Diogo, A, Ferreira, M & Melo, BP (2016) Exames para que te quero? … Barómetro Social 1ª Série de 2016 de Artigos de Opinião (março de 2016)

May 24, 2017 | Autor: M. Portugal Melo | Categoria: Sociology of Education, Sociology of Children and Childhood, Sociology of the Family
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“Exames para que te quero!”: Pistas para aprofundar um debate inacabado Publicado em 8 de Abril de 2016 por Conselho de Coordenação

Dimensão analítica: Educação, Ciência e Tecnologia Título do artigo: “Exames para que te quero!”: Pistas para aprofundar um debate inacabado Autoras: Ana Matias Diogo, Manuela Ferreira, Benedita Portugal e Melo Filiação institucional: Universidade dos Açores; Faculdade de Psicologia e Ciências da educação, Universidade do Porto; Instituto de Educação, Universidade de Lisboa E-mail: [email protected]; [email protected]; [email protected] Palavras-chave: Exames do 4º Ano, Crianças, Modelos educativos familiares. O recente cancelamento dos exames nacionais do 4º ano de escolaridade tem vindo a animar um forte debate público, alimentado não só nos media tradicionais, mas também nas redes sociais e na blogosfera. Trata-se de um debate que, em grande medida, retoma os argumentos que vinham sendo esgrimidos desde 2012/2013, altura em que os exames foram reintroduzidos no sistema educativo português. A pesquisa que realizámos sobre este debate mantido a partir de blogues, no período 2012-2015 [1], mostrou que nele participa uma diversidade de atores sociais: jornalistas e políticos, psicólogos e especialistas da educação, professores e pais, mas, de forma muito expressiva, as mães. Os seus posicionamentos face aos exames enquadram-se num pano de fundo ideológico que poderá resumir-se, em termos simples, aos valores que cada agente educativo defende para se promover uma escola justa [2]. Os que pendem para a oposição aos exames entendem que estes “não são garantia de qualidade dos resultados” porque tratam a escolarização como se esta fosse equivalente a uma “competição desportiva”, “estão centrados em produtos e numa avaliação sumativa que é redutora”, valorizando essencialmente o princípio da “igualdade distributiva de oportunidades” [2]. Por seu turno, para os que são a favor, os exames potenciam “o rigor, exigência e responsabilidade” e a possibilidade de “recuperar alunos com insucesso” – são “um momento de avaliação como qualquer outro na vida curricular de um estudante”. Estes últimos parecem, pois, privilegiar o princípio da “igualdade meritocrática de oportunidades” [2] no processo de construção de um sistema educativo mais justo. Entendidos por muitos Estados da Europa como relevantes instrumentos “de medição e controlo da qualidade do ensino e de planeamento dos sistemas educativos” [3], a reintrodução dos exames no 4º ano de escolaridade no nosso país veio dar corpo aos objetivos políticos de “rigor”, “exigência” e “excelência” no sistema educativo nacional, tornando Portugal num dos poucos países europeus com este tipo de prova numa fase de escolarização tão precoce [3]. Para lá de todo o debate ideológico, permanece, no entanto, por fazer o estudo rigoroso e sistemático das consequências da implementação da medida. Este trabalho não pode limitar-se, todavia, à mera análise das estatísticas das retenções para inferir, a partir daí, sobre o baixo impacto dos exames no percurso escolar dos alunos do 4º ano, como recentemente veiculado na comunicação social, a propósito da apresentação do relatório técnico do CNE sobre avaliação das aprendizagens dos alunos no ensino básico [4]. Este estudo implica a realização de análises mais finas que acompanhem o quotidiano e a perspetiva dos diversos atores envolvidos, não descurando as famílias e as crianças. Neste sentido, a análise dos discursos que foram

