Direito Penal Ambiental e a questão da pessoa jurídica como sujeito ativo nos crimes ambientais.pdf

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INTRODUÇÃO

O presente estudo adentrará ao relevante tema da tutela penal ambiental. Para tanto, faz-se necessário trazer conceitos básicos acerca do tema, com o escopo de delinear os institutos estudados e o alcance da norma penal ambiental. Com efeito, não há como estudar o “Direito Penal Ambiental”, sem antes conceituar a expressão “meio ambiente”. Apesar de reduzido interesse prático, deve-se notar que a expressão em comento não é a mais correta, já que envolve em si mesma um pleonasmo. Trata-se de expressão largamente difundida em nosso ordenamento jurídico, utilizada pelos Tribunais Superiores e por doutrinadores de escol. Alerta-se, porém, para a tecnicidade na utilização apenas da expressão “ambiente”. Conforme restará demonstrado na realização desta obra, algumas legislações nacionais são paradigmáticas na tutela ambiental no Brasil. Inegável a contribuição da Carta Maior, de 1988, considerada pela maioria da doutrina como uma das Constituições mais avançadas em matéria ambiental do mundo. Notese que antes da entrada em vigor da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, qual seja a lei 6.938/81, não havia definição legal de “meio ambiente”. A referida ausência foi suprida, conforme dispõe o artigo 3º, I, in verbis: “Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente (grifo nosso), o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

Nessa esteira, existem definições legais de “meio ambiente” em grande parte das legislações dos Estados-membros, que detêm competência para atuar em prol do meio ambiente, conforme dispõe o artigo 24, VI da Constituição Federal de 1988: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição”.

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Apenas para ilustrar, no Estado do Maranhão a lei estadual 4.154/1980 dispõe em seu art. 2º, parágrafo único, “a”, que “meio ambiente é o espaço físico composto dos elementos naturais (solo, água, e ar), obedecidos os limites deste Estado”. Já em Minas Gerais, “meio ambiente é o espaço onde se desenvolvem as atividades humanas e a vida dos animais e vegetais” (art. 1º, parágrafo único, da lei 7.772/1980). Por outro lado, não se desconhece a inovação trazida pela Constituição Federal de 1988, ao inserir pela primeira vez o tema “meio ambiente” de forma autônoma e em capítulo próprio. O artigo 225 da Carta Maior é o pilar de sustentação de toda a legislação ambiental, que também determina as balizas para a tutela penal ambiental. Trata-se de dispositivo imprescindível para a tutela ambiental em todas as suas formas. Nesse momento, far-se-á a transcrição apenas da cabeça do artigo, o qual será explorado oportunamente no estudo da tutela penal ambiental: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Com efeito, em que pese o inédito dispositivo trazido pela Carta Maior de 1988, não foi a primeira Constituição da América Latina a dispor sobre o meio ambiente. Machado (2013, p.145), explica: “Não foi a primeira Constituição da América Latina a fazê-lo, tendo sido precedida pelas Constituições do Equador e do Peru de 1979, Chile e Guiana de 1980, Honduras de 1982, Panamá de 1983, Guatemala de 1985, Haiti e Nicarágua de 1987. Nossos ancestrais na Europa – Portugal e Espanha – inovaram em 1976 e 1978 – introduzindo o tema nas Constituições”.

A escolha do tema reflete a necessidade de conhecer a real necessidade da incriminação de condutas que afetem o meio ambiente, com ênfase na possibilidade da responsabilização penal da pessoa jurídica, tema bastante controvertido na doutrina, que ganhou certos ares de pacificidade na jurisprudência pátria, nos últimos meses. Com efeito, o trabalho em tela é imprescindível para o Ensino Superior, notadamente nas faculdades de Direito, em que o “ramo” do Direito Ambiental tem recebido influxos de outros “ramos” do Direito, notadamente o Direito

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Constitucional e Direito Penal, sendo imperioso notar a complementariedade entre os ramos, não sendo mais possível justificar a importância de apenas um “ramo” do Direito. Destarte, ao traçar as principais diretrizes do Direito Penal Ambiental, não se está exclusivamente trazendo à baila o rol de crimes ambientais esculpidos na lei. Mais do que isso, demonstra-se a importância do pilar constitucional para a fixação de diretrizes efetivas para a aplicação da tutela penal ambiental, sem descurar dos princípios penais adaptados ao direito ambiental, já que este “ramo” é o único que incrimina a pessoa jurídica no ordenamento jurídico pátrio. Destarte, o presente trabalho foi dividido em cinco tópicos, iniciando com a indagação acerca da necessidade da tutela penal do meio ambiente, seguida de uma breve digressão da tutela penal ambiental em nossa história. Após, a apresentação características do tipo penal ambiental. Em seguida um tópico específico acerca do princípio da insignificância em matéria ambiental e de que forma a

jurisprudência

pátria

trata

da

temática.

