Dilemas da Imigracao Num Contexto de Desigualdades e Extrema Pobreza

June 3, 2017 | Autor: É. Chingotuane | Categoria: Moçambique, Imigração
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Série de Artigos do CEEI/ISRI

ANO II, N º 07 – Novembro de 2015

Dilemas da Imigração Num Contexto de Desigualdades e Extrema Pobreza: Um Olhar Sobre Moçambique Énio Viegas Filipe Chingotuane Pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais Departamento de Estudos Sócio-Políticos e Culturais

Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais - CEEI/ISRI

Série de Artigos, Nº 07 - CEEI/ISRI

Dilemas da Imigração Num Contexto de Desigualdades e Extrema Pobreza: Um Olhar Sobre Moçambique

FICHA TÉCNICA Autor: Énio Viegas Chingotuante Propriedade do CEEI/ISRI Director: João de Barros Layout: Emílio J. Zeca Maputo, Novembro de 2015 2

Série de Artigos, Nº 07 - CEEI/ISRI RESUMO A entrada de imigrantes em Moçambique, seja por vias legais ou ilegais cria sentimentos de rejeição e aceitação no seio da sociedade moçambicana. Enquanto uns culpam os estrangeiros pelos males que emergiram na sociedade, outros olham-nos como responsáveis pela revitalização de várias actividades económicas. Existem por isso, duas visões contraditórias sobre o impacto dos imigrantes na sociedade moçambicana. Enquanto as percepções positivas forem dominantes, o país permanecerá aberto a entrada de imigrantes sem nenhuma resistência mas se as percepções negativas tornarem-se dominantes, o país incorre no risco de assistir situações de afrontamento e confrontação entre nacionais e imigrantes. Perceber até que ponto os nacionais são tolerantes ou intolerantes perante a presença de imigrantes africanos, asiáticos e europeus é de uma importância estratégica fundamental para a tomada de decisões no presente e no futuro. O trabalho parte do pressuposto que o contexto de desigualdades e extrema pobreza que o país enfrenta influencia nas percepções da sociedade em relação ao contributo dos imigrantes. Por esse motivo, não se pode adoptar estratégias do tipo ‘One size fits all’. Existe, por isso, uma necessidade de se adoptar políticas que respondam aos diversos contextos. Palavras-Chave: Moçambique, Imigrantes, Percepções, Desigualdades, Pobreza não é favorável? Que custos e benefícios, oportunidades e ameaças a entrada de imigrantes apresenta? Ao mesmo tempo que os Estados receiam a entrada de imigrantes, eles são conscientes de que os imigrantes influenciam positivamente as sociedades de acolhimento e abrem suas fronteiras para eles. Tal como os Estados enfrentam dilemas em relação a admissão de imigrantes, a sociedade receptora também possui seus questionamentos e diferentes tipos de resposta que, em última análise, influenciam a tomada de decisão do estado. Vários estudos demonstraram que a resposta da sociedade em relação aos imigrantes é bastante variada e dependente das condições ambientais (o contexto). Enquanto alguns estudos procuram mostrar a relação causa-efeito, outros procuram demonstrar a relatividade. Será que o contexto influencia as atitudes dos nacionais em relação aos de imigrantes? Em que medida influencia? De que contexto estaremos falando? Em nossa opinião, os contextos podem ser transitórios ou circunstanciais quando emergem em função de eventos esporádicos como uma crise financeira, uma seca, uma revolução ou um golpe de Estado. Podem também ser duradouros ou permanentes quando as condições são constantes e persistentes tas como a pobreza, as desigualdades sociais,

Introdução ‘… the context of immigration is important in research.’ (Maria Tienda in Edmonston, 1996:31)

D

ilema exprime uma situação em que uma escolha difícil tem de ser feita entre duas ou mais alternativas, especialmente quando essas alternativas são inconvenientes ou incómodas. Dito de outra forma, o dilema ocorre numa situação em que uma escolha difícil tem que ser feita entre opções que são igualmente desfavoráveis ou insatisfatórias1. Quando um problema parece não ter uma solução satisfatória e uma decisão inconfortável tem que ser tomada, estamos na presença de um dilema2. No fundo, um dilema é um problema que oferece duas possibilidades, nenhum dos quais é inequivocamente aceitável ou preferível. O dilema em relação aos imigrantes se estabelece em dois níveis de análise: ao nível do Estado e ao nível da sociedade. A decisão pela admissão ou rejeição de imigrantes é, em primeiro lugar, tarefa do Estado. A decisão do Estado parte sempre do cálculo entre o tolerável e o admissível. Perante a pressão migratória, o Estado levanta as seguintes questões: A entrada de imigrantes é ou não é satisfatória? É ou 3

Série de Artigos, Nº 07 - CEEI/ISRI a falta de emprego, o subdesenvolvimento e outros. Assumimos porém que a estes problemas persistentes, adicionam-se eventos esporádicos como as cheias, secas, crise financeira e outras. Nalguns casos, esses eventos costumam ser cíclicos, confundindo-se com problemas persistentes. Perceber os contextos permitenos avaliar se as respostas em relação aos imigrantes são contingenciais, absolutas ou relativas. O presente trabalho tem como objectivo principal analisar os dilemas enfrentados pelos Estados e sociedades perante as pressões migratórias. Especificamente, o trabelho procura analisar as percepções dos cidadãos moçambicanos em relação a presença de imigrantes. O trabalho parte do pressuposto que o contexto de desigualdades e extrema pobreza que o país enfrenta influencia nas percepções da sociedade em relação ao contributo dos imigrantes. Percepções são um instrumento fundamental da tomada de decisão e são um pêndulo para a compreensão dos movimentos sociais. Metodologicamente, as percepções podem ser captadas por pesquisas de opinião, pela observação e interação directa com o cidadão, ou ainda pela leitura de opiniões expressas em vários meios de comunicação (imprensa, televisão, rádio e periódicos), em blogues e em posts no facebook3. O presente trabalho optou pelas duas últimas fontes: a interacção directa com o cidadão e a leitura de material televisionado, radiodifundido ou impresso. Limitações de ordem financeira e estrutural impedem a realização de uma pesquisa de opinião profunda (por inquérito). As percepções colhidas da manifesta opinião popular sobre os imigrantes revelam a existência de uma dúvida ou ainda, de um antagonismo que pode ser exposto pela seguinte questão: serão os imigrantes um problema ou uma solução? Quais são os custos e os benefícios da imigração? Será que as condições do contexto determinam o tipo de resposta em relação ao imigrante? Será que existe uma relação e causalidade entre o contexto e resposta da sociedade? Como requisito metodológico, o presente trabalho irá basear-se na análise política contextual (contextual political analysis) ou simplesmente a análise

contextual pois acreditamos que é um instrumento metodológico de importância primordial para o presente trabalho. Tilly e Goodin (2006:5-7), afirmam que o contexto é importante (context matters) para descrever e explicar sistematicamente fenómenos ou processos sociais e políticos. Para os autores, os contextos histórico, institucional, cultural, demográfico, tecnológico, psicológico, ideológico, ontológico, epistemológico entre outros, devem ser sempre considerados no estudo dos processos políticos. De acordo com Tilly e Goodin, questões como: Quando? Onde? Em que circunstancias? São perguntas frequentes dos analistas políticos. Para eles, a resposta viável para estas questões requer que se preste atenção ao contexto onde o processo político específico ocorreu ou ocorre. Segundo aqueles autores, a análise do contexto permite fazer uma previsão exacta dos efeitos susceptíveis de acontecer por força de uma intervenção política. O tempo e o lugar (espaço) são, em última análise, instrumentos de análise socio-política indispensáveis (Pierson, 2004). O tempo e o espaço onde as interacções entre nacionais e estrangeiros ocorrem serão apontados neste trabalho como elementos chaves para se compreender os dilemas emergentes. O contexto de desigualdades e extrema pobreza será por essa via recontextualizada em função aos elementos temporais e espaciais. Será que a imigração em si mesma produz dilemas independentemente do contexto em que ocorre? Ou será que os dilemas emergem em função do momento em que ela ocorre (época histórica específica) e do lugar/ espaço físico onde os imigrantes se concentram (zona norte, centro, sul / meio urbano ou rural)? O espaço para efeitos do presente trabalho ultrapassa a vertente física devendo incluir outros espaços como os espaços económicos normalmente definidos como sectores (o sector primário, secundário e terciário) e os espaços sociais normalmente definidos como sectores sociais (público e privado). Os lugares de encontro no sector público podem ser escolas, hospitais, serviços públicos, etc. Do sector privado encontramos empresas, sindicatos, associações económicas, organizações comunitárias, etc. 4

Série de Artigos, Nº 07 - CEEI/ISRI A resposta da sociedade, para além de depender do tempo e espaço é altamente influenciada pelas classes sociais (alta, média e baixa) dos envolvidos. Enquanto algumas classes compreendem que os imigrantes são actores essenciais no esforço de desenvolvimento e redução da pobreza, outras desenvolvem discursos „apelando‟ maior restrição da entrada de imigrantes em face dos „problemas‟ que estes transportam e/ou produzem. A posição do presente trabalho sustenta que a resposta das classes sociais depende do contexto e não de concepções a apriorísticas (conceitos preconcebidos e difundidos sem bases fundamentais). O problema que países como Moçambique enfrentam é que o Estado é o primeiro interessado na entrada de imigrantes económicos (interessados em investir ou com qualificações necessárias). Vários sectores da economia também se beneficiam da entrada de imigrantes legais e ilegais, advogando por isso, a facilitação de procedimentos. Ao mesmo tempo, o Estado é o primeiro interessado em evitar crispações sociais que envolvam nacionais e imigrantes. A entrada de imigrantes investidores é tida como fundamental para a redução da pobreza e para o desenvolvimento económico mas ao mesmo tempo é reconhecido o potencial de ameaça a estabilidade social quando estes passam a dominar sectores da economia nacional em detrimento dos nacionais.

entre o imigrante e o refugiado reside nos direitos. Enquanto o imigrante está entregue a sua sorte, no sentido em que deve prover, por seus próprios meios, todos os elementos para a sua subsistência, o refugiado produz encargos sobre o Estado de acolhimento, no sentido em que o Estado de acolhimento deve prover condições essenciais a sua subsistência (a assistência para o reassentamento). Para além da diferença em direitos, o que distingue aquelas três figuras são suas motivações: o refugido desloca-se, sempre, por causa de motivações políticas enquanto os imigrantes têm sempre motivações económicas (Edmonston, 1996). O termo expatriado é comumente utilizado no caso em que as empresas enviam seus trabalhadores a delegações no exterior. são normalemnete profissionais qualificados enviados para colmatar necessidades de mão-de-obra qualificada em delegações no extrior. De acordo com a wikipédia, o expatriado pode ser percebido como um imigrante no país de acolhimento. Ele beneficia-se de uma protecção especial nos países de acolhimento tais como algumas isenções ou estímulos que vão desde a isenção do pagamento de impostos, isenções fiscais às vantagens financeiras4. Fig. 1. Presença de estrangeiros em dimensão numérica

