram como sujeitos coletivos; pela sua linguagem, seus temas e valores; pelas características das ações sociais em que se moviam, anunciava-se o aparecimento de um novo tipo de expressão dos trabalhadores (1995, apud: Caldart, 1999: 91).

Neste processo de efervescência política estiveram incluídos também os movimentos sociais ligados à educação, ou seja, as associações de natureza sindical dos três graus de ensino e os movimentos acadêmico-científicos. Nesse sentido, as greves de professores de 1º e 2º graus em São Paulo e no Paraná, e a criação da ANDES – Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior, se 15

Embora compreendamos democracia, na perspectiva de Coutinho (1997), para quem “a presença efetiva das condições sociais e institucionais que possibilitam ao conjunto dos cidadãos a participação ativa na formação do governo e, em conseqüência, no controle da vida social”(p.145 e, concordemos também com a tese de que nossa história é uma história feita de relações prussianas, não nos invalida reconhecer que os avanços democráticos, a luta pela ampliação efetiva de direitos, contribue para a consolidação da “democratização da democracia” .

48

constituem em evidências históricas decisivas na organização dos educadores nesse período. A década de 80 (do século XX, naturalmente) assume uma grande importância no processo de democratização da participação política. Destacam-se como fatos políticos importantes decorrentes da intervenção dos sujeitos políticos coletivos da década em questão, a criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), (em 1983) e a consolidação de um dos mais representativos partidos de esquerda do Brasil, o Partido dos Trabalhadores (PT). Entre 1979 e 1984, começa a se organizar, no campo, também um movimento cujas idéias e concepções, de imediato, extrapolam as fronteiras do mundo rural, tomando, também os espaços urbanos, qual seja o Movimento Sem Terra (MST)16, movimento que tem como principal bandeira de luta a reforma agrária. Em 1989 o MST realiza um encontro nacional, do qual saem suas diretrizes quanto à educação popular. Em documento versando sobre as normas gerais da organização, o MST, apresenta como sexto princípio organizativo exatamente a preocupação com a formação de seus membros. Reza o princípio: “estimular e dedicar-se aos estudos de todos os aspectos que dizem respeito às nossas atividades no movimento. Quem não sabe, é como quem não vê. E quem não sabe, não pode dirigir” ( Caldart: 1999, 173). A partir de então o MST toma como tarefa a missão de “ocupar a escola”, começando a desenvolver um amplo projeto de educação popular para o Movimento. Nascem aí as primeiras escolas do Movimento Sem Terra.

16

Vários registros nos oferecem como inicio do MST diferentes lutas que simbolizariam o nascimento do MST. “Na memória (oral e também nos registros escritos do período) do processo de gestação do MST 1979 a 1984), aparecem como fatos desencadeadores da história desse movimento, especialmente os seguintes: No Rio Grande do Sul, a expulsão dos colonos da reserva indígena de Noonoai (...) em Santa Catarina, a chamada farsa da peste suína (...); no Paraná, a expropriação de terras dos pequenos agricultores...” ( Caldart, 1999: 95). Maiores detalhes também podem ser encontrados em: Balanço do MST em 1998. São Paulo: MST, 1999; Escola é mais do que escola na pedagogia do Movimento Sem Terra, Roseli Salete Caldart, tese, Porto Alegre, 1999.

49

Nesse mesmo ano brota na cidade de São Paulo, o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA). Movimento institucionalizado na administração Luíza Erudina do Partido dos Trabalhadores (PT) e, que tinha como secretário de Educação o professor Paulo Freire. Essa iniciativa se realiza mediante uma parceria entre o poder público municipal e os movimentos sociais. Tal parceria foi fruto do trabalho de várias entidades que se dedicavam à alfabetização de adultos. O MOVA – SP inspirou muitas outras experiências no país, dentre essas experiências podemos citar o caso de Angra dos Reis no Rio de Janeiro. Falando sobre a experiência de Angra, afirma Sales: O MOVA é uma das ações desenvolvidas pela Prefeitura de Angra dos Reis, em parceria com os movimentos populares, que tem como objetivo garantir à população analfabeta o direito à alfabetização, ao mesmo tempo em que forma sujeitos conscientes das injustiças sociais e da necessidade de sua participação ativa para transformação social (Sales, 1998: 06)

Conforme podemos notar o fim do Regime Militar propiciou um redespertar dos movimentos sociais, isso porque a partir daí começa a se evidenciar, quer no âmbito do Estado “stricto sensu”, quer da sociedade civil, a disputa de projetos de reestruturação social e educacional, tanto na ótica do capital, quanto dos trabalhadores.17 Como se sabe, o projeto educacional defendido pelos setores progressistas da sociedade civil enfatiza o ensino público, gratuito, universal, laico e de qualidade e a concessão de verbas públicas exclusivamente para o ensino público, além de dar uma ênfase especial à relação democracia e educação. Ao se fazer referências à luta dos movimentos sociais por educação, é imprescindível mencionar que é na década de 80, que se organiza o Fórum Nacional da Educação na Constituinte em Defesa do Ensino Público e Gratuito. Esse Fórum foi um marco na luta em defesa da educação pública no Brasil, como tal contou com a participação de entidades estudantis, cientificas, sindicais, acadêmicas e populares, da cidade e do campo, os quais se reuniram em torno da elaboração de uma proposta de educação para o país quando vivíamos o processo constituinte.

50

Cumpre ressaltar que esse processo é vivenciado no período, antes mencionado, em que a sociedade brasileira vivenciava a disputa de propostas de organização social. Assim no âmbito educacional formulavam-se propostas representadas tanto pelo Estado estrito senso (CONSED e UNDIME), quanto pela sociedade civil (empresários industriais e o movimento sindical). Pode-se dizer que diferentes projetos educacionais manifestam-se nos movimentos pré-constituinte (entre os anos 1987 e 1988), e que esses projetos foram para a correlação de forças parcialmente concretizada, na Constituição de 1988. Referindo-se à educação, Neves afirma que: a educação na Constituinte de 1988 foi presente, mas foi, também, passado. Foi presente no que diz respeito ao resgate constitucional de sua função social, mas foi passado quando tentou atualizar princípios de cidadania já atingidos pelas democracias sociais contemporâneas (Neves, 1999: 103).

Esse processo no qual a sociedade brasileira vivenciava a transição do regime ditatorial para a volta da normalidade democrática, segundo Neves (1999), confere ao Estado o papel de “agente normativo regulador da atividade econômica” o condiciona a consolidar como um Estado Democrático de Direito, isto é, a dar ênfase aos direitos sociais, cuja ordem social pela primeira vez merece um tratamento em separado da ordem econômica. Ou seja, o Estado Democrático de Direito pressupunha a ampliação dos direitos sociais. A Constituição da transição, além de delimitar, modernizando, o arcabouço institucional das relações econômicas, teve seu ponto de inflexão na delimitação dos marcos institucionais de maior socialização do poder (Neves,1999:100).

No final dessa década (década de 80, século XX) surge no Brasil um novo espaço de luta popular, trata-se da organização dos pré-vestibulares de caráter popular, os quais denominamos de Movimento de Pré Vestibulares Populares Urbanos (MPVPU)18. Estes movimentos se consolidam no decorrer dos anos 90 e,

17

Cf. NEVES (1999). Criamos este nome para denominar o conjunto de iniciativas de pré-vestibulares voltados para as camadas populares. 18

51

continuam a se destacarem no cenário atual. As primeiras iniciativas registradas no final dessa década de 80 foram as experiências Pré-Vestibular desenvolvidas pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1986; a experiência da Pastoral do Negro em São Paulo (1989) e uma experiência desenvolvida na Bahia através da criação da cooperativa Steve Biko (1989). Por ser um tipo ação destinada à preparação de jovens e adultos para o ingresso à educação superior, os pré-vestibulares populares trazem consigo um caráter de originalidade, uma vez que, ao longo de todo o período desenvolvimentista (1930-1989), os movimentos de educação popular, quer se prestassem para a conservação, quer para a transformação, eram dirigidos exclusivamente para os adultos analfabetos ou de baixa escolarização. Outra inovação dos pré-vestibulares populares está em sua destinação acadêmica, visto que, diferentemente, as iniciativas em educação popular ao longo do desenvolvimentismo estiveram voltadas para a conformação ético-político de setores da classe trabalhadora. Tal investida se consolidava predominantemente, por meio de iniciativas de educação básica cuja prioridade apontava em direção a um projeto de desenvolvimento societal e, que em segundo plano pensava a formação técnica para o trabalho. Note-se que por serem os movimentos sociais organizados pelos trabalhadores ações organizadas “de baixo para cima” e por manifestarem-se no seio da sociedade civil, dissemina-se a idéia de movimentos sociais como movimentos essencialmente transformadores. Em conseqüência, tendemos a pensar que as iniciativas de educação popular deveriam ter somente caráter de emancipação, não obstante, chamamos a atenção para seu caráter contraditório. Ademais, a emergência da democracia como regime político e, muito mais, o advento do neoliberalismo enquanto ideologia política e enquanto prática social projetada como a derradeira saída da humanidade, evidenciam a necessidade de

52

refletirmos sobre o caráter contraditório dos movimentos sociais e da educação popular.

53

CAPÍTULO II- PRESSUPOSTOS OBJETIVOS DAS MUDANÇAS NAS INICIATIVAS DE EDUCAÇÃO POPULAR NO BRASIL DA DÉCADA DE 90 DO SÉCULO XX

(...) as injustiças multiplicam-se, As desigualdades agravam-se, A ignorância cresce, a miséria se alastra. A mesma esquizofrênica humanidade Capaz de enviar instrumentos a um Planeta para estudar A composição de suas rochas Assiste indiferente a morte De milhões de pessoas pela fome Chega-se mais facilmente a Marte do que ao nosso próprio semelhante. (José Saramago)

2.1- Neoliberalismo no Brasil na década de 90 do século XX

Neste capítulo pretendemos destacar os principais pressupostos objetivos e subjetivos que contribuíram para aflorar na cena brasileira diferentes sujeitos e novas abordagens da educação popular nos anos 90 do século XX.19 Destacaremos entre esses pressupostos: a nova dinâmica da reestruturação produtiva no Brasil, as características do neoliberalismo mundial e nacional, os rumos tomados pela política educacional neoliberal, as metamorfoses dos movimentos sociais nos anos de ideologia neoliberal, assim como as relações entre Igreja Católica e movimentos sociais nesse período. A crise estrutural mundial de acumulação capitalista iniciada nos anos 70 levou a uma reorganização do trabalho e da produção, propiciando a diminuição

19

Todas as vezes que em fizermos referência a década de 90 estamos nos referindo ao século XX.

54

dos investimentos produtivos, como conseqüência da fuga de capitais para a esfera financeira e a utilização nos processos de trabalho de moderníssimas tecnologias e novos métodos de organização do trabalho. Com essas mudanças, não só o mundo do trabalho ganhou novos contornos, pois são postos em questão a produção de massa,

a

rigidez

produtiva

do

fordismos-taylorismo,

como

alterou-se

profundamentamente o conjunto de relações sociais. No Brasil, essa reestruturação produtiva embora já se apresente a partir dos anos 80, se consolida no início da década de 90 então, impulsionada majoritariamente pelo capital internacional. Começa, a se viabilizar um novo padrão de desenvolvimento direcionado para o aumento da competitividade internacional. Essa nova dinâmica da reestruturação produtiva, ao definir um novo conteúdo para o trabalho, induz a mudanças significativas referentes à melhoria dos indicadores de escolaridade do conjunto da classe trabalhadora. Essa educação escolar ampliada, no entanto, voltou-se para fazer da escola um instrumento de aumento da competitividade. Todo esse processo em curso corrobora para expandir e consolidar a ideologia da globalização, que surge a partir de uma reconfiguração do domínio dos capitais na ordem mundial neste final do século XX. “O atual processo de globalização é, na realidade, um novo estágio de desenvolvimento do capitalismo, constituindo-se em reestruturação das suas formas de produção e organização social” (Oliveira, 2001: 48). Alguns estudos (IANNI, 1996, Boito, 1999)20 destacam as principais conseqüências desse modelo de globalização para os países periféricos são elas: 1) incorporação de empresas de capital nacional por empresas transnacionais; 2) subalternização de empresas de capital nacional; 3) depreciação do valor das matérias-primas; 4) pressão de déficits na balança comercial dos países 20

Sobre a noção de globalização ver Ianni, Otávio. A era do Globalismo. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1996. Especialmente o capitulo IV “Nação e globalização. Como também, Martin, Hans-Peter & Schumann, Harald. A armadilha da globalização: O assalto à democracia e ao bem-estar social, ed. Globo, 4ª edição, São Paulo, 1998.

55

dependentes; 5) dependência de tecnologias de ponta; 6) enfraquecimento do controle das economias nacionais pelos governos federais; 7) acirramento dos desequilíbrios econômicos regionais; 8) surgimento de ilhas de prosperidade; 9) inchamento de cidades para onde os pobres se deslocam em movimentos migratórios; 10) ampliação do montante das dívidas externa e interna; 11) perda da soberania da nação; 12) desemprego em massa; 13) ampliação da informalidade e de práticas econômicas consideradas contravenção; 14) precarização das condições de saúde pública, e muitas outras conseqüências. No entanto, não se deve atribuir as mudanças gerais ocorridas nas últimas décadas apenas às mudanças organizacionais, tecnológicas e econômicas que interferem nas características do sistema industrial. Devem ser analisados os demais aspectos “políticos, sociais e culturais, sob cuja égide vem se dando o processo de reestruturação produtiva nos vários países, inclusive os relacionados às práticas sociais dos diferentes atores envolvidos” (Leite & Silva,1996: 46). Elas se devem também, à forma neoliberal de encaminhar as soluções para resolução de tal crise. “Como resposta à sua própria crise, iniciou-se um processo de reorganizaçào do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação, cujos

contornos

mais

evidentes

foram

o

advento

do

neoliberalismo”(Antunes,1999: 31). A política societal neoliberal começou a ser adotada nos países chamados de primeiro mundo nos governos Thatcher (GB), Kohl (Alemanha) e Reagan (EUA). Na América Latina inicia-se pelo Chile (1976), seguido pelo México (1986), Argentina (1988), Colômbia e Venezuela (1989). No Brasil, e também no Peru, a sua aplicação sistemática tem início em 199021. Em relação à significação do termo neoliberalismo estamos concordando com as análises dos autores Anderson (1995), Bianchetti (1996), Boito (1999), e em especial, com as de Anderson (1995), ao afirmar que o neoliberalismo

56

é uma ideologia que hoje se apresenta com uma hegemonia não só no plano econômico, como também no plano socio-político, cultural e ético. É também um projeto societal que se apresenta como sendo capaz de efetivar um ordenamento das economias capitalistas modernas, apresentando-se como uma reação teórica e política contra o Estado intervencionista na área da economia e, promotor do bemestar social que caracterizou as economias desenvolvidas após a II guerra mundial, elegendo a lógica do mercado como reguladora das relações econômicas e sociais. A ideologia neoliberal contemporânea segundo Boito (1999)22 têm suas referências no liberalismo econômico, que exalta o mercado, a concorrência e a liberdade de iniciativa empresarial, rejeitando de modo agressivo, porém genérico e vago, a intervenção do Estado na economia (p.23).

No Brasil o neoliberalismo – como ideologia e como projeto societal vem se consolidando a partir do chamado “Consenso de Washington”, reunião realizado em 1989, pelos intelectuais do capital no “Internacional Institute for Economy”, de Washington, com o objetivo de discutir as reformas necessárias para que a América Latina “saísse da década que alguns chamaram de perdida, da estagnação, da inflação, da recessão, da dívida externa” (Fiori,1998: 02). Para este autor o Consenso de Washington significa: “a visão norte-americana sobre a condução da política econômica, sobretudo nos países periféricos,(...) mais diretamente para os países da América Latina” (Idid). O centro desse acordo recaiu na efetivação de um rigoroso equilíbrio fiscal, reformas administrativa, previdenciária e fiscal, e em um brutal corte nos gastos públicos, cujo objetivo seria de favorecer a “estabilização monetária, “desonerar fiscalmente o capital para(..) aumentar a sua competitividade no mercado internacional, desregulado e aberto” (Fiori, 1998:02).

21

Para uma maior compreensão sobre o tema neoliberalismo no mundo contemporâneo ver: Perry. Anderson, Balanço no Neoliberalismo. in: Emir Sader, Pablo Gentili (org) Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1995. 22 Para uma compreensão mais aprofundada sobre o tema cf: Política neoliberal e sindicalismo no BrasilArmando Boito Jr. 1ª ed. Xamã, São Paulo.

57

No plano ético-político, com a derrota da experiência do “socialismo real” no Leste Europeu, tornou-se mais urgente para os ideólogos do neoliberalismo a necessidade de fazer este projeto societário parecer único e eficiente. O projeto do pensamento único cuja filosofia está centrada na superioridade do particular sobre o universal, tenta, a todo custo, ignorar a existência de um outro projeto contra-hegemônico em construção no qual a democracia e a igualdade social são seus princípios. O conjunto de postulados ideológicos que embasa esse projeto hegemônico do neoliberalismo parte da premissa de que acabaram-se as polaridades, as lutas de classe, logo vivemos um novo tempo, da globalização, da modernidade competitiva, da reestruturação produtiva e industrial, da reengenharia. Outra idéia cara ao pensamento neoliberal é a de que essas mudanças são irreversíveis. A ideologia neoliberal privilegia também, no plano político, ações voltadas para o associativismo, o particular, o micro com o objetivo de garantir e ampliar direitos individuais. Para Bianchetti (1996) a categoria indivíduo proeminente no neoliberalismo vem da concepção liberal clássica, na qual, os indivíduos constituem as moléculas sociais do sistema econômico. O homem, tomado como um todo, possui as capacidades naturais que lhe permitem desenvolver-se contando com certas doses de instinto somadas à sua racionalidade, vontade e desejos (Bianchetti, 1996: 71).

As desigualdades entre os homens passam a ser naturais, as capacidades físicas e mentais de cada indivíduo são os únicos responsáveis pelo sucesso de cada um. Nesse sentido é que Hayek (1987) prega o respeito pelo homem individual na sua qualidade de homem, isto é, a aceitação dos seus gostos e opiniões como sendo supremos dentro de sua esfera, por mais estreitamente que isto se possa circunscrever e a convicção de que é desejável o desenvolvimento dos dotes e inclinações individuais por parte de cada um (apud: Bianchetti, 1996: 72).

58

As instituições sociais no ideário neoliberal só têm razão de ser se contribuírem para desenvolver os interesses específicos de cada indivíduo. Para Hayek, mentor do neoliberalismo, as instituições sociais não são inventadas ou planejadas, “(...) elas se desenvolvem do mesmo modo como se forma a estrutura física de um cristal ou como cresce uma “árvore”(apud: Bianchetti, 1996: 74-75). As tradições sociais adquirem uma importância fundamental dentro dessa concepção, elas passam a ser um elemento de prosseguimento evolutivo da sociedade e de suas transformações, dado que a sociedade tem vida própria, evolui sempre no sentido dado pelas tradições através das gerações. Transformar a sociedade é, (...) permitir que as coisas continuem sua evolução natural até alcançar o consenso social (apud: Bianchetti,1996: 77).

Segundo Boito (1999), temos que considerar que o neoliberalismo não produz os mesmos efeitos em todos os países e regiões. Ou seja, as conseqüências das políticas neoliberais nos países centrais não são as mesmas dos países periféricos. O Estado de bem-estar, apesar de minado pela política neoliberal, continua existindo na Europa Ocidental. Estado esse que o cidadão periférico não chegou a vivenciar, daí que “excluído” na Europa não é o mesmo que “excluído” na América Latina “ (p.31). Assim sendo, as estratégias neoliberais para os países da América Latina devem ser analisadas dentro de suas especificidades regionais e locais. No caso brasileiro, a burguesia implementa um projeto societal em consonância com o grande capital e, para isso, elege a estabilização da moeda e um governo legitimado pelo voto popular para efetivar reformas que alteram profundamente o conjunto das relações sociais. Tudo o que antes eram apenas propostas baseadas na ideologia neoliberal da “nova era do mercado” passa a se efetivar nos governos FHC. No que tange às políticas voltadas para a forma e a reprodução da força de trabalho, os organismos internacionais (Banco Mundial, FMI) concentram

59

suas ações, no Brasil, predominantemente em estratégias que se tornam a bíblia do ajuste

a

esse

novo

tempo,

“nova

era

do

mercado”:

focalização,

desregulamentação, descentralização e privatização, essas são as principais estratégias governamentais para as políticas sociais que vêm gerando

sérias

conseqüências no campo político, social e econômico. A estratégia da focalização tem por finalidade dirigir as ações sociais apenas em alguns grupos sociais. No campo educacional, por exemplo, exclui-se o direito a uma educação básica23 universal e privilegia-se o ensino fundamental. Na área da assistência, as ações governamentais se dirigem para parcela dos “excluídos”. O mecanismo da desregulamentação - que significa suprimir leis, normas e regulamentos de direitos sociais, para não inibir as leis naturais do mercado. Um dos resultados dessa política tem sido um crescimento do mercado informal de trabalho e uma redefinição de seu papel no conjunto do processo de desenvolvimento social. O investimento no setor informal fortalece, em parte, a retirada do Estado da esfera social. A estratégia da descentralização, tem uma dupla dimensão: de um lado, funciona pela transferência de responsabilidades da esfera administrativa da união, para os estados e municípios e, de outro, por ações, com a sociedade civil em forma de parceria. No primeiro caso a descentralização é apenas dos encargos.(...) transfere encargos do executivo federal para os Executivos estaduais e municipais, mas mantém centralizado na presidência da Republica, (...) o poder de decidir sobre a política econômica e social (Boito,1999: 82).

Na segunda dimensão, a descentralização constitui um mecanismo de transferência dos direitos sociais (saúde, educação) aos agentes do mercado, aos quais competem pela venda de produtos e serviços, fazendo assim, surgir de modo 23

Segundo a LDBEN, nº9.394 de 20 de dezembro de 1996, a educação básica compreende a educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.

60

mais orgânico, um novo setor da burguesia brasileira (Boito, 1999). Para esse mesmo autor, essa nova burguesia de serviços está ligada, principalmente, à exploração dos serviços de saúde e de educação e, mais recentemente, à previdência privada que vem sendo estimulada pela política governamental de desagregação da previdência pública” (p.67).

Nessa perspectiva, a parceria com a sociedade civil, se dá pela transferência na execução de serviços de ação social para grupos excluídos socialmente. Boito (1999) observa que a participação de ONGs e associações filantrópicas na aplicação da política social tem desprofissionalizado desinstitucionalizado os serviços sociais tornando-se precários e incertos, oferecidos mais como filantropia pública (...) (1999: 84).

A privatização, é o mecanismo que coloca nas mãos do mercado empresas públicas e serviços estatais para serem gerenciadas pelas leis do capital. Essa estratégia foi levada a cabo especialmente nas últimas gestões FHC, senão vejamos os números: O preço do patrimônio das empresas privatizadas, segundo números do governo, foi de 4,66 bilhões de dólares durante o governo Collor, 7,21 bilhões sob o governo Itamar e saltou para 21,15 bilhões nos primeiros dois anos e meio de governo FHC (Boito,1999: 52).

No campo dos serviços estatais temos em andamento a privatização dos serviços urbanos de eletricidade, de fornecimento de água e de telefonia, bem como um avanço na privatização da saúde pública, O governo repassa, através da renúncia fiscal e do atendimento gratuito, subsídios para o sistema privado de saúde: as empresas que realizam convênios de saúde para seus funcionários têm seus gastos abatidos do Imposto de Renda, e o SUS não é ressarcido pelos convênios quando seus segurados são atendidos pelo sistema público (Boito, 1999: 108).

61

A forma neoliberal de resolução da atual crise estrutural do capitalismo interfere qualitativamente e quantitativamente na definição e na implementação das políticas educacionais e consequentemente, influem no surgimento e na expansão das experiências de pré-vestibulares para os setores populares.

