Direito de arrependimento deve ser respeitado (também) nos contratos de consórcios particulares - Migalhas de Peso

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17/01/2017

Direito de arrependimento deve ser respeitado (também) nos contratos de consórcios particulares ­ Migalhas de Peso

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Terça­feira, 17 de janeiro de 2017

Direito de arrependimento deve ser respeitado (também) nos contratos de consórcios particulares Jonas Sales Fernandes da Silva e Júlio Edstron Secundino Santos A negação do direito de arrependimento é uma afronta tanto à boa fé contratual, quanto a uma norma vigente. sexta­feira, 13 de janeiro de 2017

Devido, em grande medida, à crise financeira brasileira e a mudança estrutural da política macroeconômica de crédito  observada  nos  últimos  anos,  consumidores  se  valem  cada  vez  mais  dos  consórcios  no  intuito  de autofinanciar a aquisição de bens ou serviços. Nesse sentido é que a Associação Brasileira de Associadas de Consórcio (ABAC) computou, até maio de 2016, que 7,1 milhões de brasileiros participavam de alguma forma de consórcio privado, número bem maior que os 5,3 milhões aferidos pela mesma associação em 20131.  O  consórcio  particular  caracteriza­se  pela  reunião  de  pessoas  físicas  e/ou  jurídicas  que,  constituindo  um grupo, por um determinado período de tempo e com número de cotas previamente especificadas, contribuem periodicamente  com  um  certo  valor  em  percentual  destinado  a  um  fundo  comum  visando  proporcionar  aos seus  membros,  quando  de  sua  contemplação,  um  crédito  de  valor  igual  ao  discriminado  na  opção  feita  pelo consorciado.  Quanto à adesão aos consórcios, na prática as administradoras, autorizadas a operar pelo Banco Central, se utilizam  da  oferta  por  meio  de  seus  sites,  malas  diretas  e  principalmente  por  contato  telefônico,  opções  nas quais  o  consumidor,  no  calor  do  momento  pode  ser  compelido  a  aceitar  vantagens  que  podem  não  ser sustentáveis  ao  médio  e  longo  prazo.  Para  os  vulneráveis  que  assim  agem,  a  legislação  consumerista consagra talvez seu instituto mais original2, qual seja, o direito de arrependimento3.  Em outras palavras, tem­se que geralmente o consumidor recebe uma ligação, sem saber como a empresa de consórcios  conseguiu  o  seu  número,  com  o  oferecimento  de  condições  especiais,  principalmente  quanto  ao acesso  ao  crédito  e  baixas  taxas  de  juros,  para  que  ele  “adquira”  o  direito  de  participar  daquele  negócio jurídico.  Assim,  muitas  vezes  por  conta  das  circunstâncias,  impulsionado  por  uma  propaganda  motivante acaba aceitando o negócio proposto.  Porém, ao analisar com mais calma, exercendo o seu período de reflexão, o consorciado/consumidor percebe que,  por  diversos  motivos,  normalmente  pela  verificação  de  um  risco  real  de  seu  inadimplemento  ou  uma onerosidade  incompatível  com  os  seus  rendimentos,  o  consumidor  vacila  e  se  arrepende  do  seu  ato, nascendo, nesse momento, desde que seja no referido prazo legal de 7 dias previsto no CDC, o seu sagrado direito de arrependimento.  Mas o que se tem percebido recentemente é o raso argumento das empresas de consórcio em negar o direito de arrependimento do consumidor, mesmo com a expressa previsão legal e ao arrepio do direito, quando ele participa  (geralmente  de  maneira  tácita,  sem  ter  de  fato  conhecimento  do  que  se  passa)  de  assembleias, destinadas,  conforme  art.  8.º  da  lei  11.795/08,  a  apreciação  de  contas  prestadas  pela  administradora  e  a realização de contemplações.  Ora,  a  negação  do  direito  de  arrependimento  é  uma  afronta  tanto  à  boa  fé  contratual,  quanto  a  uma  norma vigente ­ e cogente ­ do Direito brasileiro, não podendo prevalecer no plano concreto4.  Nesse  particular,  é  inequívoco  o  entendimento  da  doutrina  brasileira,  conforme  se  observa,  verbi  gratia,  na doutrina de Bruno Miragem, para quem  "O  direito  de  desistir  do  contrato  não  está  condicionado  a  qualquer  espécie  de  situação,  quanto  à existência de vícios ou demonstração de equívoco quanto às qualidades do produto ou serviço. Basta que haja a decisão do consumidor, sem a necessidade de motivá­la ao fornecedor. Esta ausência de motivação, por sua vez,  não  tem  por  finalidade  promover  decisão  arbitrária  do  consumidor,  senão  de  impedir  que  o  fornecedor http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI251785,81042­Direito+de+arrependimento+deve+ser+respeitado+tambem+nos+contratos+de

