Dinâmicas da Contestação: transformações nos repertórios de manifestação pública de demandas coletivas no Rio Grande do Sul - 1970 e 2010

July 5, 2017 | Autor: M. Kunrath Silva | Categoria: Movimentos sociais, Protestos
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XVII Congresso Brasileiro de Sociologia 20 a 23 de Julho de 2015, Porto Alegre (RS) Grupo de Trabalho: GT16 - Movimentos Sociais na atualidade: reconfigurações das práticas e novos desafios teóricos Título do Trabalho: Dinâmicas da Contestação: transformações nos repertórios de manifestação pública de demandas coletivas no Rio Grande do Sul - 1970 e 2010 Marcelo Kunrath Silva (Professor Associado - UFRGS) Matheus Mazzilli Pereira (Doutorando - UFRGS) Patrick Dias Gomes (Graduando - UFRGS) Vitória Ravazio Pais (Graduanda - UFRGS)

Dinâmicas da Contestação: transformações nos repertórios de manifestação pública de demandas coletivas no Rio Grande do Sul - 1970 e 2010 Marcelo Kunrath Silva (Professor Associado - UFRGS) [email protected] Matheus Mazzilli Pereira (Doutorando - UFRGS) [email protected] Patrick Dias Gomes (Graduando - UFRGS) [email protected] Vitória Ravazio Pais (Graduanda - UFRGS) [email protected] Introdução O presente trabalho apresenta resultados preliminares do Projeto de pesquisa "Regimes e Repertórios Associativos: oportunidades políticas e organização social no Brasil"1, que tem como objetivo central contribuir na qualificação das análises das relações entre processos organizativos e configurações político-institucionais no Brasil. Para a consecução deste objetivo, o projeto de pesquisa definiu como um de seus instrumentos metodológicos centrais a utilização da Análise de Eventos de Protesto (AEP) para a construção de um catálogo de eventos de manifestação pública de demandas coletivas 2. Enquanto primeiro esforço de sistematização e apresentação dos dados coletados na pesquisa até o presente momento, este trabalho se constitui fundamentalmente em um texto descritivo que visa publicizar alguns dos achados empíricos da pesquisa, os quais deverão ser analisados em profundidade futuramente. Além disto, o trabalho objetiva mostrar as potencialidades analíticas da AEP, metodologia que apresenta uma longa e consolidada trajetória na literatura internacional sobre movimentos sociais e protesto, mas é praticamente desconhecida ou empregada pelos cientistas sociais do país. Para atender estes objetivos, o trabalho encontra-se estruturado da seguinte forma: uma seção de apresentação da AEP e das especificidades de sua 1

Este projeto foi financiado com recursos do CNPq e da UFRGS. Gostaríamos de agradecer a participação de todos os pesquisadores que se envolveram com a organização e execução da pesquisa: Gabrielle Oliveira de Araújo, Camila Farias da Silva, Andressa Nunes Solio, Pietro Menin, Gisele Borges e Rosana Kirsch. 2

operacionalização na pesquisa desenvolvida; quatro seções de apresentação dos resultados da pesquisa referentes a dimensões centrais do catálogo de eventos de manifestação pública de demandas coletivas construído (repertórios utilizados para expressar publicamente as demandas; objeto das demandas coletivas; atores responsáveis pela manifestação pública e demandas coletivas; alvos das manifestações); conclusões. Metodologia: catalogando e analisando eventos de manifestação pública de demandas coletivas A AEP busca mapear de forma sistemática a ocorrência de eventos de protesto ao longo de determinado recorte espaço-temporal, permitindo aos pesquisadores a análise de dinâmicas da ação coletiva de forma comparativa em longos períodos de tempo. Dessa forma, esse método se apresenta como uma alternativa aos estudos de caso que, apesar de propiciarem uma análise profunda de organizações, movimentos ou confrontos específicos, tendem a apresentar vieses de seleção de casos e a criar generalizações teóricas a partir de dinâmicas historicamente situadas no tempo (KOOPMANS; NEIDAHRDT; RUCHT, 1999; KOOPMANS; RUCHT, 2002; SILVA; ARAÚJO; PEREIRA, 2011). Para a operacionalização da AEP, constrói-se um catálogo de informações sobre eventos de protestos ocorridos durante determinado período no tempo e em determinado recorte geográfico. Para a construção desse banco de dados uma série de decisões metodológicas devem ser tomadas, sistematizadas pela literatura em quatro eixos básicos: a unidade de análise; as técnicas de amostragem; as fontes de dados; e as categorias utilizadas para classificação das variáveis (NEIDHARDT; RUCHT, 1999; KOOPAMSN; RUCHT, 2002). Os dados apresentados nesse trabalho foram produzidos e analisados a partir das seguintes definições. No que se refere à definição da unidade de análise do estudo, uma série de critérios foram utilizados. O recorte espaço-temporal abrange eventos ocorridos no estado do Rio Grande do Sul ao longo dos anos de 1970 e 2010. A definição pela abrangência regional se deu pelo critério de viabilidade da produção de dados

empíricos. Já o recorte temporal foi definido por apresentar grandes variações históricas no contexto político institucional, abrangendo o período autoritário, a redemocratização e governos federais com orientações ideológicas distintas no período democrático. Nosso estudo buscou incluir formas diversas de ação coletiva, abrangendo desde ações mais disruptivas (como depredações e confrontos com a polícia) até ações mais institucionalizadas (como reuniões com autoridades e envio de cartas e solicitações). Essa decisão foi tomada na medida em que a variação nos repertórios de ação é a principal variável a ser explorada no estudo, buscando-se examinar as relações entre variações no contexto político-institucional e formas de expressão pública de demandas coletivas (confrontacionais ou não). Nesse sentido, também foram incluídos eventos que ocorrem em contextos diversos (desde espaços institucionais até espaços públicos), desde que acessíveis ao público; bem como eventos produzidos por atores diversos (individuais ou coletivos; societárias ou estatais), desde que expressassem uma demanda coletiva (excluindo-se, por exemplo, demandas individualizadas). Ainda no que tange à unidade de análise, foi necessário definir se seu nível de agregação seria definido pela idéia de repertórios, eventos, campanhas ou confrontos. Um exemplo pode ser utilizado para esclarecer essa decisão. Uma campanha salarial pode incluir inúmeros eventos de expressão pública de demandas coletivas. Trabalhadores, em um dia, podem realizar uma assembléia e, logo após, se deslocar em marcha até a sede do Governo do Estado, permanecendo no local enquanto as lideranças se reúnem com o governador. Em outra data, trabalhadores podem se deslocar pelas ruas da cidade e entregar uma carta para os deputados estaduais. Dessa forma, em uma mesma campanha, dois eventos foram observados. Em cada um desses eventos, diversos repertórios foram utilizados. No primeiro dia: realização de assembléias; passeata; manifestação em praça pública; e reunião com autoridades. No segundo: passeata; e entrega de cartas ou solicitações. Na medida em que é justamente a variabilidade nos repertórios o interesse principal desse estudo e já que cada uso de repertório pode ter características distintas (por exemplo, se direcionar a alvos