62

2.2- Política Educacional Neoliberal

A educação escolar, em cada formação econômica e social, e em cada momento histórico especifico, assume funções e características diferentes. No projeto neoliberal de sociedade, os objetivos a serem alcançados pelo sistema educativo, no que

concerne

à

formação

e

capacitação

das

pessoas,

encontram-se

predominantemente voltados para a competitividade, em um patamar superior de racionalidade do trabalho e da produção. Os neoliberais procuram desenvolver seu projeto político-pedagógico com vistas a adaptar ou conformar o trabalhador intelectual e emocionalmente a sua forma de compreender o novo nexo entre educação e trabalho e educação e cidadania. É nessa perspectiva que devemos apreender o sentido das novas reformas educacionais que vêm ocorrendo no mundo capitalista e, a partir dos anos 90, começam a ser implementadas no Brasil. Desse modo, para a inserção e reinserção do trabalhador nesse novo estágio produtivo, ou seja, para sua “empregabilidade”24, os neoliberais no Brasil elegem como prioridades da educação escolar a universalização da educação fundamental regular e a expansão do sistema de qualificação e requalificação da força de trabalho, no que pese o fato de na sociedade de ideologia neoliberal, o desemprego constituir uma questão de ordem estrutural. Logo, as reformas educacionais em curso 24

Forrester, V. (O horror econômico. São Paulo, UNESP, 1997), compreende esse conceito como “(...) uma bela palavra soa nova e parece prometida a um belo futuro: “empregabilidade”: que se revela como um parente muito próximo da flexibilidade, e até como uma de suas formas. Trata-se, para o assalariado, de estar disponível para todas as mudanças, todos os caprichos do destino, no caso, dos empregadores. Ele deverá estar pronto para trocar constantemente de trabalho (...). Mas contra a certeza de ser jogado “de um emprego a outro”, ele terá uma “garantia razoável”, quer dizer, nenhuma garantia de encontrar emprego diferente do anterior que foi perdido, mas que paga igual”.

63

ignoram esta realidade ao difundirem a idéia de uma relação linear entre educação e ocupação. Da mesma forma que os neoliberais precisam preparar tecnicamente o novo trabalhador para o processo produtivo, precisam também preparar essa geração e as futuras gerações para assimilarem sua concepção de mundo. Daí, a avaliação de Neves (2001), com a qual estamos de acordo, de que a reforma da educação escolar, no Brasil dos anos 90, teve como finalidade adaptar, em diferentes graus, a força de trabalho ao modo neoliberal de trabalho e de vida. Cumpre ressaltar que, embora tenha objetivos e prioridades específicos, a política educacional neoliberal, segue as mesmas diretrizes da política social em geral, as quais são monitoradas pelos organismos internacionais, principalmente pelo Banco Mundial, que vem se consolidando como o grande intelectual coletivo do capital. A reforma educacional no caso brasileiro, assim como a redefinição dos objetivos e práticas das políticas sociais em seu conjunto, inscrevem-se no bojo do projeto de reforma da aparelhagem do Estado estrito senso. Em 1995, o governo recém-eleito de Fernando Henrique Cardoso cria o Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado (MARE) e delega para um dos seus intelectuais orgânicos, o então Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, a responsabilidade de dirigir esse processo. O plano atribui à aparelhagem estatal, quatro setores: (1) o núcleo estratégico do Estado, (2) as atividades exclusivas do Estado, (3) os serviços não-exclusivos ou competitivos, e (4) a produção de bens e serviços para o mercado25 (Brasil, MARE, 1995).

25

Segundo o MARE (1995), o núcleo estratégico, composto pelos poderes Legislativo e Judiciário, pelo Ministro Público e, no Poder Executivo, pelo Presidente da República, ministros e seus auxiliares, são responsável pela definição de leis e políticas públicas e cobrança do seu cumprimento. As atividades exclusivas compete diretamente ao Estado exercer o poder de regulamentar, fiscalizar, fomentar. Entre essas atividades encontram-se o subsídio à educação básica, a previdência social básica, a compra de serviços de saúde pelo Estado, e, o controle do meio ambiente. Os serviços não-exclusivos, refere-se ao setor onde o Estado transfere para o setor público não-estatal uma série de serviços (entre esses educação e saúde), através de um programa de “publicização”, transformando as atuais fundações públicas em organizações sociais, ou seja, em entidades de direito privado, sem fins lucrativos, que tenham autorização específica do poder

64

Segundo o Plano Diretor de Reforma do Estado (1995), a educação básica seria atividade exclusiva do Estado. Nesse sentido, de acordo com (Neves, Brasil 2000) podemos afirmar que o compromisso do Estado é prioritariamente com a formação técnica e ético-política do trabalho simples. O Estado se responsabiliza diretamente pela formação intelectual e ético-político das massas trabalhadoras. O Plano Diretor de Reforma do Estado brasileiro constitui-se em importante instrumento de viabilização das estratégias neoliberais de focalização, descentralização, desregulamentação e privatização, na administração pública em geral e na educação escolar em especial. Focalização diz respeito à prioridade do gasto social no ensino básico, cuja ênfase se concentra no ensino fundamental de crianças e adolescentes. Ao centrar seu foco no ensino fundamental, a política neoliberal restringe ao mínimo o que a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9394/96) considera como educação básica: educação infantil, ensino fundamental e o ensino médio. Tal estratégia neoliberal (a focalização) é claramente comprovada quando examinamos os gastos no governo Fernando Henrique Cardoso, no que se refere à participação do setor educacional brasileiro, por programa, no orçamento total da união, no período de 1995/99, conforme mostra o quadro abaixo.

Quadro I - Participação do setor educacional, por programa no orçamento total da união no período de 1995/99.

legislativo para celebrar contrato de gestão com o poder executivo e assim, ter direito a dotação orçamentária. Produção de bens e serviços para o mercado. Refere-se as áreas de atuação das empresas estatais, que tendem a futura privatização (Brasil, MARE, 1995)

65

PROGRAMA

1995

1996

1997

1998

1999

Educação da criança de 0 a 6 anos

0,083

0,088

0,069

0,047

0,038

Ensino fundamental

0,878

0,950

0, 799

0,768

1,376

Ensino médio

0,194

0,168

0, 127

0,104

0, 104

Ensino superior

1,597

1,546

1,177

0,910

0,936

Ensino supletivo

0,005

0,008

0,007

0,004

0,002

Fonte: Elaboração DESEP/CUT a partir de dados do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. IN: Os Gastos Sociais no Governo FHC, CUT/DESEP/ISP/INESC, Brasília, agosto, 2000.

A Descentralização na educação escolar compreende tanto a transferência de encargos da esfera federal para estados e municípios e até mesmo para as escolas como o estímulo à parceria com a sociedade civil e com a iniciativa privada. A transferência de encargos da esfera federal para estados e municípios concretiza-se em várias ações, quais sejam a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino e de Valorização do Magistério (FUNDEF); a municipalização do ensino fundamental, responsáveis segundo o censo educacional de 1999 por 16,2 milhões de alunos na rede municipal; a municipalização da merenda escolar, a expansão prioritária do ensino médio para redes estaduais noturnas, responsáveis segundo o referido censo por 79% dos alunos do ensino médio em toda as redes estaduais, em 1999; a responsabilidade da gestão da infraestrutura escolar, etc. Vale ressaltar que a descentralização neoliberal circunscreve-se à execução de sua política. Sua elaboração é feita pelo núcleo estratégico, definido pelo plano de reforma da aparelhagem estatal. O estímulo à parceria com a sociedade civil e com a iniciativa privada concretiza-se através de ações tais como: proliferação de cursos de qualificação e requalificação profissional, desenvolvidos em parcerias com empresários e entidades sindicais; cursos de elevação de

66

escolaridade, em parceria com grandes empresas de comunicação; expansão da rede privada de ensino superior; criação de programas de adoção de escolas pelo empresariado, criação de programas de adoção de alunos pela sociedade civil. A Desregulamentação no campo das políticas educacionais é implementada, prioritariamente por meio do ajuste da legislação escolar, que engloba desde a redefinição das diretrizes e bases da educação nacional, consubstanciadas na promulgação de uma nova LDBEN, passando pela criação de um novo sistema de avaliação e definição dos parâmetros curriculares nacionais, até a introdução de novas formas de gestão da educação e da escola. Dentro deste conjunto de iniciativas governamentais, e, tendo em vista a relação com nosso objeto de estudo, vale ressaltar pelo menos três delas: a organização do ensino médio, a diversificação das instituições de ensino superior e a nova forma de ingresso. A legislação em vigor atribui à escola do ensino médio a “escolha” do tipo de organização curricular que deseja executar. Na prática, porém, há uma divisão clara entre as escolas públicas que “escolhem” o currículo de tipo profissionalizante e as escolas médias privadas que tendo “vocação” para o preparo para o ingresso no ensino superior escolhem a organização curricular propedêutica. Nesse sentido Neves (2001), observa que um dos resultados é que as escolas privadas continuam preparando seus alunos para o ingresso no nível superior de ensino, enquanto as públicas estaduais passaram a preparar seus estudantes para o mercado de trabalho (p.11).

O decreto 2.306, de 19/08/1997, ao criar cinco tipos de instituições de ensino superior (IES): universidades, centros universitários, faculdades integradas, faculdades e institutos superiores ou escolas superiores, estabelece na prática duas diferenciações: 1) divide as instituições de curso superior entre instituições de ensino, pesquisa e extensão e 2) instituições apenas de ensino. Determina também uma nova divisão entre as responsabilidades das IES públicas e as IES privadas. As

67

IES públicas majoritariamente, sob a forma de universidades, se dedicariam à formação da força de trabalho qualificado e à produção do conhecimento. As IES privadas, sobretudo sob a organização de centros universitários, faculdades integradas, faculdades e institutos superiores ou escolas superiores, seriam responsáveis apenas pelo ensino. Ou seja, compete-lhes formar a mão-de-obra necessária para a maior parte da atividade produtiva, como também formar éticopolíticamente a mão de obra de acordo com o projeto dominante vigente. A educação superior, por se constituir na reforma da aparelhagem estatal entre os serviços não-exclusivos do Estado, deverá se desenvolver prioritariamente na rede privada de ensino sob a direção da empresa educacional, “nova burguesia de serviços”, dificultando o já difícil acesso das camadas populares a esse nível de ensino. Embora oficialmente a criação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) que entra em vigor em 199926, se inclua entre as medidas governamentais de controle da qualidade do ensino médio e tenha sido introduzido como mecanismo de avaliação educacional e como forma de seleção para o ingresso no ensino superior, este na verdade configura uma nova modalidade de vestibular, ou apenas um vestibular com uma nova roupagem. Nos seus dois anos de funcionamento vem se concretizando como um poderoso instrumento de institucionalização de uma dupla forma de acesso ao nível de ensino superior: o vestibular para as universidades públicas e o ENEM para o acesso às instituições de ensino superior privada. Não podemos compreender o ENEM como política de democratização de acesso ao ensino superior, conforme tentam nos convencer os intelectuais do governo. Política de democratização do acesso ao ensino significa dentre outras coisas, investimento nas instituições de ensino superior públicas gerando uma maior expansão do seu número de vagas. Acesso à universidade privada não é para

26

Mais informações sobre o ENEM podemser obtidas em www.inep.gov.br

68

a “classe que vive do trabalho”27, que tem como projeto a universidade pública, gratuita e de qualidade social. A Privatização realiza-se prioritariamente, pela transferência de serviços públicos ao setor privado, mas também, pela expansão de um setor de consumo de serviços educacionais. Segundo o censo educacional de 1999, as escolas privadas brasileiras se responsabilizavam por 9,1% dos 36,2 milhões das matrículas no ensino fundamental, 15,8% dos 7,8 milhões das matrículas do ensino médio e por 63, 4% das matrículas na educação superior, contra 36,6% nas instituições de ensino público. O crescimento da empresa educacional no Brasil de hoje vem se dando de forma mais acentuada, portanto no ensino superior, uma vez que pela lógica da divisão de trabalho entre governo e iniciativa privada, cabe ao primeiro formar diretamente o trabalho simples e ao segundo, indiretamente, formar para o trabalho complexo28. De acordo com a receita neoliberal não interessa aos países periféricos investir em um alto nível de exigências tecnológicas. Com isso, o investimento nas instituições públicas de ensino superior e na aparelhagem de pesquisa cientifica tende a diminuir. Esse investimento pelos governos neoliberais deve se reduzir aos denominados “centros de excelência”. Assim é que (...) quanto mais o neoliberalismo avança na remodelagem da economia brasileira, mais as necessidades da burguesia podem ser atendidas a contento pelo modelo de universidade privada, que são centros de formação profissional precária e de mera difusão de conhecimento - corpo docente sem dedicação exclusiva, sem obrigação e oportunidade de formação e de pesquisa, difusão do contrato por hora-aula, perfil de oferta de cursos que despreza as ciências da natureza e a tecnologia, ausência das áreas culturais que não possua mercado”. (...) ficou barato criar e manter uma universidade de novo tipo, e a rede privada pôde crescer de modo lucrativo (Boito,1999: 71).

27

Cf. Antunes, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a formação e a negação do trabalho. São Paulo, 1º edição, Boitempo, 1999. 28

Cf. Neves, Lúcia Mº Wanderley. Brasil ano 2000. Uma nova divisão de trabalho na educação. Rio de Janeiro, papéis e cópias, 1997.

69

Segundo o MEC (2000), o ensino superior se expandiu de forma acelerada no período entre 1994 a 1999. O número de alunos matriculados em cursos de graduação cresceu 61,9%. Este crescimento se deu prioritariamente na rede privada de ensino (77,8%). Na rede pública federal, o crescimento, no período, foi de 29,9% e o crescimento na rede pública estaduais foi de 39,4%. A política neoliberal, ao priorizar o ensino fundamental, faz aumentar a demanda pelo ensino médio, pressionando o Estado a aumentar a oferta pública de matrículas nessa etapa da educação básica, proporcionando, por sua vez, às camadas populares, formalmente, o acesso à educação superior. Por sua vez, como a expansão de matrículas na educação superior dá-se majoritariamente na rede privada de ensino, cujos preços das anuidades segundo a Fipe no período entre julho de 1994, até o final de 1997 obtiveram um aumento médio de 147%, o que torna inacessível o acesso de grande parte dos alunos provenientes do ensino médio público gerando, por conseguinte, a pressão popular pela democratização do acesso à educação superior pública. A experiências dos pré-vestibulares populares tem nessa contradição uma forte determinação.

70

2.3- Neoliberalismo e Movimentos Sociais no Brasil nos anos 90.

Com a crescente socialização da participação política na América Latina, e mormente no Brasil, a luta dos movimentos sociais, especialmente aqueles organizados pelos trabalhadores - movimentos sociais populares, pastorais, sindicais e de partidos políticos de esquerda nos anos 80 – teve como centro a democracia. Isto fez com que, o Brasil saísse do longo período de ditadura militar, iniciado em 1964, com uma sociedade civil “complexa e articulada” (Coutinho, 2000: 88). De acordo o autor essa é uma tendência que vem se viabilizando desde os anos 30, ou seja, um processo de ocidentalização de nossa sociedade.29 Coutinho também não nega a permanência de traços orientais em nossa sociedade contemporânea, porém ressalta que a ocidentalização com traços específicos da situação brasileira “é há muito tempo a tendência dominante na vida política e social de nosso país” (2000:89). Essa ocidentalização em nossa sociedade contemporânea deriva-se de dois modelos: o modelo americano e o modelo europeu. 30 O neoliberalismo brasileiro apresenta traços de ocidentalização, no entanto no âmbito dos movimentos sociais observa-se um grande esforço por parte do bloco no poder em desconstruir e cooptar os movimentos sociais organizados pelos trabalhadores, movimentos em geral, com características de uma ocidentalização de tipo europeu. Além disso, observa-se também uma tentativa de

29

Nas sociedades em processo de ocidentalização evidencia-se (...) “uma relação equilibrada entre Estado e sociedade civil”, (Gramsci:1975, in: Coutinho, 2000: 88). E nas sociedades com traços orientais “o Estado é tudo e a sociedade civil é primitiva e gelatinosa” (Ibid). 30

Ocidentalização de tipo americano: na qual a sociedade civil é despolitizada e as lutas sociais são corporativas e particularizadas. Ocidentalização de tipo europeu: É composto por um alto grau de associativismo e de democracia de massas..

71

consolidar e legitimar os movimentos sociais organizados para os trabalhadores, próprios do processo de ocidentalização de tipo americano. Este exercício de reorganização dos movimentos sociais pelo bloco no poder dá-se principalmente sob duas formas: através do estímulo à criação e expansão de Organizações Não Governamentais (ONGs) de caráter filantrópico e de programas de vontuntariado. Assim, o “(...) envolvimento de ONGs e associações filantrópicas, tem criado uma aparência de participação democrática e logrado, inclusive, cooptar direções de movimentos populares” (Boito,1999: 83). As ONGs brasileiras até a década de 80, se constituíram em parceiras significativas dos movimentos de democratização que eclodiram no Brasil e na América Latina como um todo, contrários às ditaduras militares. Sendo que, na década de 90 elas adquirem grande notoriedade. Fenômeno que pode ser comprovado pela visibilidade demostrada para o conjunto da sociedade na realização da ECO-92, ocorrida no Rio de Janeiro. Nesta década, estimuladas pelas políticas do Banco Mundial e do governo brasileiro, as ONGs, em bom número, passaram a substituir a ação governamental no campo do desenvolvimento social. Boa parte delas, porém, seguiram a direção da década anterior de contestação do status quo. Nesse período algumas ONGS participaram de programas governamentais, como o Programa Comunidade Solidária. Outras se envolveram em movimento de iniciativas populares, tais como o Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON), o Comitê de Defesa das Estatais, o Fórum contra as Reformas constitucionais, o Plebiscito Nacional contra a Dívida Externa. Ressaltamos que a literatura sobre a atuação das ONGs brasileiras neste período apresenta análises diferentes. Gonh (1997) denomina as ONGs da década de 1990 de “ONGs cidadãs”,

72

entidades sem fins lucrativos que se orientam para a promoção e o desenvolvimento de comunidades carentes a partir de relações baseadas em direitos e deveres da cidadania (p.303)31.

Elas passam a desempenhar, portanto, o papel de mediação entre os coletivos organizados e o sistema de poder governamental, como também entre grupos privados e instituições governamentais. Boito (1999), diferentemente justifica a explosão das ONGs nos dias atuais, como decorrência do financiamento de organizações empresariais, políticas e religiosas dos países imperialistas. Tendemos a concordar com esta análise. A Associação Brasileira de ONGs (ABONG), por sua vez, já admite o caráter contraditório dessas instituições, ressaltando que pertencem a ABONG aquelas voltadas para a transformação social, conforme demonstra Bava (1997), então presidente da Associação Brasileira de ONGs (ABONG): É parte da desmobilização da sociedade civil a tentativa de atribuir as ONGs o papel de entidades ‘neogovernamentais”, como FHC declarou aos jornais. Recusamos a mistificação de nossos compromissos sociais e a falsa valorização das ONGs pelo governo federal, valorização esta que aparece como álibi para o desmonte do Estado e a recusa de suas responsabilidades quanto à extensão universal das políticas sociais. O que não é acompanhado pelo papel critico e propositivo que nos dá identidade. Queremos o nosso reconhecimento enquanto entidades autônomas, orientadas para a defesa do interesse público; comprometidas com o resgate da cidadania, especialmente dos setores pauperizados e excluídos de nossa população.(...) estamos prontos a somar com as demais entidades na organização e mobilização de campanhas nacionais em defesa da cidadania (apud: Paludo, 2000: 164).

Além do caráter contraditório das ONGs na atualidade evidencia-se também, como prioridade as questões referentes à destruição da natureza, discriminações éticas, principalmente negros e de gênero que ganham cada vez mais visibilidade. Esses temas vêm sendo abordados majoritariamente dentro de uma

31

Não podemos deixar de reconhecer que várias organizações sem fins lucrativos se transformam em grande comércio e no desvio de recursos, antes destinados às ações de cidadania. Cf. jornal O Globo 18.03.01

73

perspectiva conciliadora, que nega as contradições de classe presente em nossa sociedade. De um modo geral, institucionalizados em forma de ONGs e/ou sob a dinâmica de Movimento, os movimentos sociais populares que se consolidaram na década de 90, tiveram suas ações voltadas para os seguintes campos: 1º) Iniciativas coletivas cuja prioridade se voltam para ações de melhoria das condições de vida (habitação, saúde, educação, saneamento, etc.), através das atuações de voluntariado ou de ações financiadas por instituições internacionais; Tratam-se de movimentos populares com ênfase na despolitização. Esses movimentos privilegiam o enfoque local e o fragmentado. 2º) Lutas no campo institucional, junto ao parlamento, ao poder executivo, aos conselhos e câmeras setoriais. 3º) Grupos que ao mesmo tempo lutam pela melhoria na qualidade de vida (terra, moradia, saúde, educação) e reivindicam mudanças estruturais na sociedade. O fortalecimento da sociedade civil dos anos 90 e a redefinição do modelo de ocidentalização da sociedade brasileira, implementada pelos governos neoliberais, se constituem em determinantes significativos no surgimento de novos movimentos sociais urbanos. As iniciativas de pré-vestibulares urbanos são ações que caracterizam essas novas formas de organização popular. As iniciativas de prévestibulares populares urbanos trazem em seu bojo as contradições decorrentes desses processos político-sociais.

74

2.4- Educação Popular em tempos neoliberais

Na década de 90, as condições econômicas, políticas e sociais que se apresentam para a educação popular não são as mesmas das décadas precedentes. Como síntese do movimento histórico, a educação popular não está imune às transformações e aos projetos societários. Nesse sentido, a concepção de educação popular, enquanto necessidade de um projeto político da classe trabalhadora, continua presente nesta década. A ideologia neoliberal e seus projetos societal e educacional hegemônicos não conseguiram fazer desaparecer essa necessidade. Nos anos 90, as propostas de educação popular não se limitam às experiências de educação política das massas, ou mesmo, à alfabetização de jovens e adultos e ensino supletivo para frações das camadas populares, realizados predominantemente nos espaços não-escolares da sociedade civil. Elas se consubstanciam, também, em experiências de escolarização regular, bem como em experiências extra-escolars de preparação para a escolarização de nível superior. Ao se depararem com o processo de reestruturação produtiva (e sua conseqüente mudança no conteúdo e na organização do trabalho, bem como no conjunto das relações sociais globais), assim como com o alargamento do processo de socialização da participação política dos tempos de abertura democrática e, ainda, com a hegemonia do ideário neoliberal nos processos sociais, em geral, e especificamente no campo da educação, as concepções de educação popular enfrentam novos desafios. O primeiro desafio diz respeito à atuação da Igreja Católica. Este sujeito político coletivo, que antes estava vinculado aos movimentos populares e de educação popular em ações predominantemente de alfabetização, começa a perceber que essas ações não respondem mais às demandas educativas dos setores

75

populares. Em documento aprovado na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (30ª Assembléia Geral, 1992), lê-se: A educação popular inclui e transcende os aspectos da pura alfabetização.(...) A educação popular concebe.(...) as relações sociais como lugar privilegiado dos processos educativos. A família, a Igreja, as associações, os sindicatos, os ambientes de trabalho e estudo e demais espaços de participação política constituem meios para a formação do cidadão consciente”. A educação popular tem provocado reações e compreensões diversificadas. Dentre essas, destacam-se para os educandos, uma possibilidade de sistematizar seus anseios, necessidades e apreender um instrumental técnico-científico para a solução de seus problemas ( CNBB,1992:02- grifo nosso).

O segundo desafio consiste no redirecionamento das ações educativas das forças políticas que se dedicam à construção de um projeto contra-hegemônico para a sociedade brasileira. Estes começam a se voltar para processos educativos com vista à formação de intelectuais de novo tipo: especialistas e dirigentes com patamar superior de educação escolar, o que implica na democratização do acesso à educação superior. Paludo (2000), expressa com propriedade, essa nova perspectiva da educação popular, dos segmentos progressistas da sociedade: (...) para o projeto ir em frente, a alfabetização e a educação de primeiro grau não se mostram suficientes. Por isso, é preciso escolarização de segundo grau e, também, de terceiro. (...) Em que pese as importantes diferenças entre eles, pautam-se pela concepção de Educação Popular, adequando seus pressupostos e avançando na formação de projetos políticos-pedagógicos (Paludo,2000:240- grifo nosso).