Apresenta-se,

em

seguida,

a

responsabilidade penal da pessoa jurídica e as recentes decisões dos Tribunais Superiores, notadamente do Supremo Tribunal Federal acerca do tema. Por derradeiro, as considerações finais do trabalho, visando aprimorar a temática “Direito Penal Ambiental”, confrontando a produção científica com as decisões trilhadas pelos Tribunais Superiores. Na explanação do trabalho, optou-se pelo método indutivo, pesquisando, identificando e analisando a problemática para chegar às conclusões, utilizando-se para tal mister da pesquisa bibliográfica. Com efeito, pode-se elencar dois problemas fundamentais em relação ao Direito Penal Ambiental, quais sejam a possibilidade ou não da aplicação do princípio da insignificância e da existência ou não da responsabilização penal da pessoa jurídica, e em que medida. As respostas para os problemas elencados passarão necessariamente pela demonstração da necessidade da tutela penal em relação ao meio ambiente, sem se descurar à digressão da matéria em nosso ordenamento. Assim, pode-se compreender que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça nem sempre compartilhavam o mesmo posicionamento. Ao revés, há pouco tempo não havia posicionamento claro da Suprema Corte a respeito da responsabilização penal da pessoa jurídica, ao passo que o Superior Tribunal de Justiça há muito tempo encampava a teoria da “Dupla Imputação”. Desta forma, a divergência de entendimento entre eles aponta pela possibilidade tanto da

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aplicação do princípio da insignificância quanto da responsabilização penal da pessoa jurídica em crimes ambientais.

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1. A NECESSIDADE DA TUTELA PENAL DO MEIO AMBIENTE

Será realmente necessária a tutela penal do meio ambiente? Trata-se de uma pergunta corriqueira no meio empresarial, que muitas vezes não quer o “ônus”, mas apenas o “bônus” trazido pelo meio ambiente. A resposta é afirmativa. Não resta dúvidas que no panorama ambiental que vivemos questiona-se cada vez menos o porquê da incidência do direito penal no meio ambiente. Isto porque o ser humano se deu conta das limitações e fragilidades e da estreita vinculação entre a perpetuação da espécie humana e a manutenção do meio ambiente. Houve conscientização pelo ser humano acerca da necessidade de preservação, não apenas para as futuras gerações, mas também para a presente. Betiol (2010, p.16), explica: “...desmistificou-se a imagem de que a natureza possui uma capacidade infinita de se recompor após qualquer tipo de agressão, tomou-se consciência de que os recursos naturais são finitos, identificou-se que o modelo vigente de desenvolvimento é o responsável pela crise ecológica, e que os sistemas econômico e jurídico têm que se adaptar a essa situação para garantir a manutenção das presentes e futuras gerações humanas na Terra”.

Milaré (2014, p.844) indica: “(...) o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, na sua concepção moderna, é um dos direitos fundamentais da pessoa humana, o que, por si só, justifica a imposição de sanções penais às agressões contra ele perpetradas, como extrema ratio. Em outro modo de dizer, a ultima ratio da tutela penal ambiental significa que esta é chamada a intervir somente nos casos em que as agressões a valores fundamentais da sociedade alcancem o ponto do intolerável ou sejam objeto de intensa reprovação do corpo social”.

É exatamente diante dessa conscientização que houve aceitação, não somente no Brasil, mas no cenário internacional, acerca da necessidade de se socorrer ao Direito Penal para proteger o meio ambiente. Note-se que mesmo havendo a tutela penal, não há garantia de que haverá efetiva proteção do meio ambiente. Nessa esteira, Machado (2012, p. 828), comenta a inovadora lei 9.605/98 em relação à proteção da Amazônia, Pantanal e Mata Atlântica: “ [...] Não

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acreditamos que os novos crimes e o sistema penal a ser aplicado serão suficientes e eficazes para disciplinar os grupos nacionais e estrangeiros em atividade nessas áreas”. As proféticas palavras do professor Paulo Affonso Leme Machado parecem ecoar diante da tragédia sem precedentes ocorrida no dia 05-112015 em Mariana, Minas Gerais, causadas pela ação de uma empresa privada da área de mineração chamada Samarco, tendo como uma de suas acionistas a VALE (mineradora que era estatal e foi privatizada), com a participação de 50% no capital por meio de uma joint venture com a BHP Billiton, a maior empresa de mineração do mundo. Portanto, ao analisar a tutela penal ambiental, faz-se mister verificar as diretrizes para a incidência deste “ramo” do Direito de forma geral, e adequá-la em relação ao Direito Ambiental.

1.1.

Princípios do Direito Penal

O direito penal é regido pelos princípios da fragmentariedade e subsidiariedade. Em relação àquela, não é qualquer bem da vida que deve ser protegido pelo direito penal, ou seja, deve haver relevância para sua tutela, v.g. um grão de areia no deserto não deve ser tutelado pelo direito penal, por não trazer, por si só, relevância suficiente que demonstre a necessidade de intervenção do Direito Penal. Nessa toada, se um bem da vida merece a tutela do direito penal, ainda é necessário perquirir se a lesão ou ameaça de lesão são merecedores de uma sanção penal. Já em relação ao princípio da subsidiariedade, entende-se pela intervenção preliminar dos outros “ramos” Direito, v.g. Direito Civil, Direito Administrativo, Direito Tributário, restando o Direito Penal legítimo a intervir apenas quando a proteção oferecida pelos demais for insuficiente à proteção do bem jurídico. Note o exemplo do homicídio. Em que pese o autor de um homicídio ter o dever de indenizar, demonstrando a incidência do Direito Civil, imaginemos que o autor do homicídio é servidor público e comete o crime no exercício de suas funções. Por óbvio