distintos, como o Governo Executivo Estadual e o Poder Legislativo), o repertório foi tomado como unidade de análise. Dessa forma, nossa unidade de análise pode ser definida como o uso de repertórios de expressão pública de demandas coletivas3. No que se refere à amostragem, optou-se por uma amostra não-aleatória. Tal decisão foi tomada tendo em vista que técnicas aleatórias de amostragem não permitem o acompanhamento da seqüência histórica do uso de determinados repertórios em períodos curtos do tempo. Essa informação é importante, por exemplo, para determinar a duração de greves e se greves, em geral, são acompanhadas por outros repertórios. Assim, foi realizada a produção de dados referentes a todos os dias de cada ano de cinco em cinco anos. Isso significa que a pesquisa propõe-se a mapear os eventos de expressão pública de demandas coletivas ocorridos ao longo dos anos de: 1970, 1975, 1980, 1985, 1990, 1995, 2000, 2005 e 2010. O critério do intervalo de cinco em cinco anos foi utilizado para que a amostra pudesse abranger a variabilidade de contextos políticoinstitucionais, bem como a alternância de grupos políticos no controle dos governos. A questão das fontes de pesquisa é central para a construção do catálogo de eventos de expressão pública de demandas coletivas. Fontes variadas têm sido usadas por pesquisadores para isso, sendo os jornais apontados pelos pesquisadores como uma das fontes mais qualificadas, na medida em que é de fácil acesso (ao contrário, por exemplo, de registros policiais), tem permanência ao longo do tempo e já está subdivida em seções, o que pode facilitar a produção e codificação do material (OLZAK, 1989; NEIDAHRDT; RUCHT, 1999). Por esses motivos, a fonte utilizada por essa pesquisa foi o jornal Zero Hora, de Porto Alegre, na medida em que é único jornal gaúcho de abrangência estadual que se manteve em circulação ao longo de todo o período da pesquisa. A escolha por uma fonte que não se interrompa ao longo do tempo permite que os vieses da fonte sejam distribuídos por toda a amostra. É necessário, no 3

Dessa forma, os números absolutos apresentados nessa pesquisa não são a informação mais adequada, por exemplo, para “medir” a quantidade de eventos ao longo do tempo. Um grande número de casos pode não significar uma maior quantidade de eventos realizados, mas sim uma maior diversidade de uso de repertórios ao longo de eventos e campanhas.

entanto, estar sempre atento aos vieses desse tipo de fonte. Jornais estão marcados pelo viés de seleção – noticiando apenas eventos com determinadas características – e pelo viés de descrição – omitindo, enquadrando e fabricando informações sobre os eventos (EARL et al., 2004). Dessa forma, as informações produzidas para esse trabalho estão enviesadas pela seleção e descrição do jornal Zero Hora - ligada ao Grupo RBS (que, por sua vez é afiliado da Rede Globo) –, um “membro” da grande mídia corporativa brasileira, reconhecidamente posicionada politicamente em oposição a grupos que questionem e ameacem o status quo. Dessa forma, a análise e leitura dos dados deve sempre pressupor que os números apresentados não expressam fielmente a ocorrência de usos de repertórios de expressão pública de demandas coletivas, mas estão relacionados aos interesses de publicação desse meio de comunicação. Por fim, no que se refere à criação de categorias para codificação das variáveis, o estudo tomou como base as categorias utilizadas pelo “Observatório de Conflitos Urbanos do Rio de Janeiro” 4. Após a realização de um estudo piloto com todos os meses de janeiro dos anos de abrangência da pesquisa, as categorias foram modificadas pela emergência de recorrências na categoria “outros” e pela presença de categorias “inchadas” ou “esvaziadas” na amostra. Para as análises apresentadas nesse trabalho, algumas categorias foram, ainda, mescladas, possibilitando uma maior inteligibilidade na leitura dos dados. Antes da apresentação de uma análise aprofundada dos dados, é necessária uma descrição geral da amostra desse trabalho. Para as análises aqui apresentadas, foram utilizados apenas os dados preliminares referentes aos meses de Janeiro a Agosto de todos os anos pesquisados, na medida em que a pesquisa encontra-se em andamento5. A amostra engloba 2.717 casos de usos de

4

http://www.observaconflitosrio.ippur.ufrj.br/ippur/liquid2010/home.php Não são analisados, assim, dados referentes aos meses de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de todos os anos da pesquisa. No atual momento da investigação, os dados de Setembro estão sendo categorizados e os dados de Novembro e Dezembro estão sendo produzidos. 5

repertórios de expressão pública de demandas coletivas 6. Esses casos estão distribuídos ao longo dos anos da seguinte maneira (Tabela 1): Tabela 1 – Distribuição dos casos por ano de ocorrência: Frequência Frequência Absoluta Relativa (%)

Frequência Relativa Acumulada

1970

119

4,4

4,4

1975

99

3,6

8,0

1980

440

16,2

24,2

1985

708

26,1

50,3

1990

492

18,1

68,4

1995

214

7,9

76,3

2000

286

10,5

86,8

2005

273

10,0

96,8

2010

86

3,2

100,0

Total

2717

100,0

A concentração de casos no período da redemocratização pode estar relacionada a dois fatores. Em primeiro lugar, a uma maior tendência de ocorrência de eventos de expressão pública de demandas coletivas efetivamente observável. Em segundo lugar, à mudança nos critérios de cobertura da fonte (jornal), que passa a noticiar com menos freqüência eventos de expressão pública de demandas coletivas, principalmente a partir da década de 1990. Neste sentido, é comum que uma greve ocorrida na década de 1980, por exemplo, receba uma ampla cobertura do jornal, com uma página ou mais, ao longo de praticamente todos os dias de sua ocorrência. Já na década de 2000, greves recebem menor atenção, sendo noticiadas, em muitos casos, em pequenas notas que trazem poucas informações sobre os usos de repertórios variados e que podem, ainda, ser facilmente ignoradas pelos pesquisadores responsáveis pela produção dos dados.

6

As análises posteriores, no entanto, podem apresentar números diferentes, na medida em que as categorias “não há informação” ou “não se aplica” são excluídas das análises. O banco de dados conta, atualmente, com 2.984 casos.

Tabela 2 – Distribuição dos casos por mês de ocorrência: Frequência Frequência Absoluta Relativa (%)

Frequência Relativa Acumulada

Janeiro

232

8,5

8,5

Fevereiro

335

12,3

20,9

Março

288

10,6

31,5

Abril

150

5,5

37,0

Maio

320

11,8

48,8

Junho

272

10,0

58,8

Julho

528

19,4

78,2

Agosto

592

21,8

100,0

2717

100,0

Total

A Tabela 2 informa a distribuição dos casos ao longo dos meses, indicando um decréscimo de casos no mês de abril e um crescimento nos meses de julho e agosto. De forma semelhante ao que ocorre com os anos estudados, essa distribuição pode estar relacionada a dinâmicas “reais” do confronto ou a vieses da pesquisa. Nesse caso, como a pesquisa foi organizada de forma a produzir dados completos sobre um mês a cada etapa, a passagem dos meses acompanha também a mudança nas equipes de produção e codificação dos dados. Apesar de todos os pesquisadores serem treinados, os critérios são operacionalizados de forma diferente por cada indivíduo, podendo gerar vieses na amostra (que, no entanto, estão igualmente distribuídos ao longo dos anos de abrangência da pesquisa, em virtude do desenho da pesquisa).

