DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO Políticas públicas para efetivação do trabalho decente

June 6, 2017 | Autor: Suzete Reis | Categoria: Child Labour, Direito do Trabalho, Trabalho Decente, Exploração Infantil no Trabalho
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DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO: POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EFETIVAÇãO DO TRABALHO DECENTE NO BRASIL Michel Ferrari Borges dos Santos4 Suzéte da Silva Reis5 Resumo: O presente trabalho objetiva analisar o Direito ao Trabalho Decente, sendo este considerado como o trabalho produtivo remunerado adequadamente, possibilitando a efetividade dos demais direitos sociais dos trabalhadores. Serão analisados, de forma ampla, os direitos hoje existentes, comparando-os na sua trajetória histórica. Posteriormente serão analisadas as políticas públicas para a efetivação do direito fundamental ao trabalho decente, as ações governamentais que giram em torno do direito trabalhista, que depende, portanto, de ações afirmativas para sua concretização. Nessa perspectiva, o direito do trabalho será estudado como forma de concretização de uma vida digna, observando-se os princípios trabalhistas e constitucionais que regem o tema.

Palavras-Chave: Inclusão social. Políticas Públicas. Trabalho Decente. Introdução O trabalho, que sustenta e mantém a grande maioria das famílias, possibilitando a concretização dos direitos fundamentais contidos na Carta Política de 1988, toma grande parte do tempo das pessoas, e, consequentemente, da vida dos trabalhadores. Assim, tendo em vista que o trabalho está presente na vida da maioria

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Graduado em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Aluno do Curso Preparatório da Escola Superior do Ministério Público. Doutora em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Mestre em Direito – Área de Concentração Políticas Públicas de Inclusão Social, pela mesma Universidade. Membro dos Grupos de Pesquisa “Direito, Cidadania e Políticas Públicas” e “Direitos Humanos de Crianças, Adolescentes e Jovens”, ambos ligados ao PPGD – Mestrado e Doutorado em Direito da UNISC. Advogada. Professora de Direito do Trabalho da UNISC. Professora de Cursos de Especialização em diversas instituições de ensino superior. E-mail: [email protected]

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dos indivíduos, bem que grande parte de suas vidas são dedicadas a ele, abordar-se-á, de maneira rápida, a história do Direito Trabalhista para, então, ser feita uma análise do que seria o direito fundamental ao trabalho decente, bem como verificar quais são as políticas públicas estatais que buscam a efetivação desse direito social. Considerando a história do direito do trabalho e toda a evolução dos direitos trabalhistas, bem como sabendo que hoje os direitos e garantias estão amplamente assegurados na Constituição Federal, sendo que tais garantias constitucionais, por si sós, não concretizam os direitos hoje adquiridos, busca-se fazer uma análise das políticas públicas que possibilitam sua efetivação. Pontua-se que o aspecto que será abordado será voltado à concretização do trabalho decente, buscando-se analisar o problema tendo em vista os pressupostos de tal instituto, de acordo com a Constituição Federal de 1988. Salienta-se que os pressupostos do trabalho decente serão devidamente analisados e pontuados de acordo com os grandes doutrinadores trabalhistas hodiernos. Assim, pontuar-se-á o direito fundamental ao trabalho como um dos caminhos para a concretização dos demais direitos previstos na Magna Carta. Nesse sentido, atenta-se ao fato de que a questão histórica do direito trabalhista está presente durante toda a explanação, uma vez que se buscará fazer uma relação entre o direito fundamental ao trabalho decente e os passos que percorreu para se chegar ao seu conceito atual. Ademais, após serem verificados os pressupostos do direito fundamental ao trabalho decente, compreendendo este como sendo um trabalho bem remunerado e que garanta uma vida digna ao trabalhador, tem-se por objetivo identificar as políticas públicas que garantam o trabalho decente, bem como as garantias para um trabalho em condições dignas e seguras, tendo por base, principalmente, o direito dos grupos que, ao longo da história trabalhista, sofreram grande discriminação e exploração, como os negros e as crianças.

1. Direito ao Trabalho Decente como direito Social e sua relação com as Políticas Públicas para sua concretização Observa-se que, segundo Lenza (2011), a partir do século XIX, com a Revolução Industrial europeia, o momento histórico inspirou e impulsionou a luta por direitos sociais. À época, em decorrência das péssimas e desumanas condições de trabalho, surgiram vários movimentos e revoltas sociais, em busca de reivindicações trabalhistas e normas de assistência social. Atenta-se ao fato de que, com a