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será sancionado na seara administrativa. Porém, em que pese as diversas incidências, o bem jurídico estaria sendo protegido insuficientemente se não houvesse intervenção do Direito Penal, com o escopo de tutelar efetivamente o bem jurídico “vida humana extrauterina”. Com efeito, diante da importância dos bens ambientais para as presentes e futuras gerações, a Constituição agiu corretamente ao determinar a tutela penal ambiental, homenageando a proteção a um direito fundamental diretamente relacionado à dignidade da pessoa humana. Desta forma, é imperioso notar o comando constitucional pela tutela penal ambiental, disposto no artigo 225, §3º da Constituição Federal: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Utilizando-se da hermenêutica contemporânea, extrai-se de uma análise sistêmica da Constituição Federal, quatro “espécies” de meio ambiente, senão vejamos: - Meio ambiente natural (art. 225 da Constituição Federal); - Meio ambiente artificial (art. 182 e seguintes da Constituição Federal); - Meio ambiente cultural (art. 215 e 215 da Constituição Federal); - Meio ambiente do trabalho (art. 200 da Constituição Federal).

1.2.

Proteção penal de bens supraindividuais

Deve-se atentar, nessa toada, a possibilidade da proteção penal dos bens supraindividuais, coletivos e difusos, não devendo o Direito Penal limitar seu campo de atuação apenas a bens jurídicos individuais. Com efeito, restou evidente que a Constituição Federal adotou essa possibilidade, diante do mandado de

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incriminação constante no art. 225, §3º, da Carta Maior. E mais, o referido dispositivo menciona a chamada responsabilização penal da pessoa jurídica, tema que será abordado oportunamente. Com efeito, a tutela de bens transindividuais é o que a doutrina denomina de Direito Penal Secundário, pois a realização do homem em sociedade se dá em duas vertentes, quais sejam como indivíduo, obrigando o Estado a protegê-lo diretamente (proteção em nível primário) e a realização social do homem, enquanto membro inserido na sociedade (proteção em nível secundário). Destarte,

ante

a

importância

dos

bens

ambientais,

a

Constituição Federal autorizou que as condutas lesivas ao meio ambiente estariam sujeitas a sanções penais, demonstrando a necessidade de proteção dos bens ambientais pelo Direito Penal, incriminando condutas não só praticadas pelo indivíduo pessoa física, mas também pela pessoa jurídica, conforme supracitado, restando demonstrada a necessidade de intervenção do Direito Penal na seara ambiental, com o escopo de tutelar um direito fundamental das presentes e futuras gerações. Por mais paradoxal que possa parecer, a população em geral não vislumbra muito valor aos bens ambientais. Falar em proteção ambiental e repressão a crimes ambientais e responsabilização penal da pessoa jurídica soa apenas como um discurso politicamente correto, pois a população em geral aprova, a mídia aceita, porém é notório que o discurso não é real e efetivo, pois o ser humano não consegue, de forma geral, se preocupar com situações em que não sofre as consequências, v.g., quando falamos em estatísticas de morte no trânsito em decorrência da ingestão de bebidas alcoólicas, o discurso não atinge a população em geral até que um conhecido ou um parente próxima seja vítima de um motorista embriagado. É a natureza do ser humano, e não é diferente em relação à necessidade da criminalização de condutas ofensivas ao meio ambiente. Com efeito, a tragédia ocorrida em Mariana, Minas Gerais, em que metais pesados foram encontrados na lama, apontando índice de ferro 1.366.666% acima do tolerável, manganês, que superam 118.000%, alumínio, presente em concentração 645.000% maior do que o tolerável para o tratamento e distribuição aos moradores, com consequências nefastas ao rio Doce e a respectiva biota, além das mortes, desaparecimentos e esvaziamento econômico da região, tolhendo milhares de pessoas de seu mínimo existencial, fazem com que a

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necessidade do direito penal ambiental seja incorporado pela mídia e pela população em geral. Destarte, apesar de longe de um desfecho, a tragédia de Mariana demonstra a capacidade de uma pessoa jurídica cometer inúmeros crimes ambientais. Ao se deparar com os fatos ocorridos e cotejá-los com a lei 9.605/98, há subsunção de inúmeros crimes praticados, em tese, pela empresa mineradora, e outros ainda que ocorrerão, explicitando ainda mais a necessidade de tutela penal enérgica e efetiva no campo ambiental, englobando, nesse diapasão, a necessidade de responsabilização penal ambiental da pessoa jurídica.

