DIREITO À SAÚDE: NEOCONSTITUCIONALISMO E A EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ – UFPA INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – ICJ FACULDADE DE DIREITO

CÉSAR AUGUSTO DA CUNHA MORAIS CAMELO

DIREITO À SAÚDE: NEOCONSTITUCIONALISMO E A EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS

BELÉM-PA 2011

CÉSAR AUGUSTO DA CUNHA MORAIS CAMELO

DIREITO À SAÚDE: NEOCONSTITUCIONALISMO E A EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS

Monografia apresentada à Banca Examinadora da Faculdade de Direito, do Instituto de Ciências Jurídicas, da Universidade Federal do Pará – UFPa, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Constitucional. Orientadora: Krishina Day Carrilho Bentes Lobato Ribeiro

BELÉM-PA 2011

CÉSAR AUGUSTO DA CUNHA MORAIS CAMELO

DIREITO À SAÚDE: NEOCONSTITUCIONALISMO E A EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS

Monografia apresentada à Banca Examinadora da Faculdade de Direito, do Instituto de Ciências Jurídicas, da Universidade Federal do Pará – UFPa, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Constitucional. Orientadora: Krishina Day Carrilho Bentes Lobato Ribeiro

Data de aprovação: _____.12.2011 Banca examinadora: ___________________________ - Orientadora Membro: Profª. Msc. Krishina Day Carrilho Bentes Lobato Ribeiro

_________________________________ Membro: Prof. Dr. Raimundo Wilson Gama Raiol

_________________________________ Membro: Msc. Maria Clara Barros Noleto

Dedico este trabalho aos meus pais Antônio Sérgio Alves Camelo e Inez Denise da Cunha Morais Camelo, assim como ao meu irmão, Antônio Sérgio Alves Camelo Júnior e familiares, pela força, dedicação e apoio.

AGRADECIMENTOS

Primeiramente e sempre, a Deus, por mais uma batalha vencida, por mais um ciclo finalizado e ao início de um novo que, com certeza, trará maiores desafios, alegrias e tristezas, sempre visando nosso aperfeiçoamento moral, espiritual e profissional. Em segundo plano, mas não menos importante, aos meus pais, irmão e familiares pelo apoio, suporte e carinho em todos os momentos, aproveitando para pedir perdão pelos dias e noites de privação de minha companhia. Sem vocês, com certeza este momento não teria se concretizado. Esta vitória é tanto minha quanto de vocês! Aos meu amigos e amigas, desde o CEGP, Yvon Costa e Sophos, além de UEPA e UFPA. A verdadeira amizade perpassa os tempos e as distâncias, não sendo empecilho para sua continuidade. Obrigado pelos momentos de diversão, tristeza, carinho, companhia e lealdade. Aos meus amigos e colegas da UFPA, com quem tive o prazer de dividir cadeira durante 5 anos. Que possamos nos encontrar pelos caminhos da vida e que todos nós tenhamos futuros brilhantes, cada um em sua área, não se esquecendo da árdua tarefa de elevar o Direito ao grau máximo de legitimidade e efetividade que vem sendo questionado nos últimos tempos. Aos amigos e colegas de Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Pará, em especial, Dra. Rosa Hage, Dr. Antônio Leonardo e Dra. Viviane Freitas e aos colegas da Assessoria Jurídica, pela oportunidade de estágio e pelas vivências que confirmaram minha vocação e paixão para o Direito. À Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, em especial ao Dr. Norberto Medeiros, Dra. Carmem Lúcia, Dr. Márcio Sobreira, novamente, pela oportunidade, pelas conversas e troca de experiências que agregaram ainda mais conhecimento. Aos amigos e colegas da Procuradoria da República no Estado do Pará (MPFPR/PA), em especial para aqueles que compuseram e compõem o 9º Ofício: Juliana, Max, Gil, Hugo, Cristina, Lígia, Antônio, Liege, Alex e Dra. Maria Clara. Obrigado pelas tardes de pizza, descontração, trabalho e aprendizado. Este estágio foi a oportunidade que me fez abrir os olhos para o Direito Penal e para a carreira de Procurador da República, foco de meus próximos esforços. Neste ponto, em especial, à Dra. Maria Clara Barros Noleto, pela força, solicitude e apoio, tanto nos aspectos concernentes ao trabalho do Ministério Público Federal, quanto, principalmente, pelo despertar deste tema, além da ajuda com material e discussão.

À Universidade Federal do Pará e seus Docentes, em especial ao Professor Francisco Freitas, a quem todos sabem da dedicação e empenho pela Universidade. Obrigado pela oportunidade, dedicação e objetivo de sempre melhorar. Pude constatar, durante estes 5 anos, o desenvolvimento do Instituto de Ciências Jurídicas e a evolução do Curso de Direito, alcançado pelo esforço de docentes, discentes e técnicos. Ao final, agradeço à Professora e minha Orientadora Krishina Day Carrilho Bentes Lobato Ribeiro, pelos momentos de discussão, aprendizado e calmaria. Obrigado por ter me proporcionado o diálogo e primeiros passos no campo vasto da pesquisa científica, na área do Direito Constitucional e Sanitário que, tenho certeza, irão se perpetuar.

Conquista com as próprias mãos a experiência do trabalho que te aprimora e te eleva. [...] Amealha os valores da educação que te possam içar o espírito aos cimos da cultura e do aprimoramento. Não olvides que o serviço ao próximo, que o dever bem cumprido, que o estudo edificante e que o gesto de bondade, nas faixas do espaço e do tempo, constituem a bagagem que te aliciará o tesouro da simpatia hoje e amanhã, aqui e além... [...] Dar o que retemos é devolver ao mundo a quota do nosso débito, mas doar a nós mesmos, a benefício dos outros, através de nosso suor, de nossa renúncia, de nosso silêncio ou de nosso sorriso, é realizar o investimento da verdadeira felicidade que nos seguirá da sombra terrestre à Luz Espiritual.

Amealhando a riqueza real (Linha Duzentos) Francisco Cândido Xavier - pelo Espírito Emmanuel

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental AgRg - Agravo Regimental AI - Agravo de Instrumento ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária Art. - artigo Arts. - artigos CF - Constituição Federal CNJ - Conselho Nacional de Justiça CR - Constituição da República EC - Emenda Constitucional HIV/AIDS - Human Immunodeficiency Virus/Acquired Immune Deficiency Syndrome MC - Medida Cautelar Pet. - Petição STF - Supremo Tribunal Federal p. - página PSV - Proposta de Súmula Vinculante RE - Recurso Extraordinário SL - Suspensão de Liminar ss. - seguintes SS - Suspensão de Segurança STA - Suspensão de Tutela Antecipada SUS - Sistema Único de Saúde

SUMÁRIO RESUMO................................................................................................................................. 10 ABSTRACT ............................................................................................................................ 11 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12 2 NEOCONSTITUCIONALISMO E AS MUDANÇAS CONSTITUCIONAIS .............. 14 2.1 HISTÓRICO ....................................................................................................................... 14 2.1.1 Marco Histórico ............................................................................................................. 15 2.1.2 Marco Filosófico ............................................................................................................ 16 2.1.3 Marco Teórico ................................................................................................................ 17 2.1.3.1 Reconhecimento de Força Normativa à Constituição ............................................. 18 2.1.3.2 Expansão da Jurisdição Constitucional.................................................................... 18 2.1.3.3 Desenvolvimento de uma Nova Dogmática da Interpretação Constitucional ...... 19 2.1.3.4 Constitucionalização do Direito ................................................................................ 21 2.2 TRANSFORMAÇÃO DE CARTA POLÍTICA À FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO ..................................................................................................................... 22 2.3 CARACTERÍSTICAS ........................................................................................................ 23 2.3.1 Do Ponto de Vista Metodológico-Formal .................................................................... 23 2.3.2 Do Ponto de Vista Material .......................................................................................... 24 3 DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E A APLICABILIDADE IMEDIATA ....... 26 3.1 O CONCEITO DE DIREITOS SOCIAIS .......................................................................... 26 3.2 DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS: UMA DIFERENCIAÇÃO NECESSÁRIA ......................................................................................................................... 27 3.3 IDENTIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS................................................. 28 3.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS ......................................................................... 33 3.5 APLICABILIDADE IMEDIATA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS ......... 35 3.6 DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E A QUESTÃO DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA ...................................................................................................................... 38 4 JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE ...................................................................................... 46 4.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ............................................................................................ 46 4.2 CONCEITUAÇÃO ............................................................................................................. 50 4.3 A ATIVIDADE CRIATIVA DOS JUÍZES ....................................................................... 54 4.4 SOLUÇÃO DOS CONFLITOS ......................................................................................... 59 4.4.1 Titularidade do Direito à Saúde ................................................................................... 62 4.4.2 Legitimidade do Poder Judiciário para Interferir em Aspectos de Políticas Públicas da Saúde .................................................................................................................................. 64

5 EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO À SAÚDE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E ANÁLISE DA EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS ........ 72 6 CONCLUSÃO...................................................................................................................... 94 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 97

RESUMO

A presente monografia busca discutir o fenômeno da Judicialização da Saúde através da evolução jurisprudencial a que o Supremo Tribunal Federal passou, de absolutização do direito à saúde e vida, para sua relativização, com a definição de critérios para a interferência e julgamento desses casos trágicos, com vistas a efetivar o direito fundamental social à saúde. Para tanto, torna-se imperioso a apresentação da evolução da doutrina relacionada ao fenômeno do Neoconstitucionalismo, o avanço no entendimento dos direitos sociais como direitos fundamentais de aplicabilidade imediata, na visão da justiça distributiva e sua exigibilidade perante o Judiciário para, ao final, traçarmos um conceito para a Judicialização da Saúde, identificando os conceitos teóricos despendidos nesse trabalho através da análise de julgados emblemáticos do Supremo Tribunal Federal.

Palavras-chave: Neoconstitucionalismo; Judicialização da Saúde; direitos fundamentais sociais; eficácia e aplicabilidade imediata; justiça distributiva.

ABSTRACT

The present study searches to discuss the phenomenon of Judicialization of Health through the jurisprudential evolution that the Supreme Federal Court passed by absolutization of health and life rights, to relativisation, with a definition of criteria to the interference and judgement of these tragic cases, in order to effective the fundamental social health right. For this, it is imperative the introduction of evolution doctrine related to phenomenon of Neoconstitucionalism, the advance on the understanding of social rights like fundamental rights of immediate applicability, on the view of distributive justice and it enforceability in the presence of the Judiciary to, in the end, we will draw a concept to the Judicialization of Health, identifying the theoretical concepts spent on this thesis through the analysis of emblematic decisions of the Supreme Federal Court.

Keywords: Neoconsticionalism; Judicialization of Health; fundamental social rights; efficiency and immediate applicability; distributive justice.

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1 INTRODUÇÃO

A promulgação da Constituição de 1988 é considerada o marco final do período ditatorial brasileiro e reconheceu inúmeros direitos antes negados, como o direito à saúde. Entretanto, dar-lhes efetividade tem sido uma das tarefas mais difíceis no constitucionalismo contemporâneo. Sendo um dos direitos que também mais têm sido violado, a saúde passa a ser vista como direito de todos, que deve ser assegurado a qualquer custo e de qualquer forma. Em um Estado dito Democrático de Direito em que não se é mais encarada com surpresa e indignação de antigamente ou como novidade os relatos nos noticiários de falta de médicos, remédios, leitos, tratamentos e recursos, que são fatores que inviabilizam a efetividade deste direito reconhecidamente fundamental, o advento do Neoconstitucionalismo, juntamente com um Poder Judiciário mais forte, criativo e atuante, ofereceram ao jurisdicionado a possibilidade de encaminhar ao Judiciário a resolução de problemas relativos à falta de efetividade do direito à saúde, fruto de vários fatores relacionados. E é neste cenário em que meu interesse acerca do fenômeno da Judicialização da Saúde se insere, como sendo ramo da Judicialização da Política, em que, com vistas a ser concretizado e efetivado, demandas relacionadas ao direito à saúde são levadas ao Judiciário. Mostra disso é o dado do Ministério da Saúde que registrou, de 2010 a 2011, aumento de 6% no número de ações judiciais contra a União, no que diz respeito à garantia do atendimento de cidadãos pelo Sistema Único de Saúde (SUS)1. Analisando superficialmente, parece realmente que o direito à saúde tem sido efetivado por este fenômeno, às duras penas, com as barreiras e argumentos contrários dos Poderes Executivo e Legislativo. Mas, qual a interferência do fenômeno da Judicialização na eficácia dos direitos fundamentais sociais, no caso, do direito à saúde? É o direito à saúde absoluto? Sabe-se que negar referido direito Judicialmente pode acarretar a morte do demandante, razão pela qual tal discussão tem se tornado tão recorrente. Noutro passo, recorrente o argumento de que a Judicialização inviabiliza a consecução das políticas públicas, interferindo em sua efetividade.

_______________ 1

Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/judiciario/15118:decisoes-judiciais-sobre-saude-aumentaramem-6-no-ultimo-ano. Acesso em 14/11/2011.

13

Tendo em vista tais fatores e necessitando analisar referido fenômeno, o Conselheiro Marcelo Nobre salienta que "Estamos começando a conhecer de forma aprofundada os motivos da judicialização da saúde no Brasil. Como podemos medicar alguém se não sabemos o que ele sofre? Não sabemos precisar quantas ações reivindicam medicamentos, vagas em hospitais, ou atendimentos de emergência, por exemplo"2. E é nesse contexto, em que existem mais de 240 mil ações judiciais de saúde tramitando nos Tribunais Superiores3, que o objetivo deste trabalho de compreender a Judicialização da Saúde se impõe, a fim de analisar a eficácia de direitos fundamentais sociais como a saúde perante referidos Tribunais. Logo, com o fito de analisar se referido fenômeno tem dado efetividade ao direito social à saúde, procuramos elencar, no Capítulo 2 - Neoconstitucionalismo e as mudanças constitucionais, o fenômeno do Neoconstitucionalismo e as mudanças constitucionais acarretadas, seu marcos, reconhecimento de força normativa e características. Por conseguinte, procuramos analisar, no Capítulo 3 - Direitos fundamentais sociais e a aplicabilidade imediata, a evolução e o reconhecimento dos direitos sociais como direitos fundamentais, sendo, portanto, o direito à saúde, de aplicabilidade e eficácia imediata, analisando-a sob o aspecto da justiça distributiva, pugnando que as demandas referentes a este direito devem ser vislumbradas sobre tal aspecto. Noutro passo, no Capítulo 4 - Judicialização da Saúde, analisamos o fenômeno da Judicialização em si, procurando delimitar suas bases e conceitos teóricos, perpassando pela atividade criativa dos juízes, através da ponderação e as demais formas de solução dos conflitos. Ao final, no Capítulo 5 - Evolução jurisprudencial do direito à saúde no Supremo Tribunal Federal e a análise da eficácia dos direitos sociais, com o fito de verificar se o fenômeno da Judicialização da Saúde tem efetivado os direitos sociais, analisaremos a evolução jurisprudencial do STF com relação ao direito à saúde, de seu absolutismo à legitimidade do Poder Judiciário em interferir em políticas públicas, concluindo se o fenômeno da Judicialização da Saúde o tem tornado eficaz.

_______________ 2

Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/14622-cnj-reafirma-necessidade-de-novas-politicas-publicaspara-resolucao-de-processos-na-area-de-saude. Acesso em 14/11/2011. 3 Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/14986:acoes-contra-planos-de-saude-serao-monitoradaspelo-cnj. Acesso em 14/11/2011.

14

2 NEOCONSTITUCIONALISMO E AS MUDANÇAS CONSTITUCIONAIS

2.1 HISTÓRICO

Neoconstitucionalismo

ou

Direito

Constitucional

Contemporâneo

são

denominações do mesmo fenômeno que acarretou inúmeras transformações no Estado e no Direito Constitucional. Em que pese estar em processo de construção, vem concretizando suas bases e destacando-se neste Século XXI como nova Teoria do Direito com a pretensão de ser novo, mas não se sabendo o que é4. Tal fenômeno tem como premissa a revisão de toda a teoria do Direito reaproximando-a com a racionalidade prática, cumprindo os mandados de otimização que Alexy já batizara e “[...] se enquadra em um Estado em busca de efetividade e transformação, por meios racionais de correção, e em torno de uma identidade própria da Constituição”5. Neste diapasão, para compreender tal fenômeno, deve-se apresentar, em apertada síntese, a evolução do Estado, dos modelos Pré-moderno até o Constitucional de Direito6. O Estado Pré-moderno tinha cunho eminentemente jusnaturalista, de origem Romana e de pluralidade de fontes normativas, tendo a Doutrina e Jurisprudência papel criativo e normativo do Direito. Já o Estado Legislativo de Direito, de cunho positivista, legalista, coloca a lei como base e fundamento do Estado, organizando-o e estabilizando-o sobre o primado da legalidade. Neste modelo, a Doutrina desempenha apenas um papel descritivo da norma vigente e a Jurisprudência apenas dissemina o conhecimento do Direito posto, sem função criativa. Ao final, e por agora, chega-se ao Estado Constitucional de Direito, remontando ao pós-guerra e à promulgação da Constituição Federal de 1988, em que se supera o caráter eminentemente positivista, estando as leis subordinadas à Constituição rígida e _______________ 4

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Interesse Público, Belo Horizonte, v. 7, n. 33, set. 2005. Disponível em: . Acesso em: 5 set. 2011. 5 MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: a invasão da Constituição. São Paulo: Método, 2008, p. 28. (Coleção Professor Gilmar Ferreira Mendes; v. 7) 6 BARROSO, Luís Roberto. op. cit.

15

A validade das leis já não depende apenas da forma de sua produção, mas também da compatibilidade de seu conteúdo com as normas constitucionais. Mais que isso: a Constituição não apenas impõe limites ao legislador e ao administrador, mas lhes determina, também, deveres de atuação. A ciência do direito assume um papel crítico e indutivo da atuação dos Poderes Públicos e a jurisprudência passa a desempenhar novos papéis, dentre os quais se incluem a competência ampla para invalidar atos legislativos ou administrativos e para interpretar as normas jurídicas à luz da Constituição. (BARROSO, 2005, p. 16)

Logo, o Neconstitucionalismo ou Constitucionalismo Global, como ensina Canotilho, é o movimento que propicia o "surgimento" de novos direitos. Alargando o catálogo de direitos fundamentais encontra-se o Direito à Saúde. Este novo direito surge entre nós com maior destaque a partir da década de 80 e o Poder Constituinte dedicou à Saúde a Seção II do Capítulo II do Título VIII, da Constituição (arts. 196 a 200). O Direito à saúde amadurece e tem na Constituição um campo fértil de princípios, como explica Alexy. Neste contexto, a formação do Estado Constitucional de Direito e do neoconstitucionalismo ou constitucionalismo contemporâneo adveio de marcos histórico, filosófico e teórico, que serão a seguir delineados, culminando no fenômeno da constitucionalização do direito.

2.1.1 Marco histórico

Luís Roberto Barroso7, entre outros autores, identificam o pós-guerra como marco histórico

Europeu

na

construção

do

Estado

Constitucional

de

Direito

e

do

Neoconstitucionalismo. O período de mais de 30 anos de guerra que assolou o mundo foi determinante para que o ideal de humanização dos direitos estivesse intrinsecamente atrelado nas Constituições posteriores, concebendo “[...] uma revolução material a partir dos direitos fundamentais com forte carga axiológica” (MOREIRA, 2008, p. 26). Como exemplos, podemos citar a Lei Fundamental de Bonn (Constituição Alemã) de 1949, a criação do Tribunal Constitucional Federal, instalado em 1951; Constituição da Itália, de 1947 e instalação da Corte Constitucional, em 1956 e a redemocratização e reconstitucionalização de Portugal (1976) e Espanha (1978). _______________ 7

Op. cit.

16

No Brasil, o processo de redemocratização e a promulgação da Constituição Federal de 1988 são marcantes, rompendo com o autoritarismo da Ditadura e promovendo o mais longo período de estabilidade institucional na história brasileira. De acordo com tal ideal e visando tal revolução [...] a Constituição ganha força expansiva, invasora, em todos os campos jurídicos, forçando uma compatibilização, uma modernização, a ponto de o debate do que é constitucional e o que é inconstitucional8 se instaurar no discurso primário da reavaliação de todas as leis existentes, em todas as disciplinas jurídicas. (MOREIRA, 2008, p. 27)

E desta forma aconteceu na Saúde Pública, em que Gestores, Magistrados e outros operadores tanto do direito quanto da área de saúde atualmente debateram na Audiência Pública nº 04 do Supremo Tribunal Federal (STF) o fenômeno da Judicialização da Saúde. Mas houve, na história da saúde, o movimento social denominado de Movimento de Reforma Sanitária que balizou e informou o Poder Constituinte de 1988, comprometido com a promoção e melhoria da saúde pública brasileira. Portanto, temos que o marco histórico do constitucionalismo contemporâneo foi o pós-guerra para a Europa e a redemocratização e promulgação da Constituição Federal de 1988 para o Brasil, irradiando seus efeitos promovendo a Reforma Sanitária e a Audiência Pública nº 04 STF.

2.1.2 Marco filosófico

O pós-positivismo é o marco filosófico do novo direito constitucional. Antes de analisá-lo, imperioso destacar duas outras correntes de pensamento que estão na história do Direito e que serviram de base evolutiva para se chegar ao pós-positivismo: o jusnaturalismo e o positivismo9. O jusnaturalismo foi responsável pela aproximação da lei à razão, tendo como apogeu as Constituições escritas e Codificações. Por ser considerado anticientífico e metafísico, foi afastado pelo positivismo. _______________ 8

Ressalte-se que, tecnicamente, não se deve falar de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de normas anteriores à promulgação da Constituição. Trata-se de analisar se tais normas foram ou não recepcionadas pela novel Carta Magna. 9 BARROSO, Luís Roberto. op. cit.

17

Procurando dar ao Direito um caráter mais objetivo e científico, surgiu o positivismo, atrelando o Direito à lei, afastando a filosofia e dando maior importância para o formalismo exacerbado. Tal corrente decaiu junto com o nazismo e o fascismo. Conforme exposto acima, o pós-guerra trouxe um novo olhar para o Direito, o pós-positivismo, buscando um pensamento não mais adstrito cegamente à lei, mas também atrelado à razão, podendo-se afirma que: O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria da justiça, mas não podem comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de idéias ricas e heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Nesse ambiente, promove-se a reaproximação do Direito e a filosofia. (BARROSO, 2005, p. 20)

Portanto, o pós-positivismo afirma-se como marco filosófico, reaproximando o Direito à filosofia e à ética, abarcado na centralidade dos direitos fundamentais e sob o prisma da dignidade humana.

2.1.3 Marco teórico

O marco teórico do Neoconstitucionalismo está fundado em três transformações, conforme BARROSO10: a) o reconhecimento de força normativa à Constituição; b) a expansão da jurisdição constitucional; e c) o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional.

_______________ 10

Ibidem.

18

2.1.3.1 Reconhecimento de força normativa à Constituição

Conforme será exposto a seguir com maiores detalhes, a Constituição era considerada apenas uma Carta Política, um convite aos Poderes Públicos para que concretizassem seus preceitos, não possuindo força vinculante. Os direitos inscritos na Constituição eram dependentes da conformação legislativa e da discricionariedade do administrador, não podendo o Judiciário interferir na concretização daqueles. Por isso era considerada apenas uma carta de intenções, carta política e de caráter programático. No contexto do pós-guerra e do pós-positivismo, a Constituição passa a ter status de norma, com força normativa, sendo seus preceitos vinculantes e imperativos aos Poderes Públicos, que devem atuar visando a concretização dos preceitos ali expostos e, acaso inobservados, com prescrição de mecanismos de proteção e cumprimento forçado. Passa a ocupar o papel central no controle e conformação da legislação ordinária, dando ênfase aos direitos fundamentais e princípios em contraponto à estrita legalidade, regras e subsunções. Tal entendimento apenas chegou ao Brasil na década de 80, influenciando a promulgação da Constituição Federal de 1988, em especial, neste trabalho, com relação ao Direito à Saúde.

2.1.3.2 Expansão da jurisdição constitucional

Com base na experiência estadunidense da Supremacia da Constituição, esta passa a figurar no centro do ordenamento jurídico. Os direitos fundamentais passariam a ser constitucionalizados, protegidos pelo Poder Judiciário e imunizados do processo político majoritário.

19

2.1.3.3 Desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional

A transformação da Constituição de simples carta política a centro do ordenamento jurídico teve como consequência a necessidade de desenvolver uma nova dogmática de interpretação constitucional, tendo em vista que o modelo de interpretação jurídica tradicional não conseguia desempenhar satisfatoriamente o seu papel. Ressalte-se que tal necessidade não significou a não utilização, derrota ou derrogação do modelo interpretativo tradicional. Neste passo, o modelo de interpretação jurídica tradicional é pautado em regras e subsunções. A regra é a norma por excelência e dela provêm a solução dos litígios, através de seu relato abstrato, ao passo que a subsunção é o simples papel do Juiz de encontrar e aplicar a regra ao caso concreto, sem qualquer poder criativo – fato que culminou na alcunha dos Juízes de “a mera boca da lei”. Referido modelo de interpretação encontra percalço no fato de que nem todas as regras apresentavam – e nem poderiam apresentar – em abstrato, todas as respostas aos problemas jurídicos e, sem tal resposta, o Juiz possuía ampla discricionariedade para resolver os casos, na tentativa de implementar o direito no caso concreto. Então, a nova dogmática prescreve que a interpretação deve começar da Constituição. Ela é o vetor de constitucionalidade, de legalidade, eficácia e vigência das normas, pautado na prevalência dos princípios constitucionais e direitos fundamentais visando o mínimo existencial com fundamento na dignidade da pessoa humana. Entretanto, os princípios que anteriormente pautavam a interpretação não conseguem fazê-lo quando se trata de princípios constitucionais, sendo necessária a criação de princípios instrumentais para a interpretação e aplicação das normas constitucionais, sendo que: Tais princípios, de natureza instrumental, e não material, são pressupostos lógicos, metodológicos ou finalísticos da aplicação das normas constitucionais. São eles, na ordenação que se afigura como mais adequada para as circunstâncias brasileiras: o da supremacia da constituição, o da presunção de constitucionalidade das normas e atos do Poder Público, o da interpretação conforme a Constituição, o da unidade, o da razoabilidade e o da efetividade. (BARROSO, 2003 apud BARROSO, 2005, p. 25)

Logo, o desenvolvimento da nova dogmática de interpretação acarretou a mudança no papel tanto da norma, quanto do Juiz. A norma, não é tão somente a regra, mas

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também o princípio, sendo que a regra advém deste11; na solução do caso concreto as regras deveriam estar em consonância com os princípios constitucionais, analisados topicamente. Já ao Juiz, caberia um papel interpretativo [...] voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. O intérprete torna-se co-participante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis. (BARROSO, 2005, p. 26)

Nesta esteira, o papel do Juiz aumenta sobremaneira, já que, quando houver colisão entre normas de mesma hierarquia abstratamente, caberá a este a solução do impasse através de sua atuação interpretativa, construindo, criando o Direito a ser implementado em concreto. Referido processo denomina-se ponderação, em que o Juiz irá fazer concessões recíprocas ou declarar qual o direito que a Constituição escolheu como preferencial, naquele caso

concreto.

E

a

ponderação

deverá

ser

utilizada

com

os

critérios

de

razoabilidade/proporcionalidade. Portanto, o desenvolvimento da nova dogmática interpretativa tem como alicerce a Constituição como centro, irradiando princípios e direitos que devem ser utilizados para auxiliar o papel interpretativo – não mais somente subsuntivo – do Juiz, que passa de mero reprodutor a criador do Direito. Por isso atualmente o Direito à Saúde Pública é um típico exemplo de novos direitos que emergem do movimento constitucionalista contemporâneo, em que o Juiz é o criador do direito12 e visa garantir ao jurisdicionado prestações que lhe promovam a dignidade da pessoa humana através do mínimo existencial.