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crescente produção nas indústrias, a exploração do trabalho humano, de maneira absurdamente indigna, tomou conta dos grandes centros, sendo que não havia respeito algum para com o trabalhador e sua família. Nesse prisma, a intensa exploração evidenciou a injustiça e a luta por direitos sociais, culturais e econômicos. Além disso, a busca pela concretização de direitos coletivos ou de coletividade mostrou-se marcante na época. Ainda segundo assevera Lenza (2011), as Constituições e leis, que foram se aprimorando às reivindicações sociais, ainda que de maneira gradativa, passaram por momentos de baixa normatividade, uma vez que os novos direitos, nelas contidos, exigiam do Estado prestações materiais positivas, objetivando concretizar os direitos sociais (LENZA, 2011, p. 861). Importante ressaltar que tal análise histórica é de essencial retomada nesse momento, uma vez que os direitos sociais e trabalhistas, à época da Revolução Industrial, eram exigidos por não haver respeito para com a dignidade da pessoa humana, pois as pessoas eram tratadas como meros executores de atividades, sem respeito algum à educação infantil, saúde ou até mesmo com a instituição familiar. Ainda hoje esses direitos são objeto de polêmica e discussão, fazendo parte dos chamados direitos de segunda dimensão. É importante salientar que a teoria do contrato social tem fundamental relevância quando se aborda o assunto “direitos sociais”. Na perspectiva histórica, observa-se que restou desgastada a ideia de poder político explicado na vontade divina, no momento em que ocorreu a queda do modelo feudal. Nessa perspectiva, houve uma abertura de espaço para a teoria do contrato social (LEAL, 2009). Assim, deve-se reconhecer a importância da relação entre Estado e cidadão em um Estado Democrático de Direito, atentando-se que os direitos sociais – notadamente os direitos trabalhistas – têm fundamental relevância, sendo o Estado responsável por garantir grande parte dos anseios da sociedade: teoria do contrato social, que, partindo do pressuposto de que o indivíduo está no centro da teoria política, coloca o Estado como sendo criado por um pacto firmado entre homens livres e iguais, que a ele delegam a função de assegurar as suas liberdades e os seus direitos. Cria-se, assim, a ideia de que o Estado é que está a serviço do homem, e não o contrário, o que permite que se imponham, consequentemente, limites às suas atividades e ao seu poder (LEAL, 2009, p. 14).

Atenta-se ao fato de que a concretização dos direitos sociais, notadamente a efetividade do direito fundamental ao trabalho decente, conforme fundamentos previstos na Constituição Federal, exige do Estado prestações positivas para que sejam corretamente efetivados, prestações estas, que podem ser feitas por meio de políticas públicas trabalhistas e sociais.

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O direito fundamental ao trabalho se encontra previsto no rol de direitos sociais constitucionais, previsto no artigo 6º da Carta Maior. Note que o trabalho decente, como direito fundamental, é protegido no texto constitucional de maneira abrangente, sendo a Constituição Federal de 1988, uma carta política que prevê grande parte dos direitos laborais. É essencial que o Estado programe ações positivas que assegurem esses direitos sociais – trabalhistas. Essas ações governamentais seriam as Políticas Públicas que objetivam tornar os direitos efetivos, sendo que, após explanarmos acerca dos direitos de segunda dimensão, abordaremos as políticas públicas de maneira mais específica. Apesar do exposto acerca de ser o Estado protagonista em proporcionar a concretização de direitos fundamentais e sociais, sabemos, evidentemente, que nosso Estado Democrático de Direito é também um Estado Capitalista, sendo o capitalismo um sistema econômico deveras cruel e competitivo. Parece-nos um pouco contraditório tal aspecto, uma vez que, em nosso ordenamento jurídico, temos a Constituição Federal irradiando seus princípios de dignidade da pessoa humana e igualdade para todo sistema normativo e interpretativo, sendo que, ao mesmo tempo, impõe-se um sistema onde, de acordo com o artigo 1º da Carta Magna, os fundamentos da República Federativa do Brasil são, conforme inciso IV, os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa. Vejamos o que expõe Leal: a questão que se coloca é: como conciliar um projeto constitucional includente com um projeto econômico excludente? A resposta, ao que nos parece, está na resistência constitucional, que tem seu fundamento na falta de legitimidade das transformações impostas por essa nova ordem, uma vez que carecem de um substrato sociológico.” (LEAL, 2009, p. 14).

Nessa senda, tomemos sempre como referência o direito fundamental ao trabalho decente, fazendo um comparativo entre tal direito social com a necessidade de o Estado desenvolver políticas públicas capazes de satisfazê-lo. Assim, o Estado não é somente um espectador, devendo agir de maneira ativa nas questões sociais, promovendo bens, serviços e realizando prestações positivas, sendo que tal prestação realiza/deveria realizar uma série de direitos que antes eram negados à população, devido ao não intervencionismo estatal (LEAL, 2009). As políticas públicas que buscam a concretização dos direitos sociais, desenvolvendo a capacidade laborativa dos trabalhadores, asseguram-lhes uma igualdade de condições para exercer suas atividades, remuneração justa e condições dignas de trabalho, possibilitando a inserção do trabalhador no mercado e, consequentemente, sua efetiva participação na sociedade. Nessa senda, procura-se verificar como a promoção do trabalho decente passou a ser compromisso do governo bra-

