DIREITO E IMAGINÁRIO: AS CONTRIBUIÇÕES DA LITERATURA PARA A FORMAÇÃO DO JURISTA A PARTIR DA DESCONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO SOCIAL

July 15, 2017 | Autor: Amanda Muniz | Categoria: Law and Literature, Imaginarios sociales, Direito e Literatura
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Coleção Pensando o Direito no Século XXI Volume IX

Conhecer Direito III

Anais do I Encontro Brasileiro de Pesquisa e Epistemologia Jurídica

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Reitora Roselane Neckel Vice-Reitora Lúcia Helena Pacheco CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS Diretor Luis Carlos Cancellier de Olivo Vice-Diretor Ubaldo Cesar Balthazar PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO Coordenador Luiz Otávio Pimentel Subcoordenador Arno Dal Ri Júnior NÚCLEO DE ESTUDOS CONHECER DIREITO Coordenador Horácio Wanderlei Rodrigues Conselho Editorial da Coleção Aldacy Coutinho (Brasil) Alfonso de Julios-Campuzano (Espanha) Álvaro Sanchez Bravo (Espanha) Andrés Botero Bernal (Colômbia) Anna Romano (Itália) Antonio Carlos Wolkmer (Brasil) Antonio Pena Freire (Espanha) Augusto Jaeger Júnior (Brasil) Cláudia Rosane Roesler (Brasil) David Sanchez Rubio (Espanha) Fernando Galindo (Espanha) Filippo Satta (Itália) Friedrich Müller (Alemanha)

Jesús Antonio de La Torre Rangel (México) José Abreu Faria Bilhim (Portugal) José Calvo González (Espanha) José Luis Serrano (Espanha) José Noronha Rodrigues (Portugal) Juan Ruiz Manero (Espanha) Luigi Ferrajoli (Itália) Luis Carlos Cancellier de Olivo (Brasil) Manuel Atienza Rodríguez (Espanha) Peter Häberle (Alemanha) Ricardo Sebástian Piana (Argentina) Sandra Negro (Argentina) Thomas Simon (Áustria)

Coleção Pensando o Direito no Século XXI Volume IX

Conhecer Direito III

Anais do I Encontro Brasileiro de Pesquisa e Epistemologia Jurídica

Horácio Wanderlei Rodrigues Coordenador

Danilo Christiano Antunes Meira Gabriela Natacha Bechara Luana Renostro Heinen Organizadores

PPGD

Florianópolis, SC, 2015

© 2015 Dos autores

Coordenação Editorial Denise Aparecida Bunn Capa e Projeto Gráfico Rita Castelan Minatto Editoração Claudio José Girardi Revisão Bianca Santos Claudia Leal Estevão

Obra publicada com recursos do PAEP/CAPES C749

Conhecer direito III : Anais do I Encontro Brasileiro de Pesquisa e Epistemologia Jurídica / Horácio Wanderlei Rodrigues, coordenador; Danilo Christiano Antunes Meira, Gabriela Natacha Bechara, Luana Renostro Heinen, organizadores. – Florianópolis : Departamento de Ciências da Administração/UFSC, 2015. 946p. – (Pensando o Direito no Século XXI; v. 9)



Inclui bibliografía ISBN: 978-85-7988-252-4

1. Direito – Congressos. 2. Direito – Metodologia. 3. Teoria do conhecimento. 4. Epistemologia. 5. Teoria crítica. 6. Ciência e direito. I. Rodrigues, Horácio Wandelei. II. Meira, Danilo Christiano Antunes. III. Bechara, Gabriela Natacha. IV. Heinen, Luana Renostro. V. Encontro Brasileiro de Pesquisa e Epistemologia Jurídica ( 1. : 2014 : Florianópolis, SC ). VI. Série. CDU: 340.12 Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071

SUMÁRIO PARTE I – Trabalhos de Conferencistas Estrangeiros

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CAPÍTULO I – LA OPCIÓN CARDINAL PARA LOS DISCURSOS JURÍDICOS: ¿NOVELAS DE CONCEPTOS O UNA TECNOLOGÍA SOCIAL? 29 Enrique P. Haba 1 Introducción 29 2 Fenómenos de «biparticion» en las mentes humanas 34 3 Las «novelas de conceptos» teoréticas 40 4 Las iusnovelaciones se autoconfinan, de hecho, a desplegar unas elucidaciones esencialmente semánticas (estas hacen abstracción de las dimensiones discursivo-pragmáticas –si es que las hay– de las tramas conceptuales presentadas así) 51 5 Excurso: carácter parateologal de esas «storytelling» (y el metodologismo como tentación) 65 6 La alternativa jurídico-realista: encarar el derecho como una «tecnología social» 72 7 Consideraciones finales 83 Apéndice 96 CAPÍTULO II – ¿PODEMOS CONSIDERAR CIENTÍFICA LA DOGMÁTICA DEL DERECHO? Oscar Sarlo 1 Introducción 2 Una situación escandalosa 2.1 Planteamiento del problema 2.2 Ejemplifiquemos con un caso, entre muchos posibles 2.3 Una posible respuesta desde la racionalidad epistémica 2.4 Una dogmática basada en evidencia empírica 2.5 Una dogmática formulada analíticamente 3 Consideraciones finales

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PARTE II – Trabalhos De Conferencistas Nacionais

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CAPÍTULO III – UMA METODOLOGIA PARA A EPISTEMOLOGIA 145 Alexandre Meyer Luz 1 Introdução 145 2 O que é a Epistemologia? 145 3 O que é conhecimento? 147 3.1 Conhecimento é um termo unívoco? 151 3.2 O conhecimento proposicional 153 3.2.1 Breves notas sobre a noção de “verdade” 155 3.3 Conhecimento e subjetivismo 158 3.4 Notas para uma Epistemologia Jurídica 160 CAPÍTULO IV – PARA ENTENDER O DIREITO A PARTIR DA METÁFORA DA TEORIA DOS JOGOS Alexandre Morais da Rosa 1 Introdução 2 O processo a partir da metáfora do jogo 3 A guerra processual 4 Nova dinâmica de compreensão do processo penal 5 Considerações finais CAPÍTULO V – DIREITOS, DEVERES NÃO: O TEOR COGNITIVO DA MORAL MODERNA Delamar José Volpato Dutra 1 Introdução 2 A nova normatividade moderna: os direitos do homem 2.1 O escopo do arbítrio 2.2 Procedimento e positivismo jurídico

