Dimensões regionais e urbanas do desenvolvimento socioeconômico em São José do Rio Preto

July 7, 2017 | Autor: J. Gonçalves de C... | Categoria: Economia Regional, Economia Regional E Urbana, São José do Rio Preto
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1ª Edição



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Agradecimentos

Pensar a complexidade do desenvolvimento socioeconômico não é tarefa fácil, muito menos deve ser uma tarefa empreendida a partir de um único olhar. A gênese, os processos decorrentes e os impactos gerados pela dinâmica econômica deve ser a priori um enfrentamento multifacetado. Neste livro, fato importante a ser destacado, tentou-se evitar o problema da segmentação da análise dos fenômenos, isto é, não ficando no “caso a caso” que pouco contribui para entender os fenômenos gerais, evitando, de igual forma, as teorias abstratas sem respaldo empírico. Em síntese, Rio Preto não é um caso isolado nem muito menos mais um município dentro desse país continental. Rio Preto é sim um município carregado de especificidades dentro de uma lógica maior que afeta sua região e as outras regiões de modo muito particular, com impactos significativos sobre, entre outras coisas, a estrutura urbana, mercado de trabalho, na articulação entre municípios próximos e ainda na resposta que o poder público deve dar às diversas demandas sociais que surgem no desenrolar do processo de desenvolvimento regional. Nesse sentido, este livro é antes de tudo uma empreitada conjunta na qual cada pesquisador, dentro de sua área, contribuiu nesse debate que agora é apresentado aos estudiosos da questão regional, estudantes, professores e ao leitor em geral. Meu agradecimento aos colegas Andréa Petisco, Carlos Brandão, Carlos Guimarães, Leandra Domingues Silvério, Magali Blanco Alves, Orlando Bolçone e Sebastião Cunha que aceitaram esse desafio de expor amplamente suas idéias, contribuindo significativamente para o entendimento de questões tão importantes para Rio Preto e região. Meu agradecimento especial ao Professor Wilson Cano, um dos maiores estudiosos da questão regional na América Latina, que com sua contribuição abrilhantou esse trabalho. A lacuna que pretendemos preencher seria impossível sem o apoio estrutural e financeiro do Grupo Microlins. Em especial, meu muito obrigado, à Célia Regina Volponi que, para minha grata surpresa, comprou, de imediato, a idéia de editar esse livro e o fez tornar realidade. Por fim, agradecimento especial a Jucilaine Felix da Silva pela leitura atenta dos diversos textos, pela revisão técnica e, acima de tudo, pela confiança no projeto inicial. Joelson Gonçalves de Carvalho São José do Rio Preto, outubro de 2006. 

Índice Prefácio...........................................................................................................07 Wilson Cano

Introdução..........................................................................................................11 Joelson Gonçalves de Carvalho

Parte 1 - Características Gerais, Evolução Econômica da Região Administrativa e Desenvolvimento Urbano Capítulo 1 - Formação e Desenvolvimento Regional: evolução econômica da Região Administrativa de São José do Rio Preto..................................................19 Joelson Gonçalves de Carvalho Capítulo 2 - Dinâmica Regional Rio-pretense: o movimento econômico da capital do noroeste paulista no final do século XX e início do século XXI.........55 Joelson Gonçalves de Carvalho e Carlos Antônio Brandão

Capítulo 3 - Espaços Desiguais: ocupação do território e estrutura urbana de São José do Rio Preto.................................................................................103 Andréa Celeste Araújo Petisco

Parte 2 - Mercado de Trabalho, Papel do Setor Público, Assistência Social, Informalidade e Perspectivas Capítulo 4 - Perfil do Trabalho na Cidade de São José do Rio Preto................137 Sebastião Ferreira da Cunha

Capítulo 5 - Uma Política Pública de Incentivo às Microempresas: os minidistritos de São José do Rio Preto...........................................................155 Orlando José Bolçone

Capítulo 6 - Política Habitacional de Interesse Social: um estudo de caso da implantação do Parque da Cidadania................................................187 Carlos Eduardo Guimarães e Magali Mary Blanco Alves



Capítulo 7 - São José do Rio Preto: trabalhadores do comércio informal na disputa pelo direito ao trabalho......................................................................209 Leandra Domingues Silvério

Capítulo 8 - Região de São José do Rio Preto: dinamismo, constrangimentos e possíveis estratégias de desenvolvimento..........................249 Carlos Antônio Brandão

Sobre os Autores...............................................................................................271

Prefácio Dimensões Regionais e Urbanas do Desenvolvimento Socioeconômico em São José do Rio Preto, de Joelson G. de Carvalho (Org.)

Wilson Cano É com prazer que prefacio este livro, que vem enriquecer a escassa bibliografia sobre esse importante município da região da Alta Araraquarense de São Paulo, a qual há alguns anos passados, apelidei de Califórnia Paulista, por seu pioneirismo e acelerado progresso econômico. O Prof. Joelson reúne neste livro, oito artigos, sendo três na primeira parte, que tratam dos aspectos mais gerais da história e da economia local e outros cinco na segunda, que tratam de questões mais específicas. Os artigos revelam o profundo trabalho de pesquisa histórica que seus autores realizaram, e esta reunião teve bom resultado, dada a articulação que se pode fazer da leitura dos mesmos. Advirta-se que esta obra não é, como algumas, um simples “repositório” de números, uma vez que ela navega não só na economia, mas também no plano demográfico, político, social e cultural. Para isso, portanto, não se limita à economia, utilizando também os ensinamentos de outras ciências sociais. Afora seu precioso material estatístico, que nos oferece a construção de várias séries históricas do município e da região, este trabalho nos permite refletir melhor sobre a evolução desse importante espaço paulista. A bibliografia utilizada pelos autores constitui outra peça de valor, que certamente facilitará o trabalho futuro de pesquisas sobre essa região. Em suma, os pesquisadores futuros têm grande dívida para com Joelson, por essa reunião e por esse precioso “trabalho morto” que é esta obra. O livro se ocupa de largo período de nossa história, centrado mais nas últimas décadas do século passado e no atual e, embora  Professor Titular do Instituto de Economia da Unicamp. Campinas, agosto de 2006.



apresente e analise as principais transformações sociais e econômicas do município, faz a competente inter-relação com o todo estadual e nacional, em especial ao processo de integração do mercado nacional, a partir de 1930. Aponta também os principais traços de algumas políticas econômicas e sociais locais. Os dois primeiros capítulos e o oitavo – que, a meu juízo, deveria ser o primeiro – apresentam maior unicidade. No oitavo, Carlos Brandão faz um breve, mas objetivo resgate da trajetória da Região de São José do Rio Preto, e termina com uma proposição de “como construir Desenvolvimento Regionalizado”, por sinal, necessária e muito oportuna. O primeiro, de Joelson G. Carvalho, é um desdobramento mais amplo sobre a “Formação e Desenvolvimento” da região. Percorre longa trajetória histórica, resgatando a formação do “Oeste Pioneiro”, com o café, culminando com a industrialização até a década de 1980. Além da economia local, também a demografia e a urbanização são ali contempladas. Os mesmos Joelson e Brandão escreveram o segundo texto –Dinâmica Regional Rio-pretense – abarcando o período da década de 1980 a hoje, detalhando mais profundamente as transformações econômicas – notadamente da agricultura e da indústria regional – da Região Administrativa de São José do Rio Preto, de suas Regiões de Governo e de seus principais municípios. O texto se valeu ainda de pesquisa de campo feita em indústrias locais. No terceiro capítulo, Andréa C. A. Petisco nos brinda com uma detalhada caracterização da urbanização do município nos últimos 25 anos, apresentando os principais vetores determinantes dessa expansão urbana, seus condicionantes econômicos, populacionais e institucionais. Sebastião F. da Cunha escreveu o quarto, que também abarca as três últimas décadas, analisando as estruturas do mercado de trabalho local e regional, comparando-as inclusive com as do estado de São Paulo. Vários e importantes aspectos são ali mostrados, entre os quais os referentes a gênero, faixas etárias, de rendimento e formalização do emprego.



No capítulo quinto, Orlando J. Bolçone, depois de discutir o tema dos Distritos Industriais, valendo-se de literatura internacional, examina a realidade de São José do Rio Preto, suas principais ordenações jurídicas sobre a matéria e mais particularmente, analisa a experiência da Política Pública de Integração entre Micro e Pequenas Empresas e Moradias levada a cabo pelo município. Carlos E. Guimarães e Magali M. B. Alves escreveram, o sexto capítulo, discutindo as políticas habitacionais locais, e, particularmente, do projeto Parque da Cidadania, área de população carente e marginalizada, e que foi objeto de um estudo de caso. O sétimo capítulo é o de Leandra D. Silvério, estudando a situação dos trabalhadores informais do comércio local. Utilizando metodologia de história oral, realizou entrevistas que permitem conhecer melhor suas lutas, organização social e institucional. Seis dos oito autores são mestres em história, economia ou ciências sociais, um é Livre-Docente em economia e outro tem especialização em serviço social e administração de RH. Sete deles são professores universitários. Assim, o livro não podia deixar de ter a qualidade que possui.



Introdução O próprio título e a forma como foram organizados os artigos desse livro dão conta dos objetivos gerais propostos. Quando se lê Dimensões Regionais e Urbanas do Desenvolvimento Socioeconômico em São José do Rio Preto, é impossível desconsiderar a problemática que as diversas interpretações que o termo “desenvolvimento socioeconômico” gera nas muitas áreas das ciências sociais aplicadas. Essa obra não foge a esse debate deixando claro que o que os autores entendem por desenvolvimento transcende a lógica do crescimento econômico e, se é redundante dizer desenvolvimento socioeconômico, acredito que isso reforça o espírito multifacetado que este livro buscou na tentativa de explicitar melhor as “dimensões” “regionais” e “urbanas” propostas. Na primeira parte do livro buscou-se apresentar as características gerais, a evolução e o desenvolvimento econômico da região rio-pretense, em especial na sua vertente regional e urbana, como pode ser observado nos três capítulos que a compõem. Em suma, após uma breve apresentação da gênese do processo de desenvolvimento do noroeste paulista, com destaque para Rio Preto, o esforço seguinte foi o de demonstrar a dinâmica regional rio-pretense vis-à-vis o movimento mais geral da economia brasileira e paulista no final do século XX, com apontamentos interessantes para se pensar o início do século XXI (capítulos 1 e 2). Integrada a importantes áreas de agricultura e pecuária modernas e, distante, cerca de 500 km em relação à capital estadual, São José do Rio Preto apresenta certa proteção frente à concorrência extra-regional, o que lhe garante um mercado regional ponderável, com a constituição de importante estrutura produtiva mesoregional centrada na agroindústria, mas que rapidamente se diversificou, inclusive, para as atividades econômicas de comércio, serviços e indústria. Consolidado seu papel de entreposto comercial, transfor-mações urbanas significativas não tardaram a serem 11

sentidas em Rio Preto, com destaque para os elementos de crescimento, valorização urbana e desigualdade, os quais são apresentados através do mapeamento de indicadores de desigualdade intra-urbana e formas de ocupação do território. Soma-se a esse esforço um outro importante: o de apresentar os aspectos sobre legislação urbanística, segregação sócioespacial, suas relações com a política urbana ou com a ausência da mesma, com destaque para as ocupações dentro da área rural, em direção aos municípios vizinhos, apontando para a tendência de formação de aglomerações urbanas, muitas vezes ilegais (capítulo 3). Na segunda parte a preocupação central foi identificar quais os impactos e as respostas que geraram o processo de desenvolvimento econômico na cidade de São José do Rio Preto. Aqui se destacam uma importante caracterização do mercado formal de trabalho, as respostas do setor público municipal para a dinamização do emprego e renda no município e também no que se refere à habitação de interesse social. Ademais, buscouse, a partir de relatos dos trabalhadores informais, retratar uma cidade que a maioria vê, contudo não entende, isto é, a partir de relatos dos trabalhadores informais buscou-se apresentar uma realidade que, em que pese não ser nova, é desconhecida de muitos residentes da região. Pouca valia teria esse trabalho se não apresentasse na sua parte final um esforço de síntese e para, além disso, uma tentativa de desenhar políticas regionais de desenvolvimento. Um dos sintomas mais visíveis do crescimento econômico excludente é o desemprego. Este problema se manifesta nas cidades médias de muitas maneiras: a violência, as ocupações subnormais, a informalidade. Se expressa também na forma como o poder público age para resolvê-lo ou, ao menos, minimizá-lo. Nesse sentido, a segunda parte do livro trata especificamente dessas questões, a começar pela análise do emprego formal na cidade de Rio Preto. A década de 90 é marcada sobremaneira pelas mudanças da estrutura do mercado de trabalho brasileiro, o que, por sua vez pôde ser sentido em todas as regiões nacionais. Hoje, infelizmente, questões tão centrais para se pensar um Brasil menos desigual a longo prazo são 12

camufladas por discussões estéreis, tais como, o ideário do poder local. Problemas constatados em São José do Rio Preto, mas não exclusivos da cidade, tais como, a crescente dificuldade da massa de jovens trabalhadores em encontrar emprego, a redução relativa da participação das faixas de rendimento médio mais alto, que implica em redução da capacidade de consumo da população de trabalhadores empregados formais de baixa renda, e a falsa dicotomia entre qualificação e aumento do nível de emprego (capítulo 4) são questões a serem resolvidas não somente no município, mas, e principalmente, através de políticas públicas centralizadas na União, com planejamento de longo prazo. O programa de geração de minidistritos industriais como forma de política pública de incentivo e dinamização da atividade econômica, com forte ênfase para o planejamento integrado da cidade, vem sendo discutido e apresentado como iniciativa inovadora das políticas tradicionais em um contexto de redução da ação estatal como alavanca do investimento. A cidade de Rio Preto possui 13 projetos implantados e mais de 20 anos de história, gerando, segundo dados de 2005, 3.675 empregos diretos (capítulo 5). Uma leitura desatenta pode deixar transparecer que o município não apresenta problemas graves ou de difícil resolução. Contudo, Rio Preto tem presente elementos muito heterogêneos, em especial na área habitacional. A subnormalidade habitacional no município, após levantamento preliminar das ocupações irregulares e degradadas, teve como diagnóstico: 12 favelas, 5 loteamentos irregulares e 95 clandestinos, que totalizavam mais de 3.400 domicílios e uma população superior a 12.600 pessoas vivendo em áreas de risco, de proteção ambiental e de manancial, sujeitas a inundações e desabamentos. Diante dessa realidade, a prefeitura desenvolveu, em 2000, um projeto para uma área específica – o Parque da Cidadania – chamado de Programa Habitar Brasil, com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (capítulo 6). Os resultados, mesmo que parciais, revelam, entre outros méritos, o aumento do padrão de vida dos trabalhadores, 13

com respectivo aumento da acessibilidade a serviços e equipamentos públicos. Nenhuma análise das estruturas formais está completa sem um estudo correspondente das estruturas informais resultantes, paradoxalmente, do processo formal. A informalidade, contudo, é muito mais complexa de ser medida em números, em que pese ser visualmente constatada nos diversos núcleos urbanos nacionais, independentemente do porte das cidades. Na cidade de Rio Preto, a realidade não se mostra diferente. Existem na cidade três bolsões claros de informalidade, os ambulantes alocados na Praça Dom José Marcondes, os do entorno do Hospital de Base (HB) e, por fim, os informais alocados na Represa Municipal (capítulo 7). Torna-se imperativo, caso se pretenda desenvolver propostas de caráter estrutural, conhecer alguns dos desafios, dificuldades e os próprios limites vividos no cotidiano dos mais afetados pela exclusão, sem, entretanto, carregar essa análise de senso comum, na qual o ambulante seria apenas mais um marginal, no significado simplista do termo. Por fim, de nada adiantaria tratar temas tão conexos e importantes sem um esforço analítico de síntese e ação. As considerações feitas no decorrer do trabalho têm, no final, uma necessária apresentação das possíveis estratégias de desenvolvimento. Nessa análise, as diferenças e heterogeneidades não são encaradas como idiossincrasias, mas sim como oportunidades concretas de ação local/ regional (capítulo 8). As estratégias do desenvolvimento possível, diante do atual contexto, reforçam a importância do poder público enquanto articulador e planejador, de modo a dar compasso à forma descoordenada do crescimento socioeconômico-espacial. Diversas são as possibilidades na promoção do desenvolvimento regional, entre elas os Fóruns de Desenvolvimento Regional; Consórcios Públicos Intermunicipais; Agências de Desenvolvimento; Conselhos Públicos, etc. De antemão, avisa-se que essa leitura caminha no contra-fluxo da visão hegemônica que parte da idéia do poder local e, em sua vertente mais radicalizada, da endogeneidade do desenvolvimento local como forma de solucionar 14

problemas estruturais, e que se apresenta como elemento substancial na tentativa de eximir ou neutralizar a ação do Estado e a capacidade central da União de diminuição das desigualdades sociais e a redução dos problemas causados pela heterogeneidade regional brasileira.

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Dimensões Regionais e Urbanas do Desenvolvimento Socioeconômico em São José do Rio Preto

Parte 1

Características Gerais, Evolução Econômica e Desenvolvimento Urbano

1 Formação e Desenvolvimento Regional: evolução econômica da Região Administrativa de São José do Rio Preto Joelson Gonçalves de Carvalho 1.1 - Breve recuperação histórica A Região Administrativa (RA) de São José do Rio Preto localiza-se no noroeste do Estado de São Paulo sendo composta por 96 municípios, divididos em cinco Regiões de Governo (RG): Região de Catanduva, com 16 municípios; Região de Fernandópolis, com 12 municípios; Região de Jales, contando com 22 municípios; Região de Votuporanga, com 15 municípios e, por fim, Região de São José do Rio Preto, com 31 municípios. Muito da formação e da evolução de seu processo de desenvolvimento já foi exposto em estudos anteriores, em especial nos trabalhos A Interiorização do Desenvolvimento Econômico no Estado de São Paulo (1920-1980), e São Paulo no limiar do século XXI, ambos sob coordenação do Professor Wilson Cano, e no estudo de Luiz Antônio Teixeira Vasconcelos sobre as RAs de Rio Preto e Araçatuba. Contudo, em que pesem esses estudos, faz-se necessário aqui uma breve caracterização histórico-econômica a fim de reter as características de sua inserção preliminar na dinâmica da economia paulista e os traços principais para se investigar sua estrutura e dinâmica mais recente.

 Vasconcelos, L.A.T. Desenvolvimento Econômico e Urbanização nas Regiões Administrativas de São José do Rio Preto e Araçatuba. Campinas, 1992. Dissertação de Mestrado.

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1.2 - Da formação do “Oeste Pioneiro” à crise do café Até 1960, a Região Administrativa de São José do Rio Preto, junto com as RAs de Araçatuba, Presidente Prudente e Marília formavam a então conhecida Região do “Oeste Pioneiro”. A incorporação das terras mais a oeste do estado à dinâmica econômica paulista está intimamente ligada à expansão da cultura do café. Dentre os fatores mais importantes para a expansão cafeeira e da incorporação dessa região à dinâmica econômica paulista, podemos destacar a grande disponibilidade de terras pouco exploradas e o tipo de solo, com inclinações suaves e alta fertilidade. Com o declínio da atividade cafeeira no Vale do Paraíba, em meados do século XIX, os produtores de café começaram a buscar novas terras mais a oeste do estado. O café começou a ser plantado na região a partir de 1884, efetivando deste modo, um povoamento mais consolidado. O município de São José do Rio Preto tem sua origem em 1852, ano de fundação da Vila de São José do Rio Preto que, por sua localização geográfica, desde cedo começou a desempenhar o importante papel de entreposto comercial. Desde sua fundação constituiu-se em ponto de passagem estratégica para as comunicações através do sertão, servindo de pousada para tropeiros e facilitando o acesso aos mercados de Ribeirão Preto e Araraquara (Bruno, 1967). O caráter desbravador da colonização dessa área acarretou toda uma intensificação da agricultura que, por sua vez, trouxe rápidas implicações para a região. Aumentou o contingente populacional, tanto no campo como na cidade e acarretou o aumento dos núcleos urbanos. Em 1894, Rio Preto foi elevado à categoria de Município e, no mesmo ano, fundase a Vila de Catanduva. De forma mais geral, à medida que ocorria a incorporação dessas vastas (e novas) extensões de terras, processava-se o nascimento e a emergência de núcleos urbanos com capacidade para realização de atividades comerciais, estabelecendo, portanto, uma hierarquia das cidades paulistas. Cabe destaque: Jaú (1858), Ribeirão Preto (1870), Barretos (1874), São José do Rio Preto (1879) e Bauru (1880), entre outras. 24

Com a imigração, principalmente a partir de 1880, essas cidades foram se consolidando enquanto centros comerciais e de consumo, dado o entrelaçamento de atividades agrícolas, comerciais, bancárias, de transporte (ferroviários) e outros serviços. Os primeiros migrantes vieram de Minas Gerais, estado em decadência por causa da crise do ciclo do ouro, trazendo consigo, principalmente, a atividade pecuária. Posteriormente à ocupação feita por mineiros e baianos que se ocuparam das derrubadas de matas e abertura de áreas para exploração, a região conheceu outro forte processo migratório: os migrantes estrangeiros, notadamente os italianos, espanhóis, árabes, japoneses, sírios, armênios e libaneses que, possuindo menos recursos financeiros, adaptaram-se às profissões que a região demandava. A região de Rio Preto consolida-se como a região mais dinâmica do “Oeste Pioneiro” e seu município-sede como “capital da alta araraquarense”. Em grande parte, isso se deve à incorporação de novas terras à produção, além de sua cidadesede ir se construindo como “ponta de linha” da Estrada de Ferro Araraquara. Fundada em 1896, a Estrada de Ferro Araraquara (EFA) chega a Rio Preto com sua linha-tronco em 1912, mas por problemas financeiros, fica estacionada até 1933. Quanto às outras cidades que surgiram acompanhando a estrada de ferro pode-se dizer que, a partir destas, formouse uma divisão regional do trabalho, uma rede urbana mais densa e com relações sócio-econômicas mais consolidadas. Originou-se uma hierarquia entre essas cidades, capitaneadas no interior por Campinas e Ribeirão Preto e que, mais a oeste, teria em São José do Rio Preto um epicentro regional de segunda grandeza. A chegada da ferrovia a Catanduva, em 1910, e a Rio Preto, em 1912, é de extrema importância para o desenvolvimento da região. Após a chegada da ferrovia, muitos povoados aumentaram consideravelmente sua importância e puderam elevar-se à condição de município, para citar alguns  A esse respeito, ver: Diário da Região: Suplemento Especial, de 19 de março de 1995.  A EFA foi estatizada em 1919, sendo englobada pela Fepasa em 1971 e comparada pela Ferroban em 1998, via processo de privatização.

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exemplos: Catanduva (1917), Ibirá (1921), Tanabi (1924), Monte Aprazível (1924), Mirassol (1924), Uchoa (1925), Potirendaba (1925), Nova Granada (1925), José Bonifácio (1926) e Cedral (1929). Mesmo na qualidade de região recém-aberta e com uma economia voltada para pequenas unidades produtivas e de pessoas com baixa riqueza material, inseridas em uma agricultura pouco moderna, as três primeiras décadas do século XX não deixaram de ser de mudanças para toda região. Verifica-se um aumento populacional que, em 1920, sai de um patamar de 282 mil habitantes, para mais de 01 milhão em 1934 (Tartaglia e Oliveira, 1988). Para melhor compreender a formação, o desenvolvimento e a urbanização, não somente da Região Administrativa de São José do Rio Preto, como de todo o estado, é necessário ater-se, antes, à historicidade das relações sócio-econômicas estabelecidas entres os primeiros núcleos urbanos e entre estes e o campo. Apesar de parecer óbvio, essa afirmação não é de todo trivial. A contribuição de Cano (1998a) esclarece que, ao contrário das demais regiões brasileiras, no Estado de São Paulo, nem mesmo a crise do café (principal commodity) implicou em atrasos no desenvolvimento capitalista mais amplo. A forma como o sistema, denominado por Cano como “complexo cafeeiro”, organizou-se política e economicamente, propiciou tanto a garantia de alta lucratividade quanto a sua própria superação em favor da indústria, dirigindo-se para um modelo mais capitalista no campo, onde ganharam expressiva importância setores mais dinâmicos e capitalizados, mesmo que ainda não dessem a tônica do crescimento. Grosso modo, esse complexo cafeeiro apresentava além da sua atividade principal – o café – uma gama de outras atividades a ela relacionada. Cabe como exemplo, a  Digo economicamente, pois, conforme os apontamentos de Cano (1977), o complexo cafeeiro conseguiu superar os seus principais problemas, a saber, mão-de-obra e transporte, quanto à faceta política, as ligações dos “Barões do Café” com o Estado são conhecidas e cito apenas como exemplo, as políticas de valorização do café no primeiro quarto do século XX.

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agricultura tradicional, produtora de alimentos e matériasprimas, a incipiente atividade industrial, em especial a do beneficiamento, a implantação e o desenvolvimento do sistema ferroviário, as atividades de comércio, com destaque às atividades ligadas a importações e exportações e todo um conjunto de infra-estruturas como ferrovias, portos, armazéns, transportes urbanos, comunicações. Destaquem-se ainda as atividades ligadas à participação governamental na economia local, principalmente via gasto público (Cano, 1998b). As necessidades comerciais e financeiras para a comercialização e expansão das atividades agrícolas, a necessidade crescente de novos meios de transporte, com o deslocamento da produção do café para o Oeste, bem como as necessidades de novas máquinas, equipamentos, insumos, entre outros, fizeram com que se extrapolassem, para além das fazendas de café, as atividades complementares como bancos, estradas de ferro, fábricas têxteis, etc. Essas atividades foram, em grande medida, financiadas pelos excedentes financeiros do próprio complexo cafeeiro (Graziano da Silva, 1996). A exportação do café gerava, para além dos dólares utilizados na importação de alimentos, recursos para a aquisição de todos os bens necessários para as atividades urbanas e rurais, fossem eles bens destinados aos assalariados ou bens de produção (Cano, 1998b). Obviamente quanto mais se interiorizasse a produção do café rumo ao “Oeste Pioneiro”, maiores seriam os custos de transporte. Contudo, a elevada produtividade e a alta margem de lucro garantiram a expansão da produção sem maiores problemas. Depois, com a introdução da ferrovia, pôde-se adentrar mais nas terras a oeste com a redução do custo de transportes. Em outras palavras, apesar do alto custo da manutenção dos escravos, cinco anos antes da abolição formal da escravatura, a ferrovia já havia atingido, na época, porções extremamente onerosas em termos de distância, como por exemplo, Ribeirão Preto, compensando dessa forma o aumento do custo da mão-de-obra pela redução dos custos de transporte. Todavia, quando a mão-de-obra escrava tornou-se inviável à acumulação de capital, a imigração européia resolveu 27

essa questão via introdução do trabalho livre e o conseqüente aumento da divisão social do trabalho. A transição entre a economia baseada no complexo exportador cafeeiro e a industrialização, segundo Cano (2000:162), deu-se nos anos 20 e teve “extraordinário desenvolvimento capitalista não apenas expandindo o café, mas também alterando sua estrutura produtiva: crescem e se diversificam a agricultura, a indústria de transformação, os bancos nacionais e várias atividades terciárias”. Em resumo, entre os anos de 1910 e 1930, a região oeste e, principalmente o município de São José do Rio Preto, acelerou seu desenvolvimento urbano, com o surgimento de novos núcleos urbanos e o fortalecimento dos já existentes e dinamizou sua agricultura com o plantio de café, a chegada da ferrovia e, após a crise de 29, o plantio de algodão. Com a crise de 29, desestruturam-se as bases de sustentação do modelo primário-exportador nacional, com impactos diferenciados sobre todas as regiões brasileiras, sendo que, em São Paulo, o impacto dessa crise será sentido de forma heterogênea do ponto de vista intra-regional. Consolida-se o centro dinâmico da economia nacional – a cidade de São Paulo – e fortalecem-se os elos econômicos desse centro polarizador com seu interior e com os demais estados brasileiros. Não só em Rio Preto como em todo o Oeste Paulista, contudo, demorou-se mais a sentir os reflexos da crise do café, com a redução brusca dos preços dessa commodity no mercado internacional. Isso pode ser explicado, segundo Vasconcelos (1992), pela razão entre o número de cafezais novos e o total de pés de café, que chegava a 50%. Durante os anos seguintes à crise de superprodução, a maturação dos novos cafezais proporcionou sobrevida à região, mesmo com a prática de preços muito deprimidos. Segundo Milliet (1938:79): “Sem dúvida a crise de 1929 irá retardar o progresso da zona toda. Mesmo assim, foi  Especificamente sobre o problema da mão-de-obra na economia cafeeira ver Furtado, C. (1959), em especial capítulos XXI a XXIV.

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fabuloso, a produção incrivelmente elevada tendo permitido a permanência de uma cultura em pleno traumatismo econômico. Até 1935 não se cuidou na Região de outra coisa a não ser de café.” Posteriormente, o algodão veio compensar a queda dos preços do café, dando um novo impulso à região, aproveitando a infra-estrutura ferroviária e fortalecendo a cidade de Rio Preto como entreposto comercial com a instalação das primeiras atividades industriais, a saber: SANBRA (Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro), Anderson Clayton, SWIFT e das Indústrias Matarazzo. Todas com o objetivo de beneficiar o algodão, destinado aos mercados interno e externo (Vasconcelos, 1992) e (Bolçone, 2001). 1.3 - O período de 1930/55: a articulação comercial A Grande Crise de 1929 terá impactos de extrema relevância para o conjunto da economia nacional pós-30. Do ponto de vista interno, quebra-se a “espinha dorsal” do modelo primário-exportador, limitando bastante o poder econômico e político da então elite dominante. Do ponto de vista internacional, as restrições causadas pela crise, em especial as limitações de créditos e as dificuldades de importação, conferem à industrialização nacional prioridade para a política econômica, na busca de maior autonomia. Em que pesem as dificuldades na consolidação de uma indústria mais robusta, composta por setores conhecidos como Departamento de Bens de Produção e Capital, na economia brasileira naquele momento, a recuperação econômica realiza-se sob o comando do setor industrial. Segundo Negri, “entre 1933 e 1939 vamos assistir a um surto industrial no país, com taxas de crescimento da ordem de 11,2% ao ano, bem superior à taxa média anual de 5,7% verificada no período de 1919/39” (1996: 60). São Paulo concentrava a quase totalidade das inversões industriais e paralelamente estava em curso a expansão e diversificação de uma agricultura mercantilizada e moderna. Em termos  Juntem-se a isso as limitações políticas decorridas da Revolução de 30 e do insucesso da campanha de 32. A esse respeito ver Dean, W. (1971).

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regionais, segundo Vasconcelos, “observa-se extraordinário avanço da frente de ocupação e incorporação de novas terras à agricultura paulista, sendo que o chamado Oeste Pioneiro passa a participar com um peso fortemente crescente no conjunto da produção agrícola e pecuária do Estado”. (1992:109). A Região Oeste do Estado de São Paulo consolida-se, nas décadas seguintes à crise, como importante produtora das principais culturas exportáveis do Brasil, como café e algodão, ao mesmo tempo em que ganha expressiva importância na produção de alimentos como arroz, feijão e milho, destinados em sua maioria aos núcleos urbanos mais centrais do Estado. Em suma, pode-se dizer que a integração da região oeste realizou-se durante o processo de industrialização que se desenrolava de forma bastante específica, sendo considerada, em meados da década de 30, como a principal área produtora agrícola de todo o estado (Tabela 1.1). Tabela 1.1 - Participação do Oeste Paulista na Área Cultivada e no Total da Quantidade Produzida no Estado para alguns Produtos Agrícolas. 1931/33

1920 Produtos



1936 e 1938

Área (%)

Quant. (%)

Área (%)

Quant. (%)

Área (%)

Quant. (%)

Café

8,4

5,4

32,9

29,2

34,6

38,8

Algodão

13,2

13,2

14,3

14,5

33,5

35,2

Arroz

33,4

34,4

39,3

40,8

46,4

50,9

Feijão

20,2

20,1

27,7

30,8

27,8

28,6

Milho

18,9

18,8

17,7

28,5

30,5

33,4

Fonte: Tartaglia, J.C. e Oliveira, O.L. (1988). Apud Vasconcelos, L.A.T (1992:21)

A Divisão Regional Agrícola (DIRA) de São José do Rio Preto apresentou o seguinte comportamento: em 1920, tinha 6,7% de área cultivada, em um total de 2,7 milhões de

 Regionalização da Divisão Regional Agrícola (DIRA), formulada pela Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. O recorte regional utilizado como base parte das Regiões Administrativas, contudo dada à necessidade de dados comparáveis entre si, serão utilizados em alguns momentos a divisão feita pela Secretaria da Agricultura, vigente no período de 1967 a 1980.

30

hectares; no final da década de 20, esse percentual chegou a 28% do território da DIRA. Além dos produtos apresentados para o oeste como um todo, destaca-se na região de Rio Preto, já nesse período, a cana-de-açúcar, a laranja e a pecuária, sendo que, esta última terá, nos anos 60, seu período de maior expansão e consolidação (Tartaglia e Oliveira, 1988). Paralelamente à crescente articulação mercantil da região oeste na dinâmica econômica estadual, entre o período de 1937 e 1956, tem-se a ampliação da rede urbana regional, com a criação de diversos municípios, consolidando a centralidade de Rio Preto, ao lado de Araçatuba, Marília e Presidente Prudente. Nesse período, amplia-se consideravelmente a rede urbana sob sua influência com a criação, só nos anos 40, de 64 novos municípios. A articulação comercial que se estabelece, entre a região de Rio Preto e as demais regiões do Estado, deu-se a partir de uma produção agrícola diversificada que conciliou pequenas, médias e grandes propriedades em seu espaço. Compôs-se uma classe média rural que irá sustentar o poder econômico urbano. Esse processo também favorece outros centros regionais como: Catanduva, Votuporanga, Fernandópolis e Jales que, posteriormente, se tornarão sedes de Regiões de Governo e também alguns núcleos urbanos próximos a São José do Rio Preto como: Mirassol, Tanabi, Olímpia e José Bonifácio, entre outros (SEPLAN, 1978). Articulada a estes movimentos da rede urbana em expansão desenvolve-se a indústria de transformação, mesmo que de modo tímido e incipiente. A participação da indústria de transformação da região, apesar de crescente, foi bastante diminuta em relação ao total estadual. Entre os anos de 1928 e 1937, o número de estabelecimentos cresceu de 3,6% para 4,5%; o número de operários de 0,5% para 1,6% e o valor do capital aplicado de 0,4% para 1,0% respectivamente, ou seja, apesar do notado crescimento, sua expressão é reduzida, se comparado ao conjunto da economia paulista. Resumidamente, essa região – uma das mais afastadas do centro metropolitano estadual – desenvolveu uma indústria  Dados elaborados a partir de Estatística Industrial de São Paulo, 1928 e 1937 e apresentados em Negri, B. (1996).

31

tradicional, voltada para os setores mais simples como alimentar e têxtil. No período seguinte, caracterizado pela consolidação da articulação comercial e o início de uma integração produtiva mais consistente, essa indústria, até então tradicional, terá uma ampliação para os ramos de vestuários, mobiliário, e de minerais não-metálicos. 1.4 - O período pós-1956: integração produtiva Até meados da década de 50, a mudança mais significativa na economia brasileira é a suplantação do setor agro-exportador pelo setor industrial, setor esse que passa a ser determinante para a reprodução da força de trabalho, cabendo destaque para os bens de consumo que determinavam o crescimento dos outros setores. Os bens de consumo nãoduráveis correspondiam, em 1956, a 45,5% do Valor da Transformação Industrial, seguidos pelos bens intermediários, com 38,3% e o de bens de capital, com 16,4% (Semeghini, 1988). Na segunda metade dos anos 50, rompem-se os constrangimentos à industrialização nacional em bases mais capitalistas, típicos da fase anterior, dados pela fragilidade das bases técnicas e financeiras do capital (Cardoso de Mello, 1975). O período que se inaugura – o da industrialização pesada – a partir de 1956, trará mudanças extremamente relevantes para a dinâmica econômica e para o processo de urbanização paulista. A região oeste que, no período anterior (até 1955), destacara-se pela dinâmica do setor agrícola, passa a apresentar uma ligeira queda na participação do valor da produção agrícola, entre 1958-59 e a média do triênio de 1969-71, sendo São José do Rio Preto a única região que apresenta crescimento de 11,4% para 14%. Essa diminuição da participação de grande parte da região, com exceção a Rio Preto, deve-se ao auge das regiões de Campinas e Ribeirão Preto na produção agrícola. E  Para efeitos didáticos o VTI é um indicador que mede o grau de importância dos diversos tipos de bens no total da indústria. A tabela 1.3 mostra quais tipos de bens a economia produz.

32

o fato explicativo para que Rio Preto apresentasse tendência contrária às demais regiões, foi a diversificação das culturas que, em termos gerais estavam divididas em: café (35%), milho (16%), arroz (15%), algodão (14%), cana (6%), laranja (4%), amendoim (3%), mandioca (3%) e tomate (2%)10. No que tange à pecuária, o grande impulso regional nessa atividade se deu durante a década de 60. No momento em que o café começou a encontrar dificuldades no mercado internacional e a política agrícola estimulou a erradicação dos cafezais como forma de controle de preços, ampliaramse de forma substancial as áreas de pastagem e as atividades pecuárias na região. Outro fator que contribuiu para o avanço da pecuária na região foi a implantação do Estatuto do Trabalhador Rural que definia critérios mais claros para assalariamento, parceiras e arrendamentos. Isso estimulou os produtores regionais a se dedicarem à pecuária, reduzindo o número de trabalhadores nas propriedades (SEPLAN, 1978). Conforme amplamente discutido em literatura especializada da área regional, têm-se neste vasto período da industrialização brasileira (1930-1985) dois movimentos bem demarcados: 1930/70 e 1970/85. A distribuição espacial da atividade industrial é marcada pelo processo de concentração em São Paulo (1930/70) e de desconcentração da indústria paulista rumo, primeiro ao interior do estado e, em seguida, a outros estados da federação (1970/85)11. Esse movimento é facilmente percebido pelo aumento da participação dos municípios da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), exclusive a capital, que de 15,5% em 1956 passa para 43,7% em 1970 e também pelo aumento da participação do interior paulista (Estado – RMSP), saindo de 28,9% em 1960, para 29,3% em 1970, alcançando em 1980 o patamar de 41,3% do valor da produção industrial. No que diz respeito à indústria regional, o movimento é semelhante à agricultura; há também perda de participação 10 Vasconcelos, 1992. Valor da Produção Agrícola, média do triênio 1969-71. 11 Cano, 1998b.

33

do valor da produção industrial a partir de 1956, saindo de um patamar de 8,4% para chegar ao final da década de 70 com apenas 4,7%. demonstra o movimento industrial nas diversas regiões do Estado de São Paulo. Tabela 1.2 - Distribuição Espacial a Nível Regional do Valor da Produção Industrial (VTI) do Estado de São Paulo – 1956/1980. Região

1956

1960

1970

1980

66,6

71,1

70,7

58,6

Capital

51,1

51,7

43,7

30,0

Outros

15,5

19,4

27,0

28,6

Interior

33,4

28,9

29,3

41,3

Campinas

10,3

8,9

10,5

15,4

Litoral

3,9

4,3

4,2

6,6

Vale do Paraíba

2,0

2,0

3,0

5,9

Sorocaba

3,9

3,0

2,3

3,9

Ribeirão Preto

4,9

3,9

3,6

4,8

Bauru

2,1

1,3

1,1

1,4

São José do Rio Preto

1,6

1,0

1,0

1,0

Araçatuba

1,1

1,1

0,8

0,6

Presidente Prudente

1,7

1,9

1,3

0,8

Marília

1,9

1,4

1,3

0,9

RMSP

Fonte: Censos Industriais e Pesquisa Industrial de 1956, FIBGE.

Pelos dados apresentados, percebe-se o duplo movimento da indústria paulista que, em um primeiro momento, concentrase na RMSP (1930-70); e desconcentração a partir não só da Grande São Paulo como de todo o Estado no sentido das demais regiões paulistas e brasileiras (1970-85). Este último teve como particularidade a redução da participação da Região Metropolitana de São Paulo no VTI nacional e a “interiorização da indústria paulista” que privilegiou, principalmente, as regiões de Campinas, São José dos Campos, Ribeirão Preto, Sorocaba e Santos (Cano, 1988).

34

São José do Rio Preto sai de posições insignificantes no que se refere a participação na produção industrial (menos de 0,5%) nos três primeiros anos da década para, a partir de 1940, apresentar uma expansão bastante expressiva, em termos percentuais, chegando a ter 1,72% em 1950. Contudo, neste ano foi a menor participação registrada entre todas as Regiões Administrativas do Estado. Por seu turno, a partir de 1956, o peso relativo no produto industrial começou a declinar, estabilizando-se em valores próximos de 1,0%. A estrutura da indústria regional que até o período anterior estava restrita a pequenas oficinas de beneficiamento da produção agrícola, em especial na cadeia produtiva do algodão, começa a diversificar-se. Observa-se o aparecimento dos ramos mobiliário, gêneros alimentícios e de confecções. Nesse período, as relações econômicas da região de Rio Preto com outras regiões fora do Estado de São Paulo começam a se fortalecer, notadamente com o Centro-Oeste e Triângulo Mineiro, regiões impactadas com a criação de novos mercados após a fundação de Brasília (SEPLAN, 1978). Mesmo tendo uma fraca presença da indústria de transformação em termos relativos, é importante verificar quais grupos e ramos industriais apresentam relevância na região. Pelos dados apresentados na Tabela 1.3, na estrutura industrial da região percebe-se a supremacia do setor de bens de consumo não-duráveis, em especial, o ramo de alimentos. São nítidos também os impactos positivos que sofreu a indústria de bens de capital e bens de consumo duráveis na região durante o período caracterizado pelo processo de desconcentração industrial.

35

36 0,98 9,26 3,09

Metalurgia

Outros

Grupo III

0,55

Material Elétrico

Outros

0,8

0,05

2,45

0,33

3,63

8,92

1,84

16,47

0,38

27,61

14,16

49,17

4,72

0,71

1960 68,76

1,29

1,21

2,46

3,43

8,39

6,37

3,04

9,29

0,85

19,55

14,25

52,05

4,69

1,07

1970 72,06

2,22

0,41

3,57

2,95

9,15

9,15

5,79

11,12

0,82

26,88

13,8

44,69

5,04

0,44

1975 63,97

ESTABELECIMENTOS

3,28

0,94

2,29

2,74

9,25

7,33

6,14

14,4

0,61

28,48

16,97

37,81

6,75

0,74

1980 62,27

0,17

0,02

2,05

0,5

2,74

8,22

1,29

16,07

11,46

37,04

17,9

32,45

7,55

2,32

1956 60,22

0,69

-

2,39

1,48

4,56

7,11

5,86

18,01

3,15

34,13

16,56

37,93

5,95

0,87

1960 61,31

0,83

1,65

2,38

3,51

8,37

5,55

4,08

7,49

2,57

19,69

23,99

35,06

10,56

2,33

1970 71,94

2,24

1,79

4,79

5,93

14,75

7,86

6,5

7,88

1,33

23,57

23,1

27,53

9,95

1,1

1975 61,81

OPERÁRIOS

Fonte: FIBGE, Censo Industrial 1960, 1970 e 1980 e Pesquisa Industrial de São Paulo 1956. Notas: Grupo I - Indústrias predominantemente produtoras de Bens de Consumo Não-Duráveis. Grupo II - Indústrias predominantemente produtoras de Bens de Intermediários Grupo III - Indústrias predominantemente produtoras de Bens de Capital e Consumo Duráveis

2,1 0,05

Material de Transporte

0,39

15,69

Minerais Não-Metálicos

Mecânica

1,52

27,45

Grupo II

Química

46,57 13,87

7,89

Vestuário

Outros

1,13

Têxtil

Alimentos

1956 69,46

Grupo I

GRUPOS E RAMOS

3,72

2,53

3,2

4,72

14,17

5,01

8,27

7,85

3,04

24,17

29,61

19,24

11,75

1,06

1980 61,66

Tabela 1.3 – Estrutura da Indústria de Transformação, segundo Grupos e Ramos da Região de São José do Rio Preto, 1956-1980.

0,44

0

1,36

0,62

2,42

4,36

2,1

7,49

5,17

19,12

10,92

56,25

2,05

9,24

0,46

1,05

1,16

2,21

4,88

2,9

2,13

3,65

4,74

13,42

15,96

51,23

3,88

10,63

1,24

1,98

2,57

4,94

10,73

4,81

3,59

4,19

3,03

15,62

19,35

48,05

4,56

1,69

2,24

2,24

1,81

3,61

9,9

2,99

5,11

4,26

11,03

23,39

24,85

34,1

5,91

1,85

VALOR DA TRANSFORMAÇÃO INDUSTRIAL 1960 1970 1975 1980 78,46 81,7 73,65 66,71

O ramo de Alimentos, que representava 46,57% de todos os estabelecimentos industriais em 1956, chega a 52,05% em 1970, para depois perder participação: 44,69% (1975) e 37,81% (1980). Quanto ao número de operários, na indústria alimentícia, a queda da participação foi ainda mais drástica: em 1956 representava 32,45% de toda a mão-de-obra industrial empregada; em 1975 possuía 27,53% e em 1980 tinha se reduzido para 19,24%. No que se refere ao Valor da Transformação Industrial (VTI), em que pese a ausência de dados para 1956, podemos aquilatar a importância da Indústria de Alimentos que, para o ano de 1960, respondia por 56,25% do total regional. Esses valores se reduziram 8,9%, de 1960 para 1970 e 6,2% de 1970 para 1975. O período de 1975 a 1980 apresentou ainda maior queda (29%), terminando a série com uma participação regional de 34,10%, o que significa uma perda acumulada, em 20 anos, acima de 39%. Apesar da drástica redução da indústria ligada ao ramo de Alimentos, esta continuou sendo a atividade econômica mais relevante no período. Também o Grupo I, Produtor de Bens de Consumo Não-Duráveis, apesar das reduções significativas no seu principal ramo, apresentou quedas menos expressivas em seu conjunto, dado o aumento da rubrica Outras Atividades. O Grupo II, representado pelas indústrias intermediárias, apresentou comportamento distinto. Manteve-se estável no número de estabelecimentos, com pequena elevação no total do período analisado, de 27,45% (em 1956) para 28,48% (em 1980). Apresentou redução na absorção da mão-de-obra empregada que, em 1956 representava 37,04%, chegando a 1980 com 24,17% do total dos operários da indústria regional. Contudo, este grupo apresentou significativo aumento no VTI regional, passando de 19,12% para 23,39% entre os anos extremos do período. Dentre os ramos que compõem o Grupo II, pode-se notar a perda da importância dos Minerais Não-Metálicos e da Indústria Química no número de empregados, pari passu ao crescimento da Indústria Metalúrgica. Nota-se também a redução dos Minerais Não-Metálicos no VTI e o aumento 37

da importância das Indústrias Química e Metalúrgica, que mais que dobraram sua participação no período, sendo que a Química passa a ter o maior peso no VTI da região. No que se refere ao número de estabelecimentos, só a Indústria Metalúrgica cresce (de 0,98% em 1956 para 6,14% em 1980); contudo, a Indústria de Minerais Não-Metálicos mantém a sua alta participação, encerrando a série com 14,40% do número de estabelecimentos da indústria de transformação na RA de São José do Rio Preto. Quanto ao Grupo III, apesar de ser, dentre todos, o de menor participação na estrutura da indústria de transformação da região, foi o único que apresentou um processo de crescimento estável durante o período. Cabe destaque para a Indústria Mecânica que apresentou crescimento na participação do número de estabelecimentos, no número de operários e também no VTI. O Material de Transporte, que no início do período se mostrava o ramo industrial mais consolidado do Grupo III, no final da série, dividia importância com Mecânica e Material Elétrico. Isso não causou perdas em valores absolutos a algum desses setores, contribuindo de forma geral para o bom desempenho da Indústria de Bens de Capital e de Consumo Duráveis na região, que apresentou crescimento em todas as variáveis apresentadas. Os dados apresentados sobre a indústria de transformação na região deixam claro que, apesar de uma participação relativamente pequena para o Estado de São Paulo como um todo, houve crescimentos absolutos consideráveis. Isso, por sua vez, trouxe rebatimentos no processo de urbanização na região oeste. “Observa-se um incremento do emprego no setor secundário, que em 1970 responde por cerca de 12% do total do emprego da região e aumenta ainda mais o peso do total da ocupação urbana no conjunto das ocupações: cerca de 47% das pessoas empregadas estão nas cidades da região”. (Cano, 1992:114). 1.5 - O papel da agricultura A diversificação da agricultura paulista deveu-se em grande parte a duas ordens de fatores. O primeiro, de natureza 38

mais endógena, ocorreu com a expansão da área agricultável para o oeste, com os donos de terras “velhas” passando a vender suas propriedades, em busca de solos mais férteis, propiciando assim um fracionamento das terras velhas e um aumento das culturas plantadas nas antigas áreas destinadas ao plantio do café. O segundo, de ordem mais exógena, consistiu na eclosão da Primeira Guerra Mundial, ocasionando uma forte retração nas importações e, dentre elas, alguns itens alimentares, ampliando a produção interna de alimentos (Tartaglia e Oliveira, 1988). O processo de diversificação agrícola inicia-se já no último quartel do século XIX e, a partir de então, com o aumento das novas culturas e o incremento tecnológico no campo, transforma a agricultura paulista na mais moderna, dinâmica e diversificada do país. Apenas como exemplo, citase a cultura do algodão, cuja safra em 1931 atingiu cerca de 10.000 toneladas, saltou para 446.643 toneladas em 1946, chegando a apresentar a cifra de 740.000 toneladas no período de 1939/40. Em grande parte, a cultura do algodão (cunicultura) esteve associada à pequena produção indireta (meeiros e arrendatários). Isso se deveu, em primeiro lugar, pelo caráter temporário dessa cultura que estava substituindo o café, então em crise. Em segundo lugar, porque não eram necessárias grandes inversões de capitais, aliado ao fato da rapidez no ciclo produtivo12. No Oeste e, mais especificamente na região de Rio Preto, as culturas do café e do algodão conviveram juntas sem grandes contradições. As cidades de Tanabi, Monte Aprazível e Nhandeara formavam uma importante área plantada de algodão; já São José do Rio Preto e Mirassol destacavam-se pela produção de café. Isso se deve ao fato de o algodão ser uma cultura desbravadora de novas áreas, extremamente útil aos interesses imobiliários da época. Fatores externos contribuíram para a expansão do algodão em São Paulo. A alta do preço do produto no mercado internacional, em meados da década de 1910, com conseqüente 12 Monbeig (1998). Pág. 281 e seguintes.

39

elevação do preço do produto no mercado interno, ocasionaram a substituição do algodão nordestino pelo produzido no próprio estado. Com a Segunda Guerra Mundial, houve novo surto da produção nacional, dado o aumento da demanda externa e a nova elevação do preço do produto. Entretanto, findada a Guerra, outros países, com algodão de melhor qualidade e menor custo, entraram no mercado internacional, provocando importantes mudanças na produção brasileira de algodão. Segundo Tartaglia e Oliveira (1988), a produção algodoeira, em São Paulo, reduziu-se em função desses fatos e, a partir dos anos 60, a cultura passou a vincularse às indústrias têxteis e alimentícias. Assim, instalaram-se na região Anderson Clayton, Sanbra, Swift, entre outras. Essas empresas passaram a desenvolver diversas funções, dentre as quais, o financiamento da lavoura, a prestação de serviços na área de assistência técnica à comercialização do produto e, depois da crise dos preços internacionais, a produção de óleos. As alterações pelas quais passou São José do Rio Preto e a região sob sua influência, não ficaram restritas à agroindústria local. Os dados da estrutura fundiária e da utilização do solo rural mostram que ocorreram sensíveis oscilações a partir de 1950, caracterizando um comportamento pouco homogêneo intra-regionalmente. Entre os anos de 1950 a 1960, ocorreu uma retração da área ocupada por lavouras tanto permanentes quanto temporárias (Tabela 1.4). Nesse mesmo período, as áreas de pastagens cultivadas ampliaram sua extensão. Dentro dos limites da RA, o que ocorreu foi uma redução das áreas de lavoura tanto da RG de Fernandópolis quanto da de Jales, e um aumento da área de pastos plantados nas RGs de Jales e Catanduva, demonstrando bem a opção pela atividade pecuária (Tabelas 1.5 e 1.6). Quanto à estrutura fundiária, ocorreu no período de 1950 a 1960, um forte aumento, tanto no número de estabelecimentos quanto na área total por eles ocupada. Este fato está relacionado com o processo de ocupação territorial mais recente (Tabela 1.7). As Regiões de Governo de Jales, 40

Votuporanga e Fernandópolis foram integradas ao sistema viário estadual, de modo satisfatório, só a partir de 1950, com a implantação da Rodovia Euclides da Cunha e a ampliação da extensão da Estrada de Ferro Araraquarense (EFA). No decênio seguinte (entre 1960 e 1970), a área de pastagem continuou a crescer continuamente, agora em detrimento de áreas nativas. As lavouras permanentes também continuaram apresentando queda, devido, em grande parte, ao desestímulo sofrido na cafeicultura. Os maiores aumentos do período foram registrados nas áreas destinadas às lavouras temporárias em toda a região, e com mais ênfase nas RGs de Rio Preto e Catanduva, configurando claramente uma substituição de culturas no período. O crescimento da área de pastagens cultivadas, entre 1960 e 1970, é de suma importância para a região, que irá ser no futuro uma das mais importantes áreas pecuaristas do estado. Entre outros fatores, o processo de concentração fundiária pelo qual passou a RA, contribuiu para a consolidação da pecuária na região (Tabelas 1.4 e 1.6). Além disso, a instabilidade dos preços agrícolas estimulou pequenos e médios proprietários a substituírem as lavouras por pastagens, cujo rendimento é menor, contudo menos incerto. Por fim, outro fato que auxiliou a entrada de pastagens cultivadas na região foi a facilidade de adaptação do capim colonião ao solo. Entre 1970 e 1975, ocorreu uma nova inversão no que se refere às áreas ocupadas por lavouras. As culturas permanentes passam a se expandir e as temporárias se retraem, refletindo o comportamento dos preços dos produtos no mercado (SEPLAN, 1978). Na Região de Catanduva, única região onde a área destinada às lavouras permanentes não diminuiu, chega a ter, em 1975, cerca de 50% de sua área agricultável com lavouras permanentes, notadamente a laranja. Em grande medida, todas as Regiões de Governo apresentaram aumento das culturas permanentes, aumento esse inferior à área liberada pelas lavouras temporárias. A área restante foi ocupada por pastagens cultivadas que durante todo o qüinqüênio 1970/75 continuou a crescer na RA. 41

42 801.076

Pastagem Plantada  

100%

64%

36%

100%

58%

42%

%

1.995.605

1.312.270

866.354

445.916

683.335

393.915

289.420

ha

1960

 

100%

66%

34%

100%

58%

42%

%

1970

2.116.291

1.384.900

1.015.458

369.442

731.391

537.580

193.811

ha

Fonte: Censos Agropecuários, IBGE: 1950, 1960, 1970 e sinopse de 1975. In: SEPLAN, 1978:163.

1.939.035

446.672

Pastagem Natural

Total Geral

691.287

Total

1.247.748

397.614

Lavoura Temporária

Total

293.673

Ha

1950

Lavoura Permanente

Forma de Ocupação

AREA OCUPADA (HA)

 

100%

73%

27%

100%

74%

26%

%

Tabela 1.4 – Evolução da Área Ocupada por Lavouras e Pastagens na RA de São José do Rio Preto no Período de 1950/1975. 

2.061.961

1.452.784

1.238.284

214.500

609.177

344.364

264.813

ha

1975

 

100%

85%

15%

100%

57%

43%

%

43

69.246 107.555

78.072

74.788 42.017

27.272

20.223

82.627 82.527

83.462

65.538 112.413

50.800

54.565

56.773 159.927

61.547

28.780

20.740

17.092 83.633

61.740

66.370

82.331

51.423

56.237

98.380 186.868

222.964 182.908 131.491 91.798 1.247.748

Catanduva

Votuporanga

Fernandópolis

Jales

Total

1950

446.672

27.098

52.471

46.581

74.395

246.127

Natural

96.092

131.489

182.905

297.582

604.202

Total

801.076 1.312.270

64.700

79.020

136.327

148.569

372.460

Plantada

1960

415.416

26.332

52.969

46.578

43.395

246.142

Natural

Fonte: Censos Agropecuários, IBGE: 1950, 1960 e 1970. In: SEPLAN, 1978:169.