_______________ 11

"Princípios não são, como as regras, comandos imediatamente descritivos de condutas específicas, mas sim normas que consagram determinados valores ou indicam fins públicos a serem realizados por diferentes meios". BARROSO, Luís Roberto. Op. cit. p. 27. 12 Quando aqui se fala em atividade criativa dos Juízes, não se está afirmando que tal atividade será produzida ao bel-prazer destes. Conforme exporemos no decorrer do trabalho, este papel criativo tem critérios e limites para que o Judiciário também não perca sua credibilidade e mais ainda, sua legitimidade.

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2.1.3.4 Constitucionalização do Direito

Os três marcos supracitados desencadearam o fenômeno da Constitucionalização do Direito, aqui referenciado como o efeito expansivo das normas constitucionais, irradiados com força normativa por todo o ordenamento jurídico. Luís Roberto Barroso13 aduz que há um consenso entre diversos autores de que referido fenômeno tenha se iniciado na Alemanha. A Constituição figurando no centro do ordenamento jurídico, irradiando normas de supremacia formal e material, acarreta os efeitos da filtragem constitucional, que nada mais é do que o parâmetro de validade das normas infraconstitucionais, e da constitucionalização do direito infraconstitucional, meio de interpretação de todo o ordenamento jurídico visando a realização dos valores insculpidos na Carta Magna. Os efeitos acima expostos da constitucionalização do direito vão gerar consequências para o Legislativo, Executivo, Judiciário e particulares. No Legislativo, há uma limitação da discricionariedade ou liberdade de conformação na elaboração das leis em geral, além da imposição de determinados deveres de atuação para realização de direitos e programas constitucionais. No Executivo, além da limitação de discricionariedade e imposição de deveres de atuação, fornece fundamento de validade para sua atuação independentemente da interposição do legislador ordinário, quando em consonância e visando a aplicação direta e imediata da Constituição. Já no Judiciário, tal fenômeno condiciona a interpretação de todas as normas do sistema, assim como serve de paradigma para o controle de constitucionalidade (incidental ou concentrado). Finalmente, para os particulares, em respeito e subordinando-se a valores constitucionais e direitos fundamentais, estabelece limitações à autonomia da vontade, como a própria função social da propriedade, e na liberdade de contratar. Neste aspecto, denota-se que, por exemplo, para a implementação do Direito à Saúde, cada Poder e o particular tem seus deveres impostos pelos efeitos que a Constitucionalização do Direito trouxe para o ordenamento jurídico pátrio. _______________ 13

Ibidem.

22

2.2 TRANSFORMAÇÃO DE CARTA POLÍTICA À FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO

Os ensinamentos de Konrad Hesse em sua obra A Força Normativa da Constituição14, fazem uma das primeiras construções teóricas da Constituição como norma jurídica, de caráter vinculante e imperativa, sendo esse elemento normativo que ordena e conforma a realidade política e social. Para tanto, Hesse iniciou o debate analisando o conceito de Constituição de Ferdinand Lassalle, em que este afirma que a Constituição Jurídica nada mais é do que um monte de papel se não estiver em consonância com a Constituição Real, pautada nas relações de poder nele dominantes. Hesse rebate tal afirmativa demonstrando que, partindo desse entendimento, a Constituição Jurídica nada mais seria do que o instrumento justificador das relações de poder dominantes, não promovendo qualquer justiça. Aduziu, ainda, que para ser feita a análise do ordenamento jurídico na realidade, ordenação e realidade deveriam ser conjuntamente analisadas e a Constituição passaria a ter força normativa à medida que tentaria realizar sua pretensão de eficácia, impondo tarefas, já que, por si só, não poderia realizar nada. Logo, A Constituição não configura, portanto, apenas a expressão de um ser mas também de um dever ser15; ela significa mais do que o simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e políticas. Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social. Determinada pela realidade social e, ao mesmo tempo, determinante em relação a ela, não se pode definir como fundamental nem a pura normatividade, nem a simples eficácia das condições sociopolíticas e econômicas. A força condicionante da realidade e a normatividade da Constituição podem ser diferençadas; elas não podem, todavia, ser definitivamente separadas ou confundidas. (HESSE, 2009, p. 128-129)

Toda Constituição deveria encontrar seu germe material de sua força vital, sendo seu conteúdo centrado com seu tempo, para que haja maior aceitação. Também deveria haver uma vontade de Constituição, que nada mais seria do que a conformação de vontade de acordo com a ordem estabelecida. _______________ 14

HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. In: Temas Fundamentais de Direito Constitucional; textos selecionados e traduzidos por Carlos dos Santos Almeida, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho. São Paulo: Saraiva, 2009. pp. 123-146. 15 No Neoconstitucionalismo, expande-se esse ideal de dever ser para o de poder ser.

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Deve, também, ser baseada em princípios fundamentais que tenham caráter atemporal, para que as várias revisões por conta da constitucionalização de interesses momentâneos ou particulares não retirem a força que deve possuir e, ainda, não se assentar em uma estrutura unilateral, já que deve, mediante meticulosa ponderação, incorporar parte da estrutura contrária, visando a permanência da estrutura principal em casos de crise. Essas são as bases para que uma Constituição tenha força normativa que, aliados aos

marcos

delineados

no

início

deste trabalho

culminando

no fenômeno da

Constitucionalização do Direito, promoveram a transformação da Constituição. Portanto, se antes era vista apenas como Carta Política, como um convite à atuação dos Poderes Públicos, sem qualquer conteúdo vinculante ou imperativo, agora passa a Constituição a ter força normativa, imperativa, guiando e mostrando como devem os Poderes Públicos atuar para alcançar a promoção dos valores e princípios ali delineados.

2.3 CARACTERÍSTICAS

Nas lições de Ana Paula de Barcellos16, o fenômeno Neoconstitucional é dividido em dois grupos de características: elementos metodológico-formais e elementos materiais.

2.3.1 Do ponto de vista metodológico-formal

Neste grupo estariam inseridas três premissas basilares para a compreensão dos sistemas jurídicos no Ocidente: a normatividade da Constituição, a superioridade da Constituição e a centralidade da Carta nos ordenamentos jurídicos. A força normativa da Constituição já foi analisada neste trabalho, razão pela qual entendemos não haver necessidade de, novamente, discorrer sobre o tema. _______________ 16

BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, Direitos Fundamentais e Controle das Políticas Públicas. In: Leituras Complementares de Direito Constitucional: Direitos Humanos e direito fundamentais. 3ª Ed. Editora JusPodivm: Salvador, 2008.

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A superioridade da Constituição, que pressupõe ser rígida, dispõe que a Carta Magna deve posicionar-se no centro do ordenamento jurídico, servindo de referência para o ordenamento interno. As normas infraconstitucionais devem estar em conformidade com a Constituição, já que seus preceitos, sendo imperativos, servem de parâmetro para auferir sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade. A centralidade da Constituição nos sistemas jurídicos pressupõe que toda a legislação e demais ramos do Direito devem ser compreendidos e interpretados em conformidade com a Constituição. Tais premissas devem ser analisadas conjuntamente, demonstrando que, tendo força normativa, a Constituição não poderia estar em outro patamar, a não ser o superior, sendo a referência central para as legislações infraconstitucionais.

2.3.2 Do ponto de vista material

Na visão de Ana Paula de Barcellos17, a incorporação explícita de valores e opções políticas nos textos constitucionais, sobretudo no que diz respeito à promoção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais e a expansão de conflitos específicos e gerais entre as opções normativas e filosóficas existentes dentro do próprio sistema Constitucional são os dois elementos que caracterizam o ponto de vista material do Neoconstitucionalismo. O primeiro ponto perpassa pelo contexto histórico já delineado do pós-guerra, em que valores e princípios foram normatizados como o mínimo que se deve assegurar à humanidade. Tal fato gerou o desafio de concretizar e conferir eficácia a estes elementos normativos. Este primeiro ponto levou ao segundo elemento, já que, ao se conferir direitos dentro de valores e princípios, o conflito entre eles seria inevitável. Os conflitos específicos estão baseados naquilo que já explicitamos como conflitos de princípios ou direitos fundamentais, de mesma hierarquia, que devem conviver harmonicamente no ordenamento jurídico. Tais conflitos são resolvidos através da _______________ 17

Op. cit.

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ponderação, não gerando a anulação de um princípio ou norma, ou derrogação, mas apenas a minimização de um frente ao outro, de acordo com o caso concreto. Já os conflitos gerais versam sobre o papel da Constituição. Neste aspecto, existem duas correntes que explicam o papel da Constituição: o substancialismo e o procedimentalismo. O substancialismo afirma que cabe à Constituição “[...] impor ao cenário político um conjunto de decisões valorativas que se consideram essenciais e consensuais” (BARCELLOS, 2008, p. 135). Já o procedimentalismo afirma que o papel da Constituição seria “[...] garantir o funcionamento adequado do sistema de participação democrático, ficando a cargo da maioria, em cada momento histórico, a definição de seus valores e de suas opções políticas” (BARCELLOS, 2008, p. 135-136). Constata-se que, embora sejam antagônicas, as duas correntes se complementam, já que ambas visam resguardar aspectos materiais e formais do papel da Constituição. Não haveria participação democrática sem as decisões valorativas do substancialismo, assim como não seriam concretizados os valores considerados essenciais sem o procedimentalismo. A utilização de uma ou outra corrente iria depender de qual o Juiz se filiaria, podendo tornar a interpretação da Constituição mais ou menos abrangente. Neste aspecto, com relação ao Direito à Saúde, imperioso tecer algumas considerações sobre os Direitos Sociais, sua fundamentalidade e aplicabilidade imediata.

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3 DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E A APLICABILIDADE IMEDIATA

3.1 O CONCEITO DE DIREITOS SOCIAIS

Os Direitos Sociais estão intrinsecamente relacionados com os Direitos Humanos de Segunda Dimensão, refletindo direitos com uma tradição histórica ligada às lutas sociais, pelo reconhecimento de melhores condições de vida a serem garantidas pelo Estado. Fazem referência a uma luta por igualdade real, e por liberdade real, no sentido de que todos deveriam desfrutar de igual oportunidade de ser livre18. São indissociáveis do valor igualdade, chamados por alguns de direitos programáticos ou de aplicação mediata, à vista de não disporem para sua efetivação das garantias tradicionais usualmente aplicadas aos direitos de liberdade19. Mariana Filchtiner Figueiredo20 afirma que Os direitos sociais, dessarte, passaram a ser responsáveis pela estipulação de prestações a serem fornecidas pelos Poderes Públicos, em favor dos indivíduos, passando a ser compreendidos como „direitos de crédito‟, exatamente neste sentido de outorga de direitos à determinadas prestações. Estas, por sua vez, corresponderiam à busca de igualdade real quanto às condições iniciais para o exercício dos demais direitos, individuais e políticos, suprindo necessidades básicas e possibilitando o desenvolvimento integral da pessoa.

Internamente, estão retratados no Capítulo II do Título II da Constituição Federal de 1988, assim como espalhados no bojo da Constituição e por princípios implícitos. Tendo em vista as diversas classificações supracitadas, o Estado imiscui-se do seu papel de efetiválos em sua totalidade ou em deficiência, utilizando-se de argumentos como falta de recursos orçamentários, reserva do possível, discricionariedade dos Poderes Executivo e Legislativo quanto à aplicação de recursos para a implementação de políticas públicas, além da conformação legislativa. Também são caracterizados por direitos prestacionais, ou seja, direitos a prestações positivas do Estado. Neste trabalho, insta salientar que iremos utilizar o conceito de direitos sociais previsto internamente, em especial, o direito à saúde. _______________ 18

OLSEN, Ana Carolina Lopes. Direitos Fundamentais Sociais: efetividade frente à reserva do possível. Curitiba: Juruá, 2008. p. 32. 19 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Direitos Humanos – Coleção OAB Nacional – 1ª Fase. 2010, p. 24 e ss. 20 FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito Fundamental à saúde: parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre. Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 24.

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Para tanto, demonstraremos neste capítulo, que os Direitos Sociais na verdade são Direitos Fundamentais Sociais, de aplicabilidade imediata, com base no princípio da dignidade da pessoa humana visando a garantia do mínimo existencial21.

3.2 DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS: UMA DIFERENCIAÇÃO NECESSÁRIA

Em que pese alguns autores e juristas utilizarem as expressões Direitos Humanos e Direitos Fundamentais como sinônimas, impende esclarecer que há grande diferença entre eles. OLSEN (2008), através de uma pesquisa bibliográfica densa, atesta que há vários significados de ambas as denominações, sendo o consenso maior entender que os direitos humanos seriam reconhecidos em esfera internacional, enquanto os direitos fundamentais seriam os direitos humanos reconhecidos internamente. Entretanto, tal consenso não poderia traduzir um conceito absoluto, já que pode haver direito humano não reconhecido na esfera interna, ao passo que também pode haver direito fundamental não expressamente reconhecido na esfera internacional. Por isso, Ingo Wolfgang Sarlet afirma que direitos fundamentais seriam aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que direitos humanos guardariam relação com os documentos internacionais, de caráter supranacional. Utilizando-se de ampla pesquisa doutrinária de direito comparado, Sarlet procura, através de análise histórica, mostrar como surgiram os direitos fundamentais, antes concebidos apenas como direitos de determinados homens de classe (estamentais), partindo para sua constitucionalização. Assim como os direitos humanos, Sarlet distingue os direitos fundamentais em dimensões, fazendo a mesma crítica àqueles que os classificam em gerações22, sendo os _______________ 21

No decorrer do presente capítulo, tais conceitos serão devidamente analisados e conceituados. Mesmo não sendo ponto central deste trabalho, imperioso esclarecer que Sarlet entende que, assim como nos Direitos Humanos, os Direitos Fundamentais deveriam ser classificados em dimensões e não em gerações, tendo em vista que são, na verdade, fruto de um desenvolvimento histórico e cultural, complementando-se e relacionando-se. O termo gerações levaria o intérprete a pensar que cada geração se sucederia, e que uns direitos deveriam ser implementados primeiramente em face de outros, entre outros argumentos. 22

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postulados da liberdade, igualdade e fraternidade correspondentes a cada dimensão, pautados, também no direito à vida (que aqui pode ser incluso na primeira dimensão), sob a base do princípio da dignidade da pessoa humana. Na concepção de Peres Luño23, os direitos fundamentais [...] possuem sentido mais preciso e restrito, na medida em que constituem o conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito positivo de determinado Estado, tratando-se, portanto, de direitos delimitados espacial e temporalmente, cuja denominação se deve ao seu caráter básico e fundamentador do sistema jurídico do Estado de Direito.

Por conta dessa especificidade, OLSEN (2008, p. 31) afirma que os direitos fundamentais possuem maior grau de efetividade, tendo em vista contar com uma estrutura judiciária capaz de obrigar os destinatários das normas respectivas ao seu cumprimento. Afirma, também, que o mesmo não se dá com os direitos humanos, pois nem sempre as Cortes Internacionais possuem condições de impor respeito aos direitos em questão. Ao final, SARLET (2008, p. 89) conceitua os direitos fundamentais como [...] todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do Código).

Portanto, direitos humanos e direitos fundamentais são conceitos que, apesar de semelhantes, são diferentes. Os direitos fundamentais nascem e morrem com determinado Estado, dão o caráter básico e o fundamento para o sistema jurídico do Estado de Direito, podendo ser reconhecido do ponto de vista formal e material, cabendo, neste momento, identificar quais seriam esses direitos fundamentais, matéria a ser enfrentada oportunamente.

3.3 IDENTIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Passada a problemática da diferenciação entre direitos humanos e direitos fundamentais, impende esclarecer o que seria a fundamentalidade formal e material, aspectos ressaltados no tocante à conceituação dos direitos fundamentais. _______________ 23

PERES LUÑO apud SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 9ª Ed. rev. atual. e ampli. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 37-38.

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SARLET (2008) entende que a fundamentalidade formal está disposta em três premissas: a) por fazerem parte da Constituição escrita, seriam direitos de natureza supralegal; b) normas constitucionais dotadas de limites formais (procedimento agravado) e materiais (cláusulas pétreas) de reforma constitucional; e c) normas de aplicabilidade imediata e vinculante. Logo, direitos fundamentais, do ponto de vista formal, são aqueles expressamente reconhecidos no texto constitucional. Já a fundamentalidade material seria o elemento constitutivo da Constituição material, contendo decisões fundamentais sobre a estrutura básica do Estado e da sociedade. A norma deve ser analisada em seu conteúdo para poder identificá-la como de fundamentalidade material. Ao traçar o histórico dos direitos fundamentais no Brasil, SARLET (2008) ressaltou a forma como eles estão dispostos no texto constitucional, afirmando que tais direitos não são apenas aqueles descritos no Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais, já que o §2º, do art. 5º, da Constituição Federal afirma que tal rol não é taxativo, podendo outros direitos serem reconhecidos. Trata-se, portanto, de um conceito materialmente aberto de direitos fundamentais, já que normas que não estejam apenas no Título II poderiam ser materialmente fundamentais (fora do Título II, em tratados internacionais, direitos fundamentais não-escritos, implícitos nas normas do catálogo, bem como decorrentes do regime e dos princípios da Constituição). Logo, o sistema de direitos fundamentais seria aberto e flexível, em que uma norma que não fosse formalmente fundamental, mas que contivesse em seu conteúdo elementos de fundamentalidade material, seria galgada ao patamar de direito fundamental. Para caracterizar essa fundamentalidade material, a observância do princípio da dignidade da pessoa humana como vetor objetivo do alcance do mínimo existencial é medida que se impõe. Desta dignidade, conforme leciona Ingo Wolfgang Sarlet24, tendo em vista ser um conceito de difícil precisão, durante muito tempo foi-lhe retirada seu aspecto jurídico, já que seria definido como o que constitui o valor próprio que identifica o ser humano como tal, não apresentando grandes subsídios para um modelo jurídico-normativo. _______________ 24

SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: Dimensões da Dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional/ Béatrice Maurer ... [et. al.]; org. Ingo Wolfgang Sarlet; trad. Ingo Wolfgang Sarlet, Luís Marcos Sander, Pedro Sherer de Mello Aleixo, Rita Dostal Zanini. 2ª Ed. rev. e ampli. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009.

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Entretanto, refutando tal ideia, entende que o Direito tem o papel especial de proteger e promover a dignidade, já que, apesar de ter diversas manifestações, a dignidade da pessoa humana possui um núcleo essencial, comum a todas as manifestações para sua compreensão25. A necessidade dessa conceituação está vislumbrada no fato de que, no Estado Constitucional de Direito em que vivemos, qualquer demanda levada ao Judiciário deve apresentar uma resposta, uma decisão, que irá ou não interferir na esfera de direitos de cada um, sendo imperioso tal conceito para fundamentar referidas decisões. Portanto, SARLET (2009) entende que a dignidade é uma construção históricocultural26. Neste aspecto a dignidade da pessoa humana é concebida como uma construção que vem sendo feita durante os vários períodos históricos, também fruto de uma cultura de cada país. Referida construção tem sido levada a cabo por cada indivíduo particularmente, sendo que aos direitos fundamentais não lhes são cometidos assegurar a dignidade, mas sim dar condições para que esta se materialize. Por conseguinte, a dignidade apresenta dupla dimensão: positiva e negativa. A positiva seria a do ser humano se autodeterminar, fazer suas escolhas. A segunda (negativa) seria uma dimensão protetiva, aquela em que, não havendo a primeira, deveria o Estado e os outros indivíduos lhe assegurar o reconhecimento dessa dignidade. E, através destas dimensões que é possível afirmar que: É justamente neste sentido que assume particular relevância a constatação de que a dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais e, no nosso sentir, da comunidade em geral, de todos e de cada um, condição dúplice

_______________ 25

Sobre esse aspecto de conceituação normativa-jurídica de dignidade da pessoa humana: "Quando aqui se fala em uma noção jurídica de dignidade, pretende-se apenas clarificar que se está simplesmente buscando retratar como a doutrina e jurisprudência constitucional - e ainda assim de modo apenas exemplificativo - estão compreendendo, aplicando e eventualmente concretizando e desenvolvendo uma (ou várias) concepções a respeito do conteúdo e significado da dignidade da pessoa. Por outro lado, não se questiona mais seriamente que a dignidade seja também um conceito jurídico". Ibidem, p. 18-19. 26 "Nesse contexto, são dotadas de sentido as 'periodizações' históricas do pensamento acerca da dignidade da pessoa humana: 'dignitas' na Antigüidade (dignidade como caracterização de uma posição social dentro da sociedade e distinção de cada dignidade humana diante de criaturas não-humanas) e no Estoicismo como compartilhamento pelos homens do atributo da razão. Para o Cristianismo da Antigüidade e da Idade Média, a imagem e semelhança dos homens para com Deus. Na Renascença, Pico della Mirandola compreendeu a dignidade do homem a partir da sua essencial possibilidade de escolha. No Iluminismo, foi a dignidade, como liberdade, associada à idéia estóica de dignidade como compartilhamento da razão; Pufendorf acrescentou à noção de dignidade a idéia de igualdade de todos os homens. O aperfeiçoamento deste pensamento por Kant culminou na idéia da insubstituibilidade de cada ser humano. Um 'valor interno absoluto', portanto dignidade possui para Kant apenas aquela pessoa aparelhada com identidade moral e autoresponsabilidade, dotada de razão prática e capacidade de autodeterminação racional". (grifos no original). In: HÄBERLE, Peter. A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal. In: Dimensões da Dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional/ Béatrice Maurer ... [et. al.]; org. Ingo Wolfgang Sarlet; tra. Ingo Wolfgang Sarlet, Luís Marcos Sander, Pedro Sherer de Mello Aleixo, Rita Dostal Zanini. 2ª Ed. rev. e ampli. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 71.

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esta que também aponta para uma paralela e conexa dimensão defensiva e prestacional da dignidade. Como limite, a dignidade implica não apenas que a pessoa não pode ser reduzida à condição de mero objeto da ação própria e de terceiros, mas também o fato de a dignidade gerar direitos fundamentais (negativos) contra atos que a violem ou a exponham a graves ameaças. Como tarefa, da previsão constitucional (explícita ou implícita) da dignidade da pessoa humana, dela decorrem deveres concretos de tutela por parte dos órgãos estatais, no sentido de proteger a dignidade de todos, assegurando-lhe também por meio de medidas positivas (prestações) o devido respeito e promoção. (SARLET, 2009, p. 32)

Traçar um conceito é tarefa de difícil conclusão. Entretanto, uma das tentativas foi a fórmula do homem-objeto de DÜRIG (apud SARLET, 2009). Estaria violada a dignidade da pessoa humana sempre que o homem fosse desconsiderado e descaracterizado como sujeito de direitos, sempre que fosse tratado como objeto, como coisa. Contrário senso, sempre estaria promovendo a dignidade da pessoa humana quando estivessem respeitados e as ações fossem guiadas a assegurar os direitos que tal pessoa possui. Entretanto, tal tese não traz um conceito de dignidade da pessoa humana, no sentido da palavra, sendo apenas um parâmetro27 utilizado no caso concreto, em que apenas se constata se foi ou não e de que forma o foi violada referida dignidade28. Ao final, Sarlet pugna pelo reconhecimento de um conceito multicultural, secularizado e universalizado de dignidade da pessoa humana, através de uma "[...] superação de qualquer visão unilateral e reducionista e a promoção e proteção da dignidade de todas as pessoas em todos os lugares" (SARLET, 2009, p. 39), conceituando-a como [...] a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 2009, p. 37)

Portanto, em nosso texto constitucional e em nosso ordenamento jurídico há o reconhecimento de direitos fundamentais além do disposto no Título II e até mesmo além da própria Constituição, todos guiados pelo princípio da dignidade da pessoa humana. E esses _______________ 27

Apesar de não ter dado ao princípio da dignidade da pessoa humana um conceito, no sentido da palavra, a tese do homem-objeto de Dürig ainda mantém sua importância por ser a tese que mais se aproxima de um conceito universal, ainda utilizada e longe de ser vencida por outras. 28 "O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças". In: SARLET, Ingo Wolfgang. Ibidem. p. 34-35.

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direitos fundamentais, guiados pelo princípio da dignidade da pessoa humana tem como objetivo assegurar o mínimo existencial. Impende destacar que o mínimo existencial difere do mínimo vital. Este está configurado apenas em garantir à pessoa condições de sobrevivência, enquanto o mínimo existencial, apesar de pressupor o mínimo vital, também assegura um mínimo de condições para que o indivíduo se desenvolva na sociedade (subsistência e pleno desenvolvimento da personalidade). Logo, Com base no exposto, verifica-se que, além de no mínimo uma relativa unidade de conteúdo (ou, se quisermos, do reconhecimento de certos elementos comuns), o princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, bem como sua proteção reforçada contra a ação erosiva do legislador, podem ser considerados elementos identificadores da existência de um sistema de direitos fundamentais também no direito constitucional pátrio, caracterizado por sua abertura e autonomia relativa no âmbito do próprio sistema constitucional que integra. É justamente sua autonomia relativa que determina a maneira pela qual se inter-relaciona o sistema dos direitos fundamentais com o restante da Constituição, de modo especial com sua parte orgânica e com os dispositivos da ordem econômica e social. Em que pese a posição privilegiada (inclusive no que concerne à sua força jurídica) ocupada pelos direitos fundamentais na Constituição, de tal sorte que se sustenta até mesmo a máxima hermenêutica de uma interpretação (das normas constitucionais e infraconstitucionais) em harmonia com os direitos fundamentais, não há, a evidência, como reconhecer uma relação pautada pela diferença hierárquica entre estes e as demais normas constitucionais originárias, já que é inviável a existência de normas constitucionais originárias inconstitucionais. A posição dos direitos fundamentais - que não podem ser considerados uma espécie de supercodificação - relativamente ao restante da ordem constitucional deve, neste contexto, ser analisada à luz do princípio da unidade da Constituição, resolvendo-se os inevitáveis conflitos por meio dos mecanismos de ponderação e harmonização dos princípios em pauta. (SARLET, 2008, p. 85)

Neste diapasão, há o reconhecimento dos chamados direitos fundamentais sociais, como o direito à saúde, explícito no art. 6º, da Constituição Federal de 1988, discriminado no art. 196 e ss. da Constituição Federal (Título VIII - Da Ordem Social, Capítulo II - Da Seguridade Social, Seção II - Da Saúde). Não há que se falar em falta de fundamentalidade destes dispositivos, tendo em vista que possuem fundamentalidade formal e material, de acordo com o disposto no art. 5º, §2º, da Constituição Federal de 1988. Ressaltando-se que nem todas as normas da Ordem Social compartilham de fundamentalidade material. A conceituação e caracterização dos direitos fundamentais sociais será abordado em item próprio.

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3.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

Os Direitos Fundamentais Sociais galgaram status constitucional através da promulgação da Constituição Federal de 1988 e estão insculpidos no Título II e demais dispositivos constitucionais, possuindo, conforme anteriormente citado, fundamentalidade formal e material. A fundamentalidade formal assevera que direitos fundamentais sociais seriam todos aqueles positivados na ordem constitucional. Portanto seriam aqueles inscritos no Título II referente aos Direitos e Garantias Fundamentais, assim como aqueles dispersos pelo texto constitucional, de acordo com o art. 6º, in fine, art. 5º, §2º e art. 60, §4º, IV, todos da Constituição Federal de 1988. Entretanto, OLSEN (2008) aduz que o critério essencialmente formal, apesar de não esvaziar o conceito de direitos fundamentais sociais, deve ser analisado em consonância com um conceito material29 que adstringe o princípio da dignidade da pessoa humana, utilizando os critérios da substância e da importância (art. 1º, III c/c art. 5º, §2º, CF/88), para identificar os direitos fundamentais sociais que não estariam abarcados no Título II, viabilizadores dos direitos civis e políticos. Maria Clara Barros Noleto, em sua tese de Mestrado30, assevera que os direitos fundamentais sociais visam promover a igualdade material, caracterizada em posturas obrigatórias do Estado, de natureza prestacional (entendida como o fornecimento de prestações materiais - bens e serviços - para os que se encontram em situação de inferioridade)31.