Quem São ‘Eles’? Quando Chegaram? Como Chegam? Porque Vem Para Moçambique? Quem são „eles‟? Quando chegaram? Como chegam (em que circunstancias chegaram)? Porque vem para moçambique? Onde se localizam? São questões importantes para compreender os dilemas da imigração em Moçambique. Antes de identificar quem são os imigrantes que entram em Moçambique torna-se fundamental estabelecer a distinção entre Imigrantes, expatriados e refugiados. Em termos legais, existe uma diferença substancial entre estas 3 figuras. Cada uma possuindo direitos e deveres distintos e protecção distinta. A diferença

O diagrama, acima, pretende ilustrar as tendências actuais da presença de estrangeiros em Moçambique. Conforme se pode deduzir, o número de refugidos decresceu muito mas os imigrantes compensam com um crescimento exponencial. Existe uma grande diferença na percepção popular, principalmente das classes mais atas, em relação a estas categorias sociais, principalmente no que ao prestígio se diz respeito. O expatriado é aquele com maiores capacidades 5

Série de Artigos, Nº 07 - CEEI/ISRI técnicas, maior conhecimento e saber. Aquele que é contratado. O refugiado está na base da pirâmide, no que toca a sua importância e prestígio. O refugiado é o despossuído, o zé-ninguém, o dependente, que não representa nenhuma ameaça em termos de competição. O imigrante, por seu lado, é aquele que está predisposto ao risco, inovador por excelência ao mesmo tempo que ameaça os nacionais. O termo „imigrante‟ é essencialmente técnico e por esse motivo não faz parte do vocabulário do „povo‟. É mais comum chamar-se o estrangeiro de estrangeiro e não pelas categorias legais que ele possui, não existe uma distinção clara entre imigrantes, expatriados ou refugiados na percepção popular: todos são „estrangeiros‟. Na verdade, todo o individuo que se desloca de um país para o outro está a fazer um movimento de migração. Na opinião pública, os imigrantes não são chamados de imigrantes mas sim por nacionalidades ou pela cor da pele. Uns são chineses (ideia que exprime todo o cidadão com características do extremo oriente), outros nigerianos (termo que envolve todos os cidadãos com características da África ocidental), outros simplesmente brancos (os europeus), outros simplesmente monhês ou banianes (termo que envolve todos os cidadãos do sudoeste asiático) e outros simplesmente muçulmanos (todos os cidadãos com características árabes). As características étnicas e nacionais são confundidas com as características raciais.

de uma pirâmide para demonstrar as tendências numéricas dos imigrantes. Assim, assumimos que a maioria dos imigrantes é constituída por negros, seguidos de indo-paquistaneses, chineses, árabes e, por fim, a menor comunidade é constituída por brancos. Para se ter dados absolutos desta tendência seria necessário fazer um estudo mais pormenorizado. Em termos de percepção popular, os imigrantes brancos, árabes e indopaquistaneses são economicamente mais poderosos „os patrões‟, e controlam a economia. O chinés ainda enfrenta alguma descriminação negativa. É visto principalmente como um operário, o trabalhador das obras e o vendedor de produtos baratos de pouca qualidade. Esta percepção começa a mudar visto que vários empreendimentos chineses estão a dominar o mercado nacional. O imigrante negro é o faz-tudo, envolve-se em todo o tipo de actividades para a sua sobrevivência. Quadro 1. Imigrantes por nacionalidades

Fig. 2. Diagrama hipotético das tendências migratórias

Expatriados

Emigrantes

Refugiados

Portugal Brasil África do Sul China Cuba

Índia Paquistão Bangladesh Portugal África do Sul Líbano Síria Irão Senegal Nigéria Malawi Zimbabwe Tanzânia Mali Costa do Marfim Etiópia Guiné Conacri Vietname

Somália Ruanda Burundi RDC

Como chegam e onde se localizam? Grande parte da imigração para Moçambique ocorre pelas fronteiras terrestres do território nacional. Uma percentagem significativa ocorre por via aérea e uma pequena parte ocorre por via marítima. Os principais destinos aéreos são fáceis de identificar pois resumem-se aos locais onde existem aeroportos internacionais. Dai se admitir que Maputo, Beira e Nampula são as principais portas de

por raças ou grupos étnicos

O diagrama acima pretende apresentar as tendências imigratórias em função da raça. O gráfico assume a figura 6

Série de Artigos, Nº 07 - CEEI/ISRI Fig. 3. Lugares (espaços) de interação entre imigrantes e nacionais

entrada de imigrantes que entram por via aérea. Em relação ao via marítima, dados da Marinha de Guerra e da Polícia indicam que a costa da região norte (Cabo Delgado e Nampula) são as principais portas de entrada de imigrantes, principalmente ilegais. Os imigrantes são baldeados nas ilhas ou directamente na costa e atravessam a fronteira marítima com a Tanzânia ou com as Comores. As linhas de entrada terrestre são vastas, começando pelas fronteiras com a Tanzania, Malawi, Zimbabwe e Africa do Sul. Enquanto da África do Sul entram imigrantes legais, as outras fronteiras permitem a entrada tanto de legais quanto ilegais. As zonas fronteiriças com potencial mineiro são alvo de concentração de imigrantes bem como os locais onde exista grande potencial agrícola. Contudo, a maioria dos imigrantes busca conforto nos principais centros urbanos provinciais, principalmente nos principais centros urbanos do país (Maputo, Beira, Nampula, Tete) outras localidades interessantes são Mocuba, Nacala, Cuamba, entre outros. Factor interessante é a localização dos imigrantes em relação ao território urbano e rural. Enquanto o imigrante branco, indopaquistanés, chinés e árabe são iminentemente urbanos, o imigrante negro assume tanto uma vertente urbana quanto rural. A distribuição dos imigrantes ao longo do território nacional é feita de forma bastante desigual e rígida. A maioria dos imigrantes se estabelece na região sul do país principalmente na província de Maputo e cidade de Maputo, a região centro absorve uma boa parcela enquanto o norte possui um número comparativamente mais reduzido. A localização dos imigrantes em função dos sectores económicos também regista uma distribuição desigual. A maioria dos imigrantes localiza-se no sector terciário (comércio, turismo e serviços financeiros) seguido do sector secundário (principalmente na construção civil). O sector primário é aquele que menos imigrantes absorve apesar do envolvimento dos imigrantes na extração mineira estar a crescer de forma exponencial.

Porque vem para Moçambique? Para se compreender as motivações que levam imigrantes a afluírem para Moçambique é necessário compreender o contexto dos países de origem e o contexto nacional. O contexto interno dos países de origem refere-se essencialmente aos factores que repulsam os imigrantes (pull factos) nos seus países de origem tais como: o clima de instabilidade interna, falta de empregos, desigualdades sociais, pobreza, desemprego, guerras, violência política, perseguição política, ou religiosa. A este conjunto de factores, deve-se acrescentar motivações pessoais tais como a necessidade de reagrupamento familiar, a procura de novos desafios, procura de melhores condições de vida, a procura de um melhor mercado de trabalho, busca pela sobrevivência material, etc. O contexto nacional, configura aquilo que torna Moçambique atractivo. Os fcatores atractivos são comummente denominados de „push factors‟. Dentre os factores atractivos podemos destacar a estabilidade política e económica; o crescimento económico; as facilidades para abertura de negócios; facilidades para praticar o comércio e investir em novas áreas de negócio, a proximidade com o mercado África de Sul que permite o acesso a produtos industriais que são posteriormente vendidos em Moçambique para além do facto de que o mercado de trabalho sul-africano atrai imigrantes; a facilidade de entrada no país devido ao fraco controlo das fronteiras; facilidade de praticar negócios ilícitos devido a fraca capacidade das instituições de segurança; abundância de recursos minerais não explorados fora do controlo do Estado; facilidade de fazer o garimpo ilegal; 7

Série de Artigos, Nº 07 - CEEI/ISRI facilidade de fazer a caça furtiva e o abate ilegal da madeira; o baixo custo de vida, etc. Um dos principais atrativos a imigração para Moçambique, que não é muito discutido, advém da política da atracção de investimentos do governo moçambicano. Em todas as deslocações ao exterior, o governo moçambicano desenvolve uma verdadeira campanha de atracção de investimentos que apela aos investidores a se estabelecerem em Moçambique. Portanto, o marketing que se faz das enormes potencialidades do país (potencial agrícola, mineral, turístico, pesqueiro) é responsável pela entrada maciça de imigrantes, tanto legais quanto ilegais. Aqui jaz o verdadeiro dilema: o Estado convida e não pode impor barreiras nem restrições. Estados com maiores capacidades convidam mas selecionam ou impõe barreiras para os imigrantes não económicos. Moçambique não se encontra em condições de selecionar nem de impor barreiras. Ao atrair e convidar os desejáveis, os indesejáveis também são atraídos. No fundo, não existe um mecanismo para determinar que imigrante contribuirá mais para a economia (o legal ou o ilegal?). Vários ilegais são mais empreendedores que vários legais. Na mesma dimensão que Moçambique faz markeing do país para atrair negócios e „senhores de negócios‟ o país oferece aos mesmos a segurança (segurança para os investimentos e segurança individual)5. Paradoxalmente, em muitas ocasiões, os imigrantes e os refugiados são apresentados como uma ameaça a segurança dos Estados receptores sem se ter em conta que, muitas vezes, a segurança é o principal motivo que leva as pessoas a emigrarem. A busca da segurança (política, económica, societal, ambiental e até militar) é um dos maiores motivadores da saída do país de origem. Os países que oferecem melhores condições de segurança (política, económica, societal, ambiental e até militar) são a escolha preferida dos imigrantes e refugiados. A falta de segurança é, portanto, o primeiro estimulador da imigração. Moçambique consta da lista de países que oferecem (ou ofereciam) melhores condições de segurança para os imigrantes. Um dos

maiores dilemas que se levantam é que: o Estado atrai prometendo segurança e posteriormente reclama que os imigrantes são uma ameaça a segurança. O conceito de segurança aqui usado é abrangente e não se refere ao sentido tradicional. Em última análise, a maior preocupação dos Estados de acolhimento não é a segurança do imigrante mas sim a segurança do Estado de acolhimento e as suas populações exactamente nos domínios societal, económico, politico, ambiental e em alguns casos militar. A entrada de imigrantes pode contribuir para aumentar ou reduzir a segurança naqueles domínios, daí que os Estados enfrentam um dilema entre a permissão ou a rejeição de imigrantes.

