Direito da Energia e auxílios de Estado Miguel Moura e Silva Professor, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
FDUL – 23-11-2015
Miguel Moura e Silva – FDUL/CIDEEFF
Direito da Energia e auxílios de Estado 1. Introdução 2. O regime dos auxílios de Estado na União Europeia e em Portugal 3. As Orientações da Comissão de 2014 4. O inquérito sectorial sobre auxílios à adequação de capacidade 5. Conclusões
1. Introdução
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Introdução • Importância do sector da energia leva à intervenção pública
por razões económicas, sociais, ambientais e estratégicas; • A criação de um mercado interno no sector da energia supõe uma opção pelo recurso a instrumentos de mercado; • O funcionamento do mercado emerge como parâmetro de avaliação das políticas públicas: correção de falhas de mercado (externalidades positivas e negativas; assimetria de informação; ação coletiva e coordenação); exigência de proporcionalidade; avaliação de impacto
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Introdução • Nova estrutura de competências: mercado interno e
energia são competências partilhadas [art. 4.º, n.º 2, als. a) e i) TFUE]: do ponto de vista institucional implica um modelo de “multilevel governance” que tem de lidar com as tensões inerentes num sistema complexo (fins, competências e atores); • Objetivos da União: n.º 1 do art. 194.º TFUE; • Limitações dos mecanismos institucionais: • 2.º parágrafo do n.º 2: direitos dos Estados; • N.º 3: medidas essencialmente fiscais (unanimidade);
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Introdução • Os auxílios de Estado são um dos instrumentos de
intervenção pública mais relevantes para a correção de falhas de mercado e a promoção de objetivos económicos, sociais e ambientais; • Segundo um estudo encomendado pela CE (Ecofys 2014) os subsídios e outras medidas de apoio da UE e dos EM ao sector da energia: representam um valor de cerca de € 122 mil milhões (UE28), dos quais € 41 mil milhões são apoios às energias renováveis; • Mas os auxílios de Estado são abrangidos por regras que constituem uma competência exclusiva da UE
2. O regime de auxílios de Estado na UE e em Portugal
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UE • O art. 107.º TFUE considera incompatíveis com o mercado
interno “os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções”, na medida em que afetem o comércio entre Estados (n.º 1); • Os auxílios abrangidos pela proibição do n.º 1 são objeto de derrogação ope legis nos casos previstos no n.º 2 (e.g. Catástrofes naturais) e podem ser excecionados pelo n.º 3 mediante uma decisão da Comissão ou por efeito de um regulamento do Conselho (Regulamento n.º 994/98);
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UE • Os novos auxílios têm de ser notificados à Comissão nos
termos do n.º 3 do art. 108.º TFUE (a menos que estejam isentos por serem de minimis – menos de €200 mil por empresa durante 3 anos), por estarem abrangidos por um regulamento de isenção ou por estarem integrados num sistema previamente autorizado). • A concessão de um auxílio que não tenha sido notificado constitui uma violação daquela disposição (que tem efeito direto) e pode levar a Comissão a exigir a sua devolução, caso o considere incompatível com o art. 107.º (art. 14.º, Regulamento n.º 658/1999).
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Conceito de auxílio: geral • Intervenção do Estado ou empregando recursos estatais; • Suscetível de afetar as trocas comerciais; • Que conceda uma vantagem ao seu beneficiário
(seletividade); • Falseie ou ameace falsear a concorrência;
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Conceito de auxílio: energia • Acórdão PreussenElektra (2001): obrigação de compra
com recursos próprios das empresas distribuidoras • Acórdão Essent (2008): financiamento através de um suplemento de preço imposto pelo Estado aos compradores de eletricidade constitutivo de um imposto e ficando os fundos obtidos sob o controlo do Estado constitui uma intervenção do Estado;
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Conceito de auxílio: energia • Acórdão Vent de colère (2013): mecanismo de
compensação integral de custos adicionais impostos por uma obrigação de compra de energia elétrica de origem eólica a um preço superior ao mercado e cujo financiamento é suportado por todos os consumidores finais de eletricidade constitui uma intervenção através de recursos estatais: • Recursos estatais: inclui vantagens conferidas por um meio de um
organismo, público ou privado, designado pelo Estado para gerir o auxílio; • Basta que os meios financeiros estejam sob controlo público: no caso, as receitas (contribuições obrigatórias) são atribuídas à Caisse des dépôts et consignations; • Garantia pelo Estado de cobertura integral dos custos.