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sendo publicados na blogosfera sobre os exames [1] permitiu-nos obter algumas pistas importantes para a compreensão dos efeitos dos exames no quotidiano das crianças. A maioria dos posts publicados por pais, esmagadoramente mães das classes médias urbanas altamente escolarizadas, evidenciou que os exames contaminam a vida destas famílias, curricularizando [5] o seu quotidiano, o que, porém, está longe de ser vivido de forma pacífica, sendo gerador de tensões para as próprias mães, entre estas e os filhos ou entre o casal. Nos discursos das mães está patente, antes de mais, uma tensão entre duas concepções de criança. Oscilando entre protegerem os filhos enquanto “criança-criança”, mantendo-os num estado de inocência relativamente ao mundo competitivo dos adultos, e prepará-los “para a vida” de modo “rigoroso e exigente”, forçando-os a ser essencialmente “alunos-crianças” para conseguirem atingir bons resultados académicos, na prática, parecem fazer pender o peso da balança para as atitudes educativas que valorizam esta última vertente. A aposta numa escolarização bem sucedida decorre de um árduo processo que depende do esforço, empenho e trabalho realizado pelas crianças, tal como do esforço, empenho e trabalho dos pais, e especialmente das mães. Nalgumas situações, a forte atenção concedida aos estudos das crianças traduz uma “boa vontade escolar”, na qual os pais se assumem como treinadores de “filhos-aluno”: “Pusemo-la a trabalhar muito. (…) Com muita conversa, explicações e por fim chantagem: se não estudasse não ia às festas de aniversário dos amigos do colégio. Lá conseguimos que cedesse”. Noutras, a aposta parece ser mais marcada por uma “boa vontade cultural”, em que as preocupações com a cultura escolar e a performance académica se conciliam com uma conceção de “criançacriança” enquanto “sujeito cultural” [7]: “Há que suar as estopinhas (…), não só no estudo acompanhado, mas utilizando os momentos em família para jogos e discussões interessantes sobre os mais variados assuntos. Como é que os miúdos hão-de formar um imaginário rico o suficiente para escreverem composições criativas se não lêem livros variados, não vão a museus, (…) não conhecem ambientes bucólicos e cosmopolitas?”. Estes modelos educativos, muito colados à cultura escolar, parecem justificar-se pelo facto de estarmos perante atitudes e representações de famílias das classes médias urbanas muito escolarizadas. Embora não nos permitam perceber a dimensão real das desigualdades sociais geradas pela implementação dos exames, nomeadamente ao nível do quotidiano das crianças e famílias, poderão constituir sinais claros da emergência de uma “parentocracia” educacional [8] em processos de escolarização cada vez mais precoces. Por outro lado, o facto de as mães nem sempre se posicionarem de forma unívoca relativamente aos modelos ideais tipo “criança-criança” e “criança-aluno”, construindo lógicas compósitas de justificação das suas conceções e ações, demonstra como o exercício desta parentocracia poderá albergar tensões e gerar emoções inusitadas. Se, por um lado, reconhecem o poder da escola para definir o destino social dos filhos e assumem a necessidade de se obterem elevadas performances escolares, as mães não deixam de lamentar a omnipresença da escola no seu quotidiano e evidenciar receios relativamente aos efeitos dos exames no desenvolvimento dos filhos. Ainda que devam ser merecedoras de futuros desenvolvimentos, estas pistas poderão contribuir para enriquecer os pontos de vista dos que pretendem participar neste debate, cujos contornos são bem mais complexos do que se poderia supor. Notas [1] Melo, B. P.; Diogo, A. M.; Ferreira, M. (2015), “Os exames do 4º ano na blogosfera: concepções sobre escola, crianças e dinâmicas familiares”, comunicação apresentada na I Conferência Ibérica de Sociologia da Educação, Lisboa, 9-11 julho (submetido para publicação). [2] Dubet, F. (2005), La escuela de las oportunidades. Qué es una escuela justa?, Barcelona, Ed. Gedisa.

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[3] Eurydice (2010), Exames nacionais de alunos na Europa, Lisboa, Ed. Min. Educação. [4] CNE (2016), Relatório Técnico – Avaliação das aprendizagens dos alunos no ensino básico, Lisboa, CNE. [5] Erickson, K., & G. Larsen (2002), “Adults as resources and adults as burdens. The strategies of children in the age of school-time relations”, em R. Edwards (Org.), Children, home and school, regulation, autonomy or connection?, London, Falmer Press, pp. 92-105. [7] Chamboredon, J.-C., & J. Prèvot (1982), “O ofício da criança”, em S. Stoer e S. Grácio (Orgs.), Sociologia da educação – I, Lisboa, L. Horizonte, pp. 51-77. [8] Nogueira, M.A. (2012), “Um tema revisitado. As classes médias e a educação escolar”, em J. Dayrell et al. (Orgs.), Família, Escola e Juventude, B. Horizonte, UFMG, pp. 110-131. . Esta entrada foi publicada em Educação, Ciência e Tecnologia com as tags Crianças, Exames do 4º Ano, Modelos educativos familiares. ligação permanente.

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