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possa evitar ou dificultar o exercício do direito, mediante a contradição ou impugnação dos motivos alegados por quem desista do contrato. Por esta razão, o exercício do direito fica limitado exclusivamente ao prazo fixado em lei."5 (grifamos).  De igual modo, Paulo Roque Khouri, apoiado em doutrina portuguesa, afirma ser o direito de arrependimento o instituto mais original do direito do consumidor, por outorgar ao consumidor um direito potestativo de resolver o contrato  no  prazo  legal  de  reflexão  sem  ter  de  arcar  com  ônus  contratuais  de  qualquer  resolução  por inadimplemento (multas, perdas, danos etc.)6.  Para  além  do  que  reza  a  doutrina  pátria,  a  própria  lei  11.795/08,  que  dispõe  sobre  o  sistema  de  consórcio brasileiro, foi – após inúmeras campanhas de PROCONs e entidades de defesa do consumidor7 ­ vetada em seu § 2º do art. 10, o qual previa:  Art. 10, § 2o Caso seja o contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão, ou a proposta de adesão assinados,  em  conjunto  ou  separadamente,  fora  do  estabelecimento  da  administradora,  o  contratante  ou proponente  poderá  dele  desistir,  no  prazo  de  7  dias,  contado  de  sua  assinatura,  desde  que  não  tenha participado  de  assembléia  de  contemplação,  devendo­se:  I  –  eliminar  qualquer  vínculo  do  contratante  ou proponente com o grupo de consórcio; II – restituir­lhe as importâncias pagas a qualquer título, acrescida dos rendimentos da aplicação financeira a que estão sujeitos os recursos dos consorciados enquanto não utilizados, no prazo de até 3 dias úteis, contados da data da formalização da desistência.8 (negritamos).  Patente, portanto, e de clareza solar, que o parágrafo trazido acima está em perfeita consonância com o que ora  se  defende,  isto  é,  favoravelmente  ao  consorciado/consumidor,  em  evidente  respeito  ao  direito  de arrependimento,  com  devolução  de  valores  eventualmente  pagos  pelo  consorciado,  em  consonância  com  o art. 49 do CDC.  Ademais,  com  o  devido  respeito  a  quem  pensa  de  maneira  diversa,  afirmar  que  "o  interesse  do  grupo prevalece sobre o do consorciado individualmente considerado, exatamente pelo fato de que essa quantidade de  pessoas  deve  ser  protegida  ante  o  interesse  de  um  (ou  poucos)  que  podem  prejudicá­los"9  é verdadeiramente  ir  na  contramão  de  todo  o  sistema  de  direito  pátrio,  bem  como  da  evolução  que  visa  dar eficiência a defensa de los débiles, quais sejam, os vulneráveis consumidores brasileiros.10  Ainda de forma didática para que não restem dúvidas, a análise de constitucionalidade prévia da Presidência da República identificou na lei de consórcios uma flagrante inconstitucionalidade, no sentido de que o direito de arrependimento é uma norma de caráter público e, portanto, não pode ser derrogada por uma ação privada.  