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sileiro, bem como quais os caminhos traçados pelo governo para que o trabalho decente seja um instituto efetivo no Brasil. O direito do trabalho é um um direito que faz parte da segunda dimensão de garantias fundamentais do indivíduo, chamado também de direito de segunda geração. No Brasil, as Constituições de 1934 e de 1946, mais notadamente esta última, foram as Cartas Políticas que primeiramente buscaram alicerçar seu conteúdo em um Estado de bem-estar social, pois trouxeram em seu texto vários direitos sociais, como aposentadoria, educação, assistência social, bem como os direitos trabalhistas, que representam a segunda geração/dimensão de direitos (MARMELSTEIN, 2013). A segunda dimensão de direitos fundamentais seria composta por direitos econômicos, sociais e culturais, tendo o princípio da igualdade grande relação com tais direitos, uma vez que impulsionou os seus surgimentos. A vertente ou surgimento desses direitos dá-se com a Revolução Industrial, por conta dos problemas sociais que eram evidentes na época (MARMELSTEIN, 2013). Os objetivos dos direitos de segunda geração seriam legitimar o Estado para que programasse tarefas que concretizassem tais garantias fundamentais, assim como diretrizes e deveres, possibilitando a efetividade de gozo pelos seres humanos de seus direitos a uma melhor qualidade de vida, bem como que a dignidade humana fosse alcançada. Atenta-se ao fato de que tal respeito para com os direitos sociais possibilitaria um exercício do direito à liberdade de forma mais ampla e efetiva. Os direitos fundamentais de segunda geração são como um impulso ao desenvolvimento do ser humano, possuindo relação direta com o direito à liberdade, que é inerente ao princípio da dignidade da pessoa humana (MARMELSTEIN, 2013). Atenta-se ao fato de que os direitos sociais, assim como os direitos econômicos e culturais, estão positivados junto aos direitos fundamentais, funcionando como instrumento de concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, conforme exposto. O artigo 6º, da Constituição Federal de 1988, cita quais são os direitos sociais, dentre eles, evidentemente, está o direito ao trabalho. Os artigos 7º ao 11, da Carta Política, tratam dos direitos trabalhistas de maneira bem ampla, sendo que o constituinte dispôs as exigências laborais de maneira muito detalhada, não somente apontando diretrizes básicas ao direito fundamental trabalhista, mas prevendo direitos em si (MARMELSTEIN, 2013). A efetivação do direito laboral requer que o Estado programe políticas que o assegurem. Nesse ínterim, atenta-se ao fato de que as políticas públicas seriam prestações positivas do Estado, objetivando melhorar a condição de vida da população, seriam ações governamentais buscando a efetividade de direitos. No caso do

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Direito do Trabalho, as políticas públicas objetivariam que o trabalho seja realizado de maneira digna e conforme a lei. O trabalho decente está ligado diretamente ao princípio da dignidade da pessoa humana, sendo que possibilita a concretização de vários outros direitos sociais previstos na Carta Maior. Atenta-se ao fato de que, muitas políticas públicas estatais, implantadas com o objetivo de melhorias na educação – direito social, mesmo que de maneira ampla, são formas de se possibilitar, no futuro, um mercado de trabalho mais competitivo e com trabalhadores mais qualificados. Ainda, no mesmo sentido, são as políticas públicas de inserção social e irredutibilidade das condições de miséria, que, ainda que de maneira indireta, fomentam o mercado econômico, ampliando as oportunidades e possibilitando às pessoas à execução de um trabalho mais digno. O termo “política pública” é impreciso, não havendo uma definição fechada de seu significado, estando relacionado com as ações estatais positivas, ou programas que visem a melhoria das condições de vida da população, incentivando o crescimento do país. Por esse motivo, mencionamos que políticas públicas de educação relacionam-se diretamente com o direito do trabalho, sendo de fácil constatação que o cidadão de conhecimento mais aprimorado terá mais condições de buscar seus direitos – inclusive trabalhistas – bem como de competir no mercado de trabalho. Salienta-se que, através dessa política, trazendo condições de trabalho mais dignas, o indivíduo tem a possibilidade de assegurar seus direitos e ser efetivada a justiça social. Nesse sentido, observa-se: então é tal o Direito do Trabalho, o ponto de partida da política futura, cujo propósito é assegurar ao indivíduo não apenas uma melhoria das suas condições de trabalho, mas a segurança econômica, sem a qual a justiça social não poderá ser plenamente realizada. A segurança econômica, entretanto, não deve ser recebida no seu sentido estrito. Todas as citações precedentes mostram claramente que a segurança econômica não é considerada um fim em si mesma, mas como uma condição que permite fazer a edificação de um nível de bem-estar material garantido, com uma existência mais completa, mais rica e principalmente mais livre (ACKERMANN, 2012, p. 2).

A preocupação que se mostra quando se fala em políticas públicas para a efetivação do trabalho decente é justamente porque o direito do trabalho, como direito fundamental que é, possui natureza de norma constitucional, dignos de uma proteção normativa privilegiada, por constituírem os valores mais básicos da sociedade. São direitos que não admitem negociação, pois são garantidores da dignidade dos indivíduos, estando no topo do ordenamento jurídico (MARMELSTEIN, 2013).