Primeiro: O Dilema Cultural, a Integração e a Construção do ‘‘Eles’’ Como Categoria Social ‘‘O Outro me faz ser o que eu sou’’ Jean Paul Sartre, in Batista (2009)

No acto de atracção de investidores estrangeiros, o Estado promete respeitar seus direitos permitindo-lhes que manifestem sua cultura de forma livre. O dilema cultural começa quando o Estado estimula a entrada de imigrantes, está interessado em imigrantes económicos que possam investir na economia e dinamizar alguns sectores da economia mas, estes mesmos imigrantes ameaçam a identidade cultural do Estado e das sociedades de acolhimento. Uma das mais importantes preocupações dos Estados e sociedades é garantir a preservação da identidade nacional e colectiva (Tallmeister, 2013). Em que medida os imigrantes afectam a identidade nacional e colectiva? Qual é o risco? Em que medida a integração e assimilação dos imigrantes é benéfica ou maléfica para a sociedade de acolhimento? Estas são questões que preocupam sociedades e Estados de acolhimento. O problema cultural prende-se, portanto, com a segurança societal dos Estados de acolhimento (Tallmeister, 2013). De acordo com Waever (1993:23), a segurança societal „refere-se à capacidade de uma sociedade para persistir em seu caráter essencial sob 8

Série de Artigos, Nº 07 - CEEI/ISRI condições de mudança e perante ameaças possíveis ou reais‟. A inseguraça societal emerge precisamente devido as pressões migratórias e refere-se a forma como os membros do Estado de acolhimento sentem que a sua identidade cultural, linguística, religiosa ou nacional está a ser ameaçada pelos imigrantes. Partindo desta pespectiva, os valores cuturais nacionais do país de acolhimento são o objeto referente sob ameaça. Partindo do princípio que cultura é um conjunto complexo que inclui conhecimentos, crenças, manifestações artisticas, moral, leis, habitos e costumes mais ou menos constantes e persistentes, partilhados pelos membros da sociedade por um período longo de tempo, compreende-se que a emergência ou introdução de um elemento perturbador seja considerada uma ameaça, principalmente se os valores culturais locais e nacionais forem gravemente afectados pelos valores culturais dos imigrantes6. A insegurança societal é sentida quando: 1) a influência da cultura estrangeira sobre a cultura nacional põe em causa tradições locais (sentimentos de invasão cultural)7; 2) quando surgem manifestações culturais paralelas não negociadas e portanto, não acolhidas pela sociedade de recepção (sentimentos de medo cultural)8; e 3) quando a sociedade receptora é muito nacionalista (quando sobrevaloriza seus valores e nega a manifestação de outras culturas). Em que contexto é que a insegurança é sentida? Em nossa opinião, a zona habitacional (rural vs urbana) são os principais locais de interação cultural entre imigrantes e nacionais e é aqui onde a insegurança é sentida. Na concepção de Sorokin, Zimmerman e Galpin (1981) citados por Lindner, Alves e Ferreira (2009:3), entre o rural e o urbano existiriam nove diferenças fundamentais. Dentre elas, iremos destacar as seguintes: 1) as diferenças ocupacionais (realizam actividades economicas diferentes); 2) as diferenças no tamanho das comunidades (mais pequenas nas zonas rurais; 3) as diferenças na densidade populacional, (nas quais as comunidades de rurais teriam uma densidade populacional mais baixa do que das comunidades urbanas); 4) as diferenças na homogeneidade e na heterogeneidade

das populações (as populações das comunidades rurais tenderiam a ser mais homogêneas em suas características psicosociais); 5) as diferenças na diferenciação, estratificação e complexidade social (na qual população do campo seria mais homogênea, enquanto nos aglomerados urbanos haveria maior diferenciação e estratificação social); 6) as diferenças na mobilidade social (a classe urbana seria mais móbil e dinâmica que a rural); e, finalmente 7) as diferenças no sistema de integração social (os moradores rurais teriam contato com menor numero de pessoas, porém estes seriam mais diretos e duradouros do que os dos moradores da cidade)9. Os sentimentos de insegurança vão depender do tamanho e densidade da população local e imigrante,do grau de homogeniedade e heterogeniedade das populações, o nível social dos visados, o grau de mobilidade da comunidade local e dos imigrantes, entre outros. Culturalmente falando, as zonas urbanas são mais abertas em relação as manifestações culturais dos imigrantes enquanto as zonas rurais são mais rígidas em relação a alteração dos valores cultuais tradicionais. No meio rural, o „viente‟ deve se encaixar no modelo comportamental, moralistico e aceitar as manifestações artistico-religiosas da comunidade receptora se não quiser ser hostilizado. Quando os imigrantes pertencem a mesma origem étnico-religiosa, como acontece com os imigrantes das regiões fronteiriças, a recepção é calorosa. Mas quando os imigrantes pertencem a grupos étnicos diferentes, as chances de conflito cultural são elevadas, principalmente se a presença de recursos conduzir as comunidades a competição. No fundo, a insegurança cultural é mais sentida quando nesses contextos reina a pobreza absoluta e as desigualdades sociais. Neste tipo de ambientes, as diferenças culturais coabitam com a ignorância, a privação relativa e a frustração. As pessoas mais pobres da comunidade estarão mais abertas a negociar sua identidade com os imigrantes se daí resultar o melhoramento da sua condição de vida mas podem ser altamente resistentes a culturas „externas‟ se estas não influenciarem positivamente a sua condição de vida. Os imigrantes 9

Série de Artigos, Nº 07 - CEEI/ISRI podem também ser usados como bodes expiatórios quando a decadência dos valores culturais, a moral e os bons costumes se abate sobre uma sociedade. A pobreza pode permitir a corrupção dos valores tradicionais. Regiões urbanas são por natureza espaços de mobilidade, transição e negociação cultural constante. Aqui nestes ambientes vive-se a cultura cosmopolita, a cultura da cidade. Os valores tradicionais, apesar de estarem presentes estão em constante mutação e adaptação, com ou sem a presença de imigrantes. A cultura do imigrante é mais um acrescimo do que um elemento perturbador. No entanto, as camadas mais baixas da sociedade urbana tendem a ser mais agarrados aos valores culturais tradicionais do que as classes alta e média. Estas camadas são, coincidentemente, aquelas que maior contacto mantêm com os imigrantes ilegais, que se estabelecem, por conveniencia ou necessidade, nos bairros mais pobres. Aqui, a lógica do confronto identitário se estabelece em função do benefício ou prejuizo que a nova cultura causa no bem-estar ou nos níveis de vida dos nacionais. A resposta da sociedade depende também e em grande medida, da postura dos imigrantes na sociedade de acolhimento. A raça negra aparenta ser aquela que mais se aproxima da sociedade de acolhimento. A relação entre brancos e negros depende mais da nacionalidade do que da raça. Os portugueses, pela proximidade linguística e até cultural (urbana) possuem mais laços com os moçambicanos do que os brancos de outras nacionalidades. A maior parte destas nacionalidades prefere manter uma relação estritamente laboral enquanto os portugueses envolvem-se em casamentos e participam de manifestações desportivas. Grande parte dos brancos relaciona-se com a classe alta e média. Os árabes e indo-paquistaneses mantem uma relação cosmética com a sociedade de acolhimento. Os encontros realizam-se no mercado (relação com o cliente ou trabalhador negro) ou, para o caso dos árabes, realizam-se nas mesquitas. Os indopaquistaneses mantêm, na maior parte das vezes, um distanciamento cultural com a sociedade de acolhimento raramente se envolvendo em actividades culturais ou

desportivas, principalmente os da imigrantes da primeira geração. As escolas da comunidade maometanta, a escola internacional, portuguesa e de outras nacionalidades perpetuam o distanciamento das comunidades com a maioria da população. Os moçambicanos que frequentam tais escolas são, na sua maioria, da classe alta e média. Em termos gerais, a integração é um mito construído para fins políticos. O imigrante é antes de qualquer coisa um „estranho‟ e o estranho pode atrair ou repelir. O estranho atrai quando é agradável e repele quando é desagradável. Tornar-se agradável é, portanto, uma missão essencial do imigrante. A partir do momento em que o individuo se estabelece no país de acolhimento, erguem-se barreiras discursivas resultantes da percepção do „„nós‟‟ naturais e o „„eles‟‟ estrangeiros. A categorização do „„eles‟‟ é automático e sintomático. Automático porque resulta da aproximação e sintomático porque resulta da necessidade de afirmação de um espaço vital individual, justificando a pertença ao grupo autóctone e a coisa comunitária. A reacção imediata do „„eu‟‟ „„nós‟‟ perante „„eles‟‟ é erguer obstáculos de aproximação e partilha. Para que esses obstáculos sejam visíveis ou de fácil percepção é necessário construir a imagem negativa do outro. A visão do outro é construída em função de vários elementos desde a língua, a raça, os aspectos fisiológicos, os aspectos culturais e religiosos. Sempre que o outro apresentar algo diferente será sempre visto como um elemento estranho perante nós os iguais10. Por outro lado, o „eles‟ se constrói fomentando mitos sobre o seu ser social. A participação de instigadores sociais é muito importante para alcançar este objectivo. Interesses particulares ou institucionais se responsabilizam pela difusão da imagem do outro de modo a protegerem-se da ameaça dos imigrantes. Estes instigadores sociais responsabilizam-se também por atribuir sentidos negativos as acções dos imigrantes forçando que todas as situações tenham uma interpretação negativa: surge assim a esteriotização do outro. Um dos actores essenciais na construção da imagem do imigrante são os meios de comunicação social. Pela imprensa, o 10

Série de Artigos, Nº 07 - CEEI/ISRI imigrante é sempre associado ao crime, as actividades ilegais, a difusão de práticas magico-religiosas nefastas, entre outros. Esta imagem do imigrante reflete sobre o pensar do cidadão nacional sem devidos juízos. O único filtro é o nível de instrução e do acesso a informação do público receptor. Populações com baixos níveis de instrução com acesso restrito a vários meios de informação rapidamente constroem uma imagem negativa do imigrante. Podese dizer que a imagem do imigrante é parcialmente construída pelos meios de comunicação social (Silveirinha e Cristo, 2004).

problemáticos e poucos vezes narram suas histórias de sucesso. A imagem negativa veiculada pelos meios de comunicação social são o combustível que muitas vezes vão acionar respostas negativas em relação a todo o comportamento do imigrante que passa a ser considerado uma ameaça pelos nacionais. Comportamentos e hábitos que passariam despercebidos passam a ser sobrevalorizados para corresponderem a imagem difundida pelos meios de comunicação social. O cumprimento das regras de convivência social, a moral e os bons costumes passam a servir de balança para avaliar os imigrantes. No meio urbano estas regras e custumes cercam-se de valores religiosos e regras de urbanismo, no meio rural as regras e custumes passam pelo respeito pelo tradicional, culturas vernáculas, os espíritos, as crenças, mitos e o respeito aos líderes tradicionais/comunitários. No fundo, o que a sociedade espera do imigrante é que este se integre e assimile os valores da sociedade de acolhimento. Quando o imigrante resiste a integração e assimilação, a sociedade receptora resiste ao imigrante. Em certos lugares, os imigrantes são bem recebidos independentemente do facto de quererem se integrar ou assimilar os valores nacionais. Noutros porém, eles são recebidos com hostilidade ou desconfiança. Na verdade, a maioria do povo moçambicano é receptivo aos estrangeiros. Um dos factores que mais favorece a construção da imagem negativa do imigrante é quando este prefere o isolamento ou o distanciamento em relação a sociedade receptora, etc.