O terceiro desafio refere-se à compreensão do papel da escola. Hoje, a escola não mais é compreendida apenas como aparelho reprodutor do projeto hegemônico. Isso faz com que os projetos educacionais de vários governos democráticos

populares,

em

especial

governos

ligados

ao

Partido

dos

Trabalhadores, expressem seus projetos educacionais como projetos de educação popular. Assim, a escola pública se apresenta como espaço possível de práticas de educação popular. Nesse sentido Gadotti (1996) compreende que

76

na crise de educação popular na América Latina hoje, muitos educadores encontram saída no interior do Estado capitalista, abrindo espaço para a construção da educação pública popular, procurando tornar popular a educação oferecida pelo Estado (p.09).

O quarto desafio refere-se à opção de alguns movimentos sociais populares como, por exemplo, o Movimento Sem Terra, em desenvolver projetos de educação popular também nos espaços formais de educação. Esses espaços formais de educação se disseminam a partir das diretrizes gerais de seu projeto de sociedade. “Esses movimentos pensam a educação estrategicamente, isto é, articulada à perspectiva do projeto” (Paludo, 2000: 240). Hoje o MST continua com seu trabalho de educação popular enquanto formação política das massas, mas ao mesmo tempo, traz essa educação popular para dentro dos espaços formais (escolas oficiais coordenadas pelo MST). São escolas de primeiro e segundo graus e, ainda, uma experiência de educação superior no Paraná, que desenvolve cursos em administração e gestão em cooperativismo. O quinto desafio diz respeito às possibilidades transformadoras da democratização do acesso à educação superior, em tempos de hegemonia da educação neoliberal, na qual se constata o predomínio de uma educação para os pobres permeada por uma compreensão de educação popular com a finalidade de suprir o déficit de escolaridade das camadas populares. Logo, uma educação com caráter apenas compensatório. Em geral essas experiências se referem às iniciativas ditas de educação básica e de aceleração de escolaridade de jovens e adultos, iniciativas que majoritariamente visam a conformação da formação aos valores neoliberais. Embora esses desafios se apresentem para a educação popular na atualidade como elementos de sua complexificação, continuam a coexistir, na atualidade, as três concepções de educação popular já analisadas no primeiro capítulo. Ou seja, uma que vê à educação popular como aquela destinada à alfabetização de jovens e adultos (EJA), concentrando suas atividades no espaço escolar. Uma segunda que reserva à educação popular um caráter exclusivamente

77

transformador, concentrando suas ações predominantemente fora do espaço escolar, a exemplo do movimento em defesa de moradia, movimento de mulheres trabalhadoras, movimento de organização de base. A terceira, e mais recente, compreende a educação popular como uma educação política da classe trabalhadora, tanto numa perspectiva emancipatória como num enfoque de conformação ao “status quo” vigente. Essa concepção advoga ser escola e sociedade espaços legítimos de educação popular, sendo o MST um bom exemplo dessa modalidade. A educação popular nos anos 90 do século passado, passa a se consolidar também em temática e ação política de importantes sujeitos políticos coletivos na sociedade, a exemplo do Movimento Sem Terra e Central Única dos Trabalhadores. Cabe ressaltar que a temática da educação popular passa a se incluir mais organicamente na prática do MST e da CUT a partir das primeiras Conferências Nacionais de Formação. Em especial na conferência realizada pelo MST em julho de 1998, cujo título era: “Por uma Educação Básica no Campo”. Na CUT, o marco foi a conferência: ”A Educação do Trabalhador na Construção da Cidadania“, realizada em novembro 1999. Para a Central Única dos Trabalhadores a educação profissional deve vir acompanhada de programas de elevação da escolaridade de jovens e adultos, com ênfase no ensino fundamental e experiências pontuais no ensino médio. Segundo Paludo (2000) essas conferências apontaram para um conceito de educação amplo que envolve as experiências formais e não-formais, vinculado à necessidade de radicalização da democracia substantiva e de construção de um projeto popular de desenvolvimento para o Brasil” (Paludo, 2000: 240- grifo nosso).

No âmbito do Estado, estrito senso, a educação popular passa a ser o propósito dos governos ditos democráticos e populares, portanto, partem de “uma confiança na possibilidade de construção da escola pública com parâmetros

78

populares. Isto é, pautada pela concepção de Educação Popular” (Ibid.).32 Grifo nosso. Em síntese, podemos apontar para três conclusões extraídas das experiências de Educação Popular que se consolidaram na década de 1990, quais sejam: a) tais iniciativas extrapolam os espaços ditos “não-formais”, tal como se verificava nas décadas anteriores, e se concentram também nas iniciativas de escolas públicas de caráter popular; b) embora de forma embrionária, demonstram clareza na perspectiva da educação popular vinculada a um projeto popular de desenvolvimento social, em especial no MST; c) ultrapassam, ainda que de forma um tanto insipiente, a formação para o trabalho simples. Elas vêm demandando também a formação para o trabalho complexo. Ou seja, apontam para a necessidade de ir além da educação básica, buscam alcançar o grau superior de formação escolar. A conclusão toma como parâmetro, sobretudo, as experiências do Movimento de Pré-Vestibulares Populares na década em tela que apontam para a preocupação, dos movimentos populares, em lutar por educação para as massas trabalhadoras. Luta não apenas no âmbito da alfabetização e do ensino fundamental. Um dos elementos diferenciais nesse movimento é que ele nasce de iniciativas dos movimentos sociais organizados pelos trabalhadores. Esse movimento conta com apoio de importantes sujeitos políticos coletivos, tais como o Movimento Sindical e Estudantil, destacando-se a ir atuação da Igreja Católica.

32

Essa tese da educação popular na escola pública é uma tese também defendida por Ana Maria do Vale. Na obra Educação popular na escola pública (2ª ed, Cortez, 1996), a autora analisa a experiência do MOVASP. Paludo em sua tese de doutoramento “Educação Popular- Brasil anos 90: para além do imobilismo e da crítica, a busca de alternativas- uma leitura desde o Campo Democrático e Popular. UFRGS, 2000, também nos apresenta inúmeras experiências de EP em gestões de governos democráticos populares, ligados principalmente à Secretária de Educação do Estado do Rio Grande do Sul. Ressalta ainda o ”Seminário Estadual de Práticas Pedagógicas das Administrações Populares “(1999), (Belo Horizonte-MG, Icapuí-CE, Belém-PA, Santo André-SP, Distrito Federal, Porto Alegre-RS, Chapeco- SC, Palmeira das Missões-RS, Caxias do Sul-RS, Governo do Estado do RS), do qual participaram mais de 20 organizações dos movimentos sociais populares de natureza diferenciada.

79

2.5- Igreja Católica e Educação Política das massas na última década do séc. XX

A partir da encíclica Renum Novarum e notadamente a partir do Concílio Vaticano II a Igreja Católica, esse sujeito político coletivo que Gramsci (1978:27-9), já concebia como uma sociedade civil dentro da própria sociedade civil, permite-se sair de si mesma e ir ao encontro do povo. Segundo Waldo (1991), a partir de então a Igreja Católica abriu-se (...) para a diversidade do mundo” o ad extra dá sentido e fortalece o ad intra “,(...) as múltiplas tarefas junto ao mundo moderno não cabem em um formato institucional único nem em uma metodologia comum de ação (apud: Doimo,1995: 84).

No Brasil, o engajamento da Igreja Católica no trabalho social deu-se, mediante dois planos gerais: o Plano de Emergência, elaborado em 1962, e o Plano Pastoral de Conjuntura para o quadriênio 1966-1970. No (...) primeiro, a ênfase recaía na renovação interna- paroquial sacerdotal e educacional- e, no segundo, enfatizava-se a melhor maneira de inserir o Povo de Deus como” fermento na massa (CNBB, 1966, Apud: 231-grifo nosso).

Essas iniciativas são corroborado pelo documento de Puebla (1979), a partir da denominada “opção preferencial pelos pobres”. No final dos anos 70 e início dos anos 80, influenciados no plano material pelas idéias de “povo como sujeito” do nacional-desenvolvimentismo, setores progressistas da Igreja Católica recuperam as idéias de povo e de participação, esmaecidos durante os anos mais agudos da ditadura militar. No bojo

80

das discussões internas, a IC põe em evidência a idéia de “autonomia das organizações de base”. A esse respeito dirá Doimo: O clamor pela “autonomia” da sociedade contra o totalitarismo e o liberalismo desenfreado é seguido da valorização do papel de organizações profissionais e culturais e do apelo à ajuda internacional como meio de constituição do” povo como sujeito (Encíclica Populorum Progressio, 1966, apud: Doimo,1995: 81).

Essa autonomia na prática, segundo Doimo (1994)33 não significava independência dos movimentos sociais populares em relação à Igreja Católica, que os mantinha atrelados aos seus objetivos. Essa autonomia dizia respeito a independência dos movimentos sociais populares frente a outros sujeitos políticos coletivos que começavam a se destacar naquela conjuntura, em especial, os partidos de esquerda. Segundo estudos dessa autora no qual mostra - através de uma análise de documentos produzidos no interior dos cinco maiores movimentos sociais populares existentes no Brasil no período de 1975-199034 - que a Igreja Católica detêm a hegemonia dessas publicações. Afirma a autora a Igreja católica se sobressai por contar com uma estrutura de dimensão nacional, ramificada capilarmente por todo tecido social.(...), dentre os 295 documentos analisados mais detidamente, 58 foram produzidos por representantes de instâncias hierárquicas e pastorais da Igreja, como arquidioceses, dioceses, prelazias, regiões e paróquias. Além disso, outros 69 documentos foram produzidos por ONGs direta ou indiretamente relacionadas à Igreja totalizando 127 (isto é 43%) documentos que expressam de um modo ou de outro, algum interesse relacionado à Igreja católica (Doimo,1995:118-9 – grifo nosso).

Essas constatações evidenciam uma clara disputa de hegemonia entre sujeitos políticos coletivos no âmbito dos movimentos sociais populares. A Igreja

33

Esse denso estudo está resumido na publicação; A Vez e a Voz do Popular: Movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70. Ed.Relume Dumará: tal estudo foi vencedor do prêmio ANPOCS 1994. 34

Referência feita aos seguintes movimentos: Movimento do Custo de Vida (1974), Movimento de Moradia (1975), Movimento de Luta contra o desemprego (1981), Movimento de Saúde (1970), Movimento de transporte coletivo (1980). Os quais na opinião da autora constituíam os maiores às época.

81

Católica mesmo tendo a transcendência da pessoa como fundamental institucional não abdica de influir nas relações sócio-políticas(Doimo, 1995). Setores progressistas da Teologia da Libertação da Igreja Católica, através das Comunidades Eclesiais de Bases (CEBs), nessa dupla dimensão divina e terrena, têm importância significativa na organização dos movimentos sociais populares e sindicais nos anos 80. Esse papel está presente na criação das comissões de Direitos Humanos. Pesquisa feita pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (1992) revela que 61,55 dos Centros de Direitos humanos espalhados pelo país, foram organizados dentro da Igreja Católica. Não menos importante é o fato de entre os integrantes destes centros, 51,1% revelou participar ou ter participado de movimentos ligados à Igreja (Doimo: 1995). Essa presença sempre marcante também está no Movimento de Educação Popular em relevância nas décadas anteriores a década de 90, conforme realçamos no capítulo I deste estudo. Vale ressaltar que ainda no final dos anos 80 como demanda da Pastoral do Negro, em 1986, a Província Franciscana Imaculada Conceição do Brasil, com o apoio da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) liberou Frei Davi Raimundo dos Santos para desenvolver trabalhos junto à Comunidade Negra. Frei Davi instala o salão Quilombo com a missão de transformá-lo em ponto de referência para a comunidade Negra no Brasil, especialmente, na baixada Fluminense. Dentre as atividades desenvolvidas pelo salão estão: a criação do Pré-Vestibular para Negros e Carentes e missas “inculturadas35” (Candau, 2000: 116). Essa presença também se evidência nos principais embates travados, no período em tela, em relação aos rumos da educação no final do século XX. Merece destaque a mobilização em torno do Movimento Pró-Participação Popular na Assembléia Nacional Constituinte (1987-1988). O poder de mobilização e o papel da Igreja e de seus organismos mostra toda sua força na apresentação de 35

“Inculturadas” é a expressão utilizada pela Pastoral do Negro, para se referir as celebrações onde não se manifesta a predominância de uma única cultura.

82

emendas. Entre as 14 emendas apresentada em relação ao ensino público e gratuito, a de número 10, encabeçada pela CNBB, AEC e Associação Brasileira de Escolas Superiores, obteve 750 mil assinaturas, enquanto a emenda correspondente elaborada pela Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior, Confederação dos Professores do Brasil e União Nacional dos Estudantes, conseguiram 256.849 assinaturas, uma diferença de quase 500 mil.36 A Igreja também esteve presente em emendas sobre participação popular (plebiscito, iniciativa popular de lei e o referendo), reforma agrária, e outras. Sabemos ainda que a Igreja busca consolidar suas propostas fazendose presente no processo de disputa de projetos educacionais no processo na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDBEN. Segundo Nascimento (1995), as propostas desta instituição para a LDB abordavam três questões consideradas fundamentais: 1.a não-exclusividade do estatal como espaço público; 2. o direito inalienável de famílias católicas educarem seus filhos à luz do Evangelho; 3. a qualidade da educação na conflituosa relação entre a educação das elites e a educação das massas (p.136)37.

De modo geral, pode-se afirmar que no processo de democratização da sociedade civil brasileira, dos anos 80, a Igreja Católica, por não agir de forma monolítica, ora reforçou experiências sociais conservadoras, ora reforçou experiência sociais de caráter transformador. Embora também tenha se destacado nas lutas por transformação social, a Igreja Católica mantém sua unidade a partir das diretrizes mundiais do Vaticano, que por sua vez legitimam, substancialmente, as relações sociais vigentes. Nesse sentido, pode-se afirmar que a doutrina educadora da Igreja Católica impôs aos movimentos sociais populares um "terno recuo". 36

A Educação nas Constituintes Brasileiras 1823-1988, (org) Osmar Fávero, Ed. Autores associados. P.294302. 1996. 37 Para um maior aprofundamento das propostas da Igreja Católica no processo da nova LDBN, vê Nascimento. Eliane Araújo. In: Política Educacional nos Anos 90; determinantes e propostas.(coord) Lúcia Maria Wanderley Neves,Ed.UFPE, Recife, 1995.

83

Nos tempos de ideologia neoliberal, a IC redefine a sua atuação quanto à educação política das massas, em especial sua atuação junto aos movimentos de educação. Essa redefinição dirige-se para uma integração com os pressupostos do modelo neoliberal de sociedade. Tal aproximação está internamente vinculada a redefinição de sua doutrina. As novas diretrizes da ação pastoral da Igreja Católica no Brasil, estão registrados no documento da CNBB, DIRETRIZES GERAIS DA AÇÃO PASTORAL DA IGREJA NO BRASIL (1991-1994), no que se refere ao objetivo geral da ação pastoral para o período: EVANGELIZAR com renovado ardor missionário, testemunhando Jesus Cristo, em comunhão fraterna, à luz da evangélica opção preferencial pelos pobres, para formar o povo de Deus e participar da construção de uma sociedade justa e solidária, a serviço da vida e da esperança nas diferente culturas, a caminho do Reino definitivo (CNBB, 1991: 14).

A Igreja abandona a tese da “libertação dos povos” através do trabalho de base em voga em nosso país, até a década anterior e passa a dar ênfase à tese da evangelização através da educação como sua principal diretriz. Evangelizar a educação, isto é, reforçar o que está em harmonia com os valores evangélicos e modificar o que está em contradição com eles nas pessoas, nas instituições, nas estruturas, nas práticas educativas e no próprio sistema educacional. Isto vai exigir dos educadores uma real mudança de mentalidade, das práticas pedagógicas e pessoais.” (CADERNOS AEC – 1996, apud: Santanna, 2001).

No capítulo, Mudanças na Sociedade e Desafios à Evangelização, do documento das Diretrizes Gerais da Ação Pastoral da Igreja no Brasil(1991-1994), constata-se a íntima relação entre as mudanças na organização da produção e da vida na atualidade e a necessidade de redefinição de rumos desse importante sujeito coletivo: O processo de modernização encontra-se na raiz dessas transformações que atingem todas as dimensões da vida humana. É um processo complexo que se manifesta mais claramente nas transformações técnicas, econômicas e políticas, trazendo consigo uma nova visão do homem e da sociedade” (CNBB,1991: 57 - grifo nosso).

84

Dá-se ênfase a três aspectos da modernidade que inquietam a ação pastoral: ”individualismo e emergência da subjetividade; pluralismo cultural e religioso; contradições sociais e causas estruturais “ (CNBB, 1991: 75). Como resposta a essas inquietações a Igreja propõe a: valorização da pessoa e da experiência subjetiva; vivência comunitária e diversificação das formas de expressão eclesial; presença mais significativa da Igreja na sociedade (Ibid.).

Essas novas proposições da Igreja Católica geraram a redefinição de sua atuação política junto as massas, em especial, nas iniciativas de educação popular. Segundo Doimo acontece que, a) O modelo das CEBs cai na berlinda da crítica interna, perdendo terreno enquanto fonte alimentadora das redes movimentalistas locais, e os segmentos intermediários de corte liberal humanista ganham espaço na implementação da linha social da CNBB; b) as ONGs, especialmente as de extração ecumênica e as mais secularizadas, passam a incorporar critérios de eficácia e a dedicar-se a ações mais propositivas em termos de políticas públicas, em detrimento da mera “assessoria” a movimentos populares (1995: 202).

Enquanto entra em refluxo das iniciativas populares extra-escolares, adquire nova ênfase as iniciativas voltadas para a educação escolar. De acordo com a CNBB, A escola e a educação encontram uma tarefa muito mais difícil que na sociedade tradicional. Seus esforços são, muitas vezes, solapados pela influencia dos meios de comunicação social, a desorientação das famílias, a pluralidade de valores e modelos que a sociedade oferece. A tarefa educativa torna-se, ao mesmo tempo, mais difícil, e mais necessária, para ajudar a criança e jovem a adquirir uma personalidade coerente, madura, capaz de opções firmes e de discernimento critico dos valores (CNBB,1991: 66 grifo nosso).

Na conjuntura neoliberal como em outras, esse sujeito político coletivo disputa os rumos da política educacional, o objetivo é, Lutar para que a educação seja uma prioridade nacional; empenhar-se por uma política educacional de qualidade e para todos; envidar esforços pela valorização do professor

85

como pessoa, cidadão, profissional do ensino, da educação, da evangelização, da administração e da mística; lutar por um ensino religioso integrado no currículo escolar de forma interdisciplinar; comprometer-se e apoiar os processos de educação popular; lutar por uma nova ordem social, em vista do Brasil que queremos: economicamente justo; socialmente solidário; politicamente democrático; culturalmente plural; promover a capacidade crítica diante da comunicação social; batalhar pela escola católica, como serviço público nãoestatal: estatal quanto ao seu financiamento; comunitária, quanto à sua gestão; pública, quanto aos seus destinatários (LIMA,1995: apud: Santanna, 2001).

A centralidade da educação escolar, em especial na educação superior na prática faz parte de um projeto da Igreja Católica para a formação de intelectuais de novo tipo já presente em outras décadas: A universidade deve formar verdadeiros lideres, construtores duma nova sociedade, e isto implica, por parte da Igreja, dar a conhecer a mensagem do Evangelho neste meio e fazê-lo com eficácia, respeitando a liberdade acadêmica, inspirandolhe a função criativa, tornando-se presente à educação política e social de seus membros, iluminando a pesquisa científica (CELAM, 1986: apud: Santanna, 2001: 68).

Nos anos 90 a educação escolar, prioritariamente a educação superior38 se consolida entre os objetivos centrais de toda a ação política da Igreja Católica39. Em tempos neoliberais essa perspectiva ganha força, tanto doutrinária quanto política: O grande desafio para as universidades e instituições de ensino superior católicas é, justamente, o de serem católicas e, como tal, de conseguirem criar condições para a formação de lideranças que saibam unir fé, cultura e vida (CNBB – 1992: 63).

A clareza de seus objetivos na formação de dirigentes e reforçada em documentos de suas entidades de defesa: As nossas instituições de ensino devem formar uma elite de homens e mulheres que deverão se colocar a serviço da 38

Segundo Santanna(2001), as universidades confessionais em 1995 eram responsável por 15% do total de matriculas no nível superior. 39 Santanna (2001), atesta nesse sentido a criação nessa década de importantes entidades em defesa da educação escolar Católica, entre outras: Conselho Nacional de Instituições Educacionais Católicas(CONIEC), e a Associação Nacional de Mantenedoras de Escolas Católicas(ANAMEC).

86

Igreja, do próximo e do país. (...) a escola e a universidade católicas, no Brasil, têm acrescida, às suas tradicionais responsabilidades a missão adicional de estarem atentas à formação integral de uma liderança, que se faz cada vez mais necessária, para que possamos manter a esperança de termos, um dia, em nossa terra, uma sociedade justa e solidária (ANAMEC – 1997: apud: Santanna, 2001: 192)

Segundo Santanna (2001), o espaço escolar formal começa a ser percebido pela Igreja Católica como lugar de união entre o preparo técnico para o trabalho e a competência responsável por uma participação política eficaz. A redefinição dos rumos da doutrina e da ação política da Igreja Católica nos anos de evangelização, ajudam a compreender a presença e a natureza da intervenção deste sujeito político coletivo junto as experiências de prévestibulares populares. A Igreja Católica em tempos de evangelização incorpora entre suas diretrizes de ação política a formação de dirigentes provindos das camadas populares, que passam a difundir sua concepção de mundo.

87

CAPÍTULO

III

POPULARES

-

MOVIMENTO

URBANOS:

DOS

NOVAS

PRÉ-UNIVERSITÁRIOS DEMANDAS

DOS

TRABALHADORES POR EDUCAÇÃO?

Num país em que jovens envelhecem do lado de fora das cercas e dos muros da Universidade, queremos, primeiro, dividir o direito de sonhar com ela. Depois, o direito e a responsabilidade de transformá-la (Grêmio politécnico da USP, 2000).

3.1- Conhecendo as primeiras iniciativas de pré-vestibulares populares em nível nacional.

As primeiras experiências de criação de núcleos de pré-vestibulares populares surgem no Brasil na segunda metade da década de 80 e se consolidam na década de 90 do século XX. Originam-se em um cenário econômico, jurídico, político e ético-social de ideologia neoliberal conforme procuramos analisar em capítulo anterior. Essas experiências se desenvolvem em meio a um quadro educacional que, ao mesmo tempo em que indicam expansão das oportunidades escolares para as massas, expressam também as dificuldades das camadas populares de avançar na sua trajetória escolar. Haja vista os dados estatísticos. As referências educacionais desse final de década, segundo conclusão da “Síntese dos Indicadores Sociais divulgada40 pelo Instituto Brasileiro de Estudos Geográficos -IBGE, são indiciais da afirmação. 40

A Síntese dos Indicadores Sociais” foi divulgada pelo IBGE no dia 04 de abril de 2001. Elaborada principalmente pelos dados colhidos nas Pesquisas Nacionais de Amostra de Domicilio (PNADs), realizadas anualmente em cerca de 100 mil domicílios brasileiros, distribuídos proporcionalmente por todas as regiões do país.

