Dignidade da Pessoa Humana, Princípios e Limites Legais à Pesquisa em Biociências

May 24, 2017 | Autor: J. Oliveira Nasci... | Categoria: Pesquisas, Dignidade Da Pessoa Humana, Biociencias
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ENCONTRO DE BIOÉTICA DO PARANÁ – Bioética início da vida em foco. 1, 2009, Curitiba. Anais eletrônicos... Curitiba: Champagnat, 2009. Disponível em: http://www.pucpr.br/congressobioetica2009/

40 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, PRINCÍPIOS E LIMITES LEGAIS À PESQUISA EM BIOCIÊNCIAS Juliana Oliveira Nascimento1 Maria da Glória Colucci2 Resumo Este artigo aborda a necessidade do estabelecimento de limites legais à pesquisa em biociências, a partir da análise do princípio da dignidade da pessoa e da evolução dos direitos fundamentais e humanos; face aos avanços da ciência e da técnica e as complexas questões éticas quanto aos novos rumos das conquistas nas ciências da vida. Neste contexto o respeito ao ser humano quanto a sua dignidade deve ser observado, pois a pessoa humana não pode ser reduzida para uma concepção de “coisa” pois tal característica é inadmissível. Deste, modo é essencial para a vida do homem em face de sua dignidade o respeito aos direitos fundamentais conquistados, progressivamente, sobretudo os Direitos de Terceira, Quarta Geração e os novos direitos que surgem paulatinamente. Nesta perspectiva, a vida e a saúde são, indiscutivelmente, direitos humanos inseparáveis da dignidade da pessoa, universais, pelo simples fato de ser humano. Contudo, é inegável que, nos últimos anos, ciência e técnica evoluíram com maior celeridade do que as complexas questões éticas quanto aos novos rumos das conquistas humanas nas ciências da vida. Tal fato fez com que as preocupações éticas com a pessoa humana em sua dignidade crescessem dia após dia fazendo emergir a necessidade de proteção do homem através da regulamentação legal, que no Brasil emana da Constituição da República Federativa do Brasil, e Resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde. Ademais, se fez plausível a menção de Declarações internacionais importantíssimas sobre o tema que norteiam a criação de direitos nos países do mundo.

Palavras-chave: Dignidade da pessoa humana. Biociências. Limites e princípios. Resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde.

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Bacharel em Direito pelo UNICURITIBA - Centro Universitário Curitiba. Integrante do Grupo Jus Vitae – Pesquisa em Biodireito e Bioética e do NEB- Núcleo de Estudos em Bioética de Curitiba. 2 Mestre em Direito Público. Professora Titular de Teoria Geral do Direito do Centro Universitário Curitiba. Orientadora do Grupo Jus Vitae – Pesquisa em Biodireito e Bioética, desde 2001, do UNICURITIBA.

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1 INTRODUÇÃO A dignidade da pessoa humana constitui fundamento da sociedade e do Estado, de sorte que nenhuma conduta que venha reduzir a "pessoa humana à condição de coisa"3, retirando desta a sua dignidade e o seu direito a uma vida digna, será admissível. Este princípio, conforme dispõe Dalmo Abreu Dallari4, vale tanto para as ações governamentais, ações individuais ou coletivas, como também para os casos de criação e aplicação de tecnologia, e para qualquer outra atividade exercida no campo da ciência. A Constituição Federal, segundo Elida Séguin, "elevou a tutela e promoção da pessoa humana a um valor máximo do ordenamento, estatuindo que a dignidade do homem é inviolável"5, sendo as normas feitas para as pessoas em sua realização existencial. Prossegue, destacando alguns pontos como: "o respeito à integridade física e psíquica das pessoas; a admissão da existência de pressupostos materiais mínimos para que se possa viver; e o respeito pelas condições fundamentais de liberdade e igualdade"6. O princípio da dignidade refere-se à pessoa humana em sua autodeterminação, servindo de alicerce à relação terapêutica, ao consentimento e à disponibilidade desta a qualquer tratamento para promoção, prevenção e recuperação da saúde. Podem-se destacar, dentro do âmbito do princípio acima exposto, as biociências relacionadas com a garantia do direto à vida. Maria Helena Diniz assevera que a vida é prioritária sobre todas as coisas, uma vez que "a dinâmica do mundo nela se contém e sem ela nada terá sentido"7. O direito à vida deve prevalecer sobre qualquer outro, porém, se houver conflitos entre dois direitos, incidirá o princípio do primado do mais relevante. Vê-se, desta forma, a essencialidade e a fundamentalidade do respeito à dignidade, como garantia do direito à vida, na realização de pesquisas científicas. Segundo Dalmo de Abreu Dallari, a vida tem valor primordial para toda a humanidade, pois sem esta a pessoa humana não existe como tal, sendo relevante “o respeito à origem, à conservação e à extinção da vida”8. Sob este ponto de vista, o direito à saúde encontra-se num campo de suma importância, abrangendo, assim, a conservação e a