Além  disso,  não  é  outra  a  inteligência  da  razão  de  veto  emitida  pelo  Presidente  da  República  à  época  da retirada do parágrafo 2º do art. 10, antes da promulgação da lei 11.795/08, conforme se lê:  "O  §  2o  do  art.  10  estipula  o  prazo  de  7  dias  para  a  desistência  do  contrato  que  foi  firmado  fora  do estabelecimento comercial. Entretanto, caso o consorciado tenha participado de assembleia de contemplação, não poderá exercer seu direito de arrependimento. O art. 49 do CDC assegura um prazo legal de 7 dias para que o consumidor manifeste sua intenção de desistir do contrato. Referido dispositivo inovou o ordenamento jurídico  pátrio  e  instituiu  um  prazo  obrigatório  para  a  reflexão  a  respeito  do  negócio  realizado.  O  direito  de arrependimento  constitui  uma  importante  faculdade  do  consumidor,  sendo  inadmissível  a  imposição  de condição para o seu pleno exercício. Daí porque também se recomenda o veto do dispositivo."11 Por fim, também da jurisprudência brasileira colhe­se, por exemplo, o seguinte julgado, que deve ser tomado como norte, pois observa que nos contratos de seguro, especificamente na contratação de consórcio realizada fora do estabelecimento comercial, o prazo de 7 dias para seu cancelamento é imodificável. Veja­se:  De acordo com o art. 49 do CDC "o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura  ou  do  ato  de  recebimento  do  produto  ou  serviço,  sempre  que  a  contratação  de  fornecimento  de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio". In casu, a reclamante fez o primeiro contato com a vendedora por telefone e finalizou as tratativas no feirão, além disso,  assinou  o  contrato  definitivo  em  sua  residência.  Portanto,  aplicável  o  disposto  no  parágrafo  único  do referido dispositivo consumerista, o qual prevê que se o consumidor exercitar o direito de arrependimento, os valores  eventualmente  pagos,  a  qualquer  título,  serão  devolvidos,  de  imediato,  monetariamente  atualizados. Assim,  embora  trate­se  de  contrato  de  consórcio,  a  restituição  do  valor  pago  pela  reclamante  deve  ser procedida de forma imediata e integral, tendo em vista a condição sui generis em que foi celebrado. Pelo que consta  nos  autos  a  reclamante  foi  compelida  de  forma  agressiva  a  firmar  contrato  de  adesão,  veja­se  que  há http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI251785,81042­Direito+de+arrependimento+deve+ser+respeitado+tambem+nos+contratos+de

