Direito, Moral e a Existência de Direitos Humanos / Law, Morality, and the Existence of Human Rights

May 31, 2017 | Autor: Veyzon Muniz | Categoria: Human Rights, Theory of Law
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Direito, Moral e a Existência de Direitos Humanos* Law, Morality, and the Existence of Human Rights**

Robert Alexy Professor na Faculdade de Direito da Universidade de Kiel (Alemanha). Artigo publicado originalmente em: Ratio Juris, Vol. 25, nº 1, março de 2012, p. 2-14.

Resumo: No debate entre positivismo e não-positivismo, o argumento do relativismo desempenha um papel fundamental. O argumento do relativismo, como apresentado, por exemplo, por Hans Kelsen, afirma, em primeiro lugar, que uma conexão necessária entre direito e moral pressupõe a existência de elementos morais absolutos, objetivos ou necessários, e, em segundo, que nenhum desses elementos morais, absolutos, objetivos ou necessários, existe. Minha resposta para isso é que os elementos morais absolutos, objetivos ou necessários existem para que os direitos humanos existam, e os direitos humanos existem porque são justificáveis.

Um argumento central contra a tese de conexão não-positivista é o argumento do relativismo (ver: Alexy, 2002, p. 53-6). A forma radical desse argumento foi apresentada por Hans Kelsen. De acordo com Kelsen, a tese “de que um sistema social imoral não é direito pressupõe uma moral absoluta, ou seja, um moral que é válida em qualquer lugar e em todos os tempos” (Kelsen, 1967, p. 68). Essa moral absoluta deve ser dada “a priori” (ibidem, p. 65). Um fato meramente dado, ou seja, um “elemento comum” contingentemente dado (ibidem, p. 64) não seria suficiente como base de uma conexão necessária entre direito e moral, pois mesmo, se ele existisse, o que nega Kelsen1, isso não estabeleceria “o que tem que ser concebido como bom e mau, justo e injusto, em todas as circunstâncias” (ibidem, p. 65). Por essa razão, o problema do positivismo depende da questão de saber se existem a priori elementos morais absolutos, ou, como prefiro dizer, necessários. A questão de saber se existem a priori, elementos morais, absolutos ou necessários, deve ser denominada de “problema de existência”. No que se segue, vou, em primeiro lugar, considerar a relação entre o problema do positivismo e o problema de existência, e, em segundo lugar, defender a solução do problema de existência, baseada em uma teoria dos direitos humanos.

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Tradução por Veyzon Campos Muniz, bacharel e mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, desenvolvida como requisito parcial à aprovação na disciplina de Constituição e Direitos Fundamentais I, ministrada pelo Professor Doutor Ingo Wolfgang Sarlet. Gostaria de agradecer a Stanley L. Paulson pelas sugestões e conselhos sobre questões de estilo na Língua Inglesa. (nota do autor) Kelsen, 1967, p. 64: “Entretanto, tendo em vista a heterogeneidade extraordinária do que os homens, com efeito, tem considerado como bom e mau, justo e injusto, em momentos diferentes e em lugares diferentes, nenhum elemento comum aos conteúdos das diversas ordens morais é detectável”.

I. Positivismo, não-positivismo e o problema de existência

O problema do positivismo é a questão de saber se o positivismo ou o nãopositivismo é certo, verdadeiro ou correto. Agora, os termos “positivismo” e “nãopositivismo” designam muitas teses diferentes sobre a relação entre direito e moral. Por essa razão, a determinação da relação entre o problema do positivismo e o problema de existência requer algum esclarecimento dos conceitos de positivismo e não-positivismo.