_______________ 29

Referido conceito material expressaria os valores reconhecidos constitucionalmente, de acordo com a dignidade da pessoa humana (conceito não absoluto), considerando o ser humano como sujeito (de direitos), não como objeto, possuindo dimensão natural e cultural em mútua interação. 30 NOLETO, Maria Clara Barros. O Controle Judicial do Orçamento da Saúde no Brasil; Orientador, Antônio Gomes Moreira Maués. Belém, 2009. 31 Ao falar da igualdade substancial com relação às pessoas que estão em situação de inferioridade, insere-se o conceito de “discriminação compensatória”, que seria a compensação pelas diferenças advindas das circunstâncias, como por exemplo, das políticas ou medidas afirmativas. Entretanto, tal delineamento será posteriormente analisado, quando se falar da saúde e da justiça distributiva. Mas, antevendo a questão, analisando Dworkin, a autora aduz que: “Enquanto os direitos individuais se desenvolvem com a intenção de equiparação e igualdade ab inicio entre os indivíduos, fornecendo a todos igual tratamento, os direitos sociais, considerando que na sociedade não há igualdade de todos no início, concebem a igualdade como diferenciação e universalidade no ponto de chegada”. NOLETO, Maria Clara Barros. Op. cit. p. 29.

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Noutro passo, OLSEN (2008) se utiliza da classificação dos direitos fundamentais de Sarlet de acordo com a funcionalidade. Tal classificação dividiria os direitos fundamentais em dois grupos: os direitos de defesa e os direitos a prestações. Os direitos a prestações estariam divididos em mais dois grupos: direitos a prestações em sentido amplo - direitos à proteção e a participação na organização e no procedimento - e direitos a prestações em sentido estrito - prestações materiais sociais. Sarlet salienta que os direitos a prestações poderiam também ser divididos em direitos originários a prestações e direitos derivados a prestações, em que o primeiro, conforme Canotilho32 se caracterizaria por: 1) a partir da garantia constitucional de certos direitos; 2) se reconhece, simultaneamente, o dever do Estado na criação dos pressupostos materiais indispensáveis ao exercício efectivo desses direitos; 3) e a faculdade do cidadão exigir, de forma imediata, às prestações constitutivas desses direitos.

Já o segundo seria o direito de igual acesso, obtenção e utilização das estruturas institucionais criadas pelos poderes públicos, bem como o direito de igual participação nos bens e serviços prestados por estas instituições, assim como aqueles direitos decorrentes da concretização de normas constitucionais pelo legislador ordinário. Entretanto, tal classificação não é estanque, tendo em vista que determinado direito fundamental social teria sua dimensão negativa e positiva, já que toda norma encerra um feixe de posições jusfundamentais. Acontece que, no caso concreto uma ou outra dimensão irá se sobrepor a outra, em que: [...] pode-se concluir que os direitos fundamentais sociais previstos na Constituição Federal - seja aqueles do catálogo, seja os dispersos ao longo do texto constitucional - podem assumir a estrutura deôntica de direitos de defesa e de direitos a prestações, sendo que, um mesmo direito fundamental poderá investir seu titular nas duas categorias de posições jurídicas [...]. (OLSEN, 2008, p. 57)

Portanto, os direitos fundamentais sociais visam promover a igualdade substancial, independente da dimensão (positiva ou negativa) no caso concreto. Para tanto, tendo em vista que os direitos sociais são direitos fundamentais, necessário o reconhecimento de sua aplicabilidade e eficácia imediatas.

_______________ 32

CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional, p. 554 apud OLSEN, Ana Carolina Lopes. Op. cit. p. 52.

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3.5 APLICABILIDADE IMEDIATA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

Cediço que os direitos fundamentais possuem aplicabilidade e eficácia imediata, conforme a exegese do art. 5º, §1º, da Constituição Federal de 1988. Entretanto, quando se fala em direitos sociais, tal afirmativa não possui o mesmo reconhecimento. E muitos são os argumentos para que não se reconheça sua aplicabilidade imediata, dentre os quais: direitos sociais como direitos positivos (à prestação); de natureza programática; decorrentes dos direitos civis que, para serem implementados, necessitariam do esgotamento daqueles; custos dos direitos e reserva do possível. Referidos argumentos serão analisados no decorrer do presente tópico. Entretanto, em que pese tal posicionamento, que por sinal, ainda é majoritária na doutrina brasileira, imperioso os novos ensinamentos de Ingo Wolfgang Sarlet e Mariana Figueiredo33 que, no tocante aos Direitos Sociais, afirmam que estes abrangem tanto direitos positivos quanto negativos, fazendo uma interpretação da Constituição de forma que os direitos sociais são reconhecidamente direitos fundamentais (direitos fundamentais sociais) e que, por força do art. 5º, §1º, da Constituição Federal de 1988, são aplicáveis de imediato, conforme excerto: Neste sentido, verifica-se, desde logo e na esteira, do que já tem sido afirmado há algum tempo entre nós, que também os direitos sociais abrangem tanto direitos (posições ou poderes) a prestações (positivos) quanto direitos de defesa (direitos negativos ou a ações negativas), partindo-se aqui do critério da natureza da posição jurídico-subjetiva reconhecida ao titular do direito, bem como da circunstância de que os direitos negativos (notadamente os direitos à não-intervenção na liberdade pessoal e nos bens fundamentais tutelados pela Constituição) apresentam uma dimensão „positiva‟ (já que sua efetivação reclama uma atuação positiva do Estado e da sociedade), ao passo que os direitos a prestações (positivos) fundamentam também posições subjetivas „negativas‟, notadamente quando se cuida de sua proteção contra ingerências indevidas por parte dos órgãos estatais, de entidades sociais e também de particulares. [...] Com efeito, para além de poderem ser reconhecidos como protegidos contra uma supressão e erosão pelo poder de reforma constitucional (por força de uma exegese necessariamente inclusiva do art. 60, §4º, IV, da CF) os direitos sociais (negativos e positivos) encontram-se sujeitos à lógica do art. 5º, §1º, da CF, no sentido de que todas as normas de direitos fundamentais há de se outorgar a máxima eficácia e efetividade possível. [...] Portanto, as normas de direitos sociais devem, em princípio, ser consideradas como dotadas de plena eficácia e, portanto, direta aplicabilidade, o que não significa (e nem o poderia) que sua eficácia e efetividade deverão ser iguais.

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SARLET, Ingo Wolfgang, FIGUEIREDO, Mariana. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. In: Direitos Fundamentais: orçamento e reserva do possível/ SARLET, I.W., TIMM, L. B. (Org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, v. 1, p. 11-53.

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Nesta esteira, NOLETO (2009) elenca e responde a várias teses ou justificativas para a não aplicabilidade e, por conseguinte, eficácia dos direitos fundamentais sociais34. A primeira trata da clássica classificação entre direitos civis e políticos (denominados direitos negativos), em que há uma obrigação de resultado pautada na abstenção do Estado, no non facere, e direitos sociais, econômicos e culturais (denominados direitos positivos), em que há uma obrigação de meio pautada em prestações de medidas por parte do Estado. Com base nessa classificação, afirma-se que os direitos negativos não implicam custos para o Estado, ao passo que os direitos positivos sim. Ficando, portanto, a implementação dos direitos positivos limitados aos recursos do Estado que, diga-se de passagem, sempre serão finitos. Entretanto, não há como fazer essa distinção, uma vez que a atuação estatal para uns e outros é híbrida, sendo constituída por ações e abstenções. Logo, os denominados direitos positivos não são apenas positivos, pois tem traços negativos e vice-versa, conforme já exposto no excerto acima. O que levaria à consequência de que os direitos negativos implicam gastos de recursos. A segunda justificativa aduz que os direitos sociais seriam decorrentes dos direitos civis e políticos e não existiriam e nem seriam implementados se estes não existissem e não fossem completamente implementados. Denota-se, desde logo, que desta forma está se considerando que os direitos são gerações. Ocorre que não são categorias que se sucedem. Claro que há a necessidade de que os direitos civis e políticos sejam minimamente implementados, mas seu esgotamento não pode ser defendido como pressuposto para o desenvolvimento dos direitos de segunda dimensão (sociais). Noutro passo, a eficácia e implementação dos direitos fundamentais sociais dão ao indivíduo a capacidade de gozar dos direitos civis e políticos da melhor forma possível. Outro argumento seria a caracterização dos direitos sociais como de natureza programática. Por esta, o constituinte teria deixado a cargo do legislador infraconstitucional a conformação destes direitos que não teriam aplicabilidade imediata até sua regulação e nem poderiam ser exigíveis judicialmente. Conforme OLSEN (2008), o reconhecimento da fundamentalidade dos direitos _______________ 34

Discussão travada principalmente no Capítulo I.

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sociais implica na superação da classificação da eficácia das normas constitucionais, já que se trata de uma classificação que não retrata a natureza do direito, pois a classificação deve se amoldar ao direito e não o direito se amoldar à classificação. Nessa mesma linha, NOLETO (2009), para a qual a classificação não impede sua aplicabilidade, já que a classificação é externa à norma e, se esta fosse obstáculo para a aplicabilidade, ela na verdade faria parte da natureza do direito, pugnando, ao final, que não se deve utilizar classificação externa à norma para obstaculizar a eficácia dos direitos sociais em contraposição à determinação da própria Constituição35. Além disso, aduz: Ademais, ao afirmar-se que as normas constitucionais que reconhecem direitos sociais são desprovidas de efetividade, deixa-se de lado o dispositivo constitucional do art. 5º, parágrafo 1º que estabelece que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, bem como afronta-se o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais que rege a interpretação da Constituição. Não há como admitir que a Constituição tenha normas com aplicabilidade condicionada à atuação do legislador ordinário, sob pena de estar-se invertendo a lógica do sistema jurídico no qual a Carta Constitucional é rígida e ocupa seu ponto central. (NOLETO, 2009, p. 24, grifo da autora)

Finalmente, o último e mais utilizado argumento dos custos dos direitos. Por tal tese, os direitos sociais demandam prestações por parte do Estado que, por contar com recursos finitos, ante a reserva do possível, estaria impossibilitado de garantir a plena eficácia e aplicabilidades destes direitos. Entretanto, com relação aos direitos civis e políticos, afirma que, por terem natureza negativa, pautada na abstenção por parte do Estado, não haveria um dispêndio de recursos e, por conseguinte, não geraria custos, possuindo, desde logo, efetividade ampla. Insta salientar, primeiramente, que a reserva do possível é conceito diferente do utilizado nos Tribunais brasileiros, como sendo apenas de disponibilidade de recursos. De origem alemã, temos que a cláusula de reserva do possível [...] representa um limite à pretensão dos titulares de direitos fundamentais prestacionais na medida não lhes cabe requerer além daquilo que o Estado já prestou dentro da sua capacidade, cumprindo seus deveres constitucionais. [...] A reserva do possível deve ser trazida para o contexto sócio-político-econômico brasileiro: aqui, o Estado não faz tudo que está ao seu alcance para cumprir os mandamentos constitucionais. Muito pelo contrário, mecanismos para burlar as exigências dos direitos fundamentais prestacionais. É certo que a economia brasileira não pode ser comparada à alemã, mas isso não afasta a obrigação de dotação orçamentária para o

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Logo, “A teoria acerca da aplicabilidade das normas constitucionais é apenas uma classificação que tem que se adequar às normas existentes e não o contrário. As classificações são posteriores às espécies que elas classificam, por isto não podem ir contra a natureza do objeto classificado. [...] Admitir que as normas constitucionais que versam sobre direitos sociais são normas sem aplicabilidade imediata significa contrariar uma característica inerente a toda norma que é a imperatividade. Uma norma não aconselha, ela ordena”. NOLETO, Maria Clara Barros. Ibidem. p. 23.

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cumprimento de mandados constitucionais. (OLSEN, 2008, p. 223-224)

Logo, todo e qualquer direito gera custo para o Estado que “[...] por motivos políticos e ideológicos os direitos sociais são preteridos ou mal implementados pelos governantes" (NOLETO, 2009, p. 37). Com efeito, NOLETO (2009, p. 27-28) externa algumas indagações retóricas com relação à atuação do Judiciário no que concerne à efetividade dos direitos civis e políticos em contraposição aos direitos sociais, com base na escassez de recursos, conforme excerto: No entanto, indaga-se a razão pela qual não se aplica o raciocínio da escassez orçamentária tanto no caso dos direitos individuais quanto no que tange aos direitos coletivos? Será que para os defensores do „lençol curto‟ seria admissível o Estado negar a defesa de direitos civis e políticos porque não há recursos disponíveis para esse tipo de despesa? Será que seria legítima uma decisão que declarasse a impossibilidade financeira do Estado para dar cumprimento aos direitos individuais assim como existe para os coletivos? Pela postura do Judiciário brasileiro, é inconcebível que seja proferida uma decisão para negar a reintegração de posse de um fazendeiro que teve sua propriedade invadida por trabalhadores rurais por conta de gastos que esta ordem acarretariam para o Estado.

Ademais, como os direitos fundamentais sociais são aplicáveis de imediato, também o são exigíveis perante o Judiciário, garantindo o mínimo existencial (proteção e promoção da dignidade da pessoa humana e subsistência e pleno desenvolvimento da personalidade) e, por conseguinte, a efetivação dos direitos fundamentais sociais, que tem sido reconhecidos em julgados recentes, matéria de estudo deste trabalho, em capítulo próprio.

3.6

DIREITO

FUNDAMENTAL

À

SAÚDE

E

A

QUESTÃO

DA

JUSTIÇA

DISTRIBUTIVA

A Constituição da Organização Mundial de Saúde, de 1946, conceitua a saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou enfermidade. O artigo 6º da Constituição Federal de 1988 aduz que são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

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Noutro passo, o artigo 196 do mesmo diploma legal assevera que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Constata-se que o direito à saúde está pautado, dentre outros, nos princípios da universalidade, integralidade e igualdade. O primeiro está consubstanciado no acesso de todos os brasileiros aos serviços de saúde disponíveis, independentemente de raça, sexo, cor, origem e renda. Entretanto, a universalidade, nas lições de Ingo Wolfgang Sarlet não pressupõe gratuidade36. O princípio da integralidade pressupõe, nas palavras de Flavia Vieira Henriques, duas ideias distintas: "primeiro, a complementariedade necessária entre ações preventivas e curativas; segundo, a obrigatoriedade da atuação estatal resolutiva, seja qual for o nível de complexidade dos serviços exigidos no caso concreto"37. Mas, de referido princípio não se pode afirmar que há obrigação estatal de fornecer quaisquer tratamentos ou medicamentos a qualquer pessoa, como se verá adiante. Entretanto, para entender a igualdade, necessário visualizar o direito à saúde sob o aspecto de justiça distributiva, em que os ensinamentos do filósofo norte-americano Ronald Dworkin são de grande valia38. A justiça distributiva está intrinsecamente ligada ao direito, mesmo que a dogmática jurídica a afaste para dar lugar à justiça comutativa. Analisando as diversas concepções de igualdade, pode-se afirmar que o direito à saúde, assim como princípio, só poderá ser concretizado se visto como um direito de distribuição. José Reinaldo de Lima Lopes39 explica que a justiça distributiva já vinha sendo discutida desde o século XVIII, mas que, por preferência e pela ignorância no trato da

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Em que pese tal entendimento, o legislador ordinário, quando da promulgação da Lei nº 8.080/90, instituiu o sistema público de forma gratuita. 37 HENRIQUES, Flávia Vieira. Direito Prestacional à Saúde e Atuação Jurisdicional. In: Direitos Sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento[coord]. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 835. 38 LEÃO, Lidiane Nascimento. Proteção Judicial do direito à saúde: análise à luz da justiça distributiva; Orientador, Antonio Gomes Moreira Maués. Belém, 2008. Utiliza-se como referência os ensinamentos do Capítulo 4. 39 “[...] distribuir, ou fazer justiça distributiva, é dar a cada um a sua parte no mal comum (distribuição dos ônus) ou no bem comum (distribuição de benefícios). A distribuição distingue-se da troca. A justiça das trocas diz-se justiça comutativa, ou retributiva ou corretiva e, em geral, tem regras estabelecidas para relações bilaterais (conflitos individuais tradicionais).” Cf. LOPES, José Reinaldo de Lima. Direitos Sociais: teoria e prática. São Paulo: Método, 2006.

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distribuição, não era aplicada nos casos concretos, tornando-se mais “atual” por intermédio do Constitucionalismo Social (Neoconstitucionalismo). Lidiane Nascimento Leão, em sua tese de mestrado, fez uma breve apresentação das concepções de igualdade, afirmando que conceituá-la se trata de tarefa nem sempre fácil, dependendo do ponto de vista que se dá ao conceito, perpassando pelas teorias utilitarista, da igualdade do bem-estar, da igualdade material e da igualdade de recursos, pugnando em tratar como igualdade distributiva a concepção de Ronald Dworkin, denominada de igualdade de recursos. A corrente filosófica do Utilitarismo teria concepção de igualdade pautada no bem-estar: quando trata as pessoas com igualdade, aqui considerada como a garantia que as regras trazem para que os indivíduos usufruam o máximo bem-estar geral possível (satisfação, desejos ou preferências individuais). Entretanto, não pode ser considerado de justiça distributiva, já que não levaria em consideração as aspirações e necessidades dos destituídos e minorias, “se isso for conducente à maximização da soma total de utilidade ou da utilidade média”40. Na mesma classe, a igualdade de bem-estar é teoria diferente, pugnando pela igualdade quando a transferência ou distribuição de recursos entre as pessoas não possam deixá-las mais iguais em bem-estar. Contudo, todo conceito de bem-estar dá origem a problemas relativos à comparação do nível de bem-estar de pessoa para pessoa. Já a teoria da igualdade material versa que o Estado tem a obrigação de fazer com que seus cidadãos tenham, ao longo de suas vidas, o mais igual possível em riquezas materiais. Nessa linha de raciocínio, DWORKIN (apud LEÃO, 2008) apresenta a teoria da igualdade de recursos, pela qual o Estado estaria obrigado a atribuir a cada cidadão a mesma quantidade de recursos, para que cada qual os consuma ou invista como achar melhor. Logo, admite que a riqueza das pessoas pode diferir, mas que isso não implica a desigualdade, muito pelo contrário, pois estaria preservada pelas transações de mercado entre elas, devendo haver compensações quando houver diferença de talento - que são consideradas diferenças de recursos. Para DWORKIN (apud LEÃO, 2008), a igualdade distributiva seria a concretização no campo econômico de ideais abstratos de igualdade, implementados pelas _______________ 40

VITA, op. cit., p. 143-171, apud LEÃO, Lidiane Nascimento. Ibidem.

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decisões políticas que deveriam pautar-se no direito à igual consideração e respeito, legitimando, como se pode ver, as políticas públicas, não sendo caso de tratamento idêntico, mas do direito de ser tratado como um igual41. Entretanto, tendo em vista as dificuldades advindas de nossa sociedade, ainda haverá casos em que, mesmo determinadas pessoas sendo tratadas como iguais, sofrerão perdas, o que pode ser explicado pelo seguro hipotético, a ser analisado a seguir. Após, LEÃO (2008) passa a tecer considerações sobre as teorias liberais de igualdade de John Rawls e Ronald Dworkin. A teoria da justiça como equidade, de John Rawls teria, grosso modo, fundamento na equidade e, portanto, justificaria tratamentos desiguais, em que uma “sociedade bemordenada [...], é aquela na qual (1) todos aceitam e sabem que os outros aceitam os mesmos princípios de justiça, e (2) as instituições sociais básicas geralmente satisfazem, e geralmente se sabe que satisfazem, esses princípios”42, em que tais princípios seriam o de igualdade e equidade. Entretanto, tal teoria pugna pela visão geral do problema, não levando em consideração e deixando muitas dúvidas sobre como o agente individual pode concretizar seu projeto de vida tendo como contraponto a concepção geral de uma visão de imparcialidade moral. Sob outro aspecto, a teoria da igualdade de recursos de Ronald Dworkin tem como pressuposto que “a distribuição das riquezas sociais deve expressar de algum modo as escolhas das pessoas e que, portanto, uma distribuição idêntica de riquezas não é uma distribuição justa ou igualitária” 43. Logo, sua teoria se baseia em dois princípios éticos do individualismo: da igual importância e da responsabilidade individual. Explica que o “destino” estaria ligado a dois aspectos: escolhas e circunstâncias. O primeiro é constituído pela personalidade da pessoa, tendo como ramificação a aspiração e o caráter. Já o segundo, constitui-se em recursos pessoais (saúde e capacidade física e mental) e impessoais (transferidos de uma pessoa para outra: riquezas, oportunidades, etc.), sendo que

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Aqui se está falando sobre o conceito de direito à igual consideração e respeito. Tal direito se dividiria em direito a igual tratamento e direito a ser tratado como igual. O primeiro trata da mesma distribuição de bens e oportunidades que qualquer outra pessoa possua ou receba. Já o segundo, que legitima as políticas públicas, trata da igual consideração e respeito na decisão política sobre como tais bens e oportunidades serão distribuídos. 42 RAWKS, 2002, p. 5, apud LEÃO, Lidiane Nascimento. Ibidem. 43 LEÃO, Op. cit. p. 62.

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este segundo aspecto não teria qualquer ingerência do agente, portanto, estando fora de seu controle. Partindo desse pressuposto, DWORKIN (apud LEÃO, 2008) assevera que qualquer desigualdade de riquezas somente está justificada pelas escolhas e não pelas circunstâncias. Tal ideal pauta-se no fato de que as escolhas são ingerências individuais, podendo-se responsabilizar, o que não aconteceria pelas circunstâncias, já que Assumimos responsabilidade por nossas escolhas de diversas maneiras. Quando essas escolhas são feitas de livre e espontânea vontade, e não ditadas ou manipuladas por outrem, culpamos a nós mesmos se decidirmos mais tarde que deveríamos ter feito outra escolha. [...] Nossas circunstâncias são outra coisa: não tem sentido assumir responsabilidade por elas, a não ser que sejam decorrentes de escolhas. Pelo contrário, se estamos insatisfeitos com nossos recursos impessoais e não culpamos a nós mesmos por alguma escolha que tenha afetado nossa parcela de recursos, é natural reclamar que outros - em geral as autoridades da nossa comunidade política - foram injustos conosco. A diferença entre escolha e circunstância não é apenas conhecida na ética em primeira pessoa, mas é essencial para ela. [...] Não podemos planejar nem julgar nossa vida, a não ser distinguindo aquilo pelo que devemos nos responsabilizar porque estava além de nosso controle44.

Portanto, havendo tal desigualdade pelas circunstâncias, alguma forma de correção (compensação) deveria ser obrigatoriamente implementada, tanto pela sociedade quanto pelo Estado. Para tanto, tal teoria exige que a distribuição dos recursos seja sensível somente às escolhas e “O leilão hipotético, que nada mais é do que o mercado em condições ideais, é o único mecanismo que permite uma distribuição de recursos sensível à diversidade de preferências entre as pessoas e às escolhas que essa diversidade implica”45. Entretanto, como o mercado, na realidade, não se encontra no estado ideal, e as pessoas também não apresentam igualdade de condições, Dworkin afirma a necessidade de corrigi-lo com medidas redistributivas para que se adeque ao critério escolha-circunstância. Mas o problema da concepção liberal de igualdade está no fato de não possuir um mecanismo que não necessite analisar, pessoa a pessoa, as escolhas e circunstâncias e as consequências destas. Tal mecanismo seria, para Dworkin, o seguro hipotético. John Rawls contorna tal problema através do princípio da diferença, em que analisa tal aspecto do ponto de vista geral ou grupal, de classes. Em contrapartida, Dworkin “enfrenta o desafio do „problema estratégico‟46 ao propor que a igualdade é, em princípio, _______________ 44

DWORKIN, 2005a, p. 455-456, apud LEÃO, Lidiane Nascimento. Ibidem. LEÃO, Op. cit., p. 67. 46 O problema estratégico ao qual reporta-se Dworkin está pautado na impossibilidade de discriminar exatamente a atribuição das desigualdades materiais às escolhas ou às circunstâncias, já que as riquezas detidas pelas pessoas 45

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uma questão de direito individual, e não de posição de grupo ou mesmo uma questão de igualdade entre grupos”47. Dwokin afirma que o seguro hipotético não solucionaria o problema tendo em vista que apenas o faria em sociedades que ainda não são desiguais e sem ganância e o que as pessoas fariam pós-leilão estaria vinculado a diversos fatores que ele busca distinguir em sorte por opção (resultado de apostas deliberadas e calculadas – ganhos e perdas de alguém que aceita um risco isolado que devia ter previsto e poderia ter recusado) e sorte bruta (resultado dos riscos que não são apostas deliberadas). Então, o seguro hipotético seria o mecanismo pelo qual seria “possível equalizar as oportunidades que as pessoas têm para se proteger dos riscos de possuir menos riquezas por razões aleatórias (isto é, circunstâncias)"48. Também seria, neste aspecto, o elo entre a sorte por opção e a sorte bruta, desde que tenha sido oferecido desde o início. Logo, o seguro hipotético autoriza as diferenças advindas das apostas, em face da existência do fator risco atrelado a elas, devendo o apostador pagar o preço de suas escolhas – ganho ou perda, atrelado ao ideal de responsabilidade -, não condenando referidas diferenças, a não ser quando advindas das circunstâncias involuntárias, e tal seguro seria implantado por meio de seguros compulsórios para todos a preço fixo. Lidiane Leão procura demonstrar como a concepção de seguro hipotético se aplica, na prática, ao caso da saúde, direito social, previsto em nossa Magna Carta, ao tentar responder a pergunta: "Quanto se deve gastar, coletivamente, para proporcionar serviços de saúde a todos de forma a honrar o ideal de igualdade distributiva?"49. E, ao responder tal pergunta, "[...] Dworkin afirma que não se pode evitar a questão da justiça: o que é um tratamento médico 'apropriado' depende do que seria injusto restringir com a desculpa do alto custo"50. A celeuma atinente ao caso seria conceituar o que seria um tratamento médico adequado. Para tanto, Dworkin analisa o princípio do resgate51 e o princípio do seguro prudente52. _______________ no mundo real quase sempre decorrem de uma combinação destes dois fatores. 47 DWORKIN, 2005a, p. 150-151, apud LEÃO, Lidiane Nascimento. Ibidem. 48 LEÃO, Op. cit., p. 70. 49 LEÃO, Op. cit., p. 74. 50 LEÃO, Op. cit., p. 74. 51 “Insiste que a sociedade deve oferecer tal tratamento sempre que houver possibilidade, por mais remota, de salvar uma vida, ou ao menos em prolongar uma vida, independentemente do custo e da eventual eficácia do tratamento.” In: LEÃO, Op. cit., p. 76. 52 “Equilibra o valor estimado do tratamento médico com outros bens e riscos: presume que as pessoas talvez pensem que levam uma vida melhor quando investem menos em medicina duvidosa e mais para tornar a vida

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O primeiro levaria em consideração que a saúde é direito de todos a qualquer tempo, de qualquer modo, e que deveria ser implementado a qualquer custo. Dworkin afirma que o absolutismo dado à vida deve ser relativizado, e sendo tal princípio inútil, tendo em vista que o custo elevado da saúde e de determinados tratamentos levariam a sociedade à falência, já que deixaria de investir em outros bens importantes. O segundo, e que está mais de acordo com a realidade brasileira, leva em consideração que haveria um seguro de um nível mínimo de assistência médica devido a todos, e que outras formas de tratamento poderiam ser obtidas através do pagamento de um seguro maior ou através de planos complementares de saúde53, sendo o mecanismo que torna as pessoas iguais em face do risco, traçando o limite mínimo justo de redistribuição, o que é afirmado no seguinte excerto: Dworkin defende, então, a aplicação do mecanismo do seguro hipotético no campo da saúde. Uma comunidade deve gastar coletivamente em saúde a cobertura que pessoas médias da comunidade em questão, de prudência normal, teriam contratado num mercado de seguros competitivo em igualdade de condições. É importante ressaltar que Dworkin defende um sistema universal de saúde que garanta, com toda justiça, que todos a tenham. Neste sentido, mesmo aqueles que não teriam condições de fazer um seguro de saúde ou aqueles que escolheram não fazer (os imprudentes) teriam o direito a um nível mínimo de assistência médica. Por outro lado, se mesmo em condições justas, muito poucas pessoas prudentes quisessem fazer seguro em um nível bem mais alto de cobertura - se, conforme afirma o autor, pouquíssimas pessoas fizessem seguro que fornecesse tratamento de manutenção das funções vitais em caso de demência, ou tratamentos heróicos ou caros que prolongassem sua vida por poucos meses, por exemplo -, então para Ronald Dworkin é um desserviço à justiça obrigar todos a terem tal seguro compulsoriamente. Embora, ele suponha ser justo elaborar um plano de cobertura obrigatória com base nas hipóteses sobre o que todos, exceto um pequeno número de pessoas, julgariam apropriados; a quem se permitisse (a minoria) gastar mais, se o pudesse, em atendimento especial por intermédio de um seguro complementar. Em outras palavras, Dworkin defende a existência de um sistema público de saúde, bem como de um sistema privado complementar como temos no Brasil 54.