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indícios  contundentes  de  que  a  vendedora  da  empresa  reclamada  levou  a  reclamante  até  a  agência  bancária para efetuar o pagamento e, com isso, formalizar a contratação. Restou evidenciado que a consumidora, pessoa idosa e com pouca instrução, foi levada a contratar o consórcio sem ter o devido conhecimento das obrigações futuras que este acarretava. De acordo com o art. 39, inciso IV, do CDC configura prática abusiva prevalecer­ se  da  fraqueza  ou  ignorância  do  consumidor,  tendo  em  vista  sua  idade,  saúde,  conhecimento  ou  condição social,  para  impingir­lhe  seus  produtos  ou  serviços.  Falha  na  prestação  dos  serviços,  dever  de  indenizar configurado. Responsabilidade objetiva, nos termos dos arts. 14 do CDC.12  Conclui­se,  portanto,  por  entender  que  não  há  razões  para  se  obstar  o  ressarcimento  ao  consumidor devidamente  atualizado  nos  termos  do  parágrafo  único  do  art.  49  do  CDC,  e  igualmente  seu  exercício  de direito de arrependimento disposto em norma cogente de nosso ordenamento pátrio, ao simples argumento de que  o  consorciado  participou  de  assembleia  durante  o  prazo  legal  de  7  dias  após  ter  firmado  contrato  de consórcio.  __________  1 Disponível em: . Acesso em 2/1/17.  2 Afirmação feita com apoio na doutrina portuguesa de Carlos Ferreira de Almeida, vide KHOURI, Paulo Roberto Roque Antonio. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 87.  3 Lei 8.078/90 ­ CDC – Art. 49 ­ O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.  4 Nesse sentido deve­se ter em consideração a afirmação de Claudia Lima Marques referente aos contratos de consumo de consórcio,  in  verbis  “(...)  pelos  abusos  que  já  ocorreram  neste  setor,  muito  salutar  que  se  estabeleça  uma  equidade,  um equilíbrio  obrigatório  nestes  contratos  de  adesão  através  das  normas  do  CDC.  O  Código  impõe  maior  boa­fé  e  lealdade também quando da formação desses contratos e da informação do consumidor.” In MARQUES, Claudia Lima. Contratos no  Código  de  Defesa  do  Consumidor:  o  novo  regime  das  relações  contratuais.  7ª  ed.  São  Paulo:  Editora  Revista  dos Tribunais, 2016, p. 606.  5 MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 417.  6  KHOURI,  Paulo  Roberto  Roque  Antonio.  Direito  do  consumidor:  contratos,  responsabilidade  civil  e  defesa  do consumidor. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 87. 7  Como  exemplo  do  que  ora  se  afirma:  Lei  dos  Consórcios,  na  qual  se  lê,  in  verbis:  “Outro  preocupante  dispositivo contrário às disposições do CDC, também foi vetado: o parágrafo 2º do artigo 10 do PL previa prazo de sete dias, a partir da assinatura do contrato, para a desistência de negócio realizado fora do estabelecimento da administradora. Entretanto, em caso de participação do consorciado em Assembléia de Contemplação, tal direito não poderia ser exercido. O artigo 49 do CDC garante ao consumidor o prazo legal de sete dias para a desistência do negócio realizado fora do estabelecimento comercial,  não  exigindo  qualquer  outra  condição  ao  consumidor  para  seu  pleno  exercício.  Com  o  veto,  o  consumidor manterá seu direito de desistência nos termos da lei.”. Clique aqui. Acesso em 26/12/16.  8 Razões de veto. lei 11.795/08. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 26/12/16.  9 Nesse sentido JUNIOR, José Tito de Aguiar. Direito ao arrependimento do CDC no sistema de consórcio.  10  CDC  ­  Art.  4º  A  Política  Nacional  das  Relações  de  Consumo  tem  por  objetivo  o  atendimento  das  necessidades  dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I ­ reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;  11 Razão do veto. Disponível em: Clique aqui . Acesso em 26/12/16.  12  Recurso  Inominado  0016369­65.2015.8.16.0182.  Origem:  11º  JUIZADO  ESPECIAL  CÍVEL  DE  CURITIBA. Recorrentes:  MARIA  DE  LOURDES  DA  SILVA  e  UNILANCE  ADMINISTRADORA  DE  CONSÓRCIOS  LTDA. Recorridos: OS MESMOS. Juiz Relator: Fernando Swain Ganem. Curitiba, 2/6/16  __________ 

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*Jonas Sales é advogado graduando em Direito pela UCB. Membro do grupo de pesquisa Núcleo de Estudos e Pesquisas Avançadas do Terceiro Setor (NEPATS) da UCB/DF. Associado do BRASILCON.  *Júlio Edstron é advogado doutorando em Direito pelo UniCEUB. Mestre em Direito Internacional Econômico pela  UCB/DF.  Professor  dos  cursos  de  graduação  em  Direito  e  Relações  Internacionais  e  especialização  da UCB/DF.  Membro  dos  grupos  de  pesquisa  NEPATS  da  UCB;  Direito  e  Religião,  Políticas  Públicas  do UniCEUB. Associado do BRASILCON.

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