Quadro 2. Notícias veiculadas nos meios de comunicação social que podem influenciar a opinião pública A construção da imagem do imigrante nos meios de comunicação social Proliferação de estrangeiros no país Entrada massiva de estrangeiros Imigração em massa para Moçambique Moçambique tem sido assolado pelo fenómeno da imigração ilegal O fenómeno da imigração ilegal ganha contornos preocupantes Aumentam as situações de violação de fronteira Não faz sentido conviver com pessoas que não respeitam as leis moçambicanas* Os chineses vão colonizar africa Propagação de ideias radicais por motivos religiosos. Nenhum país está a salvo desse grave flagelo AMETRAMO exige banimento da entrada de curandeiros estrangeiros no país Falsos praticantes da medicina tradicional são estrangeiros Repatriados falsos curandeiros tanzanianos Existem muitos curandeiros estrangeiros Curandeiros estrangeiros são promotores da perseguição aos albinos Governo diz que imigração ilegal tornou-se complexa e perigosa *Palavras proferidas por um governador e divulgadas pela imprensa.

Segundo: O Dilema Económico e a Competição Num Contexto de Desigualdades e Extrema Pobreza

As notícias expostas no quadro acima soam como um alarme para a sociedade receptora que passa a temer o imigrante pelo simples facto de ser imigrante. Conceitos como proliferação, assolado, perigosos e flagelo criam, de imediato, uma resistência na aceitação do imigrante. O imigrante é comparado a uma praga, uma doença ou uma calamidade. Silveirinha e Cristo (2004:121), acreditam que os meios de comunicação constroem identidades de desvio, estigmatizam os imigrantes como

O dilema económico começa quando o Estado estimula a entrada de imigrantes, está interessado em imigrantes económicos que possam investir na economia e dinamizar alguns sectores da economia mas, estes mesmos imigrantes ameaçam a estabilidade económica do Estado e das sociedades de acolhimento. O Dilema económico prende-se, por isso, com a segurança económica das sociedades de 11

Série de Artigos, Nº 07 - CEEI/ISRI acolhimento (Tallmeister, 2013). A insegurança económica é a vulnerabilidade que Estados, sociedades, grupos ou indivíduos enfrentam perante eventos económicos, particularmente choques económicos e crises que podem afectar o seu bem-estar. A segurança económica preocupa-se com a capacidade do Estado e da sociedade acessar recursos, mercados e capital para a manutenção de um padrão de vida aceitável e para o fortalecimento do poder do Estado. O dilema económico parte das contradições em relação ao contributo real dos imigrantes para a economia nacional e local. Os imigrantes criam ou retiram empregos? Aumentam a produção doméstica ou o consumo doméstico? Importam ou exportam mais? Investem mais ou fazem mais remessas de dinheiro para o estrangeiro? Estas são questões que estão no centro das preocupações dos Estados e dos nacionais em relação aos estrangeiros. Estas questões não são levantadas unicamente nas economias mais pobres. Economias mais desenvolvidas e ricas levantam as mesmas questões. A única diferença é o nível de segurança ou insegurança económica que afecta a sociedade de acolhimento. Afinal, de que modo se manifesta o dilema económico? Quando notícias como as indicadas abaixo são divulgadas nos meios de comunicação social e nas redes sociais, os Estados, a sociedade e os indivíduos sentem sua segurança económica em risco.

quadro abaixo, os cidadãos nacionais sentem-se ameaçados pelos estrangeiros. Evidentemente, a resposta da sociedade irá diferir em função do meio onde se encontram (economia rural vs economia urbana) e da classe social que representam (alta, média e baixa). Em termos gerais, quando os imigrantes possuem maior acesso a recursos, mercados e capital do que os nacionais instala-se um clima de inimizade entre imigrantes e nacionais. No entanto, a percepção social e a posição do Estado em relação aos imigrantes dependerá da avaliação que estes dois actores fizerem do contributo dos imigrantes em relação ao emprego, crescimento económico e redução da pobreza e das desigualdades sociais. O principal dilema económico da imigração parte da percepção que os nacionais possuem sobre quem é o winner e quem é o looser no frente a frente entre imigrantes e nacionais. Na visão de muitos cidadãos nacionais, os imigrantes são claramente os winners enquanto os nacionais são os loosers. No caso vertente de Moçambique, o primeiro problema prende-se com a exploração dos recursos minerais e energéticos: estaríamos a falar do licenciamento para a exploração de recursos minerais e o acesso ao emprego na industria extrativa. O Estado é o primeiro interessado na exploração das enormes reservas de minérios que diariamente são descobertos no país. A atração de investimento estrangeiro pra efectivação dessa exploração está a atrair muitos imigrantes, tanto legais quanto ilegais interessados na extração daqueles minérios. Todavia, a concessão de contratos de exploração mineira para multinacionais e o envolvimento maciço de imigrantes ilegais no garimpo ilegal, está a criar sentimentos de indignação por parte das comunidades locais que observam estrangeiros a tirarem benefícios de recursos que, em ultima análise são seus. Pelo facto das populações locais não possuírem qualificações, elas estão sendo afastadas do acesso ao emprego nos mega-projectos mineiros. A pobreza que enfrentam no dia-a-dia contrasta com o elevado padrão de vida dos trabalhadores estrangeiros factor que, por si só, cria sentimentos de ressentimento. As elevadas expectativas criadas em

Quadro 3. Notícias veiculadas nos meios de comunicação social que podem influenciar negativamente a opinião pública Notícias veiculadas nos meios de comunicação social que podem influenciar a opinião pública Estrangeiros contribuem para a delapidação dos recursos minerais e faunísticos Estrangeiros desenvolvem actividades nocivas ao ambiente e à nossa economia* Estrangeiros disputam os nossos recursos, sem quaisquer recompensas* Não deve haver tolerância àqueles que devastam os nossos recursos naturais e o ambiente * Mais de X estrangeiros encontraram emprego em Moçambique em 2014 Suspensos estrangeiros contratados ilegalmente Neutralizados trabalhadores ilegais Estrangeiros estão a saquear Moçambique Confrontos entre nacionais e imigrantes em regiões mineiras

Perante notícias como as expostas no 12

Série de Artigos, Nº 07 - CEEI/ISRI relação as hipóteses de mudança e transição para uma situação de vida melhor são cada vez mais frustradas pela realidade de exclusão e competição feroz com estrangeiros e inclusive com cidadãos nacionais de outras regiões. Os sentimentos de privação relativa crescem a um ritmo exponencial entre as populações locais. Conforme noticiado por várias agências noticiosas, os níveis de tensão entre nacionais e estrangeiros já resultaram, em alguns casos, em violência entre grupos. Em ambientes de pobreza e desigualdade, onde os imigrantes apresentem melhor desempenho económico as condições de conflito estarão criadas. A competição por recursos escassos em alguns casos poderá incluir inclusive a posse de terra (quando imigrantes disputam com os locais pela posse das terras comunitárias ou terrenos urbanos). A disputa pela terra é bem visível entre instâncias turísticas pertencentes a sul-africanos e comunidades locais na província de Inhambane. Questões relacionadas com a redistribuição da renda e de recursos, propriedade da terra e a insegurança alimentar são também contabilizadas como ameaças perante a presença de imigrantes. Todas estas ameaças podem produzir antagonismos que podem desestabilizar as sociedades de acolhimento. Outro factor que pode motivar antagonismos entre nacionais e imigrantes é o acesso aos recursos financeiros: o acesso ao capital. Aparentemente, os imigrantes possuem maior acesso ao dinheiro do que os nacionais, principalmente ao nível das zonas rurais. Estes possuem, na maioria das vezes, uma estrutura de apoio financeiro intergrupal mais organizado e estruturado do que os nacionais. A solidariedade social entre os imigrantes permite criar uma rede de auxílio mútuo que lhes permite serem financeiramente mais fortes. Esta força financeira permitelhes adquirir mais bens e serviços do que as comunidades locais e inclusive, serve de instrumento de aliciamento das mulheres locais. Este facto está também a criar ressentimento ao nível das comunidades rurais. Nas zonas urbanas,

alguns bancos chegam a conceder mais créditos aos imigrantes do que aos nacionais. A abertura da banca comercial para os imigrantes, tidos como empreendedores facilita a manutenção do desnível social em relação a cidadãos nacionais, menos empreendedores e pertencentes a classes sociais mais baixas. Perpetua-se assim a exclusão dos nacionais ao crédito bancário enquanto se abrem portas para o imigrante. Logicamente, a banca comercial procura clientes empreendedores e não exerce, de forma alguma, o papel de assistência social. O interesse do Estado no investimento imigrante faz todo o sentido pois, quanto mais investimento maior será o crescimento económico. Todavia, o imigrante, ao mesmo tempo que é um investidor faz enormes remessas de dinheiro para o exterior pois, a maioria dos imigrantes envia dinheiro para os seus países de origem. As remessas são quantidades de dinheiro enviadas por emigrantes a seus países de origem seja por canais formais ou informais. O envio de dinheiro de imigrantes para suas famílias faz todo o sentido e possui um impacto económico positivo nos seus países de origem, equiparando-se em alguns casos com o investimento estrangeiro. O efeito das remessas de dinheiro nos países de acolhimento pode ser nefasto principalmente se estas remessas ocorrerem fora dos esquemas legais. O envio de dinheiro sem declarar as autoridades nacionais já foi comprovado com várias detenções de cidadãos a abandonarem o país com elevadas somas de divisas (principalmente o dólar americano). Os imigrantes económicos fazem mais remessas do que os refugiados e exilados. Os imigrantes legais fazem mais remessas por canais formais do que informais, enquanto os imigrantes ilegais fazem mais remessas por canais informais do que formais (Ghosh, 2006:27-30). Uma boa parte dos imigrantes ilegais prefere fazer poupança em moeda estrangeira (dólares, randes ou Kwachas) mas essa poupança não é feita na banca. Por via desta prática, divisas são retiradas do circuito comercial provocando impactos negativos na disponibilidade de moeda 13