618.587

Total

SJ do Rio Preto

Regiões de Governo

165.732

167.274

172.319

216.618

689.957

Total

866.354 1.411.900

69.760

79.020

136.327

223.187

358.060

Plantada

51.471

34.489

36.529

88.042

144.677

143.308

145.026

90.262

492.185

Plantada

30.860

16.934

19.708

98.826

396.442 1.015.458

21.055

23.966

27.293

126.356

197.772

Natural

1970

Tabela 1.6 - Evolução da Área (em ha) de Pastagens no Período 1950/1970

Fonte: Censos Agropecuários, IBGE: 1950, 1960, 1970 e sinopse de 1975. In: SEPLAN, 1978:168.

46.270

50.800

54.565

56.764 139.400

115.516

27.272

20.223

82.627

728.617 293.673 347.614 683.335 289.420 393.915 733.408 193.867 539.494 609.177 264.813 344.364

Temp.

98.485 133.833

Perm.

Total

Total

Jales

Temp.

65.708 229.371 232.318

Perm.

114.862

Total

Fernandópolis

Temp.

74.788

Perm.

139.391

Total

1975

Votuporanga

Temp.

1970

Catanduva

Perm.

1960

284.060 117.281 116.239 283.520 117.281 166.239 295.079

Total

1950

SJ do Rio Preto

Região de Governo

Tabela 1.5 - Evolução da Área (em ha) de Lavouras Permanentes e Temporárias no Período 1950/1975.

Tabela 1.7 – Evolução da Estrutura Fundiária da RA de São José do Rio Preto no Período de 1950/1970 Estratos de Área (ha)

1950

1960

1970

Nº Estab

Área

Nº Estab

Área

Nº Estab

Área

de 0 a 10

26,32

1,84

43,34

4,97

34,22

3,77

de 10 a 50

44,74

12,97

37,69

17,18

45,72

20,43

de 50 a 200

21,44

22,77

14,05

26,58

15,42

27,85

de 200 a 500

4,91

16,72

3,21

19,6

3,32

19,12

Acima de 500

2,58

45,71

1,65

32,66

1,31

28,83

Fonte: Censos Agropecuários, IBGE: 1950, 1960 e 1970. In: SEPLAN, 1978:169.

Além das mudanças próprias da RA de Rio Preto, outros fatores afetaram a agricultura em geral e acarretaram alterações cruciais na dinâmica agrícola paulista e brasileira. Como exemplo, tem-se a expansão da utilização de componentes químicos (corretivos de solos, controladores de pragas e doenças) e o incremento tecnológico, dado principalmente pelo aumento do número de tratores13. Tabela 1.8 – Total de Tratores por DIRA do Estado de São Paulo. DIRA São Paulo Vale do Paraíba Sorocaba Campinas Ribeirão Preto Bauru S. J. Rio Preto Araçatuba Presidente Prudente Marília Total

Número de Tratores 1970 7.643 1.907 7.627 10.481 14.938 3.632 7.701 4.053 3.936 5.296 67.214

1980 8.774 2.836 18.348 21.447 31.224 8.740 16.684 9.008 9.240 12.438 138.739

Fonte: Censos Agropecuários de 1970 e 1980. Apud: Cano, W (coord.), 1992. p.206

Apesar do expressivo aumento do número de tratores, na DIRA de São José do Rio Preto, houve uma redução da participação na área cultivada do Estado, de 17,96% para 12,36%, entre os triênios 1969-71 e 1979-81, respectivamente. 13 A esse respeito ver Kageyama (1985).

44

Isso foi resultado de uma especialização do setor primário regional através da substituição de atividades exportáveis tradicionais, exclusive o café, e de lavouras de mercado interno, notadamente milho, arroz e mandioca, por culturas exportáveis dinâmicas, como a pecuária bovina, tanto de corte como de leite e agro-energéticas, como a cana-de-açúcar (Igreja e Camargo, 1992). Ou seja, o setor agrícola passa a se interligar com o mercado externo, deixando à margem as culturas tradicionais, configurando uma nova fase da dinâmica econômica agrícola regional, a produção de commodities em larga escala. Durante toda a década de 80, a agricultura brasileira estará em foco. O período é marcado, principalmente, pelo debate crescimento econômico versus pagamento da dívida externa. Os objetivos das políticas agrícolas do período consistiam na intensificação de um modelo amplamente tecnificado e gerador de superávits. Como resultado, esse esforço exportador trouxe a modernização da atividade agrícola e o entrelaçamento das relações entre indústria e agricultura14, gerando excedentes de mão-de-obra e inchaços populacionais nos centros urbanos mais dinâmicos. Esse é o caso de São José do Rio Preto. 1.6 - Evolução populacional e consolidação das funções urbanas As principais regiões interioranas receptoras de fluxos migratórios com origem na RMSP também se destacaram pela absorção de fluxos migratórios oriundos de regiões próximas ou circunvizinhas, configurando a formação de pólos regionais caracterizados em função de seu papel concentrador de fluxos populacionais e suas atividades econômicas. Configuram-se como pólos regionais, nos anos 70, as RGs de São José dos Campos, Sorocaba, Ribeirão Preto, Bauru e São José do Rio Preto (Cunha e Baeninger 2000). São José do Rio Preto passa não só a compor uma rede de cidades, como também a desempenhar um papel de destaque nessa composição. Cidades de porte médio, como Rio Preto, passaram a ser áreas para a localização industrial e, em particular, para insumos industriais agrícolas, aumentando 14 A esse respeito ver Graziano da Silva (1996).

45

o fluxo populacional e dando nova dinâmica, no interior, para o urbano-regional. Pode-se observar que algumas regiões do interior, já nos anos 70, apresentavam taxas de crescimento populacional superior às da RMSP. Sendo os núcleos urbanos impactados diretamente pelas variações cíclicas da economia, podemos observar a importância de São José do Rio Preto enquanto pólo regional. Seu poder de atração populacional, expresso pelas taxas geométricas de crescimento, mostra-se bem superior a do estado e a de outros municípios localizados na área do então Oeste Pioneiro que, a partir dos anos 70, ganharam status de sedes de Regiões Administrativas e/ou de Governo. Os dados apresentados dão uma boa indicação do dinamismo comercial, industrial e agroindustrial das cidades, por sua capacidade de absorção de expressivos contingentes migratórios interestaduais e intra-estaduais. Para o período de 1960 a 1970 pode-se observar que grande parte dos municípios menores apresentou baixas taxas de crescimento populacional, com números inclusive negativos. Ao contrário, as cidades com mais de 100 mil habitantes que aprestaram, em sua maioria, valores superiores a 3% ao ano, registrandose uma única exceção para Marília com apenas 0,92% ao ano (Tabela 1.9). Sendo os anos 70 o ponto de partida para o processo de desconcentração populacional no Estado, a emergência de pólos regionais deveu-se, grosso modo, aos incentivos do governo na indústria e agroindústria; isto por sua vez gerou um expressivo dinamismo em São José do Rio Preto. A partir dele, atingiu cidades vizinhas formando assim, um aglomerado de cidades no interior que, mesmo com inflexão desse movimento geral nos anos 80, manteve um contínuo dinamismo regional, fortalecendo Rio Preto como pólo regional. Sobre a população rural, o Oeste Pioneiro, representado por regiões tradicionalmente ligadas à agropecuária até a década de 70, diminui significativamente, vis-à-vis o expressivo aumento do grau de urbanização que, para o caso da RA de Rio Preto saiu de 53,7% em 1970, para 70,7% em 1980. 46

Longe da perda de importância da agricultura, é fato explicativo para esse êxodo rural o aumento da concentração fundiária e o incremento tecnológico no bojo de um movimento conhecido como “revolução verde”. Esse movimento consiste em um conjunto de práticas e insumos agrícolas modernos que aumentam a produtividade agrícola sem correspondência no aumento da geração de empregos no campo, muito pelo contrário, permite a liberação de mão-de-obra para as cidades, via êxodo rural. Com a ampliação do sistema viário da região, a ocupação do espaço se intensificou, o que pode ser comprovado através do número de municípios criados no período: 10 dos 26 municípios criados entre 1950 e 1960. Outro fator observado nesse decênio foi o direcionamento de maiores fluxos populacionais às regiões recém-abertas. As RGs de Jales, Votuporanga e Fernandópolis apresentaram um forte crescimento populacional, enquanto as RGs de Catanduva e São José do Rio Preto sofreram decréscimos populacionais nesses dez anos. A partir dos anos 60, findada a fase de expansão da fronteira agrícola, ocorre uma diminuição da atração populacional dos municípios menores da região. Muitos dos que engrossaram o êxodo rural no período, uma parte se fixa nos centros urbanos regionais e outra parte sai dos limites da região. Boa parte dos trabalhadores que se fixaram nos centros urbanos continuou trabalhando no meio rural, como mão-deobra volante ou bóias-fria. Na rede de cidades que se formou na RA de Rio Preto, destacam-se os núcleos urbanos de Rio Preto e Catanduva que apresentavam já nos anos 70 uma estrutura urbana mais complexa e consolidada. Estas duas cidades tiveram um processo de ocupação bem anterior às demais, coincidindo com o auge cafeeiro e com vantagens geográficas no que se refere ao sistema viário, o que por sua vez serviu para transformar as duas cidades em principais centros comerciais e industriais da Região. Durante o decênio 1960/1970, o setor de serviços assume importância considerável, aumentando a mão-de47

48 35.223

Dracena

Adamantina

Fonte: FSEADE.

32.048 15.680

Jales  

56.682

21.085

29.303

35.583

Fernandópolis

13.123

Ourinhos

Tupã

32.959

48.783

23.703

Assis

86.844 44.431

Andradina

40.769

Catanduva

22.433

81.064

Marília

59.452

60.903

65.085

33.818

32.537

36.298

39.891

37.842

32.566

55.769

33.763

42.666

48.324

89.198

79.777

71.270

82.119

12.809.231

1960

População Total 9.134.423

1950

Votuporanga

75.806 45.721

Pres. Prudente

74.359

São J. do Rio Preto

Araçatuba

7.180.316

1940

Estado de São Paulo

Municípios

31.776

35.318

38.414

38.908

51.732

39.236

52.443

49.036

57.034

58.002

97.771

108.136

105.192

121.183

17.670.013

1970

32.036

35.912

38.480

46.853

47.580

52.085

56.508

59.499

67.103

72.578

121.236

128.867

136.425

187.403

24.953.238

1980

 

4,77

4,86

3,35

0,86

0,69

2,66

-2,17

-1,21

2,44

1940/50

-0,41

7,57

1,25

3,13

-2,51

3,80

-0,16

4,82

2,61

0,84

0,27

2,98

1,58

2,23

3,44

1950/60

-0,62

0,82

0,57

-0,25

3,18

1,88

-0,61

3,80

2,94

1,84

0,92

3,09

3,97

3,97

3,27

1960/70

Taxas de Crescimento

Tabela 1.9 – População total e taxas geométricas de crescimento para cidades escolhidas

0,08

0,17

0,02

1,88

-0,83

2,87

0,75

1,95

1,64

2,27

2,17

1,77

2,63

4,46

3,51

1970/80

obra ocupada (Tabela 1.10). Esse aumento da importância do comércio e serviços é acompanhado pelo desenvolvimento de uma série de serviços urbanos coletivos, tais como: escolas, hospitais, transportes, entre outros, que acabam se constituindo em fortes atrativos para as populações itinerantes. Tabela 1.10 - Pessoal Ocupado por Setor de Atividade e Município no Período 1960/1970.

Municípios

População Ocupada – 1960

População Ocupada – 1970

Agropec. Indústria Comércio Serviços Agropec. Indústria Comércio Serviços

SJR Preto

9.020

1.151

1.828

1.231

14.435

3.174

5.179

Catanduva

4.440

866

990

848

7.445

1.244

1.782

847

22.147

311

573

321

6.515

648

1.122

413

Fernandópolis

11.673

241

380

361

7.784

623

1.183

392

Jales

10.793

161

371

224

9.375

261

772

292

Votuporanga

2.150

Fonte: Censos Demográficos, IBGE: 1960 e 1970. In: SEPLAN, 1978:176

Os principais núcleos urbanos são bem servidos pela estrutura viária da região, seja pela ferrovia ou pelas rodovias SP-310 e SP-320. Tal localização proporcionou inúmeras vantagens a esses núcleos, capacitando-os a serem centros distribuidores e receptores da produção das áreas que os circundam. Com a intensificação das relações de produção, principalmente a agropecuária, esses núcleos passaram a desempenhar outras funções tais como beneficiamento e comercialização, complexificando a estrutura de serviços. A título de breves considerações, resgatamos algumas conclusões a que chegou a pesquisa São Paulo no Limiar do Século XXI, coordenada pelo professor Wilson Cano15: • O conjunto da região oeste do Estado atingiu o apogeu do seu processo de ocupação no final da década de 50. A partir daí, há uma redução acentuada das taxas de crescimento da população total desta área do Estado, que permanece estável em torno de 2,8 milhões de habitantes. Nos anos 60, e daí em diante, a região oeste assiste a uma brutal expansão do contingente urbano da sua população, cujo total cresce duas vezes e meia entre 1950 e 1970. A taxa de urbanização, por conseqüência, também aumenta e o conjunto dos centros urbanos desta área do Estado chega em 1970 abrigando cerca de 54% da população total. As ocupações urbanas, que em 1950 não passavam de 23% da população economicamente 15 O capítulo referente a RA de São José do Rio Preto foi elaborado por Vasconcelos, op. cit. Pág. 115 e seguintes.

49

ativa (PEA) do oeste paulista, atingem, em 1970, quase a metade das ocupações nessa porção do Estado. • A região de São José do Rio Preto apresenta dinâmica populacional bastante semelhante, porém com uma particularidade: a desaceleração do crescimento da população total é menos intensa, e esta região “perde” menos população do que o conjunto do oeste em termos das suas respectivas participações relativas na população total do Estado. Em outras palavras, a região de São José do Rio Preto tem maior dinamismo populacional, ou “retém” mais população, do que as demais regiões do oeste a partir dos anos 60. A taxa de urbanização salta de 22% em 1940 para 54% em 1970, demonstrando que, embora aumente muito a ocupação das cidades, ainda é bastante significativo, no conjunto da região de Rio Preto, o peso relativo da população que habita a zona rural. A População Economicamente Ativa desta região ainda está empregada, em 1970, majoritariamente, cerca de 55%, em atividades do setor primário. • O município de São José do Rio Preto, a partir dos anos 50, apresenta ritmo intenso de crescimento populacional, sendo que a parcela urbana da sua população aumenta quase três vezes entre 1950 e 1970, alcançando cerca de 110 mil habitantes e constituindo-se, como já foi dito, no maior e mais dinâmico centro urbano da porção oeste do Estado de São Paulo. Em 1970, as ocupações urbanas predominavam amplamente no município, que continua sendo, como foi ao longo de várias décadas, o pólo de comércio e serviços de uma ampla área geográfica que ultrapassa os limites do estado de São Paulo, atingindo municípios de estados vizinhos como são os casos daqueles localizados no sudeste de Minas Gerais, no sul de Goiás e no nordeste do Mato Grosso do Sul. Esta é, de fato a característica que distingue a cidade de Rio Preto das demais cidades que também são centros regionais no oeste paulista, ou seja, a permanência, por um longo período histórico, da cidade como pólo de comércio e serviços modernos, que recicla de forma intensa essas funções, intensificando recorrentemente, sua urbanização e expondo a cidade, já no final da década de 60, ao agravamento dos problemas sociais urbanos, particularmente na área da habitação.

50

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53

2 Dinâmica Regional Rio-Pretense: o movimento econômico da capital do noroeste paulista no final do século XX e início do século XXI Joelson Gonçalves de Carvalho Carlos Antonio Brandão 2.1 - Introdução A RA de São José do Rio Preto, com seus 96 municípios e quase 1,5 milhão de habitantes, consolidou-se como importante entroncamento de vias de escoamento da produção agrícola e agroindustrial estadual e nacional, estando crescentemente integrada a importantes áreas de agricultura e pecuária modernas. A distância de cerca de 500 km em relação à capital estadual proporcionou certa proteção frente à concorrência extra-regional, garantindo-lhe um mercado regional ponderável, com a constituição de importante estrutura produtiva mesoregional centrada na agroindústria, mas que rapidamente se diversificou, inclusive para as atividades econômicas de comércio, serviços e indústria. Destacam-se atualmente atividades como pecuária bovina, as culturas de cana, laranja e milho, e a agroindústria de suco de laranja e borracha. Mais recentemente novas atividades econômicas vêm se fortalecendo, como as indústrias de móveis, confecções, alimentos, dentre outras. Consolidou funções urbanas terciárias mais complexas e se firmou como entreposto comercial e centro polarizador de serviços. Suas conexões mercantis e produtivas estendem-se por vasta região. Em seguida, buscarse á aprofundar a análise das características mais marcantes de sua economia. 2.2 - Considerações sobre o movimento econômico regional paulista e a inserção da RA de São José do Rio Preto na divisão inter-regional do trabalho As especificidades do processo histórico de industrialização do estado de São Paulo são de suma 55

importância para determinar parcela importante do desenrolar do movimento econômico intra-regional neste estado. É importante relembrar alguns fatores condicionantes e limitadores que influenciaram a dinâmica regional brasileira e determinaram muito dos comportamentos particulares das diversas regiões. Dessa forma, é fundamental ter como eixo central da análise a inserção da economia regional rio-pretense no contexto maior da economia paulista. Durante a fase da industrialização do período de 1930 a 1955 e a crescente articulação comercial entre as regiões brasileiras, em termos do valor produção estadual, assistiuse a um aumento da participação da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) de 64,5%, em 1939, para 66,6% em 1956. Já o interior do estado apresentou taxa decrescente, de 35,5% para 33,4% no mesmo período (Negri, 1996). Isso demonstra o caráter bastante concentrador desta fase do processo de industrialização. Contudo, expressa pouco sua importância em termos de integração de um mercado interno ainda incipiente, que foi fundamental para a dinamização das mais variadas regiões do Estado e para o enlace dos circuitos mercantis previamente existentes nas diversas porções do território paulista. Há que se ter em mente que a industrialização paulista não se deu às custas do desempenho da produção agrícola. Como exemplo, considerando os principais produtos agrícolas (café, cana-de-açúcar, algodão, amendoim, milho, arroz, feijão, batata e mandioca), durante a consolidação da industrialização deste período, apenas o café, o feijão e o milho apresentaram queda na produção, demonstrando que a industrialização paulista, incrementou, de forma geral, a produção do estado, muitas vezes impactando positivamente suas ligações diretas com uma indústria local, notadamente a têxtil e a alimentícia. No mesmo sentido, a industrialização pesada após 1956 no estado de São Paulo, deu passos significativos no sentido de incentivar uma maior integração produtiva no interior do estado. Analisando o processo de industrialização, antes do Plano de Metas de JK, o interior já possuía uma estrutura industrial que, pela própria natureza de sua inserção, estava fortemente concentrada no ramo alimentício, textil e químico. 56

No setor têxtil, isso se deve às facilidades do encadeamento produção-industrialização in loco do algodão. No setor químico, destaque especial à produção de álcool e óleos vegetais. Por fim, a agropecuária, base da economia regional era – e continua sendo – expressiva na região16. Para se entender o processo de desconcentração industrial rumo ao interior paulista, é necessário ter atenção às políticas de promoção da industrialização do interior que visaram ao fortalecimento do mercado estadual e nacional. 2.2.1 - A ação estatal e a desconcentração regional rumo ao noroeste Mais que uma lógica totalmente autônoma na movimentação de capitais, com os novos investimentos, geograficamente desconcentrados, as modificações espaciais da indústria de transformação paulista encontraram forte contribuição das políticas públicas. Isso, por sua vez, acarretou impactos consideráveis na rede urbana do interior, com várias cidades e regiões apresentando considerável crescimento, o que pode ser visto pelo aumento da participação do interior visà-vis a capital e a RMSP, no período de 1959 a 1985 (Tabela 2.1). Tabela 2.1 - Modificações Espaciais da Indústria de Transformação do Estado de São Paulo: 1959/1985. (Valores em percentagem do VTI). 1959

1970

1975

1980

1985

RMSP

REGIÃO/ANOS

73,8

74,7

69,4

62,9

56,6

SP

54,8

48,1

44

34,8

29,8

RMSP - SP

19,0

26,6

25,4

28,1

26,8

INTERIOR

26,2

25,3

30,6

37,1

43,4

Total do Estado

100,0

100,0

100,0

100,0

100,0

Fonte: FIBGE. Censos Industriais de 1959, 1970, 1975, 1980 e 1985. In: Negri (1996)

Problemas sócio-ambientais, como a baixa qualidade de vida, aumento da violência, poluição, entre outros, passaram a ser frequentemente associados à concentração 16 Sobre a importância histórica do setor agrícola na região ver capítulo 1.

57

industrial na Grande São Paulo, o que culminou com uma série de discussões, grupos de trabalho e de políticas de “descentralização” industrial para o interior do Estado e para o resto do país. Em muitos casos, a prática de um discurso que visava a desconcentração industrial como forma de melhoria das condições de vida da população e concomitante desenvolvimento do interior do Estado, por parte do poder público, era apenas variável política. Dentre as diversas ações, cabe destaque ao Plano de Interiorização do Desenvolvimento (PID), adotado no governo de Laudo Natel (1971/75) e a “Política de Desenvolvimento Urbano e Regional do Estado de São Paulo”, no governo de Paulo Egydio Martins (1975/78). Os problemas das ações públicas, nesses programas, recaíam na lógica da pura facilitação, por parte do estado, para as decisões de investimento tomadas pelos empresários. Assim sendo, esse tipo de programa ficava subordinado, segundo Barjas Negri (1996: 172), “(...) a interesses empresariais, uma vez que tinha como concepção básica ‘que a ação privada revela os caminhos por onde se desenvolve naturalmente a atividade econômica’; ao setor público caberia colaborar para que a adoção de medidas empresariais acelerasse o processo de penetração do desenvolvimento no espaço territorial paulista, deixando fluir as decisões espontâneas de localização industrial”. Houve considerável evolução do sistema viário estadual, com o expressivo aumento da malha viária pavimentada que seguia a trajetória da expansão industrial no sentido capitalinterior. Os principais eixos considerados “caminhos naturais do desenvolvimento” seguiam a Castelo Branco rumo a Sorocaba, a Via Dutra em direção ao Vale do Paraíba, a Anhanguera em direção a Ribeirão Preto e a Washington Luiz no sentido da região de São José do Rio Preto. Isso, por sua vez, contribuiu, para a aceleração do processo de urbanização no estado e o fortalecimento de diversos núcleos urbanos como pólos regionais. Nesse sentido, as políticas públicas estaduais contribuíram com a integração da região de Rio Preto à dinâmica 58

mais geral da economia paulista, consolidando sua inserção como ofertante de produtos agropecuários e agroindústriais e consumidora de diversos gêneros industriais fornecidos tanto pela capital quanto por outras regiões. A cidade-pólo desta região consolida-se como entreposto mercantil e de serviços de vasta região. A centralidade do município de Rio Preto foi facilitada pelos investimentos que a região noroeste recebeu durante as décadas de 80 e 90 no setor de transporte, principalmente na duplicação da rodovia SP-310 (Washington Luiz) entre o trecho de Matão a São José do Rio Preto. Além disso, foram importantes os diversos investimentos na pavimentação e construção de rodovias vicinais para a circulação de passageiros e mercadorias entre diversos municípios. Segundo Matushima (2001: 51), “A duplicação da Washington Luiz foi realizada no governo de Orestes Quércia (1987-1990), quando o então vice-governador era Antônio Fleury Filho, natural da região de São José do Rio Preto. A construção da ponte rodoferroviária sobre o rio Paraná foi iniciada no governo Fleury (1991-1994), que possuía base política na região, e foi apoiado pelo governo municipal de São José do Rio Preto, cuja administração ficou nas mãos do PMDB entre 1982 e 1996 e também por diversas lideranças políticas”. A construção da ponte rodoferroviária sobre o rio Paraná foi realizada em meio a uma disputa entre políticos e setores econômicos da região noroeste do estado de São Paulo e de parte do Triângulo Mineiro, que reivindicava que a obra fosse realizada sobre o rio Parnaíba, ligando Mato Grosso do Sul a Minas Gerais. Contudo, a inexistência de uma malha rodoviária satisfatória e de uma ferrovia ligando Minas Gerais à divisa com o Mato Grosso do Sul, que já existia no trecho paulista, foram fatores técnicos importantes na decisão de escolha do local de construção da ponte (Matushima: 2001). Outro fator decisivo foi a interferência do governo estadual de São Paulo que fez grande pressão para que a obra fosse realizada entre São Paulo e Mato Grosso do Sul, inclusive, comprometendo-se a financiar a maior parte da obra, atendendo a interesses políticos e econômicos da região noroeste do estado. Além disso, a obra garantiria o uso do 59

porto de Santos, já que toda a malha ferroviária do estado está ligada a este porto. Em resumo, até 1970 tem-se a formação da rede urbana regional com a expansão da malha rodoviária, o esgotamento do processo de ocupação de novas áreas via expansão ferroviária e a emancipação de uma série de novos municípios. A partir de 1970, passou-se a ter uma diferenciação da dinâmica regional paulista em relação ao contexto nacional que, grosso modo, manteve o dinamismo econômico do interior (Negri, 1996). Até a metade da década perdida, o amadurecimento de alguns investimentos iniciados durante a implantação do II PND permitiu a continuação do processo de desconcentração industrial. Contudo, segundo Cano (1998b), a crise dos anos 80, aumentou a desconcentração mais pelas quedas mais altas da produção paulista do que por maiores altas na produção periférica, isto é, revelou-se uma desconcentração de caráter mais estatístico do que real. Apresentado o movimento mais geral da indústria no estado de São Paulo17, e lembrando que os mecanismos que facultaram sua interiorização no período anterior não cessaram de operar no pós-1985, cabe ressaltar as (re)distribuições na agregação de valor entre as diversas regiões paulistas no período 1980-2000, o que pode ser notado na Tabela 2.2, pelas respectivas participações de cada RA no VAF estadual.

17 Movimento esse exaustivamente estudado por Cano (1998a) e (1998b) e Negri (1996).

60

Tabela 2.2 - Distribuição do Valor Adicionado Fiscal da Indústria de Transformação por RA do Estado de São Paulo18. (Em %) RA / Anos

1980

1985

1990

1995

1996

1997

1998

1999

2000

Araçatuba

0,33

0,49

0,66

0,65

0,67

0,92

1,03

1,08

0,97

Barretos

0,42

0,68

0,51

0,48

0,54

0,72

0,70

0,85

0,76

Bauru

1,10

1,38

1,21

1,51

1,51

1,52

1,65

1,78

1,59

15,09

17,45

19,22

21,48

19,26

18,56

20,31

21,06

23,65

Central

1,78

2,28

1,75

1,76

2,06

2,13

2,12

2,37

2,06

Franca

0,75

0,93

1,18

0,85

0,84

1,19

1,23

1,28

1,16

Marília Pre­sidente Prudente Registro

0,54

0,80

0,87

0,81

0,91

1,11

1,18

1,14

0,96

0,36

0,41

0,35

0,36

0,41

0,59

0,62

0,59

0,42

0,17

0,22

0,12

0,13

0,14

0,19

0,21

0,25

0,21

Ribeirão Preto

1,12

1,63

1,19

1,90

2,03

2,15

2,46

2,26

2,17

Santos

4,30

4,06

2,61

3,22

2,28

2,29

2,43

2,48

4,20

S J R Preto

0,56

0,67

0,95

1,00

1,12

1,61

1,60

1,73

1,40

S J Campos

4,98

6,33

6,35

8,75

9,17

9,05

9,31

10,57

13,93

Sorocaba

3,96

4,92

4,92

5,23

5,38

5,72

5,75

5,83

5,32

RM São Paulo

64,09

57,39

58,11

51,86

53,68

52,04

49,39

46,74

41,21

Total São Paulo

100,00

100,00

100,00

100,00

100,00

100,00

100,00

100,00

100,00

Campinas

Fonte: Base de Dados: Fundação SEADE – Tabulações Especiais: CEDE-IE/UNICAMP

A RMSP perde participação saindo de 64,09% em 1980 para 41,21% em 2000, absorvendo uma perda de 35,7%. Ganham participação, em especial, as regiões de Campinas e São José dos Campos. A primeira com um aumento de 56,7% na sua participação, saindo de 15,09% em 1980 para 23,65% em 2000; a segunda, com expressivo aumento de 79,7%, saltando de 4,30% no início da década perdida para 13,93% no final do período. Em grande parte, tais aumentos podem ser creditados à realização de investimentos nos setores considerados de alta tecnologia como informática, eletrônica e telecomunicações. É inegável o movimento da indústria rumo ao interior, contudo, foi na capital que permaneceram e concentraram-se os centros de gestão das empresas. Mesmo aquelas empresas que se instalaram em outras regiões mantiveram na RMSP suas sedes estratégicas e corporativas, lógica essa presente até hoje. 18 A importância do VAF enquanto variável de análise econômica será discutida mais adiante.

61

Continuavam na cidade de São Paulo e em alguns municípios vizinhos, as atividades de maior valor agregado, como por exemplo, as grandes instituições do mercado financeiro, nacionais e estrangeiras e também as consultorias especializadas (Cano, 2006). Aumentos também foram sentidos pelas regiões de Sorocaba (34,4%), com especial destaque para a indústria madeireira, metalúrgica e extração de minerais não-metálicos e para a geração de energia; Ribeirão Preto (93,7%)19, com a complexificação das cadeias produtivas agrícolas da laranja, da cana – usinas de açúcar e álcool – e incrementos no setor de máquinas e equipamentos agrícolas; e Central (15,73%) que, para além do dinamismo do setor citrícola, contou com investimentos nas indústrias automobilísticas e de máquinas e equipamentos, eletricidade, gás e água quente, concentrados geralmente em Araraquara e São Carlos. As demais regiões, mesmo em alguns casos com aumentos relativos consideráveis, ainda não representam mais que 2% do VAF estadual. É nessa última situação que se encontra a RA de São José do Rio Preto, com uma participação inferior a 1%, até meados da década de 90 e, a partir de então, registrando um aumento de sua participação que, contudo, teve seu ápice em 1999, com 1,7%, recuando no ano seguinte para 1,4% (Tabela 2.2). Em síntese, a forma das articulações mercantil e produtiva estabelecidas entre as diversas regiões do interior paulista consolidou uma integração com aprofundamento da divisão inter-regional do trabalho com o fortalecimento da agropecuária, e consequente complexificação das cadeias produtivas agroindustriais. Segundo Vasconcelos (1992), a Região Administrativa de São José do Rio Preto triplicou sua contribuição relativa na participação do valor agregado da indústria paulista. Tal performance deveu-se, basicamente aos implantes regionais de setores produtores de Bens de Capital e Bens Intermediários, ambos ligados ao segmento agroindustrial, notadamente as cadeias produtivas de insumos energéticos e de produtos exportáveis. Esses segmentos serão semelhantes aos que apresentaram crescimento na década seguinte. 19 Apesar de ter aumentado significativamente a RA de Ribeirão Preto em 2000 contribuía com apenas 2,17% do VAF estadual.

62

2.3 - A agricultura e a agroindústria: uma visão regionalizada Houve, nos anos 80, uma deterioração global da situação econômica da América Latina e, em especial, do Brasil. Conhecida como a década perdida, se olhada em retrospectiva, percebe-se o forte movimento de transferências de recursos monetários reais ao exterior para o pagamento dos serviços da dívida externa (Carneiro, 2002). Entretanto, as dificuldades enfrentadas pela economia nacional nesse período, a política de geração de mega-superávits impeliu o governo a manter os subsídios e incentivos às exportações a fim de gerar dólares a serem transferidos ao exterior. Essa orientação da política brasileira gerou impactos significativos na economia do Estado de São Paulo, em especial nas regiões agrícolas e agroindustriais. Observe-se mais detalhadamente o comportamento agrícola paulista e o rio-pretense. Mesmo tendo forte preponderância industrial, São Paulo tem a agricultura mais diversificada e moderna do país e ainda o maior mercado consumidor de produtos agrícolas, tanto nacionais quanto importados do Brasil. Aliado à diversificação agrícola, o incremento tecnológico, utilizado como instrumento de política pública, altamente difundido nos anos 70, foi fundamental e decisivo para transformar a agricultura paulista na mais moderna do país. Esse padrão persistiu durante toda a década de 80, cumprindo o papel de geração de superávits comerciais para fazer frente aos serviços da dívida externa. Entretanto, os anos 90 foram marcados pela intensificação do processo de globalização e de reestruturação produtiva que, em grande medida, alterou as formas anteriores de competição no mercado interno e internacional. Data desse período, a abertura econômica que, ainda sob o Governo Collor, dificultou a pequena produção agrícola, com o aumento das importações, inclusive de gêneros básicos. Em decorrência das mudanças estruturais na economia brasileira, o estado de São Paulo concentrou-se em lavouras para as quais existem vantagens competitivas internacionais 63

elevadas, como a laranja e a cana-de-açúcar, por exemplo, ambas com forte presença no entorno de Rio Preto. São Paulo responde por quase totalidade da produção de laranja, assim como da exportação do suco do país. Sua área produtiva segue os eixos rodoviários rumo ao noroeste e nordeste paulista, via Washington Luiz e Anhanguera, respectivamente. No que se refere à cana, para se ter uma idéia do avanço recente dessa cultura na região oeste e noroeste do Estado, foram anunciados, entre 2004 e 2006, a instalação de sete novas usinas de processamento de cana na região e o aumento da capacidade de esmagamento das usinas que estão em operação, somando cerca de R$ 1 bilhão em investimentos (Quadro 2.1). Quadro 2.1 – Novos projetos de usinas de açúcar e álcool no oeste, no-roeste e centro-oeste de São Paulo. Nome

RA *

Início da operação

Capacidade de esmagamento (t)

Unidade 2 da Clealco

Queiroz

Marília

2004

Não disponível

Usina Vertente

Guaraçaí

Araçatuba

2004

2,5 milhões

Ilha Solteira

Araçatuba

2006

4,0 milhões

Usina Everest

Penápolis

Araçatuba

2004

Não disponível

Grupo Petribu

Sebastianópolis do Sul

S J Rio Preto

2004

1,5 milhão

Usina Dracena de Açúcar e Álcool

Dracena

Presidente Prudente

2004

1,2 milhão

Unidade 2 da Álcoeste

Ouroeste

S J Rio Preto

2005

2,0 milhões

Unidade 2 da Destilaria Pioneiros



Município

Fonte: Levantamento das Usinas e Destilarias do Oeste Paulista. In: OESP, 22 de junho de 2003. * Esta coluna não consta no original do levan- tamento do jornal O Estado de São Paulo.

É notório o empenho do governo estadual em desenvolver o setor agrícola visando ao agronegócio e à exportação inclusive com o direcionamento dos institutos de pesquisa para esse fim20. Do cenário que se monta para o 20 Nesse sentido a criação, em 2001, dos pólos da APTA, ligada à Secretaria de Agricultura e Abastecimento, é um bom exemplo.

64

futuro da agricultura paulista, baseada em cadeias produtivas com vistas à exportação, em termos regionais, observam-se especificidades e tendências regionais merecedoras de uma análise mais detalhada21. O eixo que se estende de Santos a Campinas, passando pela capital é, sem dúvida, a região de maior concentração industrial do país. A RM de São Paulo, dado seu alto grau de industrialização, tem participação marginal na agropecuária paulista, cabendo exceção às hortícolas, desenvolvendo e difundindo tecnologia na produção de frutas, verduras e legumes, flores e ovos. Mais de 2.000 produtores, em cerca de 6.000 hectares, são responsáveis pelo abastecimento de considerável fatia do mercado consumidor do estado 22 . A Região Metropolitana da Baixada Santista também tem pequena participação na agricultura do Estado, exceto em atividades ligadas à pesca. A RA de Campinas é notoriamente industrial, com elevada concentração de indústrias de alta tecnologia. Nessa região, a agricultura estabelece fortes ligações a montante e a jusante com a agroindústria, em especial com a cana-de-açúcar em Piracicaba e a laranja em Americana. No entanto, essa região diferencia-se pela maior diversificação com a presença da fruticultura em Indaiatuba, Valinhos, Vinhedo, Jundiaí (figo, uva, pêssego, entre outros), a olericultura, a floricultura e o cultivo de plantas ornamentais em Holambra, Atibaia e Limeira. As pequenas propriedades são familiares, contudo, tecnificadas, muitas vezes, inclusive, com gestão empresarial. A RA de São José dos Campos caracteriza-se por ser uma importante bacia leiteira no estado de São Paulo, com estrutura fundiária marcada pela pequena propriedade de base familiar. O avanço do sistema de integração de pecuaristas com as multinacionais não trouxe avanços para esses produtores, 21 Parte das análises feitas sobre a dinâmica da agricultura paulista tem como base a pesquisa de “Estudos de Mercado de Trabalho como Subsídio para a Reforma da Educação Profissional no Estado de São Paulo”, encomendado pelo MEC à Fundação SEADE da qual o autor participou enquanto pesquisador, viajando para diversas regiões do estado. Maiores detalhes ver Petti (2004). 22 Conforme a pesquisa “O Estado dos Municípios 1997-2000: Índice Paulista de Responsabilidade Social” da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, realizada em 2003.

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pois com a instituição dos monopsônios na cadeia produtiva do leite, houve queda nos preços reais recebidos, com respectivo aumento dos custos de produção. A RA de Registro possui pouca expressão econômica, inclusive nas atividades agropecuárias, destacando-se a produção de bananas, com aproximadamente 70% da produção estadual, e erva-mate, além do turismo ecológico, como atividade de grande potencial na região. As RAs de Bauru e Central têm na produção de grãos e de café suas atividades agropecuárias principais, sendo que as agroindústrias da região estão voltadas à transformação em óleos e farelos basicamente. A região Central ainda apresenta expressiva produção de laranja e produção de suco. A RA de Sorocaba apresenta-se mais como uma zona de transição, com a entrada da citricultura. Registra-se também a presença de uma pecuária leiteira em pequenas propriedades e de corte em propriedades médias. Mas, a principal atividade agrícola da RA de Sorocaba é o cultivo de hortifrutigranjeiros, com destaque para o cinturão verde próximo a RMSP, e a avicultura de corte e postura, além da grande produção de batatas, em médias e grandes propriedades, com alto grau de tecnificação, especialmente em Itapetininga. A região mais a oeste do Estado, composta pelas Regiões Administrativas de Marília, Presidente Prudente e Araçatuba, tem pouca expressão industrial, com uma economia que gira em torno da agropecuária. Concentram parte significativa dos latifúndios do Estado, predominando a pecuária de corte. A RA de Presidente Prudente é o mais importante pólo pecuarista do estado de São Paulo e a terceira maior bacia leiteira paulista. Na RA de Marília, destaca-se a produção de café, soja e milho, além de leite tipo B. Já na Região Administrativa de Araçatuba, para além de uma presença maior das atividades industriais, a atividade agrícola mais dinâmica é, de longe, o cultivo da cana-de-açúcar, com tendência de crescimento23.

23 Conforme apontado no Quadro 2.1 dessa sessão.

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No geral, a agricultura desta vasta porção oeste do Estado encontra-se pouco capitalizada, configurando duas importantes dinâmicas espacialmente localizadas, uma ligada à indústria sucroalcooleira polarizada pela região de Araçatuba e outra mais ligada à pecuária nos limites de Presidente Prudente. Na RA de Ribeirão Preto, a capitalização do setor agropecuário chama atenção, tendo na indústria sucroalcooleira o maior destaque. A presença de várias unidades industriais ligadas diretamente com a agricultura consolidou a região como um dos pólos agroindustriais mais importantes do Brasil. Além das usinas de açúcar e álcool, a região ainda apresenta beneficiadoras de café, amendoim e soja, frigoríficos, indústrias alimentícias de derivados de leite e ainda indústrias de ração, de fertilizantes e várias indústrias de suco de laranja. Na RA de São José do Rio Preto, foco central do trabalho, a atividade agropecuária iniciou-se com a bovinocultura e o café, durante a colonização da região. Este último, todavia, reduziu drasticamente sua participação devido a problemas climáticos, comerciais e o avanço de culturas como a cana e a laranja já nos anos 80. Em grande medida, foi o comportamento positivo da agricultura regional rio-pretense que, em anos de crise da economia nacional, deu suporte ao crescimento regional e o fortalecimento de Rio Preto como pólo de comércio e serviços, quando grande parte do país sentia a retração econômica e a alta inflação que juntas diminuíam o poder de compra dos salários e aprofundavam cada vez mais as disparidades sócio-regionais. 2.3.1 - O recente movimento agropecuário de Rio Preto e região24 Os anos 80, marcados pelas repetidas tentativas de ajustamento da economia brasileira, deram dinâmica ímpar à agricultura paulista e, em especial à da Região de Rio Preto. A produção e exportação da laranja e do suco estimulados 24 Essa discussão consta de modo mais abrangente da pesquisa coordenada por Petti (2004).

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pela expansão do mercado internacional, especialmente dos Estados Unidos, Europa e Ásia, tiveram saldo positivo na década perdida. A taxa cambial brasileira, que favorecia a exportação, e as fortes geadas nas áreas de produção norteamericanas facilitaram o bom desempenho do setor citrícola (Tartaglia e Oliveira, 1988). A expansão da cana-de-açúcar fora das zonas tradicionais de produção teve participação do governo estadual através do Procana – Programa de Expansão da Canavicultura para a Produção de Combustível do Estado de São Paulo. O objetivo era de aumentar a produção fora das regiões de Piracicaba, Araraquara e Ribeirão Preto. Esse programa resultou na expansão do cultivo da cana na RA de São José do Rio Preto, estimulando a instalação de usinas para a produção de álcool (Tartaglia e Oliveira, 1988). Em termos gerais, a região apresenta atividades agrícolas bem diversificadas, principalmente entre as culturas temporárias. Parte relevante dessas culturas está ligada à pecuária local, como cana-de-açúcar e milho forrageiros, havendo também participação considerável do milho e canade-açúcar voltados à venda para processamento. As culturas permanentes, por sua vez, são bastante concentradas na produção de laranja e, em menor grau, o cultivo do café e de seringueira. Tanto a citricultura quanto a seringueira articulamse com indústrias locais, mais especificamente, as de São José do Rio Preto. Essa região também é forte na bovinocultura, contando com dois dos doze milhões de bovinos que o Estado possui25. A RG de Fernandópolis é a mais expressiva, apresentando o maior número de animais destinados à cria e recria-engorda. No que se refere aos deslocamentos realizados com a atividade pecuária, as movimentações para cria e recriaengorda são de curtas distâncias, dentro da própria RA ou nas regiões mais próximas do Mato Grosso do Sul e do Triângulo Mineiro. Para o abate, chega-se a buscar bovinos em distâncias mais longas, inclusive no Mato Grosso, a 25 Dados aproximados disponíveis em www.iea.sp.gov.br, no banco de dados Subjetiva do IEA.

68

depender do preço negociado por arroba, contudo, a maioria dos animais abatidos na região é da própria RA. Fato importante a ser ressaltado é a alteração do papel desempenhado pela cidade de Rio Preto no controle sobre a movimentação dos bovinos na região. Se nos anos 70, a cidade exercia importante função centralizadora na comercialização desse produto, nos anos 90 e início de 2000, Fernandópolis tem assumido esse papel. Em entrevistas colhidas neste último município, identificou-se a ampliação da movimentação econômica da pecuária, em especial de corte. Os principais frigoríficos do município têm escritórios tanto no Mato Grosso como no Mato Grosso do Sul, facilitando a compra para abate e pressionando os preços locais para baixo. Sendo a agricultura a principal atividade da região, é importante ter claro qual o movimento que ela tem tomado nos últimos anos e quais as perspectivas futuras. As culturas que apresentaram maiores quedas em área plantada foram o arroz, o algodão e o café. O arroz, pela própria característica de cultura desbravadora de baixo valor agregado, acaba encontrando em outras regiões maior facilidade de cultivo. O algodão, que até meados dos anos 80 ainda tinha certa representatividade em área, a partir de 1985 começa a apresentar quedas sucessivas para, em 2000, ter um pequeno surto de crescimento, mas longe de atingir os patamares históricos de produção (Tabela 2.3). No que se refere ao café, a sobrevida dessa cultura durou até 1985; a partir de então ano, o cultivo foi sendo abandonado devido aos baixos preços do mercado internacional, dada a concorrência do café colombiano e de áreas mais competitivas como o Triângulo Mineiro, hoje maior produtor nacional. Apesar de os dados ainda não captarem devidamente movimento nesse sentido, é possível uma retomada dessa cultura na região dada a recente recuperação dos preços internacionais do produto que, em 1997, atingiu US$ 25 a saca, mantendo-se em patamares elevados. Depoimentos colhidos em entrevistas indicam que alguns produtores estão dispostos a trocarem a cultura da laranja pela do café, se o problema de pragas na citricultura não for controlado. 69

70 14.233 7.274

168.767 111.621 56.487 12.917 7.881 1.956 88.058 8.036 10.123 48.688 133 78 236 255 148 157 8 63

188.176

66.812

69.103

11.726

8.955

159

2.576

139.036

1.621

10.752

72.887

273

12

215

196

210

505

18

87

137

4

213

75

228

614

758

458

28.898

8.122

16.405

21.915

-

14.334

42.370

162.159

117.443

149.596

63

23

200

127

316

669

840

1.064

9.477

7.013

10.610

11.294

12.609

11.637

14.015

12.836

16.228

114.901

83.657

129.094

23

16

143

107

421

621

804

969

5.622

7.385

10.120

-

11.973

12.491

15.534

12.015

17.693

101.300

89.652

133.133

129.620

17

43

127

144

478

573

748

1.007

4.589

6.825

-

-

11.886

13.148

15.308

17.125

20.519

99.829

106.462

125.239

131.939

-28%

-55%

-69%

-30%

30%

10%

550%

-51%

-33%

-6%

396%

-37%

-

1132%

-12%

10%

-18%

67%

-10%

-3%

-25%

151.428

25.199

224.692

155.564

90.807

209.921

74.688

172.987

100.239

142.282

0%

181%

28%

-14%

24%

183%

977%

703%

-81%

-31%

32%

-87%

-

495%

78%

-1%

-71%

3%

-50%

-15%

68%

41%

14%

-74%

90%

-37%

13%

51%

-14%

-11%

-5%

-52%

-3%

-

-

-6%

13%

9%

33%

26%

-13%

27%

-3%

5%

30%

-2%

-81%

143%

-75%

-31%

144%

167%

6133%

269%

-94%

-37%

-

-

361%

8178%

71%

46%

-70%

49%

-43%

-19%

32%

103%

19%

Variações 1990/85 2000/90 2003/00 2003/85 6%

2003 11%

2002

122.820

Área (ha) 1995 2000

110.888

1990

1.114.723 1.182.616 1.272.089 1.348.119 1.339.447 1.325.843

1985

0%

0%

0%

0%

0%

0%

0%

0%

0%

0%

0%

-

1%

1%

1%

1%

1%

4%

4%

6%

6%

9%

57%

% de 2002

Fonte: IEA, apud Petti et al (2004). Nota: As culturas informadas em pés foram convertidas para ha conforme pesquisa disponível em Informações Econômicas, SP, v.30, n.7, julho de 2000.

Pastagem Cultivada Cana para Indústria Mata Natural Milho em grão Pastagem Natural Laranja Algodão em Caroço Soja Cana para Forragem Seringueira Limão Café Beneficiado Manga Eucalipto Arroz em Casca Poncã Uva Goiaba Murcote Tangerina Abacate Mexerica Mamão

Culturas

Tabela 2.3 – Área Plantada das Principais Culturas, Variações Percentuais e Participação de cada Produto no Total da Área em 2002 na RA de São José do Rio Preto.

Outras culturas de menor importância na região e que também apresentaram queda foram o mamão e o abacate. Essas culturas cederam lugar para a fruticultura mais “polivalente”, que pode se destinar tanto à mesa como à indústria de sucos, como é o caso da uva, goiaba e manga, que registraram crescimento em sua área plantada. Jales concentra o maior número de fruticultores da região. O desempenho da RA em tais atividades evidencia uma característica mais geral da economia paulista que é alta agilidade e flexibilidade para mudar culturas e “especializações” graças a potência e diversificação de sua estrutura produtiva, de ciência e tecnologia, entre outros. Queda também foi registrada das áreas destinadas ao eucalipto na região de Rio Preto. Essa cultura tem concentrado o plantio em regiões próximas às indústrias de papel e celulose, em especial no Vale do Paraíba (onde se localizam as empresas Nobrecel, a Suzano e a Votorantim Celulose e Papel) e na região de Sorocaba (com as unidades indústriais da Ripasa, Suzano e Votorantim). Como já observado, o crescimento da cana-de-açúcar na RA de Rio Preto não é de exclusividade da região, ocorrendo em diversas áreas do Estado, mas o relevo, sem grandes acidentes geográficos, facilita a mecanização, ainda pouco explorada na região. A possibilidade de crescimento, em área, ajuda a reduzir o custo do plantio, se comparada com outras regiões que, esgotadas as áreas de plantio, têm concentrado esforços no crescimento em produtividade, como o caso de Piracicaba e Ribeirão Preto. Constata-se o crescimento da citricultura, não apenas com a laranja, mas também com o plantio de limão, mexerica comum, mexerica poncã e murcote. Também estão sendo destinadas grandes áreas para o plantio da seringueira. A seringueira foi a cultura que apresentou maior crescimento na região. A recente expansão atraiu grandes empresas de processamento de látex que se instalaram em Rio Preto, o que serviu de incentivo ao aumento da área plantada. Fato que chama a atenção é o comportamento da laranja que teve, nos anos 80, o expressivo crescimento em 71

área plantada, com a implantação de várias indústrias de sucos em municípios do entorno próximo a Rio Preto, como Colina, Mirassol, Uchoa, entre outros, configurando o que se convencionou chamar de “Corredor Citrícola”; contudo, no período recente, essa cultura vem apresentando quedas sucessivas em área plantada. Os baixos preços recebidos pelos produtores e as doenças que infestaram os pomares, como a Clorose Variegata dos Citros (CVC) e, mais recentemente, a Morte Súbita26, têm colocado os produtores regionais em situação de alerta. Como já apresentado, existem intenções de substituição dessa atividade pela cafeicultura e ainda uma tendência de transferência dos grandes pomares para a margem sul do Tietê, devido a menor concentração e, conseqüentemente, menor incidência possível de pragas e doenças. O crescimento intenso da citricultura ao longo dos anos 80 fez dessa cultura a principal atividade na geração de emprego e renda na área rural, o que permitiu o desenvolvimento mais acentuado das atividades de comércio e serviços da região, em especial de municípios menores e de baixa atividade econômica, assim como a industrialização do suco em alguns municípios. Entretanto, a decadência da atividade citrícola, ao longo dos anos 90, retirou uma importante fonte de renda dos municípios. O efeito dessa decadência sobre o nível de emprego ainda não foi sentido em toda sua intensidade, no entanto, a crescente erradicação de pomares e os baixos investimentos em novos pés apontam para uma queda da produção no futuro e, portanto, queda do emprego rural, que pode até vir a se recuperar com o intenso avanço dos canaviais, entretanto com uma remuneração inferior e com um trabalho menos qualificado.

26 A “morte súbita” é uma doença incurável que mata o pé em poucos dias e já atingiu pelo menos 10 cidades da região.

72

2.4 - O desempenho socioeconômico da RA de São José do Rio Preto nos anos 90 Dada a dificuldade por que passou o país no início dos anos 90, no que se refere ao sistema estatístico nacional, faltam informações que dêem conta de um maior detalhamento sócioeconômico nos níveis regional e local. Contudo, merece referência, iniciativas como o Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS)27 que, apesar das críticas para a elaboração e aplicação, tem alguns pontos importantes como o retrato dado pelas suas três dimensões, a saber: riqueza, longevidade e escolaridade. Muitas são as limitações desses indicadores, em especial quando buscam medir renda a partir da média. Entretanto, mais do que discutir a funcionalidade ou não desse indicador, o que se busca destacar aqui é a situação da RA de São José do Rio Preto, primeira colocada no ranking em duas das três dimensões apresentadas. Houve redução em todas as taxas de mortalidade na região e os patamares encontrados são mais favoráveis que as médias estaduais28. Em relação à dimensão escolaridade, a região também apresenta patamares superiores aos do Estado. Como exemplo, enquanto o Estado, como um todo, apresentou, para o ano de 2000, 65,6% de jovens de 15 a 19 anos que completaram o ensino fundamental, na RA de Rio Preto esse percentual saltou de 53,6% para 71,8% de 1997 a 2000. As duas dimensões apresentadas – longevidade e escolaridade – indicam a situação confortável da população em relação, entre outras coisas, ao oferecimento de uma infraestrutura pública condizente com as necessidades regionais. Segundo o Censo de 2000, dos 1.297.799 habitantes da RA, 96,5% contam com ligação de rede de esgotos em suas residências; 97,8% com ligação à rede de água com canalização interna; 99,3% contam com coleta de lixo direta e indireta e 99,8% das residências contam com iluminação elétrica. 27 O IPRS é um sistema de indicadores socioeconômicos encomendado à Fundação Seade pela Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, que já foi calculado para 1992, 1997 e 2000. 28 Conforme O Estado dos Municípios 1997-2000: Índice Paulista de Responsabilidade Social. Assembléia Legislativa, SP, 2003.

73

Apenas 8,8% dos domicílios são considerados inadequados, isto é, em setor subnormal, tipo cômodo, sem banheiro, ou com até três cômodos. Outro fator importante é o aumento da participação da rede municipal de ensino no oferecimento de vagas no ensino fundamental. A dimensão riqueza, na região de Rio Preto, ficou aquém das outras dimensões, décima no ranking e abaixo da média registrada para o Estado. Quando decomposta, a dimensão riqueza mostra queda nas duas variáveis monetárias na Região Administrativa de Rio Preto. O rendimento médio do emprego formal diminuiu de R$ 559 para R$ 515, enquanto a média do Estado em 2000 era de R$ 806, e o valor adicionado fiscal per capita reduziu-se de R$ 3.270 para R$ 2.988, enquanto a média do Estado, em 2000, era de R$ 4.890. Recuperando o que foi dito anteriormente, no que se refere ao IPRS, ele proporciona um importante retrato e pode contribuir para ações tópicas por parte do poder público, contudo esse indicador não dá conta da dinâmica econômica, que é melhor analisada através do VAF – Valor Adicionado Fiscal. Este indicador corresponde ao valor das mercadorias saídas de uma empresa acrescido do valor dos serviços e deduzido o valor das mercadorias e serviços recebidos na mesma empresa. A importância do VAF está no fato de ser um instrumento de estimação do nível de crescimento ou queda na economia de cada município. Se o índice caiu em relação ao ano anterior, significa que houve queda no faturamento das empresas de modo geral e que a economia do município perdeu desempenho. Por outro lado, se o índice subiu, isso demonstra um crescimento da base de faturamento municipal, ou seja, a economia obviamente cresceu. Porém, é importante advertir que, na agropecuária, nem todas as transações são registradas e, no setor de serviços, somente os serviços de transportes, comunicações e de geração e distribuição de energia elétrica são computados, deixando esses setores subestimados. Portanto, o VAF total de São José do Rio Preto subavalia sua real performance econômica. Contudo, para o 74

comportamento industrial – em especial a indústria de transformação – o VAF é o melhor instrumento a ser analisado. No que se refere à indústria de transformação, a RA de São José do Rio Preto nunca teve uma presença expressiva no total da indústria estadual, apresentando sempre pequenas participações (Tabela 2.4). No início dos anos 80, só estava à frente das RAs de Araçatuba, Barretos, Marília e Registro, com aproximadamente 0,7% do Valor Adicionado Fiscal do Estado. Apesar do crescimento ocorrido durante a década de 90, a participação da RA continua pequena. Mas em termos regionais e locais, as indústrias aí alocadas desempenham uma importante função, gerando empregos e dinamizando a região. Tabela 2.4 – Participação da RA de São José do Rio Preto no total da indústria de transformação do Estado de São Paulo e do Interior 1985-2003. RA

1985

1990

1995

2000

2001

2002

SJRP/ESP

0,7

1,0

1,0

1,4

1,5

1,9

2003 1,8

SJRP/Interior de ESP

1,6

2,3

2,1

2,4

2,6

3,0

2,9

Fonte: Secretaria do Estado da Fazenda.