Tabela 3 – Distribuição dos casos por local de ocorrência (em mesorregiões gaúchas): Frequência Relativa Frequência Frequência Absoluta Válidos Mesorregião Metropolitana de Porto

Relativa

Acumulada

Válida

(%)

60,5

74,1

74,1

165

6,1

7,4

81,5

58

2,1

2,6

84,1

49

1,8

2,2

86,3

93

3,4

4,2

90,5

21

,8

,9

91,4

40

1,5

1,8

93,2

150

5,5

6,8

100,0

Total

2221

81,7

100,0

Total

496

18,3

2717

100,0

Mesorregião do Noroeste Riograndense Mesorregião do Sudoeste Riograndense Mesorregião do Nordeste Riograndense Mesorregião do Sudeste Riograndense Mesorregião do Centro Oriental Riograndense Mesorregião do Centro Ocidental Riograndense Abrangência Estadual

Total

Válida

1645

Alegre

NS/NA

Relativa

Frequência

Por fim, os dados relativos à distribuição geográfica dos casos podem ser analisados de forma semelhante. Essas informações podem indicar, ao mesmo tempo, uma concentração efetiva de casos na Mesorregião Metropolitana de Porto Alegre (seguida da Mesorregião Noroeste Rio-Grandense, região historicamente importante para os confrontos agrários no estado). Porém, esses dados também podem estar relacionados ao viés de seleção do jornal. Estudos europeus apontam que jornais nacionais tendem a sub-notificar eventos de protesto ocorridos no âmbito local (NEIDHARDT; RUCHT, 1999). Se compararmos as dimensões territoriais do Rio Grande do Sul às dos estados nacionais europeus,

um paralelo pode ser feito, sendo possível imaginar que o mesmo viés esteja presente em nossa amostra. Dinâmicas dos repertórios de reivindicação pública de demandas coletivas A observação dos dados gerais sobre a trajetória dos repertórios de expressão pública de demandas coletivas entre 1970 e 2010 (Tabela 1) indica um processo cíclico, no qual se sucedem momentos de ascensão e de declínio na dinâmica reivindicatória: a década de 1970 é um período de escassa presença destes repertórios; a década de 1980 é marcada por uma grande intensificação não apenas no acionamento destes repertórios, mas na diversificação dos mesmos; os anos 1990 se caracterizam por um forte declínio dos processos de reivindicação pública; e os anos 2000 apresentam um crescimento e, ao final da década, um novo declínio dos processos reivindicatórios. A análise destes dados, no entanto, demanda uma extrema vigilância do pesquisador, de forma a evitar tomar a tendência de cobertura da mídia como expressão fiel da dinâmica dos processos empíricos. A escolha pela investigação de repertórios de expressão pública de demandas coletivas para além dos repertórios de confronto, de um lado, se mostrou fértil para identificar outros repertórios acionados pelos atores para expressarem suas demandas em contextos nos quais o confronto público não era possível, como no período ditatorial. De outro lado, no entanto, esta escolha tende a amplificar os riscos do viés de seleção da mídia ao abordar repertórios que, em contextos democráticos, se constituem como parte da rotina social e, assim, tendem a deixar de "ser notícia". Cientes destes riscos, esta seção analisa a dinâmica dos repertórios entre 1970 e 2010, mostrando a evolução e as transformações identificadas ao longo do tempo. O primeiro aspecto a ser observado refere-se à frequência de uso dos repertórios ao longo do período analisado, expressa no gráfico abaixo:

Figura 1 – Distribuição dos Tipos de Repertórios Utilizados no Total da Amostra

O repertório mais recorrente no período analisado foi "Reuniões e Pedidos Formais a Autoridades Públicas ou Privadas", o qual responde por 27,7% dos casos analisados. Em segundo lugar, com 17,9%, vem os denominados "repertórios de rua": "Atos, Passeatas e Carreatas em Locais Públicos". Em terceiro lugar, encontra-se a "Realização de Assembléias e Eventos", presente em 11,5% dos casos. A "Manifestação Pública via Meio de Comunicação em Massa" encontra-se em quarto lugar, com 10,9% dos casos. Em quinto lugar, com 9,8% dos casos vem "Paralisações, Greves e Boicotes ao Trabalho". Os outros repertórios apresentam uma frequência relativamente baixa, não passando de 4% dos casos. Esta primeira informação é importante para identificar a presença de um leque amplo de repertórios social e culturalmente estabelecidos, através dos quais os atores podem expressar publicamente suas demandas coletivas. Tais repertórios incluem desde formas institucionalizadas de acesso às autoridades até formas mais conflitivas de ação coletiva reivindicatória, passando pelo uso dos meios de comunicação como canais de expressão de demandas e propostas.

Tal informação, no entanto, é limitada e pouco informa sobre a dinâmica de mobilização destes repertórios pelos atores ao longo do tempo. Para isto, é necessário analisar as informações sobre a evolução de cada repertório ao longo do tempo. Na Figura 2, é possível acompanhar a variação absoluta dos cinco repertórios mais utilizados pelos atores ao longo dos anos. Já a Figura 3 apresenta a variação relativa da participação de cada um desses repertórios no total de ocorrências registradas em cada ano. Figura 2 – Variação Absoluta do Uso Registrado dos Repertórios “Reuniões e Pedidos Formais a Autoridades Públicas ou Privadas”, “Manifestação Pública Via Meio de Comunicação em Massa”, “Atos Passeatas e Carreatas em Locais Públicos (Repertórios da Rua)”, “Realização de Assembléias e Eventos”, “Paralisações, Greves e Boicotes ao Trabalho” ao longo dos Anos.

Figura 3 – Participação Relativa do Uso Registrados dos Repertórios “Reuniões e Pedidos Formais a Autoridades Públicas ou Privadas”, “Manifestação Pública Via Meio de Comunicação em Massa”, “Atos Passeatas e Carreatas em Locais Públicos (Repertórios da Rua)”, “Realização de Assembléias e Eventos”, “Paralisações, Greves e Boicotes ao Trabalho” em Cada Ano.

Os dados indicam que o repertório "Reuniões e Pedidos Formais a Autoridades Públicas ou Privadas" foi o repertório central do período ditatorial, quando chegou a responder por quase 50% dos casos noticiados. Esta centralidade indica que o uso dos (limitados) canais institucionais disponíveis era uma das poucas opções para o encaminhamento das demandas públicas naquela conjuntura. Observa-se, ao longo do tempo, um declínio da presença relativa deste repertório nas notícias coletadas. Tal declínio pode ser indicador de dois processos: um declínio real do uso do repertório (menos provável) e um declínio das notícias sobre o uso deste repertório em contexto democrático (mais provável). Analisando o repertório "Atos, Passeatas e Carreatas em Locais Públicos”, observa-se, no que se refere a sua importância relativa, uma evolução diametralmente oposta àquela observada no repertório anterior: este repertório é praticamente inexistente no período ditatorial e progressivamente adquire maior presença relativa entre as formas de expressão pública de demandas no período democrático (chegando a corresponder a praticamente um terço dos casos nos

anos de 2005 e 2010). Ao mesmo tempo, a evolução da frequência com que este repertório aparece nas notícias tende a reproduzir a dinâmica mais geral: crescimento nos anos 1980, declínio nos anos 1990, novo crescimento no início dos anos 2000 e forte declínio em 2010. A ampliação da importância relativa deste repertório pode ser, em parte, explicada pelo viés de cobertura: os "repertórios de rua" tendem a ser mais noticiados que os repertórios institucionais rotinizados e, com a queda de notícias sobre estes últimos, os primeiros tendem a ampliar sua participação percentual entre os casos. No entanto, mesmo tendo presente este viés e o fato de que há um declínio significativo das mobilizações públicas em 2010, os dados indicam que o argumento difundido sobre uma suposta institucionalização da sociedade civil brasileira a partir dos anos 1990 (e, especialmente, a partir do Governo Lula, em 2003), com a consequente perda de centralidade de repertórios extrainstitucionais, não se sustenta: o ano de 2005 apresenta o segundo maior número de casos em termos absolutos, perdendo apenas para 1985, auge do ciclo de protestos do processo de redemocratização. No que se refere ao terceiro repertório mais utilizado - "Realização de Assembléias e Eventos" -, os gráficos mostram sua centralidade, tanto em termos absolutos quanto relativos, na década de 1980, durante o processo de redemocratização do país. Enquanto repertório que se caracteriza por ser um instrumento de corporificação de uma determinada categoria social no espaço público para sustentação de suas demandas, sua forte presença nos anos 1980 parece estar relacionada à emergência e organização de diversos segmentos da sociedade brasileira que estavam reprimidos na sua expressão pública no período ditatorial. Além disto, a forte presença deste repertório nos anos 1980 e seu significativo declínio nas décadas posteriores parece ser um indicativo de um declínio relativo na capacidade de determinadas organizações, particularmente sindicatos de trabalhadores, de conseguirem produzir eventos de mobilização massiva de suas categorias. Os dados referentes a "Manifestação Pública via Meio de Comunicação em Massa" indicam sua maior importância relativa no período ditatorial. Neste

