Direito à informação e à memória: Análise sobre a preservação do patrimônio digital no site da Prefeitura de Fortaleza

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Direito à informação e à memória: Uma análise sobre a preservação do patrimônio digital a partir do site da Prefeitura de Fortaleza1 LUZ, Ana Javes (Mestranda)2 Universidade Federal do Rio Grande do Sul/RS Resumo: Esse texto analisa a importância da preservação do patrimônio digital das instituições públicas, em especial aquele fruto das ações de comunicação empreendidas pelo Estado democrático. Defende que o acesso à informação de interesse público é um direito dos cidadãos e que a conservação dos registros produzidos pelas instituições, bem como a garantia de livre acesso a esses conteúdos, é condição indispensável para o fortalecimento da democracia, que tem por princípio a promoção e defesa do interesse público. Esse trabalho parte das teorias que balizam os entendimentos sobre democracia, comunicação pública, interesse público e patrimônio digital para analisar o caso específico do portal da Prefeitura de Fortaleza, site institucional do poder público municipal de onde foram retirados todos os registros das ações de gestões que administraram a cidade antes do ano de 2013, impedindo o acesso dos cidadãos à memória política e administrativa da Cidade. Palavras-chave: Comunicação Institucional; Comunicação Pública; Patrimônio Digital; Prefeitura.

(...) as coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão. Mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão. (Memória, Carlos Drummond de Andrade)

1. Introdução O direito de acesso à informação é uma das prerrogativas do Estado democrático. Nele, os cidadãos devem ter a garantia de que as decisões do governo sejam públicas e, mais do que isso, tomadas em benefício do interesse público. Na democracia contemporânea, é principalmente através da comunicação pública que os governos aproximam-se dos governados e dão transparência aos seus atos. Prática legítima e indispensável ao bom funcionamento do sistema, através da comunicação pública as instituições democráticas publicizam suas ações, permitem seu acompanhamento, julgamento e legitimam, em última instância, o próprio governo. 1. Trabalho apresentado no GT de História da Publicidade e da Comunicação Institucional, integrante do 10º Encontro Nacional de História da Mídia, 2015. 2. Jornalista, graduada pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mestranda da linha de pesquisa Mediações e Representações Culturais e Políticas do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação - PPGCOM/UFRGS. Email: [email protected]

Mas se para as instituições democráticas é forçosa a comunicação pública, igualmente é dever do Estado preservar e garantir o acesso dos cidadãos interessados aos frutos desta comunicação. Atualmente, com a consolidação das comunicações de massa e o rápido desenvolvimento das tecnologias digitais de informação e comunicação, especialmente a internet, o acesso a estes conteúdos está cada vez mais facilitado. No entanto, uma outra preocupação tem provocado crescentes debates sobre o tema: como preservar as informações produzidas e armazenadas exclusivamente no ambiente digital? Esse texto tem por objetivo analisar a importância da preservação do patrimônio digital das instituições públicas, mais especificamente aquele fruto das ações de comunicação empreendidas pelo Estado democrático. Defende que a conservação dos registros produzidos pelas instituições, bem como a garantia de livre acesso a esses conteúdos, é condição indispensável para o fortalecimento da democracia. Partindo das teorias que balizam os entendimentos sobre democracia, comunicação pública, interesse público e patrimônio digital, este trabalho analisa o caso específico do site da Prefeitura Municipal de Fortaleza, que foi totalmente reformulado durante a gestão que governou a cidade entre os anos de 2005 e 2012 mas teve, posteriormente, os seus registros apagados na administração subsequente, iniciada em janeiro de 2013. O objetivo é refletir os tensionamentos entre interesse público versus interesses privados nas democracias e de que maneiras o Estado democrático pode evoluir para assegurar a preservação deste patrimônio.