Pelo que foi apresentado até agora, tem-se claro que, na RA de São José do Rio Preto, dividem importância a indústria, o comércio e o setor de serviços. A baixa presença da agropecuária explica-se, para além da subestimação já comentada, pelo duplo movimento pelo qual passou a região. Por um lado, mantendo a oferta de bens de consumo não-duráveis como o setor de alimentos e processamento de matérias-primas de origem regional pela agroindústria. Por outro lado, aumenta a importância relativa dos setores produtores de bens intermediários e de bens de capital, em ambos, principalmente, os relacionados à agropecuária (Tabela 2.5).

75

Tabela 2.5 – Participação por gênero no total da Indústria de Transformação da RA de São José do Rio Preto 2000-2003.





Gênero industrial Produtos alimentícios Móveis Combustiveis Artigos de borracha Produtos de metal Outros gêneros

2000 60,4 7,8 4,3 1,2 5,0 21,3

2001 63,2 8,3 3,4 1,5 3,5 20,2

2002 65,4 6,9 4,8 2,3 3,9 16,6

2003 64,8 6,7 3,8 3,6 3,1 18,0

Fonte: Secretaria do Estado da Fazenda.

Outro fator que contribuiu com o aumento relativo da indústria na região nos últimos anos, se comparado aos anos 80, foi a forte presença na agroindústria regional dos produtos energéticos, como álcool carburante, dos exportáveis como sucos cítricos, e da agroindústria da carne. 2.4.1 - Divisão intra-regional da indústria29 Nos estudos regionais e urbanos, é fundamental buscar a orientação da análise a partir do princípio teórico-metodológico da divisão inter-regional e intra-regional do trabalho e investigar os padrões de especialização, analisando como a Região fortalece historicamente o domínio sobre atividades, tarefas, potencializando ou não o desempenho de papéis e funções específicas. O movimento constante da divisão do trabalho social modifica, refuncionaliza, impõe lógicas externas, adapta, promove redistribuições e redefinições incessantes de agentes, atividades, circuitos, funções etc. Realoca recorrentemente pessoas, fatores produtivos, processos e dinâmicas de produção. Dita ritmos mais acelerados para determinado ramo produtivo, enquanto amaina outro. As regiões devem ser vistas como resultantes da operação dos processos de especialização e diferenciação materiais da sociedade. Neste sentido, os estudos dizem respeito à investigação da base operativa, o locus espacial em que se concretizam tais processos e à análise dos centros de decisão e dos sujeitos históricos determinantes destes processos. Deve-se apontar a natureza da inserção da economia regional nos contextos estadual e nacional; questionar 29 As analises feitas aqui estão respaldadas nos dados de VAF por RGs e municípios. A totalidade dos dados encontra-se disponível em Carvalho (2004).

76

como foram formadas suas complementaridades econômicas; como tais escalas estadual e nacional impõem, concedem, constrangem lógicas mais endógenas de desenvolvimento; como se engrenam, ajustam, se encadeiam, atrelam e engatam as estruturas produtivas localizadas ao movimento do contexto mais geral. Um primeiro passo fundamental é analisar como os setores produtivos, ou melhor, como seu aparelho de produção, com seus diversos encadeamentos inter-setoriais, está distribuído regionalmente, como se cruzam as articulações inter-setoriais e as inter-urbanas, conformando especializações na Região em foco. É o que se mapeará, em traços largos, em seguida. A RA de São José do Rio Preto respondia, em 2003, por 1,8% da indústria de transformação do estado de São Paulo. Essa participação era de apenas 0,6% em 1980. A região obteve no período a segunda mais alta taxa de crescimento industrial do Estado. Isto decorreu do processo de interiorização da indústria paulista, beneficiando principalmente o crescimento da agroindústria, mas, por força do dinamismo regional, estimulando também acentuada diversificação de sua indústria. No total do interior, sua participação quase dobra, passando de 1,6% em 1980, para 2,9% em 2003, o que lhe confere ter tido a segunda maior taxa de crescimento industrial, também do interior. Em 2003, a participação desta RA no total da indústria de transformação de São Paulo era mais expressiva, nos setores de: Móveis (18%), cuja produção de 1980 para cá mais que dobrou sua participação no Estado; Produtos Alimentícios (8,5%); Vestuário e Acessórios (3,5%), Artigos de Borracha (3%); Equipamentos médicos, óticos, de automação e precisão (2,8%); e Couro e calçados (2,4%). O principal gênero de sua estrutura industrial, em 2003, era o de Produtos Alimentícios, que respondia por 65% do VAF regional, seguido por Móveis (6,7%); Combustíveis (3,8%) e Artigos de Borracha (3,6%). Em Alimentos, a alta concentração decorre da expressiva participação estadual da RA nos seguintes produtos: a- beneficiamento agrícola: algodão (31%), arroz (8%), café (6%); laranja (17%); látex de seringueira (54%); bpecuária: carnes bovina (16%), de frango (7%) e suína (5%); leite C (20%); c- açúcar (5%). Combustíveis, representado 77

pelo álcool de cana, tem participado em torno de 12% do total estadual (Cano et al., 2006). É fundamental analisar como esta inserção na divisão inter-regional do trabalho no estado de São Paulo, determina as especificidades regionais rio-pretenses. Por exemplo, o VAF industrial regional repartia-se, em 2003, de forma mais pronunciada nas RGs de S. J. do Rio Preto (47,6%) e de Catanduva (33,7%), seguidas pelas de Votuporanga (8,02%), Fernandópolis (6,4%) e Jales (4,3%). O setor econômico principal, Produtos Alimentícios, desdobrava-se nos municípios de Ariranha (10,2%), Catanduva (9,9%) e Novo Horizonte (8,5%) da RG Catanduva (42,11%), assim como nos municípios de Orindiúva (7,50%), José Bonifácio (6,13%) e Guapiaçú (5,18%) da RG de S. J. do R. Preto (40,39%). O setor de Móveis adquiriu expressão na RG de S. J. do Rio Preto (64,13%), compreendendo a própria S. J. R. Preto (24,95%), Mirassol (17,58%) e Jaci (11,07%), mas também na RG de Votuporanga (20,25%), incluídos Votuporanga (10,35%) e Valentim Gentil (8,60%). Por sua vez, a produção de Álcool estava desenvolvida, de forma balanceada, na RG de S. J. Rio Preto (36,68%), particularmente em Monte Aprazível (12,69%) e Onda Verde (9,26%); no município de Fernandópolis (23,62%) da RG de Fernandópolis (29,90%) e em Marapoama (7,3%) e Urupês (6,7%) da RG de Catanduva (25,42%). Finalmente, o setor de Equipamentos Médicos concentrava-se em S. José do Rio Preto (95,8%) (Cano et al., 2006). Após este quadro muito geral da distribuição da riqueza, em termos setoriais, na região, em um ano dado (2003), será aprofundado o estudo da estrutura produtiva regional. Dentre os setores da indústria de transformação, presentes na RA de São José do Rio Preto, alguns têm participação destacada no Estado (Quadro 2.2). O setor de Bebidas, Líquidos Alcoólicos e Vinagre manteve durante as duas últimas décadas participação superior a 2% ao ano, exclusive em 1996 (1,4%), encerrando o período de análise com 3,08% de participação. Os produtos Alimentícios sempre tiveram destaque na região com um aumento notável durante a segunda metade da década passada, chegando em 2000 com 5,67% de participação. 78

Tanto a rubrica Produtos do Reino Vegetal in Natura como a de Produtos do Reino Animal in Natura e Frigoríficos são expressivos, dado o próprio processo de inserção econômica dessa região na dinâmica maior da economia paulista e brasileira. O que os difere, pelos dados apresentados, é a grande oscilação pela qual passou o primeiro, apresentando trajetória de crescimento nos anos 80 e inícios dos anos 90 para, a partir de 1992, reduzir-se em torno da metade de sua participação registrada anteriormente, entretanto, apresentando recuperação nos anos seguintes, encerrando o período com 8,19% no total do VAF estadual. Como grande parte dos produtos vegetais in natura nessa região estão concentrados na citricultura e na cana-deaçúcar, ambas para exportação, as oscilações tiveram ligações diretas com o movimento geral da economia, em especial, a valorização cambial de 1994, os vários movimentos das bandas cambiais até a desvalorização ocorrida em 1999. Já para os produtos do reino animal, excluindo os anos de 95 e 96, o que se observa é uma trajetória ascendente, alcançando, em 1998, a maior participação relativa verificada na produção regional, com 16,16%. Notoriamente, é na região noroeste que a bovinocultura tem sua maior expressão, sendo, o estado de São Paulo, o maior exportador de carnes do Brasil e dos maiores do mundo. O alto grau de competitividade do setor no mercado internacional explica o período curto de retração da atividade no imediato pós-real e sua posterior recuperação. Por fim, cabe destaca-se o setor moveleiro na região. Esse setor não passou pelas fortes oscilações registradas em outros setores, mantendo elevadas participações em todos os anos, notadamente nos anos 90, com participações não inferiores a 10%. Existem dois pólos destacados: Mirassol e Votuporanga. Em Mirassol, as empresas apresentam menor grau de organização industrial, o que dificulta o aproveitamento de ganhos de aglomeração como centros de treinamento de mãode-obra qualificada e canais de distribuição. Contudo, esse setor é responsável por mais da metade do todo o emprego 79

formal gerado na indústria local. Já em Votuporanga, existe um maior grau de organização e muitas das empresas instaladas no município já obtiveram certificação de qualidade. As Regiões de Governo que compõem a RA de Rio Preto são facilmente separáveis em dois grupos no que tange a suas respectivas participações no total da indústria na RA. As RGs de Rio Preto e Catanduva concentram mais de 80% de todo o VAF da indústria de transformação da RA, tendo as demais regiões participações constantes e reduzidas durante todos os anos analisados, chegando em 2000 com participações de 8,8% para a RG de Votuporanga, 6,07% para a RG de Fernandópolis e 4,82% para a RG de Jales. Para o ano de 2000, a RG de Catanduva era responsável por 33,08% de todo o VAF regional. Uma análise mais detalhada da indústria dessa região mostra bem seus setores mais dinâmicos, destacando-se o setor alimentício. Este apresentou, para os anos 80, participações expressivamente altas, com valores acima de 85%, com retração no início dos anos 90. Depois apresentou rápida recuperação, chegando em 1998 com 64,62% de participação. Também merecedor de comentários foi o Setor de Material Elétrico e de Comunicações, que representava pouco menos de 28% no início dos anos 80, para ter em 1998 mais da metade do VAF gerado nessa região, com 56,45% devido à instalação de indústrias de fabricação de ventiladores. A cidade de Catanduva tornou-se recentemente conhecida como a capital nacional dos ventiladores de teto, cuja produção dinamizou toda região. Segundo Suzigan et al. (2001), existem atualmente pelo menos 10 empresas fabricantes de ventiladores de teto na região, a maior parte delas na própria cidade de Catanduva. Em conjunto, fabricam cerca de 2 milhões de ventiladores por ano, empregando aproximadamente 5.000 trabalhadores. As vendas destinamse primordialmente ao mercado interno, que as empresas locais dominam apesar da abertura comercial, porém as empresas maiores estão começando a exportar para países da América do Sul. O setor Produtos Mecânicos apresenta relativa estabilidade em sua participação, com retração na primeira metade dos anos 90 e respectiva recuperação nos 80

anos seguintes, contribuindo com o 46,70% do VAF regional no último ano da série. A RG de Catanduva também apresenta forte participação no setor Editorial e Gráfico, contudo apresentando queda no decorrer do período. Entre os setores mais expressivos que apresentaram queda pode ser destacado o de Produtos Químicos que, no início da década contribuía com 45,67% e cinco anos depois reduziu sua participação para 12,63%, valor que se manteve baixo, mas em crescimento até 1992, com relativa recuperação de seu patamar para, a partir de então, sofrer nova redução e posterior recuperação encerrando a série com 15,11%. De modo geral, a RG de Catanduva mantém sua importância na indústria de transformação da região, consolidando-se como um pólo intra-regional com participações totais não inferiores a 20% em todos os anos analisados. O município de Catanduva tem reforçado sua centralidade na região de governo recebendo praticamente a totalidade das novas inversões, no pós 2000, dentre as quais se destacam as empresas: Usina Cerradinho (Eletricidade, Gás e Água Quente), Loren Sid (Material Eletrônico e Equipamentos de Comunicações), Transit (Telecomunicações) e Fafica (Educação). Essas inversões representam cerca de 95% do montante investido na RG que foi de aproximadamente 26,7 milhões de dólares. Por fim, cabe lembrar que na RG de Catanduva, em Novo Horizonte, vem se desenvolvendo um APL de confecção de moda infantil, praia, cama e mesa.

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82 1980 0,06 0,23 0,12 0,08 2,16 0,07 sigilo 0,40 0,07 0,19 0,83 0,29 0,05 2,27 8,19 0,61 0,23 0,03 0,94 7,30 4,89 sigilo sigilo 1,60 1,47 0,56

1985 0,09 0,22 0,15 0,13 2,05 0,08 0,02 0,18 0,06 0,19 1,12 0,19 0,03 5,15 9,77 0,89 0,21 0,03 1,69 8,34 9,41 sigilo sigilo 4,36 0,70 0,67

1990 0,21 0,65 0,20 0,21 3,08 0,17 0,16 0,42 0,10 0,32 1,65 0,35 0,19 2,85 13,30 0,87 0,84 0,10 2,20 10,65 11,50 sigilo 0,16 6,70 1,82 0,95

Fonte: Base de Dados: SEADE - Tabulações Especiais: CEDE-IE/UNICAMP.

Setores / Anos Material de Transporte Metalúrgica Material Elétrico e de Comunicações Produtos Químicos Produtos Alimentícios Produtos Têxteis Produtos Farmacêuticos, Médicos e Perfumaria Produtos Minerais Não-Metálicos e Cimento Papel e Papelão Produtos Mecânicos Vestuário, Calçados e Artefatos de Tecidos Material Plástico Produtos de Borracha Bebidas, Líquidos Alcoólicos e Vinagre Mobiliários Editorial e Gráfica Diversos (I e III) Diversos (II) Artigos e Artefatos de Madeira Produtos do Reino Vegetal-In Natura Produtos do Reino Animal-In Natura-Frigoríficos Fumo e Produtos Derivados Pedra e Outros Materiais de Construção Couros, Peles e Produtos Similares Outras Indústrias Total da Ind. de Transformação de S. J. R. Preto

1991 0,10 0,68 0,10 0,13 2,56 0,23 0,13 0,24 0,06 0,25 1,48 0,30 0,24 4,13 10,98 0,83 0,80 0,20 1,89 10,37 12,57 sigilo sigilo 3,22 1,51 0,85

1992 0,06 0,54 0,12 0,12 2,70 0,20 0,11 0,22 0,04 0,24 1,30 0,45 0,31 3,79 11,94 0,92 0,67 0,08 1,83 5,18 12,69 sigilo 0,04 1,03 1,06 0,75

1993 0,10 1,03 0,11 0,16 2,89 0,15 0,12 0,19 0,06 0,29 1,43 0,53 0,20 3,60 13,84 0,66 0,60 0,39 2,05 5,12 10,37 0 0,04 9,05 1,72 0,87

1994 0,13 0,94 0,31 0,08 2,31 0,13 0,14 0,35 0,07 0,43 1,92 0,50 0,47 3,77 12,58 0,80 0,72 0,43 2,10 6,16 12,71 0 0,03 4,49 1,72 0,90

1995 0,19 0,97 0,29 0,14 2,82 0,10 0,18 0,46 0,05 0,54 1,91 0,34 1,27 2,34 12,43 1,05 0,62 0,29 2,39 6,11 6,42 0,02 0,10 6,03 2,78 1,00

1996 0,19 1,05 0,23 0,18 4,00 0,09 0,14 0,41 0,07 0,55 1,79 0,29 1,13 1,44 14,04 1,17 0,57 0,31 1,87 2,67 9,64 0 0,15 6,99 3,88 1,12

1997 0,28 0,99 0,30 0,15 5,51 0,10 0,13 0,36 0,09 0,54 2,03 0,31 1,09 3,40 13,50 0,94 0,85 0,31 1,52 12,35 16,64 sigilo 0,06 5,75 2,00 1,61

1998 0,25 0,94 0,34 0,14 5,67 0,07 0,16 0,39 0,09 0,50 1,91 0,29 0,65 3,08 13,91 0,87 0,75 0,38 1,33 8,19 16,16 0,12 6,93 1,95 1,60

Quadro 2.2 – Distribuição do Valor Adicionado Fiscal da Indústria de Transformação da RA São José do Rio Preto, segundo os diferentes setores em relação ao total do estado de São Paulo. (Em %)

A Região de Governo de São José do Rio Preto é de longe a mais industrializada de toda a RA, apresentando no ano de 1998 dez setores com participações acima de 70%. O setor de Produtos Químicos, que apresentava queda na RG de Catanduva, aumentou sua participação na RG de Rio Preto ocorrendo comportamento inverso com o setor de Material Elétrico e de Comunicações, mesmo que com menos intensidade. Um dos setores que mais apresentou oscilações negativas foi o têxtil. Durante a abertura econômica iniciada no Governo Collor foi duramente afetado, entrando em situação de grandes dificuldades que, a partir da equiparação do real com o dólar, foram incompatíveis para a manutenção de várias empresas no mercado. Segundo entrevistas com empresários do setor, a produção chinesa de tecido entrava na região com preços inferiores ao custo de produção local, impossibilitando a concorrência. Esse movimento se expressa nos números do setor: houve uma brusca queda de participação que girava em torno dos 90% até pelo menos meados dos anos 90 para, a partir de então, apresentar seu limite inferior em 1997, com 43,91%. Houve uma posterior recuperação no ano seguinte, no qual registrou-se uma participação de 50,05%, contudo muito aquém dos valores registrados no início da década de 90 (95,74% em 1990 e 97,24% em 1991). O comportamento registrado no setor têxtil pode ser observado também em outros setores, como o de Vestuário, Calçados e Artefatos de Tecido, com duas especificidades. A primeira é que a inflexão na tendência de crescimento se dá um ano antes e a segunda é a menor intensidade na redução apresentada. Destacam-se ainda nessa RG: Metalurgia (77,68%), Produtos Minerais Não Metálicos (79,14%), Papel e Papelão (80,64%). Material Plástico (83,44%), Produtos de Borracha (74,20%), Pedras e Outros Materiais para Construção (82,29%) e Outras Indústrias (72,21%).30

30 Valores observados para 1998.

83

O município de Rio Preto também é conhecido pelo seu pólo joalheiro, composto basicamente por micro e pequenas empresas. À medida que se organiza na forma de um APL (arranjo produtivo local), poderá aumentar a cooperação deste aglomerado de cerca de 150 empresas, que geram mais de 4.000 empregos. Essas empresas, com o apoio da Prefeitura, do Sebrae, do Sindicato da Indústria Joalheira do estado de São Paulo (Sindijóias), do Instituto Brasileiro de Gemas e Metais (IBMG), da Fiesp, do Ciesp, entre outras entidades estão se preparando para tornar o pólo joalheiro uma referência nacional e internacional. O setor está investindo em design e tecnologia, acompanhando tendências internacionais e aumentando a competitividade de empresários locais. Essa reação, baseada na cooperação e na densificação de seu tecido sócio-produtivo, iniciou-se quando Limeira começou a se destacar nesse tipo de negócio, inclusive atraindo empresas antes sediadas em Rio Preto. Cabe destacar também o Pólo Moveleiro de Mirassol, integrado pelos municípios de Mirassol, Bálsamo, Jaci, Neves Paulista, agregando 10 empresas médias e 60 de pequeno porte, com cerca de 3.000 empregados. Significa dizer que o Pólo responde por mais de 50% das atividades econômicas do município. A produção moveleira de Mirassol também não alcançou elevado padrão competitivo, que possibilite volumes apreciáveis de exportação. O impeditivo básico igualmente diz respeito à falta de design próprio. A Região de Governo de Votuporanga é a terceira maior em VAF da indústria de transformação na RA de Rio Preto, contudo o peso de sua participação é bastante reduzido em comparação com as duas primeiras. Em 2000, enquanto Rio Preto e Catanduva contribuíam com 47,23% e 33,08% respectivamente, Votuporanga contribuía com apenas 8,80%. Apesar da falta de expressão industrial da região de Votuporanga, pode-se destacar setores dinâmicos com participação relevantes para o conjunto da RA. O setor de Material de Transporte registra a maior participação dentre os setores selecionados com 43,58% em 1998. As empresas Coacavo, Agromec, Votuagro, Tawaty, Agrofértil Prado foram responsáveis pelo investimento 84

de 100 mil dólares no setor de transportes e viagens nos últimos anos. O setor têxtil, que tinha uma participação insignificante até 1996, ano em que apresentou taxa de 1,84%, passa a partir de 1998, a ter peso considerável para a RG e para a RA com 26,19%, segunda maior taxa apresentada por essa região, crescimento esse que se beneficiou da perda de participação da RG de Rio Preto. São também representativos os setores de Produtos do Reino Vegetal in Natura, Artigos e Artefatos de Madeira e Produtos do Reino Animal in Natura e Frigoríficos que, em 1998, apresentaram participações da ordem de 19,94%, 19,90% e 13,85% respectivamente. Na Região de Votuporanga e, em especial, na sede da Região de Governo, destaca-se desde o início dos anos 80, o setor Mobiliário. A participação desse setor no total do VAF manteve-se relativamente estável com exceção de 1993, ano de expressiva queda, saindo de uma participação anterior de 21,60% para 14,04%. Contudo, com imediata recuperação no ano seguinte, atingiu seus patamares anteriores. A região de Votuporanga reúne a segunda maior concentração de fabricantes de móveis do Brasil, depois de Bento Gonçalves (RS). Caracteriza-se pelo grande número de pequenas empresas; aproximadamente 350 fabricantes, 170 dos quais na cidade de Votuporanga, empregando cerca de 7.000 pessoas. Existe uma cooperação interinstitucional razoável, expressa no apoio da associação industrial local e na participação da agência estadual do Sebrae. As empresas também contam com políticas locais de incentivo, assim como parcerias com o SENAI, para treinamento de trabalhadores, e com o CETEMO (Centro Tecnológico do Mobiliário) para desenvolvimento tecnológico (Suzigan et. al., 2001). É variável o grau de atualização tecnológica das empresas, decorrendo que a produção ainda não alcançou um elevado padrão competitivo, que possibilite volumes apreciáveis de exportação. O impeditivo básico continua a ser a falta de design próprio, valendo-se as empresas da cópia de modelos estrangeiros. Todavia, parece ser considerável o grau de 85

associativismo, o que tem possibilitado a reestruturação da produção, do gerenciamento e das atividades de marketing. Produzem principalmente para o mercado interno, entretanto, já estão inseridas no mercado internacional. A Região de Governo de Fernandópolis apresenta uma baixa contribuição ao VAF da RA. A região está industrialmente concentrada no setor de Material Elétrico e de Comunicações, correspondendo a 24,78% de peso e no setor de Couros, Peles e Produtos Similares, o setor industrial mais dinâmico da região com 32,42%, valor esse que encerra a série de crescimento iniciada em 1996. Destaca-se também o setor de Bebidas, Líquidos Alcoólicos e Vinagre que apresenta participações relevantes a partir de 1997 e Produtos do Reino Vegetal In Natura que, apesar de registrar uma participação de 13,52% em 1998, chegou a ser o primeiro setor em participação no VAF da RA, com 38,51% em 1995. Outro setor que apresenta participação superior a 10% em 1998 foi o de Produtos do Reino Animal In Natura e Frigoríficos com 11,76%. Grande parte dos dados para a Região de Governo de Fernandópolis está sob sigilo estatístico por causa do reduzido número de empresas (três ou menos). Contudo, em todos os setores existem informações suficientes para deduzir que não existe nenhum deles que esteja subestimado em sua importância devido, por exemplo, a presença de alguma estrutura oligopolista na região. Por último, na Região de Governo de Jales, a mais distante e com a menor participação no VAF dentro da RA, apenas quatro setores, dentre os analisados apresentam participação superior a 10% (têxteis, produtos vegetais, animais e couros e peles). Ao contrário da RG de Fernandópolis, na RG de Jales, o sigilo estatístico deixa pelo menos dois setores com problemas para se analisar. O primeiro é o de Fumo ou Derivados que para o ano de 95 registrou uma participação de 98,16%, para o ano seguinte chegou a 100%; contudo, nos anos seguintes – 1997 e 1998 – os valores estão sob sigilo estatístico. O segundo 86

problema relacionado ao sigilo está no setor de Couros, Peles e Produtos Similares que a partir do ano de 1993 apresenta valores baixos até 1996. No ano seguinte, sua participação está sob sigilo e, em 1998, a participação registrada é de 20,31%, a maior entre todas naquele ano. Todavia, no caso dessas distorções estatísticas, em pesquisa in loco, observou-se para o primeiro caso uma inadequação fundiária para o cultivo de fumos na região, concentrando, dessa forma, em Jales, uma incipiente indústria de transformação do produto, dada a predominância de pequenas propriedades, diferente do restante da região. Outro fator a se destacar é o predomínio da mão-de-obra familiar no município. Para o setor de couros, o que existe é o predomínio de pequenos e médios curtumes. Os frigoríficos compram o gado vivo e vendem o couro para empresas fora da região, não estimulando as empresas locais. Também, com o aumento do rigor na fiscalização ambiental, foram registrados fechamentos de curtumes que operavam inadequadamente do ponto de vista ambiental. Em Jales, os setores ligados aos produtos derivados de animais e vegetais são importantes. Essa região não apresenta perfil industrial, tendo na agricultura sua fonte principal de renda, sendo o trabalho familiar de grande importância, pois as pequenas propriedades são maioria. O núcleo urbano de Jales concentra um pouco mais de dinamismo no setor de serviços e comércio em geral, tornandose referência para os municípios de seu reduzido hinterland, oferecendo uma pequena gama de produtos e serviços, muitas vezes ligados à agricultura que, na sua ausência, são abastecidos pelo centro regional de Rio Preto. Encerrando esta análise da estrutura e da dinâmica do aparelho produtivo da RA, cabe apontar alguns elementos de sua diversificação e especialização terciária. Embora esteja entre as de maior número de municípios (96), com cerca de 1,3 milhão de habitantes (3,5% da população estadual), a RA não possui elevado contingente populacional que viabilize escala adequada para a atração de 87

investimentos terciários de maior envergadura na prestação de alguns serviços especializados e sofisticados. Exceto pelo município-sede, sua população está relativamente dispersa, não apresentando outros adensamentos populacionais aptos a promoverem fatores aglomerativos para o fornecimento de certos serviços mais complexos e avançados. Com cerca de 400 mil habitantes, São José do Rio Preto encontra-se a apenas 11 km de Mirassol (quase 50 mil habitantes), formando, assim, importante espaço demográfico e econômico, mais denso e com ponderável mercado de consumo onde podem ser oferecidos os serviços mais sofisticados da região e o comércio pode lograr maior diversificação. Os municípios de Jales (cerca de 46 mil habitantes em 2000), Fernandópolis (62 mil), Votuporanga (76 mil) e Catanduva (quase 106 mil) também exercem algum papel comercial e de prestador de serviços em suas sub-regiões. Essas duas últimas, por estarem mais próximas de São José do Rio Preto (82 e 61 km, respectivamente), acabam concorrendo com ela em algumas atividades. No quadro abaixo, são destacados alguns serviços prestados na Região.

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Quadro 2.3 - Quadro Sinótico das Atividades Terciárias da RA de São José do Rio Preto. (continua) RA São José do Rio Preto

Participação no total do ESP

8.167 Estabelecimentos de Serviços (2003).

3,1% dos Estabelecimentos de Serviços.

Comparação com o ESP

Serviços Culturais (2003): 28 centros culturais/casas de cultura

6,2% centros culturais/casas de cultura;

102 bibliotecas

7,2% das bibliotecas;

14 salas de cinema

2,5% das salas de cinema;

12 salas de teatro

4,1% das salas de teatro;

Serviços de Comunicação (1999)  19,91 terminais telefônicos por 100 hab.

 

24 terminais telefônicos/100 hab. (1999).

Serviços Financeiros (2001)  264 agências bancárias R$ 1,61 bilhões em operações de crédito; R$ 2,03 bilhões em depósitos bancários.

4,8% das agências bancárias; 0,77% das operações de crédito; 0,8% dos depósitos bancários.

Serviços Educacionais (2003)  61.214 matrículas educação infantil;

3,7% das matrículas educação infantil;

46.666 matrículas na pré-escola;

3,5% das matrículas na pré-escola;

14.548 matrículas em creches;

4,2% das matrículas em creches;

177.144 matrículas no ensino fundamental;

3% das matrículas no ensino fundamental;

70.116 matrículas no ensino médio;

3,3% das matrículas no ensino médio;

39.226 matrículas no ensino superior;

3,7% das matrículas no ensino superior;

3.488 matrículas na educação especial;

4,8% das matrículas na educação especial.

Taxa de analfabetismo da população de 15 anos e mais (2000): 9,27%

Taxa de analfabetismo da população de 15 anos e mais (2000): 6,6%.

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(continuação) RA São José do Rio Preto

Participação no total do ESP

Comparação com o ESP

0,76 enfermeiros/ mil habitantes;

 

0,81 enfermeiros/mil habitantes;

1,3 técnicos de enfermagem/ mil habitantes;

 

0,87 técnicos de enfermagem/ mil hab.;

4,2 auxiliares de enfermagem/mil habitantes;

 

4,86 auxiliares de enfermagem/mil hab.;

3,01 dentistas/2 mil habitantes;

 

3 dentistas/2 mil habitantes;

0,25 técnicos de prótese dental/2 mil habitantes;

 

0,28 técnicos de prótese dental/2 mil hab.;

2,01 médicos/mil habitantes;

 

2,03 médicos/mil habitantes;

0,86 psicólogos/mil habitantes.

 

1,3 psicólogos/mil habitantes.

Serviços de Saúde (2003) 

189 Unidades de Atenção Básica 5,4% das Unid. de Atenção Básica de Saúde; de Saúde; 4110 Leitos do SUS. Taxa de mortalidade geral (óbitos gerais de residentes/população multiplicado por mil hab) em 2004: 6,93%

5,4% dos Leitos do SUS.

Taxa de mortalidade geral (óbitos gerais de residentes/ população multiplicado por mil hab) em 2004: 6,2%

Serviços Prisionais (2005) 1 penitenciária; 1 centro de 1,4% das penitenciárias; 4,8% dos ressocialização e 1 instituto penal centros de ressocialização 50% agrícola dos institutos penais agrícolas Total de Ocorrências de Crimes 3,3% do Total de Ocorrências de (2003): 62.972 Crimes Serviços de Distribuição  11.730 Estabelecimentos do Comércio (2003); 1 shopping center filiado à ABRASCE.

4,3% dos Estabelecimentos do Comércio 1,7% dos shopping centers filiados à ABRASCE.

Fonte: Fundação SEADE. ABRASCE - Associação Brasileira de Shopping Center. Secretaria de Estado da Administração Penitenciária. Apud Cano (2006).

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2.5 - Considerações finais Na Região Administrativa de São José do Rio Preto, constata-se importante diversificação produtiva, modernização agrícola, grande diferenciação social e econômica, alguma centralidade terciária etc, que configuram uma economia urbana relativamente complexa e potente. A distância de cerca de 500 km em relação à capital estadual proporciona certa proteção frente à concorrência extraregional, garantindo-lhe um mercado regional ponderável, com a constituição de estrutura produtiva mesoregional centrada na agroindústria, mas que rapidamente se diversificou, inclusive comércio, serviços e indústria. A região foi favorecida por vários investimentos públicos a partir da década de 70 que impactaram sua urbanização. O Programa Cidades Médias do II PND apoiou o seu pólo regional, que recebeu consideráveis inversões em infraestrutura. O Proálcool, a partir de 1974, também provocou o fortalecimento da indústria, da agricultura e da infra-estrutura no interior do Estado. Este processo de expansão econômica deu suporte à expressiva urbanização. Além da agroindústria e da pecuária, a região consolidou-se como importante centro comercial e de prestação de serviços especializados. A RA detém sistema educacional digno de atenção, inclusive de nível superior, com destaque para Rio Preto e, em menor grau, Catanduva e Votuporanga. Apresenta, ainda, variados serviços ligados à sua privilegiada infra-estrutura logística multimodal, graças à presença de densa malha rodoviária, Ferroban, aeroporto etc. A cidade de Rio Preto vem se consolidando como importante centro médico, reconhecida pelas cirurgias e a fabricação de instrumentos para intervenções cardiovasculares. Um bom exemplo é seu papel de pólo médico. Estima-se que o Estado tenha uma média de 2 médicos por mil habitantes, enquanto em Rio Preto seriam 4. Se a RA, sobretudo a cidade de São José do Rio Preto, estende sua influência, principalmente na oferta de serviços 91

e comércio, para o sul de Mato Grosso e Goiás, além, obviamente, para o oeste paulista, é bom lembrar que essa dinamização da economia regional teve como contrapartida a valorização dos principais espaços urbanos, o que fortaleceu a especulação imobiliária na região. Ocorreu nítido movimento de periferização e proliferação de loteamentos irregulares nos arredores de suas principais cidades para populações de baixa renda, e o adensamento e verticalização na ocupação das áreas centrais. Importantes desafios são colocados para a região neste momento, cabendo uma melhor articulação de suas forças sociais na discussão e implementação de estratégias de desenvolvimento concertadas democraticamente, que possam garantir a importante posição alcançada, e, ao mesmo tempo, enfrentar os problemas sociais acumulados.

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Referências bibliográficas ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. (2003). O Estado dos municípios 1997-2000: IPRS – Índice Paulista de Responsabilidade Social. São Paulo, Assembléia Legislativa. CANO, W. (1998a). Raízes da concentração industrial em São Paulo. São Paulo, T. A. Queiroz. Republicado pela editora do Instituto de Economia da Unicamp. (30 anos de Economia – Unicamp, 1). ____. (1998b). Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil (1930-1970; 1970-1995). 2 ed. Campinas: Unicamp/Instituto de Economia, Campinas. ____. (2006). A economia paulista: principais transformações entre 1980 e 2003. Campinas: ISPP/ CEDE-IE-UNICAMP, 2 vol. (no prelo). CARNEIRO, R. (2002). Desenvolvimento em crise: a economia brasileira no último quarto do século XX. Editora Unesp, São Paulo, SP. CARVALHO, J. G. (2004). Integração e dinâmica regional: o desenvolvimento recente da Região Administrativa de São José do Rio Preto (1980-2000). Instituto de Economia/ Unicamp, Campinas. (dissertação de mestrado). MATUSHIMA, M. K. (2001). A formação de um eixo de desenvolvimento entre os municípios de São José do Rio Preto e Mirassol – SP. Unesp, Presidente Prudente. (dissertação de mestrado). NEGRI, B. (1996). Concentração e desconcentração industrial em São Paulo (1980-1990). Editora da Unicamp, Campinas, SP.

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PETTI, R. H. V. (Coord.).(2004). Estudos de mercado de trabalho como subsídio para a reforma da educação profissional no estado de São Paulo. Dezembro de 2003. São Paulo: SEADE/IEA. SUZIGAN, W. et. al. (2001). Aglomerações industriais no Estado de São Paulo. (mimeo). TARTAGLIA, J. C.; OLIVEIRA, O. L. (1988). Modernização e desenvolvimento no interior de São Paulo. São Paulo, Unesp, Araraquara, SP. VASCONCELOS, L. A. T. (1992). Desenvolvimento econômico e urbanização nas regiões administrativas de São José do Rio Preto e de Araçatuba. Instituto de Economia/Unicamp Campinas, SP. (dissertação de mestrado).

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APÊNDICE Perfil industrial de São José do Rio Preto e seu entorno31. Jucilaine Felix da Silva Heloisa Gotardo32 Nota Metodológica A síntese aqui levantada deriva de pesquisa de campo em indústrias da região de São José do Rio Preto, considerando os efeitos multiplicadores deste setor para os demais setores da economia. Os resultados apresentados são frutos de um questionário aplicado em 11 empresas, em forma de entrevistas, diretamente com sócios-proprietários ou gestores durante os meses de janeiro e fevereiro de 2006. As firmas selecionadas foram classificadas por setores de atividades vis-à-vis porte empresarial. Longe da pretensão de ser um trabalho de grande envergadura, essa pequena amostra tem como objetivo alicerçar o leitor dos dois primeiros capítulos com dados quantitativos e qualitativos da realidade regional a partir do prisma das empresas aqui listadas. Para tanto, entra como um apêndice que pelo seu caráter analítico reduzido, deve ser lido à luz do que foi apresentado nos capítulos anteriores.

31 Este trabalho deriva do projeto de Iniciação Científica “Demanda e Oferta de Crédito: limites e possibilidades do financiamento empresarial e sua relação com o desenvolvimento regional” levado a cabo entre julho de 2005 e agosto de 2006, com o apoio financeiro e institucional do Centro Universitário de Rio Preto (UNIRP) sob orientação do professor Joelson Gonçalves de Carvalho. 32 Estudantes de Administração da UNIRP e orientandas no referido projeto de iniciação científica.

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Tabela A1 – Empresas entrevistadas por setor industrial Porte* Indústria e comércio de esquadrias e derivados de alumínio, plásticos e borracha

Médio

Indústria e comércio de bebidas e derivados

Médio

Indústria de confecções infantis

Pequeno

Indústria de sacos plásticos para embalagens

Micro

Indústria de materiais plásticos e equipamentos de irrigação

Médio

Indústria de móveis de aço p/ área médica

Pequeno

Desenvolvimento e comércio de software**

Pequeno

Indústria de processamento de cana de açúcar

Grande

Indústria de processamento de látex (borracha) natural

Médio

Indústria metalúrgica de mesas e cadeiras de aço Indústria alimentícia de doces e derivados de amendoim



Pequeno Médio

Fonte: pesquisa de campo. Tabulação própria. *Classificação por porte de empresas, adotada pelo BNDES aplicável à indústria, comércio e serviços, conforme Carta Circular nº. 64/02, de 14/10/2002.** Empresa do setor não industrial contudo com alto grau tecnológico para os padrões regionais.

Perfil qualitativo e quantitativo da amostra A partir dos questionários aplicados às empresas, concluiuse que seis delas faturam acima de R$10 milhões reais/ano, cinco apresentam número superior a 100 trabalhadores e, ainda, seis remuneram seu quadro de trabalhadores em faixa salarial acima de R$600,00 mensais33. Quanto à constituição societária, em nove empresas pesquisadas, a forma encontrada foi a de sociedade limitada, com médias de dois a três sócios constituídos e dois sócios controladores na administração do negócio. Das onze investigadas, nove apresentaram gerenciamento administrativo e financeiro totalmente familiar e com baixo grau de administração profissional.

33 O salário mínimo durante o trabalho de campo era de R$300,00.

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Tabela A2 - Perfil das Empresas Entrevistadas Variável

Faturamento (Milhões de Reais/Ano)

Número de Funcionários

Faixas Salariais (Reais/Mês)

Faixas

Número de Empresas

Até 01 01 a 05 05 a 10 10 a 50 50 a 100 Acima de 100 01 a 10 10 a 30 30 a 50 50 a 100 Acima de 100 300 a 380 380 a 450 450 a 600 Acima 600

1 2 2 5 0 1 2 2 2 0 5 0 0 5 6

Fonte: pesquisa de campo. Tabulação própria.

Em todas as empresas o capital é integralmente nacional. A perenidade pode ser citada como fator de preponderância na economia, quando se verifica que oito das empresas têm tempo de atividade superior a 10 anos. Outro dado significativo constatado refere-se à questão da amplitude das atividades econômicas das empresas em forma de filiais, com um resultado de cinco destas mantendo atividades seguimentares em outras localidades, notadamente fora da cidade ou, ainda, do Estado. Tabela A3 – Empresas com filiais estabelecidas Setor

Matriz

Esquadrias de alumínio e outros derivados

S J Rio Preto/SP

Indústria de bebidas

S J Rio Preto/SP

Indústria de materiais e equipamentos plásticos Desenvolvimento e com de software Indústria de processamento de cana-deaçúcar

Filial (is) Bauru/SP São Paulo/SP Vitória/ES Tanabi/SP Uberlândia/MG Fronteira/MG

S J Rio Preto/SP

Juazeiro/BA

S J Rio Preto/SP

Belo Horizonte

Novo Horizonte/SP

Mendonça/SP

Fonte: pesquisa de campo. Tabulação própria.

A amostra está dividida em oito empresas localizadas em São José do Rio Preto e três em municípios da região. Das onze visitadas, 97

oito delas estão instaladas na zona urbana e apenas três em localidades denominadas distritos industriais. As empresas situadas em áreas rurais – duas - estão diretamente ligadas a atividades de agronegócio. No que se refere à estrutura física do empreendimento, dez empresas estão estabelecidas em prédios próprios o que demonstra que há certa preferência pela imobilização do capital através de imóveis. Isso fica mais evidente na medida em que outros dados demonstram, na questão da formação do patrimônio da empresas, uma acentuada importância aos itens terrenos e prédios, com nove empresas mantendo estes bens imobiliários em seu rol patrimonial. Tabela A4 – Empresas por localização e instalações Localização

Zonas Urbana

S J Rio Preto

08

Mirassol

01

Instalações Rural

Próprias

Alugadas

07

01

01

Monte Aprazível

01

01

Novo Horizonte

01

01

Fonte: pesquisa de campo. Tabulação própria.

No que se refere às transações comerciais com o mercado externo, pode ser constatada insipiência, mas inicialização de movimentos no sentido de aprimorar as exportações, com números que mostram duas das empresas pesquisadas vendendo regularmente para o exterior, e quatro ainda com vendas eventuais. Os países mais citados, neste processo, estão concentrados na Ásia (Japão), América do Sul (Argentina e Paraguai) e países latino-americanos (Chile, Costa Rica), além de alguns da Europa e África. No processo de importação, as relações são menos significativas, com apenas uma empresa afirmando comprar de outros países habitualmente e duas, esporadicamente, principalmente do Japão, Coréia, Taiwan e EUA. Independente das transações diretas com o mercado externo, as empresas pesquisadas estão indiretamente sujeitas ao comércio exterior e variação cambial, pois transacionam com fornecedores, que, em geral, dão preferência à exportação em detrimento ao comprador interno, ou ainda, têm seus preços oscilando, conforme as tendências do mercado.

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Tabela A5 – Empresas exportadoras Setor Esquadrias de alumínio e outros derivados Indústria de bebidas

Países Compradores

Freqüência das Vendas

Paraguai/Chile

Eventualmente

Japão

Regularmente

Indústria de confecções

Líbano

Eventualmente

Indústria de materiais e equipamentos plásticos

Chile/Argentina/ Costa Rica Espanha/Portugal/Angola/ África do Sul

Regularmente

Indústria de móveis de aço p/ área médica

Angola

Eventualmente

Usina de proces-samento de cana-de-açúcar e álcool

Rússia/Nigéria/Sri Lanka Zanzibar

Eventualmente

Fonte: pesquisa de campo. Tabulação própria.

No mercado interno, os fornecedores são classificados como de médio e grande porte, com significativo poder de negociação, mas com pouca concentração em números de empresas vendedoras, demonstrando um livre mercado de relacionamentos comerciais. Embora com indicações de localização em diversas regiões do país e até mesmo no exterior, verificou-se a predominância no interior de São Paulo, inclusive com número relevante de empresas da região em estudo. Com relação aos compradores, são divididos em micro, pequeno, médio e grande porte, concentram-se na região Sudeste, principalmente no estado de São Paulo, mas também obtêm-se informações de grandes volumes de negociação para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, principalmente como mercados em expansão comercial. As transações comerciais são financiadas em curto prazo, média de 50 dias, mas podendo compreender o período de 10 a 150 dias, com variações conforme o seguimento e tamanho do negócio. Um recente movimento captado nas entrevistas qualitativas foi a busca por uma administração menos familiar e mais profissional. Isso deriva do ambiente concorrencial que essas empresas estão inseridas. Em sua maioria os concorrentes das empresas entrevistas ou são lideres de mercado ou são grupos de maior porte que as entrevistadas. 99

No que tange ao lado financeiro, verifica-se que mais de 60% das empresas possuem débitos, variando de operações de curto e médio prazo, dos tipos descontos34, operações com aval, fiança, garantia de recebíveis e leasing, com destaque para a predominância do primeiro. Também pôde ser constatado que 45,45% das empresas possuem renegociações de impostos e encargos junto ao poder público, tanto na esfera estadual como federal. De modo geral, aproximadamente 20% do faturamento anual dos negócios das empresas entrevistadas já se encontram comprometidos com endividamento e que as origens dos recursos para financiamentos são, majoritariamente (72%) propiciadas por agentes privados. Uma característica constatada em relação a maioria dos administradores é o conservadorismo quanto a obtenção de crédito, buscando soluções a baixo risco e curto prazo, com restrições a fornecimento de garantias reais (patrimônio) e relacionamento com número pequeno de agentes de crédito, além de consideráveis alegações de insegurança quanto a evolução da economia no país. Ratificando as impressões, obteve-se a apuração de endividamento, de forma ampla e geral, em capital de giro ou desconto de recebíveis em tempo reduzido. Os prazos mais comuns de empréstimo são de 01 a 12 meses, em 54,54% das empresas, e as taxas médias aplicadas estão na faixa de 6% a 12% a.a (54,54%). Os planejamentos de expansão produtiva, comercial ou de estrutura envolvem 91% das empresas pesquisadas, entretanto, as fontes de financiamento para a ampliação dos negócios estão relacionadas aos próprios recursos das empresas (63,63%), enquanto a busca por recursos públicos está nas metas de pouco mais de 35% das pesquisadas, tendo ainda uma pequena participação (9,10%) dos que visam obter crédito através de recursos privados. Em que pese a maior parte dos estabelecimentos estarem localizados em área urbana, incluindo distritos industriais, não se pode concluir que as necessidades básicas de infra-estrutura são devidamente atendidas pelo Poder Público. Alguns 34 Descontos referem-se à antecipação de títulos recebíveis do tipo duplicatas, cheques, notas promissórias entre outros.

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entrevistados sugeriram existir carência de saneamento básico, estrutura de telefonia e água, por exemplo, principalmente em uma das maiores áreas de conglomerados industriais de São José do Rio Preto. Também pela análise de dados qualitativos, constatam-se as dificuldades, por parte dos administradores na contratação de mão-de-obra qualificada, principalmente no que tange à instrução de profissionais de nível técnico. No entanto, as mais relevantes barreiras citadas como problemas ao desenvolvimento das empresas dizem respeito à questão de recursos para investimentos e incentivos ao crescimento produtivo, não apenas na esfera municipal, como estadual e federal. As dificuldades de obtenção de crédito estão relacionadas, segundo se apreende das entrevistas, significativamente a fatores como excesso de burocracia e exigência de garantias; também há referências às questões de linhas de crédito limitadas, desconhecimento dos processos por parte dos agentes financeiros e, consideravelmente, as altas taxas de juros, problemas esses enfrentados constantemente por 90% das empresas, que alegam se utilizar de alguma espécie de financiamento. Algumas delas, entretanto, optam por reinvestir através de recursos próprios, o que pode acarretar morosidade ou até mesmo inviabilizar o processo dinâmico de crescimento econômico. Os recursos de longo prazo a taxa de juros menores, maior interesse dos empresários a fim de financiar investimentos, que podem ser obtidos diretamente de órgãos governamentais, como o BNDES, acabam minimizados em conseqüência do processo burocrático de elaboração de projetos para avaliação, exigência de documentos e condições, além do distanciamento geográfico da Instituição Pública em relação às empresas da região, principalmente em se tratando das micro, pequenas e médias empresas. Incentivos fiscais ou formas similares objetivando potencializar a economia local ou regional também são fatores inexistentes por parte do poder público, exceção para o projeto de minidistritos industriais implantados na cidade de São José do Rio Preto.

101

3 Espaços Desiguais: ocupação do território e estrutura urbana de São José do Rio Preto Andréa C. A. Petisco 3.1 - Introdução Observar a estrutura urbana de São José do Rio Preto e sua relação com a ocupação do território é o foco deste capítulo. A linha que conduz o raciocínio sobre ele passa primeiramente por uma caracterização municipal, a fim de localizar o município no estado de São Paulo e apresentar, sinteticamente, sua estrutura urbana. A seguir, estão colocados elementos de crescimento, valorização urbana e desigualdade, os quais são apresentados através do mapeamento de indicadores de desigualdade intra-urbana e formas de ocupação do território. Apresenta, correlacionados a estes, os aspectos sobre legislação urbanística, segregação socioespacial, suas relações com a política urbana e um pouco de percepção sobre o desenvolvimento espacial do município, sua morfologia. Como os movimentos demográficos estão diretamente relacionados ao desenvolvimento urbano, estudos sobre população vêm se juntar ao crescimento irregular da cidade, fora dos limites do perímetro urbano, nos loteamentos irregulares. Por fim, a relação do crescimento intra-urbano e suas desigualdades atravessam o perímetro urbano, e considerações são feitas sobre a ocupação do território dentro da área rural, em direção aos municípios vizinhos, apontando para a tendência de formação de uma aglomeração urbana. 3.2 - Caracterização urbana municipal São José do Rio Preto localiza-se a noroeste do estado de São Paulo, a 20º48’36” latitude sul e 49º22’59” de latitude oeste. Ao norte, faz fronteira com as cidades de Ipiguá e Onda Verde, ao sul, o limite se dá com Cedral e Bady 103

Bassit; a leste, Guapiaçu e, a oeste, Mirassol. Tem como distritos Engenheiro Schimidt e Talhado. Localizado a 452 km da capital paulista e a 600 km de Brasília (Mapa 3.1), o município de 438km2 apresentava 357.705 habitantes em 2000 (correspondente a aproximadamente 29% da população total da região administrativa da qual é sede), resultando em uma densidade demográfica de 818,55 hab/km2 (Seade, 2002). Em 2006, a população do município já havia ultrapassado os 400 mil habitantes. Importante eixo de transportes de cargas e de passageiros do centro-oeste do Brasil, o município de São José do Rio Preto é cortado pelas Rodovias: Washington Luís (SP 310), que permite o acesso ao Centro-oeste do país e que liga a Região a São Paulo, ao litoral paulista e ao Porto de Santos; Transbrasiliana (BR 153), que liga o Norte ao Sul do país, permitindo o acesso à Argentina e ao Uruguai; e a Assis Chateubriand (SP 425), que vai do sul de Minas Gerais ao norte do Paraná e também dá acesso a Ribeirão Preto. Na comunicação regional, a rodovia BR 153 estabelece ligações com os municípios de Onda Verde e Bady Bassitt, a rodovia Washington Luís a Mirassol e Cedral e a rodovia Assis Chateaubriand a Guapiaçu. A cidade é servida ainda pela Ferronorte, antiga Ferrovia Alta-araraquarense, que liga São Paulo a Santa Fé do Sul, cidade na divisa entre Mato Grosso do Sul e Goiás. Possui aeroporto estadual, por onde circulam, por ano, uma média de 300 mil passageiros e 400 mil quilos de carga. Seis empresas já ofereceram conexões para o Brasil e vôos regulares para São Paulo. Atualmente, três empresas fazem este serviço. O Município conta ainda com um terminal alfandegário, a Estação Aduaneira do Interior (EADI), “porto seco”, entreposto comercial aduaneiro de exportação e importação, que realiza funções de portos, aeroportos e postos de fronteiras. De acordo com a Prefeitura Municipal (2002), está prevista a futura interligação com a Hidrovia Tietê-Paraná, por meio de um terminal intermodal rodo-ferro-hidroviário, relacionado também ao aeroporto.

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Mapa 3.1 - Localização de São José do Rio Preto no estado de São Paulo.



Fonte: Adaptado de http://www.ibge.gov.br (2002).

O município, que está a uma altitude de 475 metros em relação ao nível do mar, tem relevo pouco ondulado com espigões duplos e de modesta altitude. Possui vegetação tipo cerrado, cerradinho e capoeira, dependendo da fertilidade do solo e do abastecimento hídrico e apresenta clima tropical, com temperatura média de 25,4ºC e maior pluviosidade entre outubro e março. Pertence à bacia hidrográfica do Turvo Grande, composta pelo Rio Preto e seus córregos afluentes, a saber: do Macaco, da Lagoa, do Canela, do Borá, da Piedade, da Felicidade, São Pedro e do Talhado. Existem ainda dois lagos artificiais, represados para abastecimento da cidade, cuja área é utilizada também para lazer. 3.3 - A estrutura urbana de São José do Rio Preto Os primeiros estudos de crescimento urbano e de diretrizes de expansão urbana aconteceram em São José do Rio Preto antes de 1960. O primeiro traçado do perímetro urbano foi estabelecido pela Lei n. 535, de 1958. Nele estava contido o núcleo inicial da cidade, desenvolvido em quadrícula que se 105

situa junto à ferrovia e entre dois córregos, o Canela e o Borá, a exemplo de inúmeras cidades da expansão cafeeira do estado de São Paulo. Neste local, houve a primeira doação de terras ao município, feita pelos pioneiros da ocupação do sítio. Hoje, o terminal rodoviário intermunicipal e interestadual, assim como o terminal de ônibus urbano ficam junto à estação ferroviária, e os córregos estão canalizados sob as avenidas Bady Bassit e Alberto Andaló, duas das principais avenidas da cidade. Além disto, a represa municipal, destinada ao abastecimento de água de parte da população da cidade, também se encontra neste recorte, junto à estação de tratamento de água da cidade, o Palácio das Águas. Em 1984, a Lei n. 3504 já dividia a cidade em 9 zonas. Com o crescimento bastante acentuado, fez-se necessário o início da divisão dos usos do solo na cidade, a fim de minimizar conflitos que surgiam. Além disto, foi possível observar o crescimento do núcleo urbano para além das rodovias BR-153 (sentido norte-sul) e Washington Luís (sentido leste-oeste) e, ao norte, ultrapassava a ferrovia e o córrego da Piedade. Vale observar que a habitação para a população de menor renda situou-se no setor norte da cidade, após a ferrovia e o córrego Piedade, formando primeiramente o bairro Eldorado, onde o desenho das vias se mostra diferenciado, com duas estruturas concêntricas no seu sistema viário, levando a duas centralidades no desenho do bairro. Em menos de trinta anos, a cidade já podia contar com um aeroporto, estádios de futebol e chácaras de recreio ao longo da rodovia Washington Luís (sentido sudeste, direção a São Paulo). Em 1992, criada a Lei de Zoneamento35 da cidade, São José do Rio Preto foi dividida em 14 zonas. A área definida para o perímetro urbano de então era maior do que a malha urbana construída, ou seja, havia espaço previsto, disponível para sua expansão. O traçado do perímetro urbano apresenta fragmentos desprendidos do conjunto contínuo da malha urbana, ou seja, existem partes de solo parcelado, legalizado, destacados de sua continuidade. Além disto, muitos vazios urbanos restam ainda dentro do perímetro urbano, aumentando a descontinuidade do tecido urbano. 35 Juntamente com a Lei de Parcelamento do Solo e Plano Viário Básico, componentes do Plano Diretor de Desen volvimento de São José do Rio Preto, elaborado no início dos anos 1990 e implantado em 1992.

