DIREITO AO ESQUECIMENTO E DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO

May 23, 2017 | Autor: Marino Abreu | Categoria: Direito Civil, Direito Digital, Liberdade De Expressão, Direito Ao Esquecimento
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DIREITO AO ESQUECIMENTO E DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO 1 – Direito ao Esquecimento O direito ao esquecimento “(...) é o direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou transtornos.”1 No parecer de nº 156.104/2016 PGR-RJMB, ao posicionar-se sobre o julgamento do Recurso Extraordinário com agravo 833.248/RJ, a Procuradoria Geral da República, por meio de seu Procurador Geral, assim conceituou o direito ao esquecimento: “(...) o direito a ser (ou voltar a ser) anônimo, ou seja, uma pretensão a anonimato, é o direito a ser deixado em paz, o ‘direito a estar só’, a não ser relembrado de fatos desagradáveis e a não sofrer consequências negativas de fatos recuados no tempo.”

O direito ao esquecimento, naquilo que se refere ao direito brasileiro, encontra fundamentação tanto na Constituição Federal, como no Código Civil: CF Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana; Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; CC

Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, 1

Dizer o direito. Direito ao Esquecimento. Disponível em: . Acesso em: 19 fev. 2017.

a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes. Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

Acrescentam os juristas que o direito ao esquecimento também encontra respaldo no direito do consumidor2, na esfera do direito penal3, entre outros. Ao interpretar os dispositivos acima transcritos, foi aprovado na VI jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal/STJ o enunciado nº 531: A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.

Em que pese a proteção ao esquecimento hoje se dar pelas aplicações e interpretações dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais acima transcritos, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei nº 1.676/2015, de autoria do deputado Veneziano Vital do Rêgo, que visa positivar de forma explícita a proteção ao direito do esquecimento: Art. 3º - O direito ao esquecimento é expressão da dignidade da pessoa humana, representando a garantia de desvinculação do nome, da imagem e demais aspectos da personalidade relativamente a fatos que, ainda que verídicos, não possuem, ou não possuem mais, interesse público.

Por fim, mas não menos importante naquilo que concerne ao e reconhecimento do direito ao esquecimento, em julgados recentes, o Superior 2

Código de Defesa do Consumidor - Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes. § 1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos. 3

Código Penal - Art. 64 - Para efeito de reincidência: I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;

Tribunal de Justiça, mais precisamente nos Recursos Especiais nº 1.335153RJ e 1.334.097-RJ, reconheceu como tutelado pelo ordenamento jurídico pátrio, o direito ao esquecimento. Destarte, em outras palavras, o direito ao esquecimento é o direito de o cidadão, que vivenciou um determinado fato, restringir a circulação da informação a respeito do mesmo em momento suficientemente posterior ao acontecimento. É o direito do cidadão de ter aquele fato esquecido quando da perda de sua importância e relevância para elucidação, esclarecimento e até conhecimento do fato pela sociedade. Fala-se de direito ao esquecimento quando a divulgação de um determinado acontecimento, após certo decurso de tempo, torna-se irrelevante para o esclarecimento do fato ou quando a sua divulgação perde o status de interesse público, justamente pelo decurso do tempo. Ora, para que haja o reconhecimento do direito ao esquecimento nos termos acima demonstrados, faz-se necessário a presença de 4 requisitos: 1. A demonstração de que os fatos publicados estão relacionados com aquele que faz o pedido de exclusão – nexo de vitimização 2. Que a pessoa que faz o pedido esteja exercendo auto conservação de sua imagem – violação de direito próprio 3. Que o conteúdo objeto do pedido de esquecimento tenha caráter particular ou, se possuir caráter público, que a informação esteja desatualizada ou seja irrelevante para a comunidade a que se dirige – admissibilidade do esquecimento 4. Que haja demonstração de violação de direito fundamental – 4 demonstração consequencial.

Para a proteção jurídica do direito ao esquecimento, consequentemente do direito à privacidade e à dignidade da pessoa humana, faz-se necessário que o pleiteante da proteção seja a vítima direta da informação veiculada e que o conteúdo da informação seja referente à sua vida privada ou, se for fato público, que seja irrelevante para a comunidade, naquele momento, a divulgação e propagação daquela informação.

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SYDOW, Spencer Toth. Limites e parâmetros ao direito de esquecimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4837, 28 set. 2016. Disponível em: . Acesso em: 19 fev. 2017.

Não é todo e qualquer fato que depois de decorrido certo tempo perde o interesse público, principalmente quando está se falando de fatos históricos e de grande relevância social. 2 – Liberdade de Expressão A liberdade de expressão vem protegida diretamente pela Constituição Federal: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. § 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

A liberdade de expressão mereceu tamanha proteção jurídica em razão do momento em que a Constituição Federal foi redigida. O Brasil acabara de sair de um regime ditatorial em que o controle à opinião, de qualquer forma, seja por meio jornalístico ou não, era muito forte e direcionada. Por esta razão, o constituinte buscou proteger a liberdade de expressão e opinião. O constituinte foi muito claro a elevar ao status de direito fundamental a liberdade de expressão e pensamento do cidadão: “A garantia da liberdade de expressão tutela, ao menos enquanto não houver colisão com outros direitos fundamentais e com outros valores constitucionalmente estabelecidos, toda opinião, convicção, comentário, avaliação ou julgamento sobre qualquer assunto ou sobre qualquer pessoa, envolvendo tema de interesse público, ou não, de importância e de valor, ou não(...).”