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UE • Modernização do sistema de controlo de auxílios de Estado
– 2012 – articulação com a estratégia Europa 2020; • Reforço do mercado interno; • Concentração de meios nos casos com maior impacto; • Agilização processual e decisões mais céleres; • Novas Orientações: Energia e ambiente - 2014
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Portugal • O n.º 1 do art. 65.º da Lei n.º 19/2012 estabelece que “os
auxílios a empresas concedidos pelo Estado ou qualquer outro ente público não devem restringir, distorcer, ou afetar de forma sensível a concorrência no todo ou em parte substancial do mercado nacional”; • Ao contrário do TFUE não existe uma proibição desses auxílios: a Autoridade da Concorrência pode endereçar ao Governo ou qualquer outro ente público “as recomendações que entenda necessárias para eliminar os efeitos negativos sobre a concorrência” (n.º 2); • Acompanhamento pela AdC que pode pedir informações sobre a
implementação das recomendações (n.º 3); • Divulgação na página da AdC;
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Portugal • Sector da energia: • Recomendação de 25.11.2013 relativa aos Custos para a
Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) (Disponível em: http://www.concorrencia.pt/vPT/Estudos_e_Publicacoes/ Recomendacoes_e_Pareceres/Documents/ Recomendacao_2013_01.pdf): Risco de sobrecompensação no modo de cálculo da revisibilidade CMEC: • Recomenda a alteração do mecanismo de revisibilidade, o pedido de
uma auditoria para avaliação do risco de sobrecompensação e apuramento de auxílios concedidos no passado; avaliação do risco de sobrecompensação; notificação da revisão à Comissão Europeia.
3. As Orientações da Comissão de 2014
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Preparação das Orientações • Comunicação da Comissão – Delivering the internal electricity
market and making the most of public intervention (2013): repensar a intervenção pública no sector da energia: • Justificação da intervenção: identificação de um problema específico e
respetivas causas e demonstração de que o mercado interno não o resolve; • Articulação entre os vários objetivos de política pública (e.g. segurança energética e proteção ambiental); • Ponderação de alternativas; • Minimização dos impactos nos sistemas elétricos e na concorrência; • Redução de custos: leilões, concorrência entre tecnologias; • Ponderação dos custos para os consumidores (empresas e particulares) • Monitorização, avaliação e extinção dos apoios;
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Orientações Energia e Ambiente • Os regimes de apoio às energias renováveis constituem
um elemento central: “It is time for renewables to join the market” (Comissário Almunia 2014) (v. § 108 Orientações); • Objetivos da Estratégia Europa 2020 e Quadro 2030; • Articulação dos objetivos ambientais e energéticos; • Em vigor desde 1.7.2014 (substituindo as Orientações sobre auxílios ambientais de 2008); • Exclusões (entre outras): • Auxílios à extração de combustíveis fósseis; • Energia nuclear – um dos aspetos mais controversos das Orientações
(e.g. auxílios do Reino Unido à construção da central de Hinkley Point aprovados em outubro de 2014).