Série de Artigos, Nº 07 - CEEI/ISRI estrangeira no mercado. Um país pobre, com escassez de divisas ressente-se facilmente da retirada de divisas do mercado. Como se disse, um dos maiores interesses dos Estados e das sociedades na recepção de imigrantes é que estes contribuam para o crescimento económico e para o desenvolvimento. O interesse específico é que os imigrantes possam alavancar sectores da economia que se encontram debilitados11. O que ocorre, no entanto, é que os imigrantes que se estabelecem em Moçambique não estão a contribuir para alavancar os sectores desejados, mantendo-se maioritariamente nos sectores não-produtivos. O fluxo de imigrantes para as zonas rurais não está a contribuir para o alavancamento de todos os ramos do sector primário. A distribuição não é uniforme. Os ramos da agricultura, pecuária e pesca ainda não atraem imigrantes. Os ramos de maior competição são a mineração e a caça. Em ambos casos, os imigrantes actuam de forma legal e ilegal, principalmente no sector mineiro. A descoberta de jazigas de minerios preciosos como ouro, turmalinas, rubi e diamante nas zonas fronteiriças com o Zimbabwe e a Tanzânia tem motivado a vinda ao país de vários imigrantes ilegais que exercem a actividade de garimpo ilegal bem como de receptadores para a compra daqueles minérios. O facto é que grande parte destas actividades é feita a margem da lei e o Estado nada ganha. Pedras preciosas são extraídas e vendidas no mercado internacional sem que qualquer percentagem reverta para o Estado, seja pelo licenciamento das actividades ou mesmo pelo pagamento do fisco. A caça ilegal, apesar de dominada por cidadãos nacionais possui uma grande participação de imigrantes ilegais oriundos principalmente dos países vizinhos. Pode-se dizer que o impacto dos imigrantes para a economia rural tem sido devastador, se tomarmos em consideração o sector primário. Todavia, uma imagem mais objectiva permite ver pontos positivos do envolvimento dos imigrantes na economia rural, principalmente se nos ativermos aos sectores secundário e terciário. Em relação ao sector terciário, é evidente o envolvimento de imigrantes no comércio e

na prestação de alguns serviços como o turismo e os transportes. No sector secundário, o seu envolvimento na indústria (exemplo: a castanha de caju) começa a ser notável. O ramo da construção civil sofreu mutações positivas devido ao investimento que alguns imigrantes estão a fazer tanto na edificação de casas, como de instancias turísticas e lojas. O afluxo de imigrantes para as zonas urbanas é, hipoteticamente, mais elevado do que o que ocorre nas zonas rurais. Para as zonas urbanas vão essencialmente imigrante económicos, interessados em negócios ou empregos. Possuem, em média, maiores qualificações do que o imigrante que se estabelece nas zonas rurais e o seu impacto económico é mais visível. No entanto, tal como ocorre com os imigrantes que se estabelecem em zonas rurais, os imigrantes em zonas urbanas não se envolvem em todos os ramos da economia urbana sendo o comércio e a prestação de serviços os ramos preferidos pela quase generalidade dos imigrantes. Grande parte dos imigrantes legais e ilegais não investe no sector produtivo e não contribui para o desenvolvimento da indústria transformadora. A maioria envolvese com a actividade comercial importando mais do que exportando contribuindo inclusive para o aumento do deficit da balança comercial. Outra esperança dos Estados de recepção e das sociedades de acolhimento reside na crença de que os imigrantes irão contribuir para a geração de empregos directos e indirectos, fruto dos investimentos por estes feitos. O facto é que Moçambique possui um mercado de trabalho bastante pequeno onde a criação de emprego e a oferta de trabalho ainda é bastante limitada. Em contrapartida, o país possui uma das taxas mais elevadas de mão-de-obra jovem desempregada. O problema reside no facto de que a maior parte dos imigrantes que se instala em Moçambique vem a procura de emprego. Os poucos investidores, no ramo comercial, são incapazes de absorver a enorme massa de desempregados disponíveis12. O mercado de trabalho já saturado fica mais sobrecarregado originando disputas entre imigrantes e nacionais. A contribuição dos imigrantes na oferta de empregos não alterou a estrutura desigual da oferta de 14

Série de Artigos, Nº 07 - CEEI/ISRI trabalho e nível nacional. Aliás, veio agravar as disparidades regionais. A nível regional, é visível a grande disparidade na oferta de empregos entre o sul, centro e norte. O sul continua a oferecer mais empregos do que o centro e norte. Aliás, proporcionalmente, a distribuição dos imigrantes pelo país parece respeitar esta diferença regional. Dado que a região sul é onde se concentra a maior renda percapita do país, os imigrantes preferem abrir seus negócios e buscar emprego nesta região. Nesta perspectiva, os imigrantes estão a contribuir para a manutenção das disparidades regionais. Muitos países adoptaram ou ainda adoptam políticas migratórias preferenciais no sentido em que são estimuladas entradas que garantem retornos económicos prováveis. A atração de trabalhadores qualificados enquadra-se dentro das políticas preferenciais. Ainda dentro das políticas preferenciais encontram-se elementos como a raça, a região de origem. Alguns abrem espaço para trabalhadores temporários (expatriados chineses) mas aplicam medidas que impedem que estes adquiram residência permanente. A atração de imigrantes qualificados ocorre, na maioria das vezes, quando o mercado doméstico não possui pessoas com as qualificações necessárias para preencher um nicho do mercado de trabalho altamente exigente. Quando estas capacidades existem ao nível doméstico aquela necessidade deixa de existir13 (Anderson, 2006:98). Todavia, várias reportagens indicam que alguns imigrantes e expatriados vêm ocupando postos de trabalho cujas qualificações abundam no mercado nacional originando assim uma competição desnecessária e potencialmente perigosa14. Mais grave do que isso, trabalhadores imigrantes e nacionais com mesmas qualificações, recebem salários bastante díspares em favor dos imigrantes. O maior dilema enfrentado pelos Estados pobres está no facto de não possuir um grande mercado de trabalho, não investir o suficiente na formação do seu capital humano e necessitar de mao-deobra qualificada para preencher o pequeno mercado existente. Naturalmente, a reduzida oferta de emprego, combinada com a elevada

necessidade de mão-de-obra qualificada resulta no preenchimento das poucas vagas disponíveis por imigrantes qualificados. Daí resulta uma crispação natural entre os muitos cidadãos nacionais desempregados ou sub-empregados e os imigrantes qualificados. Melhores salários, maiores privilégios e o agravamento da estratificação social estão na origem desta crispação15. De acordo com Münz e Straubhaar (2008:154), 'os imigrantes são mais móveis e mais eficientes no aproveitamento das oportunidades de emprego'. No caso moçambicano, esta eficiência é explicada pelo sistema de apadrinhamento e preferência étnica ou racial. Um olhar pelo viés racial ou étnico permite-nos concluir que: Existe uma grande diferença nas motivações de imigração entre as raças/ grupos étnicos mas todos eles usam o sistema de protecção étnica e favorecimento intra-grupal. Os indopaquistaneses, os árabes e os negros imigram em busca de oportunidades para abrir negócios (comércio principalmente) e contratam familiares ou concidadãos. Os europeus (brancos) constituem, na sua maioria, imigrantes qualificados, que buscam lugares no mercado de trabalho moçambicano (na banca, hotelaria, construção civil, seguradoras). Destes uma percentagem relativamente grande procura abrir negócios (restauração, empresas de consultoria, construção civil) onde contrata familiares ou pessoas oriundas de seus países de origem para os postos de confiança. O branco é visto, na generalidade, como uma ameaça real na disputa por empregos na economia formal, principalmente em sectores dominados por empresas controladas ou pertencentes a brancos. Acredita-se que estas empresas privilegiam os compatriotas brancos em detrimento dos moçambicanos numa espécie de descriminação camuflada pelas competências e qualificações que no fundo podem ser reais ou fictícias (atribuídas por conveniência). O apadrinhamento é um fenómeno real, onde estrangeiros são contratados com salários altíssimos, muito superior ao dos nacionais. O imigrante chinês é também favorecido pela pertença étnica no ramo da construção civil. Os imigrantes são também mais 15

Série de Artigos, Nº 07 - CEEI/ISRI eficientes no aproveitamento das oportunidades de negócios. O facto é que o imigrante sai do seu país a procura de oportunidades para melhorar sua condição de vida e ruma precisamente para aqueles locais previamente identificados com potencialidades e concentra-se nas potencialidades previamente selecionadas. A sua capacidade de poupança, de análise de investimentos permite-lhe alcançar uma acensão social bastante rápida. O forte desempenho dos imigrantes no mercado e a rápida ascensão social que este alcança, favorece a criação de fricções entre nacionais e estrangeiros. Os imigrantes contribuem para a competitividade da economia de um modo geral e para a competitividade da força de trabalho. Apesar de se assumir que os imigrantes contribuem para a competitividade da economia, não deixa de ser verdade que algumas práticas comerciais dos imigrantes são altamente nocivas aos empreendedores nacionais. Por meio do dumping, vários imigrantes, provocam uma competição desleal com empresários moçambicanos. Os baixos preços praticados pelos lojistas chineses e „nigerianos‟ está a contribuir para a redução das receitas de vários lojistas moçambicanos que, em alguns casos, são forçados a abandonar a actividade comercial e arrendar seus estabelecimentos para os estrangeiros ou mudar de actividade. Não raras vezes, ouvimos nas discussões de rua, nos bares ou nos transportes públicos, cidadãos moçambicanos reclamando que „eles controlam tudo‟ ou que „eles dominam tudo‟ ou que „os culpados são eles‟ quando se referem aos estrangeiros (imigrantes legais e ilegais, expatriados e refugiados). Este discurso é tão recorrente e massificado que denota alguma insatisfação em relação ao „poder‟ que os imigrantes exercem em alguns sectores económicos. Os que „controlam tudo‟ são normalmente divididos em 3 segmentos: o comercial, a construção civil e a banca. Do segmento comercial os „chineses‟ e os „nigerianos‟ são considerados como dominadores. Na construção, os „chineses‟ e „portugueses‟ são considerados dominadores. Enquanto na banca, os

portugueses são considerados dominadores. O discurso segundo o qual „eles controlam tudo‟ deve ser entendido não como algo superficial mas como algo que brota de problemas estruturais profundos. Um protesto silencioso contra a posição superior dos „estrangeiros‟ em relação a posição inferior dos nacionais. A imagem que se tem desse estrangeiro é que „eles‟ vêm „ocupar o nosso lugar‟ ou „tirar o que é nosso‟. A entrada maciça de imigrantes que passam a dominar o sector comercial e produtivo, está a contribuir para um aumento da Estratificação social, onde os imigrantes posicionam-se, gradualmente, nas camadas mais elevadas da sociedade. Os imigrantes rapidamente conquistam um status de poder e influência no mundo de negócios que os tornam num grupo social privilegiado. Pode-se dizer que a imigração está a contribuir para o aumento das desigualdades sociais pré-existentes na sociedade moçambicana. Por força do crescente peso económico que „eles‟ possuem, torna-se evidente que os seus padrões de acumulação de capital suplantam de longe a capacidade de acumulação do „nós‟. Os nacionais percebem que os imigrantes estão a dominar o ambiente. A localização de imigrantes em ambientes que experimentam a privação absoluta ou se quisermos a pobreza absoluta pode fazer emergir sentimentos de privação relativa. A emergência de sentimentos de privação relativa pode criar condições de tensão social entre nacionais e imigrantes16. De acordo com Santos (2007:145-148) privação relativa 'refere-se ao sentimento hospedado no hiato que se interpõe entre a condição de vida, tal como percebida pelo indivíduo, e aquela que ele considera deveria ter, por mérito ou compensação social‟. Segundo o autor, 'trata-se do resultado de uma percepção de carências, relativas a outros que não as sofrem, carências que não deveriam existir ou que podem desaparecer‟. Será um sentimento de privação relativa ou inveja social? O sentimento de privação relativa emerge, na maioria das vezes, pela percepção de injustiça social que por sua vez é um reflexo das desigualdades sociais gritantes em países pobres. A probabilidade de ocorrência de violência 16

Série de Artigos, Nº 07 - CEEI/ISRI num ambiente em que as privações tanto reais ou relativas são alimentadas pelo sentimento de frustração de grande parte dos pobres é bastante elevada.