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CAPÍTULO VI – DIREITO, MORAL E POLÍTICA: O DEBATE ENTRE AS CORRENTES PROCEDIMENTALISTA E SISTÊMICA Luiz Henrique Urquhart Cadernatori 1 Introdução 2 As observações críticas de Habermas à Teoria de Luhmann 3 As incompletudes da crítica de Habermas a Luhmann 4 A evolução constitucional e seu atual papel ante os paradoxos do direito e da política 5 Considerações finais

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CAPÍTULO VII – A OBJETIVIDADE DO CONHECIMENTO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS 247 Thais Luzia Colaço 1 Introdução 247 2 O sujeito e o objeto de pesquisa nas Ciências Sociais 247 3 A escolha das fontes de pesquisa nas Ciências Sociais 253 4 Considerações finais 263

PARTE III – Trabalhos do NECODI CAPÍTULO VIII – O PACTO DE MEDIOCRIDADE, A PESQUISA EM DIREITO E O CICLO DA PRÁXIS PEDAGÓGICA REFLEXIVA Adriana de Lacerda Rocha 1 Introdução 2 Autorreflexão docente, pesquisa e a práxis pedagógica 3 O pacto de mediocridade e a pesquisa em Direito 4 Considerações finais

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CAPÍTULO IX – DIREITO E IMAGINÁRIO: AS CONTRIBUIÇÕES DA LITERATURA PARA A FORMAÇÃO DO JURISTA A PARTIR DA DESCONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO SOCIAL 289 Amanda Muniz Oliveira 1 Introdução 289 2 Direito e Literatura: perspectivas e possibilidades 290 3 Imaginário social 293 4 As contribuições da Literatura para a formação do jurista a partir da desconstrução do imaginário social 298 5 Considerações finais 302 CAPÍTULO X – O RACIONALISMO ABERTO DE BACHELARD: PROPOSIÇÕES À BUSCA PELO CONHECIMENTO PARA ALÉM DE PRÁTICAS PRAGMÁTICAS INGÊNUAS Andréa de Almeida Leite Marocco 1 Introdução 2 A epistemologia de Bachelard à superação do conhecimento intuitivo 3 Bachelard: trevas e luz 4 Racionalismo aplicado à construção do conhecimento 5 Os obstáculos epistemológicos – obstáculos pedagógicos 6 Considerações finais

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CAPÍTULO XI – ELEMENTOS DA TEORIA DO CONHECIMENTO DE LUDWIK FLECK 327 Danilo Christiano Antunes Meira 1 Introdução 327 2 Quem foi Ludwik Fleck? 328 3 O ponto de partida: a desconstrução do “fato” 333 3.1 A reação de Wassermann e os quatro conceitos de sífilis 337

4 O que, disso, importa à teoria do conhecimento? 4.1 Acoplamentos ativos e passivos 4.2 O cientista individual e a comunidade científica 5 A importância da história do conhecimento para a teoria do conhecimento 6 As protoideias dos conceitos e as suas verdades 7 O caráter histórico do conhecimento 8 Persistência e mudança no estilo de pensamento 9 Considerações finais CAPÍTULO XII – HISTÓRIA DO DIREITO E VERDADE: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA EPISTEMOLÓGICA DE KARL POPPER Gabriela Natacha Bechara 1 Introdução 2 O pensamento epistemológico de Karl Popper 2.1 O problema da demarcação 2.2 Algumas teses paralelas 3 História, Direito e Popper 3.1 História do Direito 4 Considerações finais

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CAPÍTULO XIII – A CIÊNCIA E SUAS CLASSIFICAÇÕES: ONDE FICA A CIÊNCIA DO DIREITO? 381 Horácio Wanderlei Rodrigues Gabriela Goedert Jessica Kindlein Angioletti 1 Introdução 381 2 Conhecimento científico 384 3 O complexo problema da classificação das ciências 389 3.1 Ciências da natureza versus ciências sociais e humanas 389 3.2 Ciências da natureza versus ciências normativas 399

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3.3 Ciência teórica e ciência aplicada 4 Considerações finais

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CAPÍTULO XIV – APONTAMENTOS PARA UMA TEORIA SEMÂNTICA DA VERDADE NO PROCESSO PENAL 419 Leilane Serratine Grubba 1 Introdução 419 2 Processo penal: verdade formal e verdade material 420 3 A definição materialmente adequada e formalmente correta da sentença verdadeira 425 4 A semântica da verdade 430 5 A verdade semântica no processo penal 438 6 Considerações finais 443 CAPÍTULO XV – A EPISTEMOLOGIA JURÍDICA DE HANS KELSEN: O PROBLEMA DA NEUTRALIDADE 449 Luana Renostro Heinen 1 Introdução 449 2 A ciência jurídica normativista de Hans Kelsen e a ideia de neutralidade do cientista 451 3 Uma crítica à ideia de neutralidade na ciência 464 4 A teoria pura do Direito diante da ciência dogmática 471 5 Considerações finais 475 CAPÍTULO XVI – BREVES NOTAS SOBRE O CONHECIMENTO ARROGANTE A PARTIR DA ORDEM ESPONTÂNEA DE HAYEK 481 Renata Ramos 1 Conhecimento arrogante a partir da ordem espontânea de Hayek 485

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CAPÍTULO XVII – TEORIA E PRÁTICA EM IMMANUEL KANT E HANS KELSEN – DE COMO É IMPOSSÍVEL A AFIRMAÇÃO: “A TEORIA DO DIREITO ESTÁ SE AFASTANDO DA PRÁTICA DO DIREITO” 499 Rubin Assis da Silveira Souza 1 Introdução 499 2 Teoria, prática e razão prática em Kant 501 3 Teoria e prática em Kelsen – a interpretação não autêntica e autêntica como referência à distinção entre Teoria pura do Direito e prática do Direito 508 4 Considerações finais 515