período, se constitui no segundo repertório mais frequente, tanto em termos percentuais quanto em termos absolutos. Esta centralidade indica que, ao lado do uso das poucas oportunidades institucionais disponíveis, o recurso à imprensa se colocava como uma alternativa que os atores utilizavam para expressar publicamente suas demandas (em geral, de forma não conflitiva). Curiosamente, ao longo do processo de redemocratização, observa-se que a imprensa (no caso, o jornal) vai perdendo sua importância, em termos absolutos e relativos, como espaço de expressão de demandas coletivas. Tal fato parece indicar uma tendência de crescente fechamento dos veículos da mídia corporativa para a expressão das demandas da sociedade civil. Por fim, o quinto repertório mais utilizado - "Paralisações, Greves e Boicotes ao Trabalho" - encontra-se praticamente ausente no período ditatorial, crescendo de forma expressiva no período da redemocratização e atingindo seu ápice na primeira metade da década de 1990 (se constituindo no segundo repertório mais frequente nos anos de 1990 e 1995). A força deste repertório no período de implementação de políticas liberalizantes no país, particularmente no início do Governo Fernando Collor em 1990, indicam uma forte capacidade de mobilização e de contestação por parte dos sindicatos de trabalhadores que se manteve até o ano de 2000. Os dados sobre os anos de 2005 e 2010 mostram, de um lado, uma diminuição expressiva do número de casos de uso deste repertório. No entanto, como há um declínio generalizado dos casos de expressão pública de demandas coletivas reportados pelo jornal neste período, observa-se que este repertório tende a manter uma posição relativa importante entre os repertórios utilizados na segunda metade dos anos 2000. Ainda, apesar de terem uma participação menor no total de casos, outros dois repertórios são aqui analisados, devido a grande variação e seu uso ao longo dos anos pesquisados. A Figura 4 mostra a variação absoluta desses repertórios e a Figura 5 a sua participação relativa nos casos totais de cada ano.

Figura 4 – Variação Absoluta do Uso Registrado dos Repertórios “Fechamento de Vias Públicas” e “Ocupação de Prédios e Terrenos” ao longo dos Anos.

Figura 5 – Participação Relativa do Uso Registrado dos Repertórios “Fechamento de Vias Públicas” e “Ocupação de Prédios e Terrenos” em cada Ano.

A partir dessas figuras, é possível observar que a "Ocupação de Prédios e Terrenos" é um repertório não noticiado no período ditatorial. A partir de 1980, identifica-se um tendência de crescimento do uso deste repertório que mantém-se ao longo de toda a década. Mesmo com o declínio de casos em 1995, observa-se que este repertório mantém sua importância relativa. Em 2000, por sua vez, há um expressivo crescimento do uso deste repertório que, mesmo declinando nos anos seguintes, mantém-se com relativa importância em 2005 e 2010. Ainda, observase que o repertório conflitivo de expressão de demandas coletivas do “Fechamento de Vias Públicas” ganha importância a partir da metade da década de 1990, quando apresenta um significativo e constante crescimento em termos absolutos e relativos. Em virtude de tal crescimento, em 2005 este repertório se constitui no segundo mais frequente entre os casos coletados na pesquisa. Em 2010, no entanto, há um forte declínio tanto na frequência dos casos como na importância relativa dos mesmos. Classificando-se todos os tipos de repertórios como “institucionais” e “extrainstitucionais”, é possível observar importantes variações no conjunto de dados 7. Apesar de tais tipos de repertórios corresponderem a partes semelhantes do total da amostra (respectivamente, 42,9% e 49,4%; somando-se 7,8% de “outros”), a variação do registro de uso de cada um desses tipos de repertório varia de forma significativa ao longo dos anos de acordo com padrões opostos. A Figura 6 mostra a variação absoluta do uso desses tipos de repertórios e a Figura 7 mostra sua participação relativa no total de casos de cada ano.

7

Foram classificados como institucionais os repertórios: “Reuniões e Pedidos Formais a Autoridades Públicas e Privadas”, “Manifestação via Meio de Comunicação em Massa”, “Manifestação em Plenário” e “Instrumentos Jurídicos e Legais”. Foram classificados como extra-institucionais os repertórios: “Atos, Passeatas e Carreatas em Locais Públicos (Repertórios de Rua)”, “Realização de Assembléias e Eventos”, “Fechamento de Vias Públicas”, “Ocupação de Prédios e Terrenos”, “Depredação, Rebelião e Confronto Direto com as Forças de Segurança”, “Paralisações, Greves e Boicotes ao Processo de Trabalho”, “Manifestação Performática” e “Mensagem em Espaço Público”.

Figura 6 – Variação Absoluta do Uso Registrado de Repertórios “Institucionais” e “Extra-Institucionais” ao longo dos Anos.

Figura 7 – Participação Relativa do Uso Registrado de Repertórios “Institucionais” e “Extra-Institucionais” em cada Ano.

Estes dados indicam, primeiramente, o crescimento em termos relativos e a manutenção da importância em termos absolutos dos repertórios extrainstitucionais, tendencialmente mais conflitivos, no período pesquisado. Saindo de uma situação inicial de quase inexistência no contexto ditatorial, o uso destes repertórios cresce fortemente no ciclo de protestos da redemocratização e, apesar de um declínio na metade da década de 1990, cresce significativamente na primeira metade dos anos 2000. Estes dados confrontam o argumento que aponta para uma crescente institucionalização dos repertórios de ação das organizações sociais a partir da década de 1990. Destaca-se, em especial, o fato de que o ano de 2005, terceiro ano do primeiro mandato do Presidente Lula, foi um período de intensa mobilização social. O ano de 2010, por sua vez, se caracteriza por um marcante declínio, em termos absolutos, da dinâmica conflitiva expressa pelo uso de repertórios extrainstitucionais. Tal fato pode estar relacionado tanto a uma certa estabilidade social gerada pela melhora de uma série de indicadores sócio-econômicos naquele período quanto a um recuo da conflitualidade social em um contexto de forte acirramento da disputa político-eleitoral com as eleições presidenciais de 2010. Por fim, um último aspecto a ser abordado é o uso da violência física como elemento constitutivo dos repertórios de expressão pública de demandas coletivas, que apresenta a seguinte evolução no período: Tabela 4 – Registro de Uso de Violência por Parte dos Manifestantes por Ano: Ano de ocorrência do evento: 1970 Registro de uso de