I.1. Três elementos e duas dimensões

O debate sobre o positivismo liga-se às relações entre e dentre três elementos: primeiro, a emissão de autoridade, segundo, a eficácia social, e, terceiro, a correção de conteúdo, o que inclui a correção moral. Na determinação do conceito ou da natureza jurídica, todas as teorias positivistas estão confinadas aos primeiros dois elementos, ou seja, elas estão confinadas a emissão de autoridade e a eficácia social. Isso implica que os positivistas devem apoiar a tese de separação ou, pelo menos, a tese de separabilidade. Por outro lado, todas as teorias não-positivistas defendem a tese de conexão, que aduz que o conceito de direito deve ser definido de tal forma que os elementos morais estejam incluídos (Alexy, 2008a, p. 284-5). De acordo com o não-positivismo, o direito não é composto por dois elementos, mas por três. Essa distinção entre e dentre esses três elementos pode ser desenvolvida mais à tese de dupla natureza (Alexy, 2010, p. 167). Essa tese apresenta a alegação de que o direito compreende, necessariamente, tanto uma dimensão real ou factual quanto uma dimensão ideal ou crítica. A dimensão real é representada pelos elementos de emissão de autoridade e eficácia social, ao passo que a dimensão ideal encontra expressão no elemento de correção moral. Emissão de autoridade e eficácia social são fatos sociais. Se alguém afirma que os fatos sociais só podem determinar o que é e o que não é exigido pelo direito, essa afirmação equivale à aprovação de um conceito positivista de direito. Uma vez que a correção moral é adicionada como um terceiro elemento necessário, um conceito não-positivista de direito emerge. Assim, a tese de dupla natureza implica o não-positivismo.

I.2. Duas formas de positivismo

Dentro do positivismo, a distinção entre positivismo exclusivo e positivismo inclusivo é a divisão mais importante onde a relação entre direito e moral está em causa. Positivismo exclusivo, como defendido mais proeminentemente por Joseph Raz, sustenta que a moral é, necessariamente, excluída do conceito de direito (Raz, 2009, p. 47). Se alguém toma “I” para representar “o direito inclui a moral”, o positivismo exclusivo pode ser expresso, usando o operador de necessidade “” e o negador “¬”, como: (1) ¬I O positivismo exclusivo está em uma relação de contrariedade ao nãopositivismo, que afirma que a moral é, necessariamente, incluída no conceito de direito. O que pode ser expresso por: (2) I Finalmente, o positivismo inclusivo, como defendido, por exemplo, por Jules Coleman, conta com a rejeição de ambos, positivismo exclusivo e não-positivismo. Ele aduz que a moral não é nem necessariamente excluída, nem necessariamente incluída. A inclusão, bem como a exclusão, é declarada como uma questão contingente ou convencional (Coleman, 2001, p. 108), voltando-se ao que o direito positivo, de fato, diz. Isso pode ser expresso como segue: (3) ¬¬I & ¬I Essas três posições estão em relação de oposição, cada uma das três exclui as outras, mas sem a decorrência de uma negação de qualquer uma das outras. Isso pode ser expresso por uma tríade que esgota o espaço lógico do problema do positivismo na medida em que a necessidade da inclusão ou da exclusão da moral no conceito de direito está em causa: I

¬I

¬¬I & ¬I Essa tríade deve ser chamada de “tríade necessária”.