88

Diz a síntese que das crianças entre 7 e 14 anos, 95,7% estão na escola, sendo que 70% dos que estão na escola, apresentam dificuldades de aprendizado e demonstram ainda uma grande taxa de defasagem41 idade/série nessa faixa etária. Em 1999, esse percentual caiu para 72,75%, sendo que no nordeste esses números são 87,9%. No sudeste essa taxa alcançou 63,5% o que não chega a significar um grande avanço diante do alarmante índice. Esses índices evidenciam a má qualidade do nosso sistema educacional. Sinalizam também, que nossas preocupações não devem está voltadas apenas para quantos entram na escola, mas também para quantos permanecem nela. Sobre esse aspecto, o número de analfabetos, assim como daqueles que apenas passam pela escola é bastante ilustrativo. Segundo estatística a taxa de analfabetismo no país é de 42,7%, se levarmos em conta os analfabetos (13,3%) mais os analfabetos funcionais (29,4%)42, evidenciando que ainda é bastante pequeno o contingente populacional que conclui o ensino fundamental. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional(LDBEN) 9394/96, a educação básica é compreendida como um nível de ensino que se compõe da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio. Embora a demanda por ensino médio seja ainda restrita, percebe-se que na última década, devido ao maior grau de urbanização, à maior participação política das massas urbanas, bem como à nova dinâmica da reestruturação produtiva houve um crescimento significativo da matrícula nesse nível de ensino. Entre 1994 e 1999 ocorreu um crescimento de 57,33%. Especificamente em 1999, a rede pública estadual cresceu em 15,8%. Esta rede foi responsável pelo atendimento de 79% do total de alunos do ensino médio. Nesse mesmo ano, coube à rede pública, em seu conjunto, o atendimento de 84,2% da matrícula total desse grau de ensino, compreendendo, assim, 7.767.091 alunos (MEC:1999). Enquanto há expansão do

41 42

Defasagem idade série fere-se aos alunos que não estão cursando a série apropriada a sua idade. São considerados analfabetos funcionais aqueles com menos de 4 anos de estudos.

89

ensino médio na rede pública, nas escolas privadas, verifica-se, no mesmo ano, uma queda de 0,2%. O número de matricula é de1.224.178 (MEC:1999).43 Este aumento acelerado da matrícula do ensino médio faz aumentar, também de forma acelerada, o número de pessoas que concorrem a uma vaga aberta nas universidades públicas. 2,9 milhões de candidatos concorrem a apenas 450 mil vagas. Essa demanda aumenta o número de ingresso no ensino superior. No período de 1994 a 1999 houve um crescimento de 61,9%. Deste total 29,9% ingressaram nas instituições de ensino superior federal, 49,6% nas estaduais e 77,8% nas instituições de ensino superior privada, esse crescimento das instituições privadas indicam o caráter seletivo por origem de classe, do acesso à educação superior. A expansão da matrícula da educação básica dá-se como requisito indispensável para inserção da força de trabalho nos novos processos produtivos. Esta diretriz é mais claramente perceptível, quando se trata do ensino médio. Na compreensão oficial o ensino médio é claramente a educação básica, e, portanto de caráter geral. A educação básica mantém uma relação de complementaridade com a educação profissional, que deve capacitar “jovens e adultos (com capacidades e habilidades gerais e especificas) para o exercício de atividades produtivas”. Essa capacitação objetiva, em níveis diferentes; i) qualificar, reprofissionalizar e atualizar jovens e adultos com qualquer nível de escolaridade; ii) habilitar profissionais matriculados ou egressos no nível médio ou da educação superior, iii) especializar e aperfeiçoar profissionais (Berger, 1999, apud: Oliveira,2001:63).

Nessa perspectiva, o MEC se vale da teoria das competências 44, como suporte teórico-metodológico da organização curricular. Segundo o MEC Competências são as modalidades estruturais da inteligência, ou melhor, ações e operações que utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos, situações, 43

Esses dados estão em Indicadores da Educação no Brasil. 28 de setembro/1999. www.mec.gov.br, consultado em 07/07.01. 44

Cf. Françoise Ropê & Lucie Tanguy. Saber e competências: Ouso de tais noções na escola e na empresa. Papirus, São Paulo, 1997. Como também Marize Nogueira Ramos. Da qualificação à competência: deslocamento conceitual na relação trabalho-educação. Tese de doutorado, UFF, 2001.

90

fenômenos e pessoas que desejamos conhecer. As Habilidades decorrem das competências adquiridas e referem-se ao plano do “saber fazer (Brasil/MEC/INEP,1998, apud: Oliveira, 2001: 63).

Estudos mais recentes, contrariando a perspectiva governamental de expansão da educação básica, indicam que essa expansão da rede pública de ensino, longe de indicar o aumento da possibilidade da formação para o trabalho qualificado de nível superior, consubstanciam ações no sentido de dirigir as camadas populares diretamente para o mercado de trabalho. A educação básica para um conjunto significativo da população é o limite da terminalidade do seu processo de aprendizagem escolar. Em meio a esse cenário educacional vão se consolidando experiências de pré-vestibulares populares que tiveram seu início ainda no final da década anterior. De modo geral, essas experiências contam com o envolvimento de cinco sujeitos políticos coletivos: a Igreja Católica, o Movimento Negro, o Movimento Estudantil, Movimento Sindical e o Movimento comunitário. A Igreja Católica atua através da Pastoral do Negro, o Movimento Negro, por sua vez, atua através de suas diferentes vertentes, o Movimentos Estudantil passa a acolher nesta década, demandas pela democratização do acesso ao ensino superior. Em minoria, o Movimento Sindical e o Movimento Comunitário, voltam-se para essas iniciativa de educação popular com o objetivo de renovar e preparar dirigentes, como também, de renovar suas formas de ações. Merece registro, ainda, as iniciativas governamentais que surgem no final da década, com vistas a trazer para sua área de influência, experiências de caráter popular. Essas iniciativas traduzem-se majoritariamente na concessão de subsídios financeiros à iniciativas existentes, ou ainda, em estímulos à organização de novos pré-vestibulares para as camadas populares, experiências completamente descaracterizadas em relação às iniciativas originais.

91

No Brasil, essas experiências de pré-vestibulares populares situam-se nas áreas urbanas de todo o país e se concentram até então, em sua maioria, na região sudeste brasileira. Duas dessas experiências destacam-se em âmbito nacional por terem servido de referência para a criação das demais. Tratam-se da iniciativa surgida no Rio de Janeiro em 1986, ligada ao Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (SINTUFRJ), e da experiência de Salvador (1992), desenvolvida pelo Instituto Educacional e Beneficente Steve Biko. Atualmente são em de aproximadamente 800 núcleos de experiências de pré-vestibulares populares espalhados por todo o Brasil (Davi, Jornal O Dia: 10.04.2001). Estes, apesar da sua diversidade, apresentam no seu interior, algumas características comuns. A primeira destas característica diz respeito ao público ao qual se destina. Em geral, todas são iniciativas voltadas para setores, grupos ou frações excluídos socialmente do acesso ao ensino universitário, alunos oriundos predominantemente de escolas públicas. A segunda é o caráter de gratuidade. Na maioria dos núcleos existe apenas a cobrança de uma pequena taxa mensal dos seus participantes no valor de 10% do valor do salário mínimo nacional para manutenção de suas estruturas e subsídio para o transporte dos professores e coordenadores que realizam uma participação voluntária. A terceira característica refere-se ao conteúdo curricular. Há um cuidado especial para que os conteúdos não sejam formalmente trabalhados com vistas a “passar no vestibular”. Recomenda-se que estes sejam tratados criticamente. Na maioria dos núcleos encontra-se a existência de um eixo curricular denominado Cultura e Cidadania no qual são trabalhados temas de relevância para a construção de um conhecimento crítico por parte dos participantes, acerca de sua condição de discriminação social. Apesar desses pontos de confluência, ainda existem vários outros em debate entre os participantes dessas diversas experiências, dentre a discussão sobre o que, de fato, caracteriza essas experiências. Seriam elas pré-vestibulares ou pré-

92

universitários? Constituem um movimento de educação popular ou um movimento de educação comunitária? Há uma preocupação em não se reforçar o vestibular, por se entender que este configura um importante mecanismo de exclusão, no campo educacional. Para evitar este reforço prefere-se a denominação pré-universitário, como afirmação de um direito. Expressa este pensamento a observação do núcleo pré-Tijuca. Para este chegará o dia em que o PVNC não mais existirá pois ele terá alcançado o seu objetivo maior: uma educação digna e igualitária para todos” (Pré-Tijuca. 25/07/99). No que se refere ao debate quanto à denominação popular ou comunitário, há uma preferência pela denominação popular porque identifica mais claramente tanto a origem de classe desses grupos quanto o projeto educacional também de classe. A denominação comunitário é defendida por ser um termo facilitador da ampliação da participação do conjunto da sociedade nessas iniciativas. O segundo ponto divergente diz respeito à cobrança de contribuição dos participantes e ao recebimento de ajudas financeiras externas. Para alguns a existência de tais itens descaracteriza o caráter popular dessas iniciativas. A gratuidade seria o elemento que delimitaria o caráter popular dessas experiências. Para outros, no entanto, esta delimitação não depende somente da gratuidade, é conseguida através da definição clara de seu projeto político-pedagógico. Embora não se tenha um levantamento preciso sobre o total de experiências de pré-vestibulares populares, existem casos relevantes em todas as regiões do país.45 As Experiências no Nordeste:

45

Temos total consciência dos limites que nos impedem de realizar um mapeamento dessas experiências por todo o Brasil e afirmamos a urgente necessidade de que isso seja feito no sentido de contribuir na organização e construção da história desse movimento. Parte do material utilizado como fonte das experiências existente no Brasil foram adquiridos durante nossa participação no I ENCONTRO DE EXPERIÊNCIAS DE PRÉ-VESTIBULARES POPULARES- ocorrido na UFSC/Educação de 04 a 06 de maio de 2000, em Florianópolis.

93

No nordeste registra-se a experiência realizada em Fortaleza, no Estado do Ceará, denominada PROJETO NOVO VESTIBULAR (PNV). Ela surge em 1987, como projeto de extensão de iniciativa de alguns alunos do curso de história da Universidade Federal do Ceará- UFC, membros do Diretório Acadêmico Frei Tito de Alencar. Posteriormente a iniciativa deixa de ser um projeto de extensão universitária e passa a ser uma ação especifica do Diretório Acadêmico. Para o diretório o compromisso do projeto é com a escola pública, com uma proposta para a educação como algo democrático e coletivo, uma preparação para a universidade no próprio universo acadêmico (PNV:1996).

Essa iniciativa funciona com estatuto próprio, oferece aulas diariamente no horário noturno e conta com cerca de 10 turmas contendo 30 alunos cada. Mantém, além das disciplinas do ensino médio, um eixo curricular denominado Jornada Cultural composto de encontros para discussão de temas como: a universidade em debate, neoliberalismo e educação, movimento estudantil e universidade. Funciona com coordenações setorizadas e assembléias compostas por alunos e professores. Os alunos contribuem com 10% do salário mínimo nacional. Privilegia o acesso dos seus participantes à universidade pública, obtendo nos primeiros anos de sua existência um índice de aprovação de 70% dos seus alunos. Essa experiência se dissemina paulatinamente entre os diretórios acadêmicos, com destaque para os núcleos de pré-vestubulares dos diretórios acadêmicos dos cursos de Direito e o de Medicina. Servindo também como inspiração para outros diretórios acadêmicos da outra universidade pública da capital - Universidade Estadual do Ceará (UECE). No final da década de 90, o governo municipal Jurai Magalhães (PMDB), lança o PRÉ-VESTIBULAR DE FORTALEZA “NOSSA VEZ” - PVNV, para 10 mil inscritos, sendo uma iniciativa governamental inédita no país. Vejamos na fala do prefeito o objetivo dessa iniciativa: Agora, as chances de êxito ficará mais próximas para o estudante fortalezense diante de uma batalha que sempre se

94

arrastou com grande desigualdade de forças. O PréVestibular Nossa Vez chega para se converter justamente numa ferramenta que contribui para o equilíbrio das capacidades de competição . É nossa iniciativa, sua oportunidade e o desejo de fazer a educação de fortaleza dar certo (Magalhães; jornal Diário do Nordeste. 08.02.2001grifo nosso).

Tal iniciativa teve repercussão em diversos segmentos da “burguesia de serviços” do Estado. Senão, vejamos o depoimento do reitor da maior universidade particular do estado, a Universidade de Fortaleza- UNIFOR, e o depoimento do superintendente do maior jornal do estado; O Nossa Vez irá contribuir para definição de uma nova realidade social, que democratiza o conhecimento dando oportunidade à estudante que irão participar do projeto de terem um futuro promissor” (Batista- reitor Unifor: jornal Diário do Nordeste: 08:02:200 -grifo nosso). O Nossa Vez dará ao estudante da rede pública condições concretas de participar com sucesso de um concurso tão difícil e disputado como o vestibular (Pádua Lopes, superintendente do jornal Diário: Ibid.).

Essa ação governamental apresenta, no entanto, características distintas das experiências surgidas dos movimentos sociais de “baixo para cima”. O PRÉ-VESTIBULAR “NOSSA VEZ” se estrutura como um programa anual de educação continuada, gratuito, integrado por dois cursos semestrais cujo objetivo é “preparar para o vestibular de nossas universidades e demais instituições de ensino superior” (Dourado: fascículo-aula, n.º 01. 2001-grifo nosso). As aulas do Nossa Vez acontecem em um ginásio esportivo. São “aulas-show”. Segundo Dourado “não é exagero dizer que teremos uma aula-show. Os professores são treinados para fazer com que o estudo se torne algo prazeroso” (PVNV, 2001). Além das “aulas-shows”, que acontecem uma vez por semana, os alunos inscritos recebem através do jornal Diário do Nordeste um fascículo-aula por semana, como também têm acesso a 20 programas de 90 minutos veiculados na TV Diário pertencente ao mesmo grupo do jornal. Os envolvidos nesse projeto são Prefeitura Municipal de Fortaleza, sistema Verdes Mares (jornal e TV) e Fundação Edson Queiroz (Universidade de Fortaleza).

95

Percebe-se uma clara disputa de hegemonia dessas iniciativas por parte do governo municipal, contando com o apoio da “burguesia de serviços” do Estado que controla as maiores redes de serviços educacionais e de comunicação. A experiência tem um discurso em sintonia com o ideário neoliberal. Afirma que o indivíduo é o único responsável pelo seu êxito. Ela contribui para a privatização do ensino superior, por acreditar que cabe aos órgãos governamentais fortalecer as parcerias com as empresas educacionais. Na Bahia, a prática de pré-vestibular popular se consolidou após a realização do I Seminário dos Estudantes Universitários Negros (SENUN) ocorrido em Salvador em 1993. Constitui-se um apoio à iniciativa que tinha nascido em 1992 no Instituto Educacional e Beneficente Steve Biko que tem como objetivo apoiar e articular a juventude negra da periferia de Salvador, e colaborar para a entrada de jovens das camadas populares nas instituições de ensino superior. Os sujeitos políticos coletivos presentes, inicialmente são entidades voltadas para a questão racial naquela cidade. As Experiências no Sul: O PRÉ-VESTIBULAR DESAFIO (1993) surge como projeto de extensão, por iniciativa de um grupo de Estudantes de graduação e pós-graduação da Universidade Federal de Pelotas comprometidos com o combate a

“exclusão

cansativa e repetitiva(...), que afasta milhões de jovens de sonhos para um amanhecer mais doce e mais rico” (Desafio: 93, apud: Thum, 2000: 74). O projeto se propunha, segundo seus autores, muito mais que aprovar no vestibular mas “oportunizar à classe trabalhadora o acesso a cultura elaborada, no intuito de elevar à cultura das classes subalternas para que elas, autonomamente se organizem” (Thum, 2000: 74). O PRÉ-VESTIBULAR DA CIDADANIA

surgido

em

1995,

em

Florianópolis-SC, foi organizado pelo Centro de Educação e Evangelização Popular (CEDEP). O núcleo que atualmente conta com 160 vagas para alunos das camadas

96

populares e se encontra dentro de um conjunto de outras ações educativas, (Oficina do Saber e o Magistério Popular). O CEDEP, segundo, Thum (2000), tem como princípios, no desenvolvimento de seus projetos, a formação de “redes de cooperação”, tecidas através da articulação com entidades e instituições governamentais e não governamentais (nacionais e internacionais), comitês ou grupos organizados da sociedade civil e empresas, que ajudam a sustentar iniciativas de educação e organização comunitária (p.76).

O PRÉ-VESTIBULAR ZUMBI DOS PALMARES, criado em 1996, em Porto Alegre/RS, presta uma homenagem aos trezentos anos de Zumbi, comemorado em 1995. Só atende alunos oriundos de escola pública. As vagas oferecidas em 2000, foram 245, subdivididas em seis núcleos. Conta com a contribuição de 5% do salário mínimo nacional dos alunos para material didático e os professores são voluntários (Amaral, 2000:13-5). As Experiências no Sudeste: Em São Paulo (capital), onde, segundo pesquisa do Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE/2000), dois milhões de jovens entre dezoito e vinte e quatro anos estão fora da escola, quase todas as iniciativas - de pré-vestibulares as quais tomamos conhecimento - são iniciativas ligadas ao Movimento Estudantil e denominadas de cursinho: O CURSINHO DA POLI (Grêmio da Politécnica da USP), funciona desde de 1987. É um projeto social de extensão universitária organizado e mantido pelo Grêmio Politécnico da Universidade de São Paulo (USP), que privilegia o acesso à universidade pública. O núcleo consegui ampliar suas vagas de 850, em 1987, para 8 mil vagas no ano 2000. Contando com o apoio de 850 pessoas e com parcerias com o Sindicato dos Bancários de São Paulo, Fundação Estadual para o Bem-estar do Menor (FEBEM), Fundação de Amparo ao Preso (FUNAP) e de diversos setores da USP, tornou-se o maior projeto liderado pelo movimento estudantil na América Latina. “O Cursinho é um projeto político do movimento estudantil de defesa da

97

universidade pública e da democratização do ensino” (Cursinho da Poli, 2000: 11). Seu objetivo central é formar cidadãos conscientes do seu papel na sociedade e capazes de se organizar em grupos para buscar soluções para seus problemas.(...) colaborar na educação dos jovens para a atuação política, que participem das discussões públicas e lutem por transformações (Cursinho da Poli, 2000: 06).

O CURSINHO DA POLI que funciona em uma ampla sede própria, conta com um material didático próprio, elaborado com a colaboração de professores da USP. Esse material está à disposição de outros cursos pré-vestibulares. Já o CURSINHO DO CENTRO ACADÊMICO DO DIREITO DA USP, denominado XI DE AGOSTO funciona desde 1997 e oferece atualmente 300 vagas. O CURSINHO DA PSICOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO- USP (Centro Acadêmico da Psicologia da USP), por sua vez, nasce em 1999, e atende a 400 estudantes pré-universitários, com objetivo de inclusão social que tem como meta contribuir para democratizar o Ensino Público Superior de qualidade, ao mesmo tempo em que busca oferecer a oportunidade para que as pessoas exercitem a cidadania que lhes é natural e inalienável (Cursinho Psico-USP, 1999: 01).

O CURSINHO ALTERNATIVO HERBERT DE SOUSA, criado por estudantes da Unicamp em 1998, inicialmente atendia a 80 alunos. Em 2000 o número de vagas chega 400. Funciona em sede própria construída em parceria com a Associação dos Moradores do Parque Vila União. Já o CURSINHO DA MORADIA: Formação de jovens e adultos Universitário e não Universitário é uma iniciativa ligada aos Estudantes/UNICAMP/Campinas. Nasce no final de 1998, após uma notícia de que a Reitoria da Unicamp iria cobrar uma taxa dos estudantes residentes na Moradia Estudantil. A resposta dos estudantes residentes foi oferecer em troca da cobrança de taxas, um trabalho social junto à população próxima ao terminal rodoviário de Barão Geraldo, e comunidades próximas ao Campus. Assim, 1999, nascem as primeiras turmas de pré-vestibular, como também um núcleo com aulas

98

de supletivo de ensino fundamental, denominado Vivência Educacional de Jovens e Adultos (VEJA). Os estudantes da moradia estudantil, onde o núcleo funciona, são responsáveis por sua organização e gestão. O núcleo conta com a participação de professores voluntários, estudantes de graduação e de pós-graduação da Unicamp e de outras instituições de ensino, somando 40 pessoas. Funciona em regime anual, com aulas diárias no período noturno. Segundo seus organizadores “o fim deste trabalho não é, em hipótese alguma, suprir as deficiências existentes no sistema educacional formal, mas sim contribuir para uma maior reflexão do mesmo” (Cursinho Moradia,2000). Existe também em São Paulo o CURSINHO COMUNITÁRIO para negros e estudantes de baixa renda, denominado THEMA EDUCAÇÃO, criado em 1998, ligado ao movimento negro, da comunidade do Tucuruvi, com 07 núcleos e com equipe composta de professores e participantes voluntários. Este tem por objetivos: Apoiar a formulação e implementação de políticas públicas e privadas e de ações sociais em face às grandes desigualdades econômicas, sociais e culturais ainda existente no País, visando à plena realização do direito ao desenvolvimento”; objetiva-se nesse projeto educacional o resgate da democracia. Valorizar a essência e a capacidade individual dos alunos excluídos, com fins de contribuir para o processo de democratização do Estado e da sociedade brasileira a partir da construção da cidadania (Thema Educação, 2000: 05).

Vale ressaltar também, as experiências dos núcleos ligados à Pastoral do Negro/Igreja Católica, que têm inicio a partir de 1992, e contam com o apoio da EDUCAFRO, uma entidade de Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes, que se legalizou em 1997. É uma entidade de inspiração cristãfranciscana, com estatuto próprio, e que tem entre seus projetos experiências de prévestibulares em São Paulo e também no Rio de Janeiro. Suas ações visam a inclusão desta clientela nas instituições de ensino superior através do pré-vestibular e o “fomento de Ações populares, Ações Civis Públicas, Mandatos de Segurança, e a busca de bolsas (de estudos) nas universidades particulares” (Thum, 2000: 55). 99

Embora existam, experiências nas regiões Norte e Centro-Oeste, não foi possível neste estudo, o acesso a documentação pertinente. Seguramente, esses relatos, não exaustivos, dão conta da força e da expansão das experiências dos prévestibulares populares no Brasil contemporâneo.

100

3.2 – As Experiências dos Pré-Vestibulares Populares no Estado do Rio de Janeiro

As experiências de núcleos de pré-vestibulares populares no Estado do Rio de janeiro se consolidam nos anos 90. No ano de 2000 estavam contabilizados 128 núcleos. Sua quase totalidade situava-se na região metropolitana e no município do Rio de Janeiro. Na região metropolitana localizavam 51% do total dos núcleos e no município do Rio de Janeiro, 49%. Essas experiências são organizadas por diferentes sujeitos políticos coletivos: Igreja Católica, prioritariamente através da Pastoral do Negro; Movimento Negro; Movimento Estudantil; Movimento Sindical e Movimento Comunitário. Por se constituírem organizacionalmente em forma de Movimento, tornam-se mais significativas as experiências que contam com o apoio da Igreja Católica/Pastoral do Negro e diversas vertentes do Movimento Negro, denominadas de Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC). Do total dos 128 núcleos, 45 pertencem a esse Movimento. Destacaremos neste item algumas dessas experiências existentes no Estado do Rio de Janeiro, iniciando-se pelas sindicais. As experiências do Prévestibular para Negros e Carentes, ligadas a Igreja Católica/Pastoral do Negro e Movimento Negro, serão estudadas conjuntamente. A experiência do Movimento Sindical é também a mais antiga e vem servindo de referência para a criação de novos pré-vestibulares populares no Estado e no país é o projeto de Pré-vestibular do SINTUFRJ, desenvolvido desde 1986 pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRJ (SINTURFJ), filiado à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Ele integra o projeto Universidade para os

101

Trabalhadores que é uma experiência educacional e cultural criada e desenvolvida pelo SINTUFRJ46. Para seus integrantes, o projeto de pré-vestibular é uma experiência pedagógica que busca democratizar o acesso dos trabalhadores às universidades públicas e contribuir para sua formação profissional, política e cultural. Uma experiência pedagógica que tem entre os seus objetivos, contribuir para uma formação de um embasamento teórico crítico” ( SINTUFRJ, 1998).