106

Em 1995, a Lei n. 5749, apresentou “emendas” no perímetro urbano, e acréscimos e modificações na lei de 1992, em mais de cem casos pontuais. O mapa de zoneamento disponível na prefeitura ainda se encontra “em atualização”, pois a legislação foi modificada neste período e ainda o é, pontualmente, alterando o zoneamento de acordo com análise específica de cada pedido de mudança, a fim de atender interesses pontuais sobre possibilidades de uso e ocupação do solo. Percebeu-se, assim, diante da análise da Lei de Zoneamento de 1992, 1995 e “emendas”, que as alterações das Leis de Uso e Ocupação do Solo não se deram junto a uma revisão do Plano Diretor da cidade, e sim, de forma fragmentada, pontual, de acordo com o surgimento de demandas para tais alterações. A cidade cresceu em proporção bastante grande durante o período apresentado, mais acentuadamente nos anos 1990, como será mostrado adiante. Isto se diz tanto para o que se refere à diversidade de comércio e serviços, como para a qualidade destes, oferecidos nas porções mais providas de infra-estrutura da cidade. A malha urbana cresceu mais do que a expansão do perímetro urbano, juntamente com o espalhamento da população nestes novos espaços. 3.4 - Vetores de crescimento, valorização urbana e desigualdade intra-urbana A valorização urbana foi sendo construída ao longo das décadas, com a infra-estrutura disponibilizada de forma desigual nas diferentes porções da cidade e com as possibilidades de acessibilidade aos bairros e às atividades neles desenvolvidas. Na evolução da malha urbana, a ferrovia e o córrego Piedade constituíram duas barreiras – uma artificial e outra natural – que segregaram os grandes setores da cidade. A área norte, conhecida pelo maior assentamento de pobres e carência de infra-estrutura e serviços públicos e a maior valorização do solo urbano na porção sul da cidade, especialmente ao sul da rodovia Washington Luís, com a localização dos bairros mais valorizados, as principais estruturas de comércio, serviços e saúde da cidade e, por fim, dos condomínios fechados, com habitantes de alta renda. 107

A segregação socioespacial, de acordo com Villaça (1998), se dá pela divisão das classes sociais no espaço da cidade. Asegregação, assim como a exclusão, são determinações geográficas produzidas pela classe dominante. Através destes fenômenos, ela exerce sua dominação no espaço urbano. Para Maricato (2001), segregação socioespacial e exclusão social podem ser geradas por uma combinação de dois fatores: as leis de organização da sociedade capitalista e a ação do Estado no processo de formação das cidades. Nesta última, está incluída a legislação urbanística, agindo como legitimadora de práticas excludentes e de segregação. A interação entre o mercado imobiliário e o Poder Público Municipal influenciam diretamente nos processos de exclusão social, especialmente em sua dimensão espacial. São várias, na visão de Vieira (2005), as formas que o Poder Público utiliza para exercer papel segregador: 1. alocando investimentos públicos em infra-estrutura urbana em áreas específicas; 2. elaborando políticas públicas habitacionais; 3. elaborando legislação urbanística; 4. planejando passivamente ou de forma privatista. Vieira (2005) desenvolveu, com o foco em São José do Rio Preto, um sistema de indicadores que permitissem a leitura das desigualdades intra-urbanas. Cada setor censitário da cidade recebeu uma nota36 para cada um dos 19 indicadores37 selecionados na pesquisa e desta composição, foi produzido um mapa síntese, apresentado a seguir (Mapa 3.2). Para os setores norte e noroeste da cidade, foram direcionados pelo Poder Público os assentamentos de habitação popular, há algumas décadas. A ação perdura. Nos últimos tempos, foi instalado o “Parque da Cidadania” nos limites da 36 Variando de UM, para os melhores setores, até QUATRO, para os piores setores. As notas DOIS e TRÊS foram conferidas aos setores intermediários. 37 Com dados retirados do IBGE 2000, fez uma composição com seis variáveis sobre domicílios; seis variáveis sobre domicílios com acesso aos meios de consumo coletivo e de saneamento básico; três variáveis sobre a renda das pessoas responsáveis pelos domicílios particulares permanentes; quatro variáveis sobre a idade do responsável pelo domicílio e mais duas referentes às pessoas residentes em domicílios particulares.

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Mapa 3.2 - Síntese dos Indicadores de Desigualdade Intra-urbana.

Fonte: VIEIRA, 2005 (organização e realização). Fonte dos Dados: IBGE - Censo Demográfico 2000. Grupo de pesquisa: SIMESPP – Sistema de Informação e Mapeamento de Exclusão Social para Políticas Públicas - UNESP Presidente Prudente.

109

malha urbana, nas franjas da cidade. Objetivo: remover um “assentamento subnormal”, mais conhecido como “favela”, das imediações do córrego Piedade. Para Villaça (1998), os dois principais elementos que conferem valor ao espaço são: acessibilidade – pela disponibilidade de transportes – e presença de infra-estrutura. No início, a acessibilidade a estes bairros era extremamente difícil, devido à ausência de infraestrutura, de transportes e da distância do “centro” da cidade, com grande tempo de deslocamento. As barreiras físicas, tanto naturais (córrego Piedade), como artificiais (estrada de ferro), conferiam àquele espaço real isolamento do núcleo central da cidade. As passagens eram estreitas e dificultosas de se vencer, considerando-se as barreiras físicas existentes. Chegar ao bairro Eldorado estava à semelhança de um parto: através de vias estreitas, passagens sob trilhos, túneis sem luz. E, do outro lado, não havia luz. De acordo com a pesquisa de Vieira, ainda há pouca luz. Os pontos “iluminados” e “opacos” das cidades de Milton Santos podem muito bem ser vistos em nossas malhas urbanas. Os elementos fixos (edificações e elementos naturais, entre outros) e os fluxos (pessoas, mercadorias, comunicações) estão distribuídos com muita desigualdade, gerando estas diferentes nuances. Nas palavras de Santos (1989), “o planejamento habitacional nas condições atuais, reforça as tendências segregacionistas”. Para os bairros mais antigos da cidade, localizados no centro urbano, próximos deste, e na porção nordeste da cidade, a mudança do uso do solo e as reformas freqüentes de imóveis caracterizam as principais transformações sofridas pelo espaço. O centro expandido surge. Áreas comerciais e de serviços avançando, áreas residenciais sendo gradualmente reduzidas – ou transferidas para algumas torres de apartamentos, num adensamento populacional de uma área valorizada pelo que os anos de história nela acumularam. Porém, com esta expansão, o sistema viário acabou sendo revisto em grande proporção, e as vias e passagens que antes configuravam o cenário de isolamento da zona norte foram beneficiadas, embora a população que habitava estes espaços possa ter se deslocado para bairros mais distantes, com valorização imobiliária menor. 110

Desta centralidade com padrão intermediário, de acordo com os estudos de Vieira, estão mesclados pontos de mais baixo padrão – em direção à zona norte – e pontos de mais alto padrão, em direção à zona sudeste. Para a zona sul-sudeste, a partir do centro da cidade, desenvolveu-se o setor elitizado da cidade. Clínicas médicas, substituindo residências dos antigos bairros de luxo, procuram alcançar o eixo do Hospital de Base, que se desenvolveu a passos largos nas últimas décadas. Reafirmou a cidade em um de seus pontos de excelência, em relação a outros do estado e do país: a qualidade dos serviços médicos de que dispõe. Cresceu, ganhou proporção regional, atraiu mais gente de outras cidades e, com elas, sentiu a sobrecarga no atendimento público de saúde e das estruturas urbanas das imediações do hospital, como ocupação das vias públicas para comércio. Outros espaços foram destinados, nas proximidades das instalações atuais, para abrigar estas atividades, como forma de minimizar os impactos urbanos. No mesmo eixo de desenvolvimento, sentido sudeste da cidade, foi instalado o primeiro shopping center da cidade, uma âncora para o crescimento urbano. Elitizado, diga-se de passagem. O número de condomínios fechados cresceu na região, transferindo a população de mais alta renda para o interior de seus muros. Outro vetor de expansão dos condomínios fechados é o setor leste da cidade, na região da represa de abastecimento de água. Esses condomínios estão em rápida expansão atualmente. Vale lembrar que os “condomínios fechados” da cidade foram aprovados como loteamentos comuns e depois foram cercados por muros, restringindo o uso coletivo de suas áreas públicas. Passaram a operar em regime condominial, com regras internas específicas, determinadas para cada condomínio. Vale observar que esta conduta não poderia ser admitida pela municipalidade, uma vez que áreas dos loteamentos devem ser doadas pelo proprietário para uso coletivo (percentagem destinada a arruamento, uso institucional e áreas verdes), considerando-se a legislação federal vigente. Tais áreas não poderiam ter uso restrito à coletividade. Esta forma de atuação também faz com que os condomínios fechados da cidade sejam “irregulares”, quando considerada sua situação legal. Pela leitura das transformações espaciais apresentadas, 111

as desigualdades intra-urbanas receberam reforços nos últimos tempos. A análise da estrutura urbana de São José do Rio Preto, que relaciona ocupação do território e “desenvolvimento urbano”, fica confirmada com o mapeamento da desigualdade intra-urbana, gerado pelos indicadores de Vieira (2005). Para analisar situações realmente consideradas irregulares, dentro da malha urbana, é preciso que sejam observadas as favelas.Diante destes parâmetros de análise e do histórico do crescimento da malha urbana apresentado, o Mapa 3.3, apresentado a seguir, localiza as favelas – cadastradas pela Prefeitura – e os “condomínios” fechados de S. J. Rio Preto, com o intuito de visualizar a espacialização destes no município. Encontram-se em áreas opostas da cidade: ao norte, as favelas e ao sul, os “condomínios” fechados e shopping centers, evidenciando a situação de segregação social e espacial. É possível visualizar a cidade dividida em três grandes partes: ricos, pobres e remediados. Santos (1989), lembra que “existem duas ou diversas cidades dentro da cidade. Este fenômeno é o resultado da oposição entre níveis de vida e entre setores de atividade econômica, isto é, entre classes sociais”. Villaça (1998) faz ainda uma ressalva, argumentando que “a segregação não impede a presença nem o crescimento de outras classes no mesmo espaço. Não existe presença exclusiva das camadas de mais alta renda em nenhuma região em geral”. As camadas de mais alta renda também estão inseridas entre bairros de outras classes sociais, assim como as favelas estão assentadas em locais que dispõem de elementos urbanos dos quais elas carecem.

112

Mapa 3.3 – Favelas, Condomínios Fechados e Shopping Centers

A espacialização dos territórios mais ricos se dá abaixo da rodovia Washington Luis, no percurso que leva à rodovia BR 153, sentido Bady Bassit, expressivo em sua taxa de crescimento populacional pelo Censo 2000 do IBGE. Acreditase, pelas suas características na rede urbana, que o crescimento acentuado do município se dê por este desempenhar função de cidade-dormitório, no contexto da formação de aglomeração urbana entre São José do Rio Preto e os municípios que estão nos seus limites. 113

A maior parte dos territórios mais pobres, as favelas, encontra-se na porção norte da cidade. Outros núcleos encontram-se na região central e na porção sudeste da cidade, ao longo da ferrovia. É possível observar também, na área urbana, condomínios de média-baixa renda. São empreendimentos imobiliários que buscam trazer, para estas camadas sociais, alguns elementos dos condomínios de alta renda, como isolamento dos bairros vizinhos e “segurança”. Ainda que se saiba que os olhos dos habitantes da cidade é que zelam por seu espaço, conferindo a este a segurança primeira – antes da implantação de um policiamento efetivo – tanto para o convívio entre os moradores e para a vizinhança, este argumento de venda é amplamente utilizado pelos agentes imobiliários para promover seus empreendimentos. 3.5 - Dinâmica demográfica e crescimento “irregular” da cidade O estudo demográfico inicia a análise da situação do município de São José do Rio Preto em relação à sua região administrativa e ao estado de São Paulo, pois este movimento dará suporte aos demais dados analisados e relatados no trabalho. A Tabela 3.1 mostra que o município de São José do Rio Preto, em relação aos demais da região, ganhou população entre os anos de 1980 e 2000, passando a possuir 27,56% do total da população da região administrativa, que era de 19,78% em 1980. Isto mostra o aumento da expressividade do município dentro da própria região, apontando para o agravamento de problemas urbanos no decorrer do ganho de população. Onde os investimentos em infra-estrutura urbana e habitação são insuficientes em relação ao aumento de população, a qualidade da estrutura urbana cai e os índices de exclusão aumentam.

114

Tabela 3.1 - População 1980 - 2000. 1980

1991

1996

2000

População

187.403

279507

322.802

357.705

% na RA

19,78%

25,21%

26,37%

27,56%

947.416

1.126.330

1.224.204

1.297.799

3,80%

3,58%

3,55%

3,51%

24.953.238

31.436.273

34.451.927

36.974.378

São José do Rio Preto

RA S J Rio Preto População % do Estado S Paulo Estado S Paulo População Total

Fonte: Fundação Seade – Pesquisa Informações dos Municípios Paulistas – 2006.

Para o mesmo período, no entanto, a região administrativa de São José do Rio Preto perdeu expressão populacional em relação ao total de população do estado de São Paulo, tendo sua porcentagem diminuída de 3,80%, em 1980, para 3,51%, em 2000. Isto não significa que a população da região não tenha crescido. Como mostra a Tabela 3.1, a população cresceu de 947.416 para 1.299.589 habitantes, porém, a população do estado de São Paulo cresceu em proporção maior, passando de 24.953.238, em 1980, para 36.974.378, em 2000, o que resulta em dado relativo menor, como apresentado. A variação do grau de urbanização no período reforça os dados apresentados, como mostra a Tabela 3.2. De 1980 a 1991, o grau de urbanização do município de São José do Rio Preto passou de 94,91% para 97,04%. Além de o município ter população predominantemente urbana, a alta relação entre residentes urbanos e o total dos residentes superou a taxa do total do estado de São Paulo em 1980, que atingiu 93,41% em 2000, número ainda inferior ao grau de urbanização do município de São José do Rio Preto em 1980. A partir de 1991, houve redução para 95,24% em 1996 e 94,08% em 2000, taxa esta ainda superior à do total do estado de São Paulo nos mesmos anos. O grau de urbanização da RA de São José do Rio Preto e do total do estado de São Paulo foram crescentes durante todo o período estudado, mas não atingiram a proporção alcançada pelo município. 115

Tabela 3.2 -Taxa de Urbanização e Densidade Demográfica 1980 – 2000. Grau de Urbanização (%)

Densidade Demográfica (hab/km2) 1980 1991 1996 2000

1980

1991

1996

2000

S. J. Rio Preto

94,91

97,04

95,24

94,08

328

492,77

743,25

818,55

RA S J Rio Preto

70,69

83,96

86,83

89,07

37,28

44,33

47,74

51,01

Est. S. Paulo

88,64

92,75

93,1

93,41

100,73

126,9

137,07

148,96

Fonte: Fundação Seade – Pesquisa Informações dos Municípios Paulistas - 2002

Os números da densidade demográfica, relacionada na Tabela 3.2, mostram que a concentração populacional aumentou bastante no município. Enquanto a região administrativa de São José do Rio Preto atingiu 51,01 habitantes/km2 e o estado de São Paulo chegou a 148,96 habitantes/km2 em 2000, o município de São José do Rio Preto apresentou 818,55 habitantes/km2. O aumento da densidade demográfica foi de 490,55 habitantes/km2 em vinte anos, ou seja, de 1980 a 2000. A população, no entanto, não se assentou somente dentro do perímetro urbano, neste período. Houve grande aumento de loteamentos irregulares durante esses vinte anos, especialmente localizados fora do perímetro. Com o objetivo de observar o crescimento fora do perímetro urbano (área rural), foi levantada junto à Prefeitura uma relação de loteamentos irregulares, os quais possuem, junto a esta, registros de número de matrícula e data de entrada para aprovação. A partir das informações, foram cruzados os anos em que se realizaram as matrículas os loteamentos38 com o mapeamento da localização no município. A Tabela 3.3 sistematiza os dados (número de loteamentos versus ano de matrícula versus localização), e os Mapas 3.4 e 3.5, apresentados a seguir, complementam a análise, espacializando os dados.

38 Títulos dados aos loteamentos - 1. Fora do perímetro urbano: residencial (1), estância (63), chácara (16), condomínio (10), recanto (1); totalizam 91 loteamentos. 2. No perímetro urbano: “jardim” (4), parque residencial (1), retalhamento (2), parcelamento (4), residencial (1); totalizam 12 loteamentos. Três estâncias estão em área de litígio entre S.J. Rio Preto e Bady Bassit.

116

117

0

82

0

83

1

84

1

85

1

86 4

89

1

1

3

1

2

5

1

2

7

15

6

Fonte: Secretaria de Obras de São José do Rio Preto - 2001. * Por data de matrícula na Prefeitura Municipal de São José do Rio Preto. ** Área de litígio entre S.J. Rio Preto e Bady Bassit (sem determinação do ano).

Total/ano

Área de litígio**

Perímetro Urbano (+1 sem data)

Vicinal para Vila Azul

Rodovia Washington Luis 1

2

1

1

2

1

2

96

2

4

3

9

1

2

1

4

1

9

2

1

3

1

1

95

Vicinal para Eng. Schimidt 1

94

1

4

1

2

1

93

Estrada do córrego da Lagoa

2

92

1

1

1

91

Rodovia SP 425

2

2

1

1990

1

1

2

2

1

88

Estrada municipal R Preto-O. Verde

Vicinal para talhado

Rodovia BR 153 1

1

87

1

0

81

Estrada para Mirassolândia 1

1980

3

1

1976

Estrada para Mirassolândia

Rodovia para Ipiguá

Ano

19

4

1

3

1

2

1

2

5

97

Tabela 3.3 - Loteamentos Irregulares em São José do Rio Preto* Os loteamentos listados somam o total da área rural e do perímetro urbano.

9

3

1

2

2

1

98

5

1

4

99

0

2000

106

3

11

15

4

12

2

4

1

11

11

5

10

17

Total

Traduzindo em porcentagem a ocupação irregular ao longo dos anos, pode-se chegar aos seguintes dados: de 1976 a 1989, um período de 13 anos, somaram-se 45 loteamentos irregulares, o correspondente a 42,5% do total. Nos dez anos seguintes, a década de 1990, somaram-se 61 loteamentos, o correspondente a 57,5% do total existente no período. O que se pode destacar deste último dado é que 47 destes 61 loteamentos foram matriculados de 1994 a 2000, ou seja, um período de 6 anos. Logo, do total de loteamentos irregulares existentes em São José do Rio Preto, 44,3% foram matriculados nos últimos seis anos da década de 1990, representando um crescimento bastante significativo em relação ao período total estudado, levando à conclusão de que nos últimos anos o crescimento irregular, em desacordo com as leis, foi muito maior do que nos períodos anteriores. Relendo a Tabela 3.3, percebe-se que a maior incidência de matrículas de loteamentos irregulares se deu nos anos de 1989 (15 loteamentos), 1996 e 1997 (11 e 15 respectivamente, totalizando 26 loteamentos). Neste último período, os efeitos positivos dos Planos de Estabilização Econômica do Governo Federal ainda se faziam sentir sobre a renda das classes populares. Os Mapas 3.4 e 3.5, apresentados a seguir, conferem melhor visualização da espacialização dos loteamentos irregulares, localizados fora do perímetro urbano. Estes assentamentos definem, no território, as possibilidades de crescimento do perímetro urbano no futuro, à medida que forem se adequando às normas e tiverem a possibilidade de se incorporarem ao perímetro urbano, através de alteração da legislação que os definem como irregulares – ou, na melhor das hipóteses, adequação destas estruturas a algumas necessidades que podem tê-los colocado em situação de irregularidade. Entre estas últimas questões, estão os problemas com a infraestrutura e os aspectos ambientais. O Mapa 3.4 mostra os mesmos loteamentos por ano de matrícula, de onde se pode ver que há predominância de crescimento no final dos anos 1980 e durante os anos 1990, com números maiores nos anos de 1989, 1996 e 1997. Porém, na década de 1980, os loteamentos estavam concentrados na 118

porção norte da cidade e somente um na porção sul. Nos anos 1990, vários loteamentos foram implantados também na área norte da cidade. O que chama a atenção, de um lado, é que a zona sul não apresentava até então este tipo de ocupação e, de outro lado, que nos anos 1990 o aumento foi explosivo, como já havia sido apresentado. O Mapa 3.5 apresenta os loteamentos ao longo dos eixos rodoviários, vistos como estruturadores da expansão urbana. Os eixos rodoviários ao longo dos quais se distribui o crescimento “irregular” são as vias que partem da área urbana em direção a outros municípios. Algumas delas apresentam um aspecto de continuidade da malha urbana para quem as percorre, dando a sensação de que não se sai da cidade para chegar a outro município. A rodovia BR-153, que corta o município no eixo norte-sul é um destes casos, diferentemente da rodovia Washington Luís, que corta o município na direção leste-oeste. A primeira tem este aspecto de continuidade da malha urbana, enquanto que a segunda dá a sensação do limite do município, também porque esta é uma rodovia de pista dupla. A estrada vicinal que vai de São José do Rio Preto ao distrito Eng. Schimidt também tem as características de continuidade da malha urbana e, além disto, é continuidade da via que contorna a represa municipal, espaço reservado para caminhada, exercícios físicos e algumas comemorações anuais da cidade, e de circulação noturna pela presença de bares. Nesta área, encontram-se alguns condomínios fechados de alta renda, como os conjuntos Damha I, II e III entre outros. Os condomínios, grandes bolsões cercados de muros, contribuem para a percepção de vazio e insegurança do espaço público, pelo isolamento entre o espaço dos habitantes locais versus espaço dos cidadãos comuns. O que se pode perceber da diferença de empreendimentos nas vias paralelas – rodovia Washington Luís e vicinal para Eng. Schimidt – é que a ocupação do entorno da primeira se dá por indústrias ou serviços especializados, devido a circulação próxima de veículos de carga interurbanos, além de abrigar o Carrefour, grande núcleo urbano e regional de comércio, enquanto que o entorno da segunda abriga interesses imobiliários relacionados ao uso residencial. 119

Na primeira via, expressa, a qualidade aproveitada pelo setor industrial e de serviços é a rapidez para percorrer o trajeto, levando à superação da grande distância entre o adensamento urbano e a oferta destas atividades. Ainda no entorno da rodovia Washington Luís, nos últimos anos, houve grande crescimento dos bairros residenciais, que hoje já contam com boa parcela dos serviços de vizinhança. Foi constituído importante vetor de crescimento da classe média para esta área da cidade, acentuada após a implantação do Carrefour. Vale ressaltar que essa empresa firmou acordo com a prefeitura municipal para se instalar nesta área, a fim de minimizar os impactos ambientais relacionados com a drenagem, o que impedia a implantação de estruturas semelhantes. Mais uma vez, o zoneamento pontualmente modificado para receber o empreendimento, caracterizando mais um caso de flexibilização pontual da legislação urbanística. O que se quer destacar sobre o crescimento urbano nesta área da cidade é que, ainda que sejam próximas uma da outra, o uso do solo em torno das pistas de rodagem é bastante distinto, pois buscam características urbanas diferenciadas. Relendo os mapas 3.4 e 3.5, pode-se perceber que a principal ocupação se deu ao longo da vicinal para Eng. Schimidt, nos anos de 1993, 94, 96, 97 e 1999. O outro eixo de crescimento da zona sul da cidade, a estrada vicinal para Vila Azul, não mostra crescimento de bairros como se viu no eixo da vicinal para Eng. Schimidt, mas apresenta grande número de loteamentos irregulares, também dos anos de 1990, 91, 93, 95, 97 e 1998. Este eixo está sobre área de proteção de manancial, o córrego dos macacos, previsto na legislação ambiental. Desta forma, os empreendimentos imobiliários para fins residenciais, iniciados nesta área, foram embargados e, se a legislação for aplicada, outros não se estabelecerão.

120

Mapa 3.4 – Loteamentos Irregulares por Ano de Matrícula.

121

Mapa 3.5 – Loteamentos Irregulares por Rodovias.

A demografia rio-pretense pode ainda ser relacionada à dos municípios vizinhos. Como apresenta a Tabela 3.4, São José do Rio Preto está a aproximadamente 11 km de Mirassol, cidade que realiza atividades produtivas complementares às de Rio Preto. Mirassol apresenta, de todas as cidades que fazem limite com o município de São José do Rio Preto, grau de urbanização superior ao desta última. É também o 122

município com maior número de habitantes (48.233), seguida por Guapiaçu e Bady Bassitt, que possuem, respectivamente, 14.049 e 11.475 habitantes. Estas duas últimas apresentam também as taxas de urbanização maiores depois de Rio Preto e Mirassol, ambas entre 80 e 90% da população vivendo em área urbana. Mirassol, Guapiaçu e Bady Bassitt apresentam também as maiores taxas anuais de crescimento, atingindo os índices de 2,36%, 3,19% e 8,16% respectivamente. Bady Bassit tem como novos habitantes pessoas que desenvolvem suas atividades profissionais em Rio Preto, desempenhando uma função de cidade dormitório nesse momento de maior aumento populacional. Uma possível causa da aceleração do crescimento populacional dos três municípios é a proximidade de seus núcleos urbanos ao de São José do Rio Preto. Existe uma tendência à formação de uma aglomeração urbana dinamizada pelo crescimento do conjunto dos municípios. Tabela 3.4 - Demografia - São José do Rio Preto e municípios limítrofes – 2000. S. J. R. Preto

Ipiguá

Cedral

B. Bassitt

Mirassol

População (2000)

357.705

3.461

3.407

14.049

6.690

11.475

48.233

Taxa Urbanização (2000)

94,08

55,93

67,95

84,35

74,33

88,95

96,37

Taxa de Crescimento (91-2000)

2,76

-

2,13

3,19

1,76

8,16

2,36

Área do Município (km2)

438

137

242

323

198

112

245

O Verde Guapiaçu

Fonte: Fundação Seade - Perfil Municipal – 2006.

3.6 - O cenário, uma conclusão O planejamento urbano tem ocupado posição de destaque nas administrações municipais em geral, e não é sem fundamento que isto tem ocorrido. A partir do final da Segunda Guerra Mundial, ocorreram transformações em alguns 123

aspectos fundamentais da economia, os quais influenciaram a configuração e significado do espaço urbano e o cotidiano de quem vive na cidade. O planejamento urbano teve, desde então, suas forças renovadas, tanto pela necessidade de melhorar a condição de vida nas cidades – como acreditam alguns – quanto pela necessidade de tentar “prever” e/ou pensar ações em tempos de crescente incerteza – como querem outros.   O processo de globalização da economia não promoveu a igualdade no mundo, nem ao menos redução de disparidades, como se propagava. Ao contrário, gerou ainda mais desigualdades, incertezas e instabilidades. Aumento do desemprego, da moradia em condições precárias, empobrecimento da população, falta de condições de investimento do poder público e aumento da degradação ambiental são alguns dos fatores que modificaram o cenário das cidades, transformaram o espaço urbano e as condições de sobrevivência do ser humano. O empobrecimento da população não se dá somente pela migração, como predominou em outros tempos. A população urbana é que empobrece acima de tudo, o que migra são as empresas e os capitais. Afasta-se a idéia de que o poder público é que deve prover condições melhores para os residentes da cidade ou do campo. O Estado tem o escopo de ação reduzido e também não é sem fundamento que isto tem ocorrido e também não têm sido poucas as conseqüências negativas para grande parcela da população geradas por esta redução do papel do Estado. Estes reflexos, porém, não são incorporados de forma instantânea, direta, ou mesmo sem critérios no país como um todo. Ao mesmo tempo em que o mundo passava por mudanças, o Brasil também sofria transformações internas. A partir de 1950, enquanto os países centrais se recuperavam da guerra, o Brasil se industrializava. Em 1960, enquanto as principais economias começaram a modificar o processo produtivo e a valorizar as transações de capital – financeirização da acumulação – o país passava por regime autoritário que desenvolveu um projeto nacional e implementou condições para o desenvolvimento de diversos setores de atividade econômica e da sociedade, numa tentativa de integrar o país em 124

torno de ideais de segurança e desenvolvimento da economia nacional, o que envolveu “estratégias” para desenvolver as cidades brasileiras, abrangendo ações de planejamento. Na década de 1970, enquanto o mundo desenvolvido começava a sentir as mudanças que trariam as causas dos abalos sentidos nas décadas de 1980 e 1990, o Brasil comemorava o desenvolvimento industrial e o “milagre econômico”. Na década de 1980, o Brasil – e outras economias periféricas – sofreram as conseqüências da crise do modelo de acumulação consubstanciadas na crise da dívida externa contraída nas décadas anteriores. Enquanto o Brasil atravessava o processo de redemocratização, em que se situavam os novos fundamentos e conceitos de desenvolvimento urbano propostos pelo Movimento Nacional de Reforma Urbana, algumas economias periféricas, a exemplo da mexicana – anunciavam, já no início dos anos 1980, a grave crise econômica em que embarcaram praticamente todos os países periféricos.   Ao mesmo tempo em que a nação possuía chances de traçar diretrizes diferentes das que vinham sendo implantadas, com novos ares dados pelos ideais da Reforma Urbana, numa contestação do planejamento tradicional, rígido, autoritário, implementado pelos governos militares por meio de órgãos de planejamento nos estados e nas cidades, ligados a diretrizes federais, dentro do país, a crise econômica despontava e começava a jogar por terra esses ideais e fora dele, novas cartas estavam para ser lançadas. Duas foram as conferências que influenciaram a mudança dos paradigmas do planejamento urbano nos anos 1990: a conferência promovida pelo FMI na qual foi lançado o documento que veio a ser conhecido como o Consenso de Washington e a Agenda Habitat II. Voltando ao cenário brasileiro do final da década de 1980, recorda-se: redemocratização do país com contestação do modelo autoritário de planejamento urbano, possibilidades de realizar formas idealizadas de gestão democrática pelo Movimento da Reforma Urbana oferecidas pelo novo texto Constitucional, o qual incorpora de forma inédita, na legislação, princípios de política urbana. Por outro lado, a crise econômica agrava no país, municípios com mais atribuições sob sua responsabilidade e recursos não acrescidos 125

na mesma proporção para fazê-las, e que foram reduzidos ainda mais na primeira metade da década de 1990 com o plano de estabilização da moeda promovido pelo governo federal. As reformas propostas pelo Consenso de Washington - abertura do mercado, privatizações, redução do papel do Estado e redução da despesa pública – contribuíram para gerar finalmente o atual quadro de crescimento pífio da economia brasileira. A tentativa de redução dos gastos públicos implicou na redução do “salário indireto”, assim chamado por Oliveira (1982), ou seja, houve redução de investimentos públicos em infra-estrutura, serviços de saúde pública, educação e, com a extinção do BNH, a redução ou colapso do financiamento para habitação popular. Os primeiros requisitos apontados são os que têm sido insistentemente buscados pela gestão urbana e normalmente são medidos quantitativamente (Güell, 1997 e Vainer 1999). A presença destes no espaço urbano não significa que a cidade esteja mais desenvolvida. A distribuição dos equipamentos, serviços e infra-estrutura têm priorizado extratos muitos reduzidos da população, o que não melhora a qualidade de vida dos habitantes da cidade como um todo. A maior parte da população fica excluída do que se compreende por “desenvolvimento”. Também não está inserida no planejamento urbano, entendido como o processo de análise e ações que visam o atendimento da maior parcela da população não somente nos aspectos físicos da cidade – com a provisão de infra-estrutura, zoneamento, parcelamento de solo e sistema viário – mas também no planejamento de ações que incorporem as questões relacionadas à saúde coletiva, à educação, à habitação. Estes últimos somente poderão ser previstos e realizados com a adequação do orçamento urbano para estas prioridades sociais, o que não é o foco do planejamento urbano colocado em prática e difundido aos quatro cantos do mundo (Arantes, Vainer e Maricato, 2000 e Swingedouw et al., 1999).   Não é de se estranhar que os dirigentes municipais tenham acreditado tanto no novo modelo de planejamento urbano que rapidamente se disseminava e tenham procurado implementá-lo. Especificamente o estado de São Paulo, que até então produzira riquezas provenientes do desenvolvimento industrial, num primeiro momento restrito à capital e sua região 126

metropolitana mas que, num segundo momento, foi estendido para o interior do estado, sentiu particularmente os impactos destas mudanças. Ainda assim, estudos de urbanização brasileira desenvolvidos por Negri (1994), pelo IPEA (1999) e por Steinberger e Bruna (2001), mostram que a urbanização no estado de São Paulo continuou sua trajetória acelerada neste período, isto é, os anos 1990, mesmo com a desaceleração da economia. Não surpreende que, neste cenário, as cidades tenham se tornado tão vulneráveis a idéias de competição entre cidades e de atração de investimento, como forma de desenvolvimento urbano. O planejamento urbano em São José do Rio Preto está intimamente ligado à existência do Plano Diretor, cuja implementação limita-se às Leis de Zoneamento, Parcelamento e Diretrizes de Desenvolvimento do Sistema Viário. Sabe-se que estas peças normativas não são suficientes para afetar a esfera de planejamento urbano que vá além do desenvolvimento físico da cidade, atinja a evolução da população urbana e a dimensão das políticas urbanas para o desenvolvimento de outros aspectos fundamentais, como o melhor atendimento da maior parte da população – a menos provida de recursos – de serviços de saúde, educação e possibilidades de moradia, além do planejamento do uso dos recursos disponíveis ou passíveis de serem adquiridos. A flexibilização da legislação urbanística, como adverte Compans (1999), pode permitir a alteração de qualquer parâmetro que tenha em contrapartida a suposta atração de empresas, o pagamento em dinheiro, construção de casas populares ou obras de infra-estrutura urbana (entre outras formas), mantendo ocultas as reais transações privadas e as alterações legais sob a máscara de benefício social. Este modelo tem sido proposto por interesses específicos como ideal para ser implementado na cidade, ou seja, as prioridades dos investimentos do poder público continuariam atendendo interesses de parcela restrita da população, prática já antiga, só que desta vez legitimados, com anuência da população, persuadida pelo novo discurso baseado na crise econômica: desenvolvimento urbano para atração de empresas e de empregos. O planejamento urbano continua sendo um processo basicamente normativo e ainda bastante afastado de aspectos que promoveriam real qualidade de 127

vida aos cidadãos. Planejamento legal e planejamento de fato distanciam-se a cada momento. Os aspectos de planejamento abordados demonstram que as tendências para condução de políticas e os instrumentos de planejamento urbano estão sendo definidos de acordo com perspectivas de mudança mundial, ou seja, direcionados a atender os requisitos da lógica de mercado. Planejamento é, para Matus (1993), uma ferramenta das lutas permanentes que o homem trava desde o início da humanidade para conquistar graus crescentes de liberdade.A liberdade à qual ele se refere é a de escolher seu futuro, o futuro que pode construir e dele participar: os conflitos e crises seriam, nesta perspectiva, opções de futuro. Porém, o planejamento é vivenciado como um problema entre os homens: o homem indivíduo, que busca alcançar objetivos particulares, e o homem coletivo, que busca uma ordem e uma direção societária; e ainda, um problema entre as forças sociais, quando os homens coletivos lutam por objetivos opostos. Desta forma, tudo o que ocorre na sociedade é conduzido pelos homens, porém, com distintas ou antagônicas intenções, e muitas vezes conduzido por sujeitos com acesso desigual à informação e ao processo decisório. Por isso, quando homens – ainda que seja a maioria de uma população – olham para o “planejamento” desenvolvido, não se reconhecem nele e não o defendem, pois o realizado não lhes pertence. Pode-se planejar, assim, contrariamente à forte corrente, mas também pode-se acentuar e acelerar tendências já arraigadas, planejando-se a favor da corrente, no caso os esboços das tendências mundiais. Contudo, quaisquer meios em que venha a se desenvolver o planejamento contrário às tendências mundiais encontrará resistência, pois tal oposição não vem “naturalmente”, ou seja, como conseqüência das livres ações, em especial as do mercado, como se tem dito. Por trás das intenções de planejamento, estão os homens com seus valores e ideologias, o que lhes permite posicionar-se em qualquer um dos dois lados: o de consentir e planejar a favor da maior acumulação de riquezas ou o de resistir e se opor ao planejamento desenvolvido pela outra corrente, muitas vezes formada pela minoria da população, mas com força muito maior que o almejado para o que seria desenvolvido 128

para/pela maioria da população. Novo é o contexto em que se desenvolvem o planejamento urbano atual, especialmente sobre as condições da economia mundial. Velhas, porém, são as intenções dos homens que planejam e extraem, em decorrência do processo, maiores possibilidades de ganhos para si mesmos ou para parcelas bastante restritas da população, como se pode observar através das evidências para a cidade de São José do Rio Preto.

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Dimensões Regionais e Urbanas do Desenvolvimento Socioeconômico em São José do Rio Preto

Parte 2

Mercado de Trabalho, Papel do Setor Público, Assistência Social, Informalidade e Perspectivas

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4 Perfil do Trabalho na Cidade de São José do Rio Preto Sebastião Ferreira da Cunha 4.1 - Introdução Nesta parte do livro pretende-se realizar um estudo comparativo de algumas características do perfil do trabalho rio-pretense com a realidade da Região Administrativa de São José do Rio Preto e, concomitantemente, com o estado de São Paulo, com o intuito de verificar possível existência de um comportamento de tendência padrão entre esses três níveis das divisões geográficas. Será utilizada, para isso, a base de dados RAIS, fornecida pelo Ministério do Trabalho e do Emprego. O estudo divide-se, basicamente, em três partes: uma primeira, que discorrerá sobre questões analíticas dos motivos que influenciaram nas mudanças da estrutura do mercado de trabalho brasileiro, fundamentalmente, na década de 90; na segunda parte, serão decifradas as peculiaridades do município com relação ao tema proposto, observando variáveis, como a distribuição do número de empregados formais por gênero, a participação dos jovens no mercado de trabalho, a distribuição do emprego por setores, o grau de escolaridade e o rendimento médio dos trabalhadores etc; e, por último, serão tecidas as considerações finais a partir das análises feitas.

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4.2 - As mudanças na economia e o mercado de trabalho A história do mundo do trabalho, no Brasil, é composta por períodos específicos, claros, que delineiam mudanças substanciais, de tempos em tempos. Exemplos disso são a transição do trabalho escravo para o assalariamento, com o trabalhador passando a ser o elemento central de sociabilização, e a consolidação dos sindicatos, que redundou na formação das centrais sindicais. O estado de São Paulo foi palco para boa parte dessas grandes transformações. Prova disso foi a utilização de uma massa de imigrantes que substituiu, em grande parte, a mão-de-obra escrava nas lavouras cafeeiras, ou as grandes concentrações de manifestações de trabalhadores no ABC paulista, já a partir do final da década de 70. Não cabe, aqui, fazer um relato minucioso dos elementos que perfazem, ou que permeiam essas mudanças, nem discutir métodos que expliquem as delimitações, os cortes feitos. Trata-se, isso sim, de entender um período específico dessa história. Na bibliografia recente sobre o trabalho no país39, bem como no dia-a-dia daqueles que vendem sua força de trabalho, um sentimento é comum: o de que a década de noventa do século passado – dependendo do setor, já no final dos anos oitenta – representou um período de mudanças significativas. Resultado dessas transformações se mostra, substancialmente, através do aumento e manutenção de informal, da desestruturação do mercado de trabalho e refluxo do movimento sindical, bem como das mudanças altas taxas de desemprego40, do crescimento do setor oriundas da chamada reestruturação produtiva. A revisão da Consolidação das Leis Trabalhistas e as várias tentativas de reformas trabalhista e sindical nos últimos 25 anos, pelo 39 São exemplos: OLIVEIRA, C. A. B. de & MATTOSO, J. E. L. (orgs.). Crise e Trabalho no Brasil, modernidade ou volta ao passado? Campinas: Ed. Scritta, 1996; SALM, C. e FOGAÇA, A. Tecnologia,Emprego e Qualificação – bases conceituais. Boletim Conjuntura – IE/UFRJ. Rio de janeiro: Séries Documentos nº 27, 1997; ou ALVES, G. O Novo (e precário) Mundo do Trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo: Boitempo Editorial, 2000. 40 Maiores detalhes podem ser obtidos no relatório do DIEESE “A Situação do Trabalho no Brasil”. Em 1989, de acordo com a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), realizada pelo Convênio DIEESE e Fundação SEADE, a taxa de desemprego na Região Metropolitana de São Paulo era de 8,7%. A partir de 1990 essa taxa começa a crescer substancialmente, passando, do início da década, de 10,3% para 15,2%, em 92, arrefecendo em 95 nos 13,2%, chegando a 18,2% em 98 e a 19,3% em 1999.

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menos, são denotativas do processo, como parte que são de um projeto de redução do aparato ligado ao estado de bemestar social. Concomitantemente, a opção política que se fez no Brasil – já a partir do governo Collor, e que ganhou força e estruturação com o Plano Real – foi de uma restrição considerável no nível de consumo no País, com vistas à redução da demanda agregada e um possível controle inflacionário. A política monetária fortemente contracionista, ao mesmo tempo em que impôs uma derrota acachapante à tentativa de redesenhar o projeto desenvolvimentista brasileiro, elevou drasticamente as taxas de juros. A obviedade do argumento – tanto para a defesa quanto para a crítica ao projeto – é esclarecedora. Se interessa à ortodoxia conter a expansão do processo inflacionário à custa do impacto negativo no nível de investimento, à heterodoxia, em termos gerais, interessa evidenciar os males que a redução do nível de investimento tem sobre o emprego e a distribuição de renda e o prejuízo resultante do controle artificial do processo inflacionário41. Acrescente-se, ainda, a abertura comercial e a liberalização financeira, que aumentaram a vulnerabilidade externa brasileira, pressionando para um rearranjo na estrutura de diversos mercados internos, aliadas que são a uma regra maior, do processo de valorização, e, em termos específicos, à reorganização da produção intra e inter-firmas. No Brasil, no final da década de 80, iniciou-se um processo de difamação da indústria brasileira, chegando ao ponto de o então candidato à Presidência da República achincalhar o carro produzido aqui, dizendo que os automóveis brasileiros se assemelhavam a carroças. Apesar da veia cômica do presidente de ascendência alagoana, existia uma 41 Em termos gerais, a defesa de uma política monetária de cunho ortodoxo é realizada com vistas à necessidade premente de reduzir os impactos negativos que tem a inflação sobre o poder de compra da classe trabalhadora e sobre a nebulosidade no horizonte de cálculo do capitalista, o que implicaria em inibição do aumento do investimento. Por outro lado, críticas a esse projeto ocorrem a partir do conceito de insuficiência de demanda efetiva e seus impactos deletérios para o emprego e a distribuição da renda gerada, e/ou da influência negativa que esse tipo de condução da política monetária tem sobre a capacidade de planejamento e de intervenção no processo de desenvolvimento econômico.

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razão de ser dessa afirmativa: o Brasil precisava modernizar sua indústria, torná-la competitiva para as exportações e para enfrentar a concorrência que estava por vir. O remédio? A abertura comercial e a recomendação de que se processasse uma reestruturação nas indústrias tupiniquins. Isso daria um salto na qualidade e no preço dos produtos nacionais. Estava diagnosticado o problema das empresas brasileiras. E, seguindo o raciocínio, esse processo também levaria a uma melhora no balanço de pagamentos e aumentaria o nível de emprego, haja vista que atrairia novas indústrias estrangeiras, gerando novos investimentos e mais postos de trabalho. Aparentemente, não havia outra saída a não ser proceder-se às mudanças necessárias, tendo em vista que se enfrentava uma crise, e as questões de redução de custos e de ganhar novos mercados se tornavam proeminentes, assim como as pressões para a facilitação de entrada de capital internacional. Apesar dessa argumentação, as indústrias brasileiras, já vinham se (re)estruturando para dar conta da nova (velha) realidade. Em que pese a existência de uma gama enorme de estudos a respeito da reestruturação produtiva e das diversas bases teóricas interpretativas42, quando se usa esse termo, temse em mente as transformações por que passou a economia – como um todo, e dentro da firma, no particular – nessas últimas três décadas, sob os mais variados adjetivos – a especialização flexível, o just-in-time, o toyotismo, a flexibilização43 etc. O que alguns deram o nome de modelo japonês foi introduzido no Brasil em um período de crise aguda, a partir da década de 80. Os sentidos das mudanças impactaram 42 Leituras interessantes para se compreender as diferentes abordagens sobre o tema podem ser encontradas em: “Pensar pelo Avesso: o modelo japonês de trabalho e organização”, editora da UFRJ, escrito por Benjamin Coriat – que procura fazer uma leitura do paradigma japonês na organização da produção, apresentando o toyotismo, ou ohnismo; “Fordismo e Toyotismo na Civilização do Automóvel”, de Thomas Gounet, Boitempo editorial –; apresentando uma crítica aos regulacionistas que encontram no toyotismo ambiente apologético para o novo –; “A Condição Pós-moderna”, de David Harvey, que faz uma leitura ampla das mudanças na organização da produção e suas relações com o que alguns vão chamar de pós-modernidade. 43 Podem ser encontrados estudos a respeito em vários estudiosos, por exemplo: AGLIETTA, M. Regulación y Crisis del Capitalismo: la experiência de los Estados Unidos. México: Ed. Siglo XXI, 1979; RIFKIN, J. O Fim dos Empregos: o declínio inevitável dos empregos e a redução da força global de trabalho. São Paulo: Ed. Makron Books, 1995; PIORE, M. e SABEL, C. The Second Industrial Divide: possibilities for prosperity. Nova York: Ed. Basic Books, 1984; HIRATA, H. (org.). Sobre o Modelo Japonês. São Paulo: Ed. USP, 1993.

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direta e indiretamente sobre o mundo do trabalho, alterando significativamente a estrutura e o perfil do emprego, principalmente a partir dos anos 90. No Brasil houve uma importação do chamado toyotismo, iniciando-se com os Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), sua forma mais difundida por aqui. Ainda na década de 80, quando se constatava a ineficiência dos CCQs, iniciou-se uma nova fase de implementação de novas práticas, juntamente com a implementação de novas tecnologias. As práticas, agora velhas conhecidas, são o just-in-time, os Programas de Qualidade Total, os processos de terceirização44 etc. Como resultado desses processos, percebe-se um enxugamento drástico na quantidade de trabalhadores. É o caso dos processos de terceirização, retirando as atividadesmeio da empresa, focando suas atenções na atividade-fim, com reduzido número de setores de apoio. Também a redução dos estoques, seja de insumos ou de produtos, aliada às técnicas de controle da qualidade, foi, e é, elemento essencial do programa de reestruturação produtiva ocorrida no Brasil45. Agrega-se à redução do número de trabalhadores por empresa uma outra característica: a exigência permanente de requalificação profissional e a necessidade constante da busca de novas especializações como forma de manutenção do emprego ou de inserção no mercado de trabalho46. Se esse é um movimento inexorável ou não, não será discutido aqui. A questão que por ora se coloca é a da alteração considerável do perfil do trabalho e do emprego, que implica em mudanças no volume de rendimento médio da população, no grau de instrução do trabalhador, na concentração e desconcentração do estoque de trabalhadores por setores, do aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho etc. 44 Uma boa referência para discutir o processo de terceirização encontra-se em: DRUCK, M. G. Terceirização: (des)fordizando a fábrica – um estudo do complexo petroquímico. São Paulo: Boitempo Editorial, 2001. 45 SOARES, J. de L. Sindicalismo no ABC Paulista: reestruturação produtiva e parceria. Brasília: Ed. Outubro – Centro de Educação e Documentação Popular, 1998; ANTUNES, R. Os Sentidos do Trabalho – ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, 2000. 46 Discussão a respeito do tema – ainda que amarga para os defensores da empregabilidade – pode ser obtida em: SALM, C. Vai ser Difícil Requalificar. In: SALM, C. & FOGAÇA, A. Tecnologia, Emprego e Qualificação – bases conceituais. Boletim Conjuntura – IE/UFRJ. Rio de Janeiro: Série documentos nº 27, 1997; ou em SALM, C. Escola e Trabalho. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1980.

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O estudo realizado47 teve como objetivo primordial encontrar elementos que pudessem caracterizar o mercado de trabalho na cidade de São José do Rio Preto, buscando evidenciar suas peculiaridades. O que levou a realizar tal pesquisa foram dois motivos centrais. O primeiro deles, dada a necessidade de compreender a especificidade da economia riopretense, foi a dificuldade de se encontrar dados e informações sistematizados sobre o mundo do trabalho nessa região. O outro motivo surgiu de um questionamento. A cidade-pólo de São José do Rio Preto possui, como instrumento crucial na geração de renda, o setor terciário, mais especificamente, aquelas atividades relacionadas à prestação de serviços, notadamente na área de saúde, tendo a região características sui generis em relação às demais cidades do estado e em comparação à maior parte das regiões desse país. Instigou-se descobrir as características do mercado de trabalho, identificando o perfil do emprego e do trabalhador, comparando-os com o restante do estado de São Paulo e com a Região Administrativa à qual pertence o município em destaque, para se ter a dimensão das reais especificidades do mercado de trabalho rio-pretense. 4.3 - A pesquisa em São José do Rio Preto A Região Administrativa (RA) de São José do Rio Preto é a que possui, no estado de São Paulo, o maior número de municípios (96). De acordo com Pochman (2003): “... o conjunto de transformações no tecido econômico paulista tem imposto, como conseqüência, a desestruturação do mercado de trabalho, cujas características principais são a regressão do assalariamento formal, a expansão da precarização da fora de trabalho e do desemprego. Essas mudanças, contudo, não ocorreram da mesma maneira e intensidade nas diversas RAs que compõem o estado de São Paulo.”

Segundo estudos do autor, a taxa de ocupação na RA, medida pela relação entre a População Ocupada (PO) e a População Economicamente Ativa (PEA), de 1991 a 2000, 47 Este estudo deve muito à solicitude e gentileza de Hipólita de Oliveira Siqueira, que se dispôs a tabular os dados em tempo recorde.

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reduziu-se de 58,1% para 51,4%, acompanhada pela queda na taxa de assalariamento no mesmo período. Ainda assim, é a segunda Região Administrativa, no Estado, a apresentar o maior crescimento no total de empregos com carteira assinada. Ao mesmo tempo, possui uma alta taxa de analfabetismo, apesar da “...maior cobertura de jovens no ensino superior das RAs paulistas”. Inserida nesse contexto, e sendo a principal cidade de sua Região Administrativa, São José do Rio Preto concentra um número relativamente alto de instituições de ensino superior e, de acordo com o Censo IBGE de 2003, dos 1.351.746 habitantes da RA, 358.523 localizamse no município de referência. As análises que por ora se faz não dizem respeito às relações entre o processo de reestruturação produtiva e os impactos para a economia e, particularmente, o mercado de trabalho rio-pretense. Na realidade, toma-se como dadas essas relações, já exploradas academicamente, e, como dito, tenta-se verificar se o perfil do trabalho em São José do Rio Preto perfaz o mesmo sentido de tendência observado para o estado de São Paulo e para a Região Administrativa na qual está inserido o município em questão. Disso trata o item 3.1. Como antecipado, existe uma dificuldade muito grande para se obter dados e informações sistematizados e analisados sobre o mundo do trabalho naquela região. Corroborando esse fato, as pesquisas que medem o nível de emprego e desemprego no Brasil fazem consultas somente em regiões metropolitanas e em grandes capitais, circunscrevendo-se a poucas cidades, relativas ao trabalho formal e urbano. Por esses motivos, optouse por fazer uso da base de dados RAIS/CAGED, haja vista sua capacidade de desagregação de dados, o que permitiu-se fazer a leitura no âmbito do município. A RAIS – Relação Anual de Informações Sociais– é resultado de relatórios de coleta anual de informações48 dos estabelecimentos brasileiros sobre a movimentação e o perfil dos trabalhadores, detalhando, destes, a idade, o sexo, nível de instrução, tempo de emprego, renda, cargo, tipo de vínculo 48 Essas informações têm que, por força da lei, ser enviadas pelas empresas ao Ministério do Trabalho e do Emprego.

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e motivo de demissões. As informações são classificadas de acordo com o tipo de atividade econômica desempenhada pela empresa. Além de permitir a desagregação dos dados por município, a RAIS possui uma outra característica que, no desenvolvimento das análises propostas, tornou-se crucial: os dados são sistematizados a partir do ano de 1985, o que permitiu captar as variações ocorridas antes, durante e depois da década de 90, contribuindo para uma observação de tendência49. Sendo assim, conclusões que constam neste capítulo serão feitas explorando os dados referentes ao município, de forma individual, comparando-os com o estado de São Paulo e com a Região Administrativa que leva o mesmo nome da cidade. O capítulo fecha-se com as considerações finais, obtidas a partir de uma observação geral das ponderações sobre o perfil do trabalho em São José do Rio Preto. 4.3.1 - Perfil do trabalho em São José do Rio Preto Neste item procurou-se observar as peculiaridades do município de São José do Rio Preto em comparação à sua RA, ao estado de São Paulo e, em alguns aspectos, ao Brasil, tentando observar o comportamento de variáveis ligadas ao perfil do trabalho. Para cumprir a pesquisa, serão reunidos diferentes elementos, ligados a faixas de rendimentos, distribuição do emprego por gênero, por setores, por faixa etária etc. 4.3.1.1 - Distribuição do emprego por gênero O aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho é um fenômeno registrado no Brasil e no mundo. Segundo dados da PNAD50 de 1999, as mulheres representavam 41,4% da População Economicamente Ativa, números muito diferentes dos 30,9% de 1973, passando de, aproximadamente, 49 A análise de tendência é uma tentativa de reduzir as dificuldades de precisão quando se desagregam os dados por município. 50 Os dados sobre a PNAD contidos nessa parte do livro foram obtidos no livro “A Situação do Trabalho no Brasil, editado pelo DIEESE.

144

11 milhões de mulheres para cerca de 33 milhões, triplicando o número em menos de 30 anos. Tabela 4.1 - Distribuição do emprego formal por gênero no estado de São Paulo, RA e São José do Rio Preto – anos 1985, 2000 e 2004. S. J. R. Preto

RA S.P.

Descrição

1985

Feminino

14.032

Total

46.011

Feminino

32.314

Total

115.948

Feminino

2.088.075

Total

6.669.437

% 30,50 27,87 31,31

2000 26.284 67.874 66.390 194.575 3.054.635 8.049.532

% 38,72 34,12 37,95

2004 34.546 83.276 158.173 246.884 3.655.373 9.273.177

% 41,48 35,97 39,42

Fonte: RAIS. Elaboração do autor.

Em São José do Rio Preto, o movimento teve o mesmo sentido, com uma diferença considerável. Como se pode perceber na tabela 4.1, em 1985, as mulheres, que representavam apenas 30,5% das pessoas com emprego formal no município estudado, abaixo dos 31,31% no estado de São Paulo, aumentam sua participação para o ano de 2000, chegando a 41,48% em 2004, número bem acima dos 39,42% do estado e dos 35,97% da RA à qual faz parte. 4.3.1.2 - Distribuição do emprego de acordo com a faixa etária Com relação à faixa etária, pode-se perceber na tabela 4.2 que há uma certa discrepância entre o que ocorre no Estado e os fatos na RA e o comportamento dessa variável no município. Enquanto a tendência para a RA é de crescimento perene da participação dos jovens até 25 anos na quantidade total no período observado, para a cidade, o que se observa é uma tendência à manutenção do número de jovens empregados nessa faixa etária, possivelmente sem acompanhar o crescimento da PEA na mesma faixa de idade.

145

Tabela 4.2 - Distribuição do emprego formal de acordo com a faixa etária no estado de São Paulo, RA e São José do Rio Preto – anos 1985, 2000 e 2004.   São Paulo RA RIO PRETO

FAIXA ETÁRIA

1985

2000

2004

Menos de 25 anos

2.039.432

1.806.089

1.947.208

Entre 25 e 29 anos

1.278.932

1.401.051

2.746.532

Menos de 25 anos

42.262

44.022

52.845

Entre 25 e 29 anos

20.929

31.570

71.141

Menos de 25 anos

17.438

26.440

18.411

Entre 25 e 29 anos

8.580

18.336

24.276

Fonte: RAIS. Elaboração do autor.

Apesar dessa evidência, a tendência não assusta tanto quando se observa que, de acordo com a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), realizada pelo DIEESE e Fundação Seade, a porcentagem de desempregados na faixa etária que vai dos 16 aos 24 anos nas regiões metropolitanas brasileiras foi de 45,2% em 1999. Ao mesmo tempo, percebe-se um crescimento contínuo e acentuado do número de empregados formais que têm entre 25 e 29 anos, contrastando com o que acontece com os mais jovens, revelando uma dificuldade do mercado de absorver pessoas menos experientes ou com nenhuma experiência anterior. 4.3.1.3 - O emprego formal e as faixas de rendimento A grande dispersão entre os rendimentos e uma baixa remuneração, em termos gerais, é característica do mercado de trabalho brasileiro. Fato esclarecedor, em grande parte, da concentração de renda no País. De acordo com o IBGE (e dados da PNAD), 80,5% dos assalariados no Brasil, em 2000, recebiam até 5 salários mínimos, com menor concentração nessa faixa para as regiões sudeste e sul, dada a maior industrialização nessas regiões, revelando a importância da indústria na geração de postos de trabalho com salários mais altos.

146

Tabela 4.3 - Faixa de rendimento médio, por quantidade de salários mínimos, para o município de São José do Rio Preto – anos 1985, 2000 e 2004. FAIXA DE RENDIMENTO MÉDIO - em salários mínimos -

1985

2000

2004

0,00 a 0,50

108

85

238

0,51 a 1,00

1.435

884

1.337

1,01 a 1,50

23.748

2.661

5.959

1,51 a 2,00

23.748

7.290

19.841

2,01 a 3,00

10.224

37.170

24.755

3,01 a 4,00

3.709

18.013

11.379

4,01 a 5,00

1.824

9.929

5.730

5,01 a 7,00

1.919

9.725

5.757

7,01 a 10,00

1.164

6.180

3.603

10,01 a 15,00

847

4.216

2.380

15,01 a 20,00

327

1.630

960

MAIS DE 20,0

328

2.282

993

0

0

344

IGNORADO

Fonte: RAIS. Elaboração do autor. Obs.: Para o ano de 1985, a RAIS não desmembrava a faixa de renda que vai de 1,01 a 2,00 salários mínimos e, por esse motivo, houve a quebra, propositalmente, na tabela.