I.3. Três formas de não-positivismo

As diferenças dentro do não-positivismo não são menos importantes para o debate sobre o conceito e a natureza jurídica do que as diferenças dentro do positivismo e entre positivismo e não-positivismo, como expresso pela tríade necessária. Com relação ao argumento do relativismo, como apresentado por Kelsen, as diferenças dentro do nãopositivismo são ainda mais importantes. As diferenças dentro do não-positivismo que são relevantes aqui derivam dos diferentes efeitos sobre a validade jurídica que podem ser atribuídos a defeitos morais. O nãopositivismo pode determinar o efeito sobre a validade jurídica que decorre de defeitos morais ou deméritos de três maneiras diferentes. Pode ser o caso que a validade jurídica se perde em todos os casos, ou pode ser o caso que a validade jurídica se perde em alguns casos e em outros não, ou, finalmente, pode ser o caso que a validade jurídica de nenhuma maneira é afetada. A primeira posição, segundo a qual todos os defeitos morais, todas as injustiças, os lucros de invalidade jurídica, são considerados, é a versão mais radical do positivismo. Essa posição pode ser caracterizada como não-positivismo exclusivo, a fim de expressar a ideia de que cada defeito moral é considerado como excludente dos fatos sociais a partir das fontes de validade jurídica. A versão clássica dessa visão é expressa pela declaração de Agostinho de que “o direito não é apenas o que me parece ser um direito”.2 Um exemplo recente é a tese de Beyleveld e Brownsword de que “as regras imorais não são legalmente válidas” (Beyleveld e Bronwsword, 2001, p. 76). Essa versão de não-positivismo não será defendida aqui. O não-positivismo exclusivo dá muito pouco peso à dimensão factual ou real do direito (Alexy, 2006a, p. 170-1). Devido à natureza controversa de muitas questões morais, isso equivaleria ao anarquismo (Alexy, 2008a, p. 287). Com relação ao argumento do relativismo como “a afirmação de que as normas sociais devem ter um conteúdo moral, devem ser justas, a fim de serem consideradas como direito” (Kelsen, 1967, p. 64).3 Isso implica que, no caso do conteúdo imoral, as normas que não são totalmente jurídicas, não são direito válido. Isso, não entanto, é exatamente uma visão de não-positivismo exclusivo. O não-positivismo exclusivo é a forma

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Agostinho (Augustinus, 2006, p. 86): “Nam lex mihi esse non videtur, que iusta fuerit.” Veja mais da interpretação de não-positivismo de Kelsen como “tese de que o direito é moral de acordo com a sua natureza” (Kelsen, 1967, p. 68).

mais forte de não-positivismo. Agora, quanto mais forte uma tese, maior a sua vulnerabilidade. Devida à natureza controversa de muitas questões morais o ataque de Kelsen contra o não-positivismo é, creio eu, bem sucedido como um ataque ao não-positivismo exclusivo. Nem todas as respostas para as questões morais são necessárias. Kelsen parece pensar, porém, que refutar o não-positivismo exclusivo é refutar o não-positivismo. Isso, no entanto, é um erro. Há formas de não-positivismo que suportam o argumento do relativismo. A contrapartida radical do não-positivismo exclusivo é o não-positivismo superinclusivo. O não-positivismo super-inclusivo vai para o outro extremo. Ele sustenta que a validade jurídica não é de qualquer maneira afetada pelos defeitos morais. À primeira vista, essa parece ser uma versão do positivismo, não do não-positivismo. Essa primeira impressão, no entanto, será vista como equivocada, logo que se observa que existem dois tipos de conexão entre direito e moral: uma conexão de classificação e uma conexão de qualificação (Alexy, 2002, p. 26). Esses dois tipos de conexão se distinguem pelos efeitos dos defeitos morais. O efeito de uma conexão de classificação é a perda de validade jurídica ou de caráter legal. Por outro lado, o efeito de uma conexão de qualificação é um defeito legal que não significa, contudo, minar a validade jurídica ou o caráter legal. A combinação do postulado de Kant da “submissão (in)condicional” (Kant, 1996, p. 506) para o direito positivo com a ideia de submissão necessária do direito positivo ao direito não-positivo pode ser lida como uma versão do não-positivismo super-inclusivo (ver: Alexy, 2008a, p. 288-9, 2010, p. 174). O mesmo se aplica à tese de Aquino que um direito tirânico é direito, mas “não direito naturalmente”4, ou como John Finnis refere “não direito no sentido focal do termo „direito‟” (Finnis, 1980, p. 364). Voltando, por um momento, ao não-positivismo exclusivo: ele foi rejeitado pelo fundamento de que dá peso insuficiente à dimensão factual ou real do direito. Ele não dá peso suficiente à dimensão real e, por isso mesmo, não dá peso suficiente ao princípio da segurança jurídica, pois afirma que os defeitos morais minam a validade jurídica em todos os casos. Quando se põe em “V” para o “é válido”, ele pode ser expresso, com a ajuda do quantificador universal “∀”, por: (4) ∀x¬Vx Agora, o não-positivismo super-inclusivo tem de ser indeferido pelo fundamento de que não dá peso suficiente à dimensão ideal do direito. Ele não dá peso suficiente para a 4