O curso é gratuito e aberto aos trabalhadores em educação da UFRJ e seus dependentes, aos trabalhadores sindicalizados de outras universidades públicas, aos trabalhadores sindicalizados de outras categorias profissionais e às comunidades populares do Rio de Janeiro. Em 1996 esteve em 8º lugar no ranking de aprovação do vestibular da UFRJ, e conseguiu aprovação da maioria dos seus alunos em universidades públicas. Em 1998, atendendo a 200 alunos, obteve ótimos resultados nos exames de seleção para as universidades públicas, quando alcançou a marca de 50% de aprovados. A implementação desse projeto de pré-vestibular nasce da demanda apresentada por uma pesquisa feita pelo sindicato junto aos funcionários da UFRJ. Para sua implementação contou com o apoio do SINTUFRJ, do Diretório Central dos Estudantes e de alunos de graduação e de pós-graduação da UFRJ, que compuseram a primeira equipe de professores do projeto. Atualmente o SINTUFRJ assume toda a estrutura de desenvolvimento, sem nenhum apoio da Reitoria da UFRJ claramente vinculada ao projeto neoliberal de sociedade. Para o SINTUFRJ desde seu inicio, o pré-vestibular vem se mostrando uma experiência repleta de desafios pedagógicos e políticos, que se refletem na tentativa de construir uma prática pedagógica que desenvolva uma consciência crítica e, ao mesmo tempo prepare os alunos para os exames vestibulares (1997:07).

46

O Projeto Universidade para os Trabalhadores “propõe-se a contribuir para a formação educacional e cultura dos funcionários da UFRJ e seus dependentes, dos trabalhadores sindicalizados e de moradores de comunidades populares, através de três sub-projetos: a) curso Pré-vestibular, b) curso de alfabetização e supletivo de 1º e 2º graus; c) curso de formação sindical e cultural(oficinas de teatro, canto coral, musical, dança, criação literária)” (SINTUFRJ, 1997: 05).

102

No plano pedagógico, essa experiência, como todas as demais, se depara com trabalhadores jovens e adultos com pouco tempo para se dedicarem a essa atividade e com um alto índice de defasagem nos conhecimentos que deveriam ter sido adquiridos durante a escolarização básica. Para responder a esses desafios, seu coletivo de professores e de alunos vem procurando construir um processo de ensino-aprendizagem que “construa um conhecimento real e crítico dos conteúdos exigidos pelos vestibulares, através de um permanente trabalho de reflexão sobre o ensino de cada disciplina” (SINTUFRJ,1997: 07). No plano político, existe um espaço de debates e reflexões da prática social dos alunos trabalhadores que fazem parte do projeto com os seguintes objetivos; Contribuir para a formação de uma consciência de classe fundamental na vida social e na futura trajetória universitária. Objetivar que o aluno ocupe o papel de sujeito no processo de ensino, desenvolvendo a capacidade de pensar criticamente a si e à realidade em que vive (Ibid.).

Há, ainda no campo sindical a iniciativa do Pré-Vestibular Alternativo da ASUERJ- Associação dos Servidores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, criado em1998, e implementado de forma gratuita para funcionários da universidade e seus dependentes. A partir de 1999 esse núcleo ampliou o número de vagas também para a comunidade externa oriunda de escolas públicas, com a cobrança de R$ 30,00 de mensalidade. Funciona atualmente com quatro turmas de 60 alunos, em um total de 240 alunos. A estrutura administrativa do núcleo é formada por uma coordenação com representantes de alunos, diretores da ASUERJ, professores e associados. O pré-vestibular tem também um convênio com a Faculdade de Educação da UERJ para estágios de alunos do cursos de pedagogia. Realiza ainda uma série de atividades formativas e procura participar do debate interno da universidade. Segundo seus coordenadores um dos objetivos do pré-vestibular alternativo da ASUERJ, é contribuir no papel de conscientização do servidor e da comunidade externa sobre a importância da universidade pública.

103

Merece destaque, ainda, no conjunto das experiências desenvolvidas no estado do Rio de Janeiro algumas iniciativas implementadas sob a responsabilidade do Movimento Estudantil; tais como o Pré-Vestibular comunitário, oferecido desde 1996, pelos alunos da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ; o Pré-Vestibular Popular ligado ao Diretório

Acadêmico

dos

Estudantes

da

Universidade

Federal

Fluminense/DCE/UFF e o Pré-Vestibular Zumbi dos Palmares, criado desde de 1995, por iniciativa de estudantes de universidades públicas e militantes de movimentos populares de Niterói. Destacam-se entre as experiências do Movimento Comunitário: o Prévestibular da Maré, criado em 1998, pelo Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM)47. Essa experiência conta com apoio técnico e pedagógico dos profissionais do pré-vestibular do SINTUFRJ, desde a concepção do núcleo à sua implementação. Até o ano de 2000, 151 alunos do pré-vestibular da Maré já tinham conseguido vagas em universidades públicas e na Pontífice Universidade Católica (PUC). Os alunos que entraram para a universidade assumiram turmas de prévestibular no CEASM. Vale registrar também, o Pré-Vestibular Mangueira Vestibulares, criado em 1990, fruto da iniciativa de um grupo de professores de uma escola pública na comunidade da Mangueira, que decidiu por estimular seus alunos da rede pública do ensino médio a lutarem pelo acesso a formação de nível superior em instituições públicas. Assim, criaram a primeira turma do Pré-Vestibular Mangueira Vestibulares. Entre os compromissos da primeira turma, estava o de que os alunos que conseguissem acesso à educação superior assumissem paulatinamente funções de docência e coordenação no núcleo.

47

Segundo o Censo Maré realizado pela organização não-governamental que mantém o pré-vestibular da Maré (os recenseadores são integrantes do Pré-Maré) , o Complexo da Maré é composto de 17 comunidades com 38.083 barracos, casas e apartamentos, como cerca de 115 mil pessoas. É onde se concentra apenas 1,6% da população com nível superior. Jornal do Brasil , 10 de dezembro de 2000.

104

Outra iniciativa comunitária que merece destaque é o Pré-Vestibular Comunitário de Osvaldo Cruz (bairro do subúrbio carioca). Criado em 1996, por iniciativa do Centro Comunitário de Capacitação Profissional Paulo da Portela. Um dos compromissos do núcleo é a defesa da escola pública em todos os níveis. Segundo cadastro de isenções de taxas para o vestibular da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), 199948, os prés- vestibulares populares estão assim distribuídos nos municípios :

48

A conquista das isenções de taxas para o vestibular da UERJ de 1999, foi fruto da luta dos pré-vestibulares populares em especial o PVNC que conseguiram na justiça uma liminar que obrigava a instituição a conceder isenção da taxa de matrícula para o vestibular na época R$ 65,00, a 14 mil estudantes oriundos dos prévestibulares populares e de escolas públicas. Jornal do Brasil, 15/set/1999- caderno cidade.

105

PRÉS DESVINCULADAS À REDE PVNC POR MUNICÍPIOS (%) 8%

5% 9%

52%

8% 5% 4%

9%

Rio de Janeiro

Duque de Caxias

São João de Meriti

Nova Iguaçu

Niterói

Petrópolis

Nilópolis

Demais

PRÉS-VESTIBULARES POR MUNICÍPIOS (%) 5%

6% 6% 6%

45%

10% 10% 12% Rio de Janeiro

Duque de Caxias

São João de Meriti

Nova Iguaçu

Niterói

São Gonçalo

Nilópolis/Belford Roxo

Demais

NÚCLEOS DO PVNC POR MUNICÍPIOS (%) 2% 2%

4% 33%

18%

20% 21%

Rio de Janeiro

Duque de Caxias

São João de Meriti

Nova Iguaçu

Niterói

Petrópolis

Belford Roxo

106

3.2.1- Conhecendo o Movimento: Pré-Vestibular para Negros e Carentes

O movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC) surgiu com seus primeiros núcleos em São João de Meriti na Baixada Fluminense 49 em 1993, motivado por algumas iniciativas anteriores: a) a experiência da Pastoral do Negro em São Paulo que, conseguiu através do Cardeal Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns, a concessão de 200 bolsas de estudos, na PUC-SP, para participantes de movimentos negros e populares, em 1989; b) a experiência da Bahia, através da criação da cooperativa Steve Biko; c) o pré-vestibular para trabalhadores criado pelo SINTUFRJ; e o pré-vestibular Mangueira Vestibulares. O primeiro núcleo do Pré-Vestibular para Negros e Carentes- PVNC, foi concebido e organizado por iniciativa de um grupo de educadores oriundos da Pastoral do Negro da Igreja Católica. É resultado do descontentamento com as dificuldades de acesso ao ensino superior, principalmente dos estudantes de grupos populares discriminados. Segundo a Carta de Princípios do PVNC, a proposta inicial baseou-se em duas constatações: em primeiro lugar, a péssima qualidade do ensino de 2º grau na Baixada Fluminense; segundo, o baixo percentual de estudantes negros nas universidades (menos de 2% dos estudantes, em 1993” (PVNC,1999: 03).

No ano de 1994, o PVNC começa a reunir os diversos núcleos que foram surgindo na região metropolitana e município do Rio de Janeiro, para um ação mais orgânica, com o objetivo de se constituir como movimento de educação 49

O município de São João de Meriti, é uma cidade que fazia parte do município de Duque de Caxias, tendo sido emancipada em 1947. Hoje estima-se que a população atinja 650.000 habitantes e o PIB municipal está divido entre 305 para indústria e 705 para comércio e serviços. O município é administrado por um grupo político familiar conservador, liderado pelo prefeito José Camilo Zito do Município de Caxias, e São João de Meriti tem como prefeita sua mulher. Segundo dados do IBGE/1991, no que se refere a educação o índice de alfabetização era de 815. No Município existem 37 unidades escolares que atendem: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos.Na educação Infantil, existem 4 creches. Do ciclo básico da alfabetização à 4ª série há 23 escolas. Apenas uma escola atende somente os alunos de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental. O Município tem também 36 escolas e 21 CIEP,s Estaduais que oferecem Ensino Fundamental e Médio. No ensino privado tem 75 escolas que oferecem da Educação Infantil ao Ensino Médio e uma Universidade, a UNIG(Universidade de Nova Iguaçu), que oferece os cursos de Direito, Processamento de Dados, Pedagogia e Letras.(Candau, 2000: 114-5)

107

popular. Nasceram a partir de então as Assembléias Gerais, as equipes de reflexão racial e pedagógica, a equipe do jornal e as equipes de organização das aulas e do eixo curricular denominado Cultura e Cidadania, com o objetivos de realizar um trabalho de formação política, desenvolvendo atividades que contribuam para compreensão históricocrítica da sociedade, das relações éticas, das contradições e conflitos da realidade social” (PVNC, 1999: 04).

Atualmente o PVNC conta com 45 núcleos, cada núcleo com aproximadamente 60 alunos, perfazendo um total aproximado de 2700 alunos. Os núcleos funcionam em ritmo intensivo, a grande maioria com atividades aos sábados em horário integral (das 8:00 às 20:00). Há um intervalo de 5 minutos entre as atividades e 1h e 30 minutos de almoço que são organizados coletivamente com a contribuição de todos os presentes. Alguns poucos núcleos são noturnos e funcionam das 19 às 22 horas. Os locais de funcionamento dos núcleos do PVNC, são: Escolas Públicas 49%, Igrejas 24%,

Associações de Moradores 9%, Faculdades 9%,

Escolas Particulares 3%, Instituições Espíritas 3%, Bibliotecas 3% (jornal Azônia: Ano I; n.º 05/1999) . Estes estão localizados em maior quantitativo na região metropolitana do Rio de Janeiro (55%), e no município do Rio de Janeiro (45%). É importante destacar que esse movimento sobrevive do trabalho voluntário. Numericamente estima-se em torno de 1500 pessoas voluntárias exercendo as funções de professores, coordenadores e equipes de trabalho. Muito destes são ex-alunos do PVNC . Vale ressaltar que, em sua maioria, essas pessoas então vinculadas a outras experiências do Movimento Social. Esse contigente é majoritariamente constituído de pessoas jovens, segundo Candau (2000)50, em entrevista com 22 professores de diversas disciplinas,

50

Essas são observações retiradas do relatório de observação constante no relatório final de pesquisa/CNPQ “Educação Intercultural e Cotidiano Escolar: Construindo caminhos. Coordenado por Vera Maria Ferrão Candau. Departamento de Educação/PUC-Rio, 2000. Contou com 180 horas de observações nas atividades de dois núcleos do PVNC, o núcleo da Matriz de São João de Meriti e o núcleo da Tijuca, bairro do município do Rio de Janeiro.

108

de núcleos diferentes, os mesmos tinham, em sua maioria, idades entre 23 e 28 anos, 11 estavam fazendo a graduação nos diversos cursos e universidades; 04 já haviam concluído a graduação; 02 professores já haviam concluído a graduação e a pós-graduação, 03 estavam cursando a pós-graduação; 02 possuíam o Ensino Médio e não estavam cursando universidade. O maior número é de moradores da região metropolitana e município do Rio de Janeiro. Todos, exceto um, estavam desenvolvendo outro tipo de atividade remunerada, ou seja, possuía algum vinculo empregatício fora dessa atividade voluntária (p.180). Quanto ao tempo de permanência no PVNC dos professores entrevistados: sete iniciaram sua atividades em 1999, dois em 1998, um em 1997, cinco em 1996 e um em 1994(p.184). É importante perceber que de modo geral esses professores ou coordenadores eram ex-alunos de algum núcleo do PVNC. Embora não tenha sido possível obter dados precisos do conjunto dos integrantes do PVNC, consideramos que esta pequena amostra constitui-se em exemplo significativo das características dos seus docentes. O PVNC teve seu momento auge na primeira metade dos anos 90, quando chegaram a se formar 85 núcleos. Esta quantidade vai decrescendo, ora devido a saída de alguns núcleos que optam por se desenvolver de forma autônoma, ora por falta de condições concretas de sobrevivência. No ano 2000, sobreviviam apenas 45 núcleos. Por outro lado, as experiências ligadas a outros sujeitos políticos coletivo, as quais não têm estrutura de Movimento Social, cresceram no mesmo período, evidenciando o movimento de complexificação da sociedade civil na década. Essas formas de atuação se ampliam e diversificam na segunda metade dos anos 90.

109

3.2.2 - Pré-Vestibular para Negros e Carentes: O Projeto PolíticoPedagógico

Ao longo de quase nove anos, o PVNC, veio construindo sua proposta político-pedagógica, através de uma série de discussões nos núcleos e inúmeras assembléias. Em 1999 sistematizam e aprovaram a Carta de Princípios do PVNC. São princípios51 do PVNC: a) democracia como forma de relacionamento social, consubstanciada na garantia de vida digna (trabalho com salário justo, cuidado com a saúde, educação, previdência, moradia, terra, acesso à produção cultural), na participação popular nas deliberações políticas, e liberdade de expressão e respeito às diferenças e diversidades étnico-culturais. A democracia, para ser plena, deve ser também uma democracia étnica; b) ação afirmativa como ação coletiva de afirmação de identidade e luta por relações econômicas, políticas, sociais e culturais democráticas. c) educação como processo de formação de competência técnica e competência política. d) democratização do acesso a uma educação de qualidade é a principal forma de socialização do conhecimento e como criação de canais de inclusão social, de formação de cidadania e de alargamento de oportunidades para a população pobre e discriminada;

51 Por princípios o PVNC entende, idéias, formulações, conceitos, convicções, opções políticas e regras que devem presidir o trabalho e as práticas do PVNC, bem como presidir as relações que se estabelecem entre os núcleos e com outras instituições sociais. Trata-se, então, da nossa visão de mundo, nossas concepções gerais sobre o ser humano, sobre a sociedade e sobre a educação. São as diretrizes fundamentais para o projeto político-pedagógico do PVNC.

110

e) educação, como prática de formação e emancipação humana, como instrumento de superação do racismo, da discriminação de gênero, da discriminação cultural e, de forma geral, das desigualdades sociais; f) a esfera pública como espaço democratização da educação. A organização

curricular do PVNC apresenta as seguintes

características: a) seleção dos alunos provenientes dos setores populares, tendo como prioridade integrantes da comunidade negra. Essa definição do alunado tem por finalidade, “demarcar um perfil claro do movimento, ratificando a questão racial e fazendo com que o aluno se volte para si e questione sobre sua contribuição na sociedade e seu papel como afrodescendentes” (Candau, 2000:104). b) caráter de voluntariado do corpo docente e administrativo e seu compromisso com a proposta político-pedagógica do PVNC. c) disciplinas preparatórias para o exame do vestibular, acrescida do eixo curricular Cultura e Cidadania. Que tem por objetivo, realizar um amplo debate social-histórico, no sentido de potencializar as ações político-culturais dos educandos e educadores do PVNC, a partir/para valores humanitários e socialistas (solidariedade, igualdade e respeito aos seres humanos) e na perspectiva de desenvolver um trabalho de conscientização e formação de militância para as lutas populares por democracia e justiça social (PVNC, 1999).

Este eixo curricular é de responsabilidade da coordenação geral dos núcleos. Ele procura englobar temas políticos, culturais e étnicos, que possam contribuir com a formação crítica de seus participantes. Os debates de Cultura e Cidadania devem desenvolver questões como racismo, discriminação, preconceito, gênero, cultura, ideologia, cidadania, democracia, neoliberalismo, globalização e conjuntura política e econômica. O projeto político-pedagógico do PVNC é viabilizado pela seguinte estrutura organizacional: núcleos, assembléia geral, conselho geral, secretária geral e equipes de trabalho.

111

Os núcleos são compostos pelo conjunto de pessoas que compõem os vários cursos pré-vestibulares que, para se integrarem ao PVNC, devem atender aos seguintes critérios: a) existência de uma coordenação composta por professores, alunos e pessoas da comunidade; b) a mesma carga horária das outras disciplinas para o eixo cultura e cidadania; d) comprovar auto-sustenção; e) ter 80% dos professores envolvidos nas atividades gerais do PVNC. Os núcleos contribuem com 10% de sua receita mensal (contribuição dos alunos) para manutenção geral do PVNC e têm de estar participando das reuniões do conselho geral, assembléia geral e seminários de formação. A Assembléia Geral é o órgão máximo e soberano do PVNC, e tem por finalidade discutir e deliberar sobre princípios, objetivos, regras e propostas globais para o PVNC. Esta se reúne ordinariamente três vezes por ano, e é composta por todos os integrantes do PVNC, os quais têm direito a voz e voto, desde de que estejam em dia com sua suas obrigações. O Conselho Geral, por sua vez, é composto por dois conselheiros de cada núcleo, ou na ausência destes, por dois suplentes. É aberto a qualquer membro do PVNC, com direito a voz. Tem por objetivo construir estratégias e táticas de operacionalização das propostas aprovadas pela assembléia geral. O conselho geral reúne-se todo primeiro domingo de cada mês, sempre em um dos núcleos do PVNC. Já a Secretaria Geral tem como funções: a) representar o PVNC junto à imprensa e às instituições sociais; b) recolher, administrar e prestar contas mensalmente dos recursos oriundos das contribuições financeiras dos núcleos; c) coordenar as reuniões do Conselho Geral e da Assembléia Geral; d) conhecer e manter documentada a realidade de cada um dos núcleos do PVNC; e) manter os núcleos informados sobre todas as atividades e articulações do PVNC; f) manter organizadas todas as informações sobre o PVNC (Atas, Balanços Financeiros, reportagens, fotografias, textos e documentos em geral) em local que coordenadores, professores e alunos do PVNC possam ter fácil acesso; g) executar as deliberações do Conselho Geral. A secretaria é

subdivida em

regionais

e 112

composta por 11 membros, sendo 3 secretários gerais, 2 tesoureiros e 6 secretários regionais; As equipes de trabalho, por sua vez, são abertas à participação de qualquer membro e devem prestar contas de suas atividades ao Conselho Geral. São elas: equipe de reflexão racial, equipe de reflexão pedagógica, equipe de Cultura e Cidadania, equipe de assessoria de imprensa, equipe do jornal Azônia, comissões de negociação com universidades públicas e particulares. O projeto político-pedagógico do PVNC é, ainda, viabilizado a partir das seguintes normas: os núcleos devem ser auto-sustentáveis, não sendo permitido o recebimento de financiamento externo. Para a viabilização do projeto coloca-se como pré-condição essencial, que seus alunos, ao ingressarem no nível superior de ensino, se comprometam com a criação de novos núcleos e/ou se integrem em seu quadros administrativos. Percebe-se que essencialmente o que destingue os núcleos de prévestibular popular do PVNC dos demais núcleos de pré-vestibular popular, é o seu caráter de Movimento Social. O PVNC possui uma proposta político-pedagógico na qual se destacam como base a autonomia, a democracia e o pensamento crítico. Na fala do grupo que iniciou o PVNC é possível perceber a intenção do debate que já começava em torno do nome do grupo como espaço de conscientização; o nome negros e carentes é um nome que tem uma estratégia aí nele, e com todo esse nome a gente provoca nas pessoas um questionamento e este provoca um debate e este por sua vez, acaba trazendo à tona constantemente no dia a dia a questão do negro e do pobre, que são questões do negro especialmente, muito colocadas em terceiro plano ou o que é pior, embaixo do tapete. Daí que tendo o nome do projeto você está provocando constantemente nas pessoas esta reflexão. Acho que o nome é importante, Negro e Carentes é um nome importante.(...) Porque ele marca essa posição: raça e classe ( PVNC, in: Candau:171: 2000 - grifo nosso).

113

Para seus coordenadores as diferenças que separam o PVNC dos outros pré-vestibulares ditos alternativos, são suas preocupações e compromissos com as questões acerca da cidadania, da solidariedade, da luta contra discriminações e preconceitos bem como o caráter de autogestão popular e o autofinanciamento. É pois “um pré-vestibular baseado na solidariedade”. Um outro ponto que distingue o PVNC dos demais pré-vestibulares populares no Rio de Janeiro é sua relação com as instituições de educação superior. O Movimento PVNC possui quotas de 200 bolsas de estudos na Pontífices Universidade Católica - PUC/RJ. O PVNC lidera, ainda, no estado o movimento junto às universidades públicas, para isenção de taxas do vestibular, ampliação do número de vagas, oferta de cursos noturnos, e mais integração da universidade com o movimento, na realização do seu projeto político-pedagógico52. O projeto político-pedagógico do PVNC não se desenvolve de forma monolítica, apresentando divergências e contradições na sua execução. A diversidade de pensamento no interior do PVNC, é também um elemento importante desde a sua fundação. Esta manifesta-se de forma mais clara na existência de dois grupos dentro do movimento. O primeiro grupo é ligado à Pastoral do Negro da Igreja Católica, que atualmente se apresenta como Educafro,53 tendo como seu maior representante o Frei Davi. Esse grupo tem como principal objetivo “facilitar a entrada de estudantes carentes e afrodescendentes nas universidades particulares, através de um contato direto com as reitorias em busca da concessão de bolsas de estudos” (Candau, 2000: 105). O outro grupo, majoritário, é composto de militantes do movimento negro, militantes do Partido 52

Outra luta importante liderada pelo PVNC, é a luta por cotas de 50% das vagas de acesso na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e na Universidade do Norte Fluminense para alunos dos pré-vestibulares populares e alunos das escolas públicas do estado. Essa resolução faz parte de um projeto aprovado pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, mas que ainda não entrou em vigor. 53 O EDUCAFRO criado em 1997 é um organismo de inspiração cristã-franciscana, com estatutos próprios, ligado ao PVNC. É dirigido pelo Frei David e possui um Conselho Gestor em cada Estado formado por 05 pessoas(Candau:105:2000).