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2. CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS ACERCA DA TUTELA PENAL DO MEIO AMBIENTE NO BRASIL

Estudiosos afirmam existir a tutela penal ambiental desde o século XVI, evidenciada por uma legislação protecionista. Porém com a instituição do Governo Geral do Brasil, surgiram os chamados “Regimentos”, que tinham em seu teor normas que visavam prevenir a devastação exacerbada das florestas. As Ordenações Filipinas, de 1603, traziam em seu texto a tipificação de diversos crimes ambientais, notadamente restrições sobre a caça e a pesca e poluição de águas. O festejado Código Criminal de 1830, considerado por doutrinadores de escol como sendo o mais técnico diploma penal existente em nosso ordenamento, continha dispositivos que sancionavam aquele que realizasse corte ilegal de árvores e dano ao patrimônio cultural. A Lei 601, de 18 de setembro de 1850, que dispõe sobre as terras devolutas do Império, em seu artigo 2º já contemplava um tipo penal ambiental, senão vejamos: “Art. 2º Os que se apossarem de terras devolutas ou de alheias, e nellas derribarem mattos ou lhes puzerem fogo, serão obrigados a despejo, com perda de bemfeitorias, e de mais soffrerão a pena de dous a seis mezes do prisão e multa de 100$, além da satisfação do damno causado. Esta pena, porém, não terá logar nos actos possessorios entre heréos confinantes”.

Somente em 1934 surge o Código Florestal (Dec. 23.793/34), tipificando crimes e contravenções penais ambientais. No mesmo ano surge a nova Constituição Federal, com tímidos dispositivos acerca do direito ambiental. Ainda no referido ano, tivemos a entrada em vigor do Código de Águas e do Código de Caça. Com efeito, a característica brasileira em relação à proteção ambiental é a dispersão legislativa no tempo e no espaço. Assim, em 1941 foi promulgado o Código Penal (Dec.Lei 2.848/40), assim como a Lei de Contravenções Penais (Dec. 3.688/41), com tímidos, senão inexistentes dispositivos de tutela penal ao meio ambiente. Nesse diapasão, após a deficiente proteção trazida pelo Código Penal de 1940 em sua redação original surge um diploma central, qual seja o Código

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Florestal de 1965 (lei 4.771/65) e legislações que gravitam em torno do diploma central, quais sejam a lei 5.197/97 – Proteção à fauna, Dec.lei 221/67 – Pesca, Dec.lei 50.877/61 – Poluição das águas. Porém somente em 1981, com a entrada em vigor da lei 6.938/81, é que o legislador exteriorizou o chamado “antropocentrismo mitigado ou reformado”, nas palavras de Antonio Herman Benjamin. Segundo Alvarenga (2005, p.79): “Houve a edição de esparsas legislações ambientais, conforme já mencionado alhures. Porém a codificação existente antes de 1998 dispensava insuficiente proteção ao meio ambiente, tutelando apenas algumas modalidades de infração ecológica”. Com a chegada da lei 9.605/98, houve uma sistematização normativa em relação aos crimes ambientais, com a organização em cinco grupos que serão delineados em momento oportuno. Destarte, o panorama contemporâneo em relação à tutela penal ambiental é norteada pela lei 9.605/98, seguida de diversas leis em vigor que tutelam direta ou indiretamente o meio ambiente no viés penal. Segue rol exemplificativo de legislações que cumprem esse mister: 

Lei 12.651/2012 - Novo Código Florestal;



Lei 6.453/77 - Responsabilidade penal em danos nucleares;



Lei 6.766/79 - Prevê ilícitos relacionados ao parcelamento do solo para fins urbanos;



Lei 7.643/87 - Tutela cetáceos



Lei 7.802/89 - Lei dos Agrotóxicos



Lei 11.105/05 - Lei da Biossegurança Não se desconhece, nessa esteira, diversos dispositivos do

Código Penal e da Lei de Contravenções Penais que tutelam, ainda que indiretamente, o meio ambiente, v.g. o crime de dano do art. 163 do Código Penal, que pode incidir em bem ambiental.

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3. DOS CRIMES AMBIENTAIS

3.1. Aspectos Gerais

Tratando-se de crime, deve-se ter em mente que a competência para legislar é privativa da União, conforme dispõe o artigo 22, I da Constituição Federal: “Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal (grifo nosso), processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho”. Por outro lado, pode a União autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas do direito penal ambiental, desde que seja veiculada por Lei Complementar, conforme dispõe o parágrafo único do supracitado dispositivo: “Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo”. A Constituição Federal de 1988, no art. 225, §3º trouxe um mandado de criminalização em relação condutas lesivas ao meio ambiente, assim como as diversas disposições do referido artigo demonstram a necessidade de proteção aos bens ambientais, como ocorre com o inciso VII, que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Nosso

ordenamento

jurídico

contém

diversos

diplomas

delineando crimes ambientais. Evidentemente, a lei 9.605, de 12.02.1998 é um diploma paradigmático, mostrando-se como uma legislação avançada, utilizando como regra geral o não-encarceramento para as pessoas físicas, além da responsabilização penal da pessoa jurídica. Com efeito, todo ordenamento jurídico repressivo caminha na linha das balizas trazidas em 1998 pela lei em comento, pois a regra geral deixa de ser o cárcere e passa a ser a adoção de medidas alternativas. Basta analisar a lei 12.403/11, que deu nova redação ao Código de Processo Penal em relação à prisão preventiva. A regra geral, pautada no encarceramento, cede espaço para medidas alternativas à prisão, sendo a segregação provisória uma exceção. Com efeito, a influência da lei dos crimes ambientais difundiu suas balizas em todo o ordenamento jurídico, porém é possível concluir que as