Aquino (Aquinas, 1962, p. 947): “lex tyrannica [...] non est simpliciter lex.”

dimensão ideal, ou seja, ao princípio da justiça, para os defeitos morais em todos os casos, mesmo os mais extremos, deixa-se intocada a validade jurídica. Isso pode ser expresso da seguinte forma: (5) ∀xVx A única forma de não-positivismo que dá peso adequado tanto para a dimensão real quanto para a dimensão ideal, ou seja, tanto para o princípio da segurança jurídica quanto para o princípio da justiça é o não-positivismo inclusivo (Alexy, 2010, p. 176-7). O nãopositivismo inclusivo reivindica que nem sempre os defeitos sempre minam a validade jurídica e que nem nunca o fazem. Seguindo a fórmula de Radbruch (Alexy, 2002, p. 40-63), o não-positivismo inclusivo sustenta que os defeitos morais minam a validade jurídica se e somente se o limiar de extrema injustiça é transgredido. Injustiça abaixo desse liminar está incluída no conceito de direito como direito defeituoso, mas válido. Isso pode ser expresso da seguinte forma: (6) ¬∀x¬Vx & ¬∀xVx ou, por meio de quantificadores existenciais: (6‟) ∃xVx & ∃x¬Vx Com isso, uma segunda tríade de contrariedade pode ser formulada, a qual é considera como uma explicação da posição superior esquerda na tríade necessária, isto é, I, como uma abreviação para o não-positivismo: ∀xVx

∀x¬Vx

¬∀x¬Vx & ¬∀xVx Essa tríade será chamada de “tríade quantificadora”. No que se segue apenas a posição na parte inferior da tríade quantificadora, isto é, o não-positivismo inclusivo, definido pela fórmula “extrema injustiça não é direito” (Alexy, 2008b, p. 428), deve ser considerado como o objeto do argumento do relativismo.

I.4. Não-positivismo inclusivo e o problema de existência

O argumento do relativismo constitui um genuíno desafio para a única forma defensável de não-positivismo, isto é, o não-positivismo inclusivo. Se não existem elementos morais necessários, por exemplo, os direitos humanos ou os princípios universais de justiça, então o não-positivismo entraria em colapso por seu próprio peso, pois se tais elementos não existissem, extrema injustiça não existiria. Existência pressupõe objetividade e elementos morais são objetivos somente se forem necessários. Se nenhuma extrema injustiça existisse, a fórmula de Radbruch não seria nada mais do que um empoderamento para aqueles que decidem sobre a validade do direito para declará-lo, quando de sua escolha, emitido devidamente e normas socialmente eficientes, para serem válidas, não corresponderiam a ideias morais, preferências ou ideologias, factualmente realizadas. A fórmula de Radbruch não só perderia o seu sentido, ainda pior, ela passaria a ser subjetiva e com poder envolto sob uma máscara de objetividade e racionalidade. A tese de que existem elementos morais necessários pode ser chamada de “tese de existência”. A verdade da tese de existência é uma condição necessária para a verdade do nãopositivismo. Considerando-se “¬P” suporte para o não-positivismo e “E” para a tese de que existem elementos morais necessários, então esta relação pode ser representada da seguinte forma: (7) ¬P→E A proposição de que a verdade da tese de existência (E) é uma condição necessária para o não-positivismo (¬P) implica a proposição de que a negação da tese de existência (¬E) é uma condição suficiente para a verdade do positivismo (P): (8) ¬E→P Assim, se a tese de existência é falsa, então o positivismo prevalece. Nesse caso, Kelsen está certo. Invertendo o turno das coisas, no entanto, não é o caso de, a partir da tese de existência, se concluir que o não-positivismo prevalece. A verdade da tese de existência é apenas uma condição necessária, não uma condição suficiente, à verdade do não-positivismo. É possível aceitar a tese de existência e continuar sendo positivista, isto é, pode-se continuar a ser positivista, simplesmente insistindo na tese da separação. Para defender a tese de conexão, outros argumentos são obrigatórios. Esses argumentos são essencialmente ligados à pretensão de correção, necessariamente, criada pelo direito. Mas isso não deve ser discutido aqui (ver:

Alexy, 2002, p. 35-9). No presente contexto, o único ponto importante é que a verdade da tese de existência enquanto condição necessária da verdade do não-positivismo, seria suficiente à possibilidade do não-positivismo. Isso, por si só, faz com que seja evidente que o problema da existência é um dos principais problemas do não-positivismo.