A tendência, como se pôde perceber, é da redução dos empregos formais em faixas de rendimentos mais altos em favor do aumento do número de empregados com rendimentos mais baixos, tanto para estado, como para RA e município. Destacam-se as mudanças que ocorreram de 2000 para 2004. Depois de um aumento do rendimento de 1985 para 2000, com uma concentração nas faixas de rendimento que ficam entre 1,01 e 2 e de 2,01 a 3 salários mínimos, percebe-se a tendência de crescimento substancial da parcela de trabalhadores que recebem entre 1,01 e 2 salários mínimos, ainda que o maior número de pessoas continuem tendo rendimento entre 1 e 5 salários mínimos. A tabela 4.3 aponta essa realidade em São José do Rio Preto.

147

4.3.1.4 - Distribuição do emprego formal por grandes setores do IBGE Uma tendência mundial com a qual o Brasil coaduna é a da redução da capacidade dos setores primário e secundário de geração de postos de trabalho, ao mesmo tempo em que cresce a participação do setor terciário. Como se pode observar no quadro 4.1, o mesmo ocorre nos três níveis da divisão regional estudados nesse capítulo. Quadro 4.1 - Distribuição do emprego formal, por Grande Setor do IBGE, para o estado de São Paulo, RA e município de São José do Rio Preto – anos 1985, 2000 e 2004. ESTADO DE SÃO PAULO % 1985 a 2000 2004 2000 AGROPECUÁRIA 128.839 312.872 142,84 342.587 COMÉRCIO 834.370 1.320.396 58,25 1.687.545 CONSTRUÇÃO CIVIL 234.245 308.921 31,88 285.094 INDÚSTRIA 2.572.006 1.934.567 -24,78 2.211.227 SERVIÇOS 2.934.255 4.172.457 42,20 4.746.724 REGIÃO ADMINISTRATIVA DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO % 1985 a GRANDE SETOR 1985 2000 2004 2000 AGROPECUÁRIA 4.282 19.977 366,53 26.299 COMÉRCIO 25.353 40.325 59,05 56.806 CONSTRUÇÃO CIVIL 4.133 6.519 57,73 6.163 INDÚSTRIA 31.019 48.073 54,98 57.684 SERVIÇOS 49.341 79.679 61,49 100.032 MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO % 1985 a GRANDE SETOR 1985 2000 2004 2000 AGROPECUÁRIA 141 745 428,37 755 COMÉRCIO 11.944 18.647 56,12 24.651 CONSTRUÇÃO CIVIL 3.238 3.984 23,04 3.273 INDÚSTRIA 10.849 12.832 18,28 15.076 SERVIÇOS 19.313 31.664 63,95 39.521 GRANDE SETOR

1985

% 2000 a 2004 9,50 27,81 -7,71 14,30 13,76 % 2000 a 2004 31,65 40,87 -5,46 19,99 25,54 % 2000 a 2004 1,34 32,20 -17,85 17,49 24,81

Fonte: RAIS. Elaboração do autor. Obs.: Para o ano de 1985, a RAIS não desmembrava a faixa de renda que vai de 1,01 a 2,00 salários mínimos e, por esse motivo, houve a quebra, propositalmente, na tabela.

Exceção à regra pode ser feita ao crescimento espantoso no grande setor do IBGE Agropecuária para a Região Administrativa, que variou em mais de 300% no período compreendido entre 1985 e 2000. Porém, esses dados 148

estão influenciados pelo aumento do número de registros em carteira a partir da década de 90 e não do acréscimo, por si só, de postos de trabalho. A geração de postos de trabalho no comércio apresentou maior taxa de crescimento para a RA, em segundo para o município e em menor grau para o estado, revelando, além da influência da cidade na região, o alto índice de crescimento, no município, para o grande setor Indústria – 18,28% de 1985 para 2000 e de 17,49% no período 2000 a 2004 –, muito superior à variação no estado, apesar de abaixo da variação na RA. Ao mesmo tempo, percebe-se a maior variação percentual no setor serviços, o que corrobora a idéia de que uma das peculiaridades do município está exatamente na sua maior capacidade de geração de empregos nesse setor. 4.3.1.5 – Emprego formal e tipo de vínculo empregatício Na década de 90 houve, no Brasil, um processo de desregulamentação de direitos e relaxamento das relações de trabalho, vis-à-vis o aparato regulatório descrito na Constituição de 1988, a partir do conceito de flexibilização do mercado de trabalho, facilitando contratações e demissões, ajustes de horários de trabalho e de funções e uma flutuação salarial. Dois dos elementos importantes que refletem no dia-a-dia das empresas é a possibilidade de contratação de trabalhadores de forma temporária ou do menor aprendiz.

149

Tabela 4.4 - Tipo de vínculo empregatício no estado, na RA e no município de São José do Rio Preto – anos 1985, 2000 e 2004. SÃO PAULO

  TP  Vinculo

R. A.

MUNICÍPIO

2000

2004

%

2000

2004

%

2000

2004

%

6.844.150

7.806.667

14,06

176.467

221.871

25,73

63.478

76.005

19,73

Tempor.

93.088

102.321

9,92

397

368

-7,30

187

301

60,96

Menor Apren.

1.540

18.750

1.117,53

25

814

3.156,00

1

635

63.400,00

CLT

Fonte: RAIS. Elaboração do autor. Obs.: Para o ano de 1985, a RAIS não desmembrava a faixa de renda que vai de 1,01 a 2,00 salários mínimos e, por esse motivo, houve a quebra, propositalmente, na tabela.

O crescimento em São José do Rio Preto das variáveis mencionadas anteriormente, como se depreende da tabela 4.5, suplanta em muito o crescimento percentual, ainda que considerável, ocorrido na RA e no estado, revelando a capacidade do município de adequar-se a esse aspecto do processo de flexibilização do mercado de trabalho, ainda que a participação no total do registrado seja pouco significativo. 4.3.1.6 - Grau de instrução e emprego formal Grande parte da literatura oficial, ou daqueles que acreditam que a solução para o problema do desemprego deve ser obtida através de ações individuais no próprio mercado de trabalho, enfocam a qualificação como apologia para o aumento do nível de emprego. Obviamente, concorrendo a uma mesma vaga, aquele trabalhador de maior grau de instrução terá maiores chances de ser contratado. Porém, chama a atenção o deslocamento considerável do aumento do grau de instrução do trabalhador ao mesmo tempo em que as faixas de rendimento em níveis mais baixos concentram, tendencialmente, mais trabalhadores, ou que o setor serviços que, em tese, requer menos qualificação, aumente sua participação na quantidade de postos de trabalho.

150

Como já visto nos subitens anteriores, essa realidade se verifica também no município de São José do Rio Preto. Enquanto o número de trabalhadores com emprego formal que possuem o segundo grau completo sobe mais de 200%, de 1985 para 2000, e aproximadamente 80% nos quatro anos posteriores, o número de trabalhadores com a quarta série completa e incompleta vem caindo sistematicamente, em termos absolutos e relativos. Tabela 4.5 - Grau de escolaridade e emprego formal para o estado de São Paulo, RA e São José do Rio Preto – anos 1985, 2000 e 2004.  

SÃO PAULO

RA

S. J. DO RIO PRETO

2000

2004

Variação

2000

2004

Variação

2000

2004

Variação

Analfabeto

95.066

42.703

-55,08

1.998

1.038

-48,05

375

142

-62,13

4.Ser Incomp

487.757

382.141

-21,65

12.909

12.822

-0,67

2.206

1.640

-25,66

730.389

-21,58

28.997

26.909

-7,20

6.040

4.389

-27,33

 

4.Ser Incomp

931.334

8.Ser Incomp

1.089.499

954.739

-12,37

28.225

26.625

-5,67

9.446

7.098

-24,86

8.Ser Incomp

1.423.294

1.540.105

8,21

35.880

43.971

22,55

14.218

14.997

5,48 22,41

2.Gr Incomp 2.Gr Comp Sup. Incomp Sup. Comp

759.505

810.226

6,68

18.138

22.630

24,77

6.904

8.451

1.813.599

2.943.085

62,28

42.808

76.684

79,13

17.527

31.469

79,55

415.486

416.624

0,27

6.183

7.360

19,04

2.943

3.330

13,15

1.033.992

1.453.165

40,54

19.437

28.945

48,92

8.215

11.760

43,15

Fonte: RAIS. Elaboração do autor. Obs.: Para o ano de 1985, a RAIS não desmembrava a faixa de renda que vai de 1,01 a 2,00 salários mínimos e, por esse motivo, houve a quebra, ropositalmente, na tabela.

O crescimento dos empregados com ensino superior completo também surpreende, ainda mais quando comparamos essa realidade com os deslocamentos dentro do setor e das faixas de renda. 4.4 - Considerações finais O que se pôde constatar com relação ao mercado de trabalho em São José do Rio Preto, a partir dos dados RAIS analisados anteriormente, é que a tendência que assola o estado de São Paulo, RA e Brasil é a mesma que desestrutura o mundo do trabalho no município. Há redução relativa da participação das faixas de rendimento 151

médio mais alto, que implica em redução da capacidade de consumo da população de trabalhadores empregados formais de baixa renda. Ao mesmo tempo, a exigência de maior grau de instrução pressiona a PEA a freqüentar por mais tempo os bancos da escola, ainda que as mudanças na distribuição do emprego por setores da economia não nos permita afirmar que se exige cada vez mais maior qualificação, mais grau de instrução do trabalhador. Por outro lado, é crescente a dificuldade da massa de jovens trabalhadores em encontrar emprego, paralelamente à crescente participação da mulher na PEA, o que pressiona o mercado de trabalho. Estas são questões a serem resolvidas não somente no município, mas, e principalmente, através de políticas públicas centralizadas na União, com planejamento de longo prazo.

152

Referências bibliográficas AGLIETTA, M. (1979). Regulación y Crisis del Capitalismo: la experiência de los Estados Unidos. México: Ed. Siglo XXI. ALVES, G. (2000). O Novo (e precário) Mundo do Trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo: Boitempo Editorial. ANTUNES, R. (2000). Os Sentidos do Trabalho – ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial. CORIAT, B.(1994). Pensar pelo Avesso: o modelo japonês de trabalho e organização. Rio de Janeiro: Revan/ UFRJ. DIEESE.(2001). A Situação do Trabalho no Brasil. São Paulo: DIEESE. DRUCK, M. G. (2001). Terceirização: (des)fordizando a fábrica – um estudo do complexo petroquímico. São Paulo: Boitempo Editorial. GOUNET, T. (1999). Fordismo e Toyotismo na Civilização do Automóvel. São Paulo: Boitempo Editorial. HARVEY, D. (1992). A Condição Pós-moderna. São Paulo: Ed. Loyola. HIRATA, H. (org.) (1993). Sobre o Modelo Japonês. São Paulo: Ed. USP. OLIVEIRA, C. A. B. de e MATTOSO, J. E. L. (orgs.) (1996) Crise e Trabalho no Brasil, modernidade ou volta ao passado? Campinas: Ed. Scritta. PIORE, M. e SABEL, C. (1984). The Second Industrial Divide: possibilities for prosperity. Nova York: Ed. Basic Books. 153

RIFKIN, J. (1995). O Fim dos Empregos: o declínio inevitável dos empregos e a redução da força global de trabalho. São Paulo: Ed. Makron Books. SALM, C. (1980). Escola e Trabalho. São Paulo: Ed. Brasiliense. ________. Vai ser Difícil Requalificar. In: SALM, C. & FOGAÇA, A. Tecnologia, Emprego e Qualificação – bases conceituais. Boletim Conjuntura – IE/UFRJ. Rio de Janeiro: Série documentos nº 27. SALM, C. e FOGAÇA, A.(1997) Tecnologia, Emprego e Qualificação – bases conceituais. Boletim Conjuntura – IE/UFRJ. Rio de Janeiro: Séries Documentos nº 27. SOARES, J. de L. (1998). Sindicalismo no ABC Paulista: reestruturação produtiva e parceria. Brasília: Ed. Outubro – Centro de Educação e Documentação Popular.

154

5 Uma política pública de incentivo às microempresas: os minidistritos de São José do Rio Preto51 Orlando José Bolçone 5.1 - Um ambiente estratégico em mudança: os distritos industriais Considerando que o modelo de desenvolvimento predominante no Brasil até as duas últimas décadas dava grande ênfase ao setor industrial, o objetivo deste estudo é o de investigar as principais concepções teóricas e as principais características dos distritos industriais como uma forma de organização de seu desenvolvimento industrial. Estudar-se-á também, neste texto, uma experiência de política pública de incentivo à atividade econômica que pode ser entendida como uma variável dos distritos industriais tradicionais, os minidistritos industriais – implantados em São José do Rio Preto, cidade do interior do estado de São Paulo, com mais de 400.000 habitantes. Este programa de desenvolvimento local beneficiou mais de 700 microempresas desde 1986. O estudo deste gênero de política pública de incentivo à atividade econômica, os distritos industriais e suas variações, possibilita uma visão dos aspectos econômicos, sociais e ambientais, constituindo-se, portanto, em importante contribuição àqueles que fazem do desenvolvimento local seu objeto de estudo ou de sua ação. A questão do surgimento dos distritos industriais, ou seja, uma aglomeração de firmas em um espaço geográfico onde empresas tendem a se reunir apresentando ou não alguma forma de cooperação, não é um fenômeno recente. As primeiras preocupações com o estudo destas organizações 51 Este trabalho fundamenta-se principalmente na dissertação de Mestrado do autor apresentada à UNESP/Araraquara, com o título “Minidistritos industriais: uma política pública de incentivo às micros e pequenas empresas (São José do Rio Preto, 1983-1998)”, sob orientação da profª Drª Helena Carvalho de Lorenzo.

155

territoriais de empresas no campo do desenvolvimento econômico apareceram na reflexão de Alfred Marshall52 no final do século XX e, desde então, passaram por várias concepções. Mais recentemente, na década de 1980, o tema dos distritos industriais como aglomeração de pequenas e médias empresas voltou à tona a partir do desenvolvimento dos distritos industriais europeus, associado às mudanças das condições de concorrência internacional, em que ganharam espaço as estruturas produtivas mais flexíveis. O caso dos distritos industriais italianos é o mais conhecido exemplo de estudo, devido à sua inserção internacional. Nesse caso, a introdução de inovações tecnológicas associadas ao aumento de flexibilidade dos processos produtivos que passaram rapidamente a atender a novas demandas foram os fatores principais, além de cooperações específicas que possibilitaram elevar significativamente a produtividade mediante as conciliações entre os requisitos de concentração de recursos e a divisão de custos entre empresas. Destaca-se também, no caso italiano, a presença dos governos regionais na formulação de políticas públicas locais e regionais. Ainda com esse objetivo, os trabalhos de alguns autores, como Schmitz (1995) e Nadví e Schmitz (1994), mostraram que o desenvolvimento dos distritos industriais em países em desenvolvimento pode ser uma alternativa para a promoção do progresso tecnológico e industrial deles, mais especificamente no que se refere à geração de emprego e renda. As experiências internacionais tanto em países desenvolvidos quanto e, principalmente, em países em desenvolvimento podem ser referências para melhor compreensão da realidade estudada. No intuito de mostrar os aspectos que embasaram o desenvolvimento local nas últimas décadas, buscou-se caracterizar inicialmente os principais tipos e concepções desses arranjos produtivos.

52 A obra original de Alfred Marshall – Principles of Economics: An Introductory Volume 1 – foi editada em 1890. Neste trabalho estamos utilizando a edição de 1982. Assim sendo, ao efetuar as citações desse autor, referimo-nos à obra utilizada, ou seja, Marshall (1982).

156

5.2 - Distrito industrial Marshalliano Alfred Marshall, no século XIX, definiu o distrito industrial como um conjunto de empresas com conotação setorial (embora não necessariamente homogêneas), estruturado sobre a economia das próprias empresas originárias de uma região qualquer, entendendo existir vantagens na aglomeração empresarial decorrentes da proximidade e de elementos externos à produção. Estudando a produção, Marshall destacou a importância da organização industrial e da divisão do trabalho, ambas geradoras de economia de escala, e a importância dos investimentos em infra-estrutura, geradora de economias externas. Ao criar este último termo, destacou que elas surgiriam dos seguintes fatores: concentração de indústrias em um mesmo local, interdependência tecnológica existente entre as atividades, diminuição do custo do transporte de insumos, troca de idéias entre empresários que poderiam se reunir com mais facilidade, melhorias na infra-estrutura que seria executada pelo Estado ou por particulares, beneficiando o conjunto do complexo localizado no mesmo espaço, e a formação de um mercado de trabalho especializado. Constatou também que, fora dos distritos industriais, havia pouca ênfase às economias de escala e que o volume dos negócios era limitado, praticamente inexistindo a cooperação entre firmas. Estes distritos industriais propiciavam também a implantação de serviços que complementavam as atividades locais, tais como manutenção e reparos, desenvolvimento de certas linhas de produtos, apoio contábil e administrativo. Além disso, a eficiência econômica da firma dependeria da capacidade empresarial dos proprietários, da organização e uso da maquinaria que permitiriam, por sua vez, maior divisão do trabalho. O tema originalmente estudado por Marshall permaneceu em evidência ao longo do século XX. Em 1944, na introdução de ”Pequeno e Grande Capital: problemas econômicos do tamanho das empresas”, Steindl53 (1990) 53 Neste trabalho é utilizado a edição brasileira Pequeno e Grande Capital: problemas econômicos do tamanho das empresas (1990), com o post-scriptum de 1972.

157

chamava a atenção para os problemas das pequenas empresas, de suas responsabilidades de sobrevivência e das políticas a serem adotadas em relação a elas. Sugeria que, numa análise da importância da dimensão das empresas, se adotasse como ponto de partida os estudos de Alfred Marshall, alertando, porém, que mesmo suas conclusões estavam sujeitas a novas indagações, embora reconhecesse a importância fundamental de seus estudos. Criticando Marshall, Steindl apresentou duas objeções: considerou que o autor superestimava a importância da aptidão pessoal do empresário e também apresentava uma imagem irreal da facilidade com que aparecem no cenário novos grandes empresários, dotados de grandes capitais surgidos das fileiras de capitalistas menores. Apesar de ambos os autores estarem enfocando questões relativas às pequenas e médias empresas, na realidade, distritos industriais não seriam as formas de organização industrial sugeridas pelo padrão de desenvolvimento fordista, já que este se baseava na grande empresa e em economias de escala. Mais recentemente, a partir das décadas de 1970 e 1980, as aglomerações de pequenas e médias empresas e os distritos industriais ganharam nova importância, como o caso dos distritos industriais italianos. 5.3 - Distritos industriais italianos Os distritos industriais italianos constituem-se em uma variação e aperfeiçoamento do distrito industrial marshalliano. Recentemente, os estudos sobre o desenvolvimento e a importância dos distritos industriais e das pequenas empresas foram retomados a partir do sucesso ocorrido com a experiência italiana no enfrentamento à crise pela qual passou o mundo capitalista desenvolvido, a partir dos anos 7054. Enquanto nos distritos industriais marshallianos tradicionais havia uma certa passividade da empresa em sua atuação e em sua relação empresarial, nos chamados distritos 54 Piore e Sabel (1984) foram os primeiros autores a analisar esta modalidade contemporânea de distrito industrial marshalliano.

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italianos, que se constituem em variação da versão marshalliana tradicional, há um alto nível de intercâmbio entre consumidores, intermediários e fornecedores, além da cooperação entre competidores em busca da estabilização de seus mercados e da divisão de riscos e inovações. Esta procura pelo novo faz com que um grande número de trabalhadores italianos dedique-se a atividades de inovação como o “design”. As empresas integrantes do distrito industrial italiano procuram em conjunto traçar estratégias coletivas. A regulação e a promoção das principais indústrias são feitas pelos governos locais ou regionais. O associativismo de negócios existente neste tipo de distrito industrial tem o objetivo de prover as firmas de uma infra-estrutura comum como gerência, treinamento, marketing, apoio técnico ou financeiro. Sobre esta dinâmica, ressaltam-se a confiança entre os membros da comunidade distrital, o crescimento da cooperação e da ação coletiva, embora também se afirme, em uma perspectiva crítica, que o poder das grandes corporações no arranjo dos distritos industriais italianos tem sido subestimado. (Markusen, 1995) A problemática levantada pelos autores mostra que o processo de integração das atividades e de recursos das empresas instaladas nos distritos industriais constitui-se em elemento de grande especificidade. A partir da concentração regional de produtores locais, é possível estabelecer formas de cooperação interfirmas, tanto no âmbito das relações usuáriosprodutores, quanto na formação de redes cooperativas de pesquisa e desenvolvimento. Os estudos industriais recentes podem ser interpretados como uma forma particular de organização industrial que combina a unidade sócio-territorial com as condições que permitem melhor utilização dos recursos específicos e redução de custos. As experiências de distritos industriais modernos mostram que é possível mobilizar recursos para a atividade produtiva de maneira que os ganhos gerados possam ser repartidos entre os produtores locais.

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5.4 - Distritos industriais apoiados pelo estado Uma outra modalidade de organização industrial é o distrito industrial apoiado pelo Estado55. Caracteriza-se pela existência de entidade pública ou com finalidade não lucrativa que contribui para sustentar o desenvolvimento regional na atração de investimentos. Pode ser uma universidade, um grande ou pequeno centro de pesquisa, uma base militar, um laboratório ou uma grande concentração de órgãos públicos. Apoiadas pelo Estado, estas instituições podem influenciar outras atividades locais, mesmo que seus investimentos sejam decididos longe daquelas localidades, pois há uma comunicabilidade com o meio no qual estão inseridas. Em cidades norte-americanas, tais como Santa Fé, Albuquerque, San Diego e Colorado Springs, verificou-se um vigoroso crescimento nos últimos cinqüenta anos, por causa de suas bases e academias militares ou centros de pesquisas bélicas. No Japão, em Tsukuba, e na Coréia do Sul, em Taejon, complexos de pesquisa governamental constituíram-se em indutores de progresso. Nos casos brasileiros, podem ser destacados, no Estado de São Paulo, os municípios de São José dos Campos – pelo seu complexo aeroespacial militar, de Campinas e de São Carlos, por suas universidades, as quais muito contribuíram para o sucesso econômico das regiões (Dinis & Razavi, 1994). O grande desafio dos distritos apoiados pelo Estado é compatibilizar os interesses políticos do poder público ou das instituições não lucrativas e suas corporações aos anseios das comunidades onde estão inseridas. Observa-se ainda que há um compromisso/identificação dos trabalhadores para com as grandes instituições públicas. O papel dos governos locais na regulação e na promoção das principais atividades econômicas do distrito pode ser relevante quando os objetivos do distrito se integrarem às estratégias das políticas públicas locais. Em termos gerais, o que se pode afirmar sobre as aglomerações de empresas e atividades impulsionadas pelo 55 O assunto é estudado por Markusen (1995), Dinis & Razavi (1994) e Meyer-Stamer (2000).

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Estado é que elas mesmas correm o risco de não terem grande parte de seus benefícios retornados às comunidades nas quais estão inseridas, pois as decisões, tomadas em outras instâncias de governos, nem sempre vão ao encontro dos anseios da comunidade onde os projetos estão sendo executados. 5.5 - Outros tipos de distritos industriais As modalidades de distritos industriais analisadas neste item, muito embora sejam constituídas principalmente por grandes empresas, também estão relacionadas às pequenas e médias empresas na medida em que as mesmas podem ser incentivadas a integrar estas aglomerações mais complexas, formando redes ou sistemas de fornecedores. Neste caso, destacam-se os Distritos Industriais Centro-Radiais e as Plataformas-Satélites como formas complexas de organização industrial. Os Distritos Industriais Centro-Radiais caracterizamse pelo assentamento em regiões onde um certo número de empresas ou de unidades industriais atuam como firmas-chave ou eixos da economia regional. Estas integram em torno de si fornecedores e outras atividades correlatas. É o caso, por exemplo, de Seattle e da região central de New Jersey, nos Estados Unidos, da cidade de Toyota, no Japão, de Ulsan e Pohag, na Coréia do Sul, de São José dos Campos (estado de São Paulo) e, mais recentemente, de Resende (estado do Rio de Janeiro), no Brasil (Markusen, 1995). As economias regionais são dinamizadas por esses grandes eixos, formados por empresas que, com seus mercados nacionais ou internacionais, subordinam os negócios locais à sua influência. As políticas públicas regionais são subordinadas aos interesses dos setores industriais e das estratégias das firmaschave, ficando as pequenas empresas locais inseridas na situação, não lhes restando outra alternativa senão submeterem-se às estratégias da empresa central. A ação política de relacionamento com o governo local girará em torno dos interesses das firmaschave. As grandes firmas procuram suplementar a iniciativa pública em seu interesse logístico, como, por exemplo, apoio a instituições de ensino ou implantação de infra-estrutura. 161

Nas regiões marcadas pela presença de distritos centroradiais, o surgimento de pequenas e médias empresas que não tenham atividades integradas é, sem dúvida, mais difícil. As estratégias das empresas centrais, como foi apontado anteriormente, estão sempre voltadas para questões globais, abrindo pouco espaço às pequenas e médias empresas. Dessa forma, apenas as instituições públicas teriam poder suficiente para influenciar seu desenvolvimento. As Plataformas-Satélites são outro tipo de distrito industrial organizado distante dos grandes centros urbanos. Esta variante conta com o apoio do governo federal ou estadual, sob a justificativa de que há um estímulo ao desenvolvimento de regiões distantes, pois atraem empresas pela redução dos custos do negócio, pela oferta de mão-de-obra de baixo custo e de aluguéis e pela isenção de impostos. Essas plataformas podem constituir-se de simples conglomerados de empresas de montagem ou por grandes institutos de pesquisas. Devido à distância de sua sede, há necessidade de uma certa autonomia por parte dos produtores locais, uma vez que estão sempre longe dos encadeamentos produtivos, seja de fornecedores, seja de consumidores. Este tipo de distrito é conhecido em quase todos os países do mundo, com diferentes níveis de desenvolvimento. Pode-se afirmar que os principais aspectos das plataformas-satélites são: estrutura econômica dominada por grandes firmas que têm sua propriedade e seu controle externos ao distrito; as economias-de-escala vão de moderadas a altas, havendo poucas alterações no rol de produtores-satélites locais; as transações intradistritais são mínimas e as decisões mais importantes sobre investimentos são externas ao distrito, não havendo compromissos com fornecedores locais (Markusen, 1995). Os investimentos regionais em infra-estrutura são, em geral, realizados a partir das decisões de grandes firmas que, por sua vez, estão localizadas fora da Plataforma-Satélite. No Brasil, o caso mais conhecido é o da expansão da Zona Franca de Manaus, incentivada por financiamentos públicos (Diniz & Borges, 1995). 162

Nesta modalidade de distrito industrial – as Plataformas-Satélites –, as pequenas e médias empresas atuam exclusivamente como subcontratadas de mão-de-obra, não tendo acesso às decisões, principalmente para obtenção de recursos financeiros. Em virtude de suas reduzidas fontes de financiamento, há uma carência local de recursos financeiros que sustentem novos negócios. Não há colaboração na provisão de infra-estrutura comum por parte das associações patronais, sendo importante a ação dos governos neste aspecto, pois constantemente as perspectivas de crescimento são ameaçadas pela possibilidade de transferência das filiais e de suas atividades para plataformas-satélites similares ou para aquelas que se mostrarem mais atraentes. 5.6 - Incubadoras de empresas No que se refere às micro e pequenas empresas, objetos deste estudo, destacam-se também as incubadoras de empresas que, como atividades incentivadas no plano local, são importante instrumento de política de desenvolvimento local. As experiências com incubadoras de empresas vêm sendo ampliadas constantemente. Segundo dados da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologia Avançadas (ANPROTEC), entidade que congrega as incubadoras de empresas no Brasil, em 2005 existiam mais de 339 incubadoras no país; apresentavam mais de 2327 empresas incubadas que geravam 5618 postos de trabalho. As incubadoras constituem-se na política de desenvolvimento local mais adotada no Brasil nos últimos 25 anos. Em 1988, eram apenas 2, atingindo um total de 339 em 2005. Talvez nenhuma outra política de desenvolvimento local teve aumento tão expressivo na história recente do Brasil. O assunto é amplamente estudado nas publicações da ANPROTEC (Associação Nacional da Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores – www. anprotec.org.br).

163

5.7 - Especialização flexível e eficiência coletiva A partir dos anos 70, quando houve intenso movimento de sofisticação tecnológica de produtos e processos, as novas estratégias de concorrência internacional passaram a exigir das empresas maior flexibilidade para atender às constantes oscilações dos mercados. Este fato possibilitou a substituição do chamado esquema de produção em massa pelo atendimento de mercados mais específicos, o que ficou conhecido como especialização flexível. O conceito de especialização flexível como modelo de organização industrial foi proposto inicialmente por Piore e Sabel (1984). Sob dois níveis pode ser observado este conceito: macro e micro. No nível macro, observa-se que o sistema até então dominante de produção em massa atendia a mercados estáveis, cujas reduções de custos dos fatores e as economias de escala eram variáveis-chave, mas este mesmo sistema deslocouse para mercados em constante mutação, mais diversificados e com processos de produção mais flexíveis e inovadores. No nível da empresa, a especialização flexível favorece o surgimento de um novo tipo de organização industrial menos rígido, possibilitando a criação de produtos mais variados. Estes artigos atenderão à demanda do novo mercado que estará em constante mutação, alterando constantemente preferências e hábitos de consumo. Para adaptar-se a novas exigências do mercado, cada vez mais diferentes, necessita-se de uma organização mais ágil e flexível. Para isso, foi necessário formar um novo perfil de operário que deveria ser polivalente, e, também produzir equipamentos mais flexíveis. A especialização flexível, por sua vez, pode ser aplicada sob diversas formas: formação de “net works” de empresas, sistemas de sub-contratação comandados por grandes empresas, distritos industriais marshallianos etc, enfim, formas que apresentem a flexibilidade como principal característica. A especialização flexível, desse modo, pode ser entendida como uma produção industrial realizada com equipamentos de finalidades múltiplas e com mão-de-obra de diversas habilitações, não sendo, portanto, restrita às pequenas e médias indústrias. Na realidade, são as grandes empresas que 164

se servem deste tipo de produção ao utilizarem a automação programada. A especialização flexível é um sistema de produção que serve às empresas independentemente de seu porte, pois permite uma produção flexível e segmentada. Embora a especialização flexível não seja restrita a pequenas e médias empresas, essas mesmas empresas se adaptaram muito bem a este processo produtivo. Piore e Sabel (1984) entendem também que a especialização flexível é uma estratégia de enfrentamento da crise de produção em série e que a mesma não seria passível de utilização nos países em desenvolvimento. Os autores admitem quatro formas de especialização flexível: os conglomerados regionais, as federações de empresas, a fabricação reagrupando ateliês e a firma solar. Estas formas de organização industrial apresentam flexibilidade dinâmica, que consiste em proceder mudanças rápidas na tecnologia de produção com o fim de baixar custos e aumentar a produtividade. Nesse sentido, seriam mais facilmente aplicáveis em países desenvolvidos, onde a incorporação do processo técnico é mais rápida. Mesmo que a especialização flexível não seja restrita a pequenas e médias empresas, as formas de especialização flexível apontadas por Piore e Sabel podem ser observadas nelas. A especialização flexível vista como um modelo de desenvolvimento foi estudada por Schmitz (1995), o qual entende que as diversas formas de especialização flexível podem ser agrupadas em três variantes: (1) variante da grande empresa, na qual a especialização flexível ocorre quando estas empresas implantam processos de descentralização interna, o que possibilitará o surgimento de um conjunto de unidades especializadas semi-autônomas; (2) variante de pequena empresa e da divisão do trabalho entre elas, que devem estar geográfica e/ou setorialmente concentradas, mantendo estreitas relações entre si; e (3) variante que agrupa pequena e grande empresas, nas quais a especialização flexível é conseqüência de uma organização da produção, em que as pequenas empresas trabalham para as grandes em razão de sua especialização e competência. No que se refere aos países em desenvolvimento, o assunto foi estudado por Hsaini (1997) que analisou a 165

indústria de artefatos de couro na região de El Jem, na Tunísia. Discordando da afirmação de que a especialização flexível em pequenas e médias empresas somente seria viável nos países desenvolvidos, ele sustenta que: “A especialização flexível não é exclusiva dos países comumente classificados como industriais; ela pode ser estendida aos países em via de desenvolvimento, que não conheceram, ou conheceram de forma precária, a produção em série, e pode constituir, para um certo número deles, um modelo de desenvolvimento estruturado. (Hsaini, 1997).”

Hsaini (1997) sugere ainda que, no caso dos países em desenvolvimento, o modelo mais adequado, seria a concentração geográfica de pequenas empresas e de ateliês artesanais que atuem em um mesmo setor de atividade ou em setores próximos. A cidade de El Jem, onde ocorreu o estudo do autor, tinha em 1994 aproximadamente 17.000 habitantes. Localizada em situação geográfica privilegiada, é cortada por duas rodovias. O município é conhecido em todo o país por ter uma população de comerciantes extremamente dinâmica. Segundo o autor, neste município “a pobreza praticamente inexiste”. (Hsaini, 1997) Em 1994, existiam em El Jem cerca de 150 ateliês de artefatos de couro, dos quais 130 teriam evoluído de atividades informais. Estes ateliês empregavam, segundo o autor, entre 500 e 1.500 pessoas, o que representava entre 10% e 24% da população ativa de El Jem e constituía-se na principal profissão industrial da cidade. A atividade surgira em meados da década de 1970, em conseqüência do encerramento de uma grande fábrica de roupas de couro. Os empregados demitidos desta empresa, devido a competência profissional adquirida, começaram novas atividades, na maioria das vezes no mesmo espaço de suas residências. No período 1970-1994, estas microindústrias buscaram flexibilizar as atividades e implantaram diversas adaptações em sua maquinaria, o que possibilitou mudar as características de um produto ou mesmo do produto final de acordo com a demanda do momento. 166

Pode-se concluir com as evidências de que a pequena empresa tem espaço de atuação em um ambiente de especialização flexível, sendo sua aplicação perfeitamente compatível com países em desenvolvimento. O espaço de atuação da pequena empresa também pode ser observado na terceirização e nas redes de empresas. Importante lembrar que as estruturas sociais, culturais e institucionais têm papel fundamental no bom funcionamento das formas localizadas de especialização flexível e que estas estruturas devem orientar as pequenas empresas para a competição no sentido de inovação. A seguir, analisar-se-á o conceito de eficiência coletiva. A partir do trabalho de Piore e Sabel (1984) sobre especialização flexível, Schmitz (1995) propôs uma nova visão do problema, para isso, apresenta uma possibilidade de compreensão de suas realidades através do conceito de eficiência coletiva, que se constitui em uma sinergia decorrente da divisão de trabalho interfirmas com capacidade técnica e também concorrencial na produção de bens competitivos como os produzidos pelas grandes empresas. Esta interação pode ser horizontal, no sentido concorrencial, ou vertical, quando a interação se dá dentro de uma relação de complementariedade no processo produtivo. As pequenas e médias indústrias, neste processo, adaptam-se à nova realidade para sobreviverem aos efeitos da globalização. A atividade industrial organiza-se em distritos industriais, redes e outras formas de arranjos produtivos tradicionalmente voltados para as pequenas e médias empresas, além de outras experiências nas quais se integram aos governos. É importante salientar que distrito industrial não é unicamente uma zona industrial, onde as indústrias devam se localizar por razões urbanas de tráfego, ambientais ou de ocupação do solo. É um local onde se aplicam instrumentos de políticas públicas voltadas para além da organização espacial, devendo ser, também, um pólo gerador de emprego e renda. Observa-se também que nos distritos pode ocorrer a descentralização vertical, permitindo que as firmas integrantes deste sistema se especializem gradativamente, estimulando 167

a divisão do trabalho entre as diversas firmas individuais; há assim lucro com a adoção da eficiência coletiva. A importância de um ambiente cooperativo entre as empresas é importante para que estas possam obter ganhos através da eficiência coletiva. E as instituições públicas ou privadas podem incentivar e participar no ordenamento das mais diferentes formas de cooperação entre as empresas. As aglomerações de pequenas e médias empresas têm merecido a atenção daqueles que formulam políticas públicas econômicas destinadas a estimular o desenvolvimento local e regional. O município de São José do Rio Preto vem procurando, desde a década de 1980, formular estratégias que contemplem estas políticas públicas integradas ao desenvolvimento urbano local. 5.8 - Políticas de incentivo à industrialização e à urbanização: experiências mais recentes Serão analisadas a seguir, as principais estratégias adotadas por São José do Rio Preto para incentivar seu desenvolvimento e organizar seu espaço físico territorial. A primeira lei de zoneamento de São José do Rio Preto foi promulgada em 1958; em 1983, já havia sido alvo de centenas de alterações de caráter pontual, visando atender a interesses de minorias individuais ou econômicos. Em 1983, instalou–se um fórum de debates com representantes da sociedade56, do qual surgiram mais de 300 sugestões que foram integradas em um documento – o Plano Qüinqüenal de Participação Comunitária, que abrangia o período 1984 a 1988. Neste documento, detectava-se a necessidade de políticas de apoio às micro e pequenas empresas e a implantação de uma política habitacional alternativa. Mas a prática do planejamento participativo seria totalmente esquecida pelo governo municipal seguinte57 que, inclusive, extinguiu o Conselho Municipal de Planejamento e transferiu 56 Associações de bairros, entidades religiosas, clubes de serviços, Associações de Pais e Mestres,, entidade empresariais, sindicatos, entre outros. 57 Prefeito Antônio Figueiredo de Oliveira (1989 a 1992).

168

importantes atribuições, como aprovações de loteamentos e autorização de grandes empreendimentos, para a Secretaria Municipal de Obras. Do fórum de 1983 surgiu a segunda lei de zoneamento (Lei nº 3504/84) do Município de São José do Rio Preto debatida em reuniões com representantes de entidades locais58 durante o segundo semestre de 1983, enviada à Câmara de Vereadores no início de 1984 e votada somente em outubro do mesmo ano. Esta lei criou a figura do Conselho Municipal de Planejamento59, a quem caberia a análise de temas de maior impacto urbano, como grandes empreendimentos ou loteamentos. Procurava-se também aperfeiçoar a legislação anterior, estabelecendo restrições para o controle do uso e ocupação do solo, além das dimensões das habitações para preservar a qualidade de vida da cidade que havia atingido, em 1980, a soma de 187.403 habitantes, dos quais a maioria (177.882)60 se encontrava na região urbana. A Lei nº 3504/84 delimitou também a área industrial da cidade, formalizando pela primeira vez o conceito de distrito industrial. Com ele, proíbe-se que os imóveis industriais que se encontravam localizados em regiões comerciais e/ou residenciais ampliassem seus espaços. Estabeleceu-se ainda que os loteamentos populares de caráter social seriam de exclusiva iniciativa do poder público. Em 1986, por proposta do executivo, foi aprovada a lei que estabelecia o primeiro plano viário do município. A nova Constituição do Estado de São Paulo, de 1989, em seu artigo 181, veio estabelecer a obrigatoriedade das cidades com mais de 20.000 habitantes a instituir um Plano Diretor. Embora tenha nomeado uma comissão de técnicos para estudar o assunto em 1990, o governo municipal somente remeteu o projeto de lei do Plano Diretor de Desenvolvimento no último ano de mandato (1992). Este Plano Diretor foi 58 Participaram das discussões: OAB, IAB, ACIRP, Sociedade dos Engenheiros, Delegacias Regionais de Órgãos do Governo do Estado, Representantes de Sindicatos da Imprensa e profissionais liberais, entre outros. 59 Colegiado nomeado por Decreto pelo Prefeito, sob a presidência do Secretário Municipal de Planejamento. 60 Dados extraídos da Fundação Seade (2006).

169

instituído pela Lei Complementar nº 19, em 23 de dezembro de 1992, graças aos esforços de técnicos da Secretaria Municipal de Planejamento e a pressões de urbanistas e cidadãos sobre a Câmara de Vereadores. O Plano Diretor estabelecia o processo de planejamento no Município de São José do Rio Preto e, através de leis específicas, normatizava o sistema viário (Lei nº 5138/92), o parcelamento do solo (Lei nº 5134/92) e o código de posturas (Lei Complementar nº 17/92). A Lei nº 5135/92, que trata do uso e ocupação do solo, dividiu a cidade em 14 zonas de ocupação61. Nesta lei, consta a zona industrial, que poderia ser implantada em áreas públicas ou privadas, desvincula o uso do solo industrial das empresas de pequeno porte (minidistritos industriais) das de médio e grande porte que seriam instaladas nos dois distritos industriais convencionais. Com o Plano Diretor, ressurge o Conselho Municipal de Planejamento, agora denominado Conselho Municipal do Plano Diretor de Desenvolvimento (CPDD), com participação da sociedade62 e sob a presidência do Secretário Municipal de Planejamento. Entre 1993 e 1994, os técnicos municipais refletem sobre a aplicação do Plano Diretor e da Lei de Zoneamento nº 5135/92 em busca de um aperfeiçoamento. Desta observação, elaborou-se um estudo no qual se procurava aperfeiçoar a legislação de zoneamento e de uso do solo aprovada em 1992. Através de discussões com representantes da sociedade riopretense, o Conselho Municipal de Planejamento elaborou um Projeto de Lei, que sofreu diversas emendas na Câmara de Vereadores, mas acabou por ser promulgado em 12 de abril de 1995. Mesmo sendo constantemente alterada pela Câmara 61 Zona 1 – Zona exclusivamente residencial de baixa densidade; Zona 2 – Zona predominantemente residencial de baixa densidade; Zona 3 – Zona de uso misto residencial e comercial de baixa densidade; Zona 4 - Zona de uso misto residencial e comercial de média densidade; Zona 5 – Zona de recuperação urbana – densidade crescente; Zona 6 – Corredores Comerciais – média densidade; Zona 7 – Centro Comercial de Bairro – de média densidade; Zona 8 – Zona de Expansão Controlada – de média densidade; Zona 9 – Zona de Serviços Gerais; Zona 10 – Zonas Especiais; Zona 11 – Zona Industrial; Zona 12 – Zona de Preservação de Mananciais; Zona 13 – Zona Agrícola; e Zona 14 – Zona de Expansão Urbana. 62 Representam a comunidade a OAB, o IAB, a Sociedade dos Engenheiros, o Conselho Regional dos Corretores de Imóveis, a Associação Comercial e a CETESB, como membro convidado, com direito a emitir opiniões técnicas.

170

Municipal para atender a interesses particulares ou de grupos, esta lei em sua essência encontra-se em pleno vigor até o momento63. Apesar das diversas alterações ocorridas na legislação urbana do município, ainda assim a cidade pôde manter sua organização espacial e os instrumentos de desenvolvimento, o que permitiu um processo de urbanização coerente, com vetores de adensamento urbano, industrial e de proteção de mananciais. Ainda na década de 1990, São José do Rio Preto consolida-se como pólo regional prestador de serviços. O aumento populacional que vinha ocorrendo desde a década de 1970 e a expansão do setor de serviços, sobretudo dos serviços médicos e educacionais, constituíram-se nas principais características do desenvolvimento municipal nesse período. Perillo (1994), ao estudar o fluxo de migrações para o município de São José do Rio Preto, constatou que, na década de 1970/1980, houve um saldo migratório de 9.747 habitantes. As principais cidades que contribuíram com o fluxo migratório desse período foram as da própria Região de Governo de São José do Rio Preto. A autora credita estas migrações às reduzidas perspectivas de evolução pessoal, sobretudo à falta de emprego na cidade de origem e às oportunidades geradas no município de São José do Rio Preto. Conseqüentemente, houve o aumento em 3,78% de sua população entre 1980 e 1991, em 2,67% entre 1991 e 1996, em 2,55% entre 1996 e 2000 e em 2,10% entre 2001 e 2005. O desenvolvimento econômico dos anos 90 também pode ser estudado ao observar-se a participação do Município no recebimento do repasse64 (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), como se vê à seguir:

63 Ano de 2006. 64 O repasse da cota do ICMS para o Município leva em conta o valor agregado pelo Município, a população, a receita própria e áreas alagadas por hidroelétricas. No caso de São José do Rio Preto, o fator área alagada por hidroelétricas tem peso “0”.

171

Tabela 5.1 – Município de São José do Rio Preto: Estado de São Paulo – Aumento na participação da Cota do ICMS (%) – maiores crescimentos no período de 1990-2000. Repasse em 1990 (em %) 0,51

Repasse em 2000 (em %) 0,85

São José dos Campos

2,06

3,17

53,8

São José do Rio Preto

0,39

0,60

52,6

Ribeirão Preto

0,81

1,17

44,4

Bauru

0,41

0,59

41,8

Carapicuíba

0,17

0,25

39,9

Jacareí

0,62

0,84

35,2

São Vicente

0,20

0,26

29,5

Presidente Prudente

0,26

0,32

24,1

Marília

0,28

0,35

21,8

Cidade Taubaté

Crescimento (%) 66,6

Fonte: Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo - 2000

Deste modo, o crescimento do repasse do ICMS em 52,6% na década coloca em evidência o município de São José do Rio Preto que, nos anos 90, consolida-se definitivamente como um centro regional e passa também a ser referência no tocante a prestação de serviços. Outro indicador do crescimento pode ser o número de ligações de energia elétrica e o respectivo consumo. Comparando os dados de 1989 e 1999, conforme a Tabela 5.5, observa-se que, em 1989, existia um total de 76.812 ligações de energia elétrica em São José do Rio Preto para um consumo de 3.201.387 KWh e, em 1999, o número de ligações atingia 125.926 para um consumo total de 58.415.123 KWh, observando-se um aumento percentual de 82% no número de ligações e 64% no consumo em dez anos.

172

Tabela 5.2 – Consumo de KWh em São José do Rio Preto - 1989 e 1999 4

2

Consumo KWh

1

Ligações

Consumo KWh

Ligações

1989

1989

1999

1999

Residencial

14.301.397

67.424

25.360.755

Industrial

3.872.677

1.478

6.254.445

Comércio e Serviços

8.375.759

6.821

Classe

5

3

6

Variação % Consumo 1989/1999

Variação % Ligações 1989/1999

110.770

77

64

2.339

62

58

17.271.526

11.292

106

66

Rural

632.642

678

1.149.123

819

82

21

Poder Público Iluminação Pública Outros

675.160

323

1.307.843

551

94

71

1.681.025

3

3.033.870

6

80

100

2.475.157

85

4.037.561

149

63

75

Total

32.013.817

76.812

58.415.123

125.926

82

164

Fonte: Companhia Paulista de Força e Luz – CPFL - 2000

Havia, em 1989, 1.478 ligações industriais com um consumo total de 3.872.677 KWh, enquanto, em 1999, as ligações industriais aumentaram para 2.339 e o consumo para 6.254.445 KWh. Pode-se observar um aumento de 58% no número de ligações industriais e de 62% no consumo. Assim, percebe-se que a indústria de transformação apresentou um aumento significativo em São José do Rio Preto. Se analisarmos que o consumo de energia elétrica comercial aumentou em 106% e o número de ligações em 66% neste período de dez anos, podemos notar que o maior crescimento ocorreu no setor terciário, que vem ao encontro da premissa de que São José do Rio Preto foi cada vez mais se fixando como um centro fornecedor neste setor. Tanto a arrecadação de ICMS (Tabela 5.1) como o consumo de energia elétrica (Tabela 5.2) podem comprovar esta afirmativa. Observa-se também que as políticas de incentivos à industrialização e à urbanização para a melhor organização da ocupação do solo urbano e da localização das atividades produtivas contribuíram também para o crescimento econômico do município. A legislação urbana como o Plano Diretor e a Lei de Uso e Ocupação do Solo (Zoneamento) permitiram à 173

cidade de São José do Rio Preto uma melhor organização de suas atividades produtivas. As políticas públicas municipais decorreram também do fato do governo federal ter se afastado de sua condição de operacionalizador de políticas de desenvolvimento, ao mesmo tempo que o Estado de São Paulo induzia a desconcentração industrial da Região Metropolitana para o Interior. O município de São José do Rio Preto procurou adaptar-se a esta nova realidade, utilizando-se das diversas estratégias de intervenção pública, como foram descritas neste item, e dentre as diversas políticas públicas utilizadas está o Programa de Minidistritos Industriais. 5.9 - Uma política pública de integração entre micro e pequenas empresas e moradias O Programa de Minidistritos Industriais, implantado a partir de 1986, inicialmente teve por objetivo dar apoio institucional ao desenvolvimento de micro e pequenas empresas do município de São José do Rio Preto. Propunha uma nova concepção de política pública de incentivo à implantação de distritos industriais e se diferenciava das políticas públicas até então praticadas, que tinham como estratégia principal a doação de lotes de terrenos e concessões de subsídios, em especial para grandes empresas. Constituía-se em política pública de desenvolvimento local com intervenção na área industrial e habitacional e visava aproximar o emprego da moradia e sua integração à malha urbana e aos equipamentos públicos existentes. Teve como objetivo também a redução dos custos operacionais de manutenção da cidade, eliminação dos gastos com aluguéis das famílias beneficiadas e redução do tempo de deslocamento com transporte e, conseqüentemente, a melhoria da qualidade de vida. Esta política pública apoiava-se em duas ações integradas e complementares: o Programa de Minidistritos Industriais e o Programa Nossa Terra. Outra característica peculiar é que, neste programa, os terrenos deveriam ser vendidos e não doados. Não se 174

concederia subsídios ou isenções de impostos ou taxas que, comumente, eram os principais instrumentos de políticas públicas de incentivo à instalação de distritos industriais. Os minidistritos foram planejados com localização junto à malha urbana, formando um conjunto integrado de lotes residenciais e lotes para fins empresariais. Tinham como objetivo também realizar uma intervenção maior no espaço urbano e promover a integração entre a habitação popular e a atividade de micro e pequenas empresas, daí serem inicialmente concebidos como Minidistritos Integrados. A questão habitacional poderá ser objeto de estudos futuros. 5.10 - Programa de minidistritos industriais Dentre as diversas políticas públicas locais planejadas, uma delas tratava da questão industrial, constatando a existência de micro e pequenas indústrias que estavam mal instaladas e outras que queriam iniciar suas atividades em local próprio. No primeiro semestre de 1983, durante as discussões do Plano Qüinqüenal de Participação Comunitária65, o pleito viria à tona. Dentro do diagnóstico desta realidade é que ocorreu a concepção do Programa de Minidistritos Industriais. O Programa de Minidistritos apoiava-se inicialmente na visão predominante de que o desenvolvimento local devia fundamentar-se também no incentivo à industrialização. Esta estratégia de desenvolvimento inseria-se nas políticas públicas praticadas pelos governos federal e estadual desde a década de 1970. O Programa de Minidistritos Industriais adotou uma estratégia de intervenção com uma política pública que tinha três objetivos: econômico, social e ambiental. No plano econômico, a geração de empregos para acompanhar o crescimento demográfico da cidade era uma das metas. A criação de novos pólos de desenvolvimento (os minidistritos) levaria à descentralização das atividades da região central da cidade. Esta descentralização, por sua vez, conduziria o desenvolvimento às regiões de menor renda, localizadas nos bairros da periferia. As micro e pequenas empresas, ao terem acesso à sua sede própria, teriam melhores condições 65 Plano de Governo Municipal para o período 1983 a 1988.

175

de planejamento, criando novas perspectivas de crescimento a médio e longo prazos. A redução do custo do terreno, obtida por meio da intervenção do poder público e da concessão de facilidades de pagamento a longo prazo, possibilitaria às micro e pequenas empresas condições de terem sua sede. A sede própria poderia proporcionar aos empresários melhores condições de obtenção de crédito, pois o imóvel tinha condições de ser oferecido como garantia aos bancos oficiais para a obtenção de empréstimos. O programa também reduzia o número de certidões negativas, normalmente exigidas, a fim de desburocratizar o processo de participação das MPEs. Os objetivos sociais visavam propiciar à população de baixa renda66 um aumento de sua capacidade de consumo pela diminuição de seus gastos com transporte. Com a aproximação do local de trabalho à moradia, não seria necessário o deslocamento do trabalhador via transporte coletivo. Supunhase que esta pudesse também melhorar as chances do trabalho feminino, principalmente na indústria de confecções. O Município, por deter o poder de fiscalização sobre as atividades produtivas, poderia intervir no controle e incentivar ações geradoras de empregos. Além da geração de emprego e renda, poder-se-ia também aumentar as disponibilidades financeiras das famílias através do oferecimento de serviços públicos próximo das residências, o que permitiria uma redução nas despesas familiares. Quanto aos objetivos ambientais, o programa visava ordenar as atividades das micro e pequenas empresas facilitando sua organização e oferecendo condições de melhoria na qualidade de vida da população que viveria no entorno dos minidistritos, inversamente ao que ocorre com a instalação de distritos industriais tradicionais que, em geral, degradam a qualidade de vida das regiões vizinhas. Além disso, objetivavase, a médio e longo prazos, uma melhoria na qualidade de vida dos bairros, pois, ao longo do tempo, o espaço físico onde as micro e pequenas indústrias se instalam, freqüentemente, passam a ser dominados por residências. Com a transferência das micro e pequenas indústrias, deveria ocorrer uma ocupação 66 As famílias das áreas atendidas pelo projeto tinham o valor de até três salários mínimos como renda familiar.

176

mais branda e compatível com as novas necessidades dos bairros de onde as indústrias se transferiram. Os minidistritos deviam ocupar vazios urbanos, a fim de não se induzir a ampliação do perímetro urbano e da malha viária. A localização dos minidistritos industriais deveria preservar a qualidade de vida dos bairros vizinhos, de modo a separar a atividade industrial da convivência das famílias, localizando-se próximos de equipamentos urbanos de saúde, educação, assistência à família e centros comunitários. Os custos de implantação seriam reduzidos pelo fato de não haver necessidade da construção de novas vias de acesso, pois utilizar-se-ia da malha viária já existente, assim como da infra-estrutura. Ainda com relação à localização, procurar-seia produzir lotes que não demandassem movimentos de terra e aterros para não onerar os custos de construção. Na integração da habitação ao lado das empresas, tomouse como referência a evidência de que a mão-de-obra próxima ao trabalho constitui-se em fator preponderante na instalação de indústrias. O trabalhador tem necessidade do acesso ao trabalho para obter uma renda que garanta sua subsistência; assim o poder público buscava, através dessa política, um equilíbrio entre a oferta da mão-de-obra e a necessidade das empresas, além de considerar os impactos ambientais relativos à ocupação do solo, às condições de habitação e à circulação das pessoas. A integração dos minidistritos industriais com os conjuntos habitacionais teve como finalidade diminuir a despesa familiar com aluguel e transportes. A localização dos minidistritos industriais próximos aos conjuntos habitacionais permitiria que o trabalhador reduzisse suas despesas com transporte67, já que os minidistritos industriais estavam localizados em áreas onde a distância maior das residências não excederia 1.000 metros. Um dos objetivos do programa era também propiciar um aumento do tempo disponível do trabalhador para convívio com sua família, pois o deslocamento do trabalhador até sua moradia, que antes durava cerca de 40 minutos, poderia ser reduzido para menos de 15 minutos. A 67 Em dezembro de 1998 a tarifa do transporte coletivo era de R$1,00 e o salário mínimo de R$136,00.

177

proximidade entre a residência e o trabalho também permitiria que o trabalhador pudesse melhorar a qualidade de sua alimentação e a sociabilidade, ao tomar as refeições junto da família. Portanto, os minidistritos industriais não foram localizados ao acaso. Em sua implantação considerou-se as referências teóricas vigentes àquela época que indicavam a importância da escolha do local para a instalação dos projetos relativos ao programa. Diferentemente da concepção da implantação dos distritos industriais tradicionais, entendia-se que seria muito difícil implantar um minidistrito longe da malha urbana e dos equipamentos sociais, pois não haveria interesse dos microempresários, que deveriam ficar também próximos da mão-de-obra. A definição das áreas para a localização dos distritos industriais foi elaborada de acordo com critérios científicos que permitissem o melhor aproveitamento possível tanto dos espaços urbanos disponíveis quanto dos custos de oportunidade para os micro e pequenos empresários. Assim, buscou-se na teoria de localização vigente na época os fatores determinantes da escolha das áreas para a implantação dessa política pública68. Para entender o critério adotado para a localização dos minidistritos industriais, faz-se necessário identificar fatores relevantes observados pelas indústrias na escolha de sua instalação. Na implantação e na localização dos minidistritos, alguns requisitos foram levados em consideração, quais sejam, os fatores de localização industrial considerados determinantes fundamentais desta escolha. A localização dos empreendimentos procurou centrar e privilegiar a escolha de áreas que apresentassem mais vantagens. A escolha do local foi motivada por fatores 68 A localização industrial tem sido estudada de longa data, entre outros por: Hoover (1937), Lösch (1954) e Richardson (1975); no Brasil, Azzoni (1985), Clemente (1977) e Rizzieri e Longo (1982), cujos textos embasaram as localizações dos Minidistritos Industriais. Recentemente, Clemente (1994) e Kon (1994) também trataram de localização industrial. Deve ser salientado, no entanto, que hoje a Teoria Clássica de Localização Industrial é inadequada para explicar o surgimento e desenvolvimento de empresas que utilizam as novas tecnologias como insumo de produção, uma vez que a competitividade é disputada muito mais pela utilização de novas tecnologias do que pela disponibilidade de mão-de-obra e/ou recursos naturais. (Porter, 1999).