2. Democracia, Interesse Público e o lugar da Comunicação Pública Um sistema democrático pressupõe determinadas características e garantias aos seus cidadãos. Dentre elas, podemos citar eleições livres, justas e frequentes; liberdade de expressão; fontes de informação diversificadas; autonomia para as associações e cidadania inclusiva (DAHL, 2001). O que estas características pretendem assegurar, em última instância, é que a função fundamental desse Estado, a saber, a promoção e defesa do interesse público, seja cumprida.

Essa compreensão do interesse público como imperativo das democracias deve ser dimensionada e apreendida em contraposição aos interesses privados. Uma dicotomia revisitada em Bobbio (1987), que destaca, dentre outros, o seu aspecto valorativo, isto é, quando se atribui valor positivo a um dos conceitos o outro, necessariamente, adquire uma conotação negativa. Para Bobbio, o interesse público sempre será o valor positivo na democracia: [O primado do público] se funda sobre a contraposição do interesse coletivo ao interesse individual e sobre a necessária subordinação, até à eventual supressão, do segundo ao primeiro, bem como sobre a irredutibilidade do bem comum à soma dos bens individuais (BOBBIO, 1987, p. 24).

Além da defesa do interesse público, Bobbio compreende imprescindível inserir, para a conceituação da democracia, as noções de visibilidade e transparência do poder, pois a república democrática exige que o poder seja visível: É essencial à democracia o exercício dos vários direitos de liberdade, que permitem a formação da opinião pública e asseguram assim que as ações dos governantes sejam subtraídas ao funcionamento secreto [...] desentocadas das sedes ocultas em que procuram fugir dos olhos do público, esmiuçadas, julgadas e criticadas quando tornadas públicas (BOBBIO, 1987, p. 30).

Assim, afirma Bobbio (1986, p. 84), o governo democrático é “o poder público em público” e, sendo o regime do poder visível, é nele que encontramos as condições necessárias para a promoção da Comunicação Pública. Segundo Maria Helena Weber, a Comunicação Pública é a categoria necessária à análise das ações comunicativas do Estado democrático e existe a partir do momento em que o interesse público está em jogo. São esses temas de interesse público que “acionam o debate e movimentam as redes de comunicação pública e as redes de comunicação do Estado” (WEBER, 2011, p. 103). No mesmo sentido, Esteves (2011) enfatiza a importância do espaço público para as práticas do debate que essa comunicação deseja provocar. Segundo o autor: À dinâmica do espaço público se encontra um processo de esclarecimento em curso – que é o resultado, precisamente, das trocas comunicativas e de uma prática regular de caráter argumentativo, conduzida pelos membros da sociedade enquanto participantes do espaço público (ESTEVES, 2011, p. 200).

Para o autor, esse processo de esclarecimento, resultado de trocas comunicacionais de caráter argumentativo, resulta, em termos práticos, em uma comunicação como “medium por excelência de cidadania, colocado à disposição do conjunto da sociedade – dos destinatários em geral dos atos de governação” (ESTEVES, 2011, p. 202). O Estado cumpre os princípios da comunicação pública ao informar, explicar, disponibilizar, ouvir e contribuir com o exercício da cidadania (WEBER, 2010). E, a partir desses processos, o cidadão-eleitor “vai construindo sua opinião, a partir de um processo de tensionamentos em torno da visibilidade e da credibilidade, ao comparar as versões com sua vivência” (WEBER, 2007, p. 23). É importante ressaltar que o Estado Democrático pode promover a comunicação pública tanto a partir de políticas públicas como por políticas de comunicação. Políticas públicas dizem respeito ao exercício da cidadania, inclusão social, política e econômica com resultados na participação; e as políticas de comunicação incluem ações de relacionamento, adoção de dispositivos e mídias com resultados mais acentuados na transparência dos poderes. Participação e transparência se complementam, na mesma medida em que políticas públicas e políticas de comunicação estão imbricadas. Por isso, nas democracias contemporâneas, governos investem de maneira crescente em estruturas sofisticadas de comunicação. É o que Gomes (2004) chama de profissionalização da comunicação política, processo que resulta na demanda, pelo campo político e governamental, de profissionais como jornalistas, assessores de imprensa, publicitários, relações públicas, especialistas em sondagens e análises de pesquisa de opinião, consultores de imagem, dentre outros especialistas da área. Desta forma encontramos no âmbito dos poderes da democracia, especialmente nos executivos federal, estaduais e municipais, setores estruturados para se dedicarem à propaganda, às relações públicas, ao jornalismo, às mídias digitais. São profissionais que passam a fazer parte da estrutura administrativa do Estado, a fim de implementarem as ações comunicativas que irão promover a visibilidade, ações de accountability e a credibilidade do governo.