PARTE IV – Grupo De Trabalho I: Epistemologia e Pesquisa Jurídica

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CAPÍTULO XVIII – (DE)COLONIALIDADE EPISTÊMICA NA PESQUISA EM DIREITO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS 525 Ademar Pozzatti Junior 1 Introdução 525 2 Colonialidade epistêmica 527 3 (De)colonialidade epistêmica e pesquisa em Direito das relações internacionais 531 3.1 Pedagogia do oprimido 532 3.2 Filosofia da libertação 535 3.3 Teoria da dependência 539 4 Considerações finais 541 CAPÍTULO XIX – CONSTRUÇÃO E AQUISIÇÃO DO CONHECIMENTO: O VIÉS EPISTEMOLÓGICO DIALÉTICO NA MEDIAÇÃO Aline Boschi Moreira Mariah Rausch Pereira 11

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1 Introdução 2 Epistemologia e aquisição do conhecimento 3 Construção do conhecimento na mediação 4 Considerações finais

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CAPÍTULO XX – NOVAS MÍDIAS E TECNOLOGIAS DIGITAIS NA PESQUISA EM DIREITO 565 André Olavo Leite Suelen Carls 1 Introdução 565 2 Tecnologias, pesquisa e Direito 566 3 Mídias e tecnologias de publicação e disseminação de conteúdo 568 3.1 Blogs, vlogs e podcasts 568 3.2 Motores de busca, bibliotecas online e indexadores de conteúdo científico 570 3.3 Motores de busca jurisprudencial 571 4 Tecnologias de organização e compartilhamento de conteúdo 572 4.1 Tecnologias de organização de material bibliográfico 573 4.2 Tecnologias de compartilhamento de conteúdo 573 5 Tecnologias de coleta de dados 575 6 Considerações finais 576 CAPÍTULO XXI – O PENSAMENTO “DECOLONIAL” NA AMÉRICA LATINA 585 Bruno Ferreira Daiane Vidal Maria Aparecida Lucca Caovilla 1 Introdução 585 2 O colonialismo na América Latina 587 3 A América Latina subalternizada: a importância de um pensamento “decolonial” 590 12

4 O novo constitucionalismo latino-americano como prática anticolonial 595 5 Considerações finais 598 CAPÍTULO XXII – A CONTRIBUIÇÃO DA PESQUISA PARA A QUALIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO JURÍDICA BRASILEIRA: DISTRIBUIÇÃO CURRICULAR E REVISÃO NO CONTEÚDO DA DISCIPLINA DE METODOLOGIA 605 Carolina Elisa Suptitz 1 Introdução 605 2 A importância e a (in)suficiência da pesquisa nos cursos de Direito 606 3 Proposta para currículo e conteúdo: a promoção da cultura da pesquisa na educação jurídica 613 4 Considerações finais 617 CAPÍTULO XXIII – ECOLOGIA POLÍTICA E RACIONALIDADE: O PROBLEMA DA JUSTIFICAÇÃO DE VALORES NO DISCURSO JURÍDICO 623 Daniel Fioreze Albano Marcos Bastos Pêpe 1 Introdução 623 2 Epistemologia jurídica entre descrição (dever-ser) e prescrição (ser) 625 3 A perspectiva metodológica do discurso científico 628 4 Considerações finais 632 CAPÍTULO XXIV – UMA ETNOCARTOGRAFIA DA SALA DE AUDIÊNCIA: UMA POSSIBILIDADE METODOLÓGICA PARA AS PESQUISAS JURÍDICAS 643 Ísis de Jesus Garcia 1 Introdução 643

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Etnocartografia O juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher A produção da justiça rizomática Considerações finais

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CAPÍTULO XXV – A EDUCAÇÃO “DECOLONIAL”: UMA PROPOSTA EMANCIPATÓRIA PARA O ENSINO JURÍDICO 663 Ligiane Franceschi Bruno Ferreira Maria Aparecida Lucca Caovilla 1 Introdução 663 2 O saber colonizado da América Latina 664 3 Uma relação entre dominantes e dominados: um modelo a ser superado na educação 667 4 Uma proposta emancipatória: a educação “decolonial” 669 5 Considerações finais 675 CAPÍTULO XXVI – A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO JURÍDICO A PARTIR DA Análise Econômica: DA MAXIMIZAÇÃO DA RIQUEZA AO PRAGMATISMO DE RICHARD POSNER 681 Lyza Anzanello de Azevedo Jéssica Gonçalves 1 Introdução 681 2 A construção do conhecimento jurídico pelo viés epistemológico da Análise Econômica 683 3 A teoria jurídica: entre a maximização da riqueza e o pragmatismo de Richard Posner 687 4 Considerações finais 691

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CAPÍTULO XXVII – EPISTEMOLOGIA DO PROCESSO JUDICIAL 699 Luís Fernando Reis 1 Introdução 699 2 A epistemologia e o pensamento jurídico 702 3 Dogmática e epistemologia 704 4 Metodologia 707 5 Debate em torno da epistemologia no processo 708 6 Considerações finais 709 CAPÍTULO XVIII – NOVOS HORIZONTES EPISTEMOLÓGICOS NO ENSINO JURÍDICO: APORTES DA TEORIA DA COMPLEXIDADE E DA TRANSDISCIPLINARIDADE PARA SUPERAÇÃO DA CRISE EM PESQUISA JURÍDICA 715 Luís Marcelo Mendes Jerônimo Siqueira Tybusch 1 Introdução 715 2 As mazelas do ensino jurídico brasileiro 717 3 A monocultura do conhecimento na pesquisa jurídica 721 4 A teoria da complexidade e da transdisciplinaridade como aporte para a superação da crise no ensino e na pesquisa jurídica 725 5 Considerações finais 728 CAPÍTULO XXIX – A PESQUISA EMPÍRICA NO CONHECIMENTO DO DIREITO: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA 735 Sergio Roberto Lema 1 Introdução 735 2 Breve contextualização teórica 738

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3 Alguns aspectos da metodologia de pesquisa sobre o acesso à justiça nos juizados especiais federais 4 A experiência 5 Considerações finais