178

capazes de influenciar os custos de qualquer atividade industrial. A localização consideraria principalmente dois aspectos: macrolocalização, que define a região de forma mais ampla, e microlocalização, que considera condições físicas do terreno, conforme será analisado a seguir. Quando se focaliza a macrolocalização de indústrias, podem ser considerados fatores técnicos e econômicos que condicionam a escolha da localização industrial. Em primeiro lugar, pode-se observar os custos e a eficiência dos transportes, que são resultantes do custo e da qualidade dos serviços de transportes prestados, tanto para a obtenção de matéria-prima quanto para a distribuição do produto acabado. Inúmeras alternativas de transportes de diversas modalidades (aéreo, rodoviário, ferroviário ou hidráulico) otimizam a localização. As áreas de mercado são outro fator que auxilia esta otimização, pois a dimensão e a localização do mercado vão influir diretamente na escolha locacional. Além disso, deve-se observar a proximidade com a concorrência e com o consumidor, pois este setor certamente aumenta a rentabilidade do empreendimento e oferece vantagens mercadológicas. A disponibilidade e os custos da mão-de-obra são também fatores de relevância na localização industrial, uma vez que a força de trabalho, pela sua quantidade, qualificação profissional, nível de escolaridade e treinamento, influirá decisivamente na definição do local de instalação. As indústrias deixam eventualmente grandes centros urbanos à procura de redução dos gastos com mão-de-obra. Também o custo da terra deve ser analisado, sobretudo a possibilidade da mesma oferecer condições para a realização de construções horizontais e/ou futuras expansões. A disponibilidade de energia também se constitui em outro fator relevante. Por tratar-se de recurso indispensável aos empreendimentos industriais, deve ser considerada em sua capacidade atual e em seu potencial futuro de fornecimento, assim como os custos de instalação. O suprimento de matériasprimas é outro fator importante, devendo levar em conta as perspectivas futuras em relação à quantidade, qualidade e custo. Também o fator disponibilidade de água influenciará a decisão locacional em razão do custo de obtenção, da manutenção 179

da fonte de fornecimento e da certeza da inexistência de racionamento. A eliminação de resíduos de uma indústria, seu eventual impacto na poluição ambiental, pode ser fator limitante para a instalação. Dispositivos fiscais ou financeiros que possibilitem acesso ao crédito subsidiado ou à isenção de impostos são aceitos como fatores de atração às empresas industriais. Assim como as economias de aglomeração, resultantes da existência de local adequado com infra-estrutura apropriada, constituem em marcante fator de localização industrial. A proximidade de uma rede de serviços públicos e privados também é fator de economia de aglomeração. Quanto à microlocalização e à escolha do local do terreno devem ser levadas em conta, inicialmente, as condições do relevo, ou seja, as características do solo, a declividade do terreno e a eventual necessidade de terraplanagem ou drenagem. Assim, este fator de microlocalização industrial pode significar redução ou aumento de custos tanto na construção da obra quanto em sua operacionalização a posteriori. A qualidade do solo levará em conta sua resistência, as formações rochosas, o nível do lençol freático e a existência de vegetação, elementos que podem onerar a implantação da indústria. As vias de acesso e de comunicação são relevantes na microlocalização industrial, pois a proximidade de um centro urbano, de uma via de acesso, uma hidrovia, uma estrada de rodagem ou uma via férrea pode determinar a redução dos custos na implantação do projeto e no exercício das atividades operacionais da empresa. Também a existência de serviços públicos como energia elétrica, esgotamento sanitário, transporte coletivo, coleta de lixo, ensino e saúde para as famílias que fornecerão mão-deobra, assim como água potável, são fatores imprescindíveis a serem avaliados na escolha do terreno. Na análise da infra-estrutura disponível para a produção e distribuição dos produtos, deve-se levar em conta sua capacidade atual e futura. Ponto igualmente relevante é a situação legal da propriedade, que deve 180

ser examinada quanto à legitimidade do agente e sua competência na alienação do bem imobiliário, assim como eventuais restrições constantes da Lei de Uso do Solo. Para a elaboração do programa, foi considerado que a potencialidade de crescimento da região onde se localizavam as indústrias deveria ser determinante na escolha locacional. Este desenvolvimento futuro, logicamente, continha incertezas que fugiam da análise das condições econômicas globais do investimento. Todavia as análises custo/benefício deveriam servir como instrumento de apoio à tomada de decisões, procurando restringir as incertezas, tornando-as administráveis. Considerou-se também que a implantação de pequenas empresas industriais poderia acarretar transformações na região escolhida, mudando sua dinâmica, com conseqüências no desenvolvimento da economia local a curto e médio prazos.

181

5.11 - Considerações finais Após vinte anos do programa de minidistritos industriais, pôde se incorporar uma nova prática de organização econômica– espacial das atividades produtivas. Como pode se observar na tabela 5.3, treze projetos foram implantados desde 1986 até 2005. Ocupando vazios urbanos de 805.225,97 m2, com um total de 1.261 lotes urbanizados que abrigaram 735 empresas e tinha contabilizado, em 2005, a geração de 3.675 empregos diretos, sendo, portanto, uma experiência consolidada que já foi alvo de alguns estudos acadêmicos (monografias, artigos e dissertações). Tabela 5.3 – Minidistritos industriais em São José do Rio Preto - 2005 Minidistrito

Implantação

Área m2

Lotes

Empresas Beneficiadas

Empregos Estimados

Tancredo Neves

27/06/1986

144.826,85

366

130

650

João Paulo II Mini 1 (Jaguaré)

22/06/1987

31,464,00

58

39

195

Solo Sagrado

29/07/1987

66.362,35

123

63

315

Heitor E. Garcia (Domingos Falavina)

07/12/1988

9.360,00

26

13

65

João Paulo II - Mini 2

22/05/1989

10.044,67

49

20

100

João Paulo - Mini 3 (Ernesto G. Lopes)

05/05/1992

9.932,58

39

20

100

Ary Attab

10/07/1992

52.335,57

72

60

300

Centenário da Emancipação

13/04/1994

179.039,50

155

117

585

Edson Pupim

20/05/1994

4.465,24

8

6

30

Anatol Konarski

20/05/1994

3.863,69

10

10

50

José Felipe Antônio

07/10/1994

9.483,08

20

15

75

Giuliane

12/12/1996

12.852,00

29

16

80

Adail Vetorazzo

16/12/1996

271.196,44

306

226

1.130

805.225,97

1.261

735

3.675

Total

Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão Estratégica.

182

Este texto procurou mostrar que cada cidade pode inovar políticas públicas tradicionais aperfeiçoando-as. Foi o que ocorreu com o programa de minidistritos industriais. Partindo da realidade local, com suas características peculiares, criou-se uma nova política pública de incentivo à atividade econômica com resultado econômicos, sociais e ambientais, mudando a vida de centenas de pessoas e ocupando mais de 800.000 m2, de espaços urbanos que poderiam ficar ociosos e contribuir para deteriorar a organização espacial da cidade. O programa de minidistritos industriais é política pública de incentivo à atividade econômica, com forte ênfase no planejamento integrado da cidade, como observa Cymbalista (2002): “Talvez o mais importante elemento político à disposição da equipe da Prefeitura seja de ordem intelectual: o projeto parte de uma profunda compreensão das características e potenciais locais, traduzindose em um projeto global e viável de cidade – ainda que não explicitado em seu conjunto. Os minidistritos industriais e de serviços são a parte mais visível deste projeto, mas não se materializam por si só: dependem de uma série de mecanismos (econômicos, sociais, urbanísticos, fundiários) que são geridos por diferentes atores de forma concentrada.”

Também é uma política pública que exigiu eficaz gestão estratégica de acompanhamento, vencendo percalços diversos, sobretudo, nas trocas de governo municipal, podendo-se ressaltar daí a importância da continuidade na gestão pública que, quando não ocorre, traz altos custos econômicos e principalmente sociais. Pode-se concluir também que uma política de incentivo à atividade econômica deve passar permanentemente por aperfeiçoamentos. Assim, neste ano de 2006, quando empresas já deixaram os minidistritos para ampliar suas atividades se instalaram em distritos industriais destinados às médias e grandes empresas; que começaram suas atividades na incubadora municipal de empresas, cresceram e estão instaladas nos minidistritos industriais, e, o município de São José do Rio Preto trabalha pela implantação de um parque tecnológico integrando universidades, instituições públicas e empresariado, há que se lançar mão novamente da criatividade e da inovação para aperfeiçoar o modelo de política pública de desenvolvimento local às exigências destes tempos de competitividade intensa, onde o concorrente não está do lado da rua, mas do outro lado do mundo. 183

Referências Bibliográficas BOLÇONE, O. J. (2001). Minidistritos industriais: uma política pública de incentivo às micros e pequenas empresas (São José do Rio Preto, 1983-1998). Araraquara, Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual Paulista. BOLÇONE, O. J.; LORENZO, H. C. (2001). Mini-distritos integrados: política pública de integração entre micro e pequenas empresas e moradias. In. IV CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA ECONÔMICA; 5ª CONFERENCIA INTERNACIONAL DE HISTÓRIA DE EMPRESAS. Set. 2001. Programa e Resumos. São Paulo: FEA/USP. CANO, W. et al. (1992). O processo de urbanização paulista no período de 1970-89. In: São Paulo no limiar do séc. XXI: Cenários da urbanização paulista, São Paulo: SEADE, v. 5. p. 105. ______. (1998). Raízes da concentração industrial em São Paulo. 4. ed. Campinas: Ed. UNICAMP. ______. (1995). Reflexões sobre o Brasil e a nova (des)ordem internacional. 4. ed. São Paulo: Ed. Fapesp. ______. (1988). Subsídio para a reformulação das políticas de descentralização industrial e de urbanização no Estado de São Paulo. In: SEADE. Interiorização do desenvolvimento no Estado de São Paulo (1920-1980). São Paulo: SEADE, p. 1-106. CONJUNTURA ECONÔMICA – São José do Rio Preto – 2005. 20. ed., São José do Rio Preto: Prefeitura Municipal de São José do Rio Preto. CYMBALISTA. R. (2002). Mini-distritos industriais e de serviços: São José do Rio Preto-SP. In FRANÇA, L. F.; SILVA, I. P.; VAZ, J. C. (Org). Aspectos econômicos de experiências de desenvolvimento local. São Paulo, Instituto Polis, p. 129149. 184

DINIZ, C. C., BORGES, S. F. (1995). Manaus: a satellite platform in Amazon region, Brazil. Texto – CEDEPLAR, Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais. (Mimeógrafo) DINIZ, C. C., RAZAVI, M. (1994). Emergence of industrial districts in Brazil. CEDEPLAR: Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte. HSAINI, A. (1997). A indústria de artefatos de couro de El Jem (Tunísia): um sistema de especialização em formação. Porto Alegre: Ensaios F.E.E. MARKUSEN, A. (1995). Nova economia. Revista do Departamento de Ciências Econômicas da U F M G, v. 5, n. 2, p. 9-44. MARSHALL, A. (1982). Princípios de economia: tratado introdutório. Trad. Rômulo de Almeida e Ottolmy Strauch. São Paulo: Abril Cultural, v. 1. MEYER-STAMER, J. (2000). Estratégias de desenvolvimento local e regional: clusters, política de localização e competitividade sistêmica. Joinvile: Fundação Empreender, p. 1-25. PERILO, S. R. (1994). Migração no Oeste Paulista: Região de São José do Rio Preto. São Paulo: SEADE. PIORE, M., SABEL, C. (1984). The second industrial divide: possibility for prosperity. New York: Basic Books. PORTER, M. E. (1999). Competição = On competition: estratégias competitivas essenciais. Rio de Janeiro: Campus. SCHMITZ, H. (1995). Eficiência coletiva: caminhos de crescimento para a indústria de pequeno porte. Porto Alegre: Estudos F.E.E., v. 3, n. 4. STEINDL, J. (1990): Pequeno e grande capital: problemas econômicos do tamanho das empresas com o Post-Scriptum de 1972. Ed. UNICAMP, São Paulo. 185

6 Política Habitacional de Interesse Social: um estudo de caso da implantação do Parque da Cidania Carlos Eduardo Guimarães Magali Mary Blanco Alves 6.1 - Introdução Com o advento do capitalismo, verifica-se uma revolução das técnicas produtivas tanto na urbe (indústria) quanto no campo (mecanização). Na Europa, essa transformação do processo produtivo engendrou uma migração do campo para a cidade, constituindo-se as metrópoles base para a acumulação fordista do século XX. Porém, se na Europa e também nos EUA, o incremento populacional no espaço urbano convive com as políticas e estruturas do welfare state e que, portanto, garantem uma fixação da população na esfera urbana de maneira formalizada e integrada ao ambiente urbano no sentido mais pleno do termo, qual seja, espacialmente, fisicamente; por sua vez, o acelerado processo de urbanização pelo qual o Brasil passou no século XX, sobretudo na segunda metade, gerou como conseqüência, de forma distinta da verificada na explanação anterior, a expansão da precariedade de moradia para uma parcela da população. É exatamente a questão desse processo que leva à precariedade de moradia a parte da população e as ações públicas que possam modificar esse quadro que serão objeto de análise nas próximas páginas. 6.2 - Moradia precária, seus habitantes e o comportamento social Parte da população de baixa renda que habita as cidades brasileiras e que vive em condições precárias de moradia enquadra-se na categoria de favelada. Antes de compreender a problemática da questão da moradia, 187

portanto, é necessário se compreender o sentido da pertença a essa categoria social. Segundo Burgos (2005:190) “a categoria ‘favela’ não traduz apenas uma determinada forma de aglomerado habitacional, mais que isso, exprime uma configuração ecológica particular, definida segundo um padrão específico de relacionamento com a cidade.” Dessa forma, esse termo tem uma conotação específica que vai além da denominação apenas do espaço físico, ou seja, falar em favela nos remete a pensar um conjunto de elementos que estão imbuídos de simbologia e que serão um referencial identitário dos indivíduos que a habitam e fundamental para definir as relações entre estes e os habitantes da cidade. Verifica-se que favela, ao assumir um sentido de antítese de cidade, carrega consigo a negação de todos os elementos que caracterizam esta “e de tudo que a ela modernamente se atribui: urbanidade, higiene, ética do trabalho, progresso e civilidade.” e que “é o domínio dos direitos universais, fonte da igualdade e da liberdade; em uma palavra, da cidadania.” (BURGOS, 2005:190 e 191) Ressalta ainda, o mesmo autor, que a favelização não é simplesmente decorrência da desigualdade social, é, sobretudo, causa do mecanismo de reprodução e aprofundamento da desigualdade social. Sob esse ponto de vista, manter o indivíduo favelado é manter em funcionamento uma dinâmica de manutenção das estruturas de desigualdade social, mantendoo num ambiente, mais propriamente simbólico que físico, que cria uma barreira entre esse mundo e o mundo da cidade e dos cidadãos. Assim, ao se tratar do tema da moradia e realizar uma análise das políticas públicas de inserção dos indivíduos na esfera da urbe dissociando-os da favela, na acepção completa do termo expressa acima, não se pode perder de vista, de forma alguma, os parâmetros de que se vai utilizar o termo desfavelização. Isso é explicado porque comumente se acredita que desfavelizar é somente transpor a população de uma moradia 188

e um espaço público precários para outro mais estruturado. A estrutura física não é o único elemento que deve sofrer intervenção para destituir dos indivíduos a categoria de favelado. Bem lembra Burgos (2005:190) que “(...) conjuntos

habitacionais e loteamentos irregulares69 – dois dos principais espaços de habitação popular das cidades brasileiras –, embora com um padrão mais formal de ocupação do solo, também possam “favelizar-se”, isto é, assumir ca-racterísticas socioculturais seme-lhantes àquelas encontradas nos espaços típicos das favelas, do que é sintoma a existência dos tradicionais “donos do lugar”, e mesmo de gangues de traficantes de drogas e de armas em muitos desses aglomerados habitacionais.”

O Instituto de Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo Henriques (2000:462), utiliza a categoria “aglomerados subnormais” para designar o que é chamado de favela no Rio de Janeiro. Assim, nota-se que favela e aglomerados subnormais apresentam, para os referenciais que tratam do tema, significado semelhante, e usar-se-á no presente trabalho essa mesma abordagem. Os habitantes de áreas subnormais 70 de parte dos municípios brasileiros da região Centro-Sul são resultado de dois processos diretos, concomitantes e interrelacionados: a modernização do campo – processo que se intensifica com o avanço industrial a partir dos anos 50 – culminando com a implementação do agro-negócio e o predomínio do grande capital em detrimento da produção familiar, gerando como conseqüência a perda da terra por parte do pequeno e médio produtor e a expulsão dos camponeses das propriedades em virtude da mecanização; e na área urbana, as transformações do processo produtivo que geraram um aumento crescente da produtividade nas organizações, ocasionando como conseqüência o aumento 69 Os loteamentos irregulares são uma forma de habitação popular definida pelo fato de o processo de legalização do empreendimento não ter sido concluído, em geral porque o empreendedor não realizou todas as obras de infra-estrutura exigidas pelo poder público. De todo modo, sua configuração espacial caracteriza-se por uma clara separação entre os lotes, com a delimitação de áreas públicas, e em geral seus moradores possuem um título precário de propriedade. 70 Segundo o Caderno de Orientação Técnica do Programa Habitar Brasil-BID, áreas subnormais se caracterizam por assentamento habitacional irregular — favela, mocambo, palafita e assemelhados, localizado em terreno de propriedade alheia, pública ou particular, ocupado de forma desordenada e densa, carente de serviços públicos essenciais, inclusive em área de risco ou legalmente protegida.

189

do desemprego, o crescimento do emprego informal, a redução da renda e, por conseguinte, das condições gerais de sobrevivência de parcela da população. Segundo Ferreira (2000:14) “Hoje é patente a impossibilidade de reintegrar o contingente excessivo de mão-deobra nos grandes centros urbanos, o que agrava inexoravelmente o quadro social. É nesse contexto que a globalização tenta imprimir suas características modernizadoras, exacerbando o quadro de antagonismo explicitado anteriormente, pois, no contexto urbano, a contradição estrutural das economias de desenvolvimento desigual e combinado se traduz pela incompatibilidade entre os bairros globalizados da cidade formal e os assentamentos ditos subnormais, que configuram a tipologia majoritária da cidade real, nas zonas periféricas abandonadas pelo capital e pelo poder público.” Indiretamente, a especulação imobiliária que transforma a moradia e o imóvel em mercadoria a ser valorizada com intuito da maximização dos ganhos econômicos ligados ao setor habitacional, contribui para que as populações de menor renda tenham dificuldade de habitar áreas ou moradias formalizadas e tenham que se inserir em um espaço informal. O conceito informalidade urbana é trabalhado por Ferreira (2000:11) afirmando que “(...) diz respeito à inadequação

físico-construtiva da habitação e/ou geomorfológica/ambiental do entorno (construções precárias, terrenos em áreas de risco ou de preservação ambiental, área útil insuficiente para o número de moradores, etc.), à ausência de infra-estrutura urbana (saneamento, água tratada, luz, acessibilidade viária, etc.), ou ainda à ilegalidade da posse da terra ou do contrato de uso.”

Estes elementos todos são necessários para a avaliação das políticas públicas realizadas no setor habitacional e para se compreender a eficácia de tais políticas. 6.3 Estudo de caso de um projeto de urbanização de assentamentos subnormais Utilizar-se-á como objeto de análise para debater com os referenciais teóricos levantados neste trabalho, 190

a implementação do Programa Habitar Brasil—BID iniciado pela prefeitura de São José do Rio Preto no ano de 2000. O município de São José do Rio Preto contava, no ano de 2000, segundo o IBGE com uma população absoluta de 537.705, sendo 94,07 % dela na área urbana e 5,93 % na área rural. Segundo a Contagem Populacional de 1996, a cidade contava com 88.974 domicílios. Desse total, 622 eram localizados em assentamentos subnormais e 2.850 eram domicílios irregulares. A ocupação em situação de informalidade deveu-se, sobretudo aos elevados valores dos aluguéis e ao êxodo rural decorrente da mecanização agrícola que leva os indivíduos à cidade e à precariedade de sua inserção no ambiente econômico, obrigando-os, conseqüentemente, a buscar uma moradia também precária. 6.4 - Programa Habitar Brasil BID O Programa Habitar Brasil—BID é realizado com os recursos previstos em Contrato de Empréstimo firmado entre a União Federal e o BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento. Tem como Órgão Gestor o Ministério das Cidades, sendo a Caixa Econômica Federal – CEF ou CAIXA o agente financeiro, técnico e operacional e responsável pela implementação do Programa, ficando a cargo do Município sua execução. No Brasil, estão sendo desenvolvidos e implementados somente 20 Programas, a maioria em grandes metrópoles, considerando a concentração de problemas e a carência habitacional para a faixa de renda até três salários mínimos. O Programa Habitar Brasil—BID objetiva a promoção de intervenções em assentamentos subnormais, localizados em regiões metropolitanas, capitais de Estado e aglomerações urbanas, por meio dos dois subprogramas descritos a seguir. 191

Desenvolvimento Institucional de Municípios/DI Objetiva a criação, ampliação ou modernização da capacidade institucional dos municípios para atuar na melhoria das condições habitacionais das famílias de baixa renda, por meio da criação ou aperfeiçoamento de instrumentos urbanísticos, institucionais e ambientais que permitam a regularização dos assentamentos subnormais, e da capacitação técnica das equipes da prefeitura que atuam no setor. Objetiva, ainda, propiciar condições para a ampliação da oferta de habitações de baixo custo e implantação de estratégias de controle e desestímulo à ocupação irregular de áreas. Urbanização de Assentamentos Subnormais/UAS Objetiva a implantação, de forma coordenada, de projetos integrados de urbanização de assentamentos subnormais, que compreendam a regularização fundiária e a implantação de infra-estrutura urbana e de recuperação ambiental nessas áreas, assegurando a efetiva mobilização e participação da comunidade na concepção e implantação dos projetos. 6.5 - O projeto de urbanização do Parque da Cidadania A política habitacional de São José do Rio Preto tem como concepção, segundo argumento oficial, a construção de uma cidade democrática, saudável e ecologicamente sustentável, assim, referenda o direito à moradia como direito humano. A subnormalidade habitacional em São José do Rio Preto, após levantamento preliminar das ocupações irregulares e degradadas, teve como diagnóstico: 12 favelas, 05 loteamentos irregulares e 95 clandestinos que totalizavam mais de 3.400 domicílios e uma população superior a 12.600 pessoas, vivendo em áreas de risco e de proteção ambiental e de manancial, sujeitas a inundações e desabamentos. A solução provisória encontrada pela administração municipal foi a transferência de 06 dos 12 assentamentos subnormais em função das condições de risco a que estavam submetidos seus ocupantes. 192

Os 06 assentamentos subnormais foram transferidos para o Parque da Cidadania e possuíam em comum a precariedade das moradias, carência de equipamentos básicos e infraestrutura, habitações degradadas construídas com diversos materiais, formas de ocupação precárias e baixa renda. Outras características que marcavam os diferentes núcleos: número expressivo de unidades com co-habitação familiar, organização social restrita a lideranças pontuais e alguns eram focos de tráfico de drogas. A transferência de 369 famílias ocorreu inicialmente para habitações provisórias construídas de madeira para posterior ocupação das unidades habitacionais de alvenaria. A ocupação do bairro era recente e não disponibilizava de equipamentos públicos e serviços. Esse conjunto de carências contribuía para a baixa da auto-estima da população moradora e o preconceito da sociedade não só do entorno, que passou a considerar o Parque da Cidadania como uma “favela organizada”. Essa conjuntura permite que se enquadre o Parque da Cidadania na categorização feita por Burgos (op cit) e discutida nas páginas anteriores. Em outros termos, verificou-se no Parque da Cidadania a situação alertada pelo autor de que apenas a transposição das pessoas para um local mais estruturado do ponto de vista habitacional e urbanístico não foi condição suficiente para se caracterizar a desfavelização. Isto posto, é oportuno ser lembrada a concepção de Goffman (1999) de que em sociedade existem os chamados papéis sociais e que assumimos determinado papel, por conta do convívio e da observação dos outros e das relações que se estabelecem, que conseqüentemente, representa determinado comportamento e é resultado de uma relação de reciprocidade e de leitura de qual papel se quer ou se pode desempenhar. Quer dizer, em muitas situações, atribui-se a essa população determinado papel, determinado tipo de comportamento, ou ainda, adjetiva-se negativamente esse grupo, o qual responde a situação assumindo essa máscara, ou com argumentos do próprio Goffman, constrói essa face. Então, da mesma forma que é construída, essa imagem pode ser desconstruída. 193

A partir da caracterização geral, evidenciou-se a necessidade da intervenção em seus aspectos sociais, físicoambientais e jurídico-fundiários para que a qualidade de vida fosse garantida, bem como o desenvolvimento social da comunidade e, dessa forma, agir na contracorrente do processo de visualização de uma imagem negativa do grupo. O Subprograma de UAS – Urbanização de Assentamentos Subnormais objetiva a urbanização de forma integrada por meio da regularização das condições físicas, ambientais, urbanísticas e fundiárias; articulando estas ações com o exercício dos direitos de cidadania de sua população – fomentado pela participação da população na gestão do projeto, pelas atividades de geração de emprego e renda e pela educação ambiental. O empreendimento implantado no Parque da Cidadania, consta de: a) obras de infra-estrutura e recuperação ambiental – consolidação do sistema viário, pavimentação, complementação de drenagem e áreas verdes e de lazer; b) obras habitacionais – construção de 369 embriões habitacionais de 28 m² composto de sala/cozinha, banheiro e quarto, implantados em lotes de 200 m², em substituição às moradias provisórias implantadas no fundo dos lotes; c) implantação de equipamentos públicos – uma Creche para 250 crianças, uma Escola de Ensino Fundamental, um Centro de Geração de Emprego e Renda, um Centro Comunitário e uma área esportiva e de lazer, com quadra poliesportiva; d) desenvolvimento social e cidadania – Subprojeto de Participação Popular e Mobilização Comunitária, Ações Integradas de Inclusão Social, Suporte Social às Obras, Geração de Emprego e Renda e Educação e Acompanhamento Pós-ocupação, compondo assim o Projeto Social.

194

6.6 - Execução do projeto social O Projeto de Trabalho Técnico Social visa contribuir para a elevação dos padrões de qualidade de vida da população moradora do Parque da Cidadania, assegurando o suporte social às intervenções que modificarão suas condições de vida, hábitos e costumes e fomentando as condições para a participação e organização da comunidade em todas as etapas do desenvolvimento do Projeto. Visa, ainda, intervir sobre os fatores de vulnerabilidade social criando condições desejáveis de sustentabilidade econômico-financeira dos atores sociais envolvidos, com atenção especial para ações de geração de emprego e renda e educação ambiental. Seus objetivos específicos são: a) estimular a participação da população em todas as etapas do Projeto Social; b) fomentar a integração entre os moradores e a sua organização comunitária; c) desenvolver ações para o desenvolvimento de projeto continuado de ampliação das condições de acesso à oportunidade de emprego e renda; d) articular as ações e projetos que possam repercutir sobre o desenvolvimento social da comunidade com destaque para as áreas de educação para a cidadania, geração de emprego e renda, cultura e lazer, educação sanitária e ambiental, entre outras. Decorrente do grande número de ações previstas e a serem executadas no Projeto Social, foi contratada, através de processo licitatório, uma Empresa de Consultoria e Assessoria Especializada, composta por consultores especializados em Trabalho Social, Inclusão Social, Pósocupação, Educação Popular, Educação Ambiental e Trabalhos com Grupos para assessorar a Equipe Técnica Social da Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura Municipal. 195

O Programa Habitar Brasil—BID tem como diferencial o planejamento operacional participativo e integrado, envolvendo as equipes de trabalho e parceiros e, posteriormente, validado pela comunidade. As ações desenvolvidas nos Subprojetos são descritas abaixo: 1) Participação popular e mobilização comunitária A mobilização é um instrumento social importante, pois permite a livre participação de todos, autonomia, democracia, transparência nas decisões, publicidade dos resultados e crescimento cultural e político da população. As ações desse Subprojeto contemplaram assembléias gerais, reuniões setoriais, formação da Comissão de Moradores para acompanhamento das obras, sistemas de comunicação e assessoria à Associação de Moradores, entidade préestabelecida quando da transferência dos moradores para o Parque da Cidadania. Fomentar a participação da comunidade e mantêla informada foi um grande desafio, pois, de forma passiva, respaldava-se na representatividade dos membros da Associação dos Moradores. Este valor foi agregado no decorrer da observação de outros resultados apresentados à comunidade. Os meios de comunicação utilizados foram: a edição mensal do jornal do Bairro, para o qual foi formada a comissão com moradores do próprio bairro que levantavam os temas de interesse coletivo. O jornal também foi visto como forma de divulgação do bairro para outros segmentos da sociedade, objetivando desmistificar a versão preconceituosa que o estigmatizou como bairro perigoso e violento. Reuniões mensais ocorreram tendo como participantes a equipe técnica de profissionais da Prefeitura Municipal, da Consultoria Especializada, representantes da Associação, da Comissão de Moradores e da rede solidária presente no bairro, para se discutir o planejamento participativo, resultados obtidos e solução para problemas apresentados. 196

2) Suporte social às obras As ações executadas foram de apoio e orientação às famílias para a convivência com as obras e atividades educativas voltadas a segurança e prevenção de acidentes, considerando que a moradia e seu entorno estavam implantados em um canteiro de obras. As famílias foram visitadas e orientadas para sanarem alguns problemas identificados e que colocavam em risco os habitantes; também receberam material informativo. Os problemas e casos especiais eram atendidos e encaminhados através de um plantão social estabelecido no bairro. 3) Educação sanitária e ambiental Com o objetivo de proporcionar à população maior compreensão das relações de dependência entre o indivíduo e seu meio ambiente, as ações estavam voltadas ao favorecimento do desenvolvimento sustentável e, conseqüentemente, da melhoria da qualidade de vida individual e coletiva. As ações desenvolvidas foram de sensibilização, orientação e valorização do ambiente urbano. Foram realizados mutirões de limpeza, envolvimento da comunidade na arborização das ruas e da avenida principal e formação de grupo para a viabilização de uma horta comunitária. 4) Geração de emprego e renda Os canais criados para a geração de emprego e renda, considerando as características da população e a dificuldade de espaço físico para absorver as atividades previstas, foram grandes dificultadores associados à benevolência da rede de solidariedade que distribui no bairro desde cestas básicas, alimentos, sopas, café da manhã a roupas e calçados, favorecendo a alienação e o comodismo com a situação vivenciada, pois, em muitas situações, uma mesma família é beneficiada mais de uma vez. A comunidade indicou suas necessidades em termos de capacitação para cursos de formação breve, tais como: corte e 197

costura, garçom, eletricista e encanador, porém, as turmas não apresentavam número suficiente para seu início. O curso de corte e costura formou duas turmas e permitiu a absorção no mercado de trabalho na condição de prestadores de serviços e como autônomos. 5) Ações integradas de inclusão social Este Subprojeto contemplava a potencialização do poder público e da sociedade, por meio de ações e parcerias integradas, respeitando a capacidade das instituições e enfatizando a coresponsabilidade de todos os agentes envolvidos. As ações implementadas atenderam ao Plano de Ações Integradas, o que significou que atividades foram desenvolvidas na área cultural, esportiva e de lazer, saúde e educação. Um marco desse Subprojeto foi a encenação do Auto de Natal, onde os atores moradores do bairro encarnaram seus personagens, acompanhados pela Companhia de Folia de Santos Reis também com componentes do próprio bairro. Outras atividades importantes foram realizadas como o I Encontro de Violeiros do Parque da Cidadania, Comemoração ao Dia Internacional da Mulher e formação de Grupos de Mulheres e de Adolescentes, propiciando espaço para discussão das relações de gênero e de diversos temas relacionados ao dia-a-dia. Como iniciativa da Associação, mensalmente ocorria reunião com a participação de todos os parceiros envolvidos com atividades no bairro, para a discussão de solução a problemas apresentados e/ou seu devido encaminhamento. 6) Acompanhamento pós-ocupação Neste programa, as famílias foram orientadas para a melhor forma de utilização dos espaços habitacionais individuais e dos equipamentos de uso coletivo, bem como da sua preservação e manutenção. 198

A avaliação deve contemplar os aspectos construtivos e comportamentais, utilização das áreas comuns e unidades habitacionais, fixação das famílias beneficiárias, acessibilidade social e avanços organizativos. A execução das ações do Projeto Social em todos os seus itens foi marcada pelo registro escrito e fotográfico, o que permite um comparativo dos resultados alcançados que subsidiará a avaliação final. Ressalta-se que, em vários momentos, a comunidade manifestou-se contrária ao que lhe foi imposto demonstrando estar tomando consciência da importância da sua participação no destino dado a seu bairro e, conseqüentemente, a sua vida. Os resultados parciais do Programa permitem sem risco de erro a confirmação de que houve em uma parte da população a elevação do padrão de qualidade de vida, acessibilidade a serviços e equipamentos públicos, a elevação da auto-estima, a diminuição do próprio preconceito e estigma trazidos com a vivência na favela. Para outros, houve apenas a remoção de local sem qualquer mudança de valores e hábitos. É importante lembrar que aqui estão registradas algumas das ações executadas em período específico de tempo; posteriormente, outras ações foram concretizadas e o Projeto Social ainda não foi totalmente concluído. 6.7 - Levantamento, análise e debate sobre o perfil de ocupação e renda dos moradores do parque da cidadania

Quadro 6.1 - Distribuição da população por ocupação: Perfil ocupacional Estudante / criança até 14 anos não trabalha Dona-de-casa Aposentados/pensionistas Empregado com registro Empregado sem registro Autônomo / bico Autônomo com registro Desempregado Sem ocupação Não informou Total BASE: total de moradores

NA 630 131 29 104 101 167 8 169 11 52 1.402

% 44,9 9,3 2,1 7,4 7,2 11,9 0,6 12,1 0,8 3,7 100,0

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Quadro 6.2 - Distribuição da População Economicamente Ativa (PEA): População economicamente ativa (PEA) Construção civil Comércio Indústria Serviços públicos Serviços Outros serviços Reciclagem Total

NA 123 50 41 6 124 30 6 380

% 32,4 13,2 10,8 1,6 32,6 7,9 1,6 100,0

BASE: população economicamente ativa= Total de moradores excluídos: Donas-de-casa, Aposentados, Estudantes e Crianças até 14 anos que não trabalham e não estudam.

Quadro 6.3 - Distribuição da População por Nível de Renda:



Renda Global (em salários mínimos) Até 1 + de 1 a 3 + de 3 a 5 + de 5 a 10 Total Média

Total NA 126 189 26 2 343 R $ 246,53

% 36,8 55,1 7,6 0,6 100,0 1,63 SM

Fonte: Domicílios com moradores que declararam renda (Formal ou Informal) Salário mínimo: R$ 151,00.

Observando-se os dados referentes à ocupação produtiva e à renda dos habitantes do Parque da Cidadania, constata-se que há o predomínio da informalidade e/ou da precariedade das ocupações, tanto no que tange às funções desempenhadas, quanto no que diz respeito à renda dos indivíduos, uma vez que se encontram no setor de serviços, comércio e construção civil. Nota-se de que maneira o processo de reordenamento produtivo verificado no Brasil, na década de 90, repercute nas formas de sobrevivência dessa população abordada. Se o emprego formal, com vínculo empregatício, diminui a partir da década de 90, cresce, em contrapartida, a informalidade, o subemprego e atividades desenvolvidas na própria comunidade ligadas à área estética, como cabeleireiro, manicura; à área alimentícia, como boleira; ao artesanato; à costura. Não encontrando ocupação na “cidade”, ou seja, além dos limites da periferia, muitas vezes mesmo devido à distância entre o conjunto habitacional e a área mais densamente ocupada da cidade, muitos não têm outra opção senão tentar 200

encontrar mecanismos para a sobrevivência no próprio local de morada. E ainda, segundo Paes de Barros (2000;177): “já que a alocação e a remuneração dos recursos humanos disponíveis dependem, em grande parte, do funcionamento do mercado de trabalho, deduz-se que o nível de pobreza pode ser bastante afetado pelo funcionamento desse mercado.” Ao mesmo tempo verifica-se que a pouca integração dessa população à economia extra bairro contribui para mantêla com uma renda baixa, afirma Paes de Barros (2000:177) que “na medida em que os recursos humanos são alocados para empregos, desnecessariamente de baixa qualidade, dadas as condições gerais da economia, eles serão parcialmente subempregados e sub-remunerados.” De acordo com os preceitos do Programa Habitar Brasil – BID, as famílias assentadas têm assessoria após a ocupação das residências a fim de terem acesso a mecanismos e instrumentos necessários para capacitá-las a criar condições de geração de renda e emprego. Todavia, é importante ressaltar que os mecanismos de geração de renda propostos se coadunam com as características e estruturas econômicas vigentes, quais sejam, de um ambiente de alta taxa de desemprego, de possibilidades limitadas de empregabilidade formalizada. Assim, prepara-se os indivíduos atendidos pelo programa para uma inserção na economia local que se irá formar com a ocupação das moradias e, quando muito, se for possível, um emprego formal vinculado ao setor de serviços e comércio que apresenta baixa remuneração. Em um ambiente como esse, a desconstrução da face de favelado para muitos é comprometida, uma vez que a mudança das condições de moradia não vem acompanhada de mudanças significativas das condições de sobrevivência, e dessa forma, não se visualiza a inserção no universo da cidade, ainda se vê como orbitando ao redor desta. Para auxiliar a análise, é recorrente fazer menção ao trabalho de Elias & Scotson (2000) no qual é feita a análise do confronto social entre moradores que estavam há algum tempo em uma localidade – os estabelecidos – e os que chegam posteriormente – os outsiders – que são tratados pelos 201

primeiros de forma a não terem o direito à plena cidadania. Para a compreensão da natureza do conflito, é realizada uma comparação descritiva entre os dois grupos baseada em elementos tais como: estruturas familiares, modo de vida dos jovens, conflitos existentes entre gerações e a questão da autoridade, instituições comunitárias, confrontos baseados em elementos como religião e sexualidade. Os autores concluem que havia muito mais semelhanças entre os grupos, a partir desses elementos, que diferenças. Constrói-se, assim, pelos estabelecidos, a imagem de duas categorias, a positiva, deles próprios, e a negativa, dos outsiders. De acordo com o viés funcionalista, o desviante seria o outsider, porém, não se pode perder de vista que essa categorização é criada seguindo um contexto, específico e fortemente marcado pela subjetividade, e esse tipo de comportamento é bastante característico de sociedades pautadas no individualismo exacerbado, tais quais as atuais globalizadas e norteadas pelo princípio neo-liberal do mercado. Nesse enfoque, o que se verifica é que os ajustes estruturais baseados na agenda do neoliberalismo, pelos quais passou o Brasil do final do século XX e início do XXI, implicaram em privatizações de empresas, cortes de orçamento do Estado na área social. Isto, aliado à reestruturação do processo produtivo e à globalização, gerou flexibilização de relações trabalhistas, eliminação de postos de trabalho, causando o desemprego estrutural, o aumento exacerbado da competitividade entre os trabalhadores, da concentração de renda e, portanto, a falta de perspectivas de futuro para os indivíduos. Como reflexo desse ajuste, tem-se a falta de perspectiva de sobrevivência via mercado de trabalho formal para parcela significativa da população, sobretudo para os mais jovens e habitantes de zonas subnormais. O que se verifica na atualidade, portanto, é um recrudescimento da relação de exploração e reprodução de capital do sistema capitalista: “(...) com a progressiva expropriação da força de trabalho e a divisão social (de classe, de gênero, de etnia). Tal dinâmica possibilita a criação das desigualdades e das 202

incertezas, onde as produções de riqueza e do desenvolvimento tecnológico se realizam gerando a miserabilidade de uma parcela significativa da população, dentro de um movimento contraditório da reprodução do capital.” E continua “A realidade capitalista nega a condição humana quando transforma quase tudo em mercadoria, criando uma sociabilidade, na qual a solidariedade constitutiva de uma coletividade é eliminada em nome da reprodução do capital. Com isso, há um embrutecimento das relações sociais, pois o ter passa a ser imprescindível nessa sociabilidade”. (SANTOS, 2005: 2)

Essa relação de expropriação e de pauperização de parcela da população, realizada através de imposições violentas de um sistema excludente e que cria barreiras a mudanças sociais aos dos estratos sociais inferiores, tem, como conseqüência, em muitos casos, uma passividade ou sensação de incapacidade de ação. À luz de Arendt (1985: 21), pode-se compreender que no mundo atual, onde se tem o poder burocrático materializado pelo Estado ou: “(...) o domínio de um intrincado sistema de órgãos no qual homem algum pode ser tido como responsável e que poderia ser chamado com muita propriedade o domínio de ninguém (...). É nesse estado de coisas tornando impossível a localização da responsabilidade e a identificação do inimigo, que figura entre as mais potentes causas da inquietação rebelde que reina em todo o mundo, de sua natureza caótica, e de sua perigosa tendência a descontrolar-se.”

Para parte dos indivíduos que figuram nesse mecanismo precário de sobrevivência, é difícil se identificar o responsável por tal estado de coisas, assim, muito embora, de imediato, ao Estado, alcunhado de governo, seja atribuída a “culpa” ou responsabilidade por não criar estruturas que os ampare, trabalha-se muito com a idéia de elementos abstratos como mercado, competitividade entre os indivíduos, interesses transnacionais etc, como responsáveis pela acentuada desigualdade, e assim sendo, não se encontrando através das estruturas ou forças disponíveis localmente para fazer frente a esses elementos, o desânimo, ou ato de assumir uma face de derrotado, ou de incapaz, é possível. 203

Quando se aborda o tema da pobreza, esta é qualificada como expressão direta das relações vigentes na sociedade, e configura-se, no geral, como uma noção ambígua e estigmatizadora, em que seus contornos são pouco nítidos e muitas vezes ocultam seus aspectos resultantes da organização social e econômica da sociedade. A pobreza não significa apenas uma categoria econômica, não se expressa apenas pela carência de bens materiais, ela é também uma categoria política que se traduz pela carência de direitos, de possibilidades e de esperança, assim como se traduz pela subcidadania. Ao entrar nesse mérito, o do conceito de subcidadania, recorreu-se às análises feitas por SOUZA(2003 e 2003a). O autor argumenta que a marginalização não é algo temporário, como explicado pelo viés economicista, ou seja, que possa ser superada mediante altas taxas de crescimento econômico, ou que esteja vinculada apenas ao preconceito, mas a aspectos morais e políticos, que são essenciais para uma estratégia inclusiva. Em outros termos, a inércia da continuidade da exclusão não cessará com o desenvolvimento econômico, uma vez que o elemento central que leva à marginalidade social é a condição de ser um “imprestável” para exercer qualquer atividade relevante e produtiva no novo contexto econômico. Dessa maneira, em havendo crescimento econômico, ainda haverá marginalidade, pois os indivíduos “imprestáveis” não se inserirão nesse universo econômico. A inserção no jogo econômico passa pela assimilação do princípio do desempenho e da disciplina e

“(...) a aceitação e internalização generalizada desse princípio que faz com que a inadaptação e a marginalização desse setores possa ser percebida, tanto pela sociedade incluída como também pelas próprias vítimas, como um ‘fracasso pessoal’. É também a centralidade universal do princípio do desempenho, com sua conseqüente incorporação pré-reflexiva, que faz com que a reação dos inadaptados se dê num campo de forças que se articula precisamente em relação ao tema do desempenho; positivamente, pelo reconhecimento da intocabilidade de seu valor intrínseco, apesar da própria posição de precariedade e, negativamente, pela construção de um estilo de vida reativo, ressentido ou abertamente criminoso e marginal.” (SOUZA: 2003a, 67) 204

Todas essas ênfases deslocadas, ainda que certamente possam obter resultados inegavelmente positivos topicamente, sempre passam ao largo da contradição principal deste princípio de sociedade que, aos meus olhos, tem a ver com a constituição de uma gigantesca “ralé” de inadaptados às demandas da vida produtiva e social modernas, constituindo-se numa legião de “imprestáveis”, no sentido sóbrio e objetivo do termo, com as óbvias conseqüências, tanto existenciais, na condenação de dezenas de milhões a uma vida trágica sob o ponto de vista material e espiritual, quanto sociopolíticas como a endêmica insegurança pública e marginalização política e econômica desses setores (SOUZA: 2003, 184). Nesse universo, tem-se duas categorias de indivíduos: os que assimilaram os valores das sociedades modernas, centradas no desempenho e disciplina, muito marcadamente transmitidos pela estrutura familiar e social de convívio, e que teriam um valor social superior, enquadrando-se na categoria de cidadãos, e os que não assimilaram ou assimilaram precariamente aqueles valores, inaptos às modernas sociedades, e com valor social inferior, os subcidadãos ou os desafiliados, segundo o conceito de Castel (1998). Os moradores das áreas subnormais ou os de projetos de assentamentos que não quebrem com a inércia social de subalternidade se enquadrariam nas categorias acima descritas. 6.8 - Considerações finais Se fôssemos caracterizar o Brasil no que diz respeito às condições de vida de boa parte da população, grosso modo poderíamos com certeza afirmar que uma palavra sintetizaria tudo: precariedade. Daí subentende-se de renda, de empregabilidade, de formalidade de emprego, de formação ou de moradia, por exemplo. Porém, a precariedade de moradia está, quase sempre, vinculada a outras precariedades, e uma delas, com certeza é a ocupacional que, quando gera renda insuficiente para garantir uma melhoria das condições de sobrevivência, contribui para manter uma baixa auto-estima do indivíduo. 205

Mesmo quando se interfere no quesito precariedade de moradia, ou seja, desloca-se a população de áreas subnormais para conjunto de moradias que contém estrutura e infraestrutura características de bairros urbanos, ainda assim é difícil se desconstruir a imagem de favelado, uma vez que muitos continuam se sentindo o outsider, o subcidadão ou o desafiliado em relação aos habitantes dos demais bairros das cidades, sobretudo porque continuam em uma situação de precariedade de emprego e de renda, vivem economicamente em um ambiente com poucas relações com a cidade, e quando as têm é de subalternidade, sendo na maior parte dos casos prestadores de serviços para os habitantes da cidade. Percebe-se que se preparam os indivíduos assentados nas moradias para se inserirem de forma precária em uma economia pautada pela flexibilidade, reforçando a idéia de que devem desempenhar funções subalternas. Essa pouca perspectiva de mudança de categoria social é percebida quando não se altera o comportamento dos indivíduos e quando estes não têm interesse em cursos de capacitação que os torne mais aptos a buscar mecanismos de renda, como foi demonstrado.

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7 São José do Rio Preto: trabalhadores do comércio informal na disputa pelo direito ao trabalho Leandra Domingues Silvério 7.1 - Introdução Neste capítulo, o propósito é apresentar algumas reflexões em torno das relações e condições de trabalho forjadas por trabalhadores do comércio informal na cidade de São José do Rio Preto, procurando compreender como se constitui a dinâmica social e política da realidade vivida por eles. Diante dos inúmeros tipos de organizações do trabalho e do comércio na informalidade existentes nesta cidade, optouse por direcionar o estudo sobre os trabalhadores reconhecidos pelo poder público municipal como vendedores ambulantes, por serem bastante expressivos movimentando um setor que a cada dia cresce e reconfigura os espaços urbanos de São José do Rio Preto. Por meio de estudo e de pesquisa de campo, foi possível conhecer alguns dos desafios, das dificuldades e os limites vividos no cotidiano de trabalho dos vendedores ambulantes, assim, o objetivo é apresentar determinadas questões que foram levantadas pelos próprios trabalhadores, como, por exemplo, problemas com a origem e aceitação das mercadorias comercializadas pelo poder público municipal; desafios enfrentados com a insuficiente renda familiar que impõe a necessidade de ampliação da jornada de trabalho; a discriminação com o trabalho informal por parte do Estado e da sociedade; a reivindicação de melhores condições de trabalho e infra-estrutura para o trabalhador do comércio informal em Rio Preto; a luta pelo direito ao trabalho do ambulante nesta cidade; a luta e divergências entre os trabalhadores e a administração pública municipal, bem como entre lojistas locais; a cobrança por parte dos trabalhadores vendedores ambulantes para que os políticos eleitos cumpram as “promessas” de campanhas eleitorais; os transtornos no cotidiano de trabalho com as 209

intempéries climáticas e os impactos físicos e psicológicos sobre o trabalhador diante das condições de trabalho. Na interpretação das narrativas constituídas e pautadas no diálogo entre as experiências sociais desses trabalhadores e a reflexão teórica, procurou-se descortinar alguns aspectos da realidade diversa de Rio Preto e que, de certa maneira, tem sido pouco abordada pela historiografia brasileira, almejando interpretar e refletir sobre as questões indicadas que evidenciam pontos de vista, necessidades e impasses enfrentados pelos vendedores ambulantes no município. Assim, o estudo privilegiou a análise interpretativa de entrevistas realizadas com diferentes trabalhadores em três grandes áreas de concentração do comércio informal em São José do Rio Preto, isto é, os trabalhadores alocados na Praça Dom José Marcondes, no entorno do Hospital de Base (HB) e na Represa Municipal. Foi ouvido também o Secretário de Desenvolvimento Econômico e Negócios de Turismo da prefeitura de Rio Preto, Márcio Sansão, no intuito de compreender outras dimensões do processo em que se tem construído versões sobre esses trabalhadores, reforçando e construindo memórias em torno da realidade que os cerca. Nos locais de grande concentração de trabalhadores do comércio e prestação de serviços ambulantes, vale ressaltar que eles deixam de ser ambulantes ao se fixarem em determinados pontos de venda, mas, assim, são reconhecidos e discutidos pelo poder público municipal. Nesses pontos de comércio é característica a venda de diferentes mercadorias desde roupas, passando por produtos eletrônicos à alimentação e bebidas, salvo no entorno da represa municipal destinado basicamente à alimentação. Para muitos trabalhadores, o comércio nesses locais é a única fonte de renda; já para outros, a renda obtida é insuficiente e na busca constante pela sobrevivência, na luta cotidiana pelo trabalho é necessária sua complementação em outros lugares, por exemplo, em feiras-livres nos diferentes bairros de São José do Rio Preto. Assim, esses trabalhadores possuem uma extensa e flexível jornada de trabalho dada pelas necessidades. Refletir sobre esses sujeitos pouco lembrados na historiografia brasileira e que, muitas vezes, não são 210

reconhecidos e compreendidos como construtores dos espaços que dinamizam uma cidade é o interesse desse estudo. Ciente de que propor conhecer e pensar sobre cidade e suas dinâmicas sociais, é partir do pressuposto da existência de diversos e diferentes sujeitos que a constroem cotidianamente, é estar atento para a complexidade das relações socioeconômicas e políticas, das relações de poder, imbricadas nos referentes culturais destes sujeitos, nas suas acepções e sentimentos de pertencimento social e territorial (CALVO, 2003). É refletir comprometidos com a realidade social, trabalhando momentos, lugares, processos das experiências sociais, explorando de forma relacionada as transformações que ocorrem na cidade, refletindo sobre o tempo histórico, sobre a cartografia dos espaços produzidos e configurados no modo de viver urbano diversos e peculiares: trabalho, lazer, escola, comércio, nas relações políticas, econômicas, culturais que evidenciam o universo social vivenciado por inúmeros e diferentes sujeitos. Neste propósito, procura-se discutir e compreender como essas relações se constituem em um complexo campo de interesses e tendências representados por diferentes projetos políticos em disputa e que são registrados na memória traduzindo-se em uma referência de lugar social e de cidade. Por esse enfoque, é buscar perceber possibilidades e outras questões que desvendam os elementos que constituem a cidade, apontando e questionando construções de versões autorizadas da realidade, revelando interesses e tendências políticas que, muitas vezes, tendem a obscurecer as tensões e ambigüidades sociais e políticas existentes nos espaços urbanos. Apontando estas questões, abre-se para a possibilidade de emergir outras histórias e memórias da realidade vivida por homens e mulheres que disputam os espaços da cidade de São José do Rio Preto em busca do trabalho, da moradia, da dignidade, do lazer, da educação, da saúde, do direito de viver. Atentando-se para aspectos que indicam o crescimento do que é considerado como informalidade pelos órgãos e autoridades públicas nas grandes e médias cidades brasileiras e que a cada dia transforma o espaço público, é possível observar a relação entre o aumento da migração pelo país e o crescimento da informalidade. Muitos dos trabalhadores informais são migrantes vindos de diferentes regiões; de 211

maneira geral, são trabalhadores pobres que possuem uma extensa trajetória de deslocamento pelo território brasileiro na procura de emprego que sustente uma vida digna com melhores condições. Característica esta que se tornou, para muitos, a referência básica de luta pela vida, movimentando multidões de trabalhadores, os quais passam a expressá-la, entre outras, nas lutas pelo direito ao trabalho nos grandes e médios centros urbanos na projeção de expectativas de um futuro diferente. Considerando o caso de São José do Rio Preto, os trabalhadores entrevistados são representativos desse processo de deslocamento e migrações; circulando na própria região, muitos vieram, por exemplo, de Brejo Alegre, Olímpia, Neves Paulista, no estado de São Paulo; alguns migraram de outros estados como Goiás; a minoria é natural de Rio Preto. A faixa etária dos entrevistados está entre 30 a 73 anos, dentre eles, somente um não era casado, mas todos com família e parentes para sustentarem, em média três pessoas. Uma outra característica é a pouca escolaridade destes trabalhadores, o que não permite afirmar que a baixa escolaridade é única responsável pelo insucesso no mercado de trabalho formal. Dentre os entrevistados, foi possível conhecer a trajetória de vida do trabalhador Paulo Aparecido da Silva que se formou técnico em contabilidade e, ao migrar para Rio Preto, trabalhou alguns anos no Banco Bamerindus. Foi demitido e, diante da dificuldade em conseguir um outro emprego, buscou na venda de sanduíches a saída para a sobrevivência passando a ser, desde então, seu único modo de trabalho. As experiências narradas pelos trabalhadores entrevistados representam a trajetória de muitos trabalhadores do país, desta forma, o presente estudo aponta como essas experiências evidenciam uma representatividade qualitativa em torno de problemáticas existentes não só em Rio Preto e sim, em muitas cidades do país. Ou seja, a contribuição desta pesquisa é depreender que as análises das narrativas fundamentam-se na compreensão de que as trajetórias de vida destes trabalhadores são representativas de um amplo campo de possibilidades a que estão sujeitos os vários trabalhadores e trabalhadoras do meio urbano 212

vindos ou não, do meio rural71. Também pensar como estas possibilidades trazem diversos significados não somente quantitativos como qualitativos sobre a realidade, pois ao serem compartilhadas com outros trabalhadores, mesmo que não tenham vivido as mesmas experiências, podem forjar muitas expectativas sobre o presente e o futuro. Dessa maneira, o intuito não é concluir generalizações sobre as condições e relações de trabalho, mas sim, pensar como a história das trajetórias destes trabalhadores indica um campo de possibilidades de experiências sociais e históricas; refletindo como as experiências do passado são interpretadas à luz das experiências do presente. Discutindo memória e história não somente como um movimento retrospectivo, mas prospectivo, ou seja, apontando para o campo de tensões e disputas em torno do direito ao trabalho. Ao considerar e valorizar diferentes modos na interpretação da sociedade contemporânea e suas dinâmicas sociais, como o caso da investigação histórica sobre as experiências sociais dos vendedores ambulantes de Rio Preto, abre-se um leque de perspectivas sobre a realidade histórica construída por meio das condições objetivas materiais, bem como pelas condições subjetivas - que são compreendidas como uma construção histórica e sóciocultural, o que não supõe trabalhar com subjetividade e objetividade como elementos estanques e dicotômicos, mas imbricados. Esta perspectiva de interpretação há muito foi ignorada pela tendência historiográfica conservadora que, privilegiando as análises sobre a realidade histórica, muitas vezes, restringindo-se a critérios sistêmicos e quantitativos, correm o risco da homogeneização, enfrentando pouco a complexidade e a diversidade histórica. Neste sentido, procedimentos de pesquisa voltados para as questões afloradas no diálogo entre as experiências sociais e a reflexão teórica podem contribuir para novos olhares sobre o conhecimento histórico e político, e não têm como pretensão 71 Sobre uso de narrativa na interpretação de trajetória de lutas de trabalhadores ver dissertação de mestrado: SIL VÉRIO, Leandra Domingues. Assentamento Emiliano Zapata: trajetória de lutas de trabalhadores na construção do MST em Uberlândia e Triângulo Mineiro (1990-2005). Dissertação de Mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em História. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC/SP, 2006.