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DINIZ, Maria Helena. O estado atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 17. DALLARI, Dalmo de Abreu. Bioética e Direitos Humanos. In: COSTA, Sérgio Tibiapina Ferreira; OSELVA, Gabriel; GARRAFA, Volnei (Coord.). Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998. 5 SÉGUIN, Elida. Biodireito. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 50. 6 SÉGUIN, Elida. 2005, loc.cit. 7 DINIZ, Maria Helena. 2001, p. 25. 8 DALLARI, Dalmo de Abreu. 1998, p. 231. 4

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preservação de uma vida saudável (completo bem-estar físico, mental e social)9. Com este direito sendo garantido expressamente, atenta-se ao fiel cumprimento de um dos princípios basilares da Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana. A dignidade da pessoa torna-se o foco da vida humana que é o centro dos direitos fundamentais do homem. Direitos estes que, segundo Lucília Nunes “são considerados naturais e universais, imprescritíveis, inalienáveis e irrenunciáveis, invioláveis, indivisíveis e interdependentes”10. Assim, como já evidenciado, é essencial para a vida do homem em face de sua dignidade o respeito aos direitos conquistados, progressivamente, sobretudo os Direitos de Terceira e Quarta Geração como se verificará.

2 DIREITOS DE TERCEIRA E QUARTA GERAÇÃO

No âmbito dos direitos conquistados nos últimos séculos, enquadram-se segundo os doutrinadores, nos denominados direitos de terceira dimensão, os econômicos, sociais e culturais que emergiram por “influência da Revolução Russa de 1917, da Constituição Mexicana de 1917 e da Alemã de Weimar de 1919”11. Referidos direitos são aqueles que se constituíram como obrigações dos Estados, para que houvesse equidade e garantia do “bemestar social”12. Ao obrigar os Estados a assegurarem à população, principalmente àqueles que vivem à margem da sociedade, os mais vulneráveis, medidas que visem à melhoria de sua qualidade de vida; deu-se o surgimento da denominação de “Estado do Bem Estar Social”13. E é sob este contexto conexo à saúde, em classificação apresentada por José Afonso da Silva, que esses direitos são relacionados “ao homem como sujeito de bens e serviços públicos, tais como o direito à seguridade social (saúde, previdência e assistência social)”14, entre outros. Com relação aos direitos de quarta geração, os chamados Direitos de Solidariedade, foram introduzidos como tais na esfera internacional, pelo fato de se constituírem, conforme

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SCHWARTZ, Germano André Doerderlein. Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2001, p. 35. 10 NUNES, Lucília. Usuários dos serviços de saúde e os seus direitos. Revista Brasileira de Bioética. v. 2. n. 2. Sociedade Brasileira de Bioética: Brasília, p. 202. 11 BESTER, Gisela Maria. Direito Constitucional. V. São Paulo: Manole, 2005, p. 592. 12 BESTER, Gisela Maria. 2005, p. 592. 13 BESTER, Gisela Maria, loc.cit. 14 SILVA, José Afonso da, apud BESTER, Gisela Maria, p. 593.