II. A existência de direitos humanos

Ao discutir o argumento do relativismo em The Argument from Injustice (“O argumento de injustiça”), eu me limitei à alegação da seguinte proposição: A destruição física e material de uma minoria da população por motivos de raça é injustiça ao extremo. (Alexy, 2002, p. 54) É racionalmente justificável. No entanto, eu, justificadamente, não justifico essa afirmação. Em vez de uma justificação, eu refiro – além da teoria do discurso como retomada em A Theory of Legal Argumentation (“A teoria da argumentação jurídica”; Alexy, 1989a, p. 33-208) –, como no artigo em que tentei, pela primeira vez, oferecer uma justificação dos direitos humanos (Alexy, 1989b, p. 167-83). Isso é algo que eu desenvolvi ainda mais nos anos seguintes, especialmente, no artigo Discourse Theory and Human Rights (“Teoria do discurso e direitos humanos”; Alexy, 2004, p. 15-24) e Menschenrechte ohne Metaphysik? (“Direitos humanos sem metafísica?”; Alexy, 2004, p. 15-24). No que segue, considera-se que os argumentos ao longo dessas linhas são suficientes para estabelecer a existência de direitos humanos e se a existência de direitos humanos, estabelecida dessa forma, serve para refutar o argumento do relativismo.

II.1. Direitos humanos como elementos morais

Uma discussão do problema do positivismo é uma discussão sobre se os “elementos morais” (Alexy, 2002, p. 4) devem ser incluídos no conceito do direito ou são necessariamente relacionados com a natureza do direito. Isso dá origem à pergunta de por que esses elementos morais devem contar como direitos humanos. Com certeza, há outros “elementos morais”.

A mais importante deles é a “noção de justiça” a que me refiro em The Argument from Injustice (“O argumento da injustiça”; Alexy, 2002, p. 53). Agora, a relação entre direitos humanos e justiça é uma questão difícil, em uma tentativa de compreender todos os seus aspectos. Aqui apenas a sua estrutura básica é de interesse. Essa estrutura básica pode ser descrita da seguinte forma: cada violação dos direitos humanos é injusta, mas nem toda a injustiça é uma violação de direitos humanos (ver: Alexy, 1998, p. 251-2). Se isso for verdade, os direitos humanos representam o núcleo da justiça, ao passo que a justiça compreende mais que direitos humanos. Isso pode ser chamado de “tese central”. Uma alternativa à tese central é a tese de que os direitos humanos e a justiça são coextensivos. Isso funciona da seguinte forma: cada violação de direitos humanos é injusta, e toda injustiça é uma violação de direitos humanos. Essa tese pode ser chamada de “tese de equivalência”. Para os nossos propósitos, não é necessário se ter a questão de qual tese, central ou de equivalência, é verdade. Em ambos os casos, a violação de direitos humanos seria, ao mesmo tempo, uma violação à justiça. Por essa razão, a existência de direitos humanos implica a existência de princípios de justiça. Os “elementos morais”, se existem direitos humanos, compreendem os direitos humanos, bem como a justiça. Para ter certeza, os direitos humanos e a justiça não esgotam o domínio do que poder ser chamado de “moral”. Paralelamente a esses dois elementos, um terceiro elemento existe. Refere-se às concepções individuais e coletivas do bem.5 Essas concepções do bem definem identidades individuais e coletivas.6 Agora, os direitos humanos são normas que, essencialmente, reivindicam prioridade em relação a todas as outras normas (Alexy, 2006b, p. 18). Se os direitos humanos são justificáveis, sua reivindicação de prioridade, portanto, é também justificável. Por essa razão, a identidade como um elemento moral pode realmente influenciar a concepção de justiça (Alexy, 1999, p. 379)7, mas não pode restringir o papel dos direitos humanos e da justiça na discussão do argumento da relatividade.