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pessoas jurídicas somente podem ser responsabilizadas criminalmente, no Brasil, por atividades lesivas ao meio ambiente, não havendo qualquer possibilidade de incriminação em outros delitos, conforme será explanado oportunamente. Note-se que apesar do estudo em comento tratar do Direito Penal Ambiental e não apenas da lei 9.605/98 especificamente, cumpre traçar uma divisão da referida lei, qual seja uma “Parte Geral” e uma “Parte Especial”. Esta, evidentemente, trata de delitos ambientais. Aquela traça regras e cria institutos aplicáveis apenas aos crimes ambientais, em virtude do princípio da especialidade. Por outro lado, não somente a lei 9.605/98 trata de crimes ambientais lato sensu. Diversos diplomas o fazem, evidentemente de forma especial, v.g., lei 6.453/1977, lei 11.105/2005, entre outras. A Lei nº 9.605/98, em relação aos crimes em espécie, pode ser organizada da seguinte forma: - Crimes contra a fauna (artigo 29 a 37); - Crimes contra a flora (artigo 38 a 53); - Da Poluição e outros crimes ambientais (artigo 54 a 61); - Dos Crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural (artigo 62 a 65); - Dos Crimes contra a administração ambiental (artigo 66 a 69-A);

3.2. Dos crimes contra a fauna

O principal tipo penal em relação à proteção da fauna é o do artigo 29, que expõe as condutas de matar, perseguir, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida. Com efeito, o legislador, de forma técnica, pretendeu tutelar condutas que de qualquer sorte influenciam na perpetuação da espécie. Interessante notar as especiais causas de aumento de pena trazida na lei de crimes ambientais, quais sejam:

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I - Contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente no local da infração; II - Em período proibido à caça (período de defeso); III - Durante a noite; IV - Com abuso de licença; V - Em unidade de conservação; VI - Com emprego de métodos ou instrumentos capazes de provocar destruição em massa. VII – Se o crime decorre do exercício de caça profissional Com relação a este último, a lei traz uma causa de aumento de pena em até o triplo. Nos outros casos, temos uma causa de aumento de pena em patamar fixo, qual seja o aumento na metade. Assim, é imperioso notar que essas majorantes são especiais em relação àquelas contidas no Código Penal Brasileiro, aplicáveis a todo e qualquer crime, mesmo os contidos em lei especial, como no caso da lei dos crimes ambientais. Assim, o juiz, ao condenar o réu por crime contra a fauna, na terceira fase da pena, antes de analisar a possibilidade de aplicar causas de aumento de pena previstas no Código Penal, deve-se atentar às majorantes previstas na lei 9.605/98 antes de aplicar o diploma material. Novamente a técnica legislativa e a perspicácia do legislador, ao prever aprioristicamente casos em que os crimes contra a fauna são mais graves e, portanto, merecem ser apenas com maior rigor, trouxe majorantes específicas para os crimes ambientais baseados no conhecimento acerca das técnicas utilizadas para caça, tutelando com maestria condutas gravosas ao meio ambiente. Mas não é possível enaltecer o brilhantismo legislativo quando a análise se refere ao preceito secundário, ou seja, a sanção penal imposta aos crimes ambientais como um todo. Note, por exemplo, o já mencionado crime contra a fauna disposto no artigo 29 da lei 9.605/98, que prevê a pífia reprimenda de detenção, de seis meses a um ano, além da multa.

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No mais, o artigo 30 traz a figura da exportação de couros e peles de anfíbios e répteis em bruto sem a devida autorização, que nada mais é que um crime de contrabando (artigo 334-A do Código Penal) especializado. Com efeito, dispositivo desnecessário e retrógrado, pois prevê reprimenda de um a três anos de reclusão, ao passo que o crime de contrabando contido no Código Penal possui reprimenda de dois a cinco anos de reclusão. Em que pese a sanção penal do crime de contrabando ter sido aumentada com a entrada em vigor da lei nº 13.008/14, que introduziu o crime do artigo 334-A no Código Penal, separando os delitos de contrabando e descaminho, mantendo a reprimenda deste, qual seja de um a quatro anos de reclusão. Ou seja, mesmo antes da mudança legislativa alteradora do Código Penal, a reprimenda do contrabando era maior do que a do artigo 30 da Lei 9.605/98. Não fosse o bastante, o artigo 31 trata da introdução de espécime no país sem parecer técnico oficial e licença expedida por autoridade competente. Trata-se, novamente, de um contrabando especial, pois nada mais é do que uma importação proibida (não autorizada). As críticas supracitadas, acerca da reprimenda do crime especial, se asseveram quando se nota o preceito secundário do artigo 31, que prevê pena de detenção, de três meses a um ano, em pleno descompasso com o contrabando do Código Penal. Aplausos aos preceitos primários dos artigos 33 a

35,

que

incriminam condutas específicas na área ambiental. Isto porque as considerações realizadas acerca dos crimes dos artigos 30 e 31 demonstram a não só a prescindibilidade dos dispositivos, mas a nocividade da existência, pois se fossem simplesmente extirpados do ordenamento penal ambiental, a aplicação do crime previsto no Código Penal protegeria com maior rigor o meio ambiente. Por derradeiro, interessante a análise do artigo 37, que assim dispõe: “Art. 37. Não é crime (grifo nosso) o abate de animal, quando realizado: I em estado de necessidade, para saciar a fome do agente ou de sua família; II - para proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação predatória ou destruidora de animais, desde que legal e expressamente autorizado pela autoridade competente; III – (VETADO); IV - por ser nocivo o animal, desde que assim caracterizado pelo órgão competente”.