PARTE V – Grupo de Trabalho II: hermenêutica e aplicação do direito

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CAPÍTULO XXX – PENSAR SOBRE O DIREITO A PARTIR DOS EFEITOS AMBIENTAIS DO TRABALHO NA MINA DE AMIANTO EM BOM JESUS DA SERRA 757 Carlos Eduardo Soares de Freitas 1 Introdução 757 2 A mina de amianto em Bom Jesus da Serra 758 3 Considerações finais. 773 CAPÍTULO XXXI – A ARQUITETURA POLÍTICA DO DIREITO E A INADEQUAÇÃO FUNDAMENTAL DO UTILITARISMO CLÁSSICO PARA O DIREITO AMBIENTAL 779 Cristiane Derani João da Cruz Gonçalves Neto 1 Introdução 779 2 O utilitarismo 781 3 Modelos políticos, consequências jurídicas 786 4 O mínimo existencial ambiental 790 4 O ambientalismo utilitário 795 5 Considerações finais 797

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CAPÍTULO XXXII – PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ECONÔMICO-SOCIAL (PEES) POSSIBILIDADE EPISTÊMICA PARA O DIREITO SEGUNDO A CIÊNCIA ECONÔMICA 803 Everton das Neves Gonçalves Joana Stelzer 1 Introdução 803 2 Direito, economia e o princípio da eficiência econômico-social 805 3 Considerações finais 812 CAPÍTULO XXXIII – A ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA COMO ELEMENTO LEGITIMADOR DO SOPESAMENTO 819 Fausto Santos de Morais 1 Introdução 819 2 Da lógica à fórmula: o elemento formal da argumentação jurídica de Robert Alexy 820 3 A pretensão de correção como complementação substancial à argumentação jurídica de Robert Alexy 827 4 Considerações finais 830 CAPÍTULO XXXIV – LAW AND ECONOMICS: INSTRUMENTAL HERMENÊUTICO PARA O REPENSAR DO DIREITO Everton das Neves Gonçalves Gibran de Lima de Souza Joana Stelzer 1 Introdução 2 Hermenêutica jurídica e a Law And Economics 3 Histórico da Law and Economics 4 O Teorema de Coase 5 Escassez, maximização do bem-estar e eficiência 6 Considerações finais

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CAPÍTULO XXXV – A PREVISIBILIDADE DA APLICAÇÃO NORMATIVA A PARTIR DAS OBSERVAÇÕES SOBRE SEGUIR AS REGRAS DE WITTGENSTEIN 855 Jonathan Elizondo Orozco 1 Introdução 855 2 As observações sobre “seguir as regras” nas investigações filosóficas 856 3 O platonismo das regras 858 4 A interpretação 861 5 O terceiro momento: a regra como prática 863 6 O formalismo jurídico e o realismo crítico 867 7 Considerações finais 870 CAPÍTULO XXXVI – Análise Econômica DO DIREITO: UMA FERRAMENTA ANALÍTICA DA PRÁTICA JURÍDICA 877 Luís Alexandre Carta Winter Marco Antônio César Villatore Martinho Martins Botelho 1 Introdução 877 2 As noções fundamentais para a aplicação da AED como ferramenta analítica do Direito 878 2.1 A questão do homo oeconomicus e a racionalidade em decisões 879 2.2 Falhas da estrutura sociomercadológica 880 2.3 O problema dos custos de transação 881 3 A razão teleológica da Análise Econômica do Direito na análise de decisões justrabalhistas 882 3.1 A eficiência econômica como axiologia do Direito 883 3.2 A eficiência como valor teleológico do Direito 884 4 Considerações finais 886

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CAPÍTULO XXXVII – O RISCO MORAL COMO ELEMENTO DA EPISTEMOLOGIA JURÍDICA TRABALHISTA Luís Alexandre Carta Winter Marco Antônio César Villatore Martinho Martins Botelho 1 Introdução 2 As abordagens epistemológicas da economia positiva e da economia normativa 3 A Análise Econômica do Direito e a concepção justrabalhista 4 O problema do risco moral na epistemologia do Direito Econômico do Trabalho 5 Considerações finais CAPÍTULO XXXVIII – A HERMENÊUTICA JURÍDICA AMBIENTAL E SUA INFLUÊNCIA NAS DECISÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Paula Galbiatti Silveira 1 Introdução 2 Breves apontamentos sobre a hermenêutica jurídica 3 A hermenêutica jurídica ambiental 4 A mudança do paradigma hermenêutico na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça 5 Considerações finais

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CAPÍTULO XXXIX – AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NA SISTEMÁTICA DO ENTENDIMENTO ADVERSO DA LEI E DO DIREITO 927 Sônia Maria de Oliveira Queiroz Carlos Alberto Dias 1 Introdução 927 2 Desenvolvimento 929 3 Considerações finais 939 19

ORGANIZADORES 943 Horácio Wanderlei Rodrigues (Coordenador) 945 Danilo Christiano Antunes Meira 945 Gabriela Natacha Bechara 946 Luana Renostro Heinen 946

CAPÍTULO IX

Amanda Muniz Oliveira1

1 Introdução O presente artigo tem por foco principal propor a desconstrução do “imaginário social” presente nas representações literárias, a partir do ensino, de forma a proporcionar uma formação crítica-reflexiva do jurista. Objetiva-se ainda destacar a importância do diálogo interdisciplinar entre Direito e Literatura para a ciência jurídica e identificar de que forma essa relação pode ser abordada, seja através de obras cujos enredos se passem em ambientes jurídicos, seja em romances fictícios fantásticos. Inicialmente, cumpre destacar a importância da interdisciplinaridade para o Direito. A tentativa de esvair do estudo jurídico as matérias que não fossem estritamente dessa área culminou no chamado Positivismo Jurídico, para o qual se fazia necessário retirar da órbita do Direito quaisquer conceitos sociológicos, antropológicos e filosóficos, objetivando tornálo uma ciência pura. Tal fato acabou por legitimar verdadeiras atrocidades, vez que, por mais esdrúxulas que as normas Amanda Muniz Oliveira é Advogada. Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá. Pesquisadora Bolsista do Programa “Gestão em Ciência e Tecnologia”, desenvolvido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) no Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG). E-mail: [email protected]. 1

Capítulo IX

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Volume IX – Conhecer Direito III – Anais do I Encontro Brasileiro de Pesquisa e Epistemologia Jurídica

DIREITO E IMAGINÁRIO: AS CONTRIBUIÇÕES DA LITERATURA PARA A FORMAÇÃO DO JURISTA A PARTIR DA DESCONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO SOCIAL

positivas se apresentassem, possuíam validade, devendo ser, portando, cumpridas.