Estas ações comunicativas são planejadas e executadas de acordo com sua natureza. Ao jornalismo institucional cabe a promoção do governo junto aos veículos e profissionais da imprensa, com vistas a adentrar no espaço da notícia; à propaganda, cabe a ocupação dos espaços midiáticos da publicidade, comercializados para o setor público da mesma forma que para os anunciantes privados; às relações públicas, cabe a produção de eventos, as ações de cerimonial, a comunicação institucional do governo. E em comum para todos os setores, a prática contemporânea de disponibilização desses diferentes conteúdos comunicacionais na internet, através dos endereços oficiais dos poderes. Os sites governamentais podem ser considerados, cada vez mais, como a principal porta de entrada utilizada pelos cidadãos para obter informações sobre o funcionamento e as ações do poder público. Nestes espaços multimídia, as assessorias de comunicação costumam disponibilizar não apenas as informações de ordem legal, como editais, notas oficiais, orçamento e prestação de contas, mas também as suas campanhas institucionais, notícias, informações sobre prestação de serviços, agenda de eventos públicos etc. A internet permitiu ao Estado o uso e a ampliação de seu discurso (WEBER, 2011). Hoje em dia, os portais dos governos consolidaram-se como um grande arquivo, no qual é possível encontrar a memória das administrações públicas. Cidadãos, pesquisadores, instituições do Estado ou da iniciativa privada fazem uso desta ferramenta para ter acesso às informações governamentais. As estratégias dirigidas à construção e manutenção da visibilidade implicam a criação de um acervo de informação que serve ao indivíduo e à sociedade e criam uma memória sobre projetos políticos, programas, ações e discursos (WEBER, 2011, p. 112)

É justamente aqui que se encontra a questão à qual se destina este trabalho: em que medida o Estado está preparado para assegurar a preservação desta memória, construída com investimento de recursos públicos, executada em defesa do interesse público e cuja existência colabora substancialmente com o fortalecimento da democracia?

3. Preservação do patrimônio digital Desde que a humanidade começou a produzir documentos e artefatos, seja através da escrita ou das diversas formas de expressão artística, passou também a se preocupar em como manter e conservar esses registros. Trata-se de cuidado que está associado à noção de memória e ao desejo de preservar, para as gerações atuais e futuras, aquilo que faz parte e ajuda a contar a nossa história. Nas últimas décadas, a noção de preservação ganhou uma dimensão a mais: a proteção ao patrimônio digital, especialmente àquele concebido originalmente em formatos não-analógicos e cujo suporte são as plataformas e ferramentas desenvolvidas pelas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). Cada vez mais predominante entre as formas de registros oficiais, históricos e culturais, a discussão envolve não só as possíveis formas de conservação destas informações digitais, mas também a necessidade de garantir sua autenticidade e o acesso presente e futuro. Na 32a sessão da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), realizada em Paris no ano de 2003, a Organização – da qual o Brasil é um Estado-Membro – dedicou atenção especial ao assunto, defendendo que o desaparecimento do patrimônio sob qualquer forma constitui um empobrecimento do patrimônio de todas as nações. Como reconhece a Unesco, “esses recursos de informação e de expressão criativa são cada vez mais produzidos, distribuídos, acessados e mantidos em formato digital, criando um novo legado - o patrimônio digital” (UNESCO, 2003, p. 01). Assim, nesta Conferência Geral, foram definidos os princípios da “Carta sobre a Preservação do Patrimônio Digital”, segundo a qual: O patrimônio digital é composto por recursos únicos nas áreas do conhecimento e da expressão humana, sejam eles de ordem cultural, educativo, científico e administrativo ou que contenham informações técnicas, jurídicas, médicas ou de outros tipos, criados digitalmente ou convertidos em formato digital a partir de fontes analógicas existentes. Quando se afirma que os recursos são "de origem digital" quer dizer que estes existem apenas neste formato e em nenhuma outra forma que não a eletrônica (UNESCO, 2003, p. 01, tradução da autora).