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Questões de direitos humanos e justiça são, na terminologia de Habermas, questões morais, enquanto questões sobre o que é individual ou coletivamente bom são questões “éticas” (ver: Habermas, 1996, p. 159). Habermas (1996, p. 160) fala, no primeiro caso, de questões “existenciais” e, no segundo, de “questões ético-políticas”. Deve-se acrescentar que o bem também pode influenciar a interpretação dos direitos humanos, especialmente em casos de equilíbrio.

II.2. O conceito de direitos humanos

Não faz sentido falar sobre a existência de algo sem explicar o que é que se reivindica a existência. Agora, o conceito de direitos humanos é altamente contestado tanto por razões de natureza política quanto filosófica. Não é possível assumir esse debate aqui, e, felizmente, não é necessário fazê-lo também. Tudo que precisamos a fim de discutir a questão de saber se existem direitos humanos é uma ideia geral do que os direitos humanos são. Essa ideia geral pode ser expressa por meio de uma definição segundo a qual os direitos humanos são, primeiro, direitos morais, segundo, universais, terceiro, fundamentais, quarto, abstratos e, quinto, dotados de prioridade sobre as outras normas (ver: Alexy, 1998, p. 246-54). Aqui, o primeiro elemento definidor é de especial importância. Segundo ele, os direitos humanos são direitos morais. Direitos existem se forem válidos. Agora, os direitos morais são válidos se e somente se eles são justificáveis. Por essa razão, a existência de direitos humanos quanto direitos morais depende, tão somente, de sua justificação.

II.3. A justificação dos direitos humanos

As teorias sobre a justificação dos direitos humanos, bem como as teorias sobre a justificação das normas morais em geral, podem ser classificadas de diversas maneiras. A distinção mais fundamental é entre as abordagens que, geralmente, negam a possibilidade de qualquer justificação dos direitos humanos e as abordagens que alegam algum tipo de justificação possível. A primeira abordagem por se chamada de “ceticismo”, a segunda de “não-ceticismo”. O ceticismo terá suas raízes nas formas de emotivismo, decisionismo, subjetivismo, relativismo, naturalismo ou desconstrutivismo. O não-ceticismo pode muito bem incluir um ou mais desses elementos céticos, mas insiste em que haja a possibilidade de dar razões aos direitos humanos, que reivindicam objetividade, correção ou verdade. O nãopositivismo pressupõe que alguma versão do não-ceticismo pode ser justificada. Tentei analisar a possibilidade de justificar os direitos humanos com base na distinção entre e dentre oito abordagens não-céticas. Essa lista inclui, primeiro, a abordagem religiosa, segundo, a intuicionista, terceiro, a consensual, quarto, a biológica, quinto, a instrumental, sexto, a cultural, sétimo, a explicativa, e, em oitavo lugar, a existencial. É impossível discutir todas essas abordagens aqui. Basta dizer que as seis primeiras abordagens têm mais defeitos do que pontos fortes (Alexy, 2006b, p. 19-21). Por essa razão, vou

concentrar-me nas sétima e oitava abordagens, isto é, sobre os argumentos explicativo e existencial.

II.3.1. O argumento explicativo

A justificação dos direitos humanos é explicativa, se ela consiste em explicitar o que é necessariamente implícito na prática humana. A justificativa que torna explícito o que é necessariamente implícito na prática humana segue as linhas da filosofia transcendental de Kant. Se a prática é a prática de afirmar, perguntando e discutindo, a justificação obtém um caráter teórico-discurso. Essa é a versão do argumento explicativo que gostaria de defender aqui. A prática discursiva, isto é, a prática de afirmar, perguntando e discutindo, ou, como Robert Brandom chama, a prática “de dar e pedir razões” (Brandom, 2000, p. 11), pressupõe regras do discurso que expressam as ideias de liberdade e igualdade (Alexy, 1996, p. 213-6). As ideias de liberdade e igualdade, no entanto, são a base dos direitos humanos. Reconhecer um outro indivíduo como livre e igual é reconhecê-lo como autônomo. Reconhecê-lo como autônomo é reconhecê-lo como uma pessoa. Reconhecê-lo como uma pessoa é atribuir-lhe dignidade. A atribuição de dignidade a alguém é reconhecer os seus direitos humanos. Com isso, pode-se pensar que uma justificação dos direitos humanos fora alcançada.