A autora comenta entender que cabe ao Poder Executivo e à sociedade a formulação de políticas públicas voltadas ao fomento da atividade da saúde e que este também deveria, junto com um conselho formado por várias pessoas de diversos segmentos

_______________ bem-sucedida ou agradável, ou para proteger-se contra outros riscos inclusive econômicos, que também possam arruinar sua vida.” In: LEÃO, Op. cit., p. 76-77. 53 Conforme depreende-se, o sistema público de saúde deve garantir apenas o mínimo de assistência básica, o mínimo de tratamento que uma sociedade escolheu ou não. Por conseguinte, quem quisesse um seguro maior, aderiria a um plano complementar de saúde. Logo, este seria a exceção à regra. Entretanto, temos visto que, na verdade, houve uma inversão: a exceção tornou-se a regra, em que os planos complementares de saúde são aqueles em que se garante o mínimo que o Estado deveria dar, enquanto requer-se do sistema público a cobertura de tratamentos muitas vezes dispendiosos e que não se encaixam no aspecto de assistência básica. 54 LEÃO, Op. cit., p. 75.

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da sociedade, decidir quais os tratamentos que o Estado deve custear e quais o Estado deve se abster por um ideal de justiça. Apesar de sofrer inúmeras críticas, e respondê-las, Dworkin afirma que o seguro hipotético pode não ser a teoria perfeita ou a ideal, mas com certeza é a que melhor responde às inúmeras dúvidas, explica as desigualdades e propõe soluções para o problema da desigualdade. Interessante notar que, apesar dos problemas expostos no item anterior sobre a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais sociais, o Judiciário tem se valido inadequadamente de aspectos de justiça comutativa para analisar o direito à saúde, ao invés da aqui exposta justiça distributiva. Desta maneira, observa-se que os direitos fundamentais, inseridos no ordenamento jurídico com o pressuposto de aplicabilidade imediata encontram obstáculos patentes em matéria de Saúde, pois a prestação Sanitária exige que os sujeitos do campo jurídico criem certos ajustes para que a mesma seja cumprida. O primeiro ajuste é compreender o que é justo em direito à saúde, por isso a Teoria de Dworkin bem conduzida por Leão, aponta as dificuldades teóricas da justiça distributiva por igualdade de recursos. Vários autores, como Sarlet, Figueiredo e Olsen, partem do pressuposto de um cenário de justiça comutativa. Nesta modalidade, a regra é a igualdade matemática. Parte-se do pressuposto de que há uma igualdade entre as pessoas que trocam. Todavia, nas questões que envolvem a justiça distributiva, a igualdade apresentase diferenciada; por isso Dworkin estabelece a igualdade de recursos, em que as riquezas serão redistribuídas de acordo com as escolhas e circunstâncias das pessoas. Logo, tem sido recorrente a fala de autores como Barcellos, Lopes e do próprio Ministro Gilmar Mendes em que se procura responder o que é possível de se ofertar igualmente a todos, em especial, com relação à prestação sanitária. Neste diapasão, e com vistas a responder a indagação anterior, torna-se imperioso analisar o fenômeno da Judicialização da Saúde - que se tornou importante ferramenta para que, mesmo que inadequadamente, o jurisdicionado consiga prestações no campo da saúde através da conformidade das decisões com o ideal de justiça distributiva pautada na igualdade de recursos de Dworkin, demonstrando, por conseguinte, o que deve ser ofertado igualmente a todos.

46

4 JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE

4.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS

Conforme

visto

no

primeiro

capítulo

do

presente

trabalho,

o

Neoconstitucionalismo inaugurou uma nova ordem constitucional em que a Constituição passou a ser o centro – e ao mesmo tempo permaneceu como norma hierarquicamente superior - do ordenamento jurídico do Estado, estabelecendo feixes de fundamentalidade para as demais normas do mesmo ordenamento jurídico. Noutro passo, reconheceu a força normativa da Constituição, aumentando sobremaneira a importância do Poder Judiciário. Neste aspecto, interessante salientar o estudo que NOLETO (2009) empreendeu com relação à tese de Montesquieu sobre a Separação dos Poderes55. Em um primeiro momento, referida divisão era bastante acentuada. Entretanto, a autora, citando o livro "Crime e Constituição" de Lenio Streck e Luciano Feldens, mostra uma nova leitura da tese da Separação dos Poderes, aduzindo que, dependendo da forma de Estado, há a predominância de determinado poder em relação aos outros e que referida predominância nada mais seria do que a expressão do tão conhecido sistema de checks and balances. No Estado Liberal, a predominância do Poder Legislativo era notória, ante o império da lei. A falência do Estado Liberal, em que se passou a necessitar de regulamentações e implementação de políticas públicas, fez com que predominasse o Poder Executivo. A precariedade da atuação do Executivo ante seu desvio de finalidade 56 e a mudança para o Estado Democrático de Direito, fez com que a implementação de políticas públicas fosse intermediada pelo Poder Judiciário, predominando este. Com efeito, o Neoconstitucionalismo, na medida em que trouxe uma nova forma de interpretar a Constituição, elevou os direitos sociais à condição de direitos fundamentais, atribuindo-lhes, portanto, aplicabilidade e eficácia imediata, possibilitando, igualmente, sua exigibilidade incontinenti. _______________ 55

Em especial, no Capítulo III. Neste aspecto, a autora fez incisivas críticas à atuação do Poder Executivo, em que na verdade, os políticos apenas desempenhavam seu mister não com o propósito de atingir os fins constitucionais ou a melhora e desenvolvimento de suas Nações. Importavam-se e importam-se, apenas, em encher seus bolsos e garantir um futuro trabalho, em que suas atitudes apenas visavam fins eleitoreiros. 56

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Referida exigibilidade frente ao Judiciário levou a diversas decisões, e aqui, em especial, tratando-se do direito à saúde, em que o bem da vida é concedido sem qualquer critério ou mínimo de consenso entre os Tribunais, ensejando decisões por mais das vezes contraditórias até mesmo com as políticas públicas do Executivo. Como exemplo, temos o fornecimento de medicamentos de eficácia não comprovada ou sem registro no órgão regulador (ANVISA) ou até mesmo do órgão regulador do país de origem; fornecimento de medicamentos que não estão na Lista do SUS; fornecimento de medicamentos que estão na lista do SUS, mas em falta - por qualquer motivo - apenas à pessoa que leva seu caso ao Judiciário; determinação de custeio de tratamentos experimentais de alto custo no exterior, sem eficácia comprovada; tudo, às expensas do Poder Público, tomando a forma do princípio do resgate do Utilitarismo de Rawls57. SARLET (2008, p. 349) aborda a problemática do direito à saúde, chamando-a de trágica, tendo em vista que a falta da prestação material pode ceifar a vida dos titulares do direito, clarificando o conflito entre a escassez de recursos e a efetividade dos direitos fundamentais sociais, aduzindo que: [...] após uma postura mais tímida, mesmo os Tribunais Superiores, notadamente o Supremo Tribunal Federal, passaram a reconhecer a saúde como direito subjetivo (e fundamental) exigível em Juízo e não mais como direito enunciado de modo eminentemente programático.

E outra não é a posição do Supremo Tribunal Federal, demonstrando a preocupação com os efeitos que as decisões do Judiciário acarretam, aduzindo os diversos pontos de contraste, como por exemplo: Se, por um lado, a atuação do Poder Judiciário é fundamental para o exercício efetivo da cidadania e para a realização do direito social à saúde, por outro, as decisões judiciais têm significado um forte ponto de tensão perante os elaboradores e executores das políticas públicas, que se vêem compelidos a garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área da saúde e além das possibilidades orçamentárias. A ampliação dos benefícios reconhecidos confronta-se continuamente com a higidez do sistema. [...] Em alguns casos, satisfazer as necessidades das pessoas que estão à sua frente, que têm nome, que têm suas histórias, que têm uma doença grave, que necessitam de um tratamento específico, pode, indiretamente, sacrificar o direito de muitos outros cidadãos, anônimos, sem rosto, mas que dependem igualmente do sistema público de saúde58.

_______________ 57

O Utilitarismo já foi exposto no Capítulo 3. Entretanto, será analisado novamente com relação às demandas judiciais, em contraposição à igualdade de recursos, posteriormente, neste trabalho. 58 Fala de Abertura da Audiência Pública nº 04 do STF, proferida pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Abertura_da_Audiencia_Publica__M GM.pdf, acessado em 20/10/2011.

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Neste aspecto, "como a efetivação dos direitos sociais exige uma postura positiva do Poder Público, não é de estranhar que o processo de concretização seja lento e, na grande maioria das vezes, ineficaz"59. Tal afirmação torna-se verdadeira quando olhamos ao nosso redor e vemos as dificuldade que os Poderes Executivo e Legislativo têm em concretizá-los. Logo, o fenômeno da Judicialização da Saúde nada mais é do que o resultado da exigibilidade de Direitos Sociais - como o da saúde - frente ao Judiciário, no contexto de ineficácia e lentidão do processo de efetivação dos direitos sociais e falência dos Poderes Executivo e Legislativo, conforme exposto no seguinte excerto: Essa ampliação do acesso à justiça, associada à lentidão do processo de efetivação desses direitos (que, em certos casos, se caracteriza como uma verdadeira e odiosa omissão), deu origem ao fenômeno da judicialização dos direitos fundamentais sociais60.

Com vistas a "[...] esclarecer as questões técnicas, científicas, administrativas, políticas e econômicas envolvidas nas decisões judiciais sobre saúde" (MENDES, Op. cit.), abriu-se a Audiência Pública nº 04 no STF, em que foram ouvidos vários especialistas dos diversos setores da Saúde, na tentativa de traçar os parâmetros para uma atuação judicial equânime. Na época, além dos pedidos de Suspensão de Tutela Antecipada e Liminar, tramitava o RE nº 566.471, em que foi reconhecida a repercussão geral questionando se situação individual pode, sob o ângulo do alto custo, pôr em risco a assistência global à saúde de todos61. Noutro passo, a Defensoria Pública da União apresentou Proposta de Súmula Vinculante nº 04, tornando vinculante “a responsabilidade solidária dos entes da federação no que concerne ao fornecimento de medicamentos e tratamentos” e “a possibilidade de bloqueio de valores públicos para o fornecimento de medicamento e tratamento, restando afastada, por outro lado, a alegação de que tal bloqueio fere o artigo 100, caput e §2º, da Constituição de 1988"62. Logo, ao Magistrado cabe _______________ 59

GANDINI, João Agnaldo Donizete, BARINE, Samantha Ferreira, SOUZA, André Evangelista de. A Efetivação dos Direitos Sociais à Saúde e à Moradia por Meio da Atividade Conciliadora do Poder Judiciário. In: Direito da Saúde no Brasil. André Evangelista de Souza... [et al.]; Organizadora: Lenir Santos. Campinas: Saberes Editora, 2010. p. 75-76. 60 Ibidem. p. 75-76. 61 Os autos do referido Recurso Extraordinário estão conclusos ao Relator desde 19/09/2011. 62 Referida proposta teve seu julgamento sobrestado ante o fato de ter sido reconhecida a repercussão geral no RE nº 566.471, em que o julgamento deste irá influenciar na apreciação daquele.

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o desafio de resolver um complexo quebra-cabeça de conciliar a eficácia imediata dos direitos sociais, inclusive considerando seu aspecto evolutivo, a universalidade do sistema e a desigualdade social, o direito subjetivo e o direito coletivo à saúde, a escassez de recursos e o uso indevido do orçamento, a justiça comutativa e a justiça distributiva, dar prioridade às políticas de prevenção ou à recuperação; a efetiva participação da comunidade no sistema, a distribuição de tarefas entre os entes da federação e as desigualdades regionais. (MENDES, Op. cit.)

E, tendo em vista tais preocupações, referida Audiência Pública levou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão do Poder Judiciário incumbido de coordenar o controle administrativo e o aperfeiçoamento do serviço público na prestação da Justiça, mediante ações de planejamento, a instaurar a Portaria nº 65063 do CNJ, de 20 de novembro de 2009, criando o Grupo de Trabalho para Estudo e Proposta de medidas concretas e normativas para as demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde. A criação de referido Grupo de Trabalho levou à edição da Recomendação nº 3164 do CNJ, de 30 de março de 2010, recomendando aos Tribunais a adoção de medidas que visem melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, com vistas a assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde. Noutro passo, a Resolução nº 10765 do CNJ, de 06 de abril de 2010, instituiu o Fórum Nacional do Judiciário para o monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde, com a atribuição de elaborar estudos e propor medidas concretas e normativas para o aperfeiçoamento de procedimentos, o reforço à efetividade dos processos judiciais e à prevenção de novos conflitos. Para instruir os trabalhos do Fórum da Saúde, o CNJ, por meio da Comissão Permanente de Relacionamento Institucional e Comunicação, coordenou o I Encontro do Fórum Nacional da Saúde, que aconteceu em São Paulo/SP, em 18 e 19 de novembro de 2010, tendo como finalidade a discussão de temas sobre o direito à saúde, o controle _______________ 63

Disponível em http://www.cnj.jus.br/images/portarias/2009/port_gp_650_2009.pdf, acesso em 01/11/2011. Disponível em http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/recomendacoes/reccnj_31.pdf, acesso em 01/11/2011. Dentre as recomendações, temos, por exemplo: que até dezembro de 2010 celebrem convênios que objetivem disponibilizar apoio técnico composto por médicos e farmacêuticos para auxiliar os magistrados na formação de um juízo de valor quanto à apreciação das questões clínicas apresentadas pelas partes das ações relativas à saúde, observadas as peculiaridades regionais; orientem, através das suas corregedorias, aos magistrados vinculados, que procurem instruir ações, tanto quanto possível, com relatórios médicos, com descrição da doença, inclusive CID, contendo prescrição de medicamentos, com denominação genérica ou princípio ativo, produtos, órteses, próteses e insumos em geral, com posologia exata; evitem autorizar o fornecimento de medicamentos ainda não registrados pela ANVISA, ou em fase experimental, ressalvadas as exceções expressamente previstas em lei; ouçam, quando possível, preferencialmente por meio eletrônico, os gestores, antes da apreciação das medidas de urgência; determinem, no momento da concessão da medida abrangida por política pública existente, a inscrição do beneficiário nos respectivos programas; dentre outras. 65 Disponível em http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/resolucao/rescnj_107.pdf, acesso em 01/11/2011. 64

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jurisdicional da gestão pública da saúde, os desafios da vigilância sanitária e os planos de saúde privados. E, tendo em vista tais observações, imperioso conceituar o que é a Judicialização da Saúde, demonstrando a mudança do papel a que os Juízes estão incumbidos não só nos "casos trágicos", mas para além, traçar parâmetros para a resolução de conflitos visando a efetividade do direito à saúde.

4.2 CONCEITUAÇÃO

O termo Judicialização pode ser empregado de diversas formas, como a tentativa de efetivação de direitos pela intervenção judicial66. Torna-se então necessário analisar tal categoria teórica com o fito de conceituar o fenômeno da Judicialização da Saúde. Milton Nobre, citando Luís Roberto Barroso, aduz que: Judicialização significa que questões relevantes do ponto de vista político, social ou moral estão sendo decididas, em caráter final, pelo Poder Judiciário. Trata-se, como intuitivo, de uma transferência de poder para as instituições judiciais, em detrimento das instâncias políticas tradicionais, que são o Legislativo e o Executivo. Essa expansão da jurisdição e do discurso jurídico constitui uma mudança drástica no modo de se pensar e de se praticar o direito no mundo romano-germânico. Fruto da conjugação de circunstâncias diversas, o fenômeno é mundial, alcançando até mesmo os países que tradicionalmente seguiram o modelo inglês - a chamada democracia ao estilo de Westminster -, com soberania parlamentar e ausência de controle de constitucionalidade. Exemplos numerosos e inequívocos de judicialização ilustram a fluidez da fronteira entre política e justiça no mundo contemporâneo, documentando que nem sempre é nítida a linha que divide a criação 67 e a interpretação do direito .

Noutro passo, elenca quatro maneiras em que tal termo é utilizado, atendo-se ao conceito de Judicialização da Política, termo utilizado para: [...] designar a notória prevalência que, nas últimas décadas do século passado e nesta primeira, em vias de encerramento, do atual, o Judiciário vem ganhando na solução dos mais diversos problemas que, direta ou indiretamente, dizem respeito aos direitos fundamentais, inclusive àquelas decorrentes do desenvolvimento e da concretização de políticas públicas que objetivam assegurar a amplitude desses direitos. (NOBRE, 2011, p. 357)

Na mesma esteira, BELLO (2008, p. 179) entende que: _______________ 66

GANDINI, João Agnaldo Donizete, BARINE, Samantha Ferreira, SOUZA, André Evangelista de. Op. cit. BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: São Paulo: Saraiva, 2011. p. 360-361 apud NOBRE, Milton Augusto de Brito. Da Denominada "Judicialização da Saúde": Pontos e Contrapontos. In: NOBRE, Milton Augusto de Brito; SILVA Ricardo Augusto Dias da (Coord.). O CNJ e os Desafios da Efetivação do Direito à Saúde. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011. p. 356-357. 67

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[...] a judicialização da política e das relações sociais [...] consiste num fenômeno social e representa uma aposta na autonomia do direito, vislumbrando-se os tribunais como alternativa à crise da representação política e à inércia do Estado na formulação de políticas públicas.

Referido autor assevera que tal entendimento levou à consequência de que quando o Executivo e Legislativo se omitem, cabe ao Judiciário concretizar direitos. Entretanto, tendo em vista que referido fenômeno é consequência do papel acentuado do Judiciário, Ricardo Dias da Silva alerta que: Com efeito, de acordo com o entendimento aqui desenvolvido, a judicialização não deve ser entendida como ativismo judicial, mas do ponto de vista conceitual como sendo a atuação do Judiciário em questões relevantes nas searas política e social, decididas finalisticamente pelo controle centralizado do Poder Judiciário68.

NOBRE (2011), coadunando seu pensamento com o de SILVA (2010), também entende que a judicialização não deve ser vista como ativismo judicial, sendo conceitos e fenômenos muito diferentes, utilizando-se dos seguintes ensinamentos de Luís Roberto Barroso para demonstrar que: Há causas diversas para o fenômeno [Judicialização]. A primeira delas é o reconhecimento da importância de um judiciário forte e independente, como elemento essencial para as democracias modernas. Como conseqüência operou-se uma vertiginosa ascensão institucional de juízes e tribunais, tanto na Europa como em países da América Latina, particularmente no Brasil. A segunda causa envolve certa desilusão com a política majoritária, em razão da crise de representatividade e de funcionalidade dos parlamentos em geral. Há uma terceira: atores políticos, muitas vezes, preferem que o judiciário seja a instância decisória de certas questões polêmicas, em relação às quais exista desacordo moral razoável da sociedade. Com isso, evitam o próprio desgaste na deliberação de temas divisivos, como uniões homoafetivas, interrupção de gestação ou demarcação de terras indígenas. No Brasil, o fenômeno assumiu proporção ainda maior, em razão da constitucionalização abrangente e analítica - constitucionalizar é, em última análise, retirar o tema do debate político e trazê-lo para o universo das pretensões judicializáveis - e do sistema de controle de constitucionalidade vigente entre nós, em que é amplo o acesso ao Supremo Tribunal Federal por via de ações diretas. (BARROSO, 2011, p. 361-362 apud NOBRE, 2011, p. 359)

Interessante o entendimento de LOPES (2006) sobre o fenômeno da Judicialização da política caracterizada como a transferência, para o Judiciário, de decisões coletivizadas, sendo a judicialização dos direitos sociais um passo importante, mas com resultados ambíguos69. Neste aspecto, referido autor destaca que o paralelismo70 e cultura de _______________ 68

SILVA, Ricardo Augusto Dias da. Direito fundamental à saúde: o dilema entre o mínimo existencial e a reserva do possível. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 107. 69 Op. cit. p. 163-183. 70 De acordo com José Reinaldo de Lima Lopes, "O paralelismo jurídico seria, pois, a maneira de a sociedade latino-americana lidar com a ineficácia do ordenamento formal e com as desigualdades sociais e locais que a atravessam. Acomodam-se a lei - e seu discurso rigoroso e universal - com as condições sociais de desigualdade e com a cultura do aventureiro e do conquistador. Ao conquistador e ao aventureiro corresponde a idéia de liberdade natural: a capacidade empírica de fazer o que quiser". Op. cit. p. 113-114.

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privilégios71 levou o Legislativo a não cumprir as promessas impostas pela Constituição, acarretando o fenômeno da Judicialização, em que o jurisdicionado intenta concretizar seus direitos através de ações judiciais. Para o autor, portanto, a afirmação de direitos vai deixando de fazer-se pela legislação para ser buscada no Judiciário. Portanto, o fenômeno da Judicialização daria uma nova visibilidade ao conflito, exigindo um sistema específico de argumentos e fundamentação quanto aos seus limites e objeto, transformando conflitos plurilaterais em bilaterais. Seguindo o raciocínio esposado, extrai-se que, especificamente no caso da saúde: Da conformação articulada sobre o Direito Fundamental à saúde, sua inserção no ordenamento jurídico e sua obrigatória garantia pelo Estado, dos vários elementos relacionados à saúde como direito (procedimentos médicos, ambulatoriais, diagnose, medicamentos, tratamentos clínicos e terapêuticos diversos, além dos relacionados ao meio ambiente, ao saneamento básico, dentre outros serviços e bens), quando buscada sua efetividade pela via judicial, percebe-se a ocorrência do que se denomina de judicialização do direito à saúde [...]. (SILVA, 2010, p. 93)

Por conseguinte, Silvia Badim Marques entende que a "'judicialização da saúde' é o confronto do direito individual com o coletivo e com a política pública estabelecida em matéria de saúde, os meios colocados à disposição dos juízes para balizar as decisões"72. Portanto, a Judicialização da saúde é um fenômeno resultante da intersecção dos campos jurídico, político, econômico, social e cultural. NOBRE (2011) procura demonstrar que, na verdade, a Judicialização da Saúde não está circunscrita apenas ao fato do tão propalado aumento desmedido de demandas vinculadas à saúde73, nem com a legitimidade do Judiciário em intervir nestas. Pugna que são aspectos a serem analisados, mas não os fundamentais, tratando-se, mais especificamente, de um ângulo do processo de Judicialização da Política e das relações sociais, alertando para o fato de que: Nessa moldura, a judicialização da saúde existe como realidade e, portanto, não como um mito. Todavia, a versão de que resulta de um protagonismo da magistratura, que estaria forçando a barra das suas competências e avançando no âmbito de decisões políticas que não se sujeita ao controle judicial, em especial no quadro constitucional brasileiro, no qual inexiste direito ameaçado ou lesionado que não se possa proteger ou restaurar pela jurisdição (CR: art. 5º, XXXV), a expressão judicialização da saúde mais parece um mote, vale dizer, soa como um lema ou slogan dos que sustentam essa versão que, em última análise, pretende não apenas

_______________ 71

Já a cultura de privilégios "[...] reforça a idéia de que o direito é apenas fruto da força e da habilidade política de quem se sai bem, e torna-se um obstáculo à constituição de um espaço público, organizado democraticamente e com regras claras. Assim, a cultura do privilégio é perceptível em certas noções de liberdade, propriedade e dignidade [...]". Op. cit. p. 113-114. 72 Silvia Badim Marques apud SILVA, Ricardo Augusto Dias da. Op. cit. p. 93. 73 Ressalte-se que o autor não se convence dos argumento de que houve um aumento desmedido de demandas judiciais relativas à saúde, com base no fato de que referidas demandas representam 1% de todas as demandas que tramitam no Judiciário brasileiro.

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esconder os defeitos e as contingências gerenciais ou operacionais negativas dos sistemas de saúde, mas, ao lado, mascarar responsabilidades. (NOBRE, 2011, p. 364)

Entretanto, em que pese haver ocorrido um grande avanço com relação à exigibilidade do direito à saúde, BELLO (2008, p. 198) afirma que o Judiciário, apesar de fazer o seu papel, não tem o condão e nem condição de suprir as necessidades da população, preocupação externada pelo seguinte excerto: O Judiciário vem garantindo a efetivação dos direitos sociais a inúmeros litigantes, frustrados com a inércia do poder público, portanto sendo o reconhecimento da sua eficácia direta uma importante conquista. No entanto, enquanto esse viés envolve geralmente "casos extremos", o problema social é estrutural. A atuação do Judiciário será sempre contingente, pois por mais que determine a concessão de prestações sociais pelo Executivo, estas serão limitadas (por questões como orçamento, abrangência...), jamais abarcarão a grande massa da população e não suprirão suas principais mazelas (desemprego, pobreza, desigualdade, desnutrição, desabrigo etc.).

Mesmo sendo objeto de muitas críticas, referido fenômeno tem se mostrado uma importante ferramenta para a efetivação do direito à saúde, ainda que lhe falte uniformizar seus critérios de atuação e implementação. Na verdade, o problema não está na existência do referido fenômeno, mas sim em seu excesso que, ao centralizar a solução e concretização de todos os direitos no Judiciário, inviabilizaria a atuação dos Poderes Executivo e Legislativo. Com efeito, importante destacar que: É nessa direção que se faz oportuno referir-se à proatividade do Poder Judiciário no contexto da judicialização que se estampa diante do modelo constitucional adotado pelo Brasil, no qual se reconhece o primado da Suprema Corte como derradeira intérprete da Constituição e a consequente vinculação das normas à hermenêutica do STF. (SILVA, 2010, p. 107)

Portanto, entendemos que a Judicialização da Saúde é o fenômeno oriundo da Judicialização da Política, fruto da ineficácia dos Poderes Legislativo e Executivo na concretização de direitos, em que o Poder Judiciário é instado a efetivar o direito fundamental social à saúde, por intermédio de demandas judiciais, em que pese faltar-lhe delimitar seus critérios de atuação e implementação. Neste diapasão, a Judicialização da Saúde está intrinsecamente relacionada com a atividade criativa dos Juízes, tornando-se imperioso tecer algumas considerações sobre esta.