114

dos Trabalhadores (PT) e independentes que desejam construir um projeto político pedagógico para esse movimento, como espaço de formação integral. Seus principais questionamentos se expressam nas seguintes perguntas: deve o PVNC preparar seus integrantes para serem militantes da educação ou somente ingresantes na educação superior? As bolsas de estudos das universidades privadas contribuem para a privatização do ensino superior?. Embora o projeto político-pedagógico do PVNC realce a perspectiva crítica de toda a sua organização curricular, a existência do eixo Cidadania e Cultura, como eixo específico para tal fim, pode evidenciar uma separação entre uma educação tradicional de preparação para o vestibular de um lado e de uma educação problematizadora de outro. Nascimento, por sua vez, ressalta a possibilidade transformadora do conjunto dessa experiência: Utilizando-se do ensino dos conteúdos exigidos nos vestibulares, esses cursos conseguem mobilizar um grande número de estudantes atraídos pela possibilidade de ingresso no Ensino Superior, especialmente nas Universidades Públicas, cujos vestibulares e pertencentes a grupos sociais discriminados. Este atrativo traz algumas possibilidades, além do ensino para o vestibular. Uma delas é o desenvolvimento de atividades de formação política (...) Outra possibilidade é a construção de um movimento social pela educação Pública e Popular, para discutir e propor estratégias de democratização da educação de uma forma ampla, considerando os elementos econômicos, políticos, culturais e toda a pluralidade sociocultural presentes nas relações sociais (Nascimento,1999: 69, apud: Candau, 2000: 272).

Mesmo correndo o risco de evidenciar esta separação, o eixo Cultura e Cidadania vem se construindo em importante espaço de discussão dos problemas enfrentados pelo país e pelos alunos integrantes do movimento. Para os professores esse eixo se apresenta como elemento “diferenciador”

do PVNC, tendo sido

adjetivada como a essência “, a espinha dorsal”, “fundamental”, super importante” e importantíssima”, “a principal”,

115

imprescindível” . “O papel de Cultura e Cidadania é justamente de trazer a realidade pra gente. É trazer, mostrar pra gente, os nossos direitos, os nossos deveres que muitas vezes a gente desconhece (apud: Candau, 2000: 200).

A formação política consiste segundo os participantes como maior característica do eixo Cidadania e Cultura, “está mais para o lado assim político...” (apud: Candau, 2000: 236): O papel de Cultura e Cidadania no PVNC Tijuca, é abrir um pouco a mente dos alunos novos que estão chegando, mostrar para eles o que realmente é o PVNC, colocar assuntos... envolvendo a política, a economia e o social de todos nós, ou seja, tanto da classe alta, como da classe baixa, exterminando a classe média, porque não existe mais... então colocando essa auto-imagem, porque também a gente não tem isso. Primeiramente é fundamental para agente se conhecer como cidadãos dentro de uma sociedade. E o papel fundamental é nos orientar, em certas dificuldades que a gente passa, a gente saber lidar com aquilo e enfrentar as coisas a quem cobrar, como sabe... isso dá uma visão maior da sociedade que a gente vive. Eu vejo a Cultura e Cidadania, como apoio político, como uma disciplina que começa a mostrar outros horizontes, começa a mostrar um outro lado crítico (grifo nosso). Eu acho que as pessoas começam a ter uma consciência maior da cidadania, seus direito e deveres com a sociedade (PVNC, apud: Candau, 2000: 238).

Apesar das dificuldades encontradas e dos impasses no decorrer de sua existência, merece destaque no conjunto deste movimento os seguintes aspectos: 1) a participação dos seus integrantes em outras atividades do Movimento social. Essa participação se constitui em um elemento primordial na superação da fragmentação da ação política, traço predominante no cenário político brasileiro da década de 90.

116

2) A participação dos seus ex-integrantes54 na docência e na coordenação do PVNC, como elemento multiplicador do seu projeto político-pedagógico, e como base de viabilização de toda a sua estrutura. Os alunos do PVNC vão ao longo da vivência nessa experiência aprofundando o conhecimento sobre ao princípios, objetivos e ações do PVNC, e ao ingressarem na educação superior têm mais condições de reproduzir o conjunto de suas idéias. Essa aprendizagem na prática foi percebida por Candau (2000). Para a autora os alunos entrevistados demonstraram sua capacidade de percepção do PVNC, da seguinte forma: O Pré é um movimento popular que não é um pré vestibular só. É uma reunião: além de ser um Pré ele dá noção de cidadania, mostra o que é Brasil hoje(...) Você não vai pra lá estudar e sentar, você não é só aluno. Está lá dentro para trabalhar, para lutar ...É uma família, sabe? E nós queremos o melhor para todo mundo. Se você vê o seu companheiro aqui do lado precisando de ajuda, você tem que ir lá e ajudar e não olhar pra o seu umbigo e seguir reto (grifo nosso). O pré consiste em pessoas voluntárias que já estudam nesse pré ou tomaram conhecimento do projeto, gostaram ou quiseram participar também” (apud: Candau, 2000: 235).

3) o caráter democrático da experiência, evidenciado principalmente na estrutura organizativa e no relacionamento entre os alunos. A estrutura deliberativa horizontal do movimento propicia, ao mesmo tempo a convivência de posturas divergentes e o aprendizado de práticas democráticas de organização popular por parte de sujeitos iniciantes na prática política. Essa forma democrática de convivência social, é expressa pelos alunos nos seguintes depoimentos: (...) no pré-vestibular, ainda não tem essa coisa de competição entre as pessoas da própria sala, apesar de que eles vão competir depois na prova, mas lá dentro não tem aquele espírito de competição. Um auxilia o outro, se alguém tem livro, empresta. Depois que eu estive no pré, eu vi que ele tinha tudo a ver comigo, porque ele tinha sonhos de luta, de mudança sabe?, 54

Estamos denominando ex-integrantes os alunos que já conseguiram ingressar na educação superior.

117

na sociedade tão injusta, que é tão indigna com pessoas que realmente precisam(...) e aí algo muito forte que já tinha dentro de mim cresceu, foi essa vontade de lutar, de correr atrás pelos meus direitos, e o pré-vestibular inclusive pelas aulas de cidadania, salientou muito isso (apud: Candau, 2000: 260). A solidariedade lá é muito bonita, se não fosse algumas pessoas pensando em... sonhando que essa realidade pode mudar, eu não estaria aqui hoje. Então isso é uma coisa que eu vou, enquanto eu depois de me formar, cidadã já constituída e eu puder ajudar eu ajudo(...) (apud: Candau, 2000: 262).

A prática democrática do PVNC minimiza consideravelmente o elemento de competição existente nas formas tradicionais de preparação para os exames do vestibular de ingresso as instituições de educação superior. Não obstante, essas experiências de pré-vestibulares populares convivem com adesão a um dos mecanismos que os exclui do acesso a educação superior, o vestibular. Daí a luta do PVNC pelo fim desse mecanismo de exclusão educacional. A experiência do PVNC, como as demais experiências de prévestibulares populares em nível nacional caminham dentro de duas possibilidades: ou elas podem avançar para construção de um grande movimento de educação popular em defesa da escola pública; ou elas continuam se desenvolvendo de forma dispensa vislumbrando apenas a inserção de algumas pessoas no ensino superior. Em particular, o projeto político pedagógico do PVNC convive com essas duas perspectivas. O grau de organização dos grupos existente no seu interior e a clareza de seus fins são o que irão determinar qual dos dois projetos irá permanecer em maioria no movimento. Um projeto de educação popular organizado pelos trabalhadores ou o projeto de educação organizado para os trabalhadores.

118

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No complexo emaranhado de significados acerca do debate sobre a discussão de atualização da categoria Movimento Social percebe-se que essa engloba diferentes iniciativas da sociedade civil, movimentos sociais que representam perspectivas muitas vezes antagônicas. Os movimentos sociais de luta pelos direitos da “classe que vive do trabalho”, denominam-se movimentos sociais populares que abrigam em seu interior, movimentos sociais, partidários, sindicais, estudantis, pastorais e comunitários, todos convivendo com a contradição do que denominamos aqui, em duas categorias: 1) aqueles movimentos sociais organizados pelos trabalhadores, significando ações organizadas de “baixo para cima” manifestando um caráter eminentemente transformador das estruturas sociais. 2) movimentos sociais organizados para os trabalhadores, iniciativas de “cima para baixo” com características de conformação ao status quo. O movimento de contradição permanece presente nas duas denominações, sendo a correlação de forças sociais presente na sociedade, bem como seus objetivos, elementos indicadores do caráter do Movimento. No interior desses movimentos, geram-se diferentes projetos de Educação Popular. Conscientes de que o adjetivo Popular, vem sendo utilizados com diversos significados e fins e compreendendo que a palavra faz mais do que designar; ela se junta a uma tomada de posição, optamos por discutir a denominação do Popular enquanto uma categoria de analise que compreende o termo como elemento representante de um conjunto de sujeitos políticos. Nesse sentido, Educação Popular designa uma educação de classe, da classe que vive do trabalho. Por ter um caráter de classe, convive em seu interior com iniciativas de uma Educação Popular organizadas pelos trabalhadores, e iniciativas de Educação Popular organizadas para os trabalhadores.

119

Durante a década 90 do século XX no Brasil se consolidam no campo da educação popular novas experiências de ações educativas em um campo antes não identificado como demanda. Trata-se do ensino médio, na qual surgem iniciativas que, entre seus objetivos, buscam democratizar o acesso ao ensino superior. Essas exigências acontecem em decorrência da reestruturação produtiva que se consolida nesse período e cria em contra partida um novo conteúdo para o trabalho, induzindo à necessidade de ampliação do ensino médio. Como conseqüência da má qualidade social do ensino, assim como do aumento da participação política das massas, criam-se nos mais diversos movimentos sociais populares, núcleos de pré-vestibulares. Surge no interior destes núcleos o embrião e o desejo de se tornarem um grande movimento de educação popular em defesa da democratização do ensino público. Embora a ideologia neoliberal venha desenvolvendo diversas estratégias de cunho, político, econômico, social e cultural com objetivo de fazer desaparecer qualquer iniciativa da classe que vive do trabalho, essas estratégias não têm sido suficientes para barrar uma necessidade presente no interior dessa classe: a luta por uma educação pública e popular. O que diferencia essa conjuntura é que nela essas experiências vêm sendo realizadas por diferentes sujeitos e dentro de novas abordagens. Acreditamos que os avanços e desafios presentes na educação popular em tempos neoliberais foram tratados de forma satisfatória no segundo capítulo. Quanto às iniciativas dos pré-vestibulares populares, significam um avanço da educação popular, posto que as experiências anteriores ligadas a educação escolar se restringiam ao campo da alfabetização. Outro avanço identificado diz respeito à presença de diferentes sujeitos políticos coletivos, o exemplo do movimento sindical e estudantil que antes não atuavam nessas iniciativas. Um dos primeiros e grandes desafios colocados para a classe que vive do trabalho é inserir essas experiências dentro de um projeto de desenvolvimento

120

democrático e de massas. O segundo desafio é não perder a perspectiva de classe presente nessas iniciativas. O terceiro consiste em que a classe que vive do trabalho construa o sentimento de que a educação básica e a superior de qualidade constituem direito dos trabalhadores. O sonho é que não haja movimento de prévestibulares populares, mas sim, um grande movimento nacional em defesa da educação pública, popular e universal. Reconhecendo o caráter contraditório dessas experiências, é preciso dizer que os pré-vestibulares populares urbanos, ainda não existem enquanto movimento de educação popular em nível nacional. Não obstante percebemos indícios que apontam nessa perspectiva, tais como o I ENCONTRO DESSAS EXPERIÊNCIA A NÍVEL NACIONAL

e a possibilidade de realização do segundo

encontro ainda em 2001. São caminhos que apontam para a promessa de elaboração de um projeto de educação popular. O Movimento de Pré-Vestibulares para Negro e Carentes (PVNC) pode ser identificado como um projeto que contribui para a transformação social. No entanto a luta interna vem dividindo o movimento entre a defesa da educação pública ou simplesmente o acesso ao ensino superior, independentemente do tipo de instituição pública ou privada. Portanto a luta por uma educação popular pública e gratuita pode fazer refluir esse caráter transformador.

121

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

I - Bibliografia Citada ANDERSON Perry. Além do neoliberalismo. IN: Emir Sader e Pablo Gentili(orgs): Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro; Paz e Terra,5ª edição, 1995. ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. Coleção Mundo do Trabalho, São Paulo, 1ª edição, ed. Boitempo, 1999. AZEVEDO, José Clóvis de. Escola Cidadã: Desafios, Diálogos e Travessias. Petrópolis, ed. Vozes, 2000. BARREIRO, Júlio. Educação Popular e conscientização. Petrópolis, Vozes, 1980. BEISIEGEL, Celso Rui. Cultura do Povo e Cultura Popular. In: A Cultura do Povo. (org.) Edênio Vale e José J. de Queiroz. Educ. São Paulo, 1982. ________________. Estado e Educação Popular. São Paulo, Livraria Rioneira, ed. 1974. BIANCHETTI, Roberto G. Modelos Neoliberais e Políticas Educacionais. Questões de nossa Época, nº 56, Cortez, 2ª ed., 1996. BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino; tradução Carmem C. Varriale, 4ª edição, Brasília, DF: Ed. Universidade de Brasília, 1º e 2º volumes, 1992. BOITO, Armando Jr. Política Neoliberalismo e Sindicalismo no Brasil, São Paulo, ed. Xamã, 1999. BOLLÈME, Geneviève. O Povo por Escrito. Coleção Fio da Meada, 1ª edição, São Paulo, editora Martins Fontes, 1988. BORON, Atílio A. Estado, Capitalismo e Democracia na América Latina, Ed. Paz e Terra, 1994. BOTTOMORE, TOM. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor Ltda, 1998.

122

BRANDÃO, Carlos R. Educação Popular. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1994. _______________. Em aberto. São Paulo, Ed. Cortez, 1995. ________________. Os caminhos cruzados. Revista Educação e Sociedade. São Paulo, Ed. Cortez, N.º 19/nov/1984. BRASIL, MARE. Plano Diretor da Reforma do Estado. Brasília: www.mare.gov.br, 1995. BRASIL/MEC/INEP. Censo Escolar Ensino Médio.www.mec.gov.br, 2001. Acesso em 10 de jul.2001. BRASIL/MEC/INEP. Desempenho .www.mec.gov.br, 2001.

do

Sistema

Educacional

Brasileiro

CALDART, Salete Roseli. Escola é mais do que escola na pedagogia do Movimento Sem Terra. Tese de doutorado/ UFRGS, Porto Alegre, 1999, mimeo. CARDOSO, Limoeiro, Miriam. Ideologia do Desenvolvimento- Brasil JK-JQ. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2ª ed. 1978. CATTANI, Antonio David.(org) Trabalho e Tecnologia: Dicionário Crítico, Petrópolis; Vozes; Porto Alegre: Ed: Universidade, 1997. CERRONI. Umberto. Política: Método –Teorias –Processos –Sujeitos -Instituições. Brasiliense, 1986. CHAUÍ, Marilena. O nacional e o popular na cultura brasileira: seminários. São Paulo: Brasiliense, 1983. CNBB. Confederação Nacional dos Bispos do Brasil. Educação, Igreja e Sociedade. Documentos da CNBB, nº 47, 30ª Assembléia Geral, Itaici, SP, ed. Paulinas,1992. _____. Diretrizes Gerais da Ação Pastoral da Igreja no Brasil. Documentos da CNBB, ed. Paulinas, 5ª edição. São Paulo, 1991. COUTINHO, Carlos Nelson. Contra Corrente: ensaio sobre democracia e socialismo. São Paulo, Cortez, 2000. __________________. Notas sobre cidadania e modernidade. Praia Vermelha. UFRJ, vol.01, n.º 01, 1º semestre. 1997. __________________. Marxismo e Política: A dualidade de poderes e outros ensaios. 2ª ed. São Paulo, Cortez, 1996. _________________. Democracia e socialismo. São Paulo, Cortez, 1992.

123

_________________. GRAMSCI: Um estudo sobre seu pensamento político. Rio de Janeiro, Campus, 1989. DELLA CAVA, Ralph. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e os meios de comunicação social: 1962-1989. In: DELLA CAVA, Ralph, MONTEIRO, Paula. E o verbo se faz imagem: Igreja Católica e os meios de comunicação social no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1991. pp.21-129. DOIMO, Ana Maria. A vez e a voz do popular: movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70. Rio de Janeiro, Relume-Dumará: ANPOSC, 1995. ESTEVAM, Carlos. A questão da Cultura Popular. IN: FÁVERO, Osmar. (org.) Cultura popular- Memória dos Anos 60. Rio de Janeiro, Ed. Graal, 1983. FÁVERO, Osmar, HORTA, José Silvério Baia, FRIGOTTO, Gaudêncio. Políticas Educacionais no Brasil: Desafios e Propostas. Cadernos de Pesquisa n.º 83, novembro, 1992. FÁVERO, Osmar. (org.) Cultura popular- Memória dos Anos 60. Rio de Janeiro, Ed. Graal, 1983. FERNANDES, Rubem. Sociedade civil e ecumenismo. Comunicação do ISER, Rio de Janeiro, nº 44, 1998. FERREIRA, Gullar. IN: FÁVERO, Osmar. (org.) Cultura popular- Memória dos Anos 60. Rio de Janeiro, Ed. Graal, 1983. FORRESTER, V. O horror econômico. São Paulo, UNESP, 1997. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997. ___________. À sombra desta mangueira. São Paulo, Olho dágua, 1995. ___________. Pedagogia da Esperança - um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1992. ___________. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, 14ª edição, Ed. Paz e Terra, 1983. ___________. Cartas à Guiné-Bissau. 2ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978 FRIGOTTO, Gaudêncio. O contexto sociopolítico brasileiro e a educação nas décadas de 70/90. Contexto & Educação. Unijuí, ano 6, nº 24, 1991. ________________. Educação e Crise do Capitalismo Real. São Paulo, Ed. Cortez, 1995. GARJADO, Marcela. (comp.) Teoria y Práctica de la Educación Popular. OEACREFAL- IDRC, Pátzcuaro, 1985. 124

GOHN Maria da Gloria. Movimentos sociais urbanos no Brasil. BIB, n.º 09, São Paulo, ANPOCS, 1980. __________________. História dos Movimentos e Lutas Sociais: A Construção da Cidadania dos Brasileiros. São Paulo, Ed. Loyola, 1995. __________________. Teoria dos Movimentos Sociais: Paradigmas Clássicos e Contemporâneos. São Paulo, Ed. Loyola, 1997. __________________. Movimentos Sociais e Educação. (Questões de nossa época) vol. 05, 3ª ed. São Paulo, Cortez, 1999. GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de janeiro, Relume Dumará, 4ª edição,1994. GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o estado moderno, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 8º edição, tradução Luis Mário Gazzaneo, 1991. ______________. Concepção Dialética da História. Trad; Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro, 3ª edição, ed. Civilização Brasileira, 1978. ______________. Os Intelectuais e a Organizações da Cultura. Trad.; Carlos Nelson Coutinho , Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971. IANNI, Octavio. A era do globalismo, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1996. IBGE. Síntese de Indicadores Sociais 2000. Departamento de populações e indicadores sociais. Rio de Janeiro, IBGE, 2001. JACOBI, P. Movimentos sociais e políticas públicas. São Paulo, Cortez, 1989. KONDER, Leandro. O Futuro da Filosofia da Práxis: Pensamento de Marx no século XXI. Rio de Janeiro, Ed, Paz e Terra, 1992. KOWARICK, L. F. Movimentos urbanos no Brasil contemporâneo, In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, n.03, vol.1. São Paulo, ANPOCS, 1987. LDB. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Fundo de Valorização do Magistério (FUNDEF). Uma publicação do Mandato do Deputado Estadual Chico Alencar (PT), Rio de Janeiro, 2000. LEHER, Roberto. Tempo, autonomia, sociedade civil e esfera pública: uma introdução ao debate a propósito dos novos movimentos sociais na educação. In: A cidadania Negada Políticas de Exclusão na Educação e no Trabalho.(org.) Pablo Gentili & Gaudêncio Frigotto. CLACSO, Buenos Aires, setembro de 2000. LEITE, Marcia de Paula & SILVA Roque Aparecido. A Sociologia do Trabalho frente à Reestruturação Produtiva: Uma Discussão Teórica. Revista Brasileira de

125

Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, Relume Dumará, Rio de Janeiro, nº 42, 2º semestre de 1996. LIMA, Marcelo. Ensino médio: Qual a importância da Escola?. Em Educação Pública: Resistindo à Democracia Liberal, SINDIUPES/CUT/CNTE, 2000. MACHADO DA SILVA e TORRES RIBEIRO, A C. Paradigma e movimento social: Por onde vão nossas idéias, In: Ciências Sociais Hoje. São Paulo, ANPOCS/Cortez, 1985. MAGGIE, Yvone. Universidade segrega aluno de classe populares. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 de maio de 2000. Educação & Trabalho, p.1-2. MARISE, Nogueira Ramos. Da qualificação à competência: deslocamento conceitual na relação trabalho-educação. Tese de doutorado/UFF/educação, 2001, mimeo. MARTIN, Hans-Peter & Schumann Harald.A armadilha da globalização: O assalto à democracia e ao bem-estar social, 4ª edição, São Paulo; globo, 1998. MARX, KARL, ENGELS, F. A Ideologia Alemã (I – Feuerbach). Trad. José Carlos Bruni e Marco Aurélio Nogueira, 10ª edição, ed. Hucitec, São Paulo, 1996. NASCIMENTO Eliane Araújo. CNBB. IN: Política Educacional nos Anos 90: determinantes e Propostas (Coord) NEVES, Lúcia Maria Wanderley. UFPE, 1995. NETO, José Francisco de Melo. Educação popular: uma ontologia. IN: Afonso Celso Scocuglia & José Francisco de Melo (org.) Educação Popular: outros Caminhos, João Pessoa, Ed. Univ. Federal da Paraíba, 1999. NEVES, Lúcia Maria W. Educação e política no Brasil de hoje. 2ª ed, São Paulo, Cortez, 1999. ___________________.Brasil Ano 2000: Uma nova divisão de Trabalho na Educação. Ed.: Papéis e Cópias, Rio de janeiro, 1997. NEVES, Lúcia Maria W.(coord) Política Educacional nos Anos 90: Determinantes e Propostas. Co-autoras Adriana Almeida Sales de Melo, Eliane Araújo Nascimento, Tânia Maria de Oliveira Nery. 2º ed. Recife. Ed. Universitária da UFPE, 1997. OLIVEIRA. Dalila Andrade. A Educação Básica e Profissional no Contexto das Reformas dos Anos 90. Trabalho e Educação: Revista do NETE/ UFMG, Belo horizonte, jan/jun, nº 08, 2001. PAIVA, Vanilda. (org.) Perspectivas e Dilemas da Educação. Rio de Janeiro, Ed. Graal, 1984.