3 – Ponderação de princípios

Pois bem. Como acima bem esclarecido, tanto o direito ao esquecimento (como decorrência do direito à privacidade, à intimidade e à honra), como o direito à liberdade de expressão foram elevados ao status de direitos fundamentais, constitucionalmente previstos. Ocorre que, um como o outro, tem limitações. O direito ao esquecimento encontra como uma barreira o próprio direito a liberdade de expressão. Outra limitação que se pode mencionar é a afronta ao direito à memória da sociedade, uma vez que desaparecidas informações sobre um fato, acontecimento, ou até sobre uma pessoa, significa a perda da própria história em si. Outro ponto relevante é a transformação de uma informação lícita em ilícita pela simples fato de decurso do tempo. Por fim, mas não menos importante, poder-se-ia falar em proteção às informações de interesse público. Isto porque leva-se em conta que quando uma pessoa se insere em um fato de interesse coletivo, a proteção à sua privacidade e intimidade deva ser mitigada pela relevância do acontecimento. Quanto a liberdade de expressão, seu maior limitador seria o direito à privacidade, intimidade e a honra das pessoas noticiadas. O próprio texto constitucional previu tais limites no §1º do art. 220: Não é a liberdade de imprensa, todavia, um direito absoluto, afinal deve ser exercido de forma plena e sem censura prévia, mas em harmonia com os direitos individuais consagrados na Constituição. Isso significa que informações que não representem qualquer relação com o interesse público ou social e firam a proteção constitucional à vida privada, intimidade e honra, não 5 encontram respaldo constitucional.

Quando analisados conjuntamente, a incidência de ambos os direitos fundamentais acima debatidos num caso concreto, pode levar a equivocada conclusão de que são antagônicos. Ora, a análise e interpretação de preceitos constitucionais nunca devem ser excludentes, isto é, a aplicação de um direito não o exclui os demais. Pelo contrário, a interpretação e aplicação de um direito fundamental sempre será

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MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. Ed. 4. Salvador: Editora Jus Podivm, 2016. P. 1272

conciliatória com os demais direitos fundamentais, no máximo apenas impondo limites uns aos outros: “No conflito entre princípios, deve-se buscar a conciliação entre eles, uma aplicação de cada qual em extensões variadas, segundo a respectiva relevância no caso concreto, sem que se tenha um dos princípios como excluído do ordenamento jurídico por irremediável contradição com o outro. [...] O juízo de ponderação a ser exercido liga-se ao princípio da proporcionalidade, que exige que o sacrifício de um direito seja útil para a solução do problema, que não haja outro meio menos danoso para atingir o resultado desejado e que seja proporcional em sentido estrito, isto é, que o ônus imposto ao sacrificado não sobreleve o 6 benefício que se pretende obter com a solução.”

Sendo assim, no conflito entre o direito ao esquecimento e a liberdade de expressão, será sempre importante que se faça a ponderação no caso concreto, nunca em abstrato, dos princípios, sempre tendo em vista os 4 requisitos acima elencados e necessários ao reconhecimento do direito ao esquecimento, isto é, a informação veiculada precisa ser referente a vida privada/ particular de um pessoa específica que busca a auto conservação de sua imagem, dignidade, privacidade e/ou honra e que o interesse público à informação não mais persista em decorrência do passar do tempo. Vale relembrar que sempre que falamos em direito ao esquecimento, estamos falando da repetição ou persistência da veiculação de informações muito tempo depois de acontecido em que determinadas pessoas participaram. Por esta razão, para que a liberdade de expressão imprensa prevaleça sobre o direito ao esquecimento, faz-se necessário a existência, quando da nova veiculação da informação ou da persistência da mesma, seja importante em razão do interesse público e/ ou do interesse histórico social. Não

existindo

tal

requisito,

deve-se

prevalecer

o

direito

ao

esquecimento, protegendo a privacidade da pessoa. Por último, é importante acrescentar também que, como corolário ao direito da liberdade de expressão, em hipótese alguma se poderia falar em proteção ao direito ao esquecimento por meio de censura prévia.

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MENDES, Gilmar Ferreira, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. Ed. 9. São Paulo : Saraiva, 2014 P. 212.

Isto porque o art. 220 Constituição Federal é muito explícito, assim como o art. 5º, inciso IX, em vedar a censura e a análise prévia de conteúdo por parte do poder estatal, aqui englobado as 3 esferas. Por esta razão, somente é possível falar em tutela do direito ao esquecimento em momento posterior a veiculação da informação indesejada, nunca previamente. Assim, conclui-se que tanto o direito ao esquecimento, como o direito à liberdade de expressão devem ser interpretados conjuntamente, como limitadores um do outro e não como paradoxais, mas somente sendo possíveis a confrontação de tais princípios no caso concreto, nunca em abstrato.

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