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4.3 A ATIVIDADE CRIATIVA DOS JUÍZES

Estamos vivenciando uma crise de dupla face74, aduz Lenio Streck: a questão de que estamos habituados e somos ensinados apenas a atuar junto à justiça comutativa, não levando em consideração questões de justiça distributiva, e que tal referencial de velha teoria das fontes e positivismo vem sendo paulatinamente suplantada pela nova dogmática constitucional da interpretação e da superação da regra pelo princípio, conforme excerto: [...] o cerne da crise, isto é, o novo paradigma instituído pelo Estado Democrático de Direito é nitidamente incompatível com a velha teoria das fontes, com a plenipotenciariedade dos discursos de fundamentação, sustentada no predomínio da regra e no desprezo pelos discursos de aplicação, e, finalmente, com o modo de interpretação fundado (ainda) nos paradigmas aristotélico-tomista e da filosofia da consciência. Assim, a teoria positivista das fontes vem a ser superada pela Constituição; a velha teoria da norma cederá lugar à superação da regra pelo princípio; e o velho modus interpretativo subsuntivo-dedutivo – fundado na relação epistemológica sujeito-objeto – vem a dar lugar ao giro linguístico-ontológico, fundado na intersubjetividade. (STRECK, 2006, p. 258, grifo do autor)

Com relação ao processo interpretativo, asseverou-se alhures que o positivismo dependia de uma teoria da adjudicação que indicasse como devem se comportar os juízes (e os intérpretes em geral), culminando no fenômeno da "baixa constitucionalidade”, consubstanciado no fato de a Constituição ficar relegada a um segundo plano, porque sua parametricidade perde importância na aferição da validade de um texto. E isto ocorreria porque “a velha teoria das fontes não permite a distinção entre vigência e validade, entre texto e norma”75 em que “obedece-se à lei, mas não se obedece à lei das leis...! É como se a vigência de um texto contivesse, em si mesma, a sua validade"76. Conforme exposto no Capítulo 2, a nova ordem constitucional estabeleceu uma nova tarefa de interpretação constitucional, em que: a) nem sempre as soluções dos conflitos jurídicos encontram-se no relato abstrato do texto normativo; b) aos Juízes não cabe apenas uma função de conhecimento técnico, voltada a revelar a solução no enunciado normativo (subsunção), mas são os mesmos co-participantes do processo de criação do direito. _______________ 74

“[...] a crise possui uma dupla face: de um lado, uma crise de modelo de direito (preparado para o enfrentamento de conflitos interindividuais, o direito não tem condições de enfrentar/atender às demandas de uma sociedade repleta de conflitos supraindividuais), problemática de há muito levantada por autores como José Eduardo Faria; de outro, a crise dos paradigmas aristotélico-tomista e da filosofia da consciência, o que significa dizer, sem medo de errar, que ainda estamos reféns do esquema sujeito-objeto”. In: STRECK, Lenio Luiz. A atualidade do debate da crise paradigmática do direito e a resistência positivista ao neoconstitucionalismo. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, v. 40, n. 45, p. 257-290, jan./jun. 2006. Disponível em: . Acesso em: 7 set. 2011. pp. 257-258. 75 Op. cit. p. 263. 76 Op. cit. p. 263.

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Em referido trabalho, são expostas novas categorias que auxiliam na interpretação: cláusulas gerais, princípios, colisões de normas constitucionais, ponderação, argumentação. Cláusulas gerais ou conceitos jurídicos indeterminados são expressões de textura aberta, que levam em conta as circunstâncias do caso concreto. Expressões como “qualidade de vida”, “vida digna”, “bem-estar” precisam da valoração dos fatores objetivos e subjetivos, presentes na realidade fática com o fim de se decidir o sentido e o alcance da norma. Questões do direito à saúde envolvem expressões como: sadia qualidade de vida, vida digna, completo bem estar físico, mental e social, a saúde como direito de todos. Como nesta nova tarefa de interpretação, a solução dos casos não está inteiramente nos enunciados normativos, os intérpretes devem ir além, integrando o alcance normativo em nível de microjustiça e macrojustiça, a partir de sua própria avaliação77. Diante de situações que se traduzem por estas expressões, os intérpretes se veem impulsionados a adotar uma nova dogmática, novas soluções e novas fórmulas, que se traduzem na atividade criativa dos juízes. NOLETO (2009) ressalta a importância da atividade criativa dos juízes, que nada mais seria do que a função interpretativa, a quando da solução de determinado caso concreto. Referida função é variável de acordo com fatores objetivos (termos da lei) e subjetivos (valores do julgador), mas que não pode ser confundida com a atividade legislativa, pois os juízes não legislam, já que "A criação legislativa difere da criação judicial pois esta ocorre no curso de um processo, envolve a participação dos sujeitos interessados em dirimir a controvérsia posta e apenas ocorre mediante provocação"78. Logo, os Juízes complementam o papel do Legislador. Realizam valorações de sentido para cláusulas abertas e culminam tal atividade com as escolhas entre possíveis soluções. Tentando entender como se dá a solução da crise supracitada, STRECK (2006), partindo de um processo compreensivo, procura compreender a origem da diferença entre a _______________ 77

Entretanto, a atuação dos Juízes é criticada pelo fato de que apenas o fariam levando em consideração a microjustiça e não a macrojustiça. 78 NOLETO, Maria Clara Barros. Op. cit. p. 62. Insta salientar que a autora preocupa-se com a participação dos sujeitos aduzindo que: "É importante frisar que em relação à participação dos sujeitos na discussão houve uma relativização em razão da existência dos processos coletivos ao permitirem que a decisão neles proferida beneficiem àqueles que não fizeram parte da relação processual, mas que no entanto, fazem parte do grupo envolvido". Acrescentando a ideia da autora, imperioso esclarecer também que os efeitos da coisa julgada em referidos processos está adstrita aos limites da competência territorial do órgão julgador, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, conforme disposto no art. 16 da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública).

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regra79 e o princípio80. Diferenciando easy e hard cases81, aqueles seriam resolvidos pela subsunção, pela utilização de regras. Noutro passo, os hard cases seriam resolvidos através da utilização dos princípios. Entretanto, entendendo que as regras são derivadas dos princípios, “a condição de possibilidade da interpretação da regra é a existência do princípio instituidor”, em que, portanto, a solução dos easy cases seria feita, indiretamente, pela utilização dos princípios dos quais irradiaram a regra, ao passo que os hard cases pelos princípios em si. Logo, não haveria diferença entre regra e princípio, tendo em vista que aquele é derivado deste. E a seguinte passagem demonstra-se importante para o entendimento do acima esposado: A percepção do princípio faz com que este seja o elemento que termina se desvelando, ocultando-se ao mesmo tempo na regra. Isto é, ele (sempre) está na regra. O princípio é elemento instituidor, o elemento que existencializa a regra que ele instituiu. Só que está encoberto. Por isto é necessário, neste ponto, discordar de Dworkin, quando diz que as regras são aplicáveis à maneira do tudo ou nada e que os princípios enunciam uma razão que conduz o argumento em uma certa direção, mas ainda assim necessitam de uma decisão particular. [...] O que não está evidente é que o processo interpretativo é applicatio, que o direito é parte integrante do próprio caso, que uma questão de fato é sempre uma questão de direito e vice-versa. [...] da interpretação de textos temos que saltar para a concretização de direitos. (STRECK, 2006, p. 272 e 275)

Krishina Day Ribeiro, afirma que definir o conteúdo de princípios como o da dignidade da pessoa humana, acesso universal e igualitário à saúde ou solidariedade requer do intérprete uma árdua tarefa de razoabilidade, e que, nesse novo trabalho de interpretação também tem o intérprete que solucionar os conflitos de colisão de princípios, os quais conduzem à ponderação, sendo esta técnica de decisão e escolha entre normas, bens ou valores utilizadas pelo intérprete, que deverá fazer concessões recíprocas procurando, ao máximo possível, preservar os interesses em disputa ou no limite, procedendo a escolha do direito que deverá prevalecer no caso concreto82. Logo, a técnica da ponderação entre princípios é passo essencial para a solução dos casos que são levados ao Poder Judiciário em que “[...] a resposta correta advirá dessa _______________ 79

A regra expressaria direitos definitivos e seria aplicada na modalidade tudo ou nada, mediante subsunção, conforme afirma Dworkin. 80 Já os princípios abrigam direitos fundamentais, valores, fins. São considerados mandados de otimização, já que devem ser realizados na maior intensidade possível, à vista dos demais elementos jurídicos e fáticos presente na hipótese, caracterizando verdadeiros direitos prima facie, aplicados mediante ponderação. 81 Por tal conceituação entende-se que, dependendo do caso levado ao Judiciário, ele poderá ser caracterizado como de fácil ou de difícil solução, de acordo com as peculiaridades atinentes ao caso concreto. 82 RIBEIRO, Krishina Day Carrilho Bentes Lobato. Curso de Aperfeiçoamento em Direito Sanitário sob a ótica da Saúde Pública nos Tribunais. Disponível em: http://sites.google.com/site/escoladamagistraturapara/slides-do-curso. Acesso em: 23/11/2011.

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nova fusão de horizontes: pelo princípio da proporcionalidade (e, se quiser, da razoabilidade), a regra deve obedecer a uma adequação entre fins e meios” (STRECK, 2006, p. 279): Por isso o acerto de Dworkin, ao exigir uma „responsabilidade política‟ dos juízes. Os juízes tem a obrigação de justificar suas decisões, porque com elas afetam os direitos fundamentais e sociais, além da relevante circunstância de que, no Estado Democrático de Direito, a adequada justificação da decisão constitui um direito fundamental. Daí a necessidade de o „modo-positivista-de-fundamentar‟ as decisões (perceptível no cotidiano das práticas dos tribunais, do mais baixo ao mais alto); é necessário justificar – e isto ocorre no plano da aplicação – detalhadamente o que está sendo decidido. Portanto, jamais uma decisão pode ser do tipo „Defiro, com base na lei x ou na súmula y‟. A justificativa é condição de possibilidade da legitimidade da decisão. (STRECK, 2006, p. 279-280)

Com relação aos casos da saúde, NOLETO (2009) aduz que o juiz interpreta criativamente, aplicando diretamente a Constituição. Logo, quando para determinado direito houver regulamentação ou esta for deficitária, deverá atuar ampliando-as. Quando for omissa, utiliza a interpretação sistemática. Em um ou noutro caso, deve-se ter a Constituição como base. José Adércio Leite Sampaio (apud RIBEIRO, 2011) comenta que o problema da atuação jurisdicional dos julgados conflituosos é saber até onde pode intervir o Poder Judiciário na atuação dos demais poderes para garantir a constitucionalidade. Neste sentido, a doutrina jurídica passou a adotar duas correntes em relação à atuação jurisdicional no controle de constitucionalidade, relativos à determinação judicial de adoção de determinadas condutas pelo Poder Executivo: o procedimentalismo e o substancialismo. Já tecemos comentários sobre referidas correntes no Capítulo 2, pugnando que estas se complementam, já que visam resguardar aspectos materiais e formais do papel da Constituição, mas que, dependendo de qual corrente o julgador se filie, a interpretação da Constituição pode ser mais ou menos abrangente. Em que pese possuir grande importância, o papel interpretativo dos juízes possui oposição consubstanciada em três parâmetros: 1) o Poder Judiciário seria incompetente institucionalmente para conformar a legislação - entretanto, não é este o objetivo deste Poder, mas sim o de dar soluções aos casos concretos através da interpretação; 2) não haveria um processo democrático para a composição do Poder Judiciário, com vistas a atrelar suas decisões ao ideal majoritário, tornando-as, portanto, contramajoritárias - aqui, novamente, não assiste razão, tendo em vista que as decisões do Judiciário são fundamentadas e públicas e, ressalte-se, já faz tempo que não existe mais a identidade do eleitor, do cidadão, com aquele que o "representa"; e 3) haveria uma falta de segurança jurídica, tendo em vista que a interpretação poderia ser feita ao bel-prazer daquele que julga, trazendo ao ordenamento jurídico decisões divergentes de casos semelhantes - neste aspecto, o Poder Judiciário ainda

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está caminhando para tomar uma solução ou soluções, tendo em vista que ainda não existem parâmetros concretos e definidos. E, para tanto, insta salientar o estudo que Gustavo Amaral (apud RIBEIRO, 2011) fez relacionando o dissenso nos julgados relacionados ao direito à saúde, restrito aos pacientes com Síndrome de Duchenne. O Direito à saúde, que era visto de maneira absoluta em atendimento ao princípio da Universalidade, passa a sofrer a ponderação, em que os Julgados sobre a Síndrome de Duchenne vão apontar dissensos, em ao menos três pontos de vista diferentes sobre os pedidos relacionados a tal Síndrome. Comenta o autor três decisões díspares sobre a mesma situação: 1) o direito à saúde é absoluto, devendo o Estado acatá-lo, sendo proibido ao Judiciário comparar esse direito com as possibilidades do Fisco; 2) o direito à saúde limita-se ao Estado desenvolver políticas públicas de saúde, em que o tratamento de doenças dependeria da filiação a um Sistema de Previdência e à cobertura dada por esse Sistema, sendo juridicamente impossível o Poder Judiciário imiscuir-se na questão; e 3) não possibilidade de fornecimento de medicamentos, dada a insuficiência de recursos. Referidos casos servem de exemplo para que percebamos como esses dissensos em relação a essencialidade do conteúdo do direito à saúde estão diretamente relacionados à tarefa de interpretação do direito. E não só a isso, mas relacionam-se ao conteúdo e à teorização de apoio sobre a natureza jurídica dos direitos fundamentais. Para LOPES (apud LEÃO, 2008, p.87) a Judicialização da Saúde faz com que cheguem ao Poder Judiciário questões sobre saúde que o sistema representativo brasileiro e a sociedade não tem conseguido resolver. Soma-se a isso o fato de que a discussão sobre o acesso a saúde judicial e política ainda faz-se sobre o confronto de vontades, de atores individualizados, de situações pontuais. E isto é um grande problema para os poderes institucionais e para a sociedade brasileira. (RIBEIRO, 2011) Para BARROSO (apud RIBEIRO, 2011), quando se passam a ter decisões extravagantes ou emocionais que condenam a Administração ao custeio de tratamentos irrazoáveis, medicamentos experimentais e de eficácia duvidosa que representam gastos vultosos, imprevisibilidade e desfuncionalidade da prestação jurisdicional, há uma excessiva judicialização da saúde. Em que pese tal aspecto, a atividade criativa dos Juízes tem se mostrado de suma importância para a efetivação dos direitos, em especial os direitos sociais relacionados à saúde, sendo imperioso constatar os avanços e tentativas de delimitar e conceituar parâmetros definidos de atuação para a solução dos conflitos no caso do direito à saúde.

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4.4 SOLUÇÃO DOS CONFLITOS

Levando-se em consideração que o fenômeno da Judicialização da Saúde, conforme exposto acima, não tem se utilizado de parâmetros definidos, tendo sua aplicação sido feita de maneira não uniforme, aqueles que não concordam com referido fenômeno passaram a advogar inúmeros critérios e argumentos desconstituindo sua legitimidade e aplicação. Conforme ensina LOPES (2006), houve uma mudança drástica com relação às demandas referentes ao direito à saúde, em que antes eram pautadas apenas contra o setor privado e que nos últimos tempos tem-se visto a canalização das demandas "políticas" para o Judiciário. Entretanto, referido autor entende que o direito à saúde não poderia ser levado ao Judiciário, por ser a saúde um bem coletivo, de fruição e provisão indivisíveis e universais, entendendo que "[...] disputas distributivas83 pedem mediação e negociação, ao passo que disputas comutativas84 podem ser adequadamente resolvidas em adjudicação" (LOPES, 2006, p. 235), sendo que "Distribuir, ou fazer justiça distributiva, é dar a cada um a sua parte no mal comum (distribuição dos ônus) ou no bem comum (distribuição de benefícios)" (LOPES, 2006, p. 144). Portanto, para o autor, referido fenômeno tem visto problemas de justiça distributiva como de justiça comutativa e os tem julgado desta forma, indo de encontro com o ideal de igualdade, sem se preocupar com os efeitos que referidas decisões acarretam para a coletividade85 e não ficando à vontade para obrigar a revisão de políticas gerais. E tais decisões, como aduz LOPES (2006), levam ao efeito carona, efeito free86

rider , em que haverá uma [...] "corrida" sobre o fundo público e se não houver regras de prioridade, mas a concessão foi feita a quem chegar primeiro, então os últimos – que _______________ 83

A justiça distributiva está pautada naquilo que LOPES (2006) chama de "jogo de soma não zero", caracterizado como aquele cujo resultado é uma forma de participação: o ganhador tem mais, mas não pode excluir o perdedor. Logo, o vencedor e o perdedor ganham, mantendo o equilíbrio da justiça distributiva. 84 Já a justiça comutativa está pautada naquilo que LOPES (2006) chama de "jogo de soma zero", caracterizado como aquele em que o resultado pertence integralmente a um vencedor: o vencedor leva tudo e o perdedor não leva nada. Logo, apenas o vencedor ganha, ideia típica da justiça comutativa, da justiça de trocas. 85 "O processo, ao delimitar muitas vezes os conflitos plurilaterais como bilaterais, permite formas de comportamento predatório (free-riding, efeito carona) em detrimento da própria justiça distributiva". In: LOPES, José Reinaldo de Lima. Op. cit. p. 259. 86 Referido efeito, em síntese, demonstra que alguém ou algumas pessoas irão se beneficiar de decisões judiciais em sede de matérias de justiça distributiva, sendo que usufruem sem contribuir para tal, ou seja, tais indivíduos "pegam carona", literalmente, na decisão judicial de outrem.

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costumam ser justamente os mais necessitados – não terão com o que satisfazer-se" (LOPES, 2006, p. 254). Outro argumento relata a situação de que referida atuação estaria indo de encontro à separação dos Poderes. E, para BELLO (2008, p. 184), para que se respeite tal princípio só caberia ao Judiciário "[...] conceder prestações materiais na medida do atendimento ao mínimo existencial dos indivíduos, seja ele parametrizado pela liberdade ou pela dignidade humana". Interessante transcrever a preocupação de Maria Inez Pordeus Gadelha, em que demonstra o quão o processo judicial mostra-se aquém do desejado para solucionar os conflitos, em especial, no caso dos medicamentos do SUS: A experiência demonstra que fatores que influenciam a qualidade do julgamento e da decisão vêm sendo negligenciados, quando não inteiramente desconsiderados, nas ações judiciais, como a insustentável credibilidade da informação verificada em muitos processos, o conflito de interesses neles jamais especificados e a questionável qualidade da instrução dos processos. Além, observa-se que, muitas vezes, o contraditório é apenas o cumprimento convencional de um direito, sendo pouco levados em consideração os argumentos da defesa, mesmo quando assertivamente claros quanto a prejuízo aos doentes, resultados menores, resultados iguais com o maior gasto, desperdício de recursos públicos e inobservância às normas de funcionamento e financiamento do SUS. A transferência para a esfera judicial de interesses mercadológicos e de conflitos técnicos gera várias consequências que merecem reflexão e o devido encaminhamento da parte de todos os envolvidos. Mormente dos juízes, que são premidos por aterem-se aos autos e, por não deterem - nem por formação nem por obrigação - o conhecimento e experiência, temem ser responsabilizados pela "morte do doente na porta do fórum", argumento tão ouvido e repetido, embora tecnicamente frágil ("justiça defensiva"?). Algumas dessas consequências podem ser exemplificadas: primeira, um julgamento com baixo grau de certeza, feito a partir de autos processuais, como já dito, nem sempre de qualidade desejável. Segunda, a imposição da incorporação acrítica, por precoce, baseada em resultados interinos e sem a necessária análise de evidências. Terceira, a predominância do interesse individual ou do interesse privado sobre o interesse coletivo, público. Quarto, a desorganização do sistema, pela intempestividade e imprevisibilidade das ações e decisões judiciais e a impossibilidade dada de seu cumprimento dentro das normas do SUS. Inexiste organização e gestão de um sistema de saúde que resista a tanta impropriedade de planejamento e gastos sem limites. Nesse ponto, o estabelecimento e observância de protocolos técnicos e operacionais representam garantia de indicações médicas seguras, eficazes e efetivas; segurança e acesso assistencial aos doentes; e qualificação da gestão do sistema 87.

Externando sua incredulidade com relação à efetivação do direito social à saúde, em especial, do fornecimento de medicamentos, através de decisões judiciais, a autora afirma seu descontentamento com uma processualística que não está preparada para lidar com _______________ 87

GADELHA, Maria Inez Pordeus. Escolhas Públicas e Protocolos Clínicos: o Orçamento, as Renúncias Necessárias e os Novos Projetos de Leis. In: NOBRE, Milton Augusto de Brito; SILVA Ricardo Augusto Dias da (Coord.). O CNJ e os Desafios da Efetivação do Direito à Saúde. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011. pp. 348.

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referidos casos, com uma dogmática processual em que o Juiz estava atendo-se apenas aos autos, sem levar em consideração a realidade que o circunda, fazendo com que, ao conceder determinada prestação para um ou uns, estaria retirando da esfera do Executivo a possibilidade de implementar, realizar ou continuar políticas públicas. Neste diapasão, Marinoni apud Ricardo Perlingeiro ressalta a falta de uma dogmática para a garantia da segurança jurídica com relação aos julgados pautados na interpretação dos juízes: [...] Ou melhor, a doutrina não tomou consciência de que, diante da variedade de decisões e das interpretações da lei, seria necessária uma elaboração dogmática capaz de garantir a segurança, a previsibilidade e a igualdade. Há que se dizer, sem qualquer pudor, que a doutrina da civil law cometeu o pecado grave ao encobrir a necessidade de um instrumento capaz de garantir a igualdade das decisões, fingindo crer que a lei seria bastante e preferindo preservar o dogma ao invés de denunciar a realidade e a funesta consequência dela derivadas. Em resumo: não há como ignorar, tanto no common law como no civil law, que uma mesma norma jurídica pode gerar diversas interpretações e, por consequência, variadas decisões judiciais. Porém, o common law, certamente com a colaboração de um ambiente político e cultural propício, rapidamente instituiu que o juiz não poderia ser visto como mero revelador do direito costumeiro, chegando a atribuir-lhe a função de criador do direito, enquanto o civil law permaneceu preso a idéia de que o juiz simplesmente atua a vontade do direito. De modo que o common law pôde facilmente enxergar que a certeza jurídica apenas poderia ser obtida mediante o stare decisis, ao passo que o civil law, por ainda estar encobrindo a realidade, nos livros fala e ouve sobre a certeza jurídica na aplicação da lei, mas, em outra dimensão, sente-se atordoada diante da desconfiança da população, além de envolta num emaranhado de regras que, de forma não sistemática, tentam dar alguma segurança e previsibilidade ao jurisdicionado88.

Portanto, a falta de uma dogmática visando a garantia da segurança jurídica nas decisões envolvendo, em especial, o direito à saúde, estaria acarretando a falta de gestão e organização do Sistema Único de Saúde (SUS), já que não poderia haver planejamento quando sempre lhe é demandado cumprir decisões judiciais com gastos sem limites recursais e temporais. Entretanto, a crise de inefetividade do legislador e o argumento da falta de recursos não pode impedir o Estado brasileiro de implementar os direitos sociais previstos na Constituição, legitimando o Poder Judiciário a adotar uma postura em face da Constituição com vistas a assegurar seus preceitos com a imediata realização dos direitos fundamentais, já que todas as normas buscam efetividade.

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Marinoni, p. 35 apud PERLINGEIRO, Ricardo. O Princípio da Isonomia na Tutela Judicial Individual e Coletiva, e em Outros Meios de Solução de Conflitos, junto ao SUS e aos Planos Privados de Saúde. In: NOBRE, Milton Augusto de Brito; SILVA Ricardo Augusto Dias da (Coord.). O CNJ e os Desafios da Efetivação do Direito à Saúde. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011. pp. 431-432.

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Por conseguinte, antes de adentrar a seara da solução dos conflitos em si, e nas medidas que foram, são e poderão ser implementadas para solucioná-los, torna-se obrigatório identificar e delimitar a titularidade do direito fundamental social à saúde.

4.4.1 Titularidade do Direito à Saúde

Impende delimitar: quem seriam os titulares do direito à saúde? Observamos que estamos lidando com decisões judiciais que tratam, principalmente, de casos individuais, ao passo que os opositores entendem que a concessão, pela via judicial, de prestações em caráter individual ou para determinados grupos, constitui via ilegítima de efetivação do direito à saúde, já que haveria uma titularidade exclusivamente coletiva. Ingo Wolfgang Sarlet89 procura, com base no princípio da dignidade da pessoa humana e do direito e garantia ao mínimo existencial, demonstrar quem é o titular dos direitos sociais, em especial, do direito à saúde - com vistas a identificar "[...] em que medida a opção por demandas individuais e/ou transindividuais opera como fator impeditivo ou facilitador da efetividade dos direitos sociais, com destaque para o direito à saúde" (SARLET, 2011, p. 120) -, ressaltando que, independente da titularidade, há a necessidade de concretizar referidos direitos, implicando investimento em fórmulas teóricas e práticas aptas a assegurar a efetividade das promessas constitucionais nesta seara. Neste diapasão, o autor utiliza-se da expressão "titulares de direitos fundamentais" e não "destinatários de direitos fundamentais". Considerando, de acordo com o princípio da universalidade, todas as pessoas como titulares de direitos e deveres fundamentais, o que não implica dizer que não há diferenças entre eles (os titulares). Entretanto, tal afirmação não acarreta dizer que todos são titulares dos mesmos direitos, tendo em vista que a própria Constituição assevera que há diferença de tratamento, afirmando SARLET (2011, p. 130-131) que: Em verdade, causa mesmo espécie que de uns tempos para cá - como já demonstrado na parte introdutória do presente ensaio - haja quem busque refutar ainda que movido por boas intenções - a titularidade individual dos direitos sociais, como argumento de base para negar-lhes a condição de direitos subjetivos, aptos a

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SARLET, Ingo Wolfgang. A Titularidade Simultaneamente Individual e Transindividual dos Direitos Sociais Analisado à Luz do Exemplo do Direito à Proteção e Promoção da Saúde. In: NOBRE, Milton Augusto de Brito; SILVA Ricardo Augusto Dias da (Coord.). O CNJ e os Desafios da Efetivação do Direito à Saúde. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011.

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serem deduzidos mediante demandas judiciais individuais. O curioso é que, consoante já adiantado, se trata de uma relativamente nova - e manifestamente equivocada! - estratégia para impedir (o que é inaceitável sob todos os aspectos) ou eventualmente limitar (o que é possível e pode mesmo ser adequado) a assim chamada judicialização das políticas públicas e dos direitos sociais, restringindo o controle e intervenção judicial a demandas coletivas ou o controle estrito (concentrado e abstrato) de normas que veiculam políticas públicas ou concretizam deveres em matéria social, estratégia que - entre outros aspectos a serem desenvolvidos logo mais adiante - acaba por confundir a titularidade em si de um direito fundamental, ou seja, a condição da pessoa ser o sujeito de direitos, com eventual restrição ao objeto do direito ou mesmo eventual restrição do acesso a alguma prestação por conta de uma condição econômica privilegiada ou outros critérios que aqui não se poderá aprofundar.