pública, estes também influenciam a opinião e impactam gravemente sobre a manutenção do governo. Sempre que os meios de comunicação social levantam o tema da imigração as notícias são, quase sempre, relacionadas com os crimes cometidos por eles. Silveirinha e Cristo (2004:120), referem que muitas das matérias jornalísticas sobre imigrantes mostram, grosso modo, notícias referentes a expulsões, detenções e criminalidade diversa, e que os media apresentam a imigração como uma ameaça, podendo despoletar processos de racismo e xenofobia. Estas mensagens difundidas constituem o estopim da reação negativa dos nacionais em relação aos imigrantes. Moçambique, um país pobre, não possui capacidades para conter todas estas ameaças e por isso algumas delas florescem sob o olhar impotente das autoridades. A força policial (de segurança pública e de guarda fronteira é bastante reduzida e sub-equipada. Para além disso, os salários da polícia são bastante baixos. Estes dois factores, adicionados a um a formação deficiente dos agentes da lei e ordem reduz as capacidades do estado conter os desmandos provocados pelos imigrantes. Dada a sua debilidade, vários polícias ora vêm-se envolvidos com as redes criminosas ou aceitam subornos dos imigrantes17. Ao nível da sociedade, verifica -se a mesma tendência de corrupção social. Vários moçambicanos, aliciados ou atraídos pelos lucros do crime, vêm-se envolvidos com gangues constituídos por imigrantes. Enquanto o braço do Estado é mais operativo nas zonas urbanas, ele não é tão presente nas zonas rurais. Esse factor favorece a proliferação de actos criminosos nas zonas rurais. Evidentemente, a resposta da sociedade irá diferir em função do meio onde se encontram (economia rural vs economia urbana) e da classe social que representam (alta, média e baixa). Estados enfrentando a pobreza e desigualdades extremas encontram-se em situação difícil pois a população pobre local é facilmente manipulada pelos imigrantes, que possuem, na maioria dos casos, melhores condições financeiras do que a população local. As populações são aliciadas para esconder informações sobre a presença de imigrantes, são aliciadas para apresentar declarações falsas sobre os

Terceiro: O Dilema Político e a Percepção de Ameaça Num Contexto de Desigualdades E Extrema Pobreza O marketing que o Estado faz para atrair estrangeiros pode atrair tanto o „bom imigrante‟ quanto o „mau imigrante‟, pode ter consequências positivas quanto negativas. O dilema se estabelece quando as consequências negativas se multiplicam. O dilema político está associado ao conceito de segurança política segundo a qual a preocupação do Estado é a manutenção das instituições do estado, a ideologia do Estado e a estabilidade do governo. A maior ameaça para a estabilidade do governo ou as instituições do Estados advém das manifestações populares contra o próprio Estado ou governo. Esta situação pode ocorrer, em grande medida, se o Estado for incapaz de prover segurança a sua população e a incapacidade de prover serviços sociais básicos (resultantes do contrato social). O primeiro dilema político prende-se com a segurança pública nos Estados de acolhimento e o seu efeito na manutenção, preservação do regime/partido político no poder (Tallmeister, 2013). Em vários países, para o bem ou para o mal, a imigração tornou-se um assunto de extrema importância que pode abalar a preservação do poder de um governo. Abrir as portas a imigração pode ser benéfico naqueles países em que os sectores económicos precisam de mão-deobra em abundancia mas pode ser devastador naqueles países incapazes de conter as ameaças a segurança pública. Pode por um lado contribuir para o desenvolvimento económico e por outros contribuir para o aumento da insegurança interna. Este dilema assola todos os governos de Estados receptores de imigrantes. O papel dos instigadores sociais para a preservação do regime ou o governo não deve ser esquecido. Ao mesmo tempo em que os meios de comunicação social exprimem os sentimentos da opinião 17

Série de Artigos, Nº 07 - CEEI/ISRI imigrantes, são aliciadas para casarem com os imigrantes, etc. A situação de pobreza permite também, que os imigrantes aliciem as populações para se envolverem em actividades ilegais como a caça furtiva, o garimpo e a mineração ilegal, a prostituição, o abate indiscriminado de árvores e outros males sociais. A primeira linha de defesa dos imigrantes é precisamente aquela população beneficiada pelas actividades ilícitas. A autoridade do Estado é ameaçada quando os agentes do Estado, a polícia, são impedidos de conduzir a sua acção de policiamento fruto da resistência popular.

uma normalidade. O imigrante pode ser uma vítima ou um promotor de actos ilegais. Em vários momentos, os imigrantes são usados como escravos para trabalho ou para a prostituição, em outros casos são os próprios imigrantes que estabelecem estas práticas sobre outros imigrantes. Apesar dos imigrantes serem necessários para cumprir uma série de objectivos e responderem alguns interesses, os Estados são obrigados a adoptar politicas para limitar a sua entrada por força do custo político que eles acarretam. Todos os Estados possuem políticas para limitar a contratação, recrutamento ou entrada livre de imigrantes. Nenhum Estado sente-se seguro ao depender excessivamente de imigrantes. Por mais significativo que seja o contributo dos imigrantes para o Estado de acolhimento, estes serão sempre monitorados com cautelas. As medidas que se impõe para aqueles imigrantes que queiram fixar residência permanente demonstram o sentido de cautela que os Estados tomam em relação aos imigrantes. A presença de ilegais eleva o sentido de cautela dos Estados pois estes localizam-se longe dos mecanismos de monitoramento e circulam num submundo do crime. Se o governo do dia não for capaz de eliminar ou reduzir os problemas de segurança pública criados pelos imigrantes a sua permanência no poder será questionada e poderá enfrentar uma crescente oposição ou mesmo um revês nos actos eleitorais. O segundo dilema político que os Estados enfrentam é a questão da segurança nacional. Todos os imigrantes possuem uma agenda (o que pretendem no Estado de acolhimento). A agenda económica é, para muitos Estados, aceitável. Mas a agenda política pode ser perturbadora. Num mundo dominado por acções de terrorismo, preocupa aos Estados identificar a agenda política dos imigrantes, principalmente quando nos órgãos de comunicação ocidental predominam notícias que relacionam a imigração e o terrorismo e a difusão de ideais radicais. Apesar de estar distante e ser periférico no xadrez da confrontação civilizacional, para usar uma expressão de Huntington, Moçambique não deixa de se preocupar com as possibilidades da imigração fazer imigrar disputas centrais

Quadro 4. Principais notícias sobre imigrantes difundidas nos meios de comunicação social Segundo os meios de comunicação, os imigrantes estão envolvidos no(a): Contrabando de pedras preciosas Contrabando de minérios preciosos Exploração ilegal de madeira Contrabando de chifres de rinoceronte Contrabando de barbatanas de tubarão Garimpo ou Mineração ilegal Produção e tráfico de drogas Falsificação da moeda Tráfico de órgãos humanos Tráfico de pessoas Falsificação de documentos nacionais Caça furtiva Posse de armas ilegais Roubos Esquemas ilícitos Prostituição

Acções legais contra imigrantes reportados nos meios de comunicação Detidos imigrantes ilegais Deportados Retidos na esquadra ou no aeroporto Presos por prática de crimes Repatriamento dos estrangeiros Expulsou do país Extraditados Interditos de entrar para o país Polícia na caça de imigrantes ilegais Grupos de imigrantes neutralizados Polícia prepara operação contra imigrantes ilegais Polícia procura estancar a entrada massiva de imigrantes ilegais A polícia luta contra este fenómeno PGR lança ofensiva contra imigrantes

Estados com fracas capacidades para monitorar imigrantes ilegais podem se tornar reféns da habilidade que estes tem de contornar a autoridade legítima do Estado. Estados pobres possuem, normalmente, uma infraestrutura de segurança bastante fraca e incapaz de se impor. Sem uma infraestrutura de segurança capaz o tráfico de seres humanos de dentro para fora (crianças e mulheres na sua maioria) e de fora para dentro (imigrantes ilegais) torna-se 18

Série de Artigos, Nº 07 - CEEI/ISRI para a periferia. Os problemas do terrorismo assistidos em países como o Kenya e a Tanzânia, atestam a hipótese da periferia ser um campo de batalha de recurso. A presença significativa de imigrantes de um país vizinho nas zonas fronteiriças adjacentes aos seus territórios de origem representa uma ameaça maior em termos de alianças. Quando imigrantes zimbabweanos confrontaram com a Polícia moçambicana na faixa fronteiriça moçambicana onde ocorrem vários minérios, demonstraram abertamente o desrespeito pela soberania Moçambicana. As possibilidades de atentarem contra a integridade física do território nacional e contra as populações moçambicanas ali residentes devem merecer um olhar atento do Estado moçambicano. O conflito de interesses que assola estas comunidades leva a que tomem partido dos seus países de origem18. Para além disso, A entrada de imigrantes de uma determinada etnia previamente existente no território nacional pode ajudar no aumento do peso político desta etnia se as condições para a aquisição da nacionalidade não forem rígidas e corrupção e manipulação política assim o permitirem. O aumento populacional de uma determinada etnia pode conduzir ou ao equilíbrio étnico ou a supremacia étnica em termos locais ou regionais. Esta situação é potencialmente perigosa porque pode criar desequilíbrios étnicos e por via disso disputas políticas ao nível local ou nacional. Alguns Estados podem inclusive estimular a saída de imigrantes para países vizinhos como instrumento de política externa, de forma a ganhar influência sobre os países de acolhimento, seja politicamente, culturalmente ou economicamente. Nestes casos, a migração responderia a políticas calculadas e a estratégia de alguns Estados. A presença de imigrantes etnicamente homogéneos a residirem em parcelas do território nacional pode estimular, a médio e longo prazo, sentimento de pertença a esse território. Hipoteticamente, aqueles imigrantes podem exigir maior autonomia da região em que residem, exigir a adopção de um sistema jurídico, educativo ou religioso que vá de encontro as suas práticas tradicionais ou ainda, impor que sejam personalidades da sua etnia a fazer

a administração daquele território. As suas preferências passariam a influenciar o processo político do Estado de acolhimento. Quando a Soberania pode ser posta em causa pela concentração excessiva de imigrantes o Estado é forçado a adoptar duas medidas cruciais: obrigar a dispersão ou obrigar que os imigrantes abandonem o território. Estas medidas podem ser facilmente aplicáveis em relação aos imigrantes ilegais mas serão difíceis de implementar contra imigrantes legais ou com residência permanente. Os Estado são forçados a respeitar os direitos humanos dos imigrantes. As leis de imigração de diversos países estão desenhadas precisamente para proteger a pessoa do imigrante. O terceiro dilema político enfrentado pelos Estados está relacionado com a provisão de serviços públicos aos nacionais e estrangeiros. Um dos maiores dilemas da abertura dos países pobres para a imigração são as suas fraquezas na provisão de serviços sociais/públicos básicos. A entrada maciça de imigrantes sobrecarrega a já fraca rede de serviços públicos nos sectores da educação, saúde, saneamento, transportes, abastecimento de água e energia eléctrica, habitação e segurança pública. Áreas pobres, sejam elas rurais ou urbanas, com elevadas concentrações de imigrantes ilegais, são áreas de elevado risco de conflito entre nacionais e estrangeiros, principalmente quando os imigrantes se beneficiarem dos mesmos serviços públicos oferecidos pelo Estado enquanto as comunidades locais continuarem a enfrentar problemas de acesso aos mesmos serviços. A título de exemplo, quando o filho do nacional não encontra uma vaga e o filho do imigrante encontra vaga numa escola pública surgem sentimentos de revolta no seio dos nacionais. Uma vez mais, a competição pode, hipoteticamente, fazer surgir ou elevar os sentimentos xenófobos. A privação na oferta de serviços básicos pode causar respostas negativas imediatas contra os imigrantes. Este não é um problema exclusivo dos Estados pobres. Os Estados ricos reclamam, por exemplo, que os imigrantes se beneficiam do welfare state, sem contribuírem nada. De acordo com Mendonça e Fuks (2014), „estudos de meados do século XX destacam a 19

Série de Artigos, Nº 07 - CEEI/ISRI percepção de privação relativa como motivação que, associada a outras condições, é capaz de impulsionar a participação em todo tipo de atividades contestatórias, como protestos, rebeliões e revoltas‟. Os governos são, na sua essência, avessos a manifestações e contestação popular e deverão tentar conter os ânimos populares através do investimento público naqueles serviços. Não havendo hipóteses de privar o imigrante do acesso aos serviços prestados pelo Estado a única alternativa é aumentar a oferta de serviços. Aqui voltamos de novo a essência do dilema, o país precisa de imigrantes económicos para alavancar a economia mas os custos da recessão dos imigrantes estão acima das capacidades económicas e financeiras do Estado.