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assevera Gisela Bester: [...] na condição de possibilidade do surgimento de Declarações, Pactos e Cartas Internacionais para proteção da humanidade fora do âmbito dos Estados Nacionais e tem como marco o ano de 1948, sendo a Declaração Universal dos Direitos do Homem, assinada pelas Nações Unidas naquele final da primeira metade do século XX, o mais importante documento dentro desta categoria de direitos. 15

Tornam-se, assim, estes direitos “supranacionais, que não atendem às fronteiras geográficas-territoriais”16, pois, estão diretamente direcionados a todo ser humano independentemente de seu país. Não obstante, esta quarta geração de direitos, como já salientado “não são direitos „contra o Estado‟, nem direitos de participar „no Estado‟, tampouco direitos [exercíveis] „por meio do Estado‟, mas sim direitos sobre o Estado”17. Com isto, abarcam o direito ao desenvolvimento, no qual todas as pessoas têm a prerrogativa, com base em princípios da justiça, equidade, liberdade, etc., da garantia de expansão dos países, porém levando em consideração a defesa dos Direitos Humanos, que deve andar lado a lado com o progresso dos mesmos, não devendo ser esquecidos pelos governantes. Contudo tal percepção, ainda é muito difícil do ponto de vista dos Estados menos desenvolvidos, que ficam muitas vezes sob a dependência dos países desenvolvidos18. O desenvolvimento envolve a dignidade da pessoa quanto ao acesso populacional a tecnologias médicas de ponta e aos benefícios das pesquisas em biociências. Todavia, esta é uma realidade distante dos países em desenvolvimento. O direito a um meio ambiente sadio, também se encontra inserido nesta geração, e deve ser assegurado e protegido por todos para uma boa qualidade de vida, de forma que tanto as gerações presentes quanto as futuras possam usufruir de uma vida qualitativamente saudável, abrangendo a idéia de sustentabilidade. Finalizando Gisela Maria Bester, evidencia como [...] novíssimos direitos [...] os direitos mais recentes que possuímos ou que ainda estão em fase de reivindicações, como os relativos à inteligência artificial e à informática; à bioética (reprodução assistida, fertilização in vitro, posse de patrimônio genético de pessoas, clonagem, etc.)19

Segundo Flávia Piovesan, “compartilha-se o entendimento de que uma geração de 15

BESTER, Gisela Maria, 2005, p. 594. BESTER, Gisela Maria, loc.cit. 17 Ibid., p. 595. 18 BESTER, Gisela Maria, loc.cit. 19 Ibid., p. 600. 16

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direitos, não substitui a outra, mas com ela interage”20. E sob o prisma da dignidade da pessoa faz-se a junção destas gerações de direitos, que estão sempre em movimento, pois, continuamente, com a evolução da sociedade muitos direitos ainda não existentes vão surgindo, suprindo as necessidades humanas. Nesta perspectiva, a vida e a saúde são, indiscutivelmente, direitos humanos inseparáveis da dignidade da pessoa, universais, pelo simples fato de ser humano21. Sendo inegável que, nos últimos anos, ciência e técnica evoluíram com maior celeridade do que as complexas questões éticas quanto aos novos rumos das conquistas humanas nas ciências da vida.

3 PRINCÍPIOS E LIMITES LEGAIS À PESQUISA EM BIOCIÊNCIAS Podem ser colocadas, como pontos de partida para reflexão, algumas indagações, pertinentes à pesquisa em seres humanos e em outras formas de vida animal e vegetal, tais como: a) devem ser estabelecidos limites às pesquisas científicas em biociências? b) quem deve fixá-los? c) quais parâmetros devem ser utilizados? d) para que serviriam? e) como estabelecê-los?

Há uma diversidade de ângulos que possibilitam respostas às questões éticas emergentes, como se pode constatar de opiniões de cientistas, juristas, filósofos, etc., dentre tantos estudiosos do problema dos limites em matéria de pesquisas em seres humanos. Marco Segre deixa bem claro que todos concordam com a necessidade de critérios, todavia, constata que não se conseguirá construir um bloco homogêneo de princípios, devido às diferenças setoriais, culturais e teóricas existentes. Afirma enfático que: “É utópico (e mais, desinteressante) pensar em uma Bioética monolítica, que pudesse ser aceita por todos. E, mesmo no âmbito regional, tudo indica que sempre existirão divergências com relação a

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PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8 ed. São Paulo : Saraiva, 2007. p. 141-142. 21 Grifo nosso.