Portanto, a titularidade do direito à saúde não se traduz em argumento eficaz para afastar sua exigibilidade judicial por intermédio de demandas individuais ou coletivas, em que pese a preferência por estas em detrimento daquelas. Refutando as teses expostas anteriormente90, SARLET (2011) propõe a melhora administrativa e judicial, não se excluindo a possibilidade de demandas individuais em relação à saúde91. _______________ 90

"Em primeiro lugar, importa sublinhar que o argumento de acordo com o qual a concessão judicial de prestações sociais a determinados indivíduos por vezes acarreta efeitos danosos e mesmo perversos em termos de justiça distributiva, além de estimular o fenômeno dos assim chamados 'free-riders' (predadores ou caronas) há de ser pelo menos relativizada. Com efeito, há que ter em conta que o respeito ao princípio da isonomia não pode servir de argumento para eventual violação da dignidade concreta de cada indivíduo, ainda mais quando o impacto negativo em relação a terceiros (não beneficiados pela tutela individual ou não integrantes do grupo beneficiado), consistente, na maior parte das vezes e segundo a argumentação habitualmente deduzida, na possível inexistência de recursos para atendimento de outras demandas, na maior parte dos casos não é objeto de demonstração plausível. Além disso, o próprio sistema permite, com ressalvas, é verdade, a realocação de recursos e mesmo dotações suplementares, de tal sorte que, a tutela judicial em favor de alguns não resulta necessariamente na ausência de proteção para outros. De qualquer modo, para além da aplicação, também nesta esfera, da tese - que já encontra respaldo na jurisprudência do STF - de que é do poder público o ônus da prova no que diz com a falta efetiva (e justificada) de recursos para o atendimento de outras demandas, persiste o problema (ético e jurídico) de saber até que ponto uma possível (dificilmente se poderá comprovar a certeza da afirmação) afetação de interesses de terceiros pode obstar o atendimento de necessidades prementes de pessoas cuja vida e dignidade estão sob ameaça concreta e urgente. Daí resulta que tal linha argumentativa exige diálogo com outros argumentos, como é o caso da delimitação do objeto do direito à saúde (no sentido de quais as prestações que efetivamente devem ser alcançadas pelo Estado ao particular) bem como da discussão em torno da aplicação do princípio da subsidiariedade de acordo com o qual o acesso ao sistema público de saúde deve ser reservado a quem não tem condições de manter um adequado plano de saúde privado e de assegurar com seus próprios recursos (ou de terceiros que tenham um dever de sustento) as prestações necessárias à salvaguardar de uma vida digna". In: SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit. p. 137-138. A discussão com relação às prestações as quais estaria o Estado obrigado a oferecer aos indivíduos será travada no tópico seguinte. 91 Neste aspecto, insta colacionar o seguinte excerto: "Da mesma forma, se as objeções em relação à tutela judicial individual não podem ter o condão de afastar tal via de efetivação dos direitos sociais (cujo sujeito, ainda mais no caso do direito à saúde, segue sendo, em primeira linha, o indivíduo concreto, com sua dignidade) também é certo que é preciso empreender ajustes e minimizar os efeitos negativos da litigância individual, seja mediante um controle mais rigoroso no que diz com a necessidade da prestação pleiteada, seja no respeitante a outros aspectos, parte dos quais referidos como possibilidades aptas a propiciar uma maior racionalidade e eficácia no plano das estratégias de efetivação dos direitos sociais em geral e do direito à saúde em particular. A preferência (mas não exclusividade) da tutela coletiva e preventiva há de vir acompanhada do aperfeiçoamento dos processos administrativos, do controle social, da ampliação e isonomia no campo do acesso à justiça, sem prejuízo de outras medidas (como a participação efetiva na definição do orçamento público e sua execução,

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Portanto, SARLET (2011) entende, lastreado nas concepções de José Felipe 92

Ledur e Gerardo Pisarello93 e, seguido por Ricardo Augusto Dias da Silva94, que os direitos sociais possuem uma dupla dimensão, individual e coletiva, não havendo que se falar em exclusividade de dimensão coletiva, já que a denominação direitos sociais não pressupõe a titularidade apenas por uma coletividade, não havendo qualquer óbice em se garantir referido direito através da tutela judicial. O direito à saúde seria um desses direitos em que sua "[...] afetação [...] pode produzir danos individuais e/ou transindividuais". (SARLET, 2011, p. 133) Então, partindo do pressuposto de que existe uma dupla dimensão, individual e coletiva, de titularidade do direito à saúde, impende agora delinear alguns aspectos da solução dos conflitos propriamente dita.

4.4.2 Legitimidade do Poder Judiciário para interferir em aspectos de políticas públicas da Saúde

É o Poder Judiciário legitimado para interferir em políticas públicas da saúde? Antes de responder a este questionamento, interessante definir o que seria política pública. Gustavo Amaral conceitua política pública como "[...] o conjunto de medidas e procedimentos estatais, diretas ou indiretas, que buscam atingir uma meta ideal. Neste sentido, o dever do Estado é o de desenvolver mecanismos gerais de atendimento e o direito do indivíduo é ao cumprimento dessas políticas, nos limites em que estabelecidas"95. _______________ inclusive com maior atuação do Ministério Público nessa seara) que, no seu conjunto, poderão assegurar maior equidade ao sistema, o que certamente não passa pela supressão da possibilidade da tutela individual e do exame cuidadoso das violações e ameaças de violação da dignidade de cada pessoa humana. Além do mais, como já tivemos oportunidade de destacar em outra oportunidade, não há como desconsiderar que o direito de cada indivíduo (individual ou coletivamente) buscar no âmbito do Poder Judiciário a correção de uma injustiça e a garantia de um direito fundamental, acaba, numa perspectiva mais ampla, por reforçar a esfera pública, pois o direito de ação assume condição de direito de cidadania ativa e instrumento de participação do indivíduo no controle dos atos do poder público". In: SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit. p. 144. 92 Cf. LEDUR. Direitos fundamentais sociais: efetivação no âmbito da democracia participativa, p. 87. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit. p. 133. 93 CF. PISARELLO. Los derechos sociales y sus garantías, p. 72 et seq. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit. p. 133. 94 SILVA, Ricardo Augusto Dias da. O Fórum Nacional do Judiciário como Instrumento na Efetivação do Direito à Saúde. In: NOBRE, Milton Augusto de Brito; SILVA Ricardo Augusto Dias da (Coord.). O CNJ e os Desafios da Efetivação do Direito à Saúde. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011. 95 AMARAL, Gustavo. Saúde Direito de Todos, Saúde Direito de Cada um: Reflexões para a Transição da Práxis Judiciária. In: NOBRE, Milton Augusto de Brito; SILVA Ricardo Augusto Dias da (Coord.). O CNJ e os Desafios da Efetivação do Direito à Saúde. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011. p. 82.

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LOPES (2006) entende que política pública é o instrumento pelo qual se faz ou promove serviço público, benefícios sociais ou individuais coletivamente fruíveis96. Com efeito, o direito à saúde, na visão de AMARAL (2011), não deve ser visto exclusivamente sobre um ponto de vista: apenas como política pública pura ou direito público subjetivo, tendo em vista que, mesmo em sede de políticas públicas, pode haver um direito subjetivo circunscrito. Logo, deve-se desvencilhar do que o autor expressamente chama de: [...] dicotomismo entre saúde direito de todos como a significar que se está em sede de políticas públicas puras, sem que haja direitos individuais, e saúde direito de cada um, como se possível fosse resolver a questão num silogismo simplista em que a premissa maior é que saúde é direito de todos e dever do Estado, a premissa menor é que fulano necessita de cuidados médicos e a síntese é que logo, o Estado está obrigado a entregar seja-lá-o-que-for, custe-o-que-custar.(AMARAL, 2011, p. 82, grifo do autor)

Logo, o autor coaduna seu pensamento ao de Sarlet, no sentido de que a política pública encerra uma dupla dimensão de titularidade de direitos, em que existem tanto direitos coletivos como direitos individuais. Por conseguinte, também atesta que o Estado não deve ser visto como um garantidor Universal no campo da saúde, logo, refutando a tese do Utilitarismo de Rawls. Noutro passo, a interpretação nas demandas relativas à saúde não deve ser vista como no silogismo supracitado, elevando-se sobremaneira a importância da atuação judicial, em que, para tanto: O Judiciário não pode ser menos do que deve ser, deixando de tutelar direitos fundamentais que podem ser promovidos com sua atuação. De outra parte, não deve querer ser mais do que pode ser, presumindo demais de si mesmo e, a pretexto de promover os direitos fundamentais de uns, causar grave lesão a direitos da mesma natureza de outros tantos. Na frase inspirada de Gilberto Amado, "querer ser mais do que se é, é ser menos"97.

Neste diapasão, a Judicialização das políticas públicas só seria legítima se fosse feita com base no controle da execução das políticas públicas, no controle das escolhas e no controle dos resultados. Noutro passo, impende destacar o que seria exigível judicialmente e, neste aspecto, BARROSO (2008, p. 882-883) aduz que: Sempre que a Constituição define um direito fundamental ele se torna exigível, inclusive mediante ação judicial. Pode ocorrer de um direito fundamental precisar ser ponderado com outros direitos fundamentais ou princípios constitucionais, situação em que deverá ser aplicado na maior extensão possível, levando-se em

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LOPES, José Reinaldo de Lima. Op. cit. p. 120. BARROSO, Luís Roberto. Da Falta de Efetividade à Judicialização Excessiva: Direito à Saúde, Fornecimento Gratuito de Medicamentos e Parâmetro para a Atuação Judicial. In: Direitos Sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento[coord]. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 876. 97

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conta os limites fáticos e jurídicos, preservado o seu núcleo essencial. O Judiciário deverá intervir sempre que um direito fundamental - ou infraconstitucional - estiver sendo descumprido, especialmente se vulnerado o mínimo existencial de qualquer pessoa. Se o legislador tiver feito ponderações e escolhas válidas, à luz das colisões de direitos e de princípios, o Judiciário deverá ser deferente para com elas, em respeito ao princípio democrático.

Ademais, Ana Paula de Barcellos98 busca demonstrar que as prestações na área da saúde são oponíveis e exigíveis judicialmente dos poderes públicos constituídos e que estas são as que fazem parte do mínimo existencial. Entretanto, apesar da simplicidade do argumento, aduz que existem diversas dificuldades de encontrar eficácia nesta disposição. Afirma, por conseguinte, que as prestações em saúde que devem ser oferecidas, ou quais dentre as prestações o indivíduo pode exigir estão aquelas em que há o respeito ao mínimo existencial: [...] inclusão prioritária no mínimo existencial daquelas prestações em saúde de que todos os indivíduos necessitaram - e.g., o atendimento no parto e o acompanhamento da criança no pós-natal -, necessitam - e.g., o saneamento básico e o atendimento preventivo em clínicas gerais e especializadas, como cardiológica, ginecológica, etc. - ou provavelmente hão de necessitar - e.g., o acompanhamento e controle de doenças típicas da terceira idade, como a hipertensão, o diabetes, entre outras. (BARCELLOS, 2008, p. 810)

Também utiliza como parâmetro as condições mínimas obrigatórias para os planos de saúde, em que o mais limitado destes, o plano ambulatorial, comparativamente, de acordo com a Lei nº 9.656/98, assegura: consultas médicas, em número ilimitado, em clínicas básicas e especializadas; serviços de apoio diagnóstico; e tratamento e demais procedimentos ambulatoriais. Para a autora, referida exigência poderia ser feita, tanto individualmente, como coletivamente. Entretanto, entende que a melhor forma de fazê-lo seria coletivamente, através da ampliação de tutelas coletivas e de ações abstratas de constitucionalidade, a fim de que as decisões tomadas tenham subsídios melhores e em maior número, bem como potencializar e universalizar os benefícios de referidas medidas. AMARAL (2011) parte de quatro premissas que considera inafastáveis para o enfrentamento do caso: 1) A Constituição de 1988 é uma constituição democrática, fundada no valor Justiça; 2) O conteúdo de suas normas pressupõe um conteúdo mínimo de Justiça; 3) Uma norma, para ser justa, deve ser aplicável a todos que se encontrem em situação similar;

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BARCELLOS, Ana Paula de. O Direito a Prestações de Saúde: Complexidade, Mínimo Existencial e o Valor das Abordagens Coletiva e Abstrata. In: Direitos Sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento[cord]. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.

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4) Afirmar uma decisão fundada no Direito é afirmar uma norma subjacente, de modo tal que situações similares devem receber a mesma solução. Com relação à escassez de recursos em matéria de saúde, o autor aduz que um do mais importantes desafios aos modernos sistemas de saúde é a alocação de recursos, que o devem ser no contexto de escassez e incerteza, e que os resultados gerados podem originar litígios em que se altera o conteúdo da deliberação judicial da tradicional adjudicação em virtude da necessidade de proteção de direitos de índole coletiva. A adjudicação acima exposta é um argumento do ator social, mas que, do ponto de vista do ator jurídico, há a necessidade de administrar a saúde99, sendo mister apontar a origem dos meios e os critérios de escolhas, já que, por exemplo: O resultado desta visão tem sido tornar o Judiciário o alocador de recursos públicos no campo de remédios, tornar a compra emergencial e sem licitação rotina e, ao final, não haver um critério de medição dos resultados. Será que mais vidas foram salvas com o provimento judicial sendo critério majoritário de alocação de recursos na saúde? Ou será que o "custo" medido em vidas dos "financiadores ocultos" das decisões alocativas tomadas nas lides, aqueles que deixaram de receber o órgão, deixaram de ter acesso à política pública que seria desenvolvida com a verba realocada é mais elevado que o benefício? (AMARAL, 2011, p. 95)

A interferência do Poder Judiciário está pautada mais na área de medicamentos do que em outras do próprio campo da saúde, assim como na segurança pública. Na verdade, a saúde é tratada como casos de tratamento de saúde, quando não se trata de um direito clássico, sendo materializado preferencialmente por meio de políticas públicas, deveres constitucionais de desenvolvimento, eficiência e cobertura universal. Assevera que o Poder Judiciário não é preparado para alocar recursos e que o número de demandas também não melhora tal fato, afirmando que cabe ao Judiciário o controle de escolhas e do orçamento, aqui entendido todo o processo, desde a elaboração até a execução. A realidade demonstra que sempre haverá de se fazer escolhas trágicas, devendo haver justificação para a alocação de determinados recursos e a escassez é elemento conatural do direito à saúde, sendo que o fundamento de uma decisão será o instrumento de controle e aperfeiçoamento do que continua acontecendo, das escolhas que são feitas. Neste passo, AMARAL (2011) distingue duas formas de solução de conflitos: casos jurídicos simples e casos difíceis100, em que se é utilizado métodos diferentes para cada caso. _______________ 99

O autor destaca que "Administrar, em termos de saúde, é gerir recursos limitados para atender necessidades ilimitadas. As necessidades são ilimitadas porque a existência humana é limitada, assim, a luta pela saúde é, em última instância, a luta contra o inexorável." In: AMARAL, Gustavo. Op. cit. p. 92. 100 Referida problemática também já foi abordada, com a visão de Lenio Streck, quando se falou da atividade

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Com relação aos casos difíceis, buscando a justificação externa: A escolha dos elementos relevantes da situação trazida a debate e a escolha das normas pertinentes para chegar à solução fazem parte de um processo não linear, mas circular, em que se compreende o caso a partir do ordenamento e o ordenamento a partir do caso, em círculos concêntricos a partir de antecipações de sentido. (AMARAL, 2011, p. 101)

Já nos casos fáceis, utiliza-se a justificação interna, pautada na lógica dedutiva e nas inferências, sendo, portanto: [...] preciso, pois, examinar não apenas o valor intrínseco da norma e o estado de coisas por ela direcionado, mas também as diversas consequências intrinsecamente valiosas ou desvaliosas que possam decorrer das atividades afetadas pela norma. O exame das consequências não ocorre apenas ex post facto, mas também quanto aos resultados que razoavelmente se podem esperar. [...] O modelo que temos de controle individual leva a uma exacerbação da questão individual do autor e uma certa invisibilidade para as questões, também individuais, daqueles que possam ser privados dos recursos que, necessários para a satisfação de suas pretensões, serão consumidos para atender as dos autor. (AMARAL, 2011, p. 105-106)

Entendendo de modo diverso, AMARAL (2011) afirma que a solução desses casos não é cometido ao Judiciário, por meio da interpretação constitucional, mas sim, que se deveria impor o dever de criar normas infraconstitucionais, implementá-las e justificá-las a um órgão, Agência Reguladora ou mesmo o Poder Legislativo, como técnica de solução, dentro de prazos e balizas postas pelo Judiciário. BARROSO (2008, p. 882), respondendo à pergunta no início deste tópico, aduz que: Como visto, constitucionalismo traduz-se em respeito aos direitos fundamentais. E democracia, em soberania popular e governo da maioria. Mas pode acontecer de a maioria política vulnerar direitos fundamentais. Quando isto ocorre, cabe ao Judiciário agir. É nesse ambiente, é nessa dualidade presente no Estado constitucional democrático que se coloca a questão essencial: podem juízes ou tribunais interferir com as deliberações dos órgãos que representam as maiorias políticas - isto é, o Legislativo e o Executivo -, impondo ou invalidando ações administrativas e políticas públicas? A resposta será afirmativa sempre que o Judiciário estiver atuando, inequivocamente, para preservar um direito fundamental previsto na Constituição ou para dar cumprimento a alguma lei existente. Vale dizer: para que seja legítima, a atuação judicial não pode expressar um ato de vontade própria do órgão julgador, precisando sempre reconduzir-se a uma prévia deliberação majoritária, seja do constituinte, seja do legislador.

Sobre referida interferência do Judiciário, aduz que: [...] onde não haja lei ou ação administrativa implementando a Constituição, deve o Judiciário agir. Havendo lei e atos administrativos, e não sendo devidamente cumpridos, devem os juízes e tribunais igualmente intervir. Porém, havendo lei e atos administrativos implementando a Constituição e sendo regularmente aplicados, eventual interferência judicial deve ter a marca da autocontenção. (BARROSO, _______________ criativa dos Juízes.

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2008, p. 891)

Tendo por base que o excesso na Judicalização da Saúde pode acarretar a impossibilidade de continuidade das políticas públicas de saúde, podendo levar à não realização prática da Constituição, BARROSO (2008) busca traçar parâmetros para racionalizar e uniformizar a atuação judicial, em especial, no fornecimento de medicamentos. Com relação aos conflitos individuais, o Judiciário poderia compelir a Administração Pública a adjudicar medicamento já inserto em lista de dispensação. Entretanto, deve fundamentar a exigência de medicamento que não consta em referida lista. Com relação às demandas coletivas (ações coletivas e/ou ações abstratas de constitucionalidade), pugna que estas são legítimas para discutir a alteração das listas de medicamentos, tendo como parâmetro: inclusão de medicamentos de comprovada eficácia, excluindo os experimentais e alternativos; opção por substâncias disponíveis no Brasil, de preferência; medicamentos genéricos, de menor custo; e considerar se o medicamento é indispensável para a manutenção da vida. Com relação à legitimidade passiva, entende que quem deve ocupá-la é o ente federativo responsável pela elaboração da lista, ao contrário do entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência, que entendem considerar tais entes solidários em qualquer caso referente ao direito à saúde. Na mesma esteira, BARCELLOS (2008, p. 803-826), ao analisar o papel da lei orçamentária na implementação destes direitos, conclui que deve haver o controle desta, tendo em vista que, quando a Constituição criou determinados deveres, como fomentar a saúde, claro que os instrumentos para ela também estão obrigados a seguir o mesmo destino. Com relação ao controle subjetivo individual, aduz que o argumento da reserva do possível sempre estará presente nesse tipo de demanda, e que os juízes não possuem um critério firme, maduro e desenvolvido para lidar com o caso. Também entende a autora que o Juiz, quando decide referidos casos, apenas enxerga a microjustiça (caso concreto), ao invés de debruçar-se sobre a macrojustiça (gerenciar recursos limitados para o atendimento de demandas ilimitadas). Logo, o Estado deveria cumprir e investir os recursos naquilo que a sociedade entende, naquele momento, como mínimo existencial, podendo ser demandado judicialmente para seu cumprimento, fato que acarreta efeitos colaterais indesejados. O primeiro, a falta de controle do Poder Judiciário com relação aos limites do mínimo existencial, extrapolando referidos limites com relação às demandas que compreendem, sobretudo, áreas da saúde e assistência. Ora, com relação à adjudicação de

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bens que não constam no patamar do mínimo existencial - e neste ponto, entenda-se como os medicamentos ou tratamentos ou serviços mínimos que garantam a dignidade da pessoa humana, nos moldes acertados quando do contrato social - ou asseguradas por lei, fere a noção de universalização e, por conseguinte, faz uma distribuição totalmente errônea e longe do conceito de justiça distributiva acima analisada. Noutro passo, entende que realmente não cabe ao Judiciário dispor quanto, com que finalidade, em que e como se devem gastar os recursos públicos. PERLINGEIRO (2011), tratando especificamente da concessão de remédios, descreve as dificuldades em se tratar com a matéria, trazendo especial enfoque na tutela coletiva, demonstrando que ainda falta muito para que esta amadureça com o fito de dar ao jurisdicionado a resposta adequada. Também demonstra as incongruências que a tutela coletiva possui e traria para as demandas em que a Administração Pública fizesse parte. Neste diapasão, o princípio da isonomia deve ser seguido pelo Judiciário que, com relação à Administração Pública, tem ainda um sentido mais forte, já que uma decisão judicial não deveria, judicialmente e, por conseguinte, administrativamente, tratar situações idênticas de forma igual, em que "[...] tais questões necessitam ser decididas, uma única vez e com eficácia erga omnes" (PERLINGEIRO, 2011, p. 433, grifo do autor). Portanto, para o autor: [...] a solução ideal - que no Brasil dependeria de norma - seria considerar o fundamento da pretensão individual (por exemplo: a alteração de lista de medicamentos) uma questão prejudicial dependente de um processo autônomo de natureza coletiva e de iniciativa de órgãos públicos dotados de independência. Esse incidente seria de competência privativa de um único tribunal, legitimado constitucionalmente, e capaz de ensejar uma decisão com eficácia erga omnes, enquanto que a causa individual originária permaneceria suspensa por prazo razoável, sem prejuízo do deferimento de medidas de urgência. Isso porque, subtrair do cidadão o direito de invocar uma prestação jurisdicional para satisfazer um direito subjetivo público qualquer ou, ainda, condicionar essa prestação jurisdicional à propositura de uma ação coletiva de iniciativa de terceiros, poderia significar ofensa aos princípios da tutela judicial efetiva e do Estado de Direito. (PERLINGEIRO, 2011, p. 435)

Partindo do pressuposto de que determinada decisão judicial que vai de encontro ao que está estabelecido nas listas de medicamento ou nas normas da ANS, teria como efeito indireto e inevitável, a extensão perante a sociedade do entendimento firmado pelo tribunal, conclui que: [...] as causas de direito à saúde, relacionadas com o SUS e com os planos privados de saúde, em geral, são de natureza pública e, essencialmente, de interesse coletivo, o que desafia um cenário adverso no sistema brasileiro, em que nem as ações coletivas nem as individuais se prestam adequadamente às causas de massas em

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matéria de direito à saúde; tampouco aos meios alternativos de solução de 101 conflitos . Porém, inspirados nos princípios básicos de direito administrativo e da atuação jurisdicional em face da Administração Pública, é possível buscar soluções que se aproximem de uma proteção judicial efetiva do direito à saúde, de uma igualdade de tratamento por parte do SUS, das agências reguladoras e das operadoras de planos de saúde em favor dos usuários dos seus serviços, sejam ou não demandantes judiciais, e, por último, de uma diminuição do número de processos judiciais repetitivos sobre a matéria em questão. (PERLINGEIRO, 2011, p. 439)

Neste diapasão, nem as ações coletivas assim como as individuais conseguem dar a efetividade perseguida pelo jurisdicionado, mas a utilização de princípios e da atuação jurisdicional são elementos fortes para a proteção da efetividade do direito à saúde. MARQUES (apud SILVA, 2010, p. 99) defende que: É dentro de cada processo que devem ser postos os meios à disposição dos juízes, capazes de balizar a sua decisão. E, também, é dentro de cada processo que o direito individual à saúde deve ser confrontado com o direito coletivo e com a política pública estabelecida em matéria de saúde, por meio de provas e saberes técnicos para discutir cada caso concreto.

SILVA (2011) pugna pelo reconhecimento e afirmação da atuação do Judiciário no que concerne ao controle de políticas públicas, já que o direito à saúde deve ser visto do ponto de vista multidisciplinar. Deve-se demonstrar inequivocamente a procedência do direito para que possa ser vencedor de demandas judiciais relacionadas ao direito à saúde, em que os magistrados devem ter essa consciência da necessidade de acurada e percuciente apuração do conjunto probatório, sendo: O quadro atual sobre o qual se debruça a Magistratura nas demandas à saúde, representa em grande escala a falta de recursos para a saúde pública, a má gestão desses recursos, e o descompasso entre os Municípios, Estados, Distrito Federal e União, que apesar dos limites mínimos em saúde definidos, quando muito, conseguem obedecer a esse teto legal, não ampliando a rede pública, não modernizando a rede física com equipamentos e, por conseguinte, não oferecendo serviços fundamentais para a saúde da população. (SILVA, 2011, p. 424)

_______________ 101

Com relação às soluções alternativas, Vitore Maximiano narra uma das medidas inovadoras em que o diálogo entre os agentes da saúde pública pode evitar o dispêndio de recursos públicos, como no caso dos medicamentos. Na verdade, a medida era simples: nas dependências da Defensoria Pública foi-se instalado um serviço de técnicos de saúde em que era feita uma triagem dos jurisdicionados com relação aos casos de dispensa de medicamentos obrigatórios daqueles de alto custo. Para aqueles que já se sabia ser referidos remédios entregues administrativamente, os pacientes eram encaminhados para a farmácia pública, evitando-se o ajuizamento de inúmeras demandas. Com relação aos medicamentos de alto custo, adotou-se um procedimento padrão em que ao final de 30 (trinta) dias, o medicamento era dispensado ao paciente, evitando-se, novamente, o ajuizamento de inúmeras demandas. Referida medida, segundo o autor, vem sendo adotada desde 2008 e reduziu em 80% (oitenta por cento) o número de ajuizamento de ações em saúde no município de São Paulo. MAXIMIANO, Vitore André Zilio. Soluções Alternativas de Conflitos são Possíveis na Área da Saúde. In: NOBRE, Milton Augusto de Brito; SILVA Ricardo Augusto Dias da (Coord.). O CNJ e os Desafios da Efetivação do Direito à Saúde. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011. pp. 443-448.

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Para Maués102, deve haver sim, o controle do orçamento e das políticas públicas através da intervenção judicial, mas há que se entender o caráter distributivo das demandas levadas ao Juízo, afirmando que a tutela coletiva é o melhor meio processual, sendo que estas poderiam ser pautadas em sentenças progressivas, mas que ainda há que se resolver problemas principalmente com relação ao limite de acompanhamento do cumprimento das decisões judiciais que, de acordo com seu ponto de vista, poderia ser executada extrajudicialmente através de inquéritos civis e termos de ajustamento de conduta, ressaltando a importância do Ministério Público e da sociedade na construção desse processo. Na mesma linha, NOLETO (2009) também advoga a tese de que deve haver um controle judicial das políticas públicas, com base no orçamento103, ressaltando a importância dos meios alternativos de solução de conflitos e do processo coletivo, entendendo que: O Poder Judiciário diante da falta de implementação de uma política pública relacionada à saúde não poderia simplesmente declarar a omissão e se furtar de solucionar a questão. A atitude correta seria a declaração de inconstitucionalidade por omissão, após isto deveria o juízo ordenar a implementação daquele tratamento (em sentido amplo) que atenda aos requisitos do SUS e reconhecido durante o processo como possível de ser estendido a todos os que se encontrem na mesma situação. (NOLETO, 2009, p. 142)

Portanto, é o Poder Judiciário legitimado a interferir em aspectos de políticas públicas de saúde quando não for respeitado o mínimo existencial, na omissão de políticas públicas ou, quando existentes, forem insuficientes para assegurar referido mínimo, restando ainda problemas quanto a sua correta aplicabilidade com vistas a assegurar a justiça distributiva. Ante o exposto, após ter vislumbrado as diversas formas que referidas demandas podem ser dirimidas, com consequências distintas, impende, a seguir, analisar a evolução dos julgados do Supremo Tribunal Federal, no que concerne ao direito fundamental social à saúde, com vistas a vislumbrar a efetividade do fenômeno da Judicialização da Saúde.