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É nesse sentido que se busca compatibilizar o modelo econômico capitalista em que vivemos com um modelo de Estado Democrático de Direito, onde o indivíduo tem condições de buscar a concretização dos seus direitos mais fundamentais e o Estado tem o dever de garanti-los através das já mencionadas políticas públicas. É importante destacar a possibilidade das políticas públicas para efetivação do trabalho decente serem aplicadas pelo ente municipal, uma vez que o município teria, em tese, maior facilidade de entender os problemas pelos quais passa o seu trabalhador. É fundamental a importância do ente municipal, notadamente por ser federado, conforme a Constituição Federal de 1988, sendo sua intervenção absolutamente útil para que as premissas e os direitos trabalhistas sejam realizados no âmbito local. Importante se faz, nesse aspecto, uma análise da gestão do poder executivo e de suas prerrogativas para com a sociedade através das políticas públicas para efetivação do trabalho decente ou, indiretamente, políticas públicas que fomentem um aprimoramento na capacidade laboral. Nesse aspecto, Reis e Santos (2014, p. 11) asseveram que: além da ampliação da competência para a produção legislava, a partir do princípio da preponderância do interesse local, o município passa também a ter maior autonomia para a implementação de políticas públicas e ações voltadas às questões que dizem respeito aos interesses locais sem, contudo, atuar em dissonância com as políticas dos entes mais distantes (União e Estados-Membros).

Frise-se que o trabalho insere o empregado na vida social e política de um Estado, sendo que, como direito de segunda geração que é, o direito fundamental ao trabalho necessita de prestações positivas por parte do ente Estatal, sendo que, a presente pesquisa tem por objeto analisar o que seria o direito fundamental ao trabalho decente e as políticas públicas existentes para sua efetivação, a luz dos princípios constitucionais e trabalhistas. O princípio da igualdade toma especial forma nesse aspecto, uma vez que analisar a inserção do trabalhador na sociedade através de seu trabalho, conforme exposto, garante ao trabalhador sua dignidade e, consequentemente, sua socialização. Nesse sentido, sendo os direitos sociais reconhecidamente fundamentais, surgem, portanto, questionamentos acerca da possibilidade de efetivação desses direitos através do poder judiciário. Tendo tem vista políticas públicas de educação que indiretamente fomentariam, no futuro, uma maior capacitação ao trabalho, seria prudente que um juiz, ao verificar que não há vagas na rede pública de ensino, obrigasse, através de uma decisão judicial, o poder público a fornecer vagas para estudantes menos favorecidos economicamente em escola particulares, a sua custa? É importante uma análise desta dimensão dos direitos fundamentais, sendo essencial o estabelecimento de limites que devem ser obedecidos para a interferência judicial na implementação de tais garantias fundamentais (MARMELSTEIN, 2013).

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Acerca da competência para a formulação e execução das políticas públicas, utilizaremos o entendimento do Supremo Tribunal Federal, perpassando pela questão da judicialização das políticas públicas. Pontua-se que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem trabalhar conjuntamente para que as ações estatais afirmativas, em busca da concretização dos direitos dos cidadãos, ou seja, as políticas públicas, sejam devidamente implementadas, concretizando, como consequência, os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos. Atenta-se ao fato de que compete ao Poder Executivo, a execução das políticas públicas. Assim, não funcionaria de maneira diferente para as políticas públicas que visam a efetivação do trabalho decente. Nesse passo, cumpre salientar que o Poder Judiciário, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, teria competência para julgar casos em que os direitos são violados pela inexecução de tais políticas, sendo que pode o julgador determinar que políticas públicas já existentes sejam executadas pelo Poder Executivo, não importando, nesse caso, uma violação ao princípio da Separação dos Poderes. Nesse sentido: embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de reformular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente em hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam essas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos políticos-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório – mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais impregnados de estatura constitucional (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental n. 436.996/SP. Relator Ministro Celso de Mello, DJ 03 de fevereiro de 2006).

Cumpre observar que o entendimento utilizado é do Supremo Tribunal Federal, uma vez que o presente estudo trata de direitos trabalhistas eminentemente fundamentais. Ademais, conforme também já analisado, políticas públicas de inserção social, educação e saúde, indiretamente, acabam por fomentar o trabalho decente. Nesse sentido, explica-se a análise das políticas públicas sob tal aspecto e em tal tribunal. O trabalho exercido de maneira decente é essencial para que as normas e princípios fundamentais tenham eficácia, sendo que, por meio de políticas públicas, o Estado procura garanti-lo, para que o desenvolvimento social ocorra de forma a possibilitar uma vida digna a todos. Conforme analisado, o empenho governamental deve ser em prol da garantia de um bem maior, que é a sociedade brasi-

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leira. O trabalho decente não garante somente um ambiente de trabalho decente, mas sim a possibilidade de um real Estado Democrático de Direito ser vivenciado pelos cidadãos. Importante observar, nesse passo, que o exposto até o presente momento, acerca da efetivação do direito ao trabalho digno através de ações positivas governamentais, tem como objetivo, não só tornar real o princípio da dignidade da pessoa humana e os demais pressupostos do trabalho decente, mas possibilitar que o princípio da igualdade seja concretizado. Atenta-se ao fato de que os princípios da igualdade e não discriminação estão presentes no artigo 5 °, da Constituição Federal de 1988, sendo de grande importância e balizadores de diversos outros preceitos constitucionais e infraconstitucionais. Nesse sentido, observa-se: no cenário do Direito internacional e dos Direitos Humanos, o princípio de não discriminação tem aplicação destacada e baliza toda a temática dos direitos econômicos, sociais e culturais. Esse princípio é caracterizado como uma garantia fundamental porque se salienta nele o caráter instrumental, garantidor do direito de igualdade (SILVA, 2010, p. 06).