Opções Estratégicas Para Conter A Xenofobia, Integrar e Controlar os Imigrantes



Perante os dilemas da imigração, o Estado precida adoptar políticas proactivas tendentes a evitar a emergência de sentimentos xenófobos, integrar os imigrantes na sociedade moçambicana e, acima de tudo, promover um maior controlo sobre a imigração. O Estado precisa adoptar uma „multiple-strategybased-approach‟ no sentido devem ser adoptadas várias estratégias, sendo que, cada estratégia deve visar um contexto específico. Portanto, „a context based strategy‟ seria mais eficaz o que uma estratégia global. Que elementos devem ser considerados?





Ao nível das políticas de integração19: 





O Estado deve adoptar políticas públicas de integração e aproximação entre imigrantes e nacionais que possam promover maior contacto entre as comunidades20; É necessário desconstruir a imagem do imigrante. Para tal, deve ser aprovado um código de conduta para a comunicação social de modo a evitar a rotulação dos imigrantes com discursos incendiários. A



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comunicação social precisa prover informação isenta e equilibrada sobre os imigrantes e respeitar a sensibilidade do assunto; Exigências irrealistas de expulsão ou impedir a entrada de imigrantes devem ser imediatamente desconstruídas. A promoção de debates televisivos e/ou radiofónicos pode ser um instrumento essencial para desconstruir a imagem negativa do imigrante; Poucos instrumentos jurídicos moçambicanos esclarecem de uma forma clara e objectiva o que é o cidadão imigrante. Existe portanto uma necessidade de se esclarecer juridicamente o conceito de imigrante; É necessário estabelecer instituições ou mecanismos que possam prover informação e aconselhamento para os imigrantes para que estes conheçam seus direitos e deveres, as oportunidades de emprego e negócio, entre outras informações; É necessário criar mecanismos para averiguar se os imigrantes que entram em Moçambique sofrem alguma acção penal nos seus países de origem; A sociedade civil pode e deve ser envolvida no processo de recepção, aconselhamento, acompanhamento e monitoração dos imigrantes em todo território nacional; Os sindicatos podem e devem ser actores de primeira linha na elaboração de estudos, promoção de encontros entre nacionais e estrangeiros, na difusão de informação sobre as oportunidades do país, etc. Podem ser desenvolvidas acções que possam aumentar o diálogo intercultural, através de festivais, feiras, competições desportivas, exposições, etc. estas medidas podem ajudar a reduzir o desconhecimento mútuo e o preconceito;

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O Estado deve incentivar os imigrantes a criarem associações que possam negociar permanentemente com as instituições da sociedade de acolhimento, com o governo e com a sociedade civil local, de modo a dissipar equívocos e melhorar a comunicação; O Estado deve adoptar estratégias para atrair imigrantes altamente qualificados21 O Estado pode promover campanhas de informação para o registro de imigrantes em situação irregular ou ilegal.

Ao nível das políticas de controlo22: 



 Ao nível das políticas educativas: 







São necessários cursos ou formações específicas para os nacionais sobre as tradições e costumes de certos grupos cuja representação demográfica seja considerável; Os cidadãos nacionais devem ser potenciados com ferramentas essenciais para poderem competir contra imigrantes potencialmente mais qualificados. O sistema educativo moçambicano deve preparar os moçambicanos para as necessidades do mercado de modo a eliminar a dependência do trabalho estrangeiro; As campanhas de saúde materno infantil, vacinação, campanhas de prevenção de HIV devem ser extensivos a comunidade imigrante; Devem se criados cursos de adaptação para que os imigrantes possam melhor integrar na sociedade moçambicana. Estes cursos devem fornecer aos imigrantes formação linguística, educação cívica e conhecimentos básicos sobre a sociedade de acolhimento.









   

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Moçambique precisa melhorar a capacidade de controlar suas fronteiras quer pelo fortalecimento da Guarda Fronteira ou pelo melhoramento das capacidades dos serviços migratórios estabelecidos nas principais fronteiras; Em fronteiras altamente porosas, podem ser estabelecidas fronteiras físicas com a introdução de cercas de arame farpado ou ainda o estabelecimento de sistemas de vigilância electrónicos; Devem ser incrementadas as inspecções nas fronteiras e nas grandes empresas contratadoras de imigrantes; Torna-se imperiosa a recolha de dados sobre a situação dos imigrantes em Moçambique (localização e mapeamento por raça, etnia, nacionalidade, etc); É extremamente importante examinar, através de estudos, a origem dos imigrantes, seu status social, nível de formação e capacidades financeiras; É importante examinar os imigrantes por raça, nacionalidade, grupo étnico e religioso; Estudos devem ser feitos por forma a analisar o nível de integração e assimilação dos filhos dos imigrantes que tenham imigrado com os pais e os filhos dos imigrantes nascidos em Moçambique; Elaborar estudos sobre a dinâmica do emprego na comunidade imigrante; Elaborar estudos sobre a distribuição da renda na população imigrante; Elaborar estudos sobre as remessas em dinheiro e bens materiais; Elaborar estudos sobre padrões de acumulação de capital dos imigrantes;

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 

São necessários estudos sobre o contributo dos imigrantes para a taxa de natalidade e mortalidade; São necessários estudos que analisem a taxa de prevalência de doenças sexualmente transmissíveis na população imigrante, devendo alguns passar por textes fito-sanitários ao entrarem no país23; São necessários estudos sobre o impacto fiscal dos imigrantes; São necessários estudos sobre os obstáculos que impedem à integração dos imigrantes;

tempo e o espaço são determinantes para compreender os dilemas da imigração. Até agora, o trabalho atevese a analisar as questões espaciais. Importa agora analisarmos a questão temporal. Moçambique foi durante os primeiros anos da independência um país acostumado a emigrar. A entrada de cidadãos estrangeiros no pósindependência era feita de forma esporádica e intermitente. A única vaga de estrangeiros que entrava para Moçambique era constituída maioritariamente por „cooperantes‟. No contexto de guerra, pobreza extrema, falta de quadros nacionais e analfabetismo que Moçambique viveu desde 1976 até 1992, o Estado e a sociedade moçambicana demonstraram uma grande receptividade em relação aos „cooperantes‟ e os imigrantes dado que contribuíam para colmatar o enorme deficit em termos de capacidades técnicas que o país enfrentava. Esta receptividade prevaleceu no período imediatamente ao fim da guerra e do acordo geral de paz, quando Moçambique mais uma vez precisou de estrangeiros para o esforço da reconstrução nacional. Durante aquele período, de 1992 até 2000, os moçambicanos mostraram-se bastante receptivos a entrada de imigrantes e refugiados. Mais recentemente, Moçambique vem presenciando a primeira verdadeira onda de imigração da sua história. Tratase de uma imigração multiforme com pessoas oriundas de várias partes de África, Ásia, Europa e América. De um fenómeno esporádico e intermitente, a nova imigração transformou-se numa corrente permanente. De um país de emigrantes, o país vem se tornando num país receptor de imigrantes. Os novos imigrantes ingressam num país que começa a descobrir recursos diversos, que começa a galgar passos rumo ao desenvolvimento, trata-se de um período em que as expectativas de toda a população sugerem o melhoramento dos seus níveis de vida. Trata-se de uma era de transformações económicas rápidas e dinâmicas, onde a competição substituiu a solidariedade. A competição é precisamente, uma das principais razões

Ao nível da cooperação regional: 



Os estados da SADC, a semelhança da União Europeia, precisam estabelecer princípios básicos comuns em matéria de integração dos imigrantes; Os estados membros da SADC precisam estabelecer instrumentos para partilha de informação referente ao movimento migratório e um sistema de aviso prévio que lide com este fenómeno.

Porque nada está sendo feito? A primeira dificuldade prende-se com a falta de vontade política (Koser, 2005:3). Muitos Estados só se preocupam em confrontar a questão da imigração quando emergem problemas, daí que muitos Estados consideram a imigração como um problema. Para nós, a imigração é simplesmente uma questão, não um problema. A segunda dificuldade é a falta de cooperação entre os Estados que mina os esforços dos Estados receptores. Koser (2005:3), afirma que „a migração ilegal não pode ser gerida de forma unilateral pelos Estados de destino pois, requer uma cooperação significativa entre os países de origem, de trânsito e de destino. Porque estratégicas para conter a xenofobia, integrar e controlar os imigrantes? Porque é importante fazer alguma coisa agora? Porque não se fez antes? Conforme abordamos no início, o 22

Série de Artigos, Nº 07 - CEEI/ISRI da emergência dos sentimentos antiimigrante. Portanto, hoje, mais do que nunca torna-se necessário adoptar estratégias e políticas que possam prevenir, gerir e possivelmente resolver a crescente tensão social contra o imigrante.

algo já construído na mente das pessoas, principalmente quando já se estabeleceram estereótipos. A dificuldade reside do facto de que existem „de facto‟ muitos loosers nacionais e muitos „winners‟ estrangeiros tanto no meio rural ou urbano, no sector primário, secundário ou terciário. Enquanto situações de adversidade económica como crises e períodos de recessão alimentam sentimentos xenófobos nos países mais ricos em Estado pobres os contextos de pobreza e desigualdades económicas são o principal móbil da contestação contra a imigração. As condições de pobreza e as desigualdades sociais que se tornam evidentes na sociedade moçambicana produzem respostas contraditórias face a entrada maciça de imigrantes legais ou ilegais. Enquanto uma parcela considerável de cidadãos nacionais vê nos imigrantes uma oportunidade outra parcela vê neles uma ameaça. Na perspectiva da oportunidade, os imigrantes são associados com oportunidades de abertura de emprego, aumento do consumo, oportunidade de arrendamento de casas. Na perspectiva da ameaça, os principais receios recaem sobre o emprego, recursos escassos, redução da pobreza, a exclusão social, prosperidade, crescimento económico, desenvolvimento, privações económicas, a expansão do mercado negro, rivalidades comerciais, competição económica, entre outros. A resposta para a imigração não pode basear-se em políticas superficiais. Do mesmo modo, a compreensão dos sentimentos anti-imigrante não pode se basear em indicadores ou problemas superficiais. É necessário conhecer as causas mais profundas da reacção nacional contra a imigração. A promoção de políticas orientadas para a evitar a xenofobia, integrar e controlar os imigrantes não deve excluir a possibilidade de adopção de políticas orientadas a promoção do desenvolvimento inclusivo, orientadas a redução das desigualdades regionais, seja entre o sul, centro e norte, ou mesmo entre as regiões urbanas e rurais. A pobreza e as desigualdades,