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Trata-se de casos em que a conduta praticada pelo agente não caracteriza crime. A hipótese trazida no inciso I já elucida que se trata de causa de exclusão da ilicitude. É o típico caso do caçador de subsistência, que reside em área rural e vive da caça. Para ele a conduta de caçar para alimentar a si e aos familiares é uma rotina. Para tanto, o Poder Público concede registro e porte de arma de fogo para tal mister, dentro de especificações regulamentas em lei. Note o recente caso analisado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, decidido de forma unânime pela 4ª Turma, disponível em http://www.jf.jus.br/noticias/2015/julho/trf1-absolve-homem-flagrado-com-dois-jabutispara-consumo-proprio-da-pratica-de-crime-ambiental: “TRF1 absolve homem flagrado com dois jabutis para consumo próprio da prática de crime ambiental. A caça e apreensão de dois jabutis para consumo próprio não justifica a abertura de processo penal, por absoluta falta de adequação social. Essa foi a fundamentação adotada pela 4ª Turma do TRF da 1ª Região para conceder a ordem de habeas corpus impetrado contra ato da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Roraima, que decretou a absolvição sumária do acusado, denunciado pela prática de crime ambiental. Consta da denúncia que o paciente, no dia 24/2/2011, foi flagrado por uma equipe do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), dentro da Floresta Nacional Roraima, na posse de dois jabutis, sem autorização ou permissão das autoridades competentes. O Juízo de primeiro grau, ao analisar o caso, optou por condenar o acusado pelo cometimento de crime ambiental. O denunciado, então, recorreu ao TRF1 sustentando que o fato narrado não constitui crime em razão de sua atipicidade material pela aplicação do princípio da insignificância, pois os jabutis em seu poder eram para a subsistência de sua família e que não haveria justa causa, visto que, conforme constatado pelos fiscais, a ação não comprometeu a biota, a qualidade ambiental ou a estabilidade do ecossistema, nem teria ocorrido dano à Zona Intangível da Unidade de Conservação. O relator, juiz federal convocado Marcus Vinicius Reis Bastos, deu razão à parte impetrante. Na avaliação do magistrado, a questão permite a aplicação do princípio da insignificância. “A conduta imputada ao denunciado nos autos da ação penal não tem aptidão para lesionar o bem jurídico protegido. A

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acusação não tem adequação social, afigurando-se de todo insignificante para justificar a movimentação da máquina punitiva do Estado”, disse. O magistrado ainda ponderou que “proteger as espécies animais da caça indiscriminada é uma meta importante para a sobrevivência do planeta, mas, como para tudo há uma medida, não se justifica a condenação penal de alguém por ter caçado dois jabutis”. A decisão foi unânime. Processo nº 0008232-11.2015.4.01.0000/RR”.

Percebe-se nitidamente que tanto a defesa quanto o órgão julgador cometem o equívoco de analisar a questão da insignificância, que detém vetores balizadores de aplicação, ao passo que o caso em comento, conforme é possível extrair do inteiro teor do acórdão de julgamento, refere-se a todo o tempo sobre a subsistência de réu e de seus familiares. Assim, ocorre a isonomia prática na aplicação dos institutos, ou seja, de qualquer forma não há crime, seja pela exclusão de ilicitude, seja pela atipicidade material da conduta.

3.3. Dos crimes contra a flora

Os crimes contra a flora estão disciplinados entre os artigos 38 a 53 da Lei dos Crimes Ambientais. É perceptível que o legislador quis proteger a flora brasileira, com maior ênfase nas Unidades de Conservação, que estão disciplinadas na lei nº 9.985/00, punindo, para tanto, não só condutas dolosas, mas também condutas culposas em diversos dispositivos, ampliando ainda mais a proteção ao ambiente.

A problemática em relação aos crimes contra a flora reside na dificuldade de fiscalização, pois o Brasil tem dimensões continentais. Com efeito, a utilização de ferramentas de georreferenciamento foi paradigmática em relação à possibilidade de fiscalização ambiental da flora, porém, longe de alcançar plena efetividade. Nesse diapasão, O INPE – Instituto Nacional de Pesquisa Espacial, divulga mensalmente os polígonos de áreas desmatadas maiores que vinte e cinco hectares. Assim, a fiscalização, de posse dessas informações, verifica indícios de desmatamento, notadamente em Unidades de Conservação, em terras indígenas e em terras públicas da União. No sítio eletrônico do INPE é possível investigar o