126

___________. Educação popular e Educação de Adultos. São Paulo, 4º Ed. Loyola, 1987. PALUDO Conceição. Educação Popular- Brasil anos 90: para além do imobilismo e da crítica, a busca de alternativas- uma leitura desde o Campo Democrático e Popular. Tese de doutoramento, UFRGS, 2000. PILATTI, Adriano. Comentários ao Texto de Maria Francisca Pinheiro. IN: A Educação nas Constituintes (1823-1988),org Fávero Osmar, Ed. Autores Associados,1996. RODRIGUES, Luis Dias. Como se Conceitua a Educação Popular?. IN: Afonso Celso Scocuglia & José Francisco de Melo(org.) Educação Popular: outros Caminhos, João Pessoa, Ed. Univ. Federal da Paraíba, 1999. ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil. Petrópolis, ed. Vozes, 22ª edição, 1999. SADER, Eder. Quando novos personagens entram em cena. Experiências e Lutas dos trabalhadores da grande São Paulo 1970-1980. 2ª ed., São Paulo, Paz e Terra, 1995. SADER, Emir. PERRY, Anderson, THERBORN Goran, SALAMA Pierre. A Trama do Neoliberalismo: Mercado, Crise e Exclusão social. IN: Pósneoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático.(org) Emir Sader, Pablo Gentili. Rio de Janeiro; Paz e Terra,5ª edição, 1995. SALES. Sandra Regina. A parceria entre o Estado e a Sociedade Civil no MOVA(Uma análise da experiência de Angra dos Reis). Caderno 2, 1ª edição. Prefeitura de Angra dos Reis, 1998. SANTANNA, Ronaldo dos S. Os Sinais Renovados da Tradição. Dissertação de mestrado em educação da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2001. SAVIANI, Dermerval. LDB- A Nova Lei da Educação: Trajetória, Limites e Perspectivas. São Paulo, Cortez, 1998. SCHERER-WARREN & KRISCHKE (Org). Uma revolução no cotidiano? Os novos movimentos sociais na América do Sul. SP, Brasiliense, 1997. SCHERER-WARREN, Ilse. Redes de Movimentos Sociais. São Paulo, Loyola, 1993. SCOCUGLIA, Afonso Celso & José Francisco de Melo Neto (org) Educação Popular: outros caminhos. João Pessoa, Ed. Univ. Federal da Paraíba, 1999. SEMERARO, Giovani. Gramsci e a sociedade civil: Cultura e educação para a democracia. Petrópolis, RJ, Vozes, 1999. 127

SILVA JR, J. dos, & SGUISSARDI Valdemar. Novas Faces Educação Superior no Brasil. 2ª ed. ver. São Paulo, Cortez, 2001. SOUZA Herbert de. AS ONGs na Década de 90. Comunicação do ISER, ano 10, nº 41, 1991. SPÓSITO, Marilia Pontes. A ilusão fecunda: a luta por educação nos movimentos populares. Ed. Hucitec/EDUSP, São Paulo, 1993. THUM, Carmo. Pré-vestibular Público e Gratuito: O acesso de trabalhadores a universidade pública. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina(dissertação de mestrado em educação), 2000. TORRES, Rosa Maria. Discurso e Prática em Educação popular. Ijuí, Ed. Unijuí, 1988. VALE, Ana Maria do. Educação popular na escola pública, São Paulo, 2ª ed, Cortez, 1996 WANDERLEY, Luis. Educar para transformar. Petrópolis, Vozes, 1986. ____________. Apontamentos Sobre Educação Popular. IN: Cultura do Povo. São Paulo, Ed. Cortez, 1979.

II- Fontes Primárias AMARAL Marina. Cursinho para pobres: Tem coisa nova, de verdade, no movimento estudantil. Esta é uma delas: abrir as portas da universidade pública para quem não tem dinheiro. Revista Caros Amigos, São Paulo, ano III, nº 35, fev. 2000, p.13-15. ANTUNES, Laura. De morador de favela a cientista social. Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 19 de agto. 2001. Rio, 2ª edição, p. 27. BRANT, Maria. Voluntariado: a nova causa Mundial. Jornal Folha de São Paulo, São Paulo, 1 de abril 2001. Especial 1, p. 1. CANDAU, Vera Maria F. Banco de Dados da pesquisa “Educação Intercultural e Cotidiano escolar: Construindo caminhos. www.puc-rio.br/depto/educacao/gecec. Acesso em 02 de julho de 2000. ____________________. Educação Intercultural e Cotidiano escolar: Construindo Caminhos (coord). Relatório final da pesquisa CNPq (1998-2000). Departamento de Educação, PUC-Rio, 2000.mimeo.

128

COELHO, Lígia. Pré-vestibular para Negros e Carentes. Jornal SINTUFERJ, Rio de Janeiro, 05 de nov. 1997. CURSO PRÉ VESTIBUALR PSICO – USP. Projeto cursinho psico-USP. Prospecto, São Paulo, 1999. CURSINHO DA MORADIA. Formação de jovens e adultos universitários e não universitários. Propecto, Campinas, 2000. CURSINHO DA POLI. 8.000 vagas em defesa da universidade pública. Grêmio politécnico da USP. Manual do candidato. São Paulo, nov. 1999. DIÁRIO DO NORDESTE. Nossa Vez: O Pré-vestibular de Fortaleza. Jornal Diário do Nordeste, Fortaleza, 08 de fev. 1999. Caderno cidade, p. 10. _________________. Nossa Vez: O Pré-vestibular de Fortaleza. Jornal Diário do Nordeste, Fortaleza, 08 de fev. 1999. Fascículo-aula, nº I, p.1-32. _________________. Vestibular Cidadão. Jornal Diário do Nordeste, Fortaleza, 05 de fev. 1999. Caderno 3, p. 5. DIMENSTEIN, Gilberto. Sempre estudaram em escolas públicas e viraram heróis. Jornal Folha de São Paulo, São Paulo, 18 de mar. 2001. Cotidiano, p.12. EDUCAFRO. Educação e Cidadania de Afrodescentendes e Carentes. www.membro.intermega.com.br/educafro. Acesso em 20 de abril de 2000. __________. Universidades Particulares, o PVNC e os pobres. Educafro, Rio de janeiro, 16 de maio de 1999. EWERSON, Claudio. Negros e Carentes na Universidade. Sim! . Revista NÓS, ano I, nº0, abril/maio, Rio de Janeiro, 2001, p.5-7. FIORI Luis José. O consenso de Washington. Rio de Janeiro. Palestra proferida no dia 04 de setembro de 1996, patrocínio Federação Brasileira de Associaçòes de Engenheiros(FEBRAE), local: Centro Cultural Banco do Brasil. Acesso em www.aepet.org.br. FRAZÃO, Helena. Salvador tem cursinho para negros desde 92: ONG administra pré-vestibular que visa reduzir desigualdade. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 2 de set. 2001, Brasil, p.6. FREITAS. Maria Fernanda. Maré: o retrato do maior bolsão de miséria do Rio. Jornal do Brasil, rio de Janeiro, 10 de dez. 2000. Caderno cidade, p.19. FRIAS, Lena. Militantes da Esperança. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 12 de maio de 2000. Caderno cidade, p.11.

129

FRIGOTTO, Gaudêncio. A atual Política Educacional Brasileira no Contexto das Reformas do Estado Brasileiro: Desafios e Perspectivas. Mimeo, 1997. GRÊMIO Politécnico da USP. Cursinho da poli, apostila, nº 01, USP, São Paulo, 2000. INFOEDUCAFRO. Educafro. Informativo Nacional, ed. Nº27, abr. 2000. JORNAL AZÔNIA. Começando de novo. PVNC, Rio de Janeiro, ano I, nº 05, jul. 1999. JORNAL CCCP/AMOC. Pré- vestibular comunitário de Osvaldo Cruz: Quarto ano da série. Jornal CCCP/AMOC, Rio de janeiro, 4º ano, nº06, abril/maio, 1998. JORNAL DA AGB. Grupo de trabalho sobre educação popular. Jornal AGB, Rio de Janeiro, ano II, nº 2, jul. 2000, p.2-3. JORNAL DA ASUERJ. Pré-vestibular da ASUERJ aprova alunos. Jornal da ASUERJ, Rio de Janeiro, agto. 1999. JORNAL DO BRASIL. Isenção de taxa pode fazer UERJ cancelar vestibular. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 15 de set. 1999. Caderno cidade, p.10. ________________. Professores e alunos remam a favor da Maré. Jornal do Brasil, rio de Janeiro, 28 de fev. 1999, p.14. ________________. Rural tem curso para carentes. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 09 de jul. 2000. Caderno cidade, p. 14. ________________. Tumulto em fila para pré-vestibular a R$ 10. Jornal do Brasil, 28 fev. 1999. Caderno cidade, p.28. JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO. A falsa dicotomia entre Estado e terceiro setor. Jornal Folha de São Paulo, São Paulo, 1 de abril 2001. Redação. Especial 2, p. 1. JORNAL O DIA. Cursinho para quem precisa: Alunos de Direito da UFRJ oferecem pré-vestibular a comunidades carentes. Jornal O DIA, Rio de Janeiro, 19 de maio de 1996. JORNAL AZÔNIA. Começando de novo. PVNC, Rio de Janeiro, ano I, nº 05, jul. 1999. JORNAL CCCP/AMOC. Pré- vestibular comunitário de Osvaldo Cruz: Quarto ano da série. Jornal CCCP/AMOC, Rio de janeiro, 4º ano, nº06, abril/maio, 1998. JORNAL DA AGB. Grupo de trabalho sobre educação popular. Jornal AGB, Rio de Janeiro, ano II, nº 2, jul. 2000, p.2-3.

130

JORNAL DA ASUERJ. Pré-vestibular da ASUERJ aprova alunos. Jornal da ASUERJ, Rio de Janeiro, agto. 1999. JORNAL DO BRASIL. Isenção de taxa pode fazer UERJ cancelar vestibular. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 15 de set. 1999. Caderno cidade, p.10. ________________. Professores e alunos remam a favor da Maré. Jornal do Brasil, rio de Janeiro, 28 de fev. 1999, p.14. ________________. Rural tem curso para carentes. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 09 de jul. 2000. Caderno cidade, p. 14. ________________. Tumulto em fila para pré-vestibular a R$ 10. Jornal do Brasil, 28 fev. 1999. Caderno cidade, p.28. JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO. A falsa dicotomia entre Estado e terceiro setor. Jornal Folha de São Paulo, São Paulo, 1 de abril 2001. Redação. Especial 2, p. 1. JORNAL O DIA. Cursinho para quem precisa: Alunos de Direito da UFRJ oferecem pré-vestibular a comunidades carentes. Jornal O DIA, Rio de Janeiro, 19 de maio de 1996. LEMOS. Renato. Remando contra a maré. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 18 de out. 2000. Caderno B, p.1. LUA, Daniele. Vestibular 2000 começa pela Justiça. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 29 de set. 1999. Caderno Cidade, p. 21. NEVES, Lúcia Maria W. Democracia e Educação escolar nos anos iniciais do século XXI. Nitéroi, 2001. Mimeo. PARTIDO DOS TRABALHADORES. Resoluções políticas do V Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores, 1987. PNV. Projeto Novo Vestibular. Informativo – PNV, Fortaleza, nº I, sem. 96.1. PRÉ-VESTIBULAR PARA NEGROS E CARENTES. Carta de Princípios. Rio de Janeiro, 1999. PVNC. O que é pré vestibular para negros e carentes? Rio de Janeiro, 1999. PVNC. Pré-vestibular para negros e carentes. www.terravista.pt/ancora/2206. Acesso 10 de set. 2000. SANTOS, Frei David R. Afrodescentente, Educação e Fé. Rio de Janeiro, 1999.

131

SILVEIRA Vilma. Vestibular rendeu R$ 235 milhões: Instituições de ensino superior do país arrecadaram em 1999 o equivalente ao faturamento de empresas privadas. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 31 de agto. 2000, brasil, p.7. SINTUFRJ. Pré-Vestibular do Sintufrj. Rio de Janeiro, 1998. SINTUFRJ. Universidade para os Trabalhadores. Rio de Janeiro, 1997. SODRÉ, Eduardo. Aula de solidariedade. Jornal O DIA, Rio de Janeiro, 10 de abril de 2001. Caderno Educação & Vestibular, p.15. THEMA EDUCAÇÃO. Cursinho comunitário para negros e estudantes de baixa renda. Thema Educação Cursinho Comunitário, São Paulo, manual do candidato 2000. THEMA EDUCAÇÃO. Cursinho comunitário para negros e estudantes de baixa renda. Thema Educação Cursinho Comunitário, São Paulo, manual do candidato 2000.

132

ANEXO I – RELAÇÃO DOS NÚCLEOS DE PRÉ-VESTIBULARES POPULARES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Relação dos núcleos de pré-vestibulares populares no Estado do Rio de Janeiro- 2000

NOME DO CURSO / NÚCLEO Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo N.S. da Conceição Pré - Vestibular Popular Zumbi dos Palmares / Belford Roxo Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Metrópole Pré - Vestibular Zumbi dos Palmares / Gramacho Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Cora Coralina

Bairro Centro

Cidade Belford Roxo

Dinas Filho Belford Roxo Metrópole Belford Roxo Gramacho Duque de Caxias Cidade dos Duque de Caxias Meninos Pré - Vestibular Steve Biko Pq. Lafayete D Duque de Caxias Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo FEUDUC São Bento Duque de Caxias Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Pilar Pilar Duque de Caxias Pré - Vestibular Comunitário Novo Estímulo Pque. Paulista Duque de Caxias Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Nova Nova Campinas Duque de Caxias Campinas Curso Preparatório Comunitário Nossa Vitória Pque. Lafaiete Duque de Caxias Pré - Vestibular Comunitário Etu Maiala Vila São Luiz Duque de Caxias Pré - Vestibular para Negros e Carentes André Rebouças São Bento Duque de Caxias Pré - Vestibular para Negros e Carentes Pastoral da Juventude Centro Duque de Caxias Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Saracuruna Saracuruna Duque de Caxias Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo AFE- 25 de Agosto Duque de Caxias UNIGRANRIO Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Engenho do Engo. Portella Duque de Caxias Porto Pré - Vestibular Solano Trindade I Jardim Duque de Caxias Primavera Pré - Vestibular Comunitário Centenário Centenário Duque de Caxias Pré - Vestibular Popular de Itaboraí Centro Itaboraí Programa Alternativo de Educação Chacrinha Japeri Fundação Educacional e Cultural de Magé Centro Magé Pré - Vestibular Alternativo Phoenix Centro Nilópolis Pré - Vestibular Nosso Legado Olinda Nilópolis Pré - Vestibular Alternativo para Negros e Carentes / Igreja São Olinda Nilópolis Sebastião Pré - Vestibular Comunitário Vestipulando Nilópolis Nilópolis Pré - Vestibular Popular do Diretório Acadêmico Otávio São Domingos Niterói Cantanhede Pré - Vestibular Popular / DCE – UFF Centro Niterói Pré - Vestibular Luz e Esperança Boa Viagem Niterói Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Niterói Centro Niterói Pré - Vestibular Zumbi dos Palmares / Niterói São Domingos Niterói Pré - Vestibular Alternativo / Colégio Salesiano Santa Rosa Santa Rosa Niterói Curso Pré - Vestibular Corujão Santa Rosa Niterói Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Austin Austin Nova Iguacu Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Bairro da Luz Bairro da Luz Nova Iguacu

133

Pré - Vestibular Comunitário da ASSIM

Jardim Nova Iguaçu Alvorada Pré - Universitário IERP Centro Nova Iguaçu Pré - Vestibular Popular de Miguel Couto Miguel Couto Nova Iguaçu Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Edson Passos Edson Passos Nova Iguaçu Pré - Vestibular para Negros e Carentes Sagrada Família / Nova Posse Nova Iguaçu Iguaçú Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Cabuçú Cabuçú Nova Iguaçu Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Catedral Nova Iguaçú Centro Nova Iguaçu Pré - Vestibular Comunitário Márcio Caulino Jucelino Nova Iguaçu Pré - Vestibular para Negros e Carentes Rosa dos Ventos Rosa dos Nova Iguaçu Ventos Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Vila Operária Vila Operária Nova Iguaçu Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Petrópolis Morin Petrópolis Pré - Vestibular Alternativo de Queimados Nsa. Sra. De Queimados Fátima Os Interessados Cavalcante Rio de Janeiro Núcleo Jardim Boiúna e Adjacências Jacarepaguá Rio de Janeiro Pré - Vestibular Solidário Senador Rio de Janeiro Camará Pré - Vestibular Popular da Zona Oeste Campo Grande Rio de Janeiro Pré - Vestibular Comunitário de Osvaldo Cruz Oswaldo Cruz Rio de Janeiro Pré - Vestibular Lima Barreto / IPDH Centro Rio de Janeiro Pré - Vestibular Comunitário Paróquia Santa Rosa de Lima Jardin América Rio de Janeiro Pré - Vestibular Alternativo Areia Branca Santa Cruz Rio de Janeiro Pré - Vestibular Alternativo e Comunitário de Sepetiba Sepetiba Rio de Janeiro Pré - Vestibular Renovação Vila Kenedy Rio de Janeiro Pré - Vestibular da Associação de Moradores do Morro dos Vila Isabel Rio de Janeiro Macacos Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Paciência Conjunto Rio de Janeiro Cesarinho/Paci ência Pré - Vestibular Comunitário Amigos de Verdade Penha Rio de Janeiro Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Taquara Taquara Rio de Janeiro Pré - Vestibular Humaitá Humaitá Rio de Janeiro Pré - Vestibular Paciência Paciência Rio de Janeiro Pré - Vestibular Comunitário da Rocinha São Conrado Rio de Janeiro Pré - Vestibular Sonho Cidadão Leblon Rio de Janeiro Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Complexo do Jd. Rio de Janeiro Alemão Guadalajara/Bo nsSucesso Pré - Vestibular Cecília Meireles Marechal Rio de Janeiro Hermes Pré - Vestibular São Luis Rei Costa Barros Rio de Janeiro Pré - Vestibular Pastoral da Educação São Sebastião Olaria Rio de Janeiro Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Praça Seca Jacarepaguá Rio de Janeiro Associação Mão Amiga Pavuna Rio de Janeiro Associação Mangueira Vestibulares São Cristovão Rio de Janeiro Curso Invest Botafogo Rio de Janeiro Centro de Formação Socio-Cultural Vila Rio de Janeiro Aliança/Bangú Projeto Êxito Gávea Rio de Janeiro Pré - Vestibular São José e N. S. da Conceição Engenho de Rio de Janeiro Dentro Pré - Vestibular da Maré / CEASM Maré RiRio de Janeiro Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Tijuca Tijuca Rio de Janeiro Pré - Vestibular Igreja Nova Pavuna Pavuna Rio de Janeiro Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Pavuna Pavuna Rio de Janeiro Pré - Vestibular Raça Pavuna Rio de Janeiro

134

Pré - Vestibular Basta Querer Curso São Salvador Instituto de Pesquisa das Culturas Negras Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Columbia Pré - Vestibular Alternativo para N.e Carentes / Paróquia N. S. da Conceição Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Anil Pré - Vestibular Alternativo Comunitário / Projeto Batista Curso Superior Apoio – Vest

Cascadura Laranjeiras Centro Pque. Columbia Sta. Cruz

Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro

Anil Rio de Janeiro Pque. Anchieta Rio de Janeiro

Ilha do Rio de Janeiro Governador Curso Comunitário / AMAVPS Laranjeiras Rio de Janeiro Equipe Apoio Pedagógico – PROVEST Encantado Rio de Janeiro Projeto APUP Tijuca Rio de Janeiro Pré - Vestibular para N. e Carentes / Paróquia Bom Pastor e N. Campo Grande Rio de Janeiro S. da Fátima Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Cidade de Cidade de Deus Rio de Janeiro Deus Pré - Vestibular União Santíssimo Rio de Janeiro Pré - Vestibular Comunitário do Campinho Conjunto Rio de Janeiro Campinho Campo Grande Pré - Vestibular Oásis Freguesia/Ilha Rio de Janeiro do Governador Acorda Pedra - Vestibular 2000 Pedra de Rio de Janeiro Guaratiba Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Cesarão Santa Cruz Rio de Janeiro Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Anchieta Anchieta Rio de Janeiro Pré - Vestibular Nação Mangueirense São Francisco Rio de Janeiro Xavier Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Realengo Realengo Rio de Janeiro Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo N.S. de Nazaré Anchieta Rio de Janeiro Locus Pré - Vestibular Comunitário / Mutondo Mutondo São Gonçalo Pré - Vestibular Professor Paulo Freire Arsenal São Gonçalo Locus Pré - Vestibular Comunitário /Jardim Alcântara Jd. Alcântara São Gonçalo Pré - Vestibular do Colégio Estadual Frederico Azevedo Itaúna São Gonçalo Projeto Saber para Mudar Paraíso São Gonçalo Pré - Vestibular Comunitário Sagrada Família / São Gonçalo Lagoinha São Gonçalo Pré – SUD Centro São Gonçlo Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Éden Éden São João Meriti Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo S. João de Vilar dos Teles São João Meriti Meriti Pré - Vestibular do Projeto Reconstruir Obras Sociais e Éden São João Educacionais Meriti Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo CAC - S. J. de Coelho da São João Meriti Rocha Meriti Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Coelho da Coelho da São João Rocha Rocha Meriti Pré - Vestibular Santa Clara Centro São João Meriti Pré - Vestibular para Negros e Carentes Metodista S.J. de Meriti São João Meriti Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Matriz Centro São João Meriti Pré - Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Vila Rosali Vila Rosali São João Meriti Pré – Vestibular para Negros e Carentes Comunidade São José Engo. Belford São João Meriti

de de de de de de de de de de

135

Pré – Vestibular São Matheus

São Matheus

Pré – Vestibular para Negros e Carentes / Núcleo Henfil, Chico Vila São José e Betinho Pré – Vestibular Didaquê UFRRJ

São João Meriti São João Meriti Seropédica

de de

136

ANEXO II – CARTA DE PRINCÍPIOS DO PVNC

APRESENTAÇÃO

Esta CARTA DE PRINCÍPIOS tem por finalidade sistematizar as várias decisões tomadas pelo coletivo do Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC), em reuniões da Assembléia Geral e do Conselho Geral. Visa, principalmente, estabelecer os princípios e os objetivos a partir dos quais e pelos quais o PVNC está organizado, bem como servir de orientação aos vários núcleos que constituem o movimento – como diretriz para os novos núcleos e elemento de atualização da memória dos núcleos já integrados ao movimento. Por PRINCÍPIOS entendemos idéias, formulações, conceitos, convicções, opções políticas e regras que devem presidir o trabalho e as práticas do PVNC, bem como presidir as relações que se estabelecem entre os núcleos e com outras instituições sociais. Trata-se, então, da nossa visão de mundo, nossas concepções gerais sobre o ser humano, sobre a sociedade e sobre a educação. São as diretrizes fundamentais para o projeto político-pedagógico do PVNC.

O PRÉ-VESTIBULAR PRA NEGROS E CARENTES O Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC) é um movimento de educação popular, laico e apartidário, que atua no campo da educação através da capacitação para o vestibular, de estudantes economicamente desfavorecidos em geral e negros(as) em particular. Com o ensino pré-vestibular e outras ações, o PVNC quer ser, em caráter geral um Movimento de luta contra qualquer forma de racismo e exclusão e, em

137

caráter específico, uma frente de denúncia, questionamento e luta pela melhoria e democratização da educação, através da defesa do Ensino Público, gratuito e de qualidade em seus níveis fundamental, médio e superior, nos âmbitos municipal, estadual e federal.

HISTÓRICO DO PRÉ-VESTIBULAR PRA NEGROS E CARENTES O Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC), surgiu na Baixada Fluminense em 1993, em função do descontentamento de educadores com as dificuldades de acesso ao ensino superior, principalmente dos estudantes de grupos populares e discriminados.