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O movimento pós-positivista contrapôs essas hipóteses, partindo do pressuposto de que, se uma norma fosse destituída de princípios valorativos (e, portando, de matérias pertinentes às ciências sociais e filosóficas), ela poderia ser considerada injusta, não devendo, portanto, ser aplicada. Ocorre que o Direito não pode ser vislumbrado como mera ciência normativa, tal como imaginado pelo movimento positivista, pois isso dependerá da realidade político-social na qual estiver inserido. Para que as normas tenham condições de subsistência em face da realidade, é preciso empreender uma análise de todos os elementos necessários atinentes às situações e forças, cuja atuação afigura-se determinante no funcionamento da vida do Estado. Por isso, o Direito depende das ciências da realidade mais próximas, como a História, a Sociologia e a Economia. Destarte, infere-se que o auxílio de disciplinas diversas é necessário não apenas para o estudo do Direito, mas também para a aplicação da norma ao caso concreto. Com a literatura, não seria diferente. Essa rica área do conhecimento pode contribuir de forma significativa para o estudo da dessa disciplina, seja através da teoria literária, seja através da análise das representações sociais, reflexos de um imaginário social, conforme será demonstrado.

2 Direito e Literatura: perspectivas e possibilidades Segundo Godoy (2007), a relação entre Direito e Literatura foi tema constante na tradição do ocidente em tempos passados,

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A busca por um Direito mais racional é apontada como causa da cisão entre essas áreas do conhecimento humano, pois, de acordo com Godoy (2007), a Literatura foi transferida ao estético puramente artístico, enquanto o Direito foi reservado ao formalismo técnico. Conforme explica Siqueira (2011), com o advento do Positivismo Jurídico3 procurou-se esvair do Direito as matérias que não fossem estritamente jurídicas, inclusive as questões relativas à literatura, metáfora e parábolas. Assim, a reaproximação do Direito e da Literatura apenas tornou-se possível com o surgimento do pós-positivismo4, sendo tal reaproximação marcada notadamente pela emergência do movimento americano conhecido como Law and Literature, o 2 “Aristóteles, ao reportar-se ao ideal do justo meio, enfatiza a moderação como virtude capaz de entrelaçar prudência e o discernimento na ação: a medida exata entre dois extremos. O ser virtuoso adquire, ao agir, a propensão do caráter educado para a moderação.” (BOTO, 2001, p. 127). 3 Galuppo (2002, p. 02) afirma que positivismo jurídico consiste “[...] numa epistemologia e numa ideologia de leitura do direito positivo, essencialmente metafísica, que crê, de uma forma um tanto quanto contraditória com a ideia de mudança inerente ao fenômeno da positivação, na autoexistência do objeto criado pelo homem, notadamente da lei, razão pela qual o Positivismo pretende converter o conhecimento jurídico em ciência”. 4 “O Pós-Positivismo pressupõe que, apenas com a atividade do legislador, o sentido das normas jurídicas é incompleto: o aplicador deve realizar um juízo de adequabilidade da norma ao caso concreto, verificando se as condições de aplicação de uma determinada norma se dão no caso concreto. Em poucas palavras, o Pós-Positivismo recusa ao Direito o estatuto de uma ciência. Nosso saber não é científico. Não precisa sê-lo. Sobretudo não pode sê-lo, se estiver a serviço da emancipação.” (GALUPPO, 2002, p. 07).

Capítulo IX

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vez que o homem das leis também era o homem das letras. A utilização de metáforas para se explicar uma regra de conduta, fosse moral ou jurídica, era uma prática usual, como relembra Ward (2008), referindo-se a Aristóteles e a sua metáfora do justo-meio2, ainda utilizada no meio jurídico, bem como o uso de alegorias, fábulas e contos fantásticos em textos de diversas religiões.

qual ganhou notória repercussão após a publicação do livro The legal imagination, de James Boyd White.

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Na referida obra, White (1980), defende que tanto os textos jurídicos quanto os literários são fundamentados pelas identidades de seus personagens e pelos significados de seus conceitos. Assim, a literatura seria capaz de possibilitar ao jurista uma nova abordagem da ordem legal estabelecida, bem como uma nova visão a respeito do ordenamento jurídico vigente. Importante destacar que o movimento Law and Literature apresenta diversas propostas de estudos cruzados entre essas áreas do conhecimento5, dentre as quais o estudo do Direito na literatura, que resgata e renova a utilização da literatura como ferramenta analítica do Direito. Segundo Olivo (2012, p. 14), A vertente do Direito na Literatura estuda as formas sob as quais o Direito é representado na Literatura. Não se trata somente de procurar representações jurídicas nos textos literários, mas, sobretudo, utilizase das múltiplas perspectivas que a literatura é capaz de oferecer, para fazer desse material uma possibilidade de multiplicar as possibilidades de se pensar, interpretar, criticar e debater o Direito.

Ocorre que as obras literárias estão carregadas de valores, significados e sentidos, sendo diretamente influenciadas pelo contexto histórico-social em que foram escritas. As relações sociais são abarcadas pela literatura e ali retratadas, transmitindo emoções, sentimentos, críticas e mesmo reflexões sobre temas diversos. Sendo o Direito um fenômeno essencialmente social, é possível encontrar em textos fictícios a interpretação do autor sobre os fenômenos jurídicos ocorridos ao seu redor. Segundo Siqueira (2011), diversos foram os estudos acerca da interseção entre Direito e Literatura: o Direito como Literatura, a Literatura como instrumento de mudança do Direito, hermenêutica, direito da literatura, direito e narrativa e muitos outros. 5

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Dessa forma, pode-se afirmar que as mais diversas obras literárias são permeadas de representações sociais. Estas podem ser compreendidas como a manifestação de um “imaginário social”, capaz de influenciar a (e ser influenciado pela) forma por meio da qual a sociedade enxerga diversos temas. Assim, o conceito de “imaginário social” será abordado para, posteriormente, verificar-se as possíveis contribuições que esse imaginário, presente nas narrativas literárias, pode oferecer ao ensino do direito.