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problemas

específicos

tecnobiociência”.

derivados

do

“saber-fazer”

resultante

da

evolução

da

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Tereza Rodrigues Vieira entende que “... é preciso maior aproximação entre o cidadão e as tecnociências, facilitando o diálogo com a coletividade acerca do desenvolvimento coletivo”. E prossegue: A Bioética deve priorizar a proteção do ser humano, não as corporações biomédicas. A ciência deve existir como esperança e não como ameaça à vida humana. Contudo, não podemos impedir pesquisas ou queimar pesquisadores com o rigor da Inquisição. O ponto de vista da Igreja deve ser observado, embora sem nenhuma imposição de caráter religioso.23

José Roberto Goldim aponta princípios que devem nortear a avaliação de um projeto de pesquisa, sobretudo, quando há reconhecidas controvérsias:

Quando se avalia um projeto de pesquisa, usam-se, basicamente, três grandes critérios: geração de conhecimento (o objetivo final propriamente dito), relevância (ou seja, a quem interessa a pesquisa) e exeqüibilidade ( até que ponto essa pesquisa pode ser feita, sob o ponto de vista ético, metodológico, financeiro e o tempo necessário para a execução)24

Neste sentido, o mesmo autor deixa bem claro que a dignidade da pessoa deve ser “o pano de fundo” para os rumos a serem seguidos pelos pesquisadores e todos os envolvidos no Projeto.25 Francisco Amaral situa a problemática desafiadora em:

[...] dois campos distintos do conhecimento científico e da prática social que, usando poderíamos denominar de Bioética e Biodireito, a primeira para estabelecer os limites morais do agir científico no campo da vida, o segundo para fixar os limites jurídicos da prática social no campo das inovações tecnológicas.26

Destaca, ainda, que um dos campos em que se verifica crescente necessidade de estabelecimento de limites “... é o das ciências biomédicas e biotecnológicas, onde os avanços

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SEGRE, Marco. A Psicanálise da Bioética. Rev. Literária de Direito, março/abril de 2000, p. 27. VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética e Direito. Rev. Literária de Direito, julho/agosto de 1999, p, 12. 24 GOLDIM, José Roberto, apud Luciana Amaral. Os limites éticos da intervenção sobre o ser humano. Rev. Jurídica Consulex, ano V, n. 113, 30 Set. 2001, p. 21, (grifo nosso). 25 Ibid. 26 AMARAL, Francisco. Biodireito. Jornal Trabalhista. Brasília. v. 17, n. 798, p. 7-10, Fev. 2000. 23

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científicos levantam problemas de ordem moral e jurídica que a ética e o direito são chamados a decidir”.27 Extrai-se, das diferentes opiniões elencadas, que é urgente normatizar a questão do ponto de vista jurídico, uma vez que as disposições legais existentes são insuficientes, impondo-se fixar diretrizes principiológicas mais específicas, para evitar interpretações dúbias, incompatíveis com a gravidade das consequências advindas das pesquisas científicas em seres vivos. Depreende-se, assim, que: a) aguarda-se o estabelecimento de limites às pesquisas nas ciências da vida, mas sem desprezar os avanços obtidos ou impedir que novas conquistas se façam; b) a sociedade deve ser informada, incluindo os cidadãos comuns e a elite intelectual das diversas áreas do conhecimento; c) as pesquisas não podem representar ameaças aos seres humanos e aos seres vivos em geral, nem ao meio ambiente; d) devem ser respeitadas as diferenças culturais, técnicas, científicas, dentre outras, levando-se em consideração os sujeitos da pesquisa, os pesquisadores e a sociedade.