No próximo tópico, relacionaremos as políticas públicas existentes para efetivação do trabalho decente com o princípio da igualdade, que é um grande balizador dos programas governamentais, bem como de muitas decisões judiciais, abrangendo os três poderes estatais.

2. A relação entre o princípio da igualdade ou não discriminação e as políticas públicas para a efetivação do trabalho decente Partindo para uma análise mais específica acerca das ações governamentais para efetivação do trabalho decente, iniciemos abordando o tema das políticas públicas como sendo um instrumento para a efetivação dos direitos fundamentais. Importante observar que, não somente no Brasil, mas tendo uma visão global acerca dos direitos fundamentais e humanos, há diversos instrumentos que protegem essas garantias, podendo ser citadas as políticas públicas de promoção de igualdade racial. Atenta-se ao fato de que o princípio da não discriminação tem grande aplicação tanto no direito interno quando internacional, servindo de base para se interpretar os direitos econômicos, sociais e culturais, sendo que é através da não discriminação que se instrumentaliza o real direito à igualdade (SILVA, 2010).

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O Estado acaba dispensando tratamento mais favorável para determinado grupo populacional por meio de políticas públicas de inserção social para não discriminação, sendo que, segundo Silva (2009), tal favorecimento para determinados grupos sociais, justifica e autoriza a criação de políticas públicas particularistas de redistribuição de renda e equalização de posições excessivamente desvantajosas, sendo o objetivo principal a busca da igualdade real ou material, que é um dever de um Estado Democrático de Direito. Ainda segundo o autor, essas ações afirmativas estatais – políticas estatais – que buscam a efetividade do princípio da igualdade (material), bem como a não discriminação, podem ser chamadas de políticas de discriminação positiva, de ação positiva ou discriminação inversa. Tais políticas de discriminação positiva, em busca da igualdade material, são deveras criticadas pela sociedade, bastando analisar as mais diversas opiniões tanto de leigos quanto de estudiosos acerca do assunto. Pontua-se que no campo do direito a opinião encontra-se longe de ser consensual. Nesse sentido, Silva (2010, p. 3), pontua: no campo jurídico, a questão está distante de pacificação e de consenso, haja vista, especialmente, a existência de ações judiciais que contestam a constitucionalidade dessas medidas afirmativas. Operadores do direito, professores e pesquisadores da área jurídica divergem sobre a pertinência e a constitucionalidade das políticas implantadas pelo Estado brasileiro por diversos motivos, dentre os quais se pode citar: a violação dos princípios da igualdade, do mérito, da proporcionalidade, da Federação [...], e até mesmo a inexistência de critérios seguros ou científicos para identificar os beneficiários dessas medidas.

A inconstitucionalidade das ações afirmativas de não discriminação é tema muito discutido, e, conforme acima exposto, não há um consenso, uma opinião unânime acerca dessas ações positivas, tanto na sociedade quando na área jurídica. Salienta-se que, apesar das polêmicas que giram em torno do assunto, o objetivo do Estado acaba sendo sempre a melhoria das condições de vida da população através das ditas políticas públicas. Pontua-se que, em nosso caso, estaremos atentos em relacionar as políticas públicas existentes com o direito fundamental ao trabalho decente, mesmo que de maneira indireta, sendo que nos interessa verificar as políticas públicas de inclusão social da população negra no mercado de trabalho e de erradicação do trabalho infantil. O assunto “políticas públicas” é deveras amplo, sendo que, conforme anteriormente dito, não há um conceito fechado para o termo. Nesse passo, cumpre observar que, a partir da análise histórica da evolução do direito trabalhista, podemos observar de maneira clara as mudanças e melhorias ocorridas não somente na legislação, mas também por parte do Estado, objetivando fazer acontecer a Cons-