3 Imaginário social Antes de se falar em “imaginário social”, faz-se necessária breve abordagem sobre representações sociais, já que, segundo Baczko (1991), ambos tratam-se de conceitos intimamente relacionados. Conforme Pesavento (1995), as representações são traduções mentais de uma realidade exterior percebida, Capítulo IX

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Assim, compreende-se a obra literária como verdadeira testemunha da realidade social na qual está inserida a realidade jurídica. Nesse sentido, Rorty (1991) afirma que, para compreender os problemas que permeiam o século XX, faz-se necessária não apenas a leitura de obras filosóficas e sociológicas, mas também a leitura de obras literárias, já que os mais diversificados gêneros literários atentam-se a demonstrar um retrato social pautado no particular e no específico, permitindo uma abordagem não normativa do direito. Nesse mesmo sentido, West (1993) acredita que as obras literárias devem ser exploradas no intuito de realizar uma crítica ao poder e às instituições políticas, sustentadas pelo Direito. O que se busca, portanto, é utilizar a literatura como instrumento de análise, visando desenvolver nos estudantes de direito a capacidade de enfrentar temas complexos, relativos não só ao Direito, mas também à condição humana.

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conectadas ao processo de abstração. Bordieu (1982) salienta que essas representações envolvem atos de apreciação, conhecimento e reconhecimento, podendo ser identificadas como uma área na qual os indivíduos investem interesse e cultura. Nesse sentido, Pesavento (1995, p.15) complementa: No domínio das representações, as coisas ditas, pensadas e expressas têm um outro sentido além daquele manifesto. [...] Portanto, envolve a relação que se estabelece entre significantes (imagens, palavras) com seus significados (representações, siginificações), processo que envolve uma dimensão simbólica. Nesta articulação feita, a sociedade constrói a sua ordem simbólica, que, se por um lado não é o que se convenciona chamar de real (mas sim uma sua representação), por outro lado é também uma outra forma de existência da realidade histórica [...].

Assim, é preciso ter em mente que as representações sociais são discursos (imagens, textos) que encerram em si um significado que vai além do explícito, fazendo velada remissão a outro discurso, sendo necessário um observador atento para compreendê-las. Esse “outro discurso”, ao qual se remete a representação, é uma determinada mentalidade social, criada e criadora do que se entende por imaginário social. Para Pesavento (1995, p.24), o imaginário é uma [...] representação, evocação, simulação, sentido e significado, jogo de espelhos onde o “verdadeiro” e o aparente se mesclam, estranha composição onde a metade visível evoca qualquer coisa ausente e difícil de perceber. Persegui-lo como objeto de estudo é desvendar um segredo, é buscar um significado oculto, encontrar a chave para desfazer a representação do ser e parecer.

Assim, pode-se compreender o imaginário como um pensamento social coletivo, que se manifesta por meio dos mais diversos tipos de discursos, textuais e imagéticos, definidores da

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Castoriadis (1982) identifica dois tipos complementares de imaginário: o imaginário radical, que se relaciona à capacidade criadora do ser humano, responsável por tornar algo uma coisa que ele jamais foi; e o imaginário efetivo, produto do radical, compreendido como o magma de significações efetivamente utilizadas por uma sociedade. Dessa forma, infere-se que o imaginário é criado (imaginário radical) e frequentemente utilizado (imaginário efetivo), até o ponto em que se torna um verdadeiro dogma, aceito acriticamente e capaz de originar estereótipos. Ocorre que, segundo Córdova (1994, p. 29), em torno do imaginário efetivo “[...] cristalizam [-se] regras, ritos, atos e símbolos, que podem vir a ter o seu sentido [...] cada vez mais obliterado, perdido no tempo”. Compreende-se assim que o imaginário possui um caráter criador (radical) e um caráter mantenedor (efetivo). Observese, pois, que se trata de uma dicotomia entre mudança e permanência, posto que é difícil estabelecer exatamente como e quando um imaginário se forma e se cristaliza. Baczko (1985) procura resolver essa ambivalência ao propor o que chama de “tempo quente”: um tempo propício à criação de novos imaginários, seria o tempo de revoluções, conflitos sociais e comoção de estruturas. Todavia, é preciso ter em mente, conforme salienta Córdova (1994), que a emergência de um novo imaginário não implica renovação absoluta ou mesmo destruição completa do imaginário anterior; o novo imaginário necessita sustentar-se sob as ruínas do antigo para que, mesmo com uma nova aparência, não perca seu completo significado perante a sociedade. É que,

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realidade. Todavia, trata-se de um pensamento oculto, velado, que só pode ser evocado pela imagem e pelo discurso, já que envolve uma significação que foge ao aparente.

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segundo Baczko (1991), faz-se necessária uma “identidade de imaginação”, ou seja, o novo imaginário deve fazer sentido para um determinado grupo social, sob pena de ser rejeitado. Compreendida as relações entre representações sociais e imaginário, resta relacionar esses conceitos à obra literária. Ocorre que a Literatura, chamada por Wigmore (apud Godoy, 2007) de “catálogo de caracteres humanos”, oferece uma visão das mais diversas situações, abrangendo diferentes etnias e classes sociais. Dito de outra forma por Pesavento (2006), “A literatura é, no caso, um discurso privilegiado de acesso ao imaginário das diferentes épocas”. A obra literária contém diversas representações sociais, que remetem a diversos tipos de imaginário social, podendo ser vista, assim, como um veículo de acesso aos imaginários vigentes. Conforme Pesavento (2006), A sintonia fina de uma época, fornecendo uma leitura do presente da escrita, pode ser encontrada em um Balzac ou em um Machado, sem que nos preocupemos com o fato de Capitu, ou do Tio Goriot e de Eugène de Rastignac, terem existido ou não. Existiram enquando possibilidades, como perfis que retraçam sensibilidades. Foram reais na “verdade do simbólico” que expressam, não no acontecer da vida. São dotados de realidade porque encarnam defeitos e virtudes dos humanos, porque nos falam do absurdo da existência, das misérias e das conquistas gratificantes da vida. Porque falam das coisas para além da moral e das normas, para além do confessável, por exemplo.