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desmatamento da Amazônia Legal com o auxílio da ferramenta chamada ´DETER´, que utiliza programas de computador de georreferenciamento para Detecção em Tempo Real da Amazônia Legal. É possível acessar a ferramenta diretamente no endereço www.obt.inpe.br/detér, tudo isso para demonstrar o avanço tecnológico com o escopo de efetivamente punir aqueles que cometem crimes contra a flora. A efetiva criminalização de condutas que atentem contra a flora é necessária, pois organizações criminosas atuam na extração, transporte e comércio ilegal de produtos florestais, causando prejuízos de milhões de reais, sem contar as pessoas que se prejudicaram com as condutas ilegais. A notícia a seguir demonstra o prejuízo estimado por uma organização criminosa voltada ao cometimento de crimes contra a flora, disponível https: //www.notícias.terra.com.br: “Polícia Federal cumpre, nesta sexta-feira, mais de 180 mandados de busca e apreensão e prisão preventiva em diversas cidades dos Estados do Mato Grosso, São Paulo, Paraná, Rio Grande Sul e Espírito Santo. A ação faz parte da Operação Jurupari que investiga a extração, transporte e comércio ilegal de produtos florestais na Amazônia mato-grossense, que teriam causados danos de aproximadamente R$ 900 milhões ao meio ambiente. A quadrilha é acusada, entre outros crimes, de corrupção ativa e passiva, furto, grilagem de terras, falsidade ideológica e inserção de dados falsos em sistema de informática. As investigações que culminaram na realização da operação duraram cerca de dois anos. Segundo a polícia foram encontradas irregularidades praticadas por servidores, engenheiros e proprietários em pelo menos 68 empreendimentos e propriedades rurais. Entre os investigados estão madeireiros, proprietários rurais, engenheiros florestais e servidores públicos da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA), que eram responsáveis por produzir e aprovar licenciamentos e Planos de Manejo Florestal fraudulentos, necessários à legalização e comércio de madeiras extraídas no interior dessas áreas públicas. A Justiça Federal em Mato Grosso decretou o sequestro e indisponibilidade dos bens de todos os envolvidos, bem como o afastamento preventivo de todos os servidores indiciados.”

Nessa toada, é imprescindível a criminalização de condutas atentatórias à flora. Por óbvio restam críticas às brandas sanções penais impostas pela legislação. O reflexo da insuficiente proteção trazida pela lei dos Crimes Ambientais repercute na atuação das organizações criminosas, conforme restou demonstrado acima. Trata-se de evolução natural das organizações criminosas, que

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num primeiro momento optam por crimes como o tráfico de drogas, mas percebem na exploração da flora um lucro maior e mais fácil, com menor reprimenda e menor fiscalização. Explica Mendroni (2009, p.07): “A evolução natural da humanidade, decorrente da modernização dos meios de comunicação, equipamentos tecnológicos de toda natureza, dos meios de transporte e de processamento de dados, trouxe também a reboque o incontrolável

incremento

da

criminalidade,

mas,

em

especial,

da

criminalidade organizada”.

Desta forma, pode-se afirmar que a reprimenda trazida na lei de Crimes Ambientais em relação à flora é insuficiente. Com efeito, as florestas são indispensáveis para o bem-estar e a sustentabilidade do planeta, mas todos os anos elas encolhem em média treze milhões de hectares, conforme relatório mais recente da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), lançado em 2010.

3.4. Da poluição e outros crimes ambientais

Os artigos 54 a 61 tratam basicamente da poluição, seja em sua forma direta (artigo 54), seja na utilização de substância tóxica na industrialização, transporte e comércio (artigo 56), ou mesmo poluir sem o conhecimento do órgão fiscalizador, ou seja, sem qualquer controle, sem qualquer licença ou autorização para o funcionamento de obras, serviços e estabelecimentos. Com o escopo de compreender o bem jurídico tutelado pela norma, cumpre trazer o conceito de “poluição”, constante do artigo 3º, III da lei 6.938/81: Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

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Com efeito, é notório o propósito do caput do artigo 54 da lei dos Crimes Ambientais em dar efetividade ao direito constitucional à sadia qualidade de vida trazida no artigo 225, caput, da Constituição Federal. Assim, o legislador, no artigo 54, espelhou sua atuação no mandamento constitucional e para tanto apenou com reclusão de um a quatro anos o delito do caput, prevendo também o delito culposo, e ainda formas qualificadas, em seu §2º. Conturbada é a análise do §3º do artigo 54, que tipifica a conduta omissiva de deixar de adotar, quando assim exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível. Machado (2012, p. 853), faz uma revisão de seu posicionamento acerca do referido dispositivo. Explana o festejado autor: “O princípio da precaução merece tranquilamente ser aplicado no campo do direito civil e administrativo ambiental, em que há responsabilidade sem culpa ou responsabilidade objetiva. No direito penal ambiental, a responsabilidade costumeiramente aceita é a responsabilidade subjetiva, em que fica a cargo da acusação provar a ocorrência do dolo, da imprudência, da negligência ou da imperícia. Antiga é a aceitação dos crimes de perigo, em muitas legislações. Não vejo, contudo, consenso para aceitação de crimes tipificados exclusivamente pelo descumprimento do princípio da precaução. Torna-se temerário poder imporse a pena de limitação da liberdade individual diante de um fato incerto, ainda que com aparência de verossimilhança”.