A questão da preservação do patrimônio digital configura-se portanto como uma preocupação atual das nações e sua execução é um desafio a ser vencido. Segundo Cunha, Lima (2007), das muitas noções de preservação digital utilizadas hoje, as mais adotadas são aquelas advindas das organizações com grandes projetos na área, como a Association for Information and Image Management (AIIM), que entende a preservação digital como “[...] habilidade de manter documentos digitais e arquivos acessíveis por períodos de tempo que transcendam avanços tecnológicos sem afetar por alteração ou perda da legibilidade” (CHAPMAN, 2001 apud CUNHA, LIMA, 2007) e a Research Library Group/Online Computer Library Center Report (RLG/OCLC), para a qual a “preservação digital refere-se a uma série de atividades gerenciadas necessárias para assegurar o acesso contínuo e preservação de materiais digitais” (CHAPMAN, 2001 apud CUNHA, LIMA, 2007). Percebe-se, por estas definições, que a preocupação está não apenas na preservação dos documentos, mas também na garantia de acesso a esses dados no futuro, tendo em vista que os contínuos avanços e mudanças tecnológicas na produção e leitura das informações poderia acarretar na impossibilidade de acesso a documentos digitais mais antigos, criados em equipamentos ou softwares ultrapassados. Segundo Cunha e Lima (2007), que traçam um diagnóstico sobre o Estado da Arte da preservação digital no Brasil e no mundo, em nosso país, somente a partir dos anos 1990 começam a surgir publicações sobre o tema – mesma época em que as instâncias governamentais brasileiras iniciam um crescente processo de informatização dos serviços públicos. Uma ação significativa do Estado Brasileiro para a preservação dos acervos digitais foi a reformulação da Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos (CTDE), do Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), em funcionamento a partir de 2002. Foi através da CTDE/Conarq que, em 2004, um ano após a Conferência Geral da Unesco já citada, que definiu os princípios da preservação do patrimônio digital, o Brasil aprovou a sua “Carta para a Preservação do Patrimônio Arquivístico Digital”. No documento, o governo brasileiro se compromete a:

Definir procedimentos e estratégias de gestão arquivistica de documentos quando da criação, transmissão e preservação de documentos em formatos digitais, com o objetivo de garantir a produção e manutenção de documentos fidedignos, autênticos, acessíveis, compreensíveis e preserváveis (CONARQ, 2005).

Outro importante avanço do governo brasileiro para a garantir o direito de acesso à informação de interesse público, seja ela em formato analógico ou digital, foi a promulgação, em 2011, daquela que ficou conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI), à qual estão submetidos os órgãos públicos integrantes dos poderes executivo, legislativo, judiciário e do Ministério Público, bem como as autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. De acordo com a Lei, em seu artigo 6o, cabe aos órgãos do poder público assegurar: I - gestão transparente da informação, propiciando amplo acesso a ela e sua divulgação; II - proteção da informação, garantindo-se sua disponibilidade, autenticidade e integridade e III - proteção da informação sigilosa e da informação pessoal, observada a sua disponibilidade, autenticidade, integridade e eventual restrição de acesso (BRASIL, 2011).