Não

violência por parte dos

1975

1980

1985

1990

1995

2000

2005

2010

Total

118

98

431

705

483

210

277

254

86

2662

99,2%

99,0%

98,0%

99,6%

98,2%

98,1%

96,9%

93,0%

100,0%

98,0%

1

1

9

3

9

4

9

19

0

55

,8%

1,0%

2,0%

,4%

1,8%

1,9%

3,1%

7,0%

,0%

2,0%

119

99

440

708

492

214

286

273

86

2717

100,0%

100,0%

100,0%

100,0%

100,0%

100,0%

100,0%

100,0%

100,0%

100,0%

manifestantes: Sim

Total

Estes gráficos mostram que o recurso a performances violentas tendeu a ser algo residual ao longo de todo o período analisado. Somente a partir do ano 2000 é que se observa um crescimento da importância relativa do uso da violência, que atinge em 2005 sua maior presença tanto em termos absolutos quanto relativos. No entanto, tal tipo de performance não foi observada em 2010. Os alvos da ação: a centralidade do Poder Executivo Nosso estudo buscou identificar os alvos dos usos de repertório de expressão pública de demandas coletiva nos casos analisados. Essa categoria foi subdividida em dois grupos. Em primeiro lugar, são categorizados os alvos de quem se reclama na ação contenciosa, ou seja, aqueles grupos ou indivíduos que são

vistos

como

os

responsáveis

pelos

problemas

identificados

pelos

desafiadores, sendo por eles contestados. Ainda, foram analisados os alvos a quem se demanda em tal ação, ou seja, aqueles vistos como os responsáveis por oferecerem as soluções para os problemas contestados pelos desafiadores ou vistos como os mediadores do conflito. Na medida em que, na grande maioria dos caso, esses dados coincidem, serão analisados nesse trabalho apenas os dados relativos à primeira dessas subdivisões internas.

Figura 8 - Distribuição dos Tipos de Repertórios Utilizados no Total da Amostra

Os dados gerais produzidos pela pesquisa sobre os alvos dos usos de repertórios de expressão pública de demandas coletivas (Figura 8) indicam a centralidade do Estado e, particularmente, do Poder Executivo (em seus três níveis federativos) nos casos observados. Em números relativos, é possível observar a prevalência do Poder Executivo como alvo das ações se mantém ao longo do tempo (a Figura 9 compara a participação relativa desse tipo de alvo no total de casos em cada ano à participação relativa do quarto tipo de alvo mais recorrente nos casos totais, “Outras Empresas Privadas”). Assim, mesmo que outras dinâmicas (tais como os repertórios de ação e os atores mobilizados) e o número absoluto dos casos observados variem de acordo com a abertura do regime, a probabilidade de que o Estado seja o alvo de uma ação contenciosa não é modificada com a variação das oportunidades. Ou seja, tanto em períodos

autoritários quanto em períodos democráticos, desafiantes tendem a tomar o Poder Executivo como alvo de suas ações, frente às demais possibilidades. Figura 9 – Participação Relativa dos Alvos “Governo Municipal”, “Governo Estadual”, “Governo Federal” e “Outras Empresas Privadas” no Total das Ocorrências Registradas em cada Ano

A Figura 9 também permite a análise das dinâmicas próprias de cada nível da Federação, o que se mostra interessante tendo em vista a centralidade do Poder Executivo. No que tange ao Governo Federal, observa-se que os números relativos de usos de repertório direcionados a esse ator tendem a ser constantes ao longo de todo o período da pesquisa. Esse padrão é apenas rompido no período de redemocratização, no qual há um decréscimo nos valores relativos dessa categoria. Curiosamente, picos de usos de repertório direcionados ao Governo Federal são observáveis nos primeiros mandatos do governo Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva (1995 e 2005, respectivamente). Os dados analisados indicam, porém, que a entrada do PT no Governo Federal – cujo impacto na ação coletiva é debatido pela literatura nacional - não coincide com mudanças na ocorrência relativa de usos de repertórios direcionados à União. Mesmo que os números absolutos indiquem um declínio na quantidade de usos

noticiados de repertórios direcionados a esse alvo, isso também pode ser observado para todos os outros alvos, inclusive para o Governo Estadual, ocupado nesse período por partidos de orientação ideológica distinta (PMDB e PSDB). Ainda, mesmo que a distância entre usos de repertório direcionados à União e aos governos do estado e dos municípios aumente, esse fenômeno parece estar mais relacionado a mudanças nas outras esferas de governo do que a mudanças no Governo Federal No que tange ao Governo Estadual, as variações observáveis nos dados também não parecem acompanhar a alternância de grupos com orientações ideológicas distintas no poder. Os números relativos observados no período de governo de Olívio Dutra (PT, em 2000), de Antônio Brito (PMDB, 1995), e nos governos do PMDB de 1990 (Pedro Simon e Sinval Guazzelli, a partir de abril) são, por exemplo, muito semelhantes. Ao contrário do que ocorre com o Governo Federal, esse ator ganha importância como alvo de usos de repertório da reivindicação coletiva no período da redemocratização, perdendo importância no período democrático, particularmente, a partir no ano de 2005 (Germano Rigottto, PMDB) e 2010 (Yeda Crusius, PSDB). Essa queda pode estar relacionada aos impactos da chamada “Reforma do Estado” ocorrida na década de 1990, que induziu o controle fiscal e uma política de privatizações, diminuindo, assim, a capacidade de investimento e de resposta desse ator, bem como a existência de órgãos e empresas ligadas ao Governo do Estado, entidades incluídas nessa categoria. Já no que se refere aos governos municipais, observa-se uma constante queda após o primeiro ano pesquisado (no qual também há maior prevalência de ações de grupos formais ou informais de moradores e de questões ligadas à infraestrutura e ao saneamento básico), sendo observados, em alguns momentos, níveis inferiores à categoria “outras empresas privadas”. Dessa forma, a alternância de grupos com orientações ideológicas no poder não parece afetar de forma decisiva as tendências já estabelecidas de contestação aos governos, podendo modificar, no entanto, fatores como os atores que a eles se dirigem e como as formas pelas quais a expressão pública das demandas coletivas ocorre.

Ainda, apesar da centralidade de conflitos envolvendo a relação entre capital e trabalho apontada nas seções seguintes, a Figura 9 indica que atores parecem ter menor capacidade, interesse ou recursos para desafiar empresas privadas nos casos analisados (ou tais casos são menos noticiados pelo veículo utilizado como fonte, também uma empresa privada). Esses dados podem indicar a capacidade da burguesia regional de evitar desafios diretos a sua autoridade e aos seus interesses por meio de formas de repressão como a demissão ou o corte de salários – que têm sua efetividade reforçada por questões estruturais como o desemprego e a pobreza. Já os dados relativos referentes a outros alvos cuja participação no total da amostra é menor do que daqueles já analisados indicam três fenômenos que devem ser tratados com maior atenção, justamente pela escassez relativa de repertórios utilizados contra tais atores em todos os anos de cobertura da pesquisa. A Figura 10, que mostra a participação relativa desses alvos em cada ano, por exemplo, não indica nenhuma categoria que ultrapasse 10% da amostra de cada ano em nenhuma ocasião.