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superar outras áreas do conhecimento, mas manter aberto o diálogo. Sobre esta perspectiva de análise, Alessandro Portelli afirma o seguinte: “A primeira coisa que torna a história oral diferente, portanto, é aquela que nos conta menos sobre eventos que sobre significados. Isso não implica que a história oral não tenha validade factual. Entrevistas sempre revelam even-tos desconhecidos ou aspectos desconhecidos de eventos co-nhecidos: elas sempre lançam nova luz sobre áreas inexploradas da vida diária das classes não hegemônicas (...) Fontes orais contam-nos não apenas o que o povo fez, mas o que queria fazer, o que acreditava estar fazendo e o que agora pensa que fez. Fontes orais podem não adicionar muito ao que sabemos, por exemplo, o custo material de uma greve para os trabalhadores envolvidos; mas contam-nos bastante sobre seus custos psicológicos”. (PORTELLI, 1997:31).

Trabalhando as narrativas como atos interpretativos, como práticas sociais que se forjam na experiência vivida impregnada de tensões e ambigüidades, busca-se, neste texto, uma história aberta para outras memórias, apontando a diversidade de modos de vida e de trabalho forjados pelos trabalhadores do comércio informal de São José de Rio Preto na luta de classes. 7.2 - Perspectivas das lutas pelo trabalho em São José do Rio Preto Ponderar a reflexão em torno de algumas questões e problemáticas que envolvem as categorias trabalho e emprego na cidade de São José do Rio Preto, passa pela constatação de que esta é uma cidade construída pelo trabalho e experiência de inúmeros trabalhadores que enfrentam a falta do emprego com carteira assinada, que sofrem de carências básicas nas condições em que desenvolvem o trabalho cotidiano e que se encontram sem perspectivas de que a economia, que movimenta a cidade, abra novos postos de trabalho formal. Hoje, Rio Preto desponta nos setores de comércio e serviço, porém, esses setores não suprem a demanda por emprego da população em idade economicamente ativa e, sem o desenvolvimento e investimento no setor industrial, é reduzida a oferta de trabalho, levando grande parte desta 214

população desocupada a construir novos espaços de trabalho, integrando o universo da chamada economia informal urbana. O espaço da informalidade contempla e é evidenciado em diferentes formas de organização do trabalho, por isso, há dificuldades de se contabilizar o número exato de trabalhadores urbanos no setor e de se analisar as condições em que trabalham. Exercem distintas atividades, desde as mais rudimentares como “flanelinha” de rua, passando pelos vendedores de lanches, doces, bijuterias, por aqueles que “consertam”, sejam panelas, alicates, móveis, indo ao profissional liberal, alcançando outros segmentos opostos que exigem mais qualificação e formação como serviços técnicos e financeiros prestados às microempresas nos campos da informática e consultoria. Em dias de desemprego crescente acarretado pelo modelo econômico que conduz o país, algumas dessas atividades, quando na informalidade, estão tanto nos grandes como nos médios centros urbanos; na realidade seus espaços abrangem muitos modos de produção e trabalho, o que constituem próprios modos de vida destes trabalhadores no ganho da sobrevivência. É importante ressaltar que tais constatações podem gerar interpretações equivocadas que muitas vezes associam o mercado informal, exclusivamente, à pobreza e refúgio daqueles que não conseguem um emprego com carteira assinada, de forma que homogeneíza um amplo espaço e modo de trabalho. Ou seja, essas afirmações acabam por desconsiderar a possibilidade de uma opção individual pautada nas vantagens econômicas da produção independente que estão acima das salariadas, ou ainda, é equivocada por não relevar as desigualdades de renda que tendem a se acentuar dentro do próprio setor informal. (OLIVEIRA, 1998). O estudo em questão sobre o trabalho informal em Rio Preto esteve atento a estes princípios, mesmo que os trabalhadores com os quais foi mantido o diálogo apontassem como principal fator por estarem na informalidade o desemprego. Pôde-se observar que, para muitos dos entrevistados, a falta de oportunidade de um emprego devido a pouca qualificação profissional os levaram desde sempre a procurar sobrevivência como vendedores ambulantes, passando 215

a ser a única experiência de trabalho a que se acostumaram e tomaram gosto, mesmo vivendo muitas dificuldades. Assim, são inúmeras as pessoas que procuram o que fazer, como “se virar” para conquistar o pão de cada dia na cidade de Rio Preto. De acordo com Márcio Sansão, Secretário de Desenvolvimento Econômico e Negócio de Turismo de São José do Rio Preto, em entrevista em abril de 2006, estima-se, hoje, na cidade, cerca de 2000 vendedores ambulantes, número este aproximado com base no número total de trabalhadores cadastrados na Secretaria Municipal de Finanças. Este cadastro é um meio de controlar e fiscalizar o comércio ambulante, a partir do qual os vendedores são obrigados a trabalhar portando um crachá no qual, em especial, consta o nome do trabalhador, o tipo da mercadoria que pode vender, o local, ou seja, o ponto permitido pela Prefeitura para o mesmo comercializar seus produtos, o nome e o número de assistentes autorizados a trabalharem com o vendedor. Com este termo de autorização concedido pela Prefeitura, os vendedores são enquadrados nas normas e fiscalizações na contenção do comércio informal, pagando uma taxa para poder se estabelecer em determinado lugar. Uma das exigências da Prefeitura é portar sempre o crachá, sem ele o vendedor no ato da fiscalização pode ser multado e perder o ponto onde vende e, se não cadastrado, a fiscalização é mais rígida com apreensão da mercadoria e multa; outra exigência é que trabalhem dentro das normas de saúde e higiene. De acordo com o trabalhador Paulo Aparecido da Silva, migrante de Neves Paulista, em São Paulo, indo para a capital do estado e, em 1989, vindo para Rio Preto, vendedor de lanches na calçada em frente à Prefeitura, 49 anos, casado, pai de dois filhos, a Prefeitura de Rio Preto oferece cursos para treinamento, capacitação e profissionalização aos vendedores de produtos alimentícios. A orientação é promovida pela Secretaria de Saúde e Higiene, no atendimento de uma reivindicação dos próprios vendedores, que, junto com o Conselho Municipal do Trabalho Ambulante (CoMAm) 72, 72 Conselho composto por representantes da prefeitura, dos vendedores ambulantes e sociedade civil, órgão criado em 26 de junho de 2002 através da Lei nº 8.659, de caráter propositivo e consultivo, tendo como objetivo a formação, a proposição e a participação no desenvolvimento de políticas públicas referentes ao trabalho ambulante, bem como a intermediação das relações deste com as diferentes instâncias do Poder Público e da sociedade civil organizada.

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do qual Paulo A. Silva participa, organizam e encaminham os vendedores para essas atividades de formação. É importante observar que a realização da orientação quanto a manusear alimentos e sobre as normas sanitárias traz aos vendedores auto-estima, pois eles se sentem respaldados pelo poder público, com a autorização para oferecerem seus serviços à sociedade, evitando assim a repreensão e menosprezo referentes à qualidade e segurança dos produtos que ofertam. Para eles, é uma forma de conquistar o respeito da sociedade, de não carregarem e serem vistos com a pecha da informalidade e de obterem a confiança dos fregueses, o que favorece o aumento em suas vendas. Na luta pelo direito ao trabalho e de uma renda para a sustentação da família, os trabalhadores ambulantes disputam e ocupam os mais diferentes espaços da cidade para comercializarem inúmeras e distintas mercadorias, recriando, modificando e compondo a paisagem e o território urbano. Para muitos destes trabalhadores, a atividade comercial na informalidade foi sempre o único modo de vida e de trabalho, como narra o vendedor José Diógenes dos Santos ao trazer sua expectativa em torno da vinda para Rio Preto: “Eu sempre fui vendedor, mesmo na rua, de carro. Eu trabalhando com vendas aqui na região. Em 94, gostei aqui da cidade e resolvi me mudar pra cá foi onde eu estava trabalhando de vendedor na área central de Rio Preto, eu me cadastrei na prefeitura, filiei na Associação chamada Arva que existe e que tem nome, que existe há muitos anos, inclusive, em abril agora vamos ter eleição pra nova direitoria da Arva, né? A Arva é a Associação Rio-Pretense dos Vendedores Ambulantes de Rio Preto. E eu gostei daqui e mudei pra cá”. 73

José Diógenes dos Santos, 42 anos, casado, pai de dois filhos veio da cidade de Brejo Alegre com a família há mais de dez anos para Rio Preto, e estabeleceu-se na praça Dom José Marcondes no centro da cidade, local de grande concentração de venda dos ambulantes e totalmente ocupada por suas barracas de cor azul. 73 José Diógenes dos Santos, entrevista concedida à autora em 28/03/06.

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Com um tom de confiança e perseverança, José Diógenes, narrando momentos de sua trajetória de migração, expressa a expectativa sobre esta cidade que tanto o atraiu, indicando que ao conhecer sua dinâmica socioeconômica projetou planos de uma vida melhor como vendedor, como ele mesmo diz: “(...) Num tem alternativa, minha vida foi mesmo sempre trabalhar de vendedor e num tem outra coisa para fazer num existe”. José Diógenes sugere, de certa maneira, ter enfrentado muitos deslocamentos ao circular pela região de Rio Preto na realização de seu trabalho, expressando um sentimento ambíguo entre expectativas e desesperanças de obter sucesso. Ao mapear, investigar e sondar as cidades pelas quais passou, apostou em Rio Preto como o lugar do trabalho, de melhores condições para as vendas e uma renda maior, com disposição para o trabalho, para fincar raízes, ter endereço, fazer laços de amizades, participar das esferas políticas, fazendo questão de frisar que veio para Rio Preto e logo se regularizou com a prefeitura e se filiou na Associação Rio Pretense de Vendedores Ambulantes (ARVA). A maneira como José Diógenes narra indica sua consciência sobre a necessidade de participação em espaços que defendam os interesses da categoria, inteirando-se dos deveres e direitos que cabem aos vendedores ambulantes. Evidenciando sua preocupação imediata em conhecer os litígios que envolvem a luta dos vendedores ambulantes e de se apresentar de forma organizada, resguardandose de possíveis problemas com as autoridades do poder público municipal. É interessante observar como José Diógenes refere-se, de antemão, a seu compromisso com uma organização política, a qual se tornou para os vendedores ambulantes o meio, o canal de comunicação e reivindicação com o poder público municipal nesta cidade, e assim se apresentam e querem ser reconhecidos como trabalhadores organizados e conscientes. Márcio Sansão, Secretário do Desenvolvimento Econômico e Negócio de Turismo, contrariando as posições de Diógenes, afirma que a prefeitura não reconhece essa associação dos vendedores ambulantes, reconhecendo apenas os vendedores que se colocaram como interlocutores nas negociações e reivindicações dos trabalhadores. De acordo com Sansão, a 218

ARVA foi extinta devido a “(...) problemas de documentação e problema de encaminhamento”. 74 Durante a pesquisa foi impressionante observar como a ARVA está presente nas falas e posições políticas destes trabalhadores; se o poder público não a reconhece e a legitima, os trabalhadores da praça Dom José Marcondes a impõem como legítima no intento de manter a identidade de trabalhadores organizados e unidos. Desta maneira, José Diógenes representa aqueles trabalhadores que buscam seu espaço, seus direitos, imbricados nas relações políticas e culturais; José Diógenes tem ciência de que, para sobreviver no trabalho que realiza é necessário lutar e estar antenado com a realidade política e jurídica, diante das represálias do Estado contra os mecanismos do mercado informal. Em Rio Preto, a imagem de cidade ordeira, pacata, do desenvolvimento e crescimento econômico e social, “sem favelas”, de uma cidade ideal para se viver e fazer investimentos, há décadas é propalada pelo poder público, por uma tendência da imprensa e da sociedade interessada em se reafirmarem como uma cidade perfeita, sem conflitos sociais, políticos e econômicos. Olhares estes sobre as questões urbanas obscurecem a realidade problemática da desigualdade social e econômica que afeta muitas cidades do país e Rio Preto não está isenta de problemas. O trabalhador Paulo Aparecido da Silva, morando dezesseis anos em Rio Preto, ao narrar sobre os problemas da cidade, aponta para o seguinte: “Eu acho a cidade de São José do Rio Preto, como todo mundo fala é uma cidade muito bonita, bem apresentada, sabe? Bem dividida é uma cidade gostosa de se viver, mas na realidade a mão - de - obra que trabalha aqui é muito pouca, por exemplo, o “cara” tava me falando hoje que a cidade de Marília, ele veio para cá, ele e a filha dele, ele falou que a faixa salarial daqui é muito baixa, a filha dele era secretária lá, ela veio para trabalhar aqui por quatrocentos reais, ela ganhava oitocentos reais lá. Então, quer dizer, o setor de indústria está faltando (...) Então, parece que é uma cidade, 74 Márcio Sansão, em entrevista concedida à autora em abril de 2006.

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sabe? Como todo mundo, existem muitas [pessoas], não são todos, que parece que tem as coisas e não tem é nada, só parece, né? Só aparenta. Então, eu acho que teria que trazer o setor de indústria, alguma coisa para poder dar uma levantada na cidade. Que realmente, por exemplo, a classe mais jovem (...) não tem nem onde ter, por exemplo, o primeiro emprego, não tem nem como praticar, para poder trabalhar, se desenvolver, eu acho que está faltando (...) trazer grandes indústrias”. 75

Paulo Aparecido da Silva, sob uma visão crítica e articulada com a realidade que vive, traz suas acepções sobre Rio Preto constituída tanto por aquilo que presencia no cotidiano do comércio, como da convivência com outras pessoas, ou seja, no compartilhar de experiências, expectativas, frustrações, que compõem as dinâmicas sociais desta cidade. Aponta, principalmente, como a população trabalhadora sente e vive a precariedade do emprego, questionando a falta de investimento no setor de indústria que poderia abrir postos de trabalho. Muitas outras dificuldades e problemas são apontados por parte da população com poder aquisitivo menor, alguns jornais da cidade trazem suas reivindicações e indignação com as sucessivas administrações públicas da cidade. Parte da população de Rio Preto vive problemas como, por exemplo, a precariedade no atendimento público de saúde, sendo uma contradição diante do reconhecimento como excelência no país no atendimento privado médico – hospitalar; a população pobre sofre também com a precariedade do sistema público de ensino e de transporte. Outra realidade é a crise e falência de comerciantes que optam por abandonar a cidade, aumentando o desemprego. Nos últimos anos, o comércio informal tem crescido e os trabalhadores do setor, vivem situações críticas e tensas. São vistos como causadores de uma suposta “desordem” na cidade com o avanço deste tipo de comércio. Neste sentido, ao se referir sobre as dificuldades e pressões que os vendedores ambulantes da praça do Dom José Marcondes lidam no cotidiano, José Diógenes dos Santos analisa:

75 Paulo Aparecido da Silva, entrevista concedida à autora em 18/04/06.

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“(...) A pressão a gente tem visto que a pressão é pra tirar mesmo a gente aqui da praça, quer tirar mesmo a gente da praça, mas nós estamos organizados e não vamos sair, porque nós temos uma promessa de governo, com o prefeito, vamos dizer, a gente só vai sair hora que ele tiver, der o que ele prometeu pra gente (...) Veja bem! Na reeleição do prefeito Edinho [atual gestão], ele veio aqui na praça, ele num vem, ele num vem falar com ninguém, num sei se ele tem medo, porque a promessa se houve e num foi cumprido até agora, mas na época de campanha política, quando, procurar a reeleição ele veio com a maquete [e disse]: ‘Olha! Se vocês votarem em mim eu vou colocar em prática os camelódromos de vocês, vai ser em cima do terminal rodoviário vai ser em cima’. Ali ia ter que se tirar a Emurbi, Procon, Banco do Povo, mas a gente num importa que vá tirar eles, porque o prefeito se ele prometeu pra gente que ia fazer o nosso shopping no camelódromo, vamos se dizer, em cima da rodoviária, ele tem que já antes de prometer saber onde ele vai pôr a Emurbi, órgãos que funcionam em cima da rodoviária (...) Então ele já ia fazer, então tudo bem, a gente deu prioridade pro HB [Hospital de Base], porque tem muitas pessoas doentes, as pessoas vêm de fora, os parentes [ficam] ali no tempo, você vê ali barracas servindo almoço, servindo lanche, então, a gente deu prioridade, a gente foi honesto, a gente deu prioridade pro HB [para] fazer o shopping deles [com] praça de alimentação e está lindo, está maravilhoso e vai ser inaugurado lá e desde que terminando lá começasse a obra do nosso camelódromo e até agora não se vê falar nada, só pressão. Mas nós vamos lutar, brigar pelos nossos ireitos. Só sai da praça assim que esse shopping nosso, que foi promessa de prefeito, porque eu acho que promessa é dívida”.76

Em Rio Preto, a relação da prefeitura com os vendedores ambulantes ocupantes da praça do Dom José Marcondes encontra-se tensa. A fiscalização e repreensão contra o mercado informal evidenciam-se na disputa pelo espaço público entre os trabalhadores e a prefeitura. Os trabalhadores, sentindo-se ameaçados com a tentativa de retirada deles daquele local, manifestam-se com os meios que possuem lutando pelo direito ao trabalho que realizam. A atual gestão de governo procura controlar e impedir o avanço do comércio informal não somente na praça, como em todos os lugares de concentração de vendedores ambulantes, 76 José Diógenes dos Santos, entrevista concedida à autora em 28/03/06.

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apresentando algumas propostas, como a construção de Bolsões de Comércio77, ou seja, lugares autorizados e destinados ao comércio regularizado e fiscalizado dos comerciantes informais. Lugares estes denominados pelos vendedores da praça como camelódromo ou, nesses anos de discussão, como shopping popular. Os trabalhadores alegam que o camelódromo é “promessa” de campanha eleitoral do prefeito Edinho Araújo do Partido Popular Socialista (PPS) que está em seu segundo mandato. Nesta direção, a fala de José Diógenes dos Santos aponta para outras questões cruciais e urgentes suscitadas em torno do trabalho informal na praça Dom José Marcondes. A praça para estes trabalhadores representa o local do trabalho, onde já se consolidou uma clientela e as vendas, onde se habituaram a trabalhar, onde construíram laços de amizade e solidariedade entre seus pares e a sociedade, ou seja, onde se vivencia a experiência do trabalho e as questões afloradas na narrativa de Diógenes indicam que a disputa não se finda no espaço em si da praça. O impasse gerado entre a prefeitura e os trabalhadores evidencia, entre outras, a disputa e a cobrança do eleitor, ao exigir que os representantes políticos eleitos realmente os representem trabalhando também em prol de parte da população com a qual os candidatos procuraram convencer e dialogar antes das eleições; negociando e afirmando acordos que atendam os interesses desta população, ao mesmo tempo em que negociava os interesses de outros segmentos sociais, contrários à permanência dos ambulantes na praça. Desta forma, José Diógenes polemiza e traz os significados da promessa de campanha eleitoral não como a possibilidade de ser cumprida ou não, mas como um compromisso político e social com a população que foi convencida e que confiou sua representatividade a um determinado candidato, com o significado de um dever por parte daqueles que representam os interesses da sociedade civil organizada e não uma atitude de benevolência do governo do prefeito Edinho Araújo. A ampliação deste processo social vivido se faz na visão articulada e crítica dos trabalhadores sobre as relações sociais e políticas, visão esta que sustenta a luta pelo trabalho como uma questão do direito à vida como garante a constituição 77 Sobre os Bolsões de Comércio como uma das medidas para regulamentar o comércio e a prestação de serviço ambulante em Rio Preto, ver Projeto de Lei em tramitação na Câmara dos vereadores da cidade.

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brasileira. Neste sentido, esses trabalhadores abrem o campo de possibilidades e significados sobre a luta que exercem no dia-a-dia, a qual possui muitas dimensões políticas marcada por referências culturais, ou seja, nos modos de se viver, pensar e agir que delineiam as ações determinadas e coesas destes vendedores ambulantes diante do poder público municipal e da sociedade. Assim, a praça tornou-se o espaço declarado da manifestação do ser político, da luta de classes, da luta travada entre parte da população e as normas, convenções sociais, políticas e econômicas. No momento da pesquisa de campo, foi possível visualizar e sentir a manifestação da indignação dos trabalhadores e da cobrança do eleitor que se sente penalizado e não representado, por exemplo, nas faixas feitas pelos ambulantes presas às árvores em que se lia: “Mais uma vez, tão querendo tirar nosso trabalho, autoridades competentes nos ajude. Queremos bom senso.”; “Dependemos deste trabalho para viver, temos família para manter e filhos para criar”; “Mais uma vez precisamos do apoio da população rio-pretense nos ajude!!!”; “Cadê a promessa da realização do projeto do camelódromo no terminal rodoviário.”; “Não somos bandidos, somos cidadãos e queremos trabalhar em paz. Como manda a constituição”. Tais frases apontam a preocupação dos trabalhadores em provocar o debate e a reflexão da população de Rio Preto sobre a realidade em que vivem, sobre como a prefeitura está conduzindo o processo de construção do camelódromo para eles e como lida com as problemáticas em torno do trabalho do ambulante em diferentes locais da cidade. Buscando afirmação e apoio da sociedade, os trabalhadores ambulantes expressam o que são, como agem e o que esperam. Sentem a necessidade urgente de se apresentarem e se afirmarem como trabalhadores, cidadãos e não como trabalhadores informais, ilegais, contrabandistas e criminosos. Agindo dessa maneira, reivindicam o direito de serem reconhecidos, valorizados e respeitados naquilo que sabem fazer e o que muitos deles sempre fizeram na vida. Estes trabalhadores, buscando sobrevivência no mercado informal, são alvos de comentários pejorativos, já que o Estado combate incisivamente a prática do comércio 223

informal pelo desfalque no sistema tributário e financeiro do país, significando e associando tudo que está na ilegalidade com possíveis vínculos e sustentação do mercado negro, por exemplo, narcotráfico e grandes contrabandistas. Ao tempo em que este Estado não soluciona definitivamente as desigualdades, o desemprego, a miserabilidade, entre outros, gerados por modelos econômicos e políticos que afetam os trabalhadores que, desesperançados, procuram trabalhar como podem e em grande parte encontrando saída na informalidade. O processo contraditório e de ambigüidades pesa sobre os trabalhadores da praça Dom José Marcondes que no enfrentamento da correlação de forças políticas sabem que precisam do apoio, do esclarecimento e conhecimento da sociedade sobre o processo político que os envolve. Sem um profundo debate e conscientização da população sobre a dinâmica social, política e econômica da cidade, a categoria do vendedor ambulante sofre preconceitos e seu trabalho se resume simplesmente à condição de ilícito. Estes trabalhadores, sob tensão, enfrentam muitas situações embaraçosas: a sociedade de modo geral é induzida por parte do Estado a não autorizar a ilegalidade da condição em que se encontram, mas a sustenta ao comercializar com esses trabalhadores que disponibilizam para uma parcela da sociedade, as mesmas mercadorias do comércio formal sem repassar o valor dos impostos, o que garante o consumo e sobrevivência de muitas pessoas. Nessa situação, o apoio e não-apoio andam lado a lado, impondo aos trabalhadores a necessidade de explicitarem suas reivindicações para a sociedade que, para alguns, fica a mercê de informações tendenciosas, principalmente, dos jornais da cidade. No dizer de José Diógenes: “(...) Edinho [atual prefeito de Rio Preto] desde a primeira campanha política dele quando resolveu se candidatar aqui em Rio Preto, uma promessa no papel, em maquete, que o projeto shopping nosso seria em cima do terminal rodoviário e, agora, com toda essa pressão que estão fazendo contra nós o Diário da região, imprensa entendeu? Jogando o povo de São José de Rio Preto contra nós, a gente está se unindo, pra poder reivindicar essa promessa do Edinho que é fazer camelódromo que ele 224

prometeu para que a gente possa trabalhar com mais condições, né?”. 78

O poder da mídia faz também a diferença na luta destes trabalhadores e José Diógenes aponta para as formas que criam os sentimentos de pressão e de tensão sobre eles, indicando, principalmente, que a imprensa e as entidades comerciais, ao abordarem o assunto, não problematizam os reais motivos, por exemplo, da morosidade do poder público na construção do camelódromo na parte superior do terminal rodoviário. Em certo sentido, a imprensa acaba por contribuir na formação de opiniões de que os trabalhadores simplesmente não querem sair da praça, porque não respeitam as leis fiscais. Desta maneira, a população não levanta outras questões que se referem, por exemplo, a fatores e dimensões da representatividade política institucional, ou seja, projetos econômicos e tendências políticas em disputa na cidade de Rio Preto. Na interpretação de Diógenes: “Há [preconceito], porque eles encaram que a praça é de todos é verdade, só que o prefeito tem um compromisso com a gente e a gente tem que permanecer aqui enquanto não acha um local definido pra nós. Como eu falei antes e há um preconceito sim, a gente tem espaço, a praça tem que estar livre para as pessoas andarem, circularem e a praça é de Rio Preto inteiro, mas como existe a gente aqui trabalhando com cadastro na prefeitura sabe? Com essa briga: faz camelódromo, num faz, pressão muita, pessoas se opondo, entidades também se opondo, então, a dificuldade é grande (...) O preconceito maior, o preconceito da sociedade eu acho que num tem, porque se não eles não se deslocariam de suas casas, de outras cidades vizinhas pra comprarem da gente você entendeu? O preconceito é mais é lojistas, é entidades que alegam que a gente num paga imposto, que a gente num é regularizado, mas é tudo pelo contrário, a gente é regularizado, temos o cadastro da prefeitura, estamos aqui cadastrados, temos nossos crachás de autorização pra trabalhar aqui na praça, agora, vamos se dizer o que falta é a gente pagar os impostos, mas trabalhando aqui na praça nós não temos condições. Eles exigem [lojistas] que a gente tenha alvará, alvará eles [a prefeitura] não dão [a prefeitura suspendeu o alvará para ambulantes desde 2001], já também fica descaracterizado o termo de alvará, de você ter o alvará pra trabalhar, isso aí num 78 José Diógenes dos Santos, 28/03/06.

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existe. Se deram o alvará pra algumas pessoas há dez, há doze anos atrás também deu irregularmente, porque se eles não dão o alvará pro resto das pessoas que estão aqui na praça, justificando que não pode dar alvará pra trabalhar na praça, esses alvarás que eles deram antes também é irregular. Então é por aí a pressão é mais de algumas autoridades é sobre a mercadoria que a gente vende, às vezes, vê alguém vendendo um CD na mão já pensa que é aqui da praça, então, têm brinquedos importados [à venda na praça] que até em loja de 1,99 você vê hoje. Agora pra gente tem uma lei, para eles num tem a lei, por quê? Que eles [lojistas] têm nota, que eles pagam impostos é um produto importado você tem que [ter], uma punição, uma punição em geral e a gente não paga impostos e firma aberta porque eles não querem é só eles falarem: ‘Olha! Amanhã vocês vão pra tal lugar, shopping de vocês está pronto’. Porque vai ser inaugurado o shopping do HB [para os vendedores ambulantes em torno do Hospital de Base de Rio Preto], a praça de alimentação está a coisa mais linda e a promessa é essa: de que terminando lá se construiria o nosso, o shopping popular que é esse novo camelódromo”.79

A praça Dom José Marcondes tornou-se o símbolo de uma luta caracterizada por ambigüidades, conflitos e contradições. De acordo com o secretário Márcio Sansão da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Negócio de Turismo, a preocupação da prefeitura junto com seus parceiros como a Associação Comercial, o Sindicato do Comércio, é gerir melhor o centro da cidade “para atacar os problemas organizacionais do centro e um dos problemas são os camelôs na praça Dom José Marcondes” 80, pois a praça é um espaço público. Com esse propósito buscou-se negociações iniciais com os vendedores ambulantes para limpar a praça, ou seja, tirando as lonas azuis, como diz o secretário, por uma questão visual, afirmando também ser por uma questão técnica e de segurança, porque a iluminação do local fica comprometida com o número de lonas azuis esticadas cobrindo todo o espaço da praça. Também afirma que o objetivo da prefeitura é a transferência dos vendedores para um lugar regularizado por ela.

79 Idem. 80 Secretário Márcio Sansão, em entrevista concedida à autora em abril de 2006.

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De acordo com o secretário, a prefeitura necessita aprovar um projeto de lei que estabeleça o regramento para o exercício do comércio e prestação de serviços ambulantes nas vias e logradouros públicos do município com vistas ao restabelecimento e manutenção do ordenamento urbanístico, mediante a re-alocação de equipamentos e pessoas afetos a atividade e o controle de sua expansão, como consta no Art.1 do Projeto de Lei, que até a data desta pesquisa estava em tramitação na Câmara dos vereadores de Rio Preto, projeto de responsabilidade e encaminhado à Câmara pela Secretaria de Finanças. O Projeto de Lei em questão é alvo de polêmicas devido às discordâncias entre os ambulantes e a prefeitura nos critérios impostos em alguns dos seus capítulos, os quais ao todo abrangem: Da Conceituação e Atribuições; Do Conselho Municipal do Trabalho Ambulante; Da Localização; Da permissão de uso; Do Auxiliar; Dos Equipamentos; Dos Bolsões de Comércio; Das Obrigações; Das Proibições; Das Penalidades; Das disposições Gerais e Das Disposições Transitórias. Audiências têm sido realizadas no intuito de se chegar a um consenso entre as partes envolvidas. Após muitos debates em audiências entre os representantes das partes envolvidas, tenta-se chegar a um acordo sobre esse Projeto de Lei em negociação, no momento das entrevistas. De acordo com José Diógenes dos Santos, um dos grandes problemas, por exemplo, era quanto ao capítulo: “Do Auxiliar”, que limita o número de auxiliares de cada vendedor ambulante cadastrados na Secretária de Finanças. Para ele: “(...) Às vezes fim de ano mesmo a gente fica até dez onze horas e uma, duas pessoas pra trabalhar é difícil é porque é muita gente é muita venda não só aqui na praça, nos camelôs como na cidade inteira, até essas regras estão querendo impor e tem um Projeto de Lei que prejudica totalmente os camelôs e a gente conseguiu através do secretário do prefeito segurar essas leis até que seja feito o camelódromo, com algumas mudanças aí sim, a gente acata essa lei deles”. 81 A polêmica em torno desse projeto de lei - que tem como fundamento a concepção sobre o trabalho informal e suas desvantagens econômicas para o setor do comercial formal e 81 José Diógenes dos Santos, 28/03/06.

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de arrecadação fiscal, como no planejamento urbanístico da cidade - é divulgada para a sociedade de Rio Preto via meios de comunicação. Em março de 2006, o jornal Diário da Região assim apresentava a polêmica: “Os ambulantes da praça Dom José Marcondes prometem endurecer contra os secretários Jair Moretti (Governo) e José Aparecido Ciocca (Finanças), para alterar o texto original do projeto que regulamenta a atividade deles na cidade. Pelo projeto elaborado, até a criação de “ambulante fixo” foi possível. Na reunião realizada ontem entre o governo e os ambulantes, não houve evolução. Os vendedores não concordam com a proposta que prevê a exigência de nota fiscal de todos os produtos comercializados no local. Veronildo Jorge da Silva, líder da categoria afirma que a pressão vai aumentar. Veronildo é contra a participação da Sociedade dos Engenheiros e do Crea (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura) no Conselho Municipal que irá tratar de questões relacionadas aos ambulantes, ‘o que é que um engenheiro ou arquiteto tem com o nosso negócio?’, questiona o líder ambulante. O projeto do governo propõe o fim do comércio de produtos pirateados, além da venda de mercadorias vindas do Paraguai. Outra exigência que desagrada os ambulantes é a obrigatoriedade de ficha de antecedentes policiais, para obter autorização para trabalhar.Eles também são contra a participação do CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas). Mesmo com posição contrária dos ambulantes ao projeto, o governo considera que a reunião de ontem foi positiva. Na Câmara, as discussões entre vereadores e a categoria, para mudanças e emendas deverão ser maiores, segundo Veronildo Jorge da Silva”.82

Os impasses em torno do trabalho dos ambulantes na praça Dom José Marcondes há alguns anos se faz presente e tem sido abordado sob diferentes olhares e tendências. Percebe-se nesta matéria do Diário da Região que o conflito é apresentado apenas com posições de ambas as partes editadas, referindose a alguns pontos do projeto de lei em que os ambulantes são contrários, os quais lidos superficialmente a maioria da sociedade supostamente seria a favor por serem de origem suspeita de ilegalidade. Isto para alguns ambulantes provoca interpretações equivocadas da sociedade sobre os interesses e objetivos deles, principalmente, por se sentirem agredidos e 82 www.diarioweb.com/ notícias, acesso em abril de 2006; matéria: Ambulantes vão endurecer contra projeto do governo.

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ofendidos ao serem colocados de imediato como criminosos. Em outro momento, o mesmo jornal em um dos seus editoriais: “Inércia e Intolerância”, datado de 2004, assumia uma posição de cobrança sobre o problema que se arrastava por anos e o conceituava, entre outros, como uma “confusão envolvendo os vendedores ambulantes” da praça Dom José Marcondes, afirmando, de certa maneira, a lentidão e falta de vontade política da prefeitura em resolver definitivamente a questão do comércio informal em Rio Preto. Como pode-se observar nos seguintes argumentos: “A história se repete a cada confusão envolvendo os vendedores ambulantes que atuam na praça Dom José Marcondes, no coração de Rio Preto. A Prefeitura reage com as respostas prontas de sempre, relembra que encontra-se em trâmite um projeto para todos os gostos e promete que em breve a população assistirá ao último capítulo de uma novela que se arrasta há anos. O discurso não engana mais ninguém. Nem mesmo o poder público municipal, que há pelo menos dois anos anuncia soluções mirabolantes, estabelece prazos e metas para, em seguida, revelar-se incapaz de cumprir o que planejou e prometeu. Trata-se de uma brincadeira de fazde-conta que só desgasta e nada acrescenta a nenhuma das partes interessadas. A mais recente e iluminada idéia é o shopping popular que acomodaria 180 trabalhadores mediante a construção de um piso elevado de laje no terminal de ônibus urbanos. Por falta de dinheiro e em meio a controvérsias sobre a sua viabilidade, mais uma vez essa alternativa vai ficar para depois. Os ilusionismo dos ilusionistas garante que o plano sai do papel em 2005. Enquanto isso, vai continuar tudo do jeito que está. De um lado, ambulantes com alvará da Prefeitura dividem espaço com os camelôs clandestinos, para desconforto dos comerciantes das proximidades. De outro, desorientados e frenéticos à caça de irregularidades, fiscais enfrentam a fúria dos vendedores e voltam para casa sem a certeza do dever cumprido. O impasse não interessa nem aos ambulantes, mesmo que tenham alvará para atuar naquela localidade. Depois de sinalizar com diferentes propostas desde os primeiros meses do seu mandato, o prefeito Edinho Araújo tem o desafio de dar um basta nessa inércia que vicia, contamina e estimula intolerância como a que ocorre atualmente entre fiscais e camelôs. A administração municipal tem a obrigação moral de enfrentar essa questão com objetividade e buscar, dentro da legalidade, uma solução que possa contemplar o interesse de todos os envolvidos – os ambulantes, 229

os comerciantes e a população. Nunca é demais lembrar que os vendedores ocupam um espaço público e, como já disse Castro Alves, a praça é do povo como o céu é do condor.”83

Em um tom irônico, a matéria se mostra ambígua, ora se posicionando a favor dos interesses da prefeitura e dos comerciantes formais, ora dos ambulantes, mas no fundo restringindo uma questão socioeconômica e política a uma questão de moralidade e legalidade, desautorizando a presença dos trabalhadores na praça e associando aos ambulantes expressões como “confusão” e “fúria” que passam a caracterizá-los e podem ser incorporadas pela população. As idéias de bagunça, desorganização entram para memória e marcam a trajetória de luta destes trabalhadores, os quais lutam para que a população os veja como trabalhadores organizados e unidos. Expressões como aquelas podem suscitar e reforçar na sociedade noções que desqualificam a luta dos trabalhadores ambulantes pelo espaço do trabalho e tornam vítimas comerciantes formais e fiscais da prefeitura. É importante se atentar para o poder da imprensa na formação de opiniões, nesta perspectiva, a imprensa diária toma preponderância na definição do que é ou não relevante para o entendimento de mundo por parte da sociedade, para a constituição de sentidos e memórias hegemônicas, do ordenamento da realidade social, já que o que se “passa” no tele-jornal ou é publicado no jornal ganha status de fatos verídicos e importantes. (MACIEL, 2004) No que se referem aos impasses, polêmicas e tensão desse processo, na perspectiva do secretário de Desenvolvimento Econômico e Negócio de Turismo, cabe à prefeitura solucionar e gerenciar os problemas de uma cidade atendendo os interesses de todos. Assim, a prefeitura apresenta-se disposta a negociar, dialogando com os vendedores ambulantes, agindo dentro da lei. Para o então secretário: “O ambulante deixou de ser ambulante, né? Ele passou a ser realmente um comerciante formal, né? Com ponto estabelecido e tudo mais (...) Morosidade do poder público de reconhecer aquilo como uma nova atividade econômica. ‘Não! Ah! O ambulante é um 83 www.diarioweb.com.br/noticias/opiniao

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problema’. Não! A hora que ela [prefeitura] enxerga que aquilo é uma atividade, ela passa, o poder público passa a procurar soluções para aquilo também, junto com eles mesmos, né? (...) Ao longo dos anos essa atividade foi se intensificando e a prefeitura foi adequando de certa forma as leis existentes, né? Ou criando leis é pontuais para resolver algumas questões”. 84

No reconhecimento das atividades de comércio dos ambulantes como parte da administração pública, a prefeitura, com o cadastro dos ambulantes e com o poder maior para controlar e fiscalizar todos os comerciantes impõe regras e limites, procurando minimizar os conflitos, por exemplo, construindo e regulamentando os Bolsões de Comércio para alocar os vendedores ambulantes. Em abril de 2006, durante a realização desta pesquisa, estava concluída a obra de construção do primeiro bolsão denominado de shopping popular, destinado aos vendedores ambulantes, especificamente, no entorno do Hospital de Base, um prédio que o telejornal local da TV Tem divulgou com um custo de um milhão de reais. O local dividido em boxes comporta 50 trabalhadores, a maioria dos boxes é destinada para os vendedores de alimentos e todos os trabalhadores exercerão o comércio e a prestação de serviço a título precário, ou seja, a prefeitura disponibiliza somente a permissão de uso, os ambulantes passam a ser permissionários, porém, não cria nenhum direito do ambulante sobre o espaço ocupado, não podendo vender e transferir (desde que em caso de morte fique comprovado que os descendentes não tenham emprego). Há muito tempo os vendedores ambulantes ocuparam as ruas e calçadas em frente do Hospital de Base, vendendo muitos tipos de alimentos, doces, balas, sucos, sorvetes, raízes, roupas, bolsas, CDs, óculos, encontrando-se naquele local quase todos os tipos de mercadorias do consumo popular. A prestação de serviço e o comércio informal no entorno do HB atende basicamente a população que necessita do atendimento médico e hospitalar, sendo grande a circulação de pessoas naquele espaço, vindas de muitos outros municípios da região de Rio Preto. No local, estas pessoas passam, às vezes, o dia todo à espera de atendimento médico e o comércio no entorno do hospital, além de atendê-las quanto à alimentação com o 84 Entrevista concedida à autora em abril de 2006, na Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Negócio de Turismo de Rio Preto.

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preço mais barato, também oferece outras possibilidades de consumo. Para alguns, tornou-se, inclusive, um espaço de distração, de convivência. Como afirma umas das entrevistadas Juciane85, 30 anos, natural de Rio Preto, casada, dois filhos, ao ser contratada pelo cunhado vendia lanches em um carrinho há três meses. Seu cunhando, real dono do comércio, por motivos de doenças na família estava impossibilitado de trabalhar. Juciane narra que o trabalho realizado no entorno do Hospital de Base significa, entre outros: “Aqui já é bem mais em conta o que comer, se eles [os consumidores] forem a um restaurante eles vão pagar um pouco acima do valor e muitos não têm condições aqui é um custo mais baixo, muita gente aqui são simples, eu creio que, às vezes, vai atrapalhar [a transferência dos ambulantes para o shopping popular] um pouco devido a isso, a pessoa pode achar que é mais chique e se sentir muito humilde para poder freqüentar lá. Agora em relação, em particular assim com os fregueses é boa [a convivência] é agradável, tanto eu procuro ser com eles e eles comigo é bastante, agora eu procuro ser com eles (...) Eu num lembro quem foi a pessoa, eu num lembro se era paciente, eu num lembro quem foi [que] disse que o serviço nosso aqui é um pouco de tudo é gente que passa mal a gente tenta socorrer é informação a gente tem que saber um pouquinho pra dar informação, às vezes, a ambulância espera um pouquinho a gente tem que ficar de companhia, eu pelo menos, vixe! Esses três meses eu adorei ficar aqui é companhia é tomando conta é conversando é acalmando é assim, tem que ter um pouquinho de tudo, às vezes, vem paciente com um acompanhante só e o acompanhante e só o motorista num dá conta de pôr o paciente dentro da ambulância, [Juciane diz]: ‘Ah! Com licença um pouquinho com o freguês que eu vou ajudar ali, dar uma ajuda para o motorista’ e assim vai levando, um ir ajudando o outro (...) Pelas pessoas, pelos fregueses que temos mais intimidade, que vem aqui, vai sentir muito, não só de [nós] estarmos aqui favorecendo eles na alimentação, mais perto deles, de vim comprar da gente, como da relação de amizade”. 86

85 A trabalhadora preferiu não dizer o sobrenome. 86 Juciane, entrevista concedida à autora em abril de 2006.

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Nesse espaço em que os trabalhadores exercem o direito ao trabalho, é possível observar o estabelecimento de diversos e diferentes laços, como os de amizade e solidariedade. Os ambulantes tornam-se, em alguns casos, o apoio na hora difícil do desespero e cansaço de muitas pessoas, caracterizando um território não simplesmente de circulação e comercialização de mercadorias ilícitas, mas o local do trabalho, do relacionamento entre diferentes pessoas, da criação de modos de se viver, pensar e agir. Juciane nunca trabalhou com carteira assinada sempre exerceu serviços temporários em padarias, lanchonetes, restaurantes, pesqueiro, pizzaria, entre outros, afirmando que, sempre vencidos os prazos de experiência nos serviços, era dispensada e desempregada. Há muitos anos trabalha como pode, com uma dupla e extensa jornada de trabalho, que começa às três horas da manhã e vai até às onze e meia da noite, ajudando o marido na fritura e encaixotamento de salgados vendidos para os comerciantes do entorno do HB e de outros lugares. Vivendo o trabalho sob condições precárias, Juciane pondera sobre os possíveis transtornos e dificuldades que os ambulantes daquele local poderão enfrentar ao serem transferidos para o shopping popular, mesmo que este fique no quarteirão ao lado do hospital. Sensível para as limitações das pessoas, como mesmo diz, “muito simples”, Juciane observa a imponência do lugar que poderá intimidar aqueles que não estão acostumados a freqüentá-lo. Mesmo com essas constatações, para a trabalhadora, a conquista do shopping é algo que trará melhores condições de trabalho, principalmente, quanto ao que a mais incomoda, ou seja, a precariedade sanitária em que os ambulantes trabalham. No dizer de Juciane: “São muitas dificuldades, a que mais chama atenção, tanto pra mim como pra freguesia é a falta de higiene, as condições aqui muito precária, muito, o ambiente num tem como pegar uma água, banheiro tanto pra nós, para os funcionários, para todo o mundo é muito precário, apesar de estar saindo o novo [shopping popular] lá (...) Devido aqui está uma calamidade, num tem condições, trânsito precário, então prometeram [a prefeitura] um espaço, mas faz muito tempo, construir, anteriores [prefeitos] prometeram mais num saiu nada, esse [prefeito Edinho Araújo] prometeu demorou um pouco, num sei! Condições, né? Verba. Mas já está pronto, em abril, creio 233

que nós estaremos tudo lá (...) Ontem foi o último dia de cursos deles [dos ambulantes que conseguiram a vaga para trabalhar no shopping popular] que está tendo curso de empresa, mini-empresa, como administrar, relacionamento entre os amigos de serviços (...) foi feito no SEBRAE (...). O representante nosso aqui disse que era obrigado [fazer os cursos de capacitação e profissionalização] se não ia ser excluído do espaço de lá, foi específico pra cá, mas teve muitos [ambulantes] inscritos pra ficar, tipo, suplente, no caso se alguém desistir ou num quiser põe o próximo que foi inscrito que fez lá o cadastro”. 87

O projeto da prefeitura de Rio Preto na regularização do comércio ambulante prevê e realiza a orientação e capacitação profissional dos ambulantes com vagas limitadas no shopping popular, oferecendo cursos, como, por exemplo, de marketing, gerenciamento dos custos e despesas, atendimento ao público, saúde e higiene, visando à perfeita adaptação do comerciante no novo ambiente de trabalho, regularizado, fiscalizado, supostamente dando condições para que o trabalhador cumpra todas as normas e leis tributárias. É importante observar alguns impactos desses cursos e orientações: determinados trabalhadores incorporando os princípios do empreendedorismo, se sentem estimulados, com auto-estima, ao perceberem a valorização de seu trabalho: “(...) Eu acho que nós vamos ter um futuro muito bom, eu acho que vai mudar nossa imagem, mais respeito pela sociedade” 88. A trabalhadora migrante Luzia de Fátima Batista, 38 anos, solteira, natural de Itajá, no estado de Goiás, estabelecida em Rio Preto há oito anos, ficou empregada por um tempo em um frigorífico da cidade e, ao ficar desempregada, passou a circular vendendo mercadorias na rua por um tempo até se fixar no entorno do HB, onde há oito anos vende balas, chicletes, pirulitos, doces. Para Luzia, a provisão da prefeitura reanimou as esperanças na projeção de um futuro melhor. Luzia diz: “(...) Curso de capacitação que o SEBRAE está dando pra nós é junto com a prefeitura. É fizemos manipulação de alimentos, aprender, aprendendo. A prefeitura está investindo muito em nós 87 Idem. 88 Luzia de Fátima Batista, entrevista concedida à autora em abril de 2006.

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aqui, cada curso se nós fôssemos pagar para fazer seria 100 reais por pessoa, a prefeitura está dando sem custo algum, ainda dá todo o material que a gente gasta no curso é tudo de graça, muito bom esses cursos, muita gente já mudou a vida através desses cursos (...) Eu mesmo, na minha área, quando eu comecei, eu num sabia de propaganda, de marketing, de nada, então eu vendia bem pouquinho aqui, agora, eu pus a faixa, agora não!(...) Pus a faixa aí desde esse tempo pra cá eu nunca mais parei de vender, toda a vida vendendo graças a Deus, foi através do curso que eu aprendi ‘a propaganda é alma do negócio’ e nós ainda vamos ter dois cursos, antes de entrar pra lá [shopping popular], vamos entrar bem preparado, um [curso] vai ser de, o próximo curso vai ser ‘juntos seremos fortes’, se nós formamos uma cooperativa ou uma ou cooperativa ou associação (...) ainda vai montar, né? Mais nós temos a nossa associação de vendedores que chama ARVA e a secretária da ARVA está aqui conosco. [Luzia falando sobre as melhorias diz que] Vai adquirir firma microempresa, talvez quem tiver poder registrar o funcionário, vai ser muito bem organizado a coisa, num vai ficar a deus dará as coisas não!Todo mundo vai pegar auto-estima, valor de vida bem melhor, eu acho que ele [prefeito] está fazendo uma coisa 100 % pra nós”. 89

Mesmo ainda contingente, na prática dessas orientações, é possível perceber, na forma como alguns se expressam e divulgam suas mercadorias e serviços para o público, a satisfação, a expectativa e a confiança de um futuro diferente, em que apontam para o sentimento de dignidade e respeito da sociedade. Com a conclusão do novo espaço de trabalho, as expectativas dos trabalhadores são muitas e procuram desenvolver o que aprenderam nos cursos de capacitação. Cansados das limitações e restrições impostas pelas condições insuficientes e insalubres de trabalho e na tentativa de verem seus negócios prosperarem, expressam o sentimento de que, agora, estão aptos a ingressar no universo do comércio formal, procurando investir e aprimorar os mecanismos de concorrência, conquistando seu espaço e respeito como comerciantes legalizados, inclusive, com abertura de firma. Diferentemente dos trabalhadores da praça Dom José Marcondes que ainda não vêem a concretude das melhorias nas condições de trabalho e ansiosos lutam pelas mesmas conquistas. 89 Idem.

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Nesse campo ambíguo de expectativas de mudanças na vida com a nova realidade, outros trabalhadores do shopping popular ainda estão apreensivos e sobre esta questão, analisando o processo vivido, a vendedora Juciane pondera outros aspectos da realidade ao narrar sobre as perspectivas de alguns trabalhadores com quem se relaciona:

“As condições de trabalho vão melhorar eu creio que sim, mas agora dependendo sair daqui da porta, né? (...) aqui está bem próximo [dos consumidores], o povo sai daqui e come, fica atento, mas agora lá [no shopping popular], apesar de que lá só vai ter lá pra comer, sentiu fome vai ter que ir lá, não sei como que vai ser o movimento, espero melhora, né? Uns estão muito confiantes, agora outros não, porque aqui você num paga aluguel, a única coisa que você paga aqui é energia, tem que pagar pra pôr o poste que nem nós pegamos, que nem nós pagamos ali da vizinha e nós pagamos um tanto pra ela, agora aqui você num tem gasto de água, de imposto, de faxineira, de nada e lá vai ter tipo, eu creio que tipo de um condomínio, manutenção, faxineira, arrumar material de limpeza, a água, o gás que é encanado, né? Energia, então, vai ter gastos”. 90

Desta maneira, é possível perceber que parte dos trabalhadores ainda se preocupa com as novas direções do comércio que é a única fonte de renda e sustento que possuem; têm receio de que a venda caia, ainda na dúvida sobre como será a adaptação deles próprios, dos consumidores e da relação com a prefeitura diante dos novos gastos e despesas advindas agora da condição de pequenos comerciantes estabelecidos no bolsão de comércio. Algumas hesitações pairam sobre os ambulantes e a população consumidora, o que para o secretário da prefeitura Márcio Sansão, em certos casos, será uma “mudança de cultura” 91 dos ambulantes. Mudança esta que, nas palavras de Sansão, a prefeitura se mostra também atenta, por isso realizou um Programa de Educação com workshop, trabalhando o grupo de ambulantes a serem transferidos. De acordo com o secretário, o programa visou facilitar a adaptação dos vendedores ambulantes. Com relação à atração dos consumidores para o uso do shopping popular, que é uma 90 Juciane, abril de 2006. 91 Márcio Sansão, entrevista 24/04/06.

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preocupação da trabalhadora Juciane, o secretário afirma que serão implementadas medidas que chamem a atenção dos consumidores para o novo local, como, por exemplo, a realização do serviço de distribuição de senha do Hospital de Base no atendimento ao ambulatório, isto é, nos primeiros seis meses de funcionamento do shopping popular, cem por cento das senhas de atendimento do ambulatório serão distribuídas dentro do shopping em dois boxes reservados para o HB, na tentativa de estimular a circulação de pessoas e manutenção das vendas dos ambulantes, e para que o investimento da prefeitura na obra dê o retorno financeiro, com os ambulantes pagando em dia pela estrutura do lugar. Apesar dessas considerações do secretário, o que se observa é que tem sido pouco divulgado para a sociedade em geral a efetivação desse primeiro bolsão de comércio, que, grosso modo, permanece ainda voltado e restrito para os atuais consumidores. Nessa nova conjuntura outras pessoas que, até então, não se deslocavam para esse comércio, agora têm a possibilidade de assim o fazer; aquele ambiente do trabalho dos ambulantes hoje se apresenta sob outras formas e estruturas toleráveis por parte da sociedade que de imediato o repugnava pelas condições precárias em que se exercia. No contato com os trabalhadores ambulantes do entorno do HB, foi possível observar uma grande diferença no ânimo entre eles e os trabalhadores ambulantes da praça Dom José Marcondes. Na real possibilidade de melhorias no modo de trabalho e de vida, os trabalhadores das imediações do HB, mesmo com dúvidas, estão confiantes e com outras preocupações e perspectivas, compreendendo e discutindo as ações da prefeitura como uma reivindicação, uma conquista e esforço dos próprios trabalhadores, que há alguns anos lutam pelo direito ao trabalho do ambulante na cidade de Rio Preto, através de sua Associação e representatividade. Trabalho este que vários governos procuram conter com tentativas de retirada dos ambulantes, por exemplo, da praça sem definir concretamente, após as eleições, o espaço adequado para eles. Há anos os trabalhadores lutam para ter um local destinado ao seu comércio e não se negam a pagar por isso; 237

cobram dos políticos eleitos o que eles assumiram como compromisso com os trabalhadores, questionam as leis de fiscalização tributária que beneficiam uns e punem outros com dois pesos e duas medidas. No diálogo que compõem as narrativas, alguns trabalhadores apontam a problemática da sonegação de impostos no comércio formal pelo país, do comércio com notas frias e que na disputa da correlação de forças políticas o Estado não pune com eficácia grandes nomes da máfia contra o sistema de arrecadação fiscal, voltando-se contra os pequenos vendedores ambulantes que diante do desemprego e miserabilidade procuram inúmeros meios de sobrevivência; uns entram para o mundo do narcotráfico, assaltos, prostituição, seqüestros, assassinatos, outros procuram o comércio informal em suas mais diversas manifestações, que nem sempre está vinculado diretamente ou sustenta o crime organizado do contrabando de armas, drogas no país, entre outros. Diante do desemprego que reproduz o ciclo de pobreza, a saída para José Diógenes é o trabalho como narra: “(...) Também o índice do desemprego é grande no Brasil inteiro e o nosso lugar é aqui é a praça (...) Não! fala [a imprensa e poder público] que a gente vende mercadoria contrabandeada, o que num é verdade, entendeu? Pra eles [autoridades do Poder Público] exigirem que a gente pare de trabalhar com essa mercadoria, primeiro eles têm que fechar as centrais tipo o Paraguai, que é a central mesmo do contrabando, vai lá e fecha o Paraguai, fecha o Brás, fecha a 25 de Março, aí sim, como que nós vamos comprar?Então eles têm que ver lá em cima pra ver aqui em baixo primeiro, entendeu? É o meu raciocínio é o que eu penso (...) Entra ano sai ano, entra um prefeito sai, entra outro sai é sempre com a promessa de mais emprego, mas na verdade isso nunca existiu (...) Eu sempre vi com dificuldade é eu nunca fui registrado, por isso eu nunca tive chance, oportunidade de ter um emprego”. 92

Sob esta perspectiva crítica de entender a realidade do emprego, do trabalho, das dificuldades e desigualdades que sofre a classe trabalhadora no país, vendedores ambulantes de Rio Preto, como José Diógenes dos Santos, trazem suas interpretações sobre a realidade desta cidade. 92 José Diógenes dos Santos, 28/03/06.

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Uma realidade ambígua, complexa e tensa. Ao mesmo tempo, a realidade para os trabalhadores do shopping popular é constituída por muitas expectativas, como disse, por exemplo, Luzia de Fátima Batista sobre a abertura de uma microempresa ou junto a outros uma cooperativa, uma associação, visando ampliar os empreendimentos, estabelecendo-se como comerciantes. Sonhos e desejos estes que podem ser aflorados ao verem os resultados da luta que exercem no cotidiano, ao tempo em que a prefeitura, procura frear o comércio informal enquadrando todos em normas fiscalizadoras. Para o secretário Márcio Sansão, as polêmicas geradas junto aos trabalhadores da praça Dom José Marcondes são frutos de equivocadas interpretações deles sobre os objetivos da prefeitura e, ao narrar sobre isto, o secretário afirma: “O que a prefeitura está exigindo deles [de todos os ambulantes cadastrados na Secretária de Finanças] colocando no corpo da lei, para que se possa um dia para que a prefeitura também num seja acusada de omissão, né? O que está exigindo deles num é abertura de firma nada disso, só um cadastro na prefeitura como autônomo e que eles tenham no poder, junto com eles, a nota fiscal de origem dessa mercadoria, quer dizer, num vai ser em nome da empresa deles? Não! Porque eles num têm empresa, mas vai ser em nome da pessoa física, vai ser uma nota de consumidor, alguma coisa. Eles alegam que eles, às vezes, num tem isso, percebe que num é (...) a prefeitura num pode falar; ‘Não! Você pode comercializar’, porque num é problema da prefeitura é um problema do Estado, da fiscalização estadual, da fiscalização federal, então, a prefeitura não quer se omitir. Então no corpo da lei está que as mercadorias devem, a atividade de ambulante, deve ser uma atividade lícita e não uma atividade ilícita”. 93

Esta narrativa pode indicar frustrações para as expectativas de alguns trabalhadores, como Luzia de Fátima Batista, quanto à possibilidade de abertura de firma, de uma microempresa, na realidade o que se percebe é que os trabalhadores serão reconhecidos legalmente, como autônomos, sem a exigência de firma. As novas possibilidades criam novas perspectivas e estimulam os comerciantes a avançarem em sua organização social e política ampliando as 93 Secretário Márcio Sansão, 24/04/06.