Ainda conforme o artigo sétimo da lei, o acesso à informação compreende os direitos de obter “informação sobre atividades exercidas pelos órgãos e entidades, inclusive as relativas à sua política, organização e serviços” (BRASIL, 2011, Art. 7o, inciso V), bem como “informação pertinente à administração do patrimônio público, utilização de recursos públicos, licitação, contratos administrativos” (BRASIL, 2011, art. 7o, inciso VI), dentre outros. Assim, desde a promulgação da referida lei, o acesso à informação produzida ou sob a guarda do poder público, salvas as exceções previstas na própria legislação, podem ser solicitadas por qualquer cidadão. No entanto, para o caso específico da preservação de documentos em HTML, ou das páginas de sites na web, o desafio é ainda maior. Não existe dispositivo legal que assegure a manutenção destas informações em canais de livre acesso, como é o caso dos websites institucionais.

4. O caso da Prefeitura de Fortaleza Entre os anos de 2005 e 2012, a cidade de Fortaleza foi administrada por Luizianne Lins (PT), eleita para dois mandatos consecutivos como prefeita da cidade. Neste período, a Coordenadoria de Comunicação Social (CCS), órgão diretamente ligado ao gabinete da prefeita e com status de secretaria municipal, passou por um grande processo de reestruturação. Se no final da gestão anterior (2001 a 2004), a Coordenadoria de Comunicação Social contava com pouco mais de uma dezena de pessoas na equipe, ao final de 2012 o número de profissionais de comunicação diretamente contratados pela CCS saltou para 63, distribuídos entre a CCS e os diversos órgãos municipais (LUZ, 2014). Além disso, passou a contar com fotógrafos profissionais e equipe de cinegrafistas para documentação das ações e criação do banco de imagens e memória da gestão. Com a reestruturação, a Coordenadoria intensificou a cobertura própria das ações do governo, com produção de matérias diárias, fotos, vídeos e a realização de um programa semanal de webtv contendo o resumo das ações da semana – o programa “Fortaleza em Contexto”. Tudo isso podia ser acessado livremente através do portal da Prefeitura na internet3, que também passou a disponibilizar as campanhas de TV e rádio produzidas pela área de publicidade, como as campanhas educativas (sobre temas como trânsito, meio ambiente, direitos humanos, etc); de divulgação de serviços (a exemplo de matrícula escolar, vacinação, transporte) e as propaganda das ações governamentais (inaugurações, início de obras, etc). Também no site do governo municipal, era possível acessar as versões digitais de publicações impressas pela Prefeitura, como livros, jornais, revistas, cartilhas, manuais e guias, além de documentos oficiais como o Plano Diretor, a Lei Orçamentária Anual, a mensagem de balanço enviada anualmente pelo chefe do poder executivo à câmara dos vereadores, dentre outros. Por fim, durante a gestão, o próprio site foi reestruturado, adequando-se às novas linguagens e plataformas disponíveis à época. O novo portal passou a privilegiar o 3

http://www.fortaleza.ce.gov.br

acesso a informações sobre transparência pública, deu destaque aos serviços municipais mais buscados e às notícias da gestão. Esta memória, que se foi constituindo ao longo dos anos sobre a administração da cidade de Fortaleza no referido período (2005 a 2012), somada às informações que já existiam no site produzidas pelas administrações anteriores – e que foram mantidas pela administração em curso, mesmo com construção do novo portal, configurou-se como um grande banco de dados que permitiu o acesso às informações sobre o governo municipal por parte de instituições públicas e privadas ou de qualquer cidadão interessado. Muitas pesquisas acadêmicas foram produzidas à época sobre o então governo e, conforme é possível verificar através de busca nos repositórios de teses e dissertações universitários, esses pesquisadores tinham, neste endereço eletrônico, boa parte da sua fonte de informação. Em outubro de 2012, após acirrada campanha eleitoral, vence a disputa para administrar a cidade de Fortaleza no próximo quadriênio (2013-2016), um grupo político rival ao da então prefeita Luizianne Lins. O novo prefeito, Roberto Cláudio Bezerra, eleito pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), assume a prefeitura em janeiro de 2013 e uma das suas primeiras medidas, conforme matérias jornalísticas publicadas nos dois jornais de maior circulação da cidade de Fortaleza – Diário do Nordeste e O Povo (anexos 1 e 2), foi realizar modificações no site institucional da Prefeitura. De início, conforme relatado em ambos os jornais, as mudanças eram de caráter gráfico, alterando a então predominância das cores vermelha e amarela, que identificavam o governo anterior, para um novo padrão, no qual passou a predominar o verde e o azul. No entanto, com o passar dos dias e antes mesmo de completar um mês de gestão, o novo governo determinou a retirada de todo conteúdo produzido pela CCS – textos, fotos, publicações e materiais audiovisuais – que fizessem menção à ex-prefeita ou à sua gestão. A partir daí, memória política e administrativa da cidade até então disponível para consulta no endereço oficial da prefeitura na internet começa a se perder.