Figura 10 - Participação Relativa dos Alvos “Sociedade como um Todo”, “Poder Judiciário”, “Poder Legislativo” e “Forças de Segurança” no Total das Ocorrências Registradas em cada Ano

Observa-se o crescimento relativo da categoria “sociedade como um todo” ao longo desse período, particularmente, no ano 2000. Tal crescimento vai ao encontro das propostas teóricas das chamadas “teorias dos novos movimentos sociais” que apontam a emergência da sociedade civil como um lócus propício para a inovação política e para transformação social. Em números relativos, no entanto, a prevalência desse tipo de alvo em nenhum momento se aproxima da centralidade do Estado para os processos de contestação política. Observa-se, ainda, que o Poder Legislativo (2,3% no total da amostra e 5,9% no seu ano de maior ocorrência relativa – 2010) e o Poder Judiciário (0,9% no total da amostra e 3,5% no seu ano de maior ocorrência relativa – 2010) são alvos menos freqüentes em todos os períodos se comparados ao Poder Executivo. Esse é um dado interessante, na medida em que o Congresso Nacional é seguidamente apontado por militantes relacionados a temas como a reforma agrária, o desarmamento e os direitos LGBT como um dos principais antagonistas a essas pautas. Observa-se a ausência de um histórico de usos de repertórios

direcionados a esse tipo de ator, o que parece obstaculizar a articulação de novas mobilizações que incidam sobre eles. No entanto, números relacionados a esses atores são superiores na variável relacionada aos alvos a quem se dirige a ação (sem ultrapassar 8% da amostra em nenhum ano). Isso pode indicar que o Poder Judiciário e o Poder Legislativo são tradicionalmente vistos pelos desafiantes mais como mediadores de conflitos - que podem, por exemplo, exercer influência sobre o Poder Executivo - do que como os responsáveis pela gestão das pautas propostas. Por fim, a Figura 10 também indica que repertórios utilizados tendo como alvo as “Forças de Segurança” - como as polícias militar e civil - são pouco freqüentes ao longo de todos os anos. Essa categoria representa apenas 1,6% de toda a amostra e, no ano de sua maior ocorrência relativa (1975), 6,1%. Assim, observa-se que a característica autoritária e repressiva desses atores (que não se limita ao período do Regime Militar) aparentemente não produz expressões públicas de demanda a eles direcionadas e, pelo contrário, as silencia. Os atores promotores das manifestações públicas de demandas coletivas: a centralidade das organizações de trabalhadores Os dados coletados sobre os atores promotores das manifestações públicas de demandas coletivas apresentam a seguinte distribuição:

Figura 11 – Distribuição dos Tipos de Atores Mobilizados no Total da Amostra

De acordo com estes dados, "Sindicatos, Federações, Associações e Grupos Informais de Servidores Públicos" se constituem como o tipo de ator mais ativo no período analisado, sendo responsáveis pela promoção de praticamente um quarto (23,6%) de todos os casos coletados. Em segundo lugar, com 15% dos casos, aparecem "Sindicatos, Federações, Associações e Grupos Informais de Trabalhadores Assalariados Urbanos". Em terceiro lugar, "Associações e Grupos Informais de Moradores" aparecem como promotores de 7,7% dos casos. "Sindicatos, Federações, Associações e Grupos Informais de Trabalhadores Rurais" se constituem como o quarto tipo de ator mais ativo, promovendo 7,5% dos casos. Com 6,9% dos casos, as organizações de "Estudantes" são o quinto tipo de ator com presença mais frequente nos dados coletados. Em sexto lugar temos

"Sindicatos,

Federações,

Associações

e

Grupos

Informais

de

Trabalhadores Autônomos e Liberais", com 5,1% dos casos. Em sétimo e oitavo lugares colocam-se dois tipos de atores patronais: os "Sindicatos, Federações, Associações e Grupos Informais da Classe Patronal Rural", com 4,2% dos casos, e "Sindicatos, Federações, Associações e Grupos Informais da Classe Patronal Urbana", com 3,7% dos casos. Por fim, entre os tipos de atores mais ativos, os "Movimentos Sociais Rurais" aparecem em nono lugar, com 3,5% dos casos. Contrariamente ao discurso corrente sobre uma denominada "crise do sindicalismo" e, mais amplamente, de um refluxo de mobilizações constituídas em torno de identidades de classe e/ou sócio-profissionais, os dados mostram que estas tiveram centralidade em todo período. Em especial, as organizações de trabalhadores (servidores públicos, assalariados urbanos e trabalhadores rurais) se constituem no principal ator construtor de demandas coletivas no período, respondendo, no conjunto, por 46,1% dos casos. Se ainda somar-se as organizações de trabalhadores autônomos e profissionais liberais, chega-se a mais da metade dos casos (51,2%). Esta informação para o conjunto do período pesquisado é limitada, no entanto, para apreender as mudanças na intensidade e capacidade de mobilização de cada tipo de ator ao longo do tempo. Para isto, passa-se agora à análise da evolução dos atores mais ativos no período pesquisado. Primeiramente, a Figura 12 mostra a evolução dos sindicatos, federações e associações de trabalhadores ao longo dos anos. No que se refere aos "Sindicatos, Federações, Associações e Grupos Informais de Servidores Públicos", partindo de uma situação de quase ausência no período ditatorial, quando a sindicalização de servidores públicos era proibida, estes atores crescem de importância ao longo da década de 1980, tornando-se os atores mais ativos em 1985 e, especialmente, 1990, quando respondem sozinhos por praticamente 40% dos casos coletados (39,3%). Apesar do significativo declínio do número absoluto de casos a partir de 1995, em termos relativos este ator sempre se manteve como o mais ativo até 2010. Os

"Sindicatos,

Federações,

Associações

e

Grupos

Informais

de

Trabalhadores Assalariados Urbanos" relativamente similar àquela observada

para as organizações de servidores públicos. As principais diferenças são: uma maior presença prévia nas notícias, indicando uma mobilização que já começa a se intensificar na segunda metade dos anos 1970; uma ascensão menos acentuada entre 1980 e 1990; e um declínio contínuo da importância relativa, ao contrário dos servidores públicos, que voltam a crescer em termos relativos em 2010. Figura 12 - Participação Relativa dos Diversos Tipos de Sindicatos, Federações e Associações de Trabalhadores no Total das Ocorrências Registradas em cada Ano

Já as organizações de trabalhadores rurais tiveram uma atuação intensa ainda no período ditatorial, em especial em 1975, quando foram o tipo mais frequente de ator promotor dos eventos coletados juntamente com "Sindicatos, Federações, Associações e Grupos Informais de Trabalhadores Assalariados Urbanos" (ambos com 15,3% dos casos). Mas, ao contrário dos outros tipos de organizações de trabalhadores, os "Sindicatos, Federações, Associações e Grupos Informais de Trabalhadores Rurais" apresentam um profundo declínio no ano de 1990. Estes atores ampliam sua presença nos anos de 1995 e 2000, declinando novamente em termos absolutos e relativos em 2005 e 2010.

No que diz respeito aos "Sindicatos, Federações, Associações e Grupos Informais de Trabalhadores Autônomos e Liberais", observa-se uma significativa importância no período ditatorial, particularmente em 1970, quando foram o segundo tipo de ator mais frequente, protagonizando 9,3% dos casos. Após um significativo declínio em 1975, este tipo tende a manter sua importância relativa ao longo de todo o período. A exceção, no entanto, é o ano de 2010, quando observa-se um forte crescimento relativo da frequência de eventos promovidos por este tipo de ator, se coloca como o segundo tipo mais ativo respondendo por 14,1% dos casos. Uma análise semelhante pode ser feita com relação a sindicatos, federações e associações da classe patronal. A Figura 13 mostra a evolução desses atores ao longo dos anos. Figura 13 - Participação Relativa dos Diversos Tipos de Sindicatos, Federações e Associações da Classe Patronal no Total das Ocorrências Registradas em cada Ano