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tituição Federal. Os avanços foram muitos e significativos, sendo que, nos dias de hoje, vivemos em um Estado Democrático de Direito em que os Poderes Estatais unem forças em busca da concretização dos direitos dos mais oprimidos. A história trabalhista demonstra todo o preconceito que negros, mulheres e crianças sofreram durante a evolução dos direitos laborais, além do desrespeito com o ser humano em si. O direito a igualdade tem fundamental relevância quando se fala em ações positivas governamentais, pois essas ações visam, ao fim das contas, igualar os seres humanos, concretizando o princípio da igualdade, bem como os objetivos da República Federativa do Brasil – construindo uma sociedade mais livre, justa e solidária, desenvolvendo o país, erradicando a pobreza, a marginalização e reduzindo as desigualdades sociais, assim como promovendo o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor idade e quaisquer outras formas de discriminação. As políticas públicas que deveriam existir para a efetivação do trabalho decente, estariam muito relacionadas com as populações economicamente desfavorecidas. Pontua-se que a população negra, por todo seu histórico de escravidão e preconceito acumulado em anos de história, vem recebendo do Estado apoio para que possa, cada vez mais, ter condições de se livrar das amarras do preconceito que triunfou no Brasil e no mundo. Através de ações positivas governamentais de não discriminação contra os negros, como bolsas e cotas, possibilita-se inseri-los no mercado de trabalho. As cotas para negros sofrem grande crítica, já que, conforme dito, não há um consenso dos estudiosos quanto ao tema. Nesse sentido: Por fim, no contexto das divergências jurídicas, percebe-se entre alguns autores uma resistência incomum a essas políticas públicas quando direcionadas para a população negra, haja vista que eles não apresentam semelhante oposição às medidas afirmativas adotadas para pessoas com deficiência e para mulheres, por exemplo (SILVA, p. 5, 2010).

Pontua-se que a implementação de ações afirmativas estatais para grupos vulneráveis, tendo em vista o princípio da não discriminação, é vista hoje como forma de inclusão social. A instituição de cotas está de acordo com o princípio da igualdade, seria uma materialização do princípio da igualdade, aplicando-se tal raciocínio de não discriminação a todos os direitos, liberdades e garantias pessoais, participação política, direitos sociais, entre outros (SILVA, 2010). Em relação ao tema “cotas”, apesar das divergências existentes no campo social e mesmo jurídico – onde as opiniões pessoais são as mais variadas –, o entendimento do Supremo Tribunal Federal, inclusive, é de que há repercussão geral quanto ao assunto, por ser tema de relevância social e jurídica, conforme Recurso

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Extraordinário 597.285-2 do Rio Grande do Sul, cujo relator foi o Ministro Ricardo Lewandowski. Tal recurso extraordinário versava acerca da constitucionalidade de cotas raciais ou sociais no sistema de ingresso universitário. Nesse sentido, é consagrado o entendimento da Suprema Corte acerca da constitucionalidade do sistema de cotas, conforme a ADPF 186/DF, cujo relator também foi Lewandowski. Entendeu-se que o sistema de cotas prestigia o princípio da igualdade, podendo o Estado dispor de ações afirmativas que atinjam determinado grupo de indivíduos ou o grupo como um todo, para igualá-los socialmente, para que superem desigualdades, geralmente frutos de situações históricas. Assentou-se, portanto, que o Supremo Tribunal Federal entendeu pela constitucionalidade das políticas de ações afirmativas. Note que o negro foi trazido do continente africano para o Brasil com o único propósito de ser escravizado. Após a abolição da escravidão, as possibilidades de ascender socialmente foram mínimas, sendo que essas marcas estão presentes na sociedade até os dias de hoje. Nessa perspectiva, evidencia-se a necessidade de políticas públicas sociais que permitam a inserção da população afro-brasileira no mercado de trabalho de forma mais eficiente, sendo evidente a competência estatal para corrigir as desigualdades historicamente sedimentadas na sociedade (SILVA, 2010). É em relação aos direitos sociais que nos referimos, notadamente o direito fundamental ao trabalho decente, que é seguramente melhor alcançado quanto melhor for aplicado o princípio da igualdade. Atenta-se que somente disponibilizando condições e estrutura para que a população negra enfrente o preconceito que ainda existe, haverá a possibilidade de que chegue a um patamar de aprimoramento intelectual capaz de inseri-la no mercado de trabalho. O direito ao trabalho decente está diretamente relacionado com o aperfeiçoamento do cidadão em atingir aquela liberdade de contratar e de fazer escolhas que é pressuposto de trabalho digno. Tal aprimoramento técnico como essencial à concretização do direito fundamental ao trabalho decente se sente também em relação ao trabalho da mulher, trabalho infantil e inserção de deficientes no mercado de trabalho. Nessa perspectiva, tomemos como exemplo de concretização do trabalho decente, além da política de inserção social através de cotas raciais e sociais, mesmo que em longo prazo, a educação e o respeito que devemos direcionar para as crianças e adolescentes, visto que eles se encontram em fase de desenvolvimento e capacitação profissional. Assim, lembremos que o trabalho infantil é um problema que assola a sociedade desde os tempos mais remotos, sendo que a situação se agravou, conforme