Alguns marcos principiológicos que se encontram no Direito brasileiro, em especial na Constituição da República Federativa do Brasil, merecem destaque, tais como: a) dignidade da pessoa humana (art. 1º, III); b) promoção do bem de todos (art. 3º, IV); c) liberdade de expressão da atividade científica, independentemente de censura ou Licença (art.5º, IX); d) liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (art. 5º, XIII); e) acesso à informação, com as ressalvas do sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional (art. 5º, XIV); f) defesa do consumidor (art. 170, V); g) universalidade e isonomia no acesso às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde (art. 196); h) proibição de comercialização de tecidos, órgãos, substâncias ou todo tipo de material genético humano (art. 199, § 4º);

27

Ibid.

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i) promoção e incentivo ao desenvolvimento científico, à pesquisa e à capacitação tecnológica (art. 218); j) tratamento prioritário à pesquisa científica básica, tendo, em vista o bem público e o progresso das ciências (art. 218, §5º); k) apoio financeiro a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica (art. 218, §5º); l) meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadia qualidade de vida (art. 225); m) preservação da diversidade e integridade do patrimônio genético do País (art. 225, II); n) proteção da fauna e da flora (art. 225).

Além dos acima citados, merecem ser também considerados as disposições constantes da Lei nº 11.105, de 24.05.2005, conhecida como Lei de Biossegurança, que regula pesquisas em organismos geneticamente modificados – OGM‟s e seus derivados, bem como a utilização de células-tronco embrionárias, para fins de pesquisa e terapia, obtidas de embriões humanos excedentes produzidos por fertilização in vitro (art. 5º, I a II)com as restrições e princípios que estabelece, dentre os quais: a) estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia (art. 1º); b) proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal (art. 1º); c) observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente (art. 1º); d) proibição de utilização, comercialização, registro, patenteamento e licenciamento de tecnologias genéticas de restrição de uso (gene terminator) (art. 6º, VII); e) proibição de pesquisas individuais realizadas por pessoas físicas, de forma autônoma e independente, sem vínculo com organizações públicas ou privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais, devidamente certificadas pela CTNBIO – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (art.2º, §3º e 4º); f) proibição de comercialização de material biológico, envolvendo embriões inviáveis (art.5º § 3º); g) exigência de consentimento dos genitores para utilização de embriões congelados, (art.5º, § 1º); h) investigação de acidentes, adoção de medidas de prevenção; i) concepção multidisciplinar da atuação da CTNBIO (art. 10); j) estabelecimento de um Sistema de Informações e Controle em Biossegurança – SIB (art.19);

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k) responsabilidade solidária na indenização ou reparação integral, independentemente da existência de culpa, de danos ao meio ambiente e a terceiros (art.20); l) criminalização da prática de engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião humano e clonagem humana (reprodutiva ou terapêutica), (arts.25 e 26).

Igualmente, a Resolução nº 196/1996, do Conselho Nacional de Saúde, que regula as pesquisas envolvendo seres humanos, procurou estabelecer limites à pesquisa em biociências, como se pode verificar de alguns de seus princípios:

a) consentimento livre e esclarecido (autonomia): anuência do sujeito da pesquisa livre de dependência, subordinação ou intimidação (II.11;III.1a;III.3,g;IV.2;IV.3,b); b) ponderação entre riscos e benefícios (III.1.b;III.3.d;V.1 a V.7); c) garantia de que danos previsíveis serão evitados (III.1.c;V.1.a V.7); d) relevância social da pesquisa, ou seja, não perder o sentido de sua destinação sóciohumanitária (III.1; III.3.n,o.p.s; IV.3.d); e) vulnerabilidade: corresponde ao estado de pessoas ou grupos que tenham a sua capacidade de autodeterminação reduzida, sem a autonomia da vontade necessária à compreensão dos atos praticados ou devido a condição de dependência ou subordinação hierárquica (II.15; III.3, j; IV.3, b); f) respeito aos valores culturais, sociais, morais, religiosos e éticos, bem como hábitos e costumes quando as pesquisas envolverem comunidades (III.3.l); g) informação e retorno dos benefícios obtidos através das pesquisas para as pessoas e as comunidades onde as mesmas forem realizadas (III.3, n,o,p).