Observa-se que, mesmo dotada de um caráter fictício, inventado e imaginado, a Literatura evoca representações do real, possibilitando um acesso ao imaginário vigente. Isso porque as obras literárias abordam temas concernetes à condição humana, como um todo, enfrentando temas de interesse social, político e, porque não, jurídico. Como afirmam Leenhardt e Pesavento (1998), as narrativas literárias e históricas são modos 296

Ademais, pode-se dizer que a literatura, como campo do imaginário, abriga a preocupação da verossimilhança e da plausibilidade. Isso porque, mesmo quando a literatura faz remissão a fantasias, ela não se desliga integralmente de temas sociais, políticos, jurídicos, dentre diversos outros, constantes no cotidiano humano não literário. Dessa forma, Pesavento (1995, p.22) afirma que Mesmo o fantástico e o extraordinário manejam com dados reais, transformados e adaptados em combinações várias. A própria potência criadora do imaginário não é concebida num vazio de ideias, coisas ou sensações. Por outro lado, além de seu fio-terra que o liga à realidade, o imaginário comporta um elemento utópico. O imaginário social não se resume às idéias-imagens utópicas, mas elas lhe dão um suporte poderoso, como forma específica de ordenação de sonhos e desejos coletivos.

Assim, compreende-se que o imaginário partilha tanto do real quanto do utópico, representando como as coisas são e, ao mesmo tempo, como deveriam ser. Como exemplo de representação do real, pode-se citar os imaginários relativos ao ciúme, à ganância humana, à traição, aos golpes políticos e mesmo à burocracia absurda típica das lidas jurídicas; e como representação do utópico, podem ser citados os imaginários concernentes aos melodramas, às salvações e resgates miraculosos, ao encontro do amor verdadeiro, enfim, ao final feliz. Feitas essas considerações sobre representações, imaginários e suas relações com a literatura, será demonstrado de que forma essas relações podem auxiliar na formação crítica do jurista. Capítulo IX

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de percepção e leitura do real, capazes de expressar um jogo de forças sociais do poder, tendo estas narrativas igualmente por efeito, socializar os indivíduos, criando condições simbólicas de coesão social.

4 As contribuições da Literatura para a formação do jurista a partir da desconstrução do imaginário social

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Visto que o imaginário e as representações sociais também se manifestam na literatura, entende-se que Siqueira (2011) está correta ao afirmar que o estudo da literatura torna o indivíduo mais apto a lidar com sua própria realidade, vez que instiga um senso de alteridade e sensibilidade, e porque não, o despertar de uma visão crítica sobre o mundo que o cerca. Nesse diapasão, compreende-se o imaginário presente na literatura como reflexo e como criador/modificador da realidade social na qual está inserida a realidade jurídica. Os mais diversificados gêneros literários atentam-se a representações pautadas no particular e no específico, que, se transportadas ao mundo jurídico, permitem uma abordagem não normativa do direito. De acordo com Siqueira (2011, p.49), A característica de denúncia da literatura tem poder de atuar, portanto, como força recriadora de mudanças sociais e jurídicas, sendo capaz de contribuir diretamente à formulação e à elucidação das principais questões relativas à justiça, à lei e ao poder.

Essa possibilidade de transformação social a partir da literatura, ou melhor, a partir do imaginário social presente na literatura, por meio de representações, é abordado por Córdova (1994) ao escrever sobre as possíveis relações entre imaginário e ensino. Segundo ele, o imaginário institui-se de forma tal, baseando-se em antigas tradições e costumes herdados de tempos imemoráveis, que acaba por se tornar um dogma. A reprodução crua desse imaginário que, em um primeiro momento, nega qualquer mudança (pois oriundo de costumes naturalizados), acarreta alienação: torna os indivíduos incapazes 298

Ao citar Castoriadis (1982), Córdova (1994) afirma que apenas reconhecendo o caráter instituído da própria sociedade é que os indivíduos são capazes de perceber que os imaginários são construídos e, portanto, questionáveis. E, para reconhecer tal caráter, o autor propõe a utilização do ensino. A educação emerge, assim, como forma de desalienação, de alteração. Entendendo a educação como uma formação completa do indivíduo, de forma que ele se torne um ser autônomo e reflexivo, Córdova (1994, p. 41) afirma: Faz-se necessário o trabalho de ligação a ser realizado pela pedagogia, sendo paidéia o processo de formação de sujeitos e de coletividade reflexivos. Como isso se faz possível? Tal como no caso da relação entre inconsciente e consciente no plano individual, é impossível viver sem instituições, ou fora de instituições no plano coletivo. As instituições são inerentes à vida coletiva, a sociedade é como instituição ou não é nada. Entretanto, é possível ter com a instituição uma relação diferente. E essa relação pode se tornar diferente quando a lei suprema, identitariamente formulada como “Não discutirás a lei” é substituída, reflexivamente, deliberadamente, explicitamente, por outra: “Obedecerás a lei – mas podes discuti-la”, ou ainda “Podes levantar a questão da justiça da lei – ou de sua conveniência”. A antipedagogia [...] se manifesta na redução do pensamento à impotência, mutilando a imaginação [...], impedindo ou dificultando a capacidade reflexiva própria. Por essa razão, adverte Castoriadis, é de importância capital uma educação não mutilante, não domesticadora, uma educação que seja uma autêntica paidéia.

Observa-se, assim, que a educação exerce papel primordial na desconstrução de imaginários dogmáticos, aceitos acriticamente. Todavia, Córdova (1994) salienta que apenas uma educação não mutilante e não domesticadora é capaz de cumprir com esse objetivo e, infelizmente, uma educação nesses Capítulo IX

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de se questionarem a respeito das origens e razões desses imaginários dogmáticos, posto que são vistos como naturais e não construídos.