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já visto, com a Revolução Industrial. As políticas públicas objetivando a cidadania plena dos infantes, bem como a evolução social da família do menor são fundamentais, necessitando tais cidadãos de investimentos disponibilizados pelo poder público em prol de seus direitos (CASSOL; PORTO; 2009). A sociedade sustenta, até os dias de hoje, a ideia de que quando a criança começa a trabalhar cedo, provavelmente será um adulto trabalhador e que não adentrará na criminalidade. Esse pensamento acompanha a evolução social desde épocas antigas, imperando desde a Revolução Industrial. No Brasil, o trabalho infantil se fez presente, inclusive, na escravatura, sendo que os escravos trabalhavam desde pequenos nas fazendas escravistas. Atualmente, graças a evolução histórica do trabalho e do direito do menor, e, apesar do pensamento de que o trabalho infantil faz da criança um adulto trabalhador, tem-se clara a noção de que a correta educação dos infantes possibilita uma maior profissionalização e consequente ascensão social (CASSOL; PORTO; 2009). É esse aprimoramento na educação e, consequentemente, maior profissionalização que nos interessa aqui: Educação como forma de política governamental para aprimoramento intelectual da criança e do adolescente e a sua futura inserção no mercado de trabalho (decente). Assim, conclui-se que o desenvolvimento da sociedade está muito ligado com o cuidado que o Estado disponibiliza para com os infantes. Também nesse sentido são as políticas governamentais de inserção do negro no mercado de trabalho através do sistema de cotas antes mencionado, reconhecidamente constitucional segundo o STF. Nesse aspecto, acerca das políticas de educação que necessitamos para transformar o ambiente social: Mas de que tipo de educação e profissionalização nossa infância e juventude estão necessitando? Da educação formal, que ensina apenas o que o mercado quer que saibamos? Não se precisa somente de pessoas com inteligência dirigida e especializada no mercado alienadas e facilmente dominadas, que concretizem somente o que o capital pretende. Busca-se uma educação mais concreta, mais reflexiva, que ajude a implementar uma consciência cidadã almejando uma sociedade mais digna e participativa (CASSOL; PORTO; p. 392, 2009).

Pontua-se que, durante toda a presente explanação, buscou-se demonstrar a importância da concretização do direito fundamental ao trabalho decente para toda a sociedade. Atenta-se que, no caso dos menores, a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente protegem o exercício regular de trabalho, estabelecendo, o referido Estatuto, determinadas normas de proibição, proteção e os princípios basilares dessa relação. Somente para não deixar de mencionar, a atual Carta Política, em seu artigo 7º, inciso XXXIII, proíbe o trabalho

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noturno, insalubre e perigoso para menor de 18 anos, bem como dispõe ser proibido qualquer tipo de trabalho para o menor de 16 anos, exceto na condição de aprendiz, somente a partir dos 14 anos (CASSOL; PORTO; 2009). Dize-se que, para a concretização do trabalho decente, bem como o respeito para com as crianças e adolescentes que ainda são explorados devido à falta de aplicabilidade das leis ora existentes, se faz necessário buscar alicerces mais efetivos a diminuir a desigualdade social e equilibrar os interesses dos grandes grupos financeiros com o interesse da sociedade. Cumpre ao Estado a implementação de políticas públicas que visem a efetividade dos direitos fundamentais (notadamente os sociais) para que a justiça social aconteça verdadeiramente (CASSOL; PORTO; 2009). Atenta-se que no campo normativo há grande variedade de normas que tendem e possibilitam aos magistrados sentenciar de forma a exigir o cumprimento do direito ao trabalho decente, condenado quem não cumpre as exigências das leis trabalhistas. Porém, quando mencionado o termo “políticas públicas” para efetividade do trabalho decente, podemos citar as ações governamentais que aprimorem a educação dos cidadãos, o que, futuramente, refletirá de maneira positiva e totalmente de acordo com o direito fundamental ao trabalho decente, não temos políticas públicas essencialmente trabalhistas. Atentemo-nos, nesse momento, ao trabalho infantil, já que aqui conseguimos visualizar algumas políticas públicas que buscaram resultados positivos quando implementadas. O projeto piloto PAI, que era contra as carvoarias do Mato Grosso do Sul, tinha como objetivo mudar a mentalidade da família, buscando modificar a necessidade do trabalho infantil como maneira de sustento. Posteriormente tal projeto foi aplicado no restante do Brasil (CASSOL; PORTO; 2009). Outro programa governamental que podemos citar, segundo Cassol e Porto (2009), foi o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, que objetivava fazer cessar o trabalho de crianças e adolescentes nas atividades insalubres, penosas, periculosas. Tal programa foi criado em 1996, sendo uma parceria entre os governos federal, estadual e municipal, bem como com auxílio da sociedade civil. Atualmente, o PETI está ligado ao Bolsa-Escola, conforme a Portaria GM/DMS n. 666/2005, atendendo crianças que sofrem com a desigualdade social e falta de oportunidades de crescimento, objetivando a concretização do princípio da igualdade material (CASSOL; PORTO; 2009). Salienta-se a relação existente entre o direito fundamental ao trabalho ou políticas públicas para a efetivação do trabalho decente com as políticas governamentais de acesso à educação. O PETI, conforme exposto, vinculou-se ao Bolsa-Escola, uma clara forma de se assegurar os direitos dos menores, aprimorando seus conhecimentos, retirando-os da miséria em que viviam e incentivando o estudo.