O PVNC também surgiu visando a articulação de

setores excluídos da sociedade para uma luta mais ampla pela democratização da educação e contra a discriminação racial. O primeiro núcleo do Pré-Vestibular para Negros foi concebido e organizado por David Raimundo dos Santos, Alexandre do Nascimento, Antonio Dourado e Luciano de Santana Dias, que articularam os professores, conseguiram 2 salas de aula no Colégio Fluminense e, com isso, possibilitaram, em 05 de junho de 1993, a fundação do Curso Pré-Vestibular para Negros e Carentes na Igreja da Matriz de São João de Meriti. Esse grupo assumiu a coordenação do curso e a primeira equipe de professores era formada por Amilton Zama Reis (História), Silvio (Geografia), Luiz Henrique, o “Zé da UERJ” (Biologia), Hermes (Física), Alan (Química), José Roberto (Matemática), Kátia (Redação), Ana Maria (Portugues), Amauri (Inglês). A idéia de organização de um Curso Pré-Vestibular para estudantes negros nasceu a partir das reflexões da Pastoral do Negro, em São Paulo, entre 1989 e 1992. Nesse período e como resultado concreto dessas reflexões a PUC-SP, através do Cardeal Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns, concedeu 200 bolsas de estudos para estudantes participantes de Movimentos Negros e Populares. Em 1992 surgiu na Bahia uma experiência concreta, a Cooperativa Steve Biko, um curso pré-vestibular que tem como objetivo de apoiar e articular a 138

juventude negra da periferia de Salvador, colaborando para a entrada de jovens na Universidade. No Rio de Janeiro, também em 1992, surgiu o curso o Mangueira Vestibulares, um curso comunitário destinado aos estudantes da comunidade do Morro da Mangueira. Anteriormente, em 1986, foi criado o Curso Pré-Vestibular da Associação dos Funcionários da UFRJ (ASSUFRJ, atual SINTUFRJ), outra importante experiência de destinada a preparar trabalhadores para o vestibular. Essas experiências (a Coorperativa Stive Biko, o Curso para os trabalhadores da URFJ e o Mangueira Vestibulares) contribuiram muito nas reflexões para a criação do PVNC. A partir dessas idéias, motivados pelas 200 bolsas de estudos concedidas pela PUC-SP e pelas experiências da Bahia e do Rio de Janeiro, iniciaram-se, no final de 1992, na Igreja da Matriz de São João de Meriti-RJ, as discussões e articulações para a organização de um curso na Baixada Fluminense, para capacitar estudantes para o vestibular da PUC-SP e das universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro. O grupo que iniciou a organização do curso estabeleceu contatos com professores e com escolas para solicitar cessão de sala para a realização das aulas, realizaram o trabalho de divulgação e reuniões com os primeiros alunos interessados. A partir desses contatos a estrutura do curso foi se definindo e em 05 de junho de 1993 realizou-se a aula inaugural. A esse curso foi dado o nome de PréVestibular para Negros e Carentes. A proposta inicial baseou-se em duas constatações: em primeiro lugar, a péssima qualidade do ensino de 2o. grau na Baixada Fluminense, que praticamente elimina as possibilidades de acesso do estudante da região - que é constituída em sua maioria por uma população economicamente desfavorecida e negra - ao ensino superior; E, em segundo, o baixo percentual de estudantes negros nas universidades (menos de 2% dos estudantes, em 1993). Para o primeiro curso foram feitas cerca de 200 inscrições. Dos inscritos, 100 alunos começaram a estudar em duas turmas. Muitos alunos evadiram e outros entraram durante o período de realização do curso (de junho a novembro). O curso

139

encerrou suas atividades em novembro, com 50 alunos. Desses alunos, 34% foram aprovados (uma aluna para a UFF-Niteroi, um aluno para a UFF-Baixada, uma aluna para a UERJ, quatro alunos para a PUC-RJ). Ainda em 1993, a coordenação do curso conseguiu isenções de taxa de vestibular na UERJ e na UFRJ, e bolsas de estudo para os estudantes aprovados para a PUC. A partir de 1994, com o sucesso e repercussão do trabalho realizado em 1993 outros grupos (entidades populares, entidades do movimento negro, igrejas, educadores) organizaram novos núcleos do Curso Pré-Vestibular para Negros e Carentes. Vale lembrar que 1994 foi um ano fundamental para o PVNC. Foi um ano de crescimento, de adesão de novos grupos, de novos núcleos, de muitas articulações, debates, conflitos e criação de novos espaços de debates e deliberações coletivas: A Assembléia Geral, as equipes de reflexão racial e pedagógica, o Jornal, as aulas de Cultura e Cidadania. Em 1993 foi lançada a semente, mas 1994 foi o ano em que o PVNC começou a se construir como um Movimento Social de Educação Popular.

PRINCÍPIOS DO PRÉ-VESTIBULAR PARA NEGROS E CARENTES O Pré-Vestibular para Negros e Carentes fundamenta-se nos seguintes princípios: 1.

No conceito de democracia como forma de relacionamento social que incorpore igualdade de oportunidades, garantia de vida digna (trabalho com salário justo, cuidados com a saúde, educação, previdência, moradia, terra, acesso à produção cultural), participação popular nas deliberações políticas, liberdade de expressão e respeito as diferenças e diversidades étnico-culturais. Cabe ressaltar que, para o PVNC, a democracia, para ser plena, deve ser também uma democracia étnica;

2.

No conceito Ação Afirmativa como ação coletiva de afirmação de identidade e luta por relações econômicas, políticas, sociais e culturais democráticas. Trata-

140

se de uma concepção de Ação Afirmativa que vai além da instituição de políticas públicas direcionadas a um determinado grupo social; 3.

No conceito de Educação como processo de formação de competência técnica e competência política, no sentido da autonomia e da emancipação humana;

4.

Na idéia de que o acesso de todos a uma educação de qualidade é a principal forma de socialização do conhecimento e indispensável à construção de uma sociedade democrática, sendo portanto um dos canais de inclusão social, de formação de cidadania e de alargamento de oportunidades para a população pobre e discriminada;

5.

Na crença de que a Educação, como prática de formação e emancipação humana, tem um papel importante na superação do racismo, da discriminação de gênero, da discriminação cultural e, de forma geral, das desigualdades sociais;

6.

Na possibilidade de construção de um projeto de educação fundado na igualdade, na solidariedade e no respeito aos seres humanos, que deve necessariamente colocar no centro das suas preocupações os sujeitos não dominantes (por etnia, por gênero, por classe social) e valorizar a produção histórica e cultural afro-brasileira;

7.

Na convicção de que a democratização da educação somente pode se concretizar na esfera pública, ou seja, através de um Sistema Público de Educação que possa garantir o acesso de todos ao conhecimento. Assim, é a Universidade e a Escola públicas, gratuitas e de qualidade, a opção política de educação do Pré-Vestibular para Negros e Carentes.

OBJETIVOS DO PRÉ-VESTIBULAR PARA NEGROS E CARENTES 8.

São objetivos do Pré-Vestibular para Negros e Carentes:

9.

Criar condições para que os estudantes discriminados, por etnia, gênero ou situação sócio-econômica, concorram nos vestibulares das Universidades Públicas, em condições concretas de aprovação e inclusão no ensino superior;

141

10.

Realizar um trabalho de formação política, desenvolvendo atividades que contribuam para compreensão histórico-crítica da sociedade, das relações étnicas, das contradições e conflitos da realidade social;

11.

Servir de espaço público de elaboração de propostas e discussão política sobre justiça, democracia e educação;

12.

Lutar contra o qualquer tipo de discriminação, na sociedade e na educação; e,

13.

Lutar pela democratização da educação, através da defesa da educação pública, gratuita e de qualidade, que seja também pluriétnica e multicultural.

NÚCLEOS 14.

PVNC é composto por Núcleos.

Os Núcleos são os vários cursos pré-

vestibulares que constituem o PNVC. Para se integrar ao PVNC o núcleo deve atender a alguns critérios: 15.

Ter uma coordenação composta por professores, alunos e pessoas da comunidade local. A coordenação do núcleo tem um papel fundamental para o seu funcionamento. Suas principais funções são: Recolher e administrar os recursos financeiros, apoiar os professores e administrar o material didáticopedagógico, articular alunos e professores aos princípios e objetivos do PVNC, manter-se atualizada para manter alunos e professores corretamente informados sobre vestibulares, eventos importantes, atividades e articulações do PVNC, organizar e incentivar as aulas de Cultura e Cidadania;

16.

Ter, pelo menos, 80% dos professores desenvolvendo o trabalho;

17.

Ministrar aulas de CULTURA E CIDADANIA, com a mesma carga horária das outras disciplinas;

18.

Comprovar que adota o método de auto-sustentação através da cotização, ou seja, divisão das despesas com os alunos. Esta cotização deve variar entre 5 e 10% do salário mínimo. Caso existam no núcleo alunos com dificuldades de contribuir com esse valor, a coordenação do núcleo tem autonomia para solucionar a questão;

142

19.

Os professores e coordenadores devem ser voluntários e estarem de acordo com os Perfis de Professores e Papel da Coordenação estabelecidos por esta Carta da Princípios; e os alunos selecionados segundo os Critérios de Seleção de Alunos, também estabelecidos por esta Carta.

20.

A Coordenação deve escrever uma carta dirigida ao CONSELHO GERAL solicitando ASSENTAMENTO no PVNC, na qual deverá também constar os nomes de dois CONSELHEIROS e dois SUPLENTES, que podem ser alunos, professores ou coordenadores;

21.

Cabe ao Conselho Geral o assentamento do novo Núcleo em caráter experimental de 1 ano. Nesse período, a Secretaria Geral deverá acompanhar o trabalho do núcleo, verificando a coerência de suas atividades com os princípios e objetivos do PVNC. Durante o período experimental o Núcleo terá os mesmos direitos e deveres que os já integrados ao PVNC;

22.

O assentamento definitivo do novo núcleo será decidido após o período experimental, a partir de relatório de avaliação do núcleo apresentado pela Secretaria Geral.

23.

Os núcleos integrados (provisória ou definitivamente) ao PVNC devem contribuir mensalmente com 10% de sua receita mensal em contribuições dos alunos.

Essa contribuição deve ser efetuada à Equipe de Tesouraria da

Secretaria Geral no dia da reunião mensal do Conselho Geral ou através de comprovante de depósito na conta corrente do PVNC, cuja cópia do comprovante deve ser entregue à Tesouraria, também no dia da reunião do Conselho Geral. 24.

O núcleo que estiver em débito por dois meses ou mais com o PVNC perde temporariamente o direito a voto na Assembléia Geral e no Conselho Geral, bem como o direito de participar de bolsas e isenções de taxas em Universidades Públicas e bolsas de estudo em Universidades Particulares. Esses direitos são imediatamente readquiridos após o pagamento do débito ou negociação com a Secretaria Geral.

Em caso de negociação, esta deverá ser aprovada pelo

Conselho Geral;

143

25.

Perdem o direito de participação nas isenções de taxas e bolsas de estudos conquistadas pelo PVNC, os Núcleos que, na reunião de novembro do Conselho Geral, estiverem abaixo dos índices mínimos de participação nas discussões e decisões do movimento, ou seja: a) 60% de participação nas reuniões do Conselho Geral (presença em 7 reuniões); b) 70% de participação nas reuniões da Assembléia Geral (presença em 2 reuniões); c) 70% de participação nos Seminários de Formação (presença em 2 seminários).

26.

O Assentamento e a Permanência do núcleo no PVNC dependerá do cumprimento de todos os itens desta Carta de Princípios.

ASSEMBLÉIA GERAL 27.

A Assembléia Geral é o órgão máximo e soberano de decisão do PVNC.

28.

A Assembléia Geral tem como função discutir e deliberar sobre Princípios, Objetivos, Regras e Propostas Globais.

29.

A Assembléia Geral é composta por todos os integrantes do PVNC, os quais têm direito a voz e voto, desde que estejam em dia com as suas obrigações. Cabe à Secretaria Geral informar quais os núcleos que estão habilitados a votar.

30.

A Assembléia Geral se reunirá ordinariamente 3 vezes por ano.

31.

A primeira reunião do Conselho Geral de cada ano deverá definir as datas das Assembléias, os locais de realização e todo o planejamento.

32.

A coordenação da Assembléia Geral ficara a cargo da SECRETARIA GERAL. Em caso de não haver nenhum membro da Secretaria Geral presente, deverá ser composta uma mesa, coordenada pela Coordenação do Núcleo onde se realizará a Assembléia Geral;

33.

Toda a dinâmica da Assembléia Geral é regida pelo Regimento Interno das Assembléias do PVNC .

144

CONSELHO GERAL 34.

O Conselho Geral é composto por 2 Conselheiros da cada núcleo ou, na ausência destes, por 2 Suplentes, com direito a voz e voto, e se reúne com os objetivos de construir estratégias e táticas de operacionalização das propostas aprovadas pela Assembléia Geral, elaborar o calendário e planejamento anual do PVNC, instituir comissões temporárias para questões específicas, possibilitar a troca de informações entre os núcleos e solicitar prestação de contas à Secretaria Geral, às equipes permanentes e comissões temporárias.

35.

O Conselho Geral reúne-se todo primeiro Domingo de cada mês, sempre em um dos núcleos do PVNC.

36.

Com o objetivo de descentralizar as atividades do PVNC, as reuniões do Conselho Geral serão realizadas durante quatro meses em um mesmo núcleo. A cada quatro meses o local muda-se o núcleo. Ao longo do ano três núcleos devem sediar as reuniões do Conselho Geral, devem ser escolhidos na reunião de dezembro ao ano anterior.

37.

As reuniões do Conselho Geral são abertas a qualquer membro do PVNC com direito a voz. Somente têm direito a voz e voto os dois conselheiros de cada núcleo ou seus suplentes, nunca ultrapassando 2 (dois) votos por núcleo.

38.

O Conselho Geral não pode mudar nenhuma decisão tomada pela Assembléia Geral.

39.

A pré-pauta de cada reunião da Assembléia Geral será definida pelo Conselho Geral, na reunião que a antecede, permitindo assim que os pontos de pauta sejam discutidos e amadurecidos anteriormente por cada núcleo.

A pré-pauta só

poderá ser alterada pela Assembléia Geral se estiveram 50% mais 1 dos núcleos do PVNC presentes; 40.

O Conselho Geral em sua reunião de novembro, deverá fornecer a todas as comissões de contato com Universidades Públicas e Particulares, a relação dos núcleos que atenderam ao nível mínimo de participação estabelecidos nesta Carta de Princípios

145

41.

Cabe ao Conselho Geral, através da equipe de Reflexão Pedagógica ou de uma comissão especial constituída para este fim, a organização dos Seminários de Formação do PVNC, que são eventos realizados com a finalidade qualificar de coordenadores, professores e alunos, através do estudo e o aprofundamento sobre Educação, Questões Raciais e temas emergentes.

Os temas serão

definidos pelo Conselho Geral. 42.

Os Seminários devem ser realizados 3 vezes ao ano, sempre em um dos núcleos do PVNC. O núcleo em que será realizado o seminário deve assumir a infraestrutura do mesmo, com apoio financeiro da Secretaria Geral para almoço, etc.

43.

Os núcleos devem informar ao Conselho Geral, antecipadamente, o número de pessoas que participarão do seminário, afim de se evitar problemas de super lotação e falta de alimentação.

44.

As equipes do PVNC são abertas a participação de qualquer membro e devem prestar contas de suas atividades ao Conselho Geral. São elas: a) Equipe de Reflexão Racial, cujas funções são desenvolver reflexões e análises sobre relações raciais e cultura afro-brasileira, desenvolver debates nos núcleos sobre o tema, realizar atividades de formação de coordenadores e professores e organizar, junto com a equipe pedagógica, os seminários do PVNC. b) Equipe de Reflexão Pedagógica, cujas funções são desenvolver reflexões e análises sobre Educação e Pedagogia, desenvolver debates nos núcleos e realizar atividades de formação de coordenadores e professores, organizar, junto com a equipe de reflexão racial, os seminários do PVNC. c) Equipe de Cultura e Cidadania, cuja função é aprofundar, planejar e elaborar propostas para as aulas de Cultura e Cidadania, dentro dos princípios e objetivos do PVNC. d) Equipe de Assessoria de Imprensa, cuja função é assessorar a Secretaria Geral articulando contatos com a Imprensa.

146

e) Equipe do Jornal Azânia, cuja função é produzir o Jornal do PVNC com a imparcialidade necessária a fim de contemplar as diversas opiniões e visões presentes no PVNC; f) Comissões de negociação com universidades públicas e particulares, com função de estabelecer contatos, manter e aprofundar relações sobre isenções taxas e bolsas de estudo para os(as) alunos(as) do PVNC. 45.

As equipes de reflexão racial, de reflexão pedagógica e de cultura e cidadania podem atuar em conjunto, tanto no estabelecimento de um grupo de discussões e estudos, como na organização de atividades para o PVNC.

SECRETARIA GERAL 46.

A secretaria Geral tem como funções: a) Representar o PVNC junto à imprensa e às instituições sociais; b) Recolher, Administrar e Prestar Contas mensalmente dos recursos oriundos das contribuições financeiras dos núcleos; c) Coordenar as reuniões do Conselho Geral e da Assembléia Geral; d) Conhecer e manter documentada a realidade de cada um dos Núcleos do PVNC; e) Manter os núcleos informados sobre todas as atividades e articulações do PVNC; f) Manter organizadas todas as informações sobre o PVNC (Atas, Balanços Financeiros, reportagens, fotografias, textos e documentos em geral) em local que Coordenadores, Professores e Alunos do PVNC possam ter fácil acesso; g) Executar as deliberações do Conselho Geral.

47.

A Secretaria

é

subdivida em

regionais

e

composta

por 11 membros,

sendo 3 Secretários Gerais, 2 Tesoureiros e 6 Secretários Regionais; 48.

Em caso de desistência, 3 faltas consecutivas ou 5 faltas alternadas sem justificativa, de qualquer membro da Secretaria Geral, este devem ser substituídos imediatamente pelo Conselho Geral.

147

FINANÇAS 49. O PVNC é auto-sustentável. Não é admitido o recebimento de financiamento externo. 50.

Os(as) alunos(as) devem contribuir mensalmente aos núcleos, com uma taxa de 5 e 10% do salário mínimo vigente no País.

51.

Os núcleos devem contribuem com 10% da receita mensal para as atividades gerais do PVNC (Assembléias, Seminários, Jornal, Conselho, etc.), desde que a Tesouraria esteja em dia com a prestação de contas, que deve ser mensal. Caso contrário, os núcleos podem suspender as contribuições sem prejuízo à sua participação no PVNC. As contribuições devem ser imediatamente retomadas (inclusive as atrasadas) após a prestação de contas;

52.

As contribuições dos núcleos devem ser recolhidas pela Tesouraria.

53.

Os núcleos podem organizar festas e eventos para gerar fundos para suas atividades, que estão isentos do repasse à Secretaria Geral.

54.

O núcleo que estiver em débito com o PVNC perderá temporariamente o direito a voto na Assembléia Geral e no Conselho Geral, bem como o direito de participar de bolsas e isenções de taxas em Universidades Públicas e bolsas de estudo em Universidades Particulares.

Esses direitos são imediatamente

readquiridos após o pagamento do débito ou negociação com a Secretaria Geral. Em caso de negociação, esta deverá ser aprovada pelo Conselho Geral; 55.

Em hipótese alguma, será concedida anistia aos núcleos em débito;

56.

Nenhum membro do PVNC pode receber remuneração pelo trabalho realizado no Movimento.

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO E PERFIL DE ALUNOS

57.

A seleção de alunos é feita em cada núcleo ou reunindo um grupo de núcleos da região.

58.

O aluno deve receber da coordenação do núcleo um texto apresentando o histórico, as propostas do projeto, a importância da participação no movimento, a importância encontros de CULTURA E CIDADANIA como um dos pilares

148

do trabalho, as assembléias, os seminários, os conselhos, a secretaria, as equipes, o jornal etc. 59.

Após a leitura do texto e concordando com o mesmo, deverá receber o formulário de Pedido de inscrição e preenchê-lo. No mesmo, além do nome completo, endereço, escola de origem, deve ter questões com o objetivo de aferir a sua realidade sócio-econômica. Outro bloco deverá colher informações sobre a percepção que o candidato tem dos problemas sociais e raciais.

60.

Após preencher o formulário de pedido de inscrição o mesmo é convidado a uma entrevista individual para averiguação dos dados.

61.

Só deverão ser classificados os alunos que comprovadamente são carentes, de qualquer etnia, idade e sexo. Entretanto, a coordenação deverá estar atenta para garantir no pré-vestibular candidatos provindos das etnias historicamente oprimidas (prioritariamente os(as) candidatos(as) negros(as)) na mesma proporção de sua presença na sociedade brasileira.

62.

Em caso de existir mais candidatos do que vagas, deverão seguir os seguintes critérios: a) Carentes. Famílias com até 2 salários mínimos per capita. Privilegiar os pertencentes à famílias que pagam aluguel, que possuem pessoas doentes ou idosas, filhos de pais separados e moradores de periferias. Devem ser realizadas visitas familiares para comprovação de carência. b) Negros preferencialmente. Por ser a questão das relações desiguais entre negros e brancos a razão do movimento e de nossas lutas, sobretudo pelo alto índice de descendentes de africanos entre as camadas mais pobres e excluídas,

conseqüência do preconceito e da discriminação que são

vítimas no trabalho, no acesso à educação, nos cuidados com a saúde, no campo histórico-cultural, etc; c) Oriundos de escolas públicas preferencialmente; d) Com 2º grau completo, ou esteja em vias de conclusão; e) Cursando o 2º grau em escolas particulares com bolsa;

149

f) Oriundos de Movimentos Populares. Aqueles que tenham alguma inserção nas lutas sociais, como Comunidades Eclesiais de Base, Sindicatos, Associações de Classe, Entidades Filantrópicas, culturais, partidárias ou religiosas. Este critério deve ser utilizado para casos de empate; PERFIL DE PROFESSORES 63.

Sem perder de vista que o trabalho voluntário se reveste de transcendental grandeza, que dignifica quem o pratica, é importante e desejável que os professores com atuação em sala de aula possuam as seguintes características: a) Mostrem-se conscientes do alcance político, social e educativo do Movimento "Pré-Vestibular para Negros e Carentes"; b) Sejam altruístas e dotados de elevado sentimento de solidariedade humana; c) Reconheçam a importância de não conservarem qualquer preconceito racial, de gênero, político, ideológico e religioso, comprometendo-se a respeitar e tratar a todos de forma igual; d) Disponham-se a praticar e incentivar os alunos à prática da SOLIDARIEDADE ATIVA; e) Possuam sólido conhecimento das disciplinas que se disponham a ministrar, mesmo não sendo academicamente formados; f) Busquem desenvolver a consciência crítica dos alunos frente a realidade social, política, econômica e racial; g) Sejam receptivos às instruções que lhes forem passadas pela coordenação de seu Núcleo e, em caso de dúvidas, consultar a dialogar com esta. h) Saibam que se fizerem pelo aluno qualquer coisa que este possa fazer, sua ajuda se transformará num ato paternalista, pois induzirá o "beneficiado" a indolência, auto-depreciação e dependência;

150

i) Valorizem o ato de ouvir e aceitar, de forma a envolver os alunos num relacionamento franco e confiante; j) Que faça uso de diferentes métodos e seja consciente das limitações dos alunos; k) Tenham consciência do caráter inovador do projeto, como um questionamento ao sistema educacional vigente. CRITÉRIOS PRA OBTENÇÃO DE BOLSAS 64.

O núcleo deve cumprir os níveis de presença em reuniões do Conselho Geral, Assembléia Geral e Seminários estabelecidos por esta Carta de Princípios, bem como estar em dia com a contribuição financeira;

65.

O(A) aluno(a) deve estar em dia com a contribuição financeira, com a documentação atualizada e ter participação ativa no Núcleo, no decorrer do ano;

66.

Cabe à coordenação do núcleo o cumprimento desses critérios e o informar os alunos em condições de receberem bolsas ao Conselho Geral;

67.

Terá direito a uma bolsa em Universidade Particular, o(a) aluno(a) deve prestou vestibular para uma Universidade Pública e foi não foi classificado.

CULTURA E CIDADANIA O trabalho político-pedagógico do PVNC não deve ser uma mera extensão do automatismo da educação. A coordenação, alunos e professores devem fazer do PVNC um espaço alternativo para se discutir e aprofundar as grandes questões que angustiam a sociedade, priorizando a questão das relações étnicas. Para isto foi criada a matéria CULTURA E CIDADANIA. Os debates de CULTURA E CIDADANIA devem se desenvolver sobre questões como: Racismo, Discriminação, Preconceito, Gênero, Cultura, Ideologia, Cidadania, Democracia, Políticas Públicas, Violência, Direitos Constitucionais, Civis e Trabalhistas, Movimentos Sociais, Conjuntura Política e Econômica, Neoliberalismo, Globalização ou temas sugeridos no interior do núcleo através de um planejamento participativo, tendo a mesma carga horária semanal das outras 151

disciplinas. Sua construção pedagógica é diferente das demais disciplinas, pois é aberta para que o conjunto construa uma visão de si, dos outros e da sociedade, numa dinâmica que engloba: Palestras, Debates, Análises de Filmes, Músicas e Textos, Peças teatrais, Dinâmica de Grupos etc. Esta matéria não deve ter um único professor, devendo ser desenvolvida pelas coordenação do núcleo através de convites a pessoas especializadas nos vários assuntos específicos. O objetivo da matéria CULTURA E CIDADANIA é realizar um amplo debate social-histórico, no sentido de potencializar as ações político-culturais dos educandos e educadores do PVNC, a partir/para valores humanitários e socialistas (solidariedade, igualdade e respeito aos seres humanos) e na perspectiva de desenvolver um trabalho de conscientização e formação de militância para as lutas populares por democracia e justiça social. Pré-Vestibular para Negros e CarentesAssembléia Geral, 18 de abril de 1999.

152

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.