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moldes parece ser algo imaginário (fantasioso), sobretudo nos cursos jurídicos. Segundo Rodrigues (2000), o ensino jurídico atual é caracterizado como tradicional e conservador. Trata-se de um ensino dogmático, legalista, redutor: aprende-se a lei, decoramse os códigos. Tal fato é explicado a partir da grande influência que o positivismo jurídico tem exercido sobre o Direito brasileiro, o que contribui, conforme Fagundez (2005), para um Direito redutor de complexidade. Existem as leis; existem os fatos; os fatos são pensados nos liames legais e não além. Esse pensamento influencia diretamente o ensino jurídico, posto que, se o Direito é visto como um conjunto (de leis) a ser aplicado, ele assim será ensinado. O ensino do Direito conservador e tradicionalista afastase, assim, do proposto por Córdova (1994). Para Rodrigues (2000), o ensino restrito da análise normativa afasta-se de questionamentos mais abrangentes, como o da eficácia jurídica e o da própria legitimidade do Direito. Assim, preocupa-se mais com a atividade prática, de aplicação da norma ao caso concreto, do que com a atividade teórica, do como e por que fazer. Isso permite a formação de juristas completamente despreparados para enfrentar a realidade em toda sua plenitude, já que, conforme Fagundez (2005), a complexa realidade social não é autorizada a adentrar aos autos e, para o jurista, o que não está nos autos não está no mundo. Se o jurista é treinado para não questionar dogmas, certamente não questionará imaginários e os aceitará sem reflexão. Os diversos imaginários sociais, que beiram ao senso comum, como, por exemplo, os relativos à ideia de “mulher honesta”, “cidadão de bem” ou “juiz Deus do Olimpo”, tendem a ser não só aceitos, como repassados e cristalizados.

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Importante ressaltar, todavia, que o potencial pedagógico não encontra termo na simples instrumentalidade das narrativas literárias para o direito. A simples apresentação de uma narrativa em nada contribui para uma formação crítica do jurista. Faz-se necessário mais. Saliba (2007), ao escrever sobre a importância do professor em desmistificar imagens estereotipadas, sugere que essas imagens sejam utilizadas nas salas de aula não para ratificação, mas para retificação. A proposta do referido autor é procurar mostrar como determinados estereótipos são criados e, mais importante, por que são criados. Trazendo essa proposta para os estudos de Direito e Literatura, poderiam ser identificadas nos livros algumas representações estereotipadas, frutos de um imaginário social vigente, e desconstruí-las a partir de questões do como e do por que. Assim, personagens como “mulheres desonestas” “vítimas de violência”, “bandidos maus e vivos” e “juízes sagrados”, figuras extremamente estereotipadas, poderiam ser estudadas a partir das seguintes questões: a) Como o personagem x é representado?;b) Por que, ele é representado assim? E é nesse mesmo sentido que se propõe utilizar o imaginário presente na literatura como ferramenta de ensino jurídico, levando em consideração que o estereótipo é um tipo de representação, base de um imaginário, que também (mas não apenas) é reflexo de uma realidade. Poderiam ser evocadas a

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No intuito de amenizar esse processo de irreflexão do mundo, evoca-se assim a literatura, na qual se encontram presentes os mais diversos tipos de imaginários e suas várias representações. Dessa forma, pode-se utilizar a literatura para desmascarar um imaginário vigente, contribuindo, assim, para a formação de juristas mais preparados para atender as demandas sociais.

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sensibilidade e a alteridade do ser, por meio da literatura, para que se refletisse sobre o papel do jurista e mesmo sobre o papel do Direito. O mesmo exemplo é válido para personagens que se relacionam de forma mais indireta com o mundo jurídico: mulheres, homoafetivos, criminosos, árabes etc.; todas essas representações estereotipadas, oriundas do imaginário social, poderiam ser desconstruídas. Dessa forma, haveria grande contribuição para a formação de juristas dotados de um menor número de conceitos dogmáticos e absolutos enraizados, mais abertos ao diálogo, capazes de vislumbrar o outro e, assim, atuar como verdadeiro agente de justiça social. É essa a grande lição que se pode aprender com a desmistificação das certezas e com o estudo do imaginário. Reconhecendo o caráter instituído da realidade e descobrindo que os dogmas são passíveis de questionamento e desconstrução, o jurista poderia, enfim, compreender que, entre a culpa e a inocência, existem mais particularidades do que sonha sua vã consciência.

5 Considerações finais A tentativa de esvair do Direito as matérias que não fossem estritamente jurídicas culminou no chamado Positivismo Jurídico, que defendia a purificação da norma através da exclusão de quaisquer conceitos oriundos das demais áreas do conhecimento. Tal método mostrou-se falho, vez que não respeitava as particularidades de cada caso concreto, fazendo com que, não raras vezes, normas injustas fossem impostas aos cidadãos. Contra esse movimento, insurgiu-se o pós-positivismo, defendendo a necessidade de interdisciplinaridade para aplicação de uma norma justa, que atendesse aos interesses populares. 302

O direito na literatura investiga as questões jurídicas que permeiam as narrativas literárias. Fruto da ação humana, a atividade literária encerra em representações sociais, reflexos de um imaginário social vigente que, assim, terão um impacto sobre a realidade e, independentemente de sua magnitude, poderão ser abordadas pelo Direito. Nesse diapasão, compreende-se a obra literária como verdadeira testemunha da realidade social na qual está inserida a realidade jurídica. Nos mais diversos gêneros literários, podem ser encontradas representações sociais que fazem remissão a diversos assuntos, inclusive jurídicos, permitindo uma abordagem não normativa do direito. No que se refere à desconstrução do imaginário a partir da educação, observou-se que os diversos estereótipos sociais, reforçados e criados pelas representações e imaginários, podem ser duplamente questionados (como e por que foram construídos) de forma a auxiliar na formação crítica do jurista. A ficção encerra em si diversos tipos de imaginários, e analisálos criticamente permite grandes possibilidades de explorações aos estudiosos nessa área, no sentido de formar indivíduos mais críticos.

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Muito se fala da Filosofia, Sociologia e mesmo Antropologia em âmbito jurídico, mas pouco se fala da Literatura – disciplina apta a despertar o a sensibilidade e o senso crítico do jurista.

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