No caso dos "Sindicatos, Federações, Associações e Grupos Informais da Classe Patronal Rural" observa-se uma dinâmica de declínio desde o período

ditatorial até o ano de 1990. Entre 1995 e 2000 há um progressivo aumento do número de casos, que atinge seu ápice no ano de 2005, quando este tipo de ator se torna o segundo mais frequente, respondendo por 11,3% dos casos coletados naquele ano. Apesar do forte declínio do número absoluto de casos em 2010, este tipo ainda se mantém como um dos mais ativos em termos relativos. Já "Sindicatos, Federações, Associações e Grupos Informais da Classe Patronal Urbana" também apresentam um protagonismo maior em termos da promoção de reivindicação pública de demandas coletivas no período ditatorial e um progressivo declínio relativo ao longo do tempo. Com intensidade menor do que a observada no caso do patronato rural, observa-se um crescimento relativo das reivindicações promovidas pelo patronato urbano nos anos de 2005 e 2010. Já a Figura 14 representa a dinâmica relativa de três outros importantes atores: “Associações e Grupos Informais de Moradores”, “Estudantes”, e “Movimentos Sociais Rurais”. Figura 14 - Participação Relativa de “Associações e Grupos Informais de Moradores”, “Estudantes”, e “Movimentos Sociais Rurais” no Total das Ocorrências Registradas em cada Ano

No que tange às "Associações e Grupos Informais de Moradores", observase que no período ditatorial, particularmente em 1970, há uma forte mobilização para a expressão pública de demandas coletivas, mesmo que sem a utilização de repertórios confrontacionais. Assim, em 1970, "Associações e Grupos Informais de Moradores" aparecem como o tipo de ator mais ativo, respondendo por praticamente um terço (33,1%) dos casos coletados. Após um forte declínio em 1975, observa-se um significativo crescimento dos casos na década de 1980 e um progressivo declínio a partir de 1990. Em que medida esta evolução observada, em especial a diminuição dos casos a partir de 1990, se relaciona à institucionalização de canais de participação (como o Orçamento Participativo Alegre) centralmente direcionados ao atendimento das demandas tradicionais das "Associações e Grupos Informais de Moradores" é uma hipótese a ser analisada. Já “Estudantes” apresentaram um forte protagonismo no período ditatorial, particularmente em 1975, e no início da abertura política do país. Neste sentido, no ano de 1980, os estudantes são o tipo mais frequente entre os promotores das reivindicações coletadas, com 18,9% dos casos. Após um forte declínio na segunda metade da década de 1980 e nos anos 1990, observa-se em 2000 um crescimento significativo dos casos protagonizados pelos estudantes, que passam a ser o terceiro tipo mais frequente naquele ano. Ainda, os "Movimentos Sociais Rurais" apenas emergem no período da redemocratização (em 1985) e apresentam uma evolução marcada por certa estabilidade da importância relativa de sua presença entre os casos analisados. A exceção, em relação a isto, é o ano de 2005, quando se observa o maior número absoluto de casos noticiados para esse ator (27) e um significativo crescimento deste ator em termos relativos (se constituindo o terceiro tipo mais frequente em 2005). Por fim, outros dados merecem destaque. As categorias “Outros Movimentos Sociais”, que engloba movimentos como o movimento feminista, negro e LGBT são pouco freqüentes na amostra (2,3% do total e 4,7% no seu ano de maior ocorrência - 2010). O mesmo ocorre para “Entidades Ambientais (1,5% do total e 4,1% no seu ano de maior ocorrência – 1975). Esses dados parecem

contrariar a expectativa de protagonismo dos chamados “novos movimentos sociais” indicada por parte da literatura sobre o tema. Objetos da ação: a centralidade das demandas coletivas relacionadas à posição de classe Os principais temas que se constituíram como objeto das reivindicações públicas de demandas coletivas pesquisadas apresentam a seguinte distribuição (Figura 15): Figura 15 - Distribuição dos Tipos de Objetos da Ação no Total da Amostra

Os dados do gráfico acima mostram a centralidade de reivindicações vinculadas a questões "Salariais e Trabalhistas". O percentual total de reinvindicações coletivas pelos diferentes tipos de atores em torno dessas questões é de 36,4%, número consideravelmente maior que o das demais categorias analisadas. Tal dado permite constatar que, na realidade, os conflitos relacionados ao trabalho apresentam-se como objeto central no uso de repertórios de reivindicação pública de demandas coletivas. Em segundo lugar, em termos de

frequência, aparece "Economia Industrial, Agrícola e Financeira", com 11,5% dos casos. Com 10,6% dos casos, "Reivindicação e Garantia de Direitos Básicos (Saúde, Educação e Moradia)" se coloca como o terceiro objeto mais frequente de reivindicação. "Questões Agrárias", por sua vez, se apresentam como objeto de 5,2% dos casos, colocando-se em quarto lugar. Em quinto lugar, presente em 4,8% dos casos, colocam-se demandas relacionadas a "Transporte, Trânsito e Circulação". "Poluição ou Preservação Ambiental" constitui o objeto de 3% dos casos. Em sétimo lugar, com 2,7% dos casos, coloca-se "Reivindicação e Garantia de Direitos de Grupos Minoritários ou Marginalizados". "Segurança Pública" aparece em oitavo lugar, com 2,6% dos casos. Por fim, em nono lugar, encontramse as demandas por "Infra-Estrutura e Saneamento", em 1,9% dos casos. Figura 16 - Participação Relativa dos Objetos “Salarial e Trabalhista”, “Economia Industrial, Agrícola e Financeira” e “Reivindicação e Garantia de Direitos Básicos (Saúde, Educação e Moradia)” no Total das Ocorrências Registradas em cada Ano

A Figura 16 mostra as variações da participação relativa na amostra de cada ano dos três atores mais freqüentes no total da amostra. Os dados do gráfico mostram um aumento progressivo da categoria "Salarial e Trabalhista" até o ano

1990, quando respondem por praticamente dois terços (61,6%) dos casos coletados. Após esse período, há uma queda significativa e linear, com pequena oscilação positiva em 2010 (de 16,1% dos casos, em 2005, a 17,4%). Apesar do declínio em relação aos anos anteriores, a categoria continua sendo, em relação à quase totalidade das outras, em todos os anos pesquisados, expressivamente maior. No que se refere ao objeto "Economia Industrial, Agrícola e Financeira", observa-se a centralidade deste tema nas reivindicações centralmente patronais do período ditatorial, especialmente em 1975, quando é categoria mais frequente com 23,2% dos casos. Após o declínio no período da redemocratização, observase um crescimento e manutenção da importância relativa deste objeto a partir de 1995, condizente com o maior protagonismo patronal no período, observado anteriormente. Os dados referentes ao terceiro tema mais frequente, "Reivindicação e Garantia de Direitos Básicos (Saúde, Educação e Moradia)", mostram sua maior centralidade nos anos iniciais e finais do período analisado, mostrando a manutenção de profundas carências na oferta e/ou na qualidade de serviços públicos básicos. O forte crescimento, em termos de importância relativa deste objeto em 2010, quando se coloca como o segundo tema mais frequente (16,3% dos casos), é um indicador importante da intensificação de insatisfações sociais relativamente aos serviços públicos.