Nos supracitados princípios, a Resolução nº 196/96 procurou consagrar os quatro referenciais básicos da Bioética: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça, em respeito aos direitos e deveres da comunidade científica, sujeitos da pesquisa e Estado, conforme estabelece em seu Preâmbulo (I).

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4 CONCLUSÃO

Dentre os diplomas legais mencionados, merece especial destaque a Resolução 196/1996 CNS que observa, também, as disposições da Carta Magna brasileira, bem como as leis vigentes no País que envolvem o tema, pois se trata de questão cujo bem jurídico “vida” é inalienável, e que, no foco de um panorama axiológico, envolve a dignidade da pessoa humana cuja proteção é um axioma indiscutível. A regulamentação pela Resolução 196/1996 estabeleceu várias diretrizes sobre as pesquisas em seres humanos, pretendendo resguardar a dignidade humana, prevendo entre as suas disposições, que na realização dos procedimentos, a máxima da honra humana deve ser preservada. Por intermédio do consentimento livre e esclarecido do indivíduo que anuir com as pesquisas, assegura-se a privacidade e a confidencialidade, protegendo a imagem e a vida das pessoas envolvidas, bem como as informações que possam vir a prejudicá-las, para que não venham ser estigmatizadas na sociedade. Acrescenta, ainda, a Resolução quanto aos riscos e benefícios, que se deve sempre ter como referência o bem-estar da pessoa, de forma que o conhecimento gerado para “entender, prevenir ou aliviar um problema”28 venha oportunizar

ao sujeito, e futuramente à

coletividade, que vivencia a mesma situação, uma melhoria na qualidade de vida. E se, porventura, a investigação não vier a beneficiar o indivíduo se resguardará a previsibilidade das condições suportáveis por este “considerando sua situação física, psicológica, social e educacional”29. Outro aspecto apresentado na Resolução abrange a proteção à vulnerabilidade dos indivíduos que não possuem sua autonomia plena, além do dever de se respeitar os costumes, os valores culturais, sociais, morais, religiosos e éticos nas práticas investigativas30. Finalmente, é bom lembrar que em outros diplomas legais internacionais, como a recente Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (Paris, 2005, UNESCO) e as que lhe antecederam, como a Declaração dos Direitos Humanos (1948) e a Declaração de Helsinque (1964) e o próprio Código de Nuremberg (1947) verifica-se a presença de preceitos voltados à proteção da vida e da dignidade da pessoa, valiosos limites à pesquisa em biociências, mas ainda insuficientes diante dos avanços da ciência pós-moderna.

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Art. V.1 alínea “a”. BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196 de 10 Out. 1996. Art. V.2. BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196 de 10 Out. 1996. 30 Art. III. 3 alínea l . BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196 de 10 Out. 1996. 29

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REFERÊNCIAS

AMARAL, Francisco. Biodireito. Jornal trabalhista. Brasília, v. 17, n. 798, p.7-10, Fev. 2000. BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional. V. São Paulo: Manole, 2005. BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196 de 10 Out. 1996. DALLARI, Dalmo de Abreu. Bioética e Direitos Humanos. In: COSTA, Sérgio Tibiapina Ferreira; OSELVA, Gabriel; GARRAFA, Volnei (Coord.). Iniciação à bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998. DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001. GOLDIM, José Roberto, apud Luciana Amaral. Os limites éticos da intervenção sobre o ser humano. Rev. Jurídica Consulex, ano V, n. 113, 30 Set. 2001. NUNES, Lucília. Usuários dos serviços de saúde e os seus direitos. Revista Brasileira de Bioética. v. 2. n. 2. Sociedade Brasileira de Bioética: Brasília, p. 202. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8 ed. São Paulo : Saraiva, 2007. SCHWARTZ, Germano André Doerderlein. Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2001. SEGRE, Marco. A psicanálise da bioética. Rev. Literária de Direito, março/abril de 2000. SÉGUIN, Elida. Biodireito.4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética e direito. Rev. Literária de Direito, Jul./Ago. 1999.

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