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Orientações Energia e Ambiente • Âmbito de aplicação (1.1 e 1.2.): auxílios de Estado
concedidos com objetivos de proteção ambiental ou energéticos em todos os sectores regulados pelo TFUE, desde que as medidas estejam previstas na secção 1.2 (exclui, e.g., custos irrecuperáveis); • Medidas notificáveis: as que sendo abrangidas pela secção 1.2 ultrapassem os limiares indicados no §20 e não sejam concedidas por um processo de “concurso competitivo”;
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Orientações Energia e Ambiente • Compatibilidade com o art. 107.º, n.º 3, al. c)
(desenvolvimento de certas atividades económicas ou regiões): o auxílio deve permitir alcançar os objetivos ambientais ou energéticos sem afetar negativamente as condições das trocas comerciais numa medida contrária ao interesse comum;
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Princípios de apreciação comuns • Contribuição para um objetivo de interesse comum
claramente definido: sistema energético competitivo, sustentável e seguro num mercado da União; • Necessidade de intervenção do Estado; • Adequação da medida de auxílio; • Efeito de incentivo; • Proporcionalidade dos auxílios; • Prevenção de efeitos negativos indesejados na concorrênia e no comércio; • Transparência dos auxílios. • Possibilidade de avaliação ex post para alguns auxílios; • Compatibilidade com o direito geral da União (e.g. proibição de
discriminações fiscais – art. 110.º TFUE)
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Regimes específicos • Auxílios à energia a partir de fontes renováveis (3.3); • Medidas de eficiência energética, incluindo cogeração
(3.4); • Auxílios à eficiência dos recursos, em especial gestão de resíduos (3.5); • Auxílios à captura e armazenamento de carbono (3.6); • Reduções ou isenções de impostos ambientais e financiamento de apoio a fontes renováveis (3.7); • Auxílios a infraestruturas energéticas (3.8); • Auxílios à adequação da produção (3.9); • Regimes de autorizações negociáveis (3.10); • Auxílios à relocalização de empresas (3.11).
4. O inquérito sectorial: auxílios à adequação de capacidade
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Inquérito sectorial – adequação de capacidade • Novo instrumento no domínio dos auxílios de Estado:
introduzido no Regulamento n.º 659/1999 pelo Regulamento 734/2013: art. 20.º-A: quando exista fundamento para uma suspeita razoável de que: • as medidas de auxílio estatal num determinado sector ou com base
num determinado instrumento de auxílio são suscetíveis de restringir ou distorcer efetivamente a concorrência no mercado interno em vários Estados-Membros ou que • as medidas de auxílio existentes num determinado sector em vários Estados-Membros não são, ou deixaram de ser, compatíveis com o mercado interno.
• As informações obtidas podem ser usadas em processos
relativos a auxílios específicos: já está em curso uma investigação quanto aos planos da França (SA.39621);
5. Conclusões
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Conclusões • A Comissão propõe-se usar o regime de auxílios de Estado
como um instrumento de coordenação das intervenções públicas no sector; • Apesar dos limites do quadro “constitucional”, a introdução de uma metodologia de Regulatory Impact Assessment na avaliação dos auxílios pode contribuir para tornar mais evidentes os limites do atual sistema e assim servir como fundamento para reformas no sentido da “europeização” dos regimes de incentivos; • A política de concorrência, em todas as suas vertentes, continua a servir como um instrumento para a promoção de um mercado mais integrado e competitivo, tendo em conta os objetivos económicos, sociais e ambientais.
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Obrigado • Miguel Moura e Silva –
[email protected] • Social Science Resarch Network: http://ssrn.com/author=358707 • Academia.edu: https://comparatistas.academia.edu/MiguelMouraESilva
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Indicações bibliográficas • L. Hancher, T. Ottervanger, P.J. Slot, EU State Aids, Londres: Sweet & Maxwell,
2012. • E. Szyszczak, “Time for Renewables to Join the Market: the New Guidelines on
State Aid for Environmental Protection and Energy”, Journal of European Competition Law & Practice, vol. 5, n.º 9, 2014, pp. 616-623. • Comunicação da Comissão – Orientações relativas a auxílios estatais à proteção
ambiental e à energia 2014-2020, J.O. C 200, de 28.6.2014, pp. 1-55. • ECOFYS, Subsidies and Costs of EU Energy – Final Report, Estudo encomendado
pela Comissão Europeia, 11 de novembro de 2014 (disponível em https://ec.europa.eu/energy/).