Conforme noticia o jornal Diário do Nordeste: Todas as notícias relacionadas às ações da Prefeitura de Fortaleza, anteriores ao dia 31 de dezembro de 2012, sumiram do site oficial. […] Um fato curioso é que, ao realizar uma busca no portal de Prefeitura de Fortaleza com a "tag" Luizianne Lins, o usuário encontrará apenas uma mensagem dizendo: "No momento, não existe nenhum conteúdo classificado com este termo". Na tentativa de buscar qualquer notícia relacionada à gestão passada, ou serão elencados notícias da nova gestão, ou uma outra mensagem informando que a "página não foi encontrada" (DIÁRIO DO NORDESTE, 08/01/2013).

O jornal O Povo também publica notícia semelhante, na mesma data: A mudança de cores no site oficial da Prefeitura de Fortaleza - sai o vermelho, entra o amarelo - veio acompanhada do desaparecimento de quase todas as informações relativas à gestão da ex-prefeita Luizianne Lins (PT). […] Na medida em que notícias da gestão RC eram publicadas no portal, informações do governo petista iam sendo deletadas, chegando nesta terçafeira, 7, a apenas duas notícias. [...] E nada mais se pode obter dos oito anos da gestão passada (JORNAL O POVO, 08/01/2013).

Uma pesquisa mais detalhada revela que as notícias e demais produtos de comunicação institucional que foram excluídos do portal do governo municipal eram referentes não apenas à gestão da ex-prefeita, como noticiam os jornais, mas atinge também os gestores municipais que a antecederam. Em busca realizada em abril de 2015, em que se pesquisou conteúdos com o nome da ex-prefeita Luizianne Lins, apenas uma ocorrência surge nos resultados. É a notícia intitulada “PGM ingressa com ação para tentar manter preço da passagem4”, datada de 08/01/2014, na qual se lê: “Roberto Cláudio voltou a lamentar a decisão da ex-prefeita Luizianne Lins de ter assinado o decreto reajustando o valor da passagem nos últimos dias da gestão”. Já quando é pesquisado o nome do prefeito anterior, Juraci Magalhães (PMDB), que governou a cidade entre os anos de 1997 e 2004, dezenas de notícias surgem, mas todas redigidas pela atual administração dando conta de algum fato ocorrido a partir de 2013 e nas quais o nome do ex-prefeito é citado. Nenhum resultado aponta documento ou material audiovisual produzido pelas antigas administrações. A exceção são leis, editais de licitação e diários oficiais do município (DOM), que ainda são mantidos no site mesmo se referentes aos anos anteriores a 2013. 4

Disponível em: www.fortaleza.ce.gov.br/noticias/transporte-publico/pgm-ingressa-com-acao-paratentar-manter-preco-da-passagem