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Mas, a longo prazo, certamente, a educação adquirida e o senso crítico apurado servirão de base para uma efetividade maior do trabalho digno. Note que, se uma criança é explorada e exposta a condições de trabalho contrárias à sua qualidade de criança, as consequências para seu futuro só poderão ser de despreparo e vulnerabilidade perante o empregador que a contratará. A situação das políticas públicas, não só das raras ações positivas, visando o cumprimento dos direitos trabalhistas, deve ser focada na questão social, buscando a construção de um Estado revitalizado, onde o cidadão encontre alicerces para participar efetivamente da sociedade. As políticas públicas são investimentos dos quais se colherão os frutos somente após várias décadas. A legislação que protege os mais vulneráveis, como a legislação trabalhista, que regula as relações de emprego, bem como o anteriormente mencionado Estatuto da Criança e do Adolescente, que cuida das proibições e requisitos, inclusive do trabalho do menor, são deveras protetivas, porém, não dispõe de amplas políticas públicas que a tornem práticas em relação à busca pela efetivação do direito ao trabalho decente. Pontua-se a falta de ações governamentais que atuem diretamente para a efetividade do direito fundamental ao trabalho decente. O direito do trabalho como direito social e de segunda dimensão necessitaria de tais políticas, que não são facilmente identificadas na prática. Nesse sentido: Assim, o que salva evidente no Brasil, é que o jovem encontra uma legislação amplamente protetiva, mas de forma contraditória, também encontra uma realidade subjugada pelo poder oculto dos mercados. A profissionalização da mão-de-obra decerto é um caminho regulador que se opera como um fator contra a exploração do trabalho infantil. Entre tantos fatores, impede seu ingresso prematuro no mercado de trabalho (CASSOL; PORTO; p. 392, 2009).

Dize-se que a desigualdade social é um problema que pode ser resolvido através do direito ao trabalho decente, sendo necessária uma observância do governo nesse sentido, já que vivemos em um Estado Democrático de Direito onde o sistema econômico é o Capitalismo. Tal contradição deve encontrar suporte em um Estado que garanta aos seus cidadãos os direitos mais fundamentais – como é o caso do direito à dignidade no ambiente de trabalho. A Constituição Federal é clara ao taxar o Estado brasileiro em Democrático de Direito e também Capitalista, sendo que a própria Carta Política deve prevalecer quando entramos nessa discussão entre o capitalismo selvagem e os programas que o governo deve dispor para freá-lo. É nesse sentido que se trabalha com o direito ao trabalho decente no Estado em que estamos inseridos, sendo que o governo deveria proteger o cidadão trabalhador de forma mais ampla e eficaz, através

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de políticas públicas, ações positivas, e não somente proteger o vulnerável com um amplo leque de normas protetivas.

Conclusão O direito do trabalho desperta grande interesse, uma vez que as pessoas trabalham praticamente todos os dias. Os trabalhadores dedicam grande parte de sua vida ao trabalho, sendo que o interesse pelo tema se encontra nessa ótica: a concretização do trabalho decente para uma vida decente. Assim, o direito fundamental ao trabalho se mostra curioso, uma vez que, através de uma análise da sua história, se compreende realmente o porquê de se ter uma justiça trabalhista tão atuante na sociedade hodierna. Após toda a análise dos pressupostos existentes para que o trabalho seja realizado de maneira decente, buscou-se verificar, como sendo o direito do trabalho um direito de segunda dimensão, os programas, políticas públicas ou ações positivas governamentais que assegurem as prerrogativas dos trabalhadores. Pontua-se, novamente, que a partir de um trabalho decente, o cidadão tem a possibilidade de concretizar os seus outros direitos sociais, bem como os de sua família, além de restar garantida a dignidade da pessoa humana. Restou claro que a presente pesquisa se justifica justamente pela importância que o tema possui na sociedade e na vida das pessoas. Garantir os direitos fundamentais trabalhistas, através de políticas públicas, prestações estatais positivas que possibilitam um efetivo trabalho decente, é garantir uma vida digna, bem como é efetivar os direitos sociais. Nessa perspectiva, após toda a análise feita, evidencia-se que, para a concretização do trabalho decente, são necessárias ações positivas do Poder Público, reestruturando a vida social dos trabalhadores, desde sua educação fundamental e média, até a igualdade de oportunidades e competitividade no mercado de trabalho. Buscou-se demonstrar a importância do princípio da dignidade da pessoa humana para o direito de forma geral, mas notadamente fazendo-se uma relação entre o direito do trabalho e o referido princípio. Nesse sentido, a sensação que se experimentou durante a abordagem do tema foi mais global, tendo em vista que a Constituição irradia seus princípios para todo o ordenamento jurídico. Concluindo, então, cumpre observar que o Estado tem o dever de garantir o trabalho decente. A dificuldade encontrada é justamente como tal garantia seria feita. Após toda a abordagem feita acerca do tema, pontua-se que o trabalho decente somente será efetivo quando as políticas públicas de educação, inserção social, políticas igualitárias e de concretização dos direitos sociais forem ampliadas

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e melhor articuladas. A educação não seria a única forma de efetivar tais direitos, porém, é fundamental em todos os sentidos, até mesmo quando observado o direito do trabalho na prática, onde os empregados e empregadores (mesmo considerando a, em tese, superioridade econômica dos últimos) não têm conhecimento dos direitos e obrigações que possuem.

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