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reivindicações. Para outros trabalhadores, como José Diógenes dos Santos estabelecidos na praça do Dom José Marcondes, as afirmações do secretário podem suscitar um certo alívio sobre a exigência de abertura de firma e maiores esclarecimentos quanto às iniciativas do Poder Público Municipal de Rio Preto na regularização das atividades comerciais dos ambulantes, o que não significa o consenso em torno das questões apontadas por José Diógenes dos Santos. O desacordo evidencia-se, principalmente, quando José Diógenes sugere que o controle para a eliminação do comércio informal deveria ser eficaz em todos os municípios, fundamentalmente, em grandes centros, como São Paulo, onde o jogo de interesses e as forças políticas representam o poder de negociação de grandes comerciantes que conseguem manter a venda de mercadorias mesmo com as irregularidades. Estimulando e perpetuando o comércio em outras regiões do país em que os trabalhadores vêem como possibilidade de sobrevivência, a informalidade. Percebe-se, nesse processo, a falta do diálogo entre um grupo de trabalhadores (da praça) e seus representantes políticos, bem como é notável a existência do diálogo em outro grupo de trabalhadores (do entorno do HB) que, inclusive, reconhece o esforço do atual governo municipal em encaminhar as reivindicações dos trabalhadores. Nessa ambigüidade, observa-se que a prefeitura no argumento da lei se mune, se respalda contra as irregularidades dos ambulantes, principalmente, quanto às origens ilícitas das mercadorias que vendem; os ambulantes no argumento da sobrevivência lutam pelo trabalho, indo contra as leis que não os protegem. Em uma situação complexa, algumas questões necessitam ser ponderadas para se tentar descortinar as relações ambíguas e tensas do processo. As narrativas apontam para algumas concepções em torno das tendências políticas em disputa em Rio Preto. Como narra o secretário: “O que eu observo que aqui em baixo [na praça], houve uma politização muito grande desse caso, né? (...) houve o envolvimento de políticos, principalmente, de vereadores na defesa da causa dos ambulantes aqui, isso criou desde lá atrás um vínculo dos ambulantes com o poder legislativo, principalmente, com alguns vereadores que na época frente a algumas ações da administração pública, algumas ações de retirada, de contenção do crescimento, 240

houve um posicionamento de alguns vereadores a favor ou como proteção é dos ambulantes aqui na praça, então, isso criou uma politização, um vínculo, vamos dizer assim grande, os ambulantes foram plataforma de alguns vereadores, então, com isso passouse (...) mais de um governo (...) o que não houve com o HB (...) o comércio aqui [na praça] tem ligações com atacadistas de contrabando, tem ligações com atacadistas de outros grandes centros, ou seja, é uma outra via, são pontos de comércio que os grandes atacadistas precisam ter para desovar a sua, o seu estoque. Então, o nascimento é diferente é a motivação do comércio aqui é outra e houve esse vínculo político, então, tudo isso faz com que aqui seja sempre mais nervoso (...) Nós estamos fazendo a transferência lá [shopping popular HB] na maior paz, fizemos sexta-feira um workshop com eles e um churrasco em seguida, foi maior tranqüilo, tranquilinho (...) Aqui [praça] no próprio processo de discussão da lei, você percebe bem (...) no começo que eles, os representantes deles, eles já vinham, né? (....) Alguns vereadores tiveram como plataforma política a classe, num é? Então, isso levou a um vínculo político partidário certo? (...) E desse vínculo (...) surgem movimentações (...) políticas que tem um fundo partidário, ok?(...)Eu acho que agora que estamos prestes a apresentar uma construção que ficou boa, de um prédio que ficou lindo, maravilhoso (...) e outra eles [os ambulantes da praça] não estão conseguindo, esse movimento não conseguiu ingerência lá [no entorno do HB], está havendo um certo ciúme eu diria, ‘Pô! Porque lá, lá cuidaram’, agora precisa enxergar até isso. Porque lá saiu rápido? Porque lá [shopping popular] num houve essa interferência, lá o diálogo foi muito é aberto, muito franco, muito fácil, aqui não! aqui [com os trabalhadores da praça] o diálogo é difícil, porque as pessoas já vêm não só com uma, não só defender a sua categoria, o seu trabalho, mas vêm defendendo uma posição política partidária também, que contamina (...) Radicaliza tudo, ‘ah! Um quer isso, ah! Isso não é possível negociar’, agora se você está entre dois negociadores autônomos, que não tem vínculo político partidário nenhum, você vai negociando até chegar num bom termo, num é isso? Quando você tem uma vinculação político partidária, antes de negociar você enrijece, né? Você finca o pé e vai buscar apoio político pra te ajudar nessa guerra ou nessa reivindicação, por essa busca desse objetivo, isso radicaliza, isso demora mais tempo, porque implica você buscar apoio implica esse apoio nunca é direto é indireto, aí tem [uma] série, um jogo político 241

que acontece, não é simplesmente uma negociação, entra em cena o jogo político que lá num houve isso”. 94

Para o secretário, o problema e os impasses gerados com relação aos ambulantes da praça e, por outro lado, o avanço e o diálogo flexível com os trabalhadores do shopping popular devem-se ao modo como foram conduzidas, pelos próprios trabalhadores, suas reivindicações. Em uma narrativa que confirma as interpretações do ambulante José Diógenes dos Santos sobre como são reconhecidos pelo poder público, ou seja, como sustentáculo de grandes atacadistas contrabandistas, exercendo um trabalho ilícito, o secretário aponta para a interpretação dos trabalhadores serem, de certa maneira, manipulados por interesses outros de determinados partidos políticos que, na disputa pelo poder público administrativo municipal, aderiram a causa dos ambulantes. É possível observar que alguns vereadores, como, por exemplo, os do PT, ou mesmo vereadores da situação, aparecem como mediadores dos interesses dos ambulantes nos debates da Câmara Municipal. Sob a perspectiva apontada, retira-se dos trabalhadores ambulantes da praça a autonomia e a capacidade de discernimento político deles, retira o exercício de suas concepções sobre a representatividade política, ao organizaremse socialmente, mediados por adesão ou não a determinadas tendências políticas. Isto desautoriza e deslegitima os sentidos da luta cotidiana destes trabalhadores. Assim, restringi-se o processo político construído pelos ambulantes a uma noção de política limitada às questões de partido e aos parâmetros da disputa partidária, ou seja, a política institucionalizada posta de cima para baixo. Dessa forma, não se abre a possibilidade de refletir política como manifestação e organização dos trabalhadores a partir dos seus interesses, que no processo podem assumir muitas expressões, como, por exemplo, o diálogo com o partido político que na concepção dos ambulantes pode fortalecê-los na luta. É necessário pensar e valorizar política tendo como ponto de referência várias dimensões. Ainda com relação à construção de bolsões de comércio visando o reordenamento e organização urbanísticos, a 94 Idem.

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prefeitura de Rio Preto tem como proposta a transferência dos vendedores ambulantes localizados no entorno da Represa Municipal. O local é um dos maiores pontos turísticos da cidade, onde muitas pessoas passeiam com amigos, famílias, praticam esportes e dividem os espaços das calçadas com muitos traillers e carrinhos de trabalhadores vendendo alimentos, bebidas, fazendo parte da paisagem da represa. De acordo com o secretário Márcio Sansão, a proposta é construir perto do hospital em frente da represa um espaço que possa concentrar os ambulantes retirando-os das calçadas. Todos os trabalhadores deste local estão cadastrados e com permissão para ali se estabelecerem desde que respeitem as normas do cadastro, como exemplo, as condições sanitárias. De acordo com o vendedor Joves Pessoa, 72 anos, natural de Olímpia, estado de São Paulo, há 16 anos em Rio Preto e hoje vende sorvete americano e algodão doce, o prefeito exigiu documentação regularizada dos produtos vendidos e todos os vendedores trabalham dentro das normas da prefeitura. Para Joves, algumas melhorias foram feitas no entorno da represa na gestão do atual prefeito melhorando o ambiente de trabalho, como, a iluminação e ampliação das calçadas; as orientações e exigências sanitárias da prefeitura também contribuíram para melhorar as vendas e imagem dos vendedores perante os consumidores. Com relação à retirada dos ambulantes do entorno da represa Joves Pessoa expressa-se indignado e reivindicando o direito de permanecer ali onde também é um espaço de consolidação de amizades, solidariedade, de clientela, da cultura do trabalho. Assim, Joves Pessoa narra sua interpretação sobre a proposta feita por vereadores na implementação do bolsão de comércio: “(...) Porque nós somos profissionais nisso aí, eles são atrasados nisso aí (...) vereadores, porque você presta atenção, eles [os consumidores] vêm caminhar aqui, nós estamos, eu peguei aqui, por quê? Para eu sobreviver, né? Para eu ganhar dinheiro, se for para eu ficar sofrendo, vou meia noite embora, chuva, frio, fico até doente, para eu poder sobreviver e eles me joga lá, isso está certo? Se eu peguei aqui eu sou profissional, eu tenho 30 anos disso aí e aprendi, agora eles, eles nem sabe como que se trata isso, viu? Não! 243

fazer lá perto do hospital (...) você acha que está certo? Eu num aceito, se não tiver uma justiça, mas, quer dizer, que eles só falaram (...) está quietinho (...) Tem que se unir [os ambulantes da represa], entendeu? Mas nós somos unidos (...) Nós fazemos uma reunião aí, senta aí em algum lugar todo mundo combina e conversa, dez! Num pode com dez, pode? (...)”. 95

A idéia de transferência dos ambulantes da represa municipal não agrada parte dos vendedores acostumados a trabalhar naquelas imediações, sentem que as autoridades do poder público municipal não consideram a experiência de vida e de trabalho ao propor retirá-los daquele local. Assim, Joves Pessoa expressa sua resistência e aponta para a falta de sensibilidade do poder público para ouvir as necessidades e demandas dos trabalhadores. A pergunta que fica para eles é: por que tirá-los dali para transferi-los a poucos metros, distanciando-os, de certa maneira, dos fregueses já estabelecidos, os quais durante as caminhadas ou no seu término são atraídos para o consumo de produtos à vista de todos, garantindo a sobrevivência dos trabalhadores? Os receios na queda das vendas destes trabalhadores assemelham-se aos de alguns trabalhadores do shopping popular e ficam tensos, agitados com a possibilidade de mexer naquilo que está dando certo para eles e que fazem dentro das exigências do poder público municipal, de leis anteriores as do projeto de lei atual que, de acordo com o secretário Márcio Sansão, eram pontuais e agora, com o projeto de lei, podem-se retirar antigas criandose novas e gerais. As dificuldades encontradas pelos trabalhadores vendedores ambulantes são muitas e diversas, cada trabalhador sente as conseqüências do que fazem, sem estrutura adequada, transportando suas mercadorias diariamente, todos os dias dispondo as mercadorias sejam sobre as barracas ou carrinhos e traillers de lanches, bebidas, doces, balas. Ao relento, enfrentam as intempéries climáticas: em períodos de chuva se arranjam como podem para não danificar as mercadorias ou se preocupam com a queda nas vendas; em dias de sol e de calor intenso, sofrem debaixo das lonas das barracas. Muitos trabalhadores ambulantes negociam com comerciantes e amigos perto do local de trabalho para guardar as mercadorias 95 Joves Pessoa, entrevista concedida à autora em 13/04/06.

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para não terem que levá-las todos os dias para a casa, o que gera muitos transtornos, gastos e perda de tempo, como é o caso da vendedora Luzia de Fátima Batista que deixa suas balas e doces encaixotados e guardados no estabelecimento comercial do amigo ao lado. No caso dos ambulantes da praça, eles se organizaram e na negociação com a prefeitura na exigência da padronização de suas barracas, conseguiram que elas pudessem ser construídas fixas na praça sob medida padrão. Assim não precisam todos os dias desmontá-las e, para a segurança das mercadorias que ficam dentro das barracas de um dia para o outro, eles pagam atualmente seguranças para vigiarem-nas; antes pagavam para colocar as mercadorias em um estacionamento privado ao lado. Além de todos esses esquemas de segurança e proteção dos equipamentos de trabalho e das mercadorias a que os trabalhadores ambulantes se sujeitam, muitos sofrem com a insalubridade do local onde trabalham, como é o caso do vendedor de lanches Paulo Aparecido da Silva que, em um único lugar, trabalha cinco dias por semana. Chega às sete horas da manhã e sai às dezesseis horas, estabelecido em uma das principais avenidas de circulação no centro da cidade, avenida Andaló esquina com Silva Jardim, cujo trânsito intenso gera poluição sonora, atmosférica e visual, acarretando no trabalhador cansaço, estresse, dores de cabeça e um grave problema, a perda da audição. Paulo A. Silva afirma ter perdido a audição em um dos ouvidos nos anos de trabalho naquele local e, de acordo com os médicos, seu problema é irreversível e nem os aparelhos auditivos adiantam. As diversas dificuldades das condições de trabalho levam Paulo A. Silva, a se queixar das bruscas quedas e elevação das temperaturas no local onde trabalha e de estar, hoje, sofrendo a doença de tendinite. Apesar das situações impostas pelas circunstâncias em que realiza seu trabalho, Paulo ressalta muitas coisas boas do cotidiano, principalmente, o fato de estar sempre conhecendo e conversando com pessoas diferentes, muitas delas se tornam amigas, com as quais compartilha o tempo de trabalho.

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Interessante observar como esse fato é marcante em todos os trabalhadores entrevistados: o espaço do trabalho se faz como o território do “ganha pão”, da convivência, da diversão, das amizades, solidariedade e da luta. Isto pode indicar os motivos de medos e resistência de alguns trabalhadores, como Joves Pessoa, em deixarem os lugares em que hoje se encontram e onde há anos se forjaram os modos de vida, de trabalho. 7.3 - Considerações finais São muitos os elementos que constituem a realidade vivida pelos trabalhadores ambulantes na cidade de Rio Preto. O que se pretendeu neste capítulo não foi abarcar toda a complexidade dessa realidade, mas fazer apontamentos e trazer questões que afloraram no diálogo com os trabalhadores em que se procurou problematizá-las. Buscou-se, sob outros olhares e perspectiva, conhecer, principalmente, por meio do ponto de vista do trabalhador, polêmicas, conquistas, negociações, impasses e expectativas em torno do universo do trabalho que é considerado informal. Trabalho que se revela fonte de vida, de ânimo e de esperança de muitos trabalhadores não só em Rio Preto, mas em todo o país, em um futuro melhor com menos desigualdades socioeconômicas. Trabalho que ganha sentido como próprio modo de vida desses trabalhadores.

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Referências bibliográficas: ARANTES, Antônio A. (2000). Desigualdades e Diferença: cultura, cidadania em tempos de globalização. In: ARANTES, A. A. Paisagens paulistanas, transformações do espaço público. SP: Imprensa Oficial, 2000. CALVO, Célia Rocha (2004). Muitas memórias, outras histórias de uma cidade. In: FENELON, D.R.; MACIEL, Laura A. et all (orgs.). Muitas Memórias, Outras Histórias. São Paulo: Olho d’Água, 2004. MACIEL, Laura A. (2004). Produzindo notícias e Histórias: algumas questões em torno da relação telégrafo e imprensa -1880/1920”. FENELON, D.R; MACIEL, L. A. et al (orgs.). In: Muitas Memórias, Outras Histórias. São Paulo: Olho d’Água, 2004. OLIVEIRA, Jane Souto de (1998) Repensando o Informal em Tempos de Globalização. In: CARVALHO, Fernanda Lopes de. Economia Informal: legalidade, trabalho e cidadania. Brasília: Sebrae, Rio de Janeiro: Ibase, 1998. PORTELLI, Alessandro (1997). O que faz a História oral diferente. In: Revista Projeto História, São Paulo, n.14, fev., 1997. ____________________. (1997). Forma e significado na História Oral. In: Revista Projeto História, São Paulo, n.14, fev., 1997. SILVÉRIO, Leandra Domingues (2006). Assentamento Emiliano Zapata: trajetória de lutas de trabalhadores na construção do MST em Uberlândia e Triângulo Mineiro (1990-2005). Dissertação de Mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em História. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC/SP, 2006.

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8 A Região de São José do Rio Preto: dinamismo, constrangimentos e possíveis estratégias de desenvolvimento. Carlos Antonio Brandão 8.1 - Introdução Este livro pretende contribuir para a discussão da dinâmica regional e urbana da Região Administrativa de São José do Rio Preto, apontando suas potencialidades, limitações e a necessidade premente de se pensar um horizonte de mais longo prazo para a região, armando uma estratégia sustentada de desenvolvimento inclusivo. Procurou-se analisar a herança histórica, o desenvolvimento recente dessa região, sua dinâmica e suas formas de integração na economia paulista, em especial nas duas últimas décadas, segundo diversas dimensões de análise. Organizou-se um conjunto de informações que possibilitasse a análise dos traços mais gerais do processo de desenvolvimento socioeconômico ocorrido na Região no período mais recente. Sabe-se quanto os anos posteriores a 1980 são marcados por diversas especificidades que impactaram fortemente as estruturas sociais e econômicas regionais brasileiras. Verificar quais alterações ocorreram na RA de São José do Rio Preto torna-se o desafio maior desse trabalho. Trazer à tona as “homogeneidades” e heterogeneidades intra-regionais presentes na região foi o resultado deste trabalho coletivo, empreendido segundo distintos olhares dos especialistas que analisaram as questões aqui abordadas. A partir dos diversos prismas de análise, pretende-se aqui discutir alguns elementos para a estruturação de uma estratégia de desenvolvimento para a região.

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8.2 - Relembrando algumas questões específicas da Região A incorporação da frente de expansão do oeste esteve amplamente marcada pelos requerimentos do complexo cafeeiro paulista. À medida que estas vastas porções de terras eram ocupadas, processou-se o nascimento e a emergência de diversos núcleos urbanos, fenômeno que se acelerou após a chegada da estrada de ferro na região. A região de “boca do sertão” passou a “ponta de linha” e fortaleceu-se como grande entreposto mercantil e área de pujante agricultura. A região de Rio Preto inseriu-se nesse processo com o que tinha de mais dinâmico, ou seja, com a agricultura. A sobrevida do café e a presença do algodão foram responsáveis por grande parte do relativo sucesso produtivo e comercial da região nos anos 30, 40 e 50. A partir da segunda metade da década de 50, a economia nacional, e paulista particularmente, passou por profundas transformações, com o início do processo de industrialização pesada e a integração produtiva do mercado nacional. Em semelhança com o período anterior, o hiato temporal persistiu e as diversas regiões do Estado, agora já articuladas, passaram a se integrar de modo mais efetivo ao centro dinâmico da economia estadual e brasileira (a cidade de São Paulo e seu entorno), criando uma clara divisão inter-regional do trabalho. A região, que nos anos anteriores teve na agricultura sua principal fonte de renda, aprofunda seus laços comerciais com o setor primário e desenvolve alguns compartimentos do setor secundário. A região passa a ser produtora, não só de algodão, mas também de produtos têxteis. A pecuária torna-se forte na região que aumenta consideravelmente o processamento in loco dos produtos e subprodutos bovinos, com a expansão dos frigoríficos e curtumes. Aumentam-se também a produção da indústria de alimentos e a indústria metalúrgica, contudo em suas fases mais simples. 250

Em relação às principais atividades econômicas, destacam-se hoje: a pecuária bovina, que ocupa cerca de 60% da área agrícola, as culturas de cana, laranja e milho, e a agroindústria de suco de laranja e borracha. Mais recentemente novas atividades econômicas vêm se fortalecendo, como as indústrias de móveis, confecções, alimentos etc e as terciárias. O núcleo urbano principal, a cidade de São José do Rio Preto, amplia sua centralidade, consolidando-se como prestador de serviços variados e centro comercial de vasta área, com destaque para suas ligações com o Centro-Oeste brasileiro. Desde o início de sua ocupação, o municípiosede estruturou-se como importante pólo de vasta região, intensificando seu ritmo de crescimento a partir dos anos 50. A partir da década de 1970 consolidou funções urbanas terciárias mais complexas e firmou-se como entreposto comercial e centro polarizador de serviços. As relações mercantis estendem-se para o Centro Oeste e Triângulo Mineiro, sobretudo à medida que se converte em entroncamento de rotas importantes para essas regiões. Nas décadas de 1940, de 1950 e na de 1970, Rio Preto foi o centro regional do Oeste que apresentou taxas de crescimento urbano superiores às do estado. Esse elevado aumento confirmou-o como centro regional diferenciado, ampliando o emprego nos setores secundário e terciário (que se beneficiaram com a expansão diversificada de sua agricultura), em contrapartida ao baixo crescimento populacional da RA como um todo. A demografia do município-sede é muito influenciada pelos municípios vizinhos, como Mirassol, distante apenas 11 km de Rio Preto, que se especializou em atividades produtivas complementares. Mirassol é o segundo maior em população (48.233), seguido por José Bonifácio (28.714) e Tanabi (22.577)96, todos com urbanização acima de 80%. Ressalte-se a elevada taxa de crescimento populacional de Bady Bassit (8,16% ao ano), explicada pelo maior número de pessoas que trabalham em Rio Preto, mas residem naquela cidade. 96 Dados extraídos da Fundação Seade, 2006.

251

Nas RGs mais a oeste da RA (Votuporanga, Fernandópolis e Jales), verificam-se significativas perdas populacionais em seus pequenos municípios, fortemente dependentes da estrutura urbana e de serviços dos municípiossede das respectivas RGs, sendo que estes apresentam maior crescimento populacional (Tabela 8.1). A exceção é Jales que cresceu, porém, a uma taxa pequena. Tabela 8.1 - População Urbana e Rural, Taxa de Crescimento Populacional e Taxa de Urbanização da RA São José do Rio Preto – 1970, 1980, 1991, 2000. Área Urbana

Taxa de crescimento anual

População 2000

1991

1980

1970

00/91

91/80

80/70

1.155.899

944.549

669.269

475.494

2,22

3,20

3,51

Rural

141.900

181.781

278.147

409.119

-2,63

-3,86

-3,78

Total

1.297.799

1.126.330

1,56

1,59

0,71

0,89

0,84

Taxa de Urbanização

947.416 0,71

884.613 0,54

Fonte: Censos Demográficos 1970, 1980, 1991, 2000

A taxa média anual de crescimento populacional da RA foi, em1980-1991, de 1,59%, próxima da de 1991-2000 (1,56%), e, portanto, inferior à média estadual (2,13% e 1,78% respectivamente). Já as do município-sede, durante as três últimas décadas, foram acima da média estadual. Entretanto, apesar de ainda altas, elas vêm caindo, enquanto permaneceram estáveis para a RA nas últimas duas décadas; isto decorre do maior crescimento de outros municípios, principalmente as sedes das RGs. O alto crescimento econômico da Região Administrativa nas décadas de 1970 e 1980, na maior parte de suas atividades, elevou a taxa de urbanização, de 0,54 % em 1970, para 0,71% em 1980, 0,84% em 1991, subindo um pouco mais, para 0,89% em 2000. E isto, a despeito de que a taxa média anual de crescimento urbano diminuiu, dos 3,51 % na primeira década, para 3,20% na segunda, caindo mais na última, quando o Censo de 2000 mostrava a taxa de 2,21%. Ainda assim, manteve-as acima das do Estado.

252

Tabela 8.2 - RA SJRP - Taxa de crescimento Anual da População Total. Demais municípios da RA, capital regional, RA e Estado de São Paulo

taxa de crescimento anual 00/91 91/80 80/70

Estado de São Paulo

1,78

2,13

3,49

RA São José do Rio Preto

1,56

1,59

0,71

São José do Rio Preto

2,63

3,78

4,44

Outros municípios da RA

1,18

0,97

-0,02

Fonte: Censos Demográficos 1970, 1980, 1991, 2000

A RA de São José do Rio Preto apresenta-se como a de população relativamente mais envelhecida no estado. Isso pode ser constatado tanto pelo fato de ter a menor participação estadual da população infantil (0 a 14 anos) na população total da RA – 23,5% em 2000 contra 33,5% em 1980 – quanto por apresentar, em 2000, o maior peso de pessoas acima de 65 anos na população total entre as regiões administrativas: 8,1% contra 4,8% em 1980. O resultado é o maior índice de envelhecimento no estado de São Paulo: 34,6 em 2000, muito acima dos 14,3 de 1980 e 21,7 de 1991. Em 1970, o município sede era, na RA, a única cidade de porte médio e abrigava 13,81% da população regional. Já em 2000, as cidades médias (São José do Rio Preto e Catanduva) passaram a deter 35,74% da população total. Na Tabela 8.3 se observa também o forte crescimento dos municípios médios (entre 50 e 100 mil habitantes) durante a década de 70, que dobraram sua participação na população total da Região Administrativa, de 6,58% para 13,17%. Em contrapartida, os de até 50 mil habitantes que abrigavam 79,61% da população em 1970, caem para 53,71% em 2000. Dos 96 municípios da região, 73 ainda tinham menos de 10 mil habitantes, com estruturas socioeconômicas caracterizadas como basicamente rurais.

253

254

6

2

1

1

96

Entre 20 e 50 mil

Entre 50 e 100 mil

Entre 100 e 250 mil

Entre 250 e 500 mil

Total RA S. J. R. P.

100

1,0

1,04

2,08

6,25

89,58

1.299.589

358.523

105.847

100

27,6

8,14

137.288 10,56

204.758 15,76

493.173 37,95

81

1

-

3

6

71

Total

100

1,2

-

3,70

7,41

87,65

%

%

1.130.282

283.761

-

100

25,1

-

215.627 19,08

186.799 16,53

444.095 39,29

Total

População

Ano 1991 Nº de municípios

Fonte: Censos Demográficos 1970, 1980, 1991, 2000

86

Até 20 mil

Ano 2000 Classe de tamanho Nº de População dos municípios municípios Total % Total %

81

-

1

2

7

71

Total

100

-

1,23

2,47

8,64

87,65

%

Nº de municípios

949.893

-

188.599

125.144

204.354

431.796

Total

100

-

19,85

13,17

21,51

45,46

%

População

Ano 1980

81

-

1

1

7

72

Total

100

-

1,23

1,23

-

88,89

%

884.613

-

122.134

58.251

201.781

502.447

Total

100

-

13,81

6,58

22,81

56,80

%

População

Ano 1970 Nº de municípios

Tabela 8.3 - População total e participação relativa por tamanho de município na RA São José do Rio Preto – 1970, 1980, 1991, 2000.

Conforme indica a Tabela 8.4, a RA apresenta saldo migratório positivo no período de 1995 a 2000, sendo que a principal região de origem dos imigrantes é a RMSP, seguida de Campinas e Araçatuba. O saldo líquido migratório positivo respondeu por 17% do crescimento populacional em 19912000.

Tabela 8.4 RA SJRP - Migração Intra-estadual - 1995-2000. Região Administrativa

Entradas

Saídas

Saldo

Araçatuba

7.992

3.962

4.030

Barretos

4.907

2.881

2.026

Bauru

1.994

1.792

202

Campinas

9.336

8.329

1.007

Central

2.966

2.848

118

Franca

768

445

323

Marília

1.110

901

209

Presidente Prudente

1.761

1.154

607

136

57

79

Ribeirão Preto

2.308

2.287

21

RMSP

29.056

8.390

20.666

Registro

São José dos Campos Santos Sorocaba Total

849

673

176

1.076

915

161

648

1.105

-457

64.907

35.739

29.168

Fonte: IBGE - Tabulações Especiais NEPO

A dinâmica demográfica está determinada por vários aspectos históricos e estruturais que foram discutidos ao longo deste livro. Um processo de urbanização também peculiar se desenrolou nesta porção do território paulista. Algumas características de área de fronteira concorreram para seu estilo específico de desenvolvimento. O próprio distanciamento da capital colocou tanto limitações quanto oportunidades à sua dinâmica (a não-proximidade com grandes centros concede geralmente proteção frente à concorrência extra-regional, garantindo certo mercado regional cativo, pelo menos durante algum tempo). A estrutura produtiva diversificou-se, com a conseqüente diferenciação e complexificação social. A região foi favorecida por vários investimentos públicos a partir da década de 70 que impactaram sua 255

urbanização. Destaque para o Programa Cidades Médias do II PND e para o Proálcool, a partir de 1974, que estimularam o fortalecimento da indústria, da agricultura e da infra-estrutura no interior do estado. Além da agroindústria e da pecuária, a região consolidou-se como importante centro comercial e de prestação de serviços especializados, além de privilegiado suporte de infra-estrutura logística multimodal, estendendo sua polarização e área de influência, principalmente na oferta de serviços e comércio, para o sul de Mato Grosso e Goiás, também, obviamente, para o oeste paulista. A logística avançada, que faz com que a região enquanto fronteira, entroncamento e ponto de passagem de fluxo de pessoas, mercadorias e capitais, avance em sua riqueza, também tem atraído atividades ilícitas e aumentado a violência urbana. As crises econômica, social e institucional pelas quais vêm passando a sociedades nacional e paulista desde os anos 1980 são sentidas, mesmo que de modo diferenciado, por todas as regiões do país, arrefecendo o ímpeto da atividade econômica nacional. Na década de 1990, inicia-se um novo regime macroeconômico, caracterizado pela abertura comercial e financeira, e afirmam-se novos constrangimentos para as regiões, como o acirramento da competição entre municípios na busca de atrair novos investimentos e o engessamento dos gastos públicos com a promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Assim, um ponto importante do trabalho foi ter presente os acontecimentos dos anos 1990 e início da atual década como pano de fundo da trajetória específica da RA de São José do Rio Preto no contexto da dinâmica e da integração regional brasileira e paulista. Foram apresentados os traços distintivos da região, abordados em breve recuperação histórica, resgatando-se o processo de formação da região e de sua principal cidade, no contexto da expansão do capitalismo paulista. Foram tratadas as alterações, ocorridas nas duas últimas décadas, tendo como base a estrutura produtiva e suas relações intersetoriais, discutindo mais detalhadamente o papel das 256

atividades agrícolas e indústriais, sob a ótica da categoriasíntese dos estudos regionais, isto é, a divisão inter e intraregional do trabalho. Discutiram-se também os rebatimentos urbanos do desenvolvimento econômico regional na cidade-sede, buscando identificar a evolução físico-territorial e de ocupação e uso do solo. Também foram destacadas algumas respostas estratégicas que a capital regional estruturou frente àquela conjuntura crítica, proporcionando-lhe traços de uma dinâmica específica, tais como as políticas de desenvolvimento local, com base nos minidistritos industriais. A capacidade de atendimento por parte do poder público, a dinâmica do mercado de trabalho regional, e a informalidade são ainda outros temas tratados aqui. O objetivo deste trabalho foi organizar um conjunto de informações que pudesse auxiliar no desenho e na análise dos traços mais gerais do processo de desenvolvimento econômico ocorrido na Região de São José do Rio Preto no período mais recente, mas esperando-se não apenas contribuir para o avanço do diagnóstico das principais questões regionais, mas também avançar algumas proposições a serem melhor discutidas pela sociedade local. Assim, é preciso partir de uma visão que respeite as nítidas diversidades presentes internamente à região, tratandoas como trunfo e não problemas, avaliando que há vantagens de se dispor desta variedade de dinâmicas em uma dada porção territorial. O fundamental é discutir como acionar e mobilizar esta diversidade para uma estratégia articulada de desenvolvimento regional. Por exemplo, existem nítidas diferenciações intraregionais entre as Regiões de Governo estudadas. Jales e Fernandópolis apresentam-se industrialmente menos desenvolvidas e com os serviços mais ligados às atividades agropecuárias. Em Jales, existe a predominância de pequenas propriedades e da fruticultura como atividade de destaque. Em Fernandópolis, a atividade pecuária, em propriedades mais extensas, apresenta maior relevância. 257

Na RG de Votuporanga, a agropecuária é a atividade principal, contudo o setor moveleiro lhe confere destaque especial. A cidade de Votuporanga apresenta ainda uma gama importante de serviços ofertados para sua sub-região, demonstrando crescimento de suas funções urbanas. As Regiões de Governo de Catanduva e de São José do Rio Preto são as mais industrializadas e concentram grande parte da população regional. As funções urbanas, ditadas pelo setor terciário (comércio e serviços) das duas cidades-sede apresentam maior complexidade, sendo referência para os demais municípios da RA. São José do Rio Preto é o grande pólo regional. Desde o processo de ocupação da região, o município tornou-se o principal núcleo urbano. A partir dos anos 50, apresentou intenso ritmo de crescimento e, em 1970, a funções urbanas já eram as que mais empregavam. As relações comerciais passam a transbordar os limites geográficos de sua região e a cidade passou a oferecer produtos e serviços para áreas mais distantes como Mato Grosso do Sul e Triângulo Mineiro, sobretudo à medida que ia se infra-estruturando como entroncamento de rotas e entreposto mercantil. A RA de São José do Rio Preto é nacionalmente conhecida pelos bons indicadores sociais que apresenta, em especial, os bons níveis educacionais e a alta expectativa de vida e é na cidade-sede que esses números apresentam melhor desempenho, ganhando destaque ainda os serviços médicohospitalares. Não obstante, o município confronta-se com dificuldades típicas dos grandes e médios centros do país: saneamento ambiental, aumento da criminalidade e déficit de moradias populares. Com a LRF, a capacidade de gastos públicos estreitou-se. Os desafios econômicos da região são os de persistir na diversificação produtiva, melhorar ainda mais a logística e não reconcentrar ainda mais os frutos do progresso de sua vasta região apenas em seu principal centro regional. Os desafios sociais dizem respeito a distribuir de forma mais equânime e justa o produto gerado pelo progresso material, isto é, crescimento com desenvolvimento. Apenas uma estratégia de 258

desenvolvimento, amplamente legitimada por sua população poderá fazer frente aos desafios colocados para a região. 8.3 - A Necessidade de uma ação concertada regionalmente e da articulação de um pacto territorial rio-pretense Os estudos regionais, se querem informar a ação, devem enfrentar o desafio de discriminar e hierarquizar os fatores endógenos e exógenos determinantes, condicionantes ou coadjuvantes dos processos sociais, econômicos, políticos etc daquela região que se quer analisar e para a qual se deseja propor políticas. Deve-se empreender, coletiva e incansavelmente, esforços de, em aproximações sucessivas, procurar: a) Dimensionar o poder privado, sua capacidade transformativa, de promover mudanças nas relações gerenciais, tecnoprodutivas, trabalhistas etc, investigando a teia de relações intersetoriais existentes nos diversos pontos daquela porção territorial e suas articulações com os outros espaços; b) Dimensionar o poder público, sua capacidade de coordenação estratégica, organicidade de ações, capacidade de sancionar decisões estruturantes, através de financiamentos e arranjos institucionais adequados etc.; c) Dimensionar a capacidade das frações das classes sociais da região compartilharem valores coletivos em projetos de larga dimensão temporal (que rompam o imediatismo das ações). É necessário aquilatar até que ponto existe na região substância política para um comprometimento legitimado com um projeto de maior competitividade sistêmica, justiça social e ambiental e de avanço democrático das opções estratégicas. A partir deste diagnóstico inicial, é importante avançar na coordenação das ações, entender que cada problema tem a sua escala espacial específica e requer articulação de várias instâncias de poder. É preciso diagnosticá-lo e enfrentá-lo a partir da articulação dos diversos níveis de governo e das esferas de poder pertinentes àquela problemática específica. Além das articulações intra-regionais, é importante ampliar seu raio político de manobra, a fim de negociar inter-regionalmente. 259

A construção de consenso não pode ser ex ante, ou seja, não pode ser o ponto de partida, mas sim o de chegada. Deve-se partir da avaliação dos conflitos. As políticas de desenvolvimento regional em todo o mundo (o exemplo maior é a política de coesão regional da comunidade européia) partem da discussão dos diferenciados pontos de vista quanto a busca de solução de determinado problema. Em alguns países da Europa, chama-se isso de Mesa. Ou seja, é preciso sentar os diversos atores sociais de determinada região em torno de mesas de negociação, cultivando o debate de idéias e a construção de arenas de estruturação de bandeiras muitas vezes conflituosas. Mas não basta Mesa, é decisivo construir o que lá se chama de Carta. Isto é, torna-se impositivo elaborar contratos compartilhados de co-responsabilização e de compromissos estabelecidos “em cartório”. Explicitar os conflitos de interesse em cada escala e construir coletivamente a contratualização das políticas públicas é a grande lição que o mundo das estratégias de desenvolvimento pode nos ensinar. Esses contratos devem articular horizontalmente os agentes políticos de determinada escala. Tratar de forma criativa escalas, níveis e esferas, lançando mão de variados instrumentos, politizando as relações, em experiências pedagógicas para os participantes do processo de discussão de seus problemas, construindo cidadania e buscando combater as coalizões conservadoras, através de uma contra-hegemonia pelo desenvolvimento. Vencer as competências superpostas, rediscutir atribuições, evitar a dispersão da autoridade, estar equipado para reagir, isto é, ter capacidade de resposta e impugnação às forças políticas que querem a perenização do sub-desenvolvimento, são tarefas urgentes. Qualquer diagnóstico local, regional ou nacional deveria explicitar os conflitos e compromissos postos; posicionar recorrentemente a região ou a cidade nos contextos: mesorregional, estadual, nacional etc; identificar seus nexos de complementaridade econômica, estudar sua inserção frente aos ritmos diferenciados dos processos econômicos dos diversos territórios com os quais se relaciona conjuntura e estruturalmente. Não se pode negligenciar a natureza das 260

hierarquias imputadas, ter clareza do que pode e do que não pode uma região. Em muitos estudos regionais recentes, foram abandonadas as análises das hierarquias, dos enquadramentos impostos pela divisão social do trabalho, das centralidades que limitam algumas dinâmicas mais endogeneizadas (às vezes caindo em um localismo exagerado, achando que cada localidade pode tudo, basta querer). Pouco se analisa acerca da disposição territorial dos centros urbanos, das articulações entres esses centros e com seu hinterland etc. Entender os nexos dos vários núcleos urbanos com seu entorno mais imediato é decisivo para estruturar ações regionalizadas. Analisar as limitações de uma estratégia muito localista, também. 8.3.1 - Como construir desenvolvimento regionalmente O desenvolvimento enquanto processo multifacetado de intensa transformação estrutural resulta de variadas e complexas interações sociais que buscam o alargamento do horizonte de possibilidades de determinada sociedade. Esse processo deve promover a ativação de recursos materiais e simbólicos e a mobilização de sujeitos sociais e políticos buscando ampliar o campo de ação da coletividade, aumentando sua autodeterminação e liberdade de decisão. Neste sentido, o verdadeiro desenvolvimento exige envolvimento e legitimação de ações disruptivas e emancipatórias, portanto envolve tensão, eleição de alternativas e construção de trajetórias históricas, com horizontes temporais de curto, médio e longo prazos. Essa construção social e política de trajetórias sustentadas, que seja dotada de durabilidade orgânica, deve ser permanentemente inclusiva de parcelas crescentes das populações marginalizadas dos frutos do progresso técnico, endogeneizadora de centros de decisão e ter sustentabilidade ambiental. Esse processo transformador deve ser promovido simultaneamente em várias dimensões (produtiva, social, tecnológica etc.) e em várias escalas espaciais (local, regional, 261

nacional, global etc.). As políticas de desenvolvimento precisam agir sobre a totalidade do tecido sócio-produtivo, pensar o conjunto territorial como um todo sistêmico, promovendo ações concertadas naquele espaço geográfico, buscando reduzir disparidades inter-regionais e intra-regionais, combatendo o fosso entre as regiões e ampliando a autodeterminação daquela comunidade. O grande desafio é construir simultaneamente, e dar unidade, aos seguintes pares (por vezes antagônicos): eficiência/eqüidade;especialização/diversificação produtivas; crescer/redistribuir renda e riqueza etc. Ou seja, construir permanentemente integração e coesão produtiva, social, política, cultural, econômica e territorial. Quando se buscam os valores iniciais para empreender uma proposta de territorialização de políticas, deve-se adotar uma visão plural, que pode resultar do contraponto das forças polares listadas no quadro abaixo. O desafio é reunir, combinar, acomodar e pactuar as seguintes antípodas, buscando ativar os pares:

262

Eficiência produtiva Sancionar fluxos já existentes Racionalização de elos produtivos já existentes

Eqüidade social Promover a constituição de estruturas produtivas regionais renovadas Acicatar novas atividades econômicas

Conectar pontos dinâmicos

Arrastar o entorno e a hinterlândia em um unificado processo potencializador/ativador (impondo coerência)

Seguir hierarquia de cidades

Contrariar, “inverter” e suplantar as lógicas da rede hierarquizada de cidades

Completar elos faltantes e gargalos

Complementaridades intersetoriais e territoriais da malha produtiva

Seguir as exigências da densidade institucional e aglomeração territorialprodutiva

Tensionar pela internação (interiorização) de dinamismos e promover a transmissão inter-regional do processo de crescimento econômico

Infra-estrutura física e econômica acompanha dinamismos (acompanha, se adere e racionaliza)

Infra-estrutura física, econômica e social lidera a constituição de novas dinâmicas (vai na frente da demanda)

Prospectar demanda

Enxertar implantes e elos de cadeias e circuito de “ofertas transformativas” de situações dadas

Investimento em grandes projetosâncora estruturantes

Inversões pulverizadas densificadoras de dinamismos ocultos ou latentes

Especialização

Diversificação

Excludente

Includente

Enclave

Engate e conexão de aparelhos produtivos localizados

Ampliação da riqueza material

Distribuição de riqueza e renda; habilitar, distribuir direitos

Retorno e rentabilidade privados

Rentabilidade social - avaliação social de projetos

263

Construir uma visão estratégica ancorada no território exige enfrentar o desafio de fazer coabitar e conviver as antinomias listadas acima na consecução dos fins do desenvolvimento durável. É preciso vencer as decisões desordenadas, tomadas isoladamente e fomentar os esforços coordenados, orientados pela consecução de determinado fim. Neste contexto, ganha realce o papel do Estado enquanto agente coordenador, indicativo e orientador dos agentes sociais, com o necessário envolvimento orgânico da sociedade de determinado território, co-responsabilizada e chamada a assumir compromissos no processo de desenvolvimento. Quais os parâmetros e os contornos desta empreitada? O processo de desenvolvimento promove cadeias de desequilíbrios e deve necessariamente promover a coordenação da variedade, permitindo a manifestação das potencialidades das heterogêneas regiões brasileiras. Deve ser capaz de acionar vários elementos e fatores latentes, ocultos e dispersos. Assim, a proposta aqui é de se levar na devida conta as cadeias de reações das decisões de inversão. O território deve cumprir o papel de catalisador da articulação sistêmica e da integração multissetorial dos investimentos. No combate ao desemprego, à precarização do trabalho, gerando renda e riqueza novas, é preciso buscar o crescimento e robustecimento da endogenia regional e local. Porém, é decisivo e desafiador que haja consciência social cidadã e legitimação política para a implementação permanente de transferência de renda e riqueza intra e inter-regionais. Ou seja, por um lado, explorar de forma mais criativa suas externalidades positivas e vantagens distintivas e, por outro, promover ações compensatórias, horizontais ou pontuais, sobretudo em áreas em estagnação ou retardo. Essas políticas, em todo o mundo, têm ganhado crescente roupagem territorial. Não apenas de âmbito estritamente local, mas também políticas de desenvolvimento em escala (micro, meso e macro) regional. Um bom exemplo é o empreendimento da comunidade européia no sentido de revalorização das escalas regionais, o que levou à criação da visão de estratégias de uma “Europa das Regiões”. Procura-se, neste contexto, reconstruir permanentemente o pacto territorial do poder para não deixar 264

aumentar o hiato entre as regiões. A lista dos objetivos da política regional européia é elucidativa dos desafios postos: promover o desenvolvimento de regiões em atraso; reconverter regiões em declínio; facilitar o ajuste estrutural de áreas rurais; promover áreas com baixa densidade populacional; combater o desemprego. Os princípios também podem sugerir importantes lições para as políticas de desenvolvimento em qualquer região: subsidiariedade para que se procure esgotar em um nível menor as possibilidades de intervenção da política pública (ou seja, a instância superior age apenas se a inferior foi incapaz para alcançar aquele objetivo); concentração para evitar sobreposição de mecanismos e descoordenação de estratégias; adicionalidade para que os recursos à disposição de uma região possam receber uma adição ou contrapartida local; programação para organizar ações plurianuais; cooperação para que haja articulação entre instituições e governos. A busca de desenvolvimento regional não é tarefa trivial. Se crescimento é manutenção de interesses vis-àvis o processo de desenvolvimento, que deve ser entendido como enfrentamento de interesses, até que ponto dá para reverter quadros de marginalização, estagnação, depressão, esvaziamento econômico e político. Como mobilizar regiões que não têm recursos materiais, simbólicos, intangíveis a serem ativados? Em que escala espacial realizar tal tarefa estrutural?. Infelizmente, no Brasil ainda grassa, mesmo no século XXI, a força do localismo oligárquico e conservador, mercantil e/ou financeirizado, reproduzindo suas arenas privilegiadas do mandonismo e do clientelismo localizado e regionalizado. Nosso trunfo é nossa diversidade (cultural, regional, etc), porém, as desmesuradas e inúmeras máquinas de desigualdades (sociais, políticas, econômicas etc) existentes no país foram triturando permanentemente as potencialidades de nossa diversidade territorial, criatividade cultural e variedade produtiva. 265

Todas as heterogeneidades estruturais e as diversidades produtiva, urbana, social e ambiental estiveram subordinadas à lógica econômica da valorização fácil e rápida, isto é, de natureza imediatista, rentista e patrimonialista. Neste sentido, produtora de desigualdades e de lógicas de exclusão social. Países desiguais como o Brasil não se podem dar ao luxo de pôr em prática idéias que não conjugam estratégias para todas suas partes diferenciadas e não tornam coeso o enorme território. O Brasil deve apostar todas suas fichas no enorme potencial de variedade (regional, setorial, urbana, cultural, ocupacional etc), costurando uma configuração que capture essa riqueza de “biossociodiversidade”. A vitalidade e potencialidades da convivência de talentos imaginativos e ativar a capacidade revolucionariamente inventiva e criativa culturalmente da sociedade brasileira. A ação pública deve chamar a si a tarefa de organizar e coordenar o sistema socioeconômico e decisório regional, apor e vencer resistências do atraso estrutural e anticidadão, ativar e mobilizar instrumentos, normas e convenções que se localizam em variados âmbitos, níveis de ação governamentais. Em suma, em variadas dimensões escalares. Deve hierarquizar opções, dar organicidade a ações dispersas e orientar decisões ao longo de um trajetória temporal mais larga. É importante que se tenha crescimento econômico, para ativar o par concorrência/cooperação e possibilitar a exploração de recursos ociosos, latentes e ocultos que só ocorrem em ambiente macroeconômico robusto. É necessária a repactuação regional e a implementação da ação de planejamento democrático. Numa economia em inércia, não se exploram os recursos tangíveis e intangíveis potenciais, que jazem incubados e não são mobilizados. Não se consegue a “escavação” que o crescimento promove para extrair potencialidades; em um tecido regional esgarçado é difícil disponibililizar os instrumentos e mecanismos existentes para construir a unidade na diversidade do desenvolvimento sustentado regional. Celso Furtado, ainda no início da década de 50, definiu planejamento como o “período de tempo 266

com amplitude suficiente para permitir que se apreciem as características essenciais e os agentes determinantes do processo” e seus interesses específicos e estruturados. 8.3.2 - Construir e mobilizar arranjos institucionais diversos para o desenvolvimento da região de São José do Rio Preto A busca de coesão produtiva, social, territorial e econômica de uma determinada região exige repactuação abrangente, um pacto territorial de poder, um contrato social, permanentemente legitimado politicamente. Qualquer decisão política, por avançar de forma coordenada regionalmente em seu processo de desenvolvimento, deve ser amplamente acordada, pactuada e ter legitimidade. Estar amplamente amparada pelo conjunto das forças sociais e políticas da região. Por ter o caráter nítido de decisões políticas explicitamente redistributivas e compensatórias, precisam ser fortemente sancionadas social e politicamente. Por exemplo, ao se priorizar o ajustamento estrutural das áreas menos desenvolvidas de uma região, perseguindo a redução das distâncias e a diminuição de desvantagens, com a potencialização da base econômica local e regional, é preciso ter apoio da porção territorial mais avançada. O poder público e a articulação planejadora regional devem coordenar a ação de pensar o conjunto territorial como um todo, com a convicção de que suas diversas porções espaciais não podem crescer de forma descoordenada e em ritmos desbalanceados, com grandes defasagens entre si. Neste contexto, diversos arranjos institucionais para a promoção do desenvolvimento podem e devem ser acionados: Fóruns de Desenvolvimento Regional; Consórcios Públicos Intermunicipais; Agências de Desenvolvimento; Conselhos Públicos; Comitês de Bacia; APLs; discussão de Planos Diretores, que cumpram os preceitos do Estatuto da Cidade, dentre muitas outras possibilidades de organização territorial. Estes arranjos podem mobilizar iniciativas territorializadas, agindo-se permanentemente para torná267

las coesa na escala supra-local. São ações que permitem a melhoria da capacidade institucional na resolução de problemas regionais e urbanos concretos, também através de seminários, estudos, planos, projetos que reforçam os sistemas de apoio à decisões estruturantes. Deve-seorganizarediscutirosindicadoressociaisdisponíveis (IPRS, IDH-M, etc), buscando a intolerabilidade com as piores variáveis captadas por estes índices. Não poderá haver qualquer forma de condescendência com os indicadores fundamentais insuficientes. Vários procedimentos devem ser estabelecidos, tais como, reprimenda, acordos para correção de conduta, advertências e a imposição de punições e aplicação de penas. A contratualização de pactos territoriais envolve necessariamente o estabelecimento de sanções para os que não avançam nos acordos de cooperação regional pelo desenvolvimento. A natureza das ações a serem compartilhadas deve ser discutida. É fundamental estudar alternativas de promoção de suporte de infra-estrutura; investimentos pela competitividade regional etc, porém, o combate às desigualdades não pode ser negligenciado. A que se ter gastos pela inclusão social, em habilitação pela propriedade, pelo acesso a bens e serviços e pela universalização de direitos; o combate à marginalização material e de cidadania etc. Essas áreas com ritmo defasado de crescimento não se apresentam suficientemente adequadas: dotação de infraestruturas sociais e econômicas, níveis de recursos humanos e tecnológicos, produtividade e taxa de atividade da população economicamente ativa e taxa de emprego inferiores à média regional; estrutura produtiva com maior presença relativa do setor primário; taxa de desemprego acima da média etc. Os níveis inadequados de renda per capita das regiões em atraso são expressões da falta de acesso à propriedade e da pouca capacidade endógena de respostas aos desafios do processo competitivo. Deve-se buscar a priorização e o ajustamento estrutural dessas áreas menos desenvolvidas, perseguindo a redução das distâncias e a diminuição de desvantagens, com a potencialização da base econômica local e regional. 268

Propugna-se o combate sistemático às fontes de desigualdade, uma ação consistente de regularização fundiária (rural e urbana), inserida em políticas nacionais de reforma agrária e urbanas, o reforço dos fatores sistêmicos de competitividade e a mobilização de iniciativas territorializadas, agindo-se permanentemente para torná-las coesas na escala supra-local. Variados investimentos podem ser pensados nesta categoria: a) investimentos assistenciais, políticas compensatórias, horizontais etc; b) enfrentamento das principais fragilidades dos sistemas econômicos regionais e a criação de novos pólos de empresariamento, inclusive com o suporte às atividades das micro, pequenas e médias empresas (assessoramento, instalação, engenharia financeira etc) a fim de melhor as relações regionais de parceria e explorar os potenciais produtivos local e regional; c) formação profissional nas áreas de ensino, pesquisa, treinamento e administração; avançar na capacitação dos agentes públicos e privados; combate à exclusão digital; d) promoção do desenvolvimento rural (adaptação das estruturas agrárias, turismo, patrimônio rural, selos de qualidade etc); e) suporte aos assentamentos rurais, vistos como complexos territoriais dinamizadores regionais e urbanos; f) apoio a ações de economia popular, cooperativa, criativa e solidária e entre outros, g) proteção ao meio ambiente. O desafio é dar consistência, organicidade e articulação a investimentos muitas vezes pulverizados. Em síntese, montar um sistema regional de provisão de serviços públicos sociais coletivos e de proteção social, articulado regionalmente. Conforme se afirmou, tais estratégias devem fazer parte de Mesas e Cartas Regionais, que possam discutir e compartilhar/ contratualizar soluções aos problemas regionais. A Região de São José do Rio Preto tem amplas possibilidades de reforçar a cultura de solidariedade entre suas diversas localidades, valorizando permanente sua diversidade e seus patrimônios cultural, arquitetônico, ambiental e humano, com o engajamento e a validação social e política de variados arranjos institucionais disponíveis para a construção do processo de verdadeiro desenvolvimento. 269

Referências Bibliográficas BRANDÃO, C. (2005). O processo de subdesenvolvimento, as desigualdades espaciais e o “jogo das escalas”. In: Desigualdades Regionais. Salvador, Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais, SEE/BA. BRANDÃO, C. e SIQUEIRA, H. (2005). Divisão interregional do trabalho no Brasil dos nos 90: perdas de quantidade e qualidade nos investimentos, empregos e instrumentos de regulação. Globalización y territorio: ajustes periféricos. Rio de Janeiro, Arquimedes Edições. BRANDÃO, C. A. (2003). A dimensão espacial do subdesenvolvimento: uma agenda para os estudos regionais e urbanos. IE-Unicamp, Campinas. (tese de livre docência). CANO, W. (2006). A economia paulista: principais transformações entre 1980 e 2003. Campinas: ISPP/ CEDE-IE-UNICAMP, 2 vol. (no prelo). CARVALHO, J. G. (2004). Integração e dinâmica regional: o desenvolvimento recente da Região Administrativa de São José do Rio Preto (1980-2000). Instituto de Economia/Unicamp, Campinas. (dissertação de mestrado).

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SOBRE OS AUTORES



Andréa Celeste Petisco é arquiteta e urbanista



Carlos Antônio Brandão é economista com

com mestrado em Engenharia Urbana pela UFSCar. Atualmente é professora universitária na UNESP de Presidente Prudente, na UNIVEF (Votuporanga) e nas Faculdades Dom Pedro II (São José do Rio Preto).

mestrado em Economia Regional e Urbana pela UFMG e doutorado em Desenvolvimento Econômico pela UNICAMP. É professor Livre Docente do Instituto de Economia da UNICAMP.



Carlos Eduardo Guimarães é cientista social com mestrado em Sociologia Política pela UFSCar e Doutorando em Ciências Sociais também pela UFSCar. Atualmente é professor na UNIRP (São José do Rio Preto).

Joelson Gonçalves de Carvalho (org) é economista com mestrado em Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente pela UNICAMP na área de Economia Urbana e Regional e Doutorando em Desenvolvimento Econômico também pela UNICAMP. Atualmente é professor universitário na UNIRP (São José do Rio Preto).

Leandra Domingues Silvério é historiadora com mestrado História Social pela Pontifica Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). 271



Magali Mary Blanco Alves assistente social com especialização em Serviço Social e Administração de Benefícios pela PUC/SP e em Administração de Recursos Humanos pela UNIP/SP. Atualmente é professora na UNIRP em São José do Rio Preto.

Orlando José Bolçone é economista e historiador com mestrado em Historia Econômica pela UNESP/Araraquara. Atualmente é Secretário Municipal de Planejamento de Gestão Estratégica de São José do Rio Preto.

Sebastião Ferreira da Cunha é economista

com mestrado em Desenvolvimento Econômico pela UFU área de Economia do Trabalho. Atualmente é professor universitário na UNIRP (São José do Rio Preto).

272

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