II.3.2. O argumento existencial

Essa impressão é, no entanto, equivocada. O argumento explicativo fornece, de fato, uma parte necessária da justificação dos direitos humanos, mas é por si só insuficiente. Dois defeitos são facilmente identificáveis. O primeiro diz respeito à necessidade de regras discursivas. É possível contornar essa necessidade, evitando qualquer participação na prática de afirmar, perguntando e discutindo. Todavia, o preço que se paga por isso seria elevado. Nunca afirmar qualquer coisa, nunca mais fazer qualquer pergunta, nunca dar qualquer razão, seria deixar de participar do que essencialmente pertence à forma de vida dos seres humanos enquanto “criaturas discursivas”, como coloca Brandom (2000, p. 26). Esse preço, no entanto, pode ser consideravelmente reduzido, abandonando o discurso, não geralmente, mas apenas parcialmente. É possível ter discursos na própria comunidade e passar a propaganda, a força e

ao terror nas suas fronteiras. A solução para esse problema é uma parte da solução para o problema do segundo argumento explicativo, o qual deve voltar agora. Esse segundo problema decorre, de um lado, da diferença entre o discurso e a ação, e, de outro, das capacidades e interesses. Ter capacidades discursivas não implica um interesse em fazer uso delas. Isso pode ser chamado de “problema de interesse”. O problema de interesse diz respeito à dimensão do discurso, bem como à dimensão da ação – isto é, a vida real distinta da mera conversa. Nessa segunda dimensão, isso é muito mais premente. Agora, os direitos humanos são direitos que não dizem respeito apenas ao discurso, mas também essencialmente a ação. O interesse em fazer uso das capacidades discursivas apenas na esfera do argumento pode ser chamado de “fraco interesse na correção”. Por outro lado, o interesse em fazer uso das capacidades não se dá só na esfera da argumentação, mas também no domínio da ação, podendo ser caracterizada como “forte interesse na correção”. O forte interesse na correção consiste em levar a sério as implicações das capacidades discursivas na vida real, ou seja, levar direitos humanos a sério.8 Dessa forma, o interesse na correção faz com que seja possível chegar ao objeto de nossa justificação. Pode-se objetar, porém, que isso não é justificativa. Ela perde seu caráter como uma justificativa, então a objeção é executada, uma vez que a premissa sobre o interesse é introduzida. Na verdade, essa objeção não é sem mérito. Deve, contudo, ser qualificada. Como acontece com qualquer interesse, o interesse em correção está relacionado com decisões. Essas decisões dizem respeito à questão fundamental de aceitarmos as nossas capacidades e possibilidades discursivas. Essa é a questão de saber se queremos nos ver como criaturas discursivas ou razoáveis.9 Essa é uma decisão sobre quem somos. Com essa decisão, como coloca Kierkegaard (1987, p. 257), há uma “escolha sobre si mesmo”. Essa decisão pode ser chamada de “existencial”. Ainda assim, para falar aqui sobre a justificação ou a comprovação parecer estar justificada, essa decisão não é baseada em preferências infundas ou arbitrárias, desenhadas, por assim dizer, do nada. Pelo contrário, a decisão tem o caráter de um endosso de algo que tenha sido comprovado, por meio de explicação, para ser um recurso necessariamente ligado com os seres humanos, ou, em outras palavras, uma possibilidade necessária. Como um endosso de uma possibilidade necessária, o argumento existencial está