_______________ 102

Apontamentos feitos verbalmente, pelo Dr. Antônio Gomes Moreira Maués, na Palestra denominada Judicialização da Política e Reserva do Possível, proferida no dia 03/11/2011, no Auditório do Instituto de Ciências Jurídicas da UFPA. 103 Em que pese ser ainda o entendimento majoritário de que o orçamento é lei autorizativa e não vinculante, sendo impossível seu controle.

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5 EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO À SAÚDE E ANÁLISE DA EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS

Com vistas a analisar a eficácia dos direitos sociais, em especial, o direito à saúde, iremos demonstrar, através da análise de alguns julgados do Supremo Tribunal Federal, a evolução jurisprudencial do direito à saúde, como o STF tem visto o fenômeno da Judicialização da Saúde, quais os conceitos utilizados e parâmetros firmados para a solução dos casos concretos. Primeiramente, o Pleno do STF decidiu, no julgamento do Agravo Regimental na Pet. 1246-1/SC104, julgado em 10/04/1997, não conhecer do pedido de suspensão de liminar e julgou prejudicado referido agravo, com fundamento de que esta prerrogativa só caberia no caso de liminar concedida originariamente por Tribunal, caso contrário ao dos autos, em que a liminar foi concedida em 1º grau e confirmada pelo Tribunal. Entretanto, o relatório de referido julgado mostra-se rico em argumentos e conceitos relativos ao direito à saúde e sua celeuma nos Tribunais brasileiros. Neste sentido, e explicando melhor o caso, houve a interposição de Ação Cautelar Inominada requerendo que o Estado de Santa Catarina arcasse com as despesas de tratamento de alto custo do autor, no valor de R$ 85.500,00 (oitenta e cinco mil e quinhentos reais), portador da doença rara denominada Síndrome de Duchene. Foi deferida liminar determinando que o Estado de Santa Catarina colocasse à disposição do autor R$ 85.000,00 (oitenta e cinco mil reais) ou se dispusesse a custear o tratamento requerido. Também foi determinado pelo Juiz da causa o bloqueio da quantia pleiteada e a transferência em favor da mãe do autor. O Estado de Santa Catarina pleiteou suspensão da liminar em 2º grau, sendo indeferido. Por conseguinte, interpôs Agravo de Instrumento com efeito suspensivo, sendo este efeito deferido pelo Relator do feito. Visando liberar o recurso bloqueado, o autor interpôs Agravo Regimental da decisão que concedeu o efeito suspensivo ao Agravo de Instrumento interposto pelo Estado de Santa Catarina, sendo deferido, em que a recusa do Gerente da Agência bancária em cumprir a decisão fez com que o Vice-Presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina proferisse _______________ 104

Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=325774. Acesso em: 18/11/2011.

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Despacho determinando a liberação do valor de qualquer conta do Estado, sob pena de prisão em flagrante. Referido ato fez com que o Estado de Santa Catarina requeresse a suspensão da execução da liminar, em que o Ministro Relator Celso de Mello, na Pet. 1246-1/SC, indeferiu a suspensão de liminar pleiteada. Analisando o julgado do Ministro Relator, denota-se entender, à época, que o direito à saúde é indissociável ao direito à vida (entendido como direito subjetivo inalienável), e que este, quando cotejado com o denominado "interesse financeiro e secundário do Estado", deve prevalecer, com vistas a assegurar o direito à vida, com base em ideais de dignidade e solidariedade, já que, no caso em comento, a não entrega do bem da vida traria resultados irreversíveis que, com certeza, seriam materializados na morte do autor, pessoa sem condições de financiar seu tratamento, sendo este, talvez, seu único meio de salvar-se. Logo, neste primeiro julgado, denota-se o absolutismo com que é visto o direito à vida pelos Tribunais que, por ser considerado indissociável do direito à saúde, faz com que este também seja encarado, mesmo que reflexamente, como um direito subjetivo inalienável e absoluto. Nas razões do Estado de Santa Catarina podemos vislumbrar os seguintes argumentos estatais, que, conforme veremos, de certa forma não mudaram: a) A decisão que determinou o pagamento não consta de precatório e não tem respaldo em crédito orçamentário; b) A decisão que determinou o pagamento infringe o princípio da legalidade da despesa pública, fazendo com que, indiretamente, a autoridade pública proceda de forma ilegal; c) Ilegitimidade de bloqueio dos valores e entrega a terceiros, sem observar o disposto no art. 100, §2º da CF/88, devendo a União ter ingressado na lide como litisconsórcio passivo necessário; d) O direito à saúde seria, na visão da Constituição Federal de 1988, mera norma programática que "não obrigam o Estado a custear tratamento médico-hospitalar não abrangido pelas ações e serviços públicos de saúde, não gerando relações jurídicas entre pessoas determinadas, em que se possa exigi-las judicialmente, ante a falta de lei que especifique qual a prestação devida e os sujeitos ativo e passivo da obrigação"; e) Quebra do contraditório ante a impossibilidade de o Estado impugnar o orçamento apresentado pelo autor; f) A Síndrome de Duchene não seria doença terminal, não sendo fulminante e que o tratamento requerido é experimental, sem qualquer comprovação científica eficaz de combate ou diminuição da doença, nem que aqueles que o fizeram teriam se curado, razão pela qual não é oferecido e custeado pelo SUS; g) Decisões desse porte desviam recursos do Sistema Único de Saúde, arruinando os serviços e políticas públicas em saúde, garantidas

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universalmente, não tendo como sobreviver acaso sejam multiplicadas, já que apenas poucas dessas liminares representaram um montante de meio milhão de reais. Noutro passo, o reconhecimento de prestações em saúde não abrangidos por ações e serviços públicos implicaria o reconhecimento de um direito irrestrito de todas as pessoas ao que de melhor, mais caro e avançado existir no mundo, sendo, apesar de bem-vindo, irrealizável. Também afirma que, neste caminho, haverá exaustão e esvaziamento dos recursos disponíveis, que são finitos, e que seriam utilizados para o pagamento de decisões judiciais garantindo o direito de uns, inviabilizando a continuidade de políticas públicas, ações e programas destinados a milhares de pessoas que seriam lesadas por essa atitude; h) ofensa à separação dos poderes; i) inexistência do dilema proposto pelo relator, sendo que o interesse financeiro do Estado não deve ser visto como secundário, tendo em vista que este interesse é o do povo, em nome de quem age, ante sua representatividade. Entretanto, neste caso em questão, o único critério utilizado para a prestação do direito à saúde era saber se, ao não concedê-lo, o direito à vida seria lesado. Sendo lesado, caberia ao Judiciário conceder a ordem - sendo, portanto, o direito à saúde, plenamente judicializável - e ao ente estatal, obedecê-la, não importando qual seria o bem adjudicado e nem se este seria eficaz, não importando quais os efeitos que referida decisão acarretaria na sociedade. O que importava, na realidade era que, sob o prisma do absolutismo do direito à vida e da Constituição Federal de 1988, aquele processo, no ponto de vista da microjustiça, alcança-se a efetividade e, aqui, entenda-se a efetividade como a concessão do bem da vida, do que é pleiteado no processo, e não se o medicamento ou tratamento irá salvar uma vida. Neste ponto, pode-se afirmar, materializa-se o princípio do resgate de Rawls105. Logo, apesar dos argumentos expendidos pelo ente Estatal não terem sido sequer analisados e refutados, já que no julgado do Agravo não houve a análise do mérito deste instrumento, tendo em vista que o Plenário do STF entendeu prejudicada sua análise, servem para demonstrar como o direito à saúde e sua exigibilidade judicial eram vistos, tanto pelo Tribunal, quanto pelo ente estatal. Três anos depois, no AgRg no RE nº 273.834-4/RS106, julgado em 31/10/2000, pela Segunda Turma do STF, foi-se discutida decisão que não conheceu do recurso extraordinário interposto contra decisão que conferia a distribuição gratuita de medicamentos, solidariamente entre o Município de Porto Alegre e o Estado do Rio Grande do Sul, às _______________ 105

Discussão travada no Capítulo 3. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=335790. Acesso em: 18/11/2011. 106

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pessoas carentes portadoras do vírus HIV/AIDS, ante o fato de haver legislação obrigando referida prestação. A agravante utiliza-se dos seguintes argumentos para reformar a decisão que não conheceu do Recurso Extraordinário: a) ao condenar o Município de Porto Alegre, estaria infringindo o disposto no art. 167, I, da Constituição Federal de 1988, que veda o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual; b) a Lei nº 9.313/96, apesar de estabelecer que as despesas com medicamentos para tratamento da AIDS seriam financiadas com recursos da Seguridade Social da União, Estados e Municípios, dispõe que deve haver regulamentação para que haja eficácia de seu dispositivo, infringindo o art. 165, III e §5º, III, da Constituição Federal de 1988; c) a inexistência de regulamentação municipal, além de inexistência de previsão no orçamento da seguridade social de recursos para financiar a despesa relativa ao fornecimento dos medicamentos; e d) afronta ao princípio da separação dos poderes, por não vislumbrar a repartição na operacionalização dos serviços de saúde, principalmente com relação às competências e responsabilidades das três esferas federativas. Denota-se do acima exposto, que os argumentos despendidos pela Agravante se resumem, praticamente, a questões orçamentárias e de conformação legislativa, assuntos já abordados no presente trabalho. Referidos argumentos, como já salientado, não conduzem à vedação do direito pleiteado. A conformação legislativa não deve ser óbice para a concretização de direitos fundamentais, assim como questões de ordem orçamentária devem ser devidamente comprovadas e justificadas, conforme salientado por OLSEN (2008), para se coadunar à cláusula de reserva do possível - apesar de não ter sido esse o argumento despendido com relação às leis orçamentárias. Citando sua decisão na Pet. 1.246-SC, o Ministro Relator Celso de Mello, que também proferira a decisão agravada, entende que a efetivação do direito à saúde, por ser impostergável, desautoriza o acolhimento do recurso pretendido. Salientando diversos pontos relacionados ao direito à saúde, foi negado provimento ao Agravo, com base na jurisprudência consolidada no STF. Primeiramente, constata-se que o direito à saúde ainda é visto indissociavelmente do direito à vida, sendo direito público subjetivo inalienável e que, cotejando este com as questões financeiras, sempre deve ser dado prevalência para a saúde e, por conseguinte, à vida. Entretanto, neste ponto, o direito à saúde já é visto como direito fundamental e plenamente exigível judicialmente, impondo ao Poder Público o dever de prestação positiva que somente poderá ser cumprido pelas instâncias governamentais através de políticas

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públicas. Neste aspecto, o Poder Público estaria diante da tarefa de conferir real efetividade aos direitos sociais, sendo sua positivação constitucional um estágio necessário de evolução indispensável para conferir eficácia jurídica. Neste passo, aduz que não basta apenas declarar direitos constitucionalmente. É preciso concretizá-los. E, neste diapasão, reconheceu ao cidadão a exigibilidade de referidos direitos, não só frente ao Judiciário, através do seguinte excerto: Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito - como o direito à saúde - se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional. Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante107.

Imperioso salientar que, no cotejo acima referido, houve a inserção, o elenco de critérios para a concessão da prestação pleiteada apenas para aqueles que forem considerados carentes de recursos e portadores do vírus HIV/AIDS, tendo em vista a existência de legislação garantindo tal direito. Portanto, a política pública já existia, o que faltava era sua implementação. Logo, neste caso, diferentemente da Pet. 1.246-SC, em que o bem da vida foi adjudicado ao autor (em demanda individual), denota-se que agora houve a inserção de critérios que perpassam o cotejo do direito à vida e de questões financeiras e da conformação legislativa (neste caso, em demanda coletiva108), já que, na verdade, o Tribunal apenas determinou ao Estado o cumprimento de política pública criada pela Lei nº 9.313/96. E, neste ponto, baseado no Acórdão recorrido, entende que a falta de previsão orçamentária não deve ser preocupação do Juiz, e sim do Administrador que tem demonstrado falta de capacidade para administrar a coisa pública e prover o bem comum. Neste aspecto, demonstramos nossa discordância.

_______________ 107

Ibidem. Entenda-se a demanda coletiva aqui, lato sensu, não sendo interessante e nem o papel desta monografia diferenciar entre direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. 108

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Apesar de a maioria dos administradores não possuir competência para gerir a coisa pública, entendemos, conforme salientado por Maués109, que as questões financeiras não são interesses secundários. Apesar de, no cotejo com o direito à vida, esta prevalecer, não quer dizer que as questões financeiras devem ser relegadas ao segundo plano, já que estas são responsáveis pela implementação de políticas públicas, instrumento idôneo e típico para referido mister. Noutro passo, a atividade criativa do Juiz, conforme salientado no decorrer deste trabalho, não deve ser feita ao bel-prazer do julgador. Deve haver uma responsabilidade política de quem julga, devendo ater-se a aspectos de macrojustiça e política e não só de microjustiça e política, sob pena de conferir direitos a poucos e negá-los a muitos. Ademais, inova ao tratar da solidariedade entre o Município de Porto Alegre e o Estado do Rio Grande do Sul para fornecer, gratuitamente, referidos medicamentos, com base no art. 196, da Constituição Federal de 1988. Por conseguinte, apesar de continuar entendendo ser a saúde, conforme o disposto no art. 196, da Constituição Federal de 1988, norma programática, entende que a mesma [...] não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado (MELLO, 2000).

Insta salientar que esta decisão está apenas determinando a concretização de políticas públicas já estabelecidas, não havendo que se falar em interferência do Judiciário em aspectos que não lhe cabem, não havendo que se falar em ofensa à Separação dos Poderes. Noutro passo, conforme já salientado no Capítulo anterior, referida atuação nada mais seria do que uma extensão do sistema de checks and balances. Este julgado denota-se importante por demonstrar o papel que as políticas públicas devem desempenhar, como sendo o instrumento por meio do qual o Poder Público concretiza seu dever constitucional, tutelando o direito à saúde em sua integralidade de maneira responsável. Neste diapasão, não basta apenas formular políticas públicas, mas sim, implementá-las de forma idônea visando a concreção do acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar, tornando o direito à saúde, pelo menos naquele

_______________ 109

Apontamentos feitos verbalmente, pelo Dr. Antônio Gomes Moreira Maués, na Palestra denominada Judicialização da Política e Reserva do Possível, proferida no dia 03/11/2011, no Auditório do Instituto de Ciências Jurídicas da UFPA.

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aspecto, eficaz. Enfim, às políticas públicas resta o papel de concretizadoras dos objetivos Constitucionais. Mais à frente, podemos identificar a ADPF nº 45 MC110 como um dos marcos no direito à saúde. Em que pese o Ministro Relator Celso de Mello tê-la julgado prejudicada, em 29/04/2004, ante a perda superveniente de objeto, referida ação se mostra interessante pelo fato de ter ocorrido o enfrentamento, pelo STF, de diversos pontos relacionados aos direitos de segunda geração111. Tal ação tinha por objeto discutir ato do Presidente da República que, ao vetar o §2º112 do art. 55 (posteriormente renumerado para art. 59) da proposição legislativa convertida na Lei nº 10.707/2003 (Lei de Diretrizes Orçamentárias), teria desrespeitado preceito fundamental insculpido na Emenda Constitucional nº 29/2000, que fixa os valores mínimos de recursos que devem ser aplicados nas ações e serviços públicos de saúde. Entretanto, o Presidente da República, ao vetar tal dispositivo, propôs projeto de lei, transformado na Lei 10.777/2003 que, ao introduzir o §3º, no art. 59, na Lei nº 10.707/2003, com o mesmo teor do que dispunha o dispositivo vetado, sanou referida pendência, conferindo efetividade à EC 29/2000. Mesmo assim, o Ministro Celso de Mello entendeu por bem enfrentar algumas questões que ainda eram objeto de dúvidas e divergências, ante o fato de o ato presidencial, acaso não tivesse sido sanado, poderia ter resultado grave comprometimento da execução da política pública em saúde insculpida em texto constitucional. Primeiramente, reconheceu ser a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ação constitucional idônea, assim como as demais ações abstratas de constitucionalidade, para concretizar políticas públicas que, mesmo previstas na Constituição Federal de 1988, sejam descumpridas. Isto nada mais seria do que a dimensão política da jurisdição constitucional conferida ao STF que não poderia furtar-se do papel de efetivar os direitos econômicos, sociais e culturais, sob pena de o Poder Público, tanto por ato comissivo ou omissivo, comprometer a integridade da própria ordem constitucional. _______________ 110

Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADPF+MC%2845%2ENUME%2E+ OU+45%2EDMS%2E%29%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas. Acesso em: 21/11/2011. 111 Neste aspecto, apesar de nosso entendimento e vinculação dos direitos sociais como direitos de segunda dimensão, o STF adota a teoria geracional em seus julgados. 112 §2º Para efeito do inciso II do caput deste artigo, consideram-se ações e serviços públicos de saúde a totalidade das dotações do Ministério da Saúde, deduzidos os encargos previdenciários da União, os serviços da dívida e a parcela das despesas do Ministério financiada com recursos do Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza.

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Noutro passo, afirmou não caber, em regra, ao Poder Judiciário formular e implementar políticas públicas, assim como interferir em aspectos de conveniência e oportunidade, papel a ser desempenhado pelo Poder Legislativo e Executivo. Entretanto, reconheceu que a liberdade de conformação legislativa e de atuação do Executivo não são absolutos. Logo, caberia ao Poder Judiciário, excepcionalmente, interferir em referidos aspectos de políticas públicas, quando a não observância dos preceitos constitucionais pelos entes legitimados, através, tanto de atos comissivos (inconstitucionalidade por ação) quanto omissivos (inconstitucionalidade por omissão), puder comprometer a eficácia e integridade dos direitos individuais e/ou coletivos constitucionais, mesmo que derivados de cláusulas programáticas. Logo, o Ministro afirma que a Judicialização é possível, excepcionalmente, sempre que houver o desrespeito, por parte dos Poderes Executivo e Legislativo, aos preceitos reconhecidos constitucionalmente, em que até mesmo os direitos sociais, econômicos e culturais, cuja classificação em normas programáticas por nós combatida no decorrer deste trabalho não obstou o reconhecimento de sua justiciabilidade, em que pese o entendimento de diversos autores em contrário, já que tal atuação estaria indo de encontro ao princípio da Separação dos Poderes. Neste aspecto, insta salientar que a interferência do Judiciário, conforme acima exposto, não poderia ir de encontro ao referido princípio, já que tal atuação nada mais é do que a própria materialização do Princípio da Separação dos Poderes, na sua vertente do sistema de checks and balances, indo, na verdade, ao encontro deste princípio. Após tecer os comentários sobre a legitimidade do Poder Judiciário em interferir em políticas públicas, o Ministro teceu suas considerações sobre a cláusula de reserva do possível. Ao reconhecer que a concretização dos direitos sociais, econômicos e culturais requer dispêndio financeiro, aduz que sua eficácia está intimamente atrelada às possibilidades orçamentárias do Estado, em que este só poderia se furtar ao seu cumprimento quando comprovada, objetivamente, sua incapacidade econômico-financeira. Ressalte-se que referida incapacidade só deve inviabilizar momentaneamente a imediata efetivação do comando constitucional, já que: Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente, quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade [ou seja, inviabilizar o

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mínimo existencial, ferindo a dignidade da pessoa humana] 113.

Citando Ana Paula de Barcellos (apud MELLO, 2004), entende que há a possibilidade da coexistência produtiva entre o mínimo existencial e a cláusula da reserva do possível: basta que as prioridades orçamentárias sejam previstas visando assegurar esse mínimo existencial que, após atingido, poderá os recursos remanescentes serem investidos em outros projetos. Portanto, conforme constata-se, referido julgado é um marco no direito à saúde e na questão da judicialização das políticas públicas, já que traça parâmetros com relação à legitimidade, cláusula da reserva do possível, mínimo existencial e separação dos poderes, argumentos que, dentre outros, sempre são utilizados nas questões deste porte e que foram salientadas neste trabalho. Noutro passo, a Ministra Ellen Gracie destaca-se nesse estudo por conta de suas decisões que expressam o papel criativo do Juiz ao qual deve desempenhar. Neste aspecto, interessante analisar a Suspensão de Segurança (SS) nº 3.073/RN114, julgada em 09/02/2007 e a Suspensão de Tutela Antecipada (STA) nº 91-AL115, julgada em 26/02/2007. Referidos julgados demonstram-se importantes porque foram os pioneiros em que a Ministra se desvencilhou do absolutismo do direito à vida e saúde, procurando definir critérios para melhor julgar os casos trágicos. No primeiro caso, foi pedido a suspensão da execução de liminar concedida em sede de mandado de segurança que obrigava o Estado do Rio Grande do Norte a fornecer os medicamentos Mabithera (Rituximabe) + Chop ao autor, paciente portador de câncer, nos moldes da prescrição médica particular. O Estado do Rio Grande do Norte utilizou-se dos seguintes argumentos: a) inadequação do mandado de segurança, ante a necessidade da concessão de medicamento ser precedida de perícia para atestar a plausibilidade de indicação médica feita por médico particular; b) violação do princípio da legalidade orçamentária e necessidade da observância da cláusula da reserva do possível; c) referido medicamento não consta na lista de dispensação do SUS, além de possuir caráter experimental; d) impossibilidade do Poder _______________ 113

Ibidem. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudenciaDetalhe.asp?s1=000003394&base=basePresidenci a. Acesso em: 21/11/2011. 115 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28sta%2891%2ENUME%2E+OU+91 %2EDMS%2E%29%29+E+S%2EPRES%2E&base=basePresidencia. Acesso em: 21/11/2011. 114

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Judiciário em desenvolver ou efetivar direitos sem a existência de meios materiais disponíveis para tanto; e d) propõe a mudança da tutela pela indicação de medicamentos similares que constem na referida lista. Neste diapasão, a Ministra conheceu e deferiu o pedido para suspender a execução da liminar em tela, salientando ser o medicamento um plus ao tratamento que o paciente já estava recebendo, sendo que sua não utilização ou concessão não iriam causar dano ou risco à vida do paciente. Noutro passo, seu caráter experimental, aliado ao seu alto custo e por não constar em lista de dispensação de medicamentos excepcionais do Ministério da Saúde cotejado à continuidade dos programas e serviços de saúde fez que com a julgadora entendesse não ser viável a concessão dos medicamentos pleiteados, já que não haveria a certeza da cura do paciente e ainda poderia ensejar o efeito multiplicador de demandas neste sentido. No segundo caso, foi pedido a suspensão da execução da tutela antecipada que obrigava o Estado de Alagoas a fornecer todo e qualquer medicamento necessário ao tratamento dos transplantados renais e pacientes renais crônicos. Baseando-se nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, a Ministra conheceu e deferiu parcialmente o pedido para suspender a execução da tutela antecipada, limitando a responsabilidade da Secretaria Executiva de Saúde do Estado de Alagoas ao fornecimento dos medicamentos contemplados na Portaria nº 1.318, do Ministério da Saúde. Insta salientar que a julgadora, quando da análise deste caso, não ateve-se ao custo da implementação destes direitos, haja vista ter pautado seu entendimento na eficácia e continuidade da execução de políticas públicas e na repartição administrativa de competências. Noutro passo, a Ministra não entendeu que o Estado estava furtando-se de sua obrigação de garantir medicamentos aos requerentes, mas que, isso sim, estaria apenas requerendo que a repartição administrativa de competências fosse respeitada, a fim de não comprometer o planejamento feito para o programa de dispensação de medicamentos que seria prejudicado acaso fosse confirmada e executada referida tutela antecipada. Logo, a mesma decisão combatida deixou de levar em consideração a repartição de competências administrativas existentes no campo da saúde, que é regionalizada. Neste diapasão, só caberia ao Estado de Alagoas o fornecimento dos medicamentos dentro do sistema que regulamenta o serviço, no caso, dos medicamentos relacionados no Programa de Medicamentos Excepcionais e de alto custo, em conformidade com a Lei nº 8.080/90 e pela

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Portaria nº 1.318 do Ministério da Saúde, sendo, portanto, a responsabilidade, no caso em comento, do Município de Maceió. E não há que se falar em responsabilidade solidária dos entes federativos, haja vista que, na visão da Ministra, esta só deve ser acionada se os critérios de repartição de competências não forem claros, o que não ocorre no caso em comento. Analisando o art. 196, da Constituição Federal de 1988, a Ministra aduz que o direito à saúde é assegurado, prioritariamente, através da efetivação de políticas públicas, visando os princípios da universalidade e igualdade de acesso aos serviços, ações e programas de saúde. Logo, para a Ministra, haveria lesão à ordem pública, haja vista que as liminares na forma concedida lesaria o direito de toda a coletividade para assegurar o direito de um grupo de pessoas ou de pessoas determinadas, inviabilizando a continuidade do acesso universal e igualitário dos serviços, ações e programas de saúde do SUS, denotando que o direito à saúde, em sua visão, está pautada na dimensão coletiva. Neste diapasão, tal pensamento vai de encontro com a velha dogmática assegurada nos julgados anteriores, em que o Estado deveria assegurar tudo a todos a qualquer custo, sendo o direito à saúde uma extensão do direito à vida que, se ameaçada, deve ser preservada de forma absoluta, tomando a forma do princípio do resgate do Utilitarismo de Rawls116. Por conseguinte, levando em consideração que o Estado não é garantidor universal, sendo as liminares concedidas inviabilizadoras do oferecimento de serviços de saúde básicos ao restante da coletividade e que a tutela em saúde deve observar um mínimo de critério, na racionalização do custo/benefício dos tratamentos que devem ser fornecidos gratuitamente, a fim de atingir o maior número possível de beneficiários, elencado nos presentes julgados, denota o entendimento consoante a justiça distributiva do seguro prudente de Dworkin117. Portanto, referidos julgados demonstram que o STF vem ponderando critérios para a adjudicação do bem da vida, com base na atividade criativa do Juiz, não se atendo somente aos autos em si, mas também nos efeitos que referidos julgados possam trazer para a coletividade, denotando a visão de macrojustiça e política.

_______________ 116 117

Referida discussão foi travada no Capítulo 3. Referida discussão foi travada no Capítulo 3.

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Já na Suspensão de Segurança (SS) nº 3.158/RN118, julgada em 31/05/2007, o Estado do Rio Grande do Norte requereu a suspensão da execução da liminar concedida em mandado de segurança que determinara o fornecimento dos medicamentos Pentoxifilina 400mg e Ticlopidina 250mg à pessoa portadora de doença vascular encefálica isquêmica, enquanto perdurasse sua necessidade. O Estado do Rio Grande do Norte baseou seu inconformismo nos seguintes argumentos: a) inadequação do mandado de segurança, já que se trata de fornecimento de medicamentos, em que a autora deveria ter sido submetida à perícia para atestar a idoneidade da indicação médica (particular); b) responsabilidade solidária por parte dos entes federativos, haja vista ser a promoção da saúde competência de todos os entes federados, além do fato de o Estado do Rio Grande do Norte não dispor de meios para fornecer referidos medicamentos; c) afronta ao princípio da legalidade orçamentária, já que não há previsão no orçamento para tal despesa, não podendo o Estado assegurar o provisionamento integral de fármacos de que todo cidadão do território nacional necessite; d) propõe a indicação de medicamento similar que esteja relacionado na lista oficial do Ministério da Saúde; e e) ocorrência do efeito multiplicador em razão do aumento das demandas deste porte. Iniciando seu julgado, a Ministra Ellen Gracie aduz que as suspensões de execução de atos judiciais são medidas excepcionais que devem ser tomadas com a devida cautela, e que, como nos pedidos de contracautela em questão, devem ser analisados caso a caso, do forma concreta e não abstrata e genérica, não havendo que se falar em vinculação de uma decisão a outra, haja vista ser uma decisão tópica, pontual. Noutro passo, ao analisar o caso em si, comenta que referidos medicamentos foram prescritos para prevenir que a autora sofra novos episódios isquêmicos encefálicos, de sequelas irreversíveis e que a falta destes podem agravar a situação da autora. Então, a Ministra decidiu indeferir o pedido, mesmo verificando que tais medicamentos não constam no rol inscrito na Portaria nº 1.318 do Ministério da Saúde. E tal fato repousou sob o argumento de que a adoção de uma política de medicamentos genéricos faz parte de um ponto central da estratégia de uma política de medicamentos essenciais, passando a nortear todas as ações do Ministério da Saúde na área de medicamentos para o setor público e que referidos medicamentos possuem registro de medicamento genérico na ANVISA (RE nº 412, de 08 de março de 2002 e RE nº 745, de 03 de maio de 2002). _______________ 118

Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudenciaDetalhe.asp?s1=000001915&base=basePresidenci a. Acesso em: 21/11/2011.