Considerações Finais De acordo com Anderson (2006:98) Vários são os países que optam por políticas de atracção de imigrantes por motivações políticas, económicas, demográficas, culturais ou outras. Moçambique vem promovendo campanhas de incentivo ao investimento direcionados a atrair imigrantes económicos através de um marketing económico muito forte expondo as potencialidades económicas do país e o clima de paz e segurança. Por via disso, vários estrangeiros (expatriados, imigrantes e refugiados) estabeleceram-se em Moçambique numa verdadeira onda migratória. Aos benefícios sociais, políticos, económicos e culturais juntam-se alguns malefícios. Noticias dando conta de que imigrantes legais e ilegais são responsáveis por vários males sociais abundam na imprensa nacional, nos principais blogues e no facebook. Pouco ou nada se fala do contributo positivo dos imigrantes para a economia e a sociedade moçambicana. É necessário estabelecer estratégias para a desconstrução da imagem do imigrante e para a prevenção de conflitos. Para desconstruir o „‟outro‟‟ é necessário desliga-lo da realidade moçambicana, desmascara-lo da sua personagem de imigrante, reinterpretá-lo com outros instrumentos de observação, descaracteriza-lo ou até mesmo descategoriza-lo, fazer uma releitura das suas acções, gestos e atitudes. A partir deste movimento de desconstrução, será possível reconstruir a imagem do imigrante e denunciar inverdades contribuindo assim para sanar os antagonismos e conflitos que emergiram no primeiro contacto. Em outras palavras, desconstruindo a imagem do imigrante estaríamos a reposiciona-lo na sociedade moçambicana, não como um sujeito externo apartado da sua pátria mas como um actor interno, sujeito de direito. Entretanto, não é fácil desconstruir 23

Série de Artigos, Nº 07 - CEEI/ISRI resultantes da enorme exclusão económica que a maior parte da população moçambicana vivência são combustível inflamável não só direcionado a pessoa do imigrante como também às autoridades legítimas do Estado, ao nível local ou nacional. Enquanto a estratificação social continuar a posicionar poucos no extremo da riqueza e muitos no extremo da pobreza, a reacção negativa contra o estrangeiro „bem-sucedido‟ tenderá a crescer.

Notas e Referências Bibliopgráficas 1 http://dictionary.cambridge.org/dictionary/

english/dilemma 2 http://www.thefreedictionary.com/dilemma 3 A discussão de assuntos candentes está cada vez mais concentrada em blogues e no facebook do que em lugares físicos como cafés, restaurantes ou mesmo salas de aulas. A liberdade estabelecida pela internet possibilita que as pessoas manifestem suas opiniões de forma crua, sem o amparo do politicamente correcto. Os meios de comunicação social limitam-se, na sua maioria, a emitir a notícia. Existe no entanto, nos jornais, um espaço para a opinião do leitor. A leitura de blogues é essencial para captar a opinião de um público que normalmente é mais instruído, de uma classe média ou alta e, acima de tudo, urbana. 4 https://es.wikipedia.org/wiki/Expatriado. 5 Actualmente, Moçambique não consegue garantir a segurança individual dos imigrantes que são vítimas constantes de raptos e várias outras ameaças (assaltos, roubos, chantagem, sequestros, etc). 6 Vide definição de cultura em Martínez (1999:36). 7 O conceito de invasão cultural aqui usado corresponde ao conceito defendido por Paulo Freire em „Pedagogia do Oprimido‟, segundo o qual, 'a invasão cultural é a penetração que fazem os invasores no contexto cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão do mundo, enquanto lhes freiam a criatividade, ao inibirem sua expansão. Neste sentido, a invasão cultural, indiscutivelmente alienante, realizada maciamente ou não, é sempre uma violência ao ser da cultura invadida, que perde sua originalidade ou se vê ameaçado de perdê-la.' 8 Esta situação ocorre quando a comunidade imigrante quer, a todo o custo, afirmar a sua cultura. 9 Outras diferenças incluem: 1) as diferenças na direção da migração (as correntes de população indo do campo para a cidade são maiores que as da cidade indo para o campo); 10 A igualdade não se resume aos aspectos identitários da etnicidade, raça e etnia, mas sim aos factores da territorialidade, história, aparências

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físicas, lingua, culturas vernaculares. Moçambique por exemplo, é um país de diferentes iguais, no sentido de que existe uma variedade de raças, etnias e religiões mas partilham em comum uma história, um território e a ideia de uma nação. 11 O Brasil foi e é um exemplo clássico onde os imigrantes foram „escolhidos‟ em função das suas competências produtivas para preencher vazios em determinados sectores produtivos considerados estratégicos pelos sucessivos governos brasileiros. Outro país de referência é a Austrália. 12 É certo que vários moçambicanos encontram emprego nas diversas mercearias pertencentes a imigrantes para além daqueles que prestam serviço doméstico aos imigrantes (empregadas domésticas). Portanto, os imigrantes contribuem por isso para a criação de empregos de baixas qualificações. 13 A contratação de estrangeiros só ocorre, segundo a legislação, quando as qualificações necessárias não se encontram presentes na força de trabalho nacional. A contratação de estrangeiros (expatriados ou imigrantes económicos) para colmatar as necessidades de mão-de-obra qualificada é mais evidente no sector da saúde, onde vários médicos exercem actividades diversas nos vários hospitais do país. O regime de benefícios e os salários que os estrangeiros auferem põem-nos em rota de colisão com a classe médica nacional que, vezes sem conta, se manifestou contra a disparidade salarial que favorece aos trabalhadores estrangeiros. Grande parte da disputa resulta do facto de existirem moçambicanos com as mesmas ou melhores qualificações e que estão recebendo menos que os estrangeiros. 14 No seu blogue 'O QUOTIDIANO DE MOÇAMBIQUE', Ilídio Macia afirma que 'As empresas admitem gestores, economistas, motoristas, mecânicos, electricistas, engenheiros, técnicos de informática, serralheiros, etc, estrangeiros, quando no solo pátrio existem moçambicanos com tais qualificações e em número suficiente,...'. vide: http:// ilidiomacia.blogspot.com/2007/07/contratao-detrabalhadores-estrangeiros.html. 15 A estratificação social é uma característica inerente a convivência social. Os indivíduos são sempre classificados de modo diferente em função do seu grau de importância, influencia ou capacidades. A estratificação social é resultante das desigualdades sociais. Não existe nenhuma sociedade completamente igualitária, onde os indivíduos sejam todos iguais. As desigualdades sociais são por isso um factor inerente a sociedade humana. Existe no entanto, sociedades mais desiguais do que as outras. São mais desiguais as sociedades onde a diferença na distribuição da renda são completamente desiguais. Onde existam mais loosers (perdedores) do que winners (ganhadores). 16 O conceito de privação relativa no presente trabalho refere-se ao sentimento de descontentamento que surge da percepção de que estamos a ser privados de algo a que teríamos

Série de Artigos, Nº 07 - CEEI/ISRI direito, sobretudo algo que percebemos que outros indivíduos ou grupos com os quais nos comparámos possuem. Esse „algo‟ pode significar o salário ao fim do mês, a posse de bens materiais, o reconhecimento das nossas capacidades, etc… Este sentimento de privação é denominado de „relativo‟ porque surge precisamente por comparação com a situação de indivíduos ou grupos de referência. https:// dissonanciacognitiva.wordpress.com/2008/11/07/ privacao-relativa-porque-nem-sempre-mais-significa -melhor/ 17 O fenómeno da corrupção contribui para corroer o poder do Estado. Ele se estende desde as fronteiras até as instituições centrais. Através de esquemas de corrupção para a obtenção de documentos nacionais, tanto de identidade como passaportes ou outras facilitam a aquisição da nacionalidade por parte dos imigrantes. O poder económico de alguns imigrantes garante-lhes o acesso a nacionalidade moçambicana sem precisar passar por trâmites legais. No fundo, os imigrantes são tanto promotores quanto vitimas da corrupção. 18 A invasão do Ruanda e Burundi ao Zaire foi, em grande medida, suportado pela enorme quantidade de imigrantes daqueles países na zona leste do Zaire, que faz fronteira com o Ruanda e o Zaire. Até hoje, as comunidades ruandesas e burundesas que habitam o RDC continuam a manter estreita relação com os seus países de origem, mantendo um maior vinculo com sua origem e não com o país de acolhimento. 19 Grande parte das propostas aqui apresentadas pode ser encontrada na obra „a europa e os seus imigrantes no século XXI‟ coordenada por Demetrios G. Papademetriou (2008). 20 Para uma compreensão sobre os efeitos positivos do contacto ler: Forbes, Hugh D (1997): Ethnic conflict: commerce, culture, and the contact hypothesis, Yale University Press, New haven. 21 Actualmente, os salários em Moçambique não são muito atractivos resultando daí a recusa de muitos imigrantes qualificados em ficar no mercado de trabalho Moçambicano. 22 Grande parte das propostas aqui apresentadas pode ser encontrada na obra „Statistics on U.S. Immigration: An Assessment of Data Needs for Future Research‟ editada por Barry Edmonston (1996). 23 Este tipo de estudos pode ser problemático e impraticável e, pode originar por consequência, medidas recíprocas por parte dos Estados vizinhos ou de origem dos imigrantes. É um assunto político de difícil adopção. Anderson, Barbara A (2006): Migration in South Africa in Comparative Perspective, in Kok, Pieter et al (eds): Migration in South and Southern Africa: Dynamics and Determinants, HSRC Press, Cape Town. Batista, William José (2009): A perversão comum: viver juntos sem outro; Cad. Psicanál.-CPRJ, Rio de Janeiro, ano 31, n. 22, p. 221-226. Edmonston, Barry (ed) (1996): Statistics on U.S. Immigration: An Assessment of Data Needs for Future Research, Committee on National Statistics and Committee on Population Commission on Behav-

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O “Mensal” é um boletim informativo do CEEI/ ISRI – Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais do Instituto Superior de Relações Internacionais que se destina a servir de fórum livre para a apresentação e publicação de conhecimentos e ideias inovadoras sobre paz e segurança, economia e desenvolvimento, relações internacionais e política externa, estudos sócio-políticos e culturais, boa governação, administração pública e outras áreas afins. As opiniões expressas ou insinuadas neste boletim pertencem aos seus respectivos autores e não representam, necessariamente, as do CEEI/ISRI ou qualquer outro órgão do ISRI. Os artigos que constam desta edição podem ser reproduzidos no todo ou em parte, para fins académicos, desde que o autor e o “Mensal” sejam citado como fonte.

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