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Uma pessoa que leva a sério as implicações das capacidades discursivas na vida real pode ser caracterizada como um “participante genuíno no discurso” (ver: Alexy, 1996, p. 224). Sobre o conceito de razoabilidade e sua relação com o conceito de racionalidade, consulte: Alexy, 2009, p. 5-7.

intrinsecamente ligado ao argumento explicativo. Poderíamos chamar essa ligação de “justificação explicativo-existencial”. O argumento explicativo exibe a natureza discursiva dos seres humanos. Essa natureza discursiva pode ser caracterizada como a dimensão ideal do indivíduo. É, para usar as palavras de Kierkegaard novamente, “seu auto-eu, que não se pode adquirir em qualquer lugar, senão dentro de si mesmo” (Kierkegaard, 1987, p. 259). O endosso da dimensão ideal, que o indivíduo encontra em si mesmo, conecta elementos subjetivos com objetivos. A dimensão objetiva é composta por dois elementos: primeiro as possibilidades discursivas necessárias e, segundo, seu caráter ideal. Isso a priori requerido por Kelsen (1967, p. 65). A dimensão subjetiva consiste na decisão existencial que transforma essas possibilidades ideais em realidade. Isso significa que os direitos humanos só podem ser justificados por uma conexão de elementos objetivos e subjetivos. Essa conexão pode ser caracterizada como uma dialética objetiva e subjetiva. Pode-se objetar que a justificação só pode ser objetiva ou subjetiva, e não, por assim dizer, “meio objetiva”, e que qualquer contaminação com elementos subjetivos elimina completamente a objetividade. A resposta para isso é que a objetividade ligada com a subjetividade é, com certeza, menos que pura objetividade, mas também é mais do que pura subjetividade. Por essa razão, pode-se qualificar o argumento explicativo-existencial como uma justificação dos direitos humanos, mesmo que ele não seja uma justificação puramente objetiva.10 Devido a seus elementos objetivos essa justificação combinada, no entanto, fornece boas razões para os direitos humanos, e isso, por sua vez, é suficiente para justificálos. Essa justificação estabelece sua validade quanto direitos morais, o que significa que existem direitos humanos. Quando os direitos humanos existem, eles podem ser violados. 10

O argumento explicativo-existencial que consiste em uma dialética de argumentos objetivos e subjetivos não é apenas uma desvantagem. Ele resolve o principal problema de todas as tentativas de justificar os direitos humanos por meio de um argumento que tem a seguinte estrutura básica: (1) "∀x (Øx → Rx). Para "Ø" todas as propriedades podem ser substituídas quando consideradas motivos ou razões para a concessão de direitos humanos (R) individuais (x). Na discussão dos direitos humanos, muitas propriedades têm sido propostas como tais razões. Exemplos disso são: a capacidade de sofrer, a inteligência, a autoconsciência, a liberdade de fazer escolhas, e a autonomia. Se, por exemplo, um substituto como uma propriedade para Ø, é a autonomia, chega-se a uma sentença da seguinte forma: (2) Todos os seres autônomos têm direitos humanos. Caso se confronte essa frase com a pergunta: “Por quê?” É difícil dar uma resposta, para a autonomia ser considerada por aqueles que a concebem como uma razão para os direitos humanos como uma razão definitiva. O problema deriva do fato de que para Ø são usadas sentenças em declarações que são feitas a partir da perspectiva de um observador. A partir dessa perspectiva, é difícil explicar por que autonomia tem qualquer significado normativo. Por contraste, o argumento explicativo-existencial é um argumento que explora a perspectiva de um participante de discursos. Ele não propõe regras a partir de um ponto de vista externo, mas descreve as regras que já são válidas nessa prática. Dessa forma, torna explícito não só o conteúdo dessas regras, mas também a sua normatividade interna. Desse modo, é capaz de resolver o problema de normatividade.

Quando os direitos humanos podem ser violados, eles podem quanto direitos abstratos ser violados ou em um grau extremo ou em menor grau. Quando os direitos humanos podem ser violados em um grau extremo significa que a fórmula de Radbruch é aplicável. Se tudo isso for verdade, o argumento do relativismo é refutado.

Referências11

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