5. Considerações Finais Na democracia, a comunicação das instituições do Estado exerce papel indispensável para formulação, promoção e julgamento das ações desempenhadas pelo poder público, favorecendo – e fortalecendo – a aproximação entre o governo e cidadãos. No caso dos sites oficiais dos poderes públicos, mais do que viabilizar a prestação de serviços aos governados, estes são espaços privilegiados de promoção da transparência e visibilidade, que facilitam e ampliam o acesso às informações de interesse público e sobre o poder público, permitindo também a criação de um acervo de documentos, inclusive audiovisuais, que ajudam a constituir a memória dessas instituições. No entanto, a preservação deste patrimônio ainda é um desafio para nossa democracia. Como parece ser o caso do site da Prefeitura Municipal de Fortaleza, e pode ser também o de inúmeras outras instituições em que ocorram sucessões administrativas envolvendo grupos políticos rivais, os tensionamentos entre interesse público versus interesses privados encontram aqui mais um espaço de verificação. Atualmente, se considerado apenas os resultados de buscas efetuadas no portal institucional da Prefeitura Municipal de Fortaleza, poderia se deduzir, erroneamente, que as ações do executivo municipal começaram a ser registradas apenas a partir de janeiro de 2013, com o início da atual administração. Um caminho possível para evitar que danos como este continuem a ocorrer contra o patrimônio e a democracia brasileira, e que aqui se defende urgente, parece ser a constituição de dispositivos legais que assegurem a preservação deste tipo de patrimônio digital, focando especificamente nos conteúdos produzidos para e/ou armazenados na internet, seja em sites ou em outros canais de comunicação institucional dos governos nesta plataforma, como redes digitais sociais. Estamos falando de instrumentos qualificadores da democracia, que devem ser promovidos e incentivados em todas as esferas de poder.

6. Referências BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. ____ O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. BRASIL. Lei Nº 12.527: Lei de Acesso à Informação. Brasília: 2011. Disponível em www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm Acessado em 05/05/2015. CONARQ - Conselho Nacional de Arquivos. Carta para a Preservação do Patrimônio Arquivístico Digital. Brasília: 2005. Disponível em: www.conarq.arquivonacional.gov.br/media/carta.pdf Acessado em 05/05/2015. CUNHA, Jacqueline de Araújo; LIMA, Marcos Galindo. Preservação digital: o estado da arte. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 8., 2007, Salvador. Anais. Salvador: UFBA, 2007. DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Brasília: Universidade de Brasília, 2001. ESTEVES, J. Pissarra. Sociologia da comunicação. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011. GOMES, Wilson. Transformações da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus, 2004. LUZ, Ana Javes. Comunicação Governamental – Entre a Comunicação Pública e a Política: A Experiência da Prefeitura Municipal de Fortaleza. In: Anais do XXXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Foz do Iguaçu: 2013. UNESCO. Charter on the Preservation of Digital Heritage. Paris, 2003. Disponível em: www.unesco.org/new/fileadmin/MULTIMEDIA/HQ/CI/CI/pdf/mow/charter_preservation_ digital_heritage_en.pdf Acessado em: 05/05/2015 WEBER, Maria Helena. Estratégias da comunicação de Estado e a disputa por visibilidade e opinião. In: KUNSCH, Margarida (Org.). Comunicação Pública, sociedade e cidadania. São Caetano do Sul: Difusão, 2011. ___. Sobre a produção de comunicação pública do Estado e a disputa de opinião e visibilidade política. 34º Encontro Anual da Anpocs. Caxambu, MG: Anpocs, 2010. ____. Na Comunicação Pública, a captura do voto. LOGOS27: Mídia e Democracia. Rio de Janeiro, ano 14, p. 21-42, 2º semestre de 2007.

7. Anexos Anexo 1

Matéria disponível em www.opovo.com.br/app/politica/2013/01/08/noticiaspoliticas,2984560/dados-dagestao-luizianne-lins-sao-deletados-do-site-da-prefeitura.shtml Acessada em 16/04/2015

Anexo 2

Matéria disponível em www.diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/cidade/online/registros-degestao-passada-da-prefeitura-de-fortaleza-sao-retirados-de-site-oficial-1.833712 Acessada em 16/04/2015

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