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Ademais, a Ministra vislumbrou que a autora era hipossuficiente e que já vinha recebendo referida medicação desde 2006, no valor de R$ 456,00 (quatrocentos e cinquenta e seis reais), referente a 06 (seis) caixas de cada fármaco já empenhadas, além de que havia a necessidade da autora na continuidade do tratamento. Também aduz que as questões de competência para a execução de programas de saúde, assim como de distribuição de medicamentos não podem se sobrepor ao direito à saúde, obrigando todas as esferas do Governo a atuarem de forma solidária. Por conseguinte, interessante frisar que a Ministra, concretizando o papel criativo dos Juízes, criou critérios para julgamento de oferecimento de medicamentos, neste caso concreto. Primeiro, a Ministra procura saber se a ausência do medicamento trará sério risco ou dano à saúde. Se negativo, não concede o medicamento. Se positivo, segue para o próximo passo, demonstrando que o direito à vida ainda é um dos mais importantes crivos nestes casos. Depois, procura saber se o medicamento pleiteado consta em lista do SUS ou se existem genéricos registrados na ANVISA, de mesma eficácia e qualidade. Se sim, passa para o próximo passo. Ao final, verifica se a pessoa que pleiteia o medicamento é hipossuficiente. Se sim, concede o medicamento. Se não, não concede. Ao passar por todos esses passos, levando em consideração que a autora já vinha recebendo referida medicação, a Ministra Ellen Gracie destaca-se com seu papel criativo em determinar critérios para a concessão do bem da vida pleiteado. O AgRg no STA nº 175/CE119, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes após a Audiência Pública nº 04 do STF, em 17/03/2010, também é um dos marcos no direito à saúde, em que foram enfrentadas diversas questões envolvendo a eficácia deste direito. Referido recurso foi interposto pela União, ante o fato de o Ministro Gilmar Mendes ter indeferido o pedido de Suspensão de Tutela Antecipada nº 175, em que se visava suspender sua execução, sendo determinada à União, ao Estado do Ceará e ao Município de Fortaleza o fornecimento do medicamento denominado Zavesca (Miglustat), em favor de Clarice Abreu de Castro Neves. _______________ 119

Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudenciaDetalhe.asp?s1=000069587&base=basePresidenci a. Acesso em: 21/11/2011.

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A autora, jovem de 21 anos, portadora da doença NIEMANN-PICK TIPO C, doença neurodegenerativa rara, que causa uma série de distúrbios neuropsiquiátricos, não teria condições financeiras de arcar com o custo do tratamento da doença, de R$ 52.000,00 (cinquenta e dois mil reais) mensais, sendo que o medicamento seria o único capaz de deter o avanço da doença ou de, pelo menos, aumentar as chances de vida da paciente com uma certa qualidade. À unanimidade, foi-se negado provimento ao recurso ante o fato de a União não ter comprovado, no caso, grave lesão à ordem, à economia e à saúde públicas. Extrai-se da decisão ora analisada que o argumento central da União está pautada no fato de o medicamento não ter registro na ANVISA e, portanto, não poderia ser comercializado no território nacional. Entretanto, o Ministro Relator informou que, realmente, na época do ajuizamento da inicial, o medicamento não possuía registro, mas que, em pesquisa ao site da ANVISA, constatou que o medicamento Zavesca possui registro até 01/2012. Em que pese tal fato, também informou que referido medicamento não consta dos Protocolos e Diretrizes Terapêuticas do SUS, sendo medicamento de alto custo não contemplado pela Política farmacêutica da rede pública. A União e o Município de Fortaleza apenas alegam a ineficácia do medicamento para o tratamento da doença combatida, mas sem trazer ao autos qualquer comprovação, respaldando-se apenas na falta de Protocolo Clínico do SUS. O Ministro assevera que o simples fato de o medicamento ser de alto custo não impede o seu fornecimento, tomando por base o fato de haver política de dispensação de medicamentos excepcionais para doenças raras, em que são distribuídos medicamentos deste aporte para tratá-las. Quanto à ilegitimidade ativa do Ministério Público e da ilegitimidade passiva da União e do Município de Fortaleza, o Ministro Relator aduz não ser matéria a ser tratada em sede de suspensão de tutela antecipada, fazendo parte do mérito do recurso da decisão que ensejou a interposição da suspensão. Entre outros argumentos, a União apresenta: a) violação da Separação dos Poderes e das normas de regulamentação do SUS; b) desconsideração da função precípua da Administração em definir políticas públicas, sendo indevida a interferência do Judiciário nas diretrizes destas; c) ilegitimidade passiva da União; d) ofensa ao sistema de repartição de competências; e) inexistência de responsabilidade solidária; f) só deveria figurar no pólo passivo da ação o ente responsável pela dispensação do medicamento; e g) tal decisão, que obriga a União a desembolsar grande quantia poderia implicar no deslocamento de esforços e

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recursos estatais, descontinuidade da prestação dos serviços de saúde ao restante da população e possibilidade de efeito multiplicador. Ao proferir seu voto, o Ministro Relator Gilmar Mendes, ante a complexidade do tema relacionado à concretização do direito à saúde, achou por bem, inicialmente, retomar o tema sob balizas mais amplas, para após restringi-lo para o caso em tela, tendo por base as experiências oriundas da Audiência Pública nº 04 - STF. Aduz ter a doutrina constitucional estudado e criado teses antagônicas que procuram explicar "[...] se, como e em que medida o direito constitucional à saúde se traduz em um direito subjetivo público a prestações positivas do Estado, passível de garantia pela via judicial"120. Tais divergências são oriundas do caráter prestacional deste direito (sendo o principal argumento contrário a sua judicialização) aliado ao fato de ter que compatibilizar o "mínimo existencial" com a "reserva do possível". O direito à saúde considerado direito fundamental social, traz à tona o entendimento de que a proibição do excesso e a proibição de proteção insuficiente são dois corolários que devem segui-lo, sendo certo que: [...] as contribuições de Stephen Holmes e Cass Sustein para o reconhecimento de que todas as dimensões dos direitos fundamentais têm custos públicos, dando significativo relevo ao tema da 'reserva do possível', especialmente ao evidenciar a 'escassez dos recursos' e a necessidade de se fazerem escolhas alocativas, concluindo, a partir da perspectiva das finanças públicas, que 'levar a sério os direitos significa levar a sério a escassez' (HOLMES, Stephen; SUSTEIN, Cass. The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. W. W. Norton & Company: Nova Iorque, 1999, apud MENDES, 2010)

Ressalta a premissa de que alguns autores entendem ser os direitos sociais normas programáticas ante o fato de sua efetivação estar intrinsecamente atrelada aos recursos econômicos e dependentes de políticas públicas para que se tornem exigíveis judicialmente. Neste aspecto, os mesmos autores também defendem que a interferência do Judiciário, em relação à omissão estatal na construção de políticas satisfatórias, viola o princípio da Separação dos Poderes e da reserva do possível e que referida interferência está relacionada ao fato de ser o Judiciário acostumado a lidar com questões de microjustiça e que, ao se deparar com questões sociais, que demandam análise em torno da macrojustiça, não teria condições de analisar as consequências globais da destinação de recursos públicos em benefício da parte, com prejuízo para o todo. _______________ 120

Op. cit.

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Mas, noutro passo, levando em consideração os argumentos expostos no Capítulo 3 e a relação entre o mínimo existencial, reserva do possível e escolhas alocativas, o Ministro Gilmar Mendes afirma que: Dessa forma, em razão da inexistência de suportes financeiros suficientes para a satisfação de todas as necessidades sociais, enfatiza-se que a formulação das políticas sociais e econômicas voltadas à implementação dos direitos sociais implicaria, invariavelmente, escolhas alocativas. Essas escolhas seguiriam critérios de justiça distributiva (o quanto disponibilizar e a quem atender), configurando-se como típicas opções políticas, as quais pressupõem 'escolhas trágicas' pautadas por critérios de macrojustiça. É dizer, a escolha da destinação de recursos para uma política e não para outra leva em consideração fatores como o número de cidadãos atingidos pela política eleita, a efetividade e a eficiência do serviço a ser prestado, a maximização dos resultados, etc. (MENDES, 2010)

Com o fito de assegurar a dignidade da pessoa humana, com base no mínimo existencial prevalente em cada direito, a atuação do Poder Judiciário seria legítima, em que a questão da efetivação dos direitos sociais deverá ter o olhar da ponderação, com o fito de dirimir as questões conflituosas entre direitos individuais e bens coletivos que, conforme Alexy (apud MENDES, 2010), trazem a necessidade de criação de um modelo que sopese os argumentos contrários e favoráveis, sopesando os princípios, para que se chegue aos direitos fundamentais sociais que o indivíduo realmente tem. O Ministro busca responder à indagação de que forma a nossa Constituição estabelece os limites e as possibilidades de implementação do direito à saúde. Para tanto, examina os elementos constantes no art. 196, da Constituição Federal de 1988. Entende que existe, conforme abordado por SARLET (2011), uma dupla dimensão do direito à saúde (individual e coletiva) e que chamar o direito à saúde de norma programática seria o mesmo que negar a força normativa da Constituição. Logo, afirma que a política pública é o instrumento por meio do qual será efetivado o direito à saúde, não significando que o cidadão terá direito a toda e qualquer prestação, existindo ou não política pública que a assegure, o que realça o papel da justiça distributiva neste aspecto, conforme excerto: Não obstante, esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas, ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política que o concretize. Há um direito público subjetivo a políticas públicas que promovam, protejam e recuperem a saúde. (MENDES, 2010)

Portanto, entende que "a garantia judicial da prestação individual de saúde, prima facie, estaria condicionada ao não comprometimento do funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS)", devendo ser analisado caso a caso.

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O Ministro Gilmar Mendes posiciona-se no sentido da existência da responsabilidade solidária entre os entes da federação pela saúde, tanto individual, quanto coletiva, ainda mais após a Audiência Pública nº 04 – STF, já que cabe a elas agirem em conjunto no cumprimento do mandamento constitucional, com base no art. 23, II, da Constituição Federal de 1988, que trata da competência comum dos entes da federação para cuidar da saúde, afirmando o argumento de que a descentralização de competências e recursos apenas reforça essa obrigação solidária e subsidiária entre eles, assim como o acesso universal e igualitário à saúde. Averba, também, que a EC nº 29/2000, "consolidou um mecanismo de cofinanciamento das políticas de saúde pelos entes da Federação"121. Entretanto, afirma que tal entendimento pode ser refutado ou consolidado através do julgamento do RE 566.471 e da PSV nº 04122. Aduz que o problema da eficácia social do direito à saúde está não na falta de legislação específica, mas sim, na implementação e na manutenção das políticas públicas já existentes, ou seja, na execução (administrativa) das políticas públicas pelos entes federados o que implica também a composição dos orçamentos dos entes da Federação. Por conseguinte, enfrenta a controvérsia acerca da possibilidade de decisões judiciais determinarem ao Poder Público o fornecimento de medicamentos e tratamentos. Neste passo, após a Audiência Pública nº 04 no STF, constatou-se que deveria haver o redimensionamento da Judicialização da Saúde no Brasil, tendo em vista que a maioria dos casos não são atinentes à omissão absoluta em matéria de políticas públicas, mas sim quanto à determinação judicial que obriga o cumprimento de políticas públicas já existentes, não havendo que se falar em interferência judicial nas esferas de livre apreciação e ampla discricionariedade de outros Poderes quanto à formulação de políticas públicas. Entendendo como um dado importante para a construção de critério ou parâmetro para decisão, MENDES (2010) aduz que: [...] o problema talvez não seja de judicialização ou, em termos mais simples, de interferência do Poder Judiciário na criação e implementação de políticas públicas em matéria de saúde, pois o que ocorre, na quase totalidade dos casos, é apenas a determinação judicial do efetivo cumprimento de políticas públicas já existentes.

Neste aspecto, o primeiro passo seria constatar se a prestação de saúde pleiteada pela parte é ou não abrangida por política pública. Se for, o Judiciário não estará interferindo em políticas públicas, mas apenas determinando o seu cumprimento. _______________ 121 122

Op. cit. Referidos atos já foram objeto de atenção no Capítulo 4.

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Acaso não esteja inserta em política pública do SUS, deve-se distinguir se a não prestação decorre de (1) uma omissão legislativa ou administrativa, (2) de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou (3) de uma vedação legal a sua dispensação. Se proveniente de uma omissão legislativa ou administrativa, cabe ao Poder Judiciário a interferência nesses aspectos de políticas públicas em saúde, quando ocorrer a omissão injustificada ou quando a política pública, acaso existente, for insatisfatória, conforme disposto no Capítulo anterior. Noutro passo, a vedação à Administração Pública de fornecer fármaco não registrado na ANVISA trata-se de uma vedação legal a sua dispensação, já que tal registro "[...] configura-se como condição necessária para atestar a segurança e o benefício do produto, sendo o primeiro requisito para que o Sistema Único de Saúde possa considerar sua incorporação"123. Entretanto, se for uma decisão administrativa em não fornecê-la, passa-se para o segundo dado, em que se persegue o motivo para o não fornecimento de determinada ação pelo SUS, em que, com relação aos fármacos, ocorre principalmente pela inexistência de evidências científicas para autorizar sua inclusão, ante o fato de serem medicamentos experimentais, sem eficácia comprovada. Tal fato levaria a duas possibilidades: 1) existência de tratamento alternativo, mas não adequado e 2) inexistência de tratamento. Levando em consideração a justiça distributiva na formulação de políticas públicas, acima mencionado, o Estado não está obrigado a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente, o que levaria a sociedade à falência. Logo, entre o tratamento fornecido pelo SUS e o que o paciente requer, faz-se a escolha pelo que o SUS fornece. Entretanto, pode haver a contestação administrativa e judicial dos Protocolos e Diretrizes do SUS, ante o fato de estes estarem em constante mutação, não sendo, portanto, inquestionáveis. Com relação à falta de tratamento, deve-se diferenciar os tratamentos experimentais e os novos que não foram testados pelo SUS. Os tratamentos experimentais não tem comprovação científica de sua eficácia e são realizados em laboratórios ou centros médicos de ponta, pautados em pesquisas clínicas, sendo a participação nesses tratamentos regido pelas normas que regulam a pesquisa médica, não podendo, portanto, ser o Estado condenado a fornecê-los. _______________ 123

Op. cit.

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Já os tratamentos novos que não foram testados pelo SUS são aqueles em que já são utilizados no território brasileiro ou em território estrangeiro, com a devida comprovação científica de sua eficácia, não sendo, na verdade, inscritos em Protocolos Clínicos e Diretrizes do SUS, razão pela qual não é fornecido pelo sistema público. Mas, nas palavras do Ministro Gilmar Mendes: Parece certo que a inexistência de Protocolo Clínico no SUS não pode significar violação do princípio da integridade do sistema, nem justificar a diferença entre as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada. Nesses casos, a omissão administrativa no tratamento de determinada patologia poderá ser objeto de impugnação judicial, tanto por ações individuais como coletivas. No entanto, é imprescindível que haja instrução processual, com ampla produção de provas, o que poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar. (MENDES, 2010).

Então, analisando os autos, o Ministro informa que existem provas suficientes quanto ao estado de saúde da paciente e a necessidade do medicamento indicado. Destacando a decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello na ADPF nº 45 MC, afirma a possibilidade e legitimidade de intervenção do Poder Judiciário. Entende, por conseguinte, que a natureza excepcional do pedido de contracautela pode ensejar o dano inverso (aquele em que quem pede, ao ter recusada sua pretensão, sofre dano). Afirma, também, que “o alto custo de um tratamento ou de um medicamento que tem registro na ANVISA não é suficiente para impedir o seu fornecimento pelo Poder Público”, afirmando, ao final, não ocorrer o tão propalado efeito multiplicador ante o fato de as decisões a serem tomadas serem pontuais, “pois a análise de decisões dessa natureza deve ser feita caso a caso, considerando-se todos os elementos normativos e fáticos da questão jurídica debatida”. Finalmente, no julgamento do Ag Reg no AI nº 734.487/PR124, Ministra Relatora Ellen Gracie, julgado em 03/08/2010, constata-se a consolidação do entendimento que o Supremo Tribunal Federal desenvolveu ao longo dos anos. Tratava-se de Agravo Regimental no Agravo de Instrumento interposto pelo Estado do Paraná com o fito de desconstituir decisão em recurso extraordinário permitindo que o juízo de primeiro grau prossiga no julgamento de ação civil pública cujo objeto consistia em "impor ao Estado do Paraná uma obrigação de fazer, envolvendo liberação de recursos financeiros, ampliação da unidade de terapia intensiva-adulta do Hospital

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Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=613652. Acesso em: 21/11/2011.

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Universitário de Londrina (mínimo de 10 leitos e a adoção de medidas necessárias para o bom desenvolvimento do referido setor)" (GRACIE, 2010). O argumento apresentado pelo Estado do Paraná baseia-se no fato de não poder, o Judiciário, interferir em aspectos de conveniência e oportunidade do ato administrativo, mas apenas quanto a sua legalidade e que a decisão combatida estaria indo de encontro ao entendimento do Tribunal. Elencando e tecendo comentários nos julgados APDF 45/DF MC, RE 271.286AgR/RS, AI 553.712/RS, AI 597.182-AgR/RS, SS 3205/AM, AI 562.561/RS, SL 47-AgR/PE e RE 410.715/SP, a Ministra Ellen Gracie demonstra que o entendimento do STF está de acordo com o decidido em sede de Recurso Extraordinário, principalmente com relação ao fato de ser o Poder Judiciário legitimado a interferir neste aspecto quanto às violações positivas e negativas constitucionais injustificadas, negando provimento ao recurso. Noutro passo, também asseverou o entendimento segundo o qual [...] a discussão em relação à competência para execução de programas de saúde e de distribuição de medicamentos não pode se sobrepor ao direito à saúde, assegurado pelo art. 196 da Constituição da República, que obriga todas as esferas de Governo a atuarem de forma solidária. (GRACIE, 2010)

Também salientou não ser as questões orçamentárias pressupostos e argumentos válidos para inviabilizar o direito dos pacientes. Com relação ao caso em si, demonstrou que, na verdade, o Poder Judiciário, quando analisa casos desse porte, deve vislumbrar se existe política pública com relação à prestação pleiteada. Em o havendo, não estará o Judiciário interferindo em aspectos de conveniência e oportunidade em sede de políticas públicas, mas tão só determinando o seu cumprimento, já que derivada de mandamentos constitucionais. Portanto, tem-se em vista a evolução jurisprudencial do STF relacionada aos casos em saúde, em que tal direito era considerado, assim como o direito à vida, de maneira absoluta, sendo o único critério para a concessão do bem pleiteado a possibilidade de dano à saúde ou a morte do paciente. Noutro passo, afirma-se a importância da criação e implementação de políticas públicas como instrumento idôneo a assegurar o direito à saúde, na forma do art. 196, da Constituição Federal de 1988. Também confirma-se a titularidade dos Poderes Executivo e Legislativo na consecução destas políticas, com base na justiça distributiva, em que são feitas as escolhas trágicas do que deve ser oferecido ao cidadão. Entretanto, tal prerrogativa não é absoluta, tendo em vista que omissões injustificadas e políticas públicas ineficientes e insatisfatórias ensejam a atuação do Poder

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Judiciário, sendo nada mais do que a materialização do sistema de checks and balances, fruto da jurisdição política conferida ao STF. E referida atuação, conforme vislumbramos, é pautada na atividade criativa dos juízes em que, através da ponderação, criam critérios para a solução dos casos concretos. Neste aspecto, pode-se constatar que, na resolução de referidos casos, como nos expostos, mesmo nos que se argumenta o fato de o Poder Judiciário não estar interferindo em políticas públicas, mas apenas determinando o seu cumprimento, a concessão do bem da vida não é feito com base na justiça distributiva, já que não há a determinação de que referida política pública funcione para todos, mas sim apenas para aqueles que pleiteiam judicialmente sua concretização ou implementação. Logo, levando em consideração a dimensão individual do direito à saúde, podemos afirmar que a interferência judicial em sede de política públicas efetiva o direito à saúde, mas, o mesmo não pode ser dito quando analisamos referidas decisões sob o prisma da dimensão coletiva do direito à saúde.

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6 CONCLUSÃO

O fenômeno Neoconstitucional elevou a Constituição ao seu patamar mais alto no ordenamento jurídico, conferindo-lhe força normativa, irradiando feixes de fundamentalidade e reconhecendo direitos que anteriormente não o eram, como o direito à saúde. Neste diapasão, os direitos sociais, em especial o direito à saúde, sempre foram vistos como normas programáticas despidas de eficácia e aplicabilidade imediata, dependente da conformação legislativa e atuação do Poder Executivo, através da criação e implementação de leis e políticas públicas eficientes que concretizassem os objetivos constitucionais. Entretanto, a inefetividade dos Poderes Legislativo e Executivo fez com que o jurisdicionado procurasse o Poder Judiciário para que seu direito fundamental social à saúde fosse respeitado e concretizado. Há certo tempo alguns autores, como Ingo Wolfgang Sarlet e Ana Carolina Lopes Olsen buscam demonstrar que o direito à saúde, assim como os demais direito sociais, são dotados de fundamentalidade e, portanto, de aplicabilidade e eficácia imediatas assim como plenamente exigíveis judicialmente. Noutro passo, em que pese o direito à saúde possuir uma dupla dimensão (individual e coletiva), para tornar-se eficaz, deve ser pautado em aspectos de justiça distributiva que, conforme salientado, é o principal meio de garantir a igualdade de consideração entre aqueles que necessitam de prestação sanitária. E, neste aspecto, a justiça distributiva deve ser implementada, precipuamente, em sede de políticas públicas, instrumento idôneo para a concretização do direito à saúde, ressaltando seu importante papel com relação às escolhas trágicas e políticas na alocação de recursos sempre finitos para necessidades sempre infinitas. Mas, quando os Poderes Legislativo e Executivo se omitem, ou quando suas políticas públicas são ineficientes, cabe ao Poder Judiciário intervir, concretizando direitos e alcançando os objetivos constitucionalmente prescritos. E, neste ponto, não se está indo de encontro ao Princípio da Separação dos Poderes, já que tal atitude do Poder Judiciário nada mais seria do que a materialização do sistema de checks and balances do supracitado princípio, não o violando, portanto. E é nesse contexto que a Judicialização da Saúde se insere como fenômeno oriundo da Judicialização da Política, fruto da ineficácia dos Poderes Legislativo e Executivo

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na concretização de direitos, em que o Poder Judiciário é instado a efetivar o direito fundamental social à saúde, por intermédio de demandas judiciais. Entretanto, tal fenômeno ainda tem sido combatido sobremaneira, sob diversos argumentos, que passam desde a violação do Princípio da Separação dos Poderes, da falta de legitimidade do Poder Judiciário para interferir em questões de políticas públicas, na violação de princípios orçamentários, cláusula de reserva do possível, na falta de trato do Poder Judiciário que, não sabendo lidar com questões distributivas, estaria decidindo referidos casos sem qualquer critério ou mínimo de consenso, ensejando decisões por mais das vezes contraditórias até mesmo com as políticas públicas do Executivo, dentre outras. Noutro passo, a negação do direito pleiteado - e por mais das vezes, necessitado em questões que versem sobre o direito à saúde pode acarretar na morte ou dano irreparável à saúde de quem pleiteia, ensejando o denominado dano inverso, caracterizado como o dano sofrido por aquele que tem o bem pleiteado negado. Posto isto, este trabalho procurou analisar e compreender o fenômeno da Judicialização da Saúde, com vistas a concluir se referido fenômeno tem interferido e conferido eficácia aos direitos fundamentais sociais, como a saúde. Para tanto, analisou-se a evolução jurisprudencial do STF com relação ao direito à saúde. Neste aspecto, ressalte-se que a nova ordem constitucional conferiu ao Juiz o papel criativo implementado por intermédio da ponderação, técnica por meio da qual se elege o princípio que a Constituição confere maior importância naquele caso concreto, dentre aqueles colidentes. Constata-se dos julgados analisados que, na visão do STF, o direito à saúde era visto de forma absoluta, sendo indissociável do direito à vida, bastando, para o julgador, analisar se a falta do medicamento ou tratamento pleiteado gera risco de morte ou dano irreversível à saúde para que seja concedida a ordem, sem a análise da existência de política pública e de macrojustiça, considerando os interesses financeiros como secundários. Noutro passo, reconheceu-se a fundamentalidade do direito à saúde, mas ainda se perpetua a visão de que se trata de norma programática. Em que pese tal fato, os julgadores tem decidido no sentido de que a programaticidade da norma não impede que referido direito seja concretizado, com vistas à garantia do mínimo existencial, traduzido não só no mínimo vital, mas também no mínimo de condições para que o indivíduo desenvolva-se na sociedade. Denota-se a atividade criativa dos juízes quando estes, em seus julgados, procuram criar critérios para o julgamento das lides envolvendo o direito à saúde que, dentre eles, podemos destacar: 1) essencialidade do bem pleiteado; 2) existência de política pública

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relacionada ao bem pleiteado; 3) repartição de competências administrativas; 4) solidariedade dos entes federativos, dentre outros. Ressaltando que referida análise, do ponto de vista dos julgadores, deve ser pontual, tópica, ou seja, deve ser realizada caso a caso, não havendo que se falar em vinculação de uma decisão a outra. Noutro passo, a cláusula de reserva do possível, argumento sempre utilizado para negar o bem pleiteado, deve ser aferida objetivamente, ou seja, deve o ente Estatal desincumbir-se da tarefa de comprovar a impossibilidade fática do cumprimento das políticas públicas e das decisões judiciais. Logo, da análise dos julgados podemos afirmar que o direito à vida ainda é fator preponderante para que o direito à saúde seja implementado em face dos Tribunais. E, conforme salientou o Ministro Gilmar Mendes, a maior parte das demandas na verdade visa concretizar política pública já existente, denotando a incapacidade dos administradores em gerir a coisa pública. Em que pese tal assertiva, a concessão dos medicamentos ou tratamentos pleiteados, mesmo que seja apenas imposição do Poder Judiciário ao Executivo para que concretize política pública já existente, demonstra que o é feita apenas para aqueles que podem demandar judicialmente, ficando expressiva parcela da população desprotegida do manto da eficácia dos direitos fundamentais sociais. Portanto, podemos afirmar que a Judicialização da Saúde, levando em consideração a dimensão individual deste direito, tem conferido eficácia ao direito fundamental social à saúde, o que não se pode afirmar com relação à dimensão coletiva do direito à saúde. Logo, conforme asseverado alhures, a cláusula de reserva do possível pode harmonizar-se com o mínimo existencial através da escolha de prioridades em sede de políticas públicas que, frise-se novamente, é o instrumento idôneo para a concretização do direito fundamental social à saúde, em que o controle judicial do orçamento tem sido uma das soluções que, aliada à política pública, concretiza o direito fundamental social à saúde sob o prima da justiça distributiva. Mas, tendo em vista que o acima exposto ainda não é uma realidade, necessitando de um pacto entre os Poderes Legislativo, Executivo e até mesmo o Judiciário, para a consecução do direito fundamental social à saúde, o fenômeno da Judicialização da Saúde, longe de ser a resposta absoluta para o problema, tem grande parcela de contribuição para a eficácia do direito fundamental social à saúde.

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