Figura 17 - Participação Relativa dos Objetos “Questões Agrárias” e “Transporte, Trânsito e Circulação” no Total das Ocorrências Registradas em cada Ano

Já a Figura 17 mostra as variações da participação relativa na amostra de cada ano do quarto e quinto objetos mais frequentes no total da amostra (em torno de 5% do total da amostra). As "Questões Agrárias" estão ausentes das notícias até 1980, apresentando um crescimento contínuo de sua importância relativa até o ano de 2005, declinando significativamente em 2010. Tal trajetória esta diretamente relacionada à trajetória reivindicatória dos Movimentos Sociais Rurais, analisada anteriormente, que foram capazes de colocar e manter a Reforma Agrária como temática importante da agenda política do país. No que se refere às demandas relacionadas a "Transporte, Trânsito e Circulação", verifica-se, no ano de 1970, uma ocorrência significativa de reivindicações cujo objeto centra-se nesse tema, que se apresenta como o segundo tema mais frequente no período (14,4% dos casos). A partir de 1975, repertórios relacionados a esse objeto diminuem bastante, com novo pico somente em 2005, quando aparecem como o terceiro tema mais frequente (11,7% dos

casos), antecipando a centralidade adquirida pelo tema no ciclo de protestos de 2013. Figura 18 - Participação Relativa dos Objetos “Poluição ou Preservação Ambiental”, “Reivindicação e Garantia de Direitos de Grupos Minoritários ou Marginalizados”, “Segurança Pública” e “Infra-Estrutura e Saneamento” no Total das Ocorrências Registradas em cada Ano

Por fim, a Figura 18 apresenta as variações da participação relativa na amostra de cada ano do sexto ao nono objeto mais frequente o total da amostra (entre 1,9% e 3,0% do total da amostra). Os dados sobre o objeto “Poluição ou Preservação Ambiental” mostram uma dinâmica, em parte, muito relacionada a conflitos ambientais locais. Em 1975 - ano com forte presença do tema ambiental, quando é o quarto mais frequente (10,1% dos casos) – ocorre um evento histórico para a mobilização ambiental no Rio Grande do Sul. Estudantes subiram em árvores que seriam cortadas para a ampliação de uma via em frente à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ocorrência que gera reações de apoio, inclusive, no jornal Zero Hora. Ainda, esse é o primeiro ano da amostra após a fundação da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan). No que se refere à "Reivindicação e Garantia de Direitos de Grupos Minoritários ou Marginalizados", observa-se que esta temática apresenta uma forte

oscilação ao longo do período analisado. A baixa frequência relativa deste objeto não deixa de ser surpreendente e problematiza diversas hipóteses sobre a ascensão de movimentos identitários de segmentos marginalizados da sociedade a partir da década de 1980 em detrimento de reivindicações baseadas em identidades de classe/sócio-profissionais ou de melhorias das condições materiais de existência. Já a segurança pública, tema que não figurava como objeto muito frequente em repertórios de reivindicação até o ano 2000, passa a representar uma porcentagem relevante do total dos mesmos a partir de 2005. Em 2010, este tema atinge 10,5% do total de casos, se constituindo no terceiro tema mais frequente nas reivindicações. Por fim, objetos de confronto ligados à infraestrutura e saneamento, que em 1970 representavam 11,9% do total de eventos, caem significativamente até 1985, com pequena oscilação para cima em 1990 e chegando a 0% em 1995 e 2000. Em 2005 e 2010 voltam a ter representatividade, mas muito pouco expressiva, ficando entre 1,1% e 1,2% do total de casos. A queda no percentual de repertórios de contestação reivindicando infraestrutura e saneamento, objeto de confronto com grande número de incidência nos anos 70, quando reclamações concernentes a problemas em bairros realizadas por grupos e associações de moradores representava uma das únicas formas de contestação possível, pode estar relacionada à crescente atenção dedicada a partir dos anos 1980 a processos democráticos participativos, culminando na implantação do Orçamento Participativo em Porto Alegre, em 1989. O deslocamento das demandas de infraestrutura e saneamento para o Orçamento Participativo pode explicar, em parte, a queda no número de casos de reivindicação com este objeto. Considerações Finais A grande quantidade de dados produzidos por meio da AEP, abrangendo um amplo recorte geográfico e temporal, permite a visualização de tendências históricas nos processos de mobilização social no Rio Grande do Sul. Confrontos

políticos podem assim ser caracterizados ao longo do tempo, atentando-se para mudanças pertinentes em suas dinâmicas. No que tange aos repertórios da ação coletiva, os dados indicam uma importância cada vez maior dos repertórios extra-institucionais e, particularmente, de atos, passeatas e carreatas conduzidas em locais públicos. Observa-se, ainda, uma retração na importância relativa das notificações de uso de repertórios institucionalizados, que podem indicar ou a diminuição efetiva de sua importância ou, contrariamente, sua rotinização, retirando o caráter de “notícia” de tais acontecimentos. Observa-se, ainda, a centralidade do Estado e, particularmente, do Poder Executivo como alvo das manifestações públicas de demandas coletivas, destacando-se a estabilidade da importância do Governo Federal nesse aspecto ao longo do tempo. Organizações de trabalhadores são os principais promotores dos

repertórios

analisados.

Servidores

públicos

se

apresentam

como

protagonistas em diversos períodos e, mais recentemente, profissionais autônomos e liberais, bem como movimentos sociais rurais ganham destaque. De forma coerente à centralidade de sindicatos, federações e associações de trabalhadores e de grupos patronais, demandas relacionadas às posições de classe são também centrais em todos os anos analisados. Recentemente, demandas relacionadas a direitos básicos voltam a ter importância relativa semelhante a que tiveram na década de 1970 e o tema da segurança pública surgem como um novo objeto importante. As dinâmicas do passado e seus desenvolvimentos recentes podem auxiliar uma compreensão de fenômenos contemporâneos, indicando o que pode ser visto como permanência e o que se caracteriza como quebra da tendência histórica. Os eventos ocorridos em junho de 2013 em todo o Brasil, por exemplo, parecem confirmar algumas tendências históricas observáveis nesse estudo. Se a hashtag “#vemprarua” se tornou um dos marcos simbólicos desses eventos, os dados apontam que o “ir para a rua” vem historicamente se consolidando como o mais importante repertório de manifestações públicas de demandas coletivas. Ainda, a centralidade das críticas ao Poder Executivo Federal observada nesses eventos

reproduz uma antiga tendência histórica observável nos dados. Os dados indicam, portanto, que sujeitos dispostos a se mobilizarem já encontravam na “rua” e no “Governo Federal” a forma e os alvos de ação modulares para expressar suas demandas. Tais eventos, no entanto, apresentam um novo padrão de atores mobilizados e de objetos de confronto. Dessa forma, uma das questões centrais a serem respondidas sobre Junho de 2013, de acordo com os dados dessa pesquisa é: como organizações sindicais e demandas relacionadas às posições de classe perdem a centralidade nesses eventos? Os dados apontam pequenas tendências recentes que merecem ser exploradas nesse sentido, tais como: a retomada da importância de atores ligados ao setor patronal (principalmente, no setor rural); o crescimento de uma pauta tradicionalmente conservadora, a segurança pública; e a estabilidade do tema do transporte, do trânsito e da circulação ao longo dos anos. Porém, a característica massiva e midiática de tais eventos pode obscurecer dinâmicas que não atraem a atenção de pesquisadores e leitores de jornal de forma tão intensa. Apenas a análise de um grande conjunto de dados relativos a anos mais recentes permite sabermos se, de fato, sindicatos e questões ligadas a posições de classe perdem importância nos anos presentes, ou se as grandes mobilizações se constituem como exceções frente à continuidade de um padrão histórico. É necessária, portanto, a continuidade desse e de outros estudos com essas características, para que, através de análise de macro-dinâmicas do passado, do presente e do futuro, possamos compreender melhor as dinâmicas da contestação. Referências Bibliográficas EARL, Jennifer; MARTIN, Andrew; MCCARTHY John; SOULE, Sarah. The Use of Newspaper Data in the Study of Collective Action. Annual Review of Sociology, v.30, p. 65-80, 2004. KOOPMANS, Ruud; NEIDHARDT, Friedhelm; RUCHT, Dieter. Introduction: Protestas a Subject of Empirical Research. In:_________(eds). Acts of dissent:

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