Fiorillo (2012, p.138) simplesmente anota que os §§ 2º e 3º são formas qualificadas das condutas descritas no caput, observando o fato de que o §3º traz modalidade qualificada de crime omissivo próprio. Desta forma, em que pese a relevância do pensamento esposado por Paulo Affonso Leme Machado, a tragédia ocorrida na cidade de Mariana-MG demonstra a possível e necessária aplicação do referido dispositivo no caso em comento. Isto porque no Direito Penal não é estranha a figura do crime omissivo próprio. Assim, o legislador, balizado pelo princípio da precaução, imputou como criminosa a omissão de quem deixar de adotar, quando assim exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.

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Assim, no caso de Mariana-MG, a adoção das medidas exigidas pelas autoridades competentes evitar o dano ambiental causado, pois caso o risco de rompimento das barragens fosse evidente ao Poder Público, evidentemente não seria a empresa autorizada a operar. Isto posto, data venia, é possível a aplicação do §3º do artigo 54 da lei de Crimes Ambientais, por ser medida efetiva de precaução do meio ambiente, sem ferir quaisquer garantias do indivíduo ou da pessoa jurídica, isto porque as medidas que deveriam ser adotadas são precisamente estipuladas pelas autoridades competentes, cada uma em sua atribuição.

3.5. Dos crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural

O artigo 62 abre a Seção IV do Capítulo V – Dos Crimes contra o Meio Ambiente), com três núcleos fundamentais, quais sejam destruir, inutilizar ou deteriorar. Por óbvio, a proteção ao patrimônio cultural está disposto na Constituição Federal, notadamente no artigo 216, senão vejamos: “Art. 216 - Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Portanto, a preocupação do legislador nesta Seção é com a qualidade de vida e o patrimônio cultural da população. Nesse viés de proteção cultural em sentido amplo, o que engloba o ordenamento urbano, a previsão esculpida no artigo 65 da Lei dos Crimes Ambientais, de pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano, detém a singela reprimenda de detenção, de três meses a um ano. Evidentemente, ao mesmo tempo que se protege o bem jurídico não se traz qualquer efetividade na proteção, pois com penas tão singelas, a repressão desse tipo de delito é inócua, já que dificilmente o autor do crime cumprirá pena privativa de liberdade.

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Com efeito, os dispositivos encontrados na Seção em comento têm o objetivo de tutelar com eficácia o patrimônio cultural em seu sentido amplo, dando concretude ao que dispõe o artigo 216 da Constituição Federal. Na prática as brandas penas impostas dificultam a prevenção geral e específica almejada pela pena.

3.6. Dos crimes contra a administração ambiental

São crimes que envolvem, de alguma forma, o procedimento administrativo ambiental, na maioria das vezes incidindo sobre a conduta do agente público. A maioria das disposições tratam de modalidades especiais do crime de falso do Código Penal. Novamente faz-se necessário criticar o descompasso do legislador, ao criar modalidade especial de falso, aplicável em procedimentos ambientais, e apenar com maior benevolência do que faz o diploma penal de forma genérica. Para isso deveria simplesmente não legislar a respeito do tema, fazendo incidir o crime de falso do Código Penal, e não a legislação especial. Ao revés, deve-se aplaudir a introdução realizada pela lei 11.284/2006, inserindo na Lei de Crimes Ambientais o artigo 69-A, de imperiosa transcrição do caput e a respectiva pena: “Art. 69-A. Elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa”.

Destarte, o legislador previu uma modalidade de falso especial, aplicável apenas nos procedimentos ambientais em sentido amplo, apenando com o rigor necessário para a efetiva proteção da administração ambiental.

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3.7. Considerações

Diante desse panorama, a paradigmática lei 9.605/98 trouxe uma forte preocupação com a reparação dos danos causados ao meio ambiente. Note-se o disposto no art. 27, ao tratar dos crimes ambientais de menor potencial ofensivo, o legislador previu a necessidade de prévia composição do dano ambiental para a aplicação da chamada "transação penal". Com efeito, o que se pode delinear é o viés reparador, e não somente o tradicional caráter preventivo e repressivo do direito penal. Mas não é só. Existem casos em que direitos fundamentais entram em rota de colisão, sendo imperiosa a ponderação entre eles. Com efeito, a Constituição Federal garante a livre manifestação cultural, na mesma medida da preservação do meio ambiente. Como compatibilizar os dois direitos fundamentais quando se está diante da chamada “farra do boi” ou da “rinha de galo”? O Supremo Tribunal Federal, em ambos os casos, enalteceu a preservação do meio ambiente em detrimento à livre manifestação cultural, conforme se extrai da leitura do informativo 628 do STF, senão vejamos: "Por entender caracterizada ofensa ao art. 225, § 1º, VII, da CF, que veda práticas que submetam os animais a crueldade, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para declarar a inconstitucionalidade da Lei fluminense 2.895/98. A norma impugnada autoriza a criação e a realização de exposições e competições entre aves das raças combatentes (fauna não silvestre). Rejeitaram-se as preliminares de inépcia da petição inicial e de necessidade de se refutar, artigo por artigo, o diploma legislativo invocado. Aduziu-se que o requerente questionara a validade constitucional da integridade da norma adversada, citara o parâmetro por ela alegadamente transgredido, estabelecera a situação de antagonismo entre a lei e a Constituição, bem como expusera as razões que fundamentariam sua pretensão. Ademais, destacou-se que a impugnação dirigir-se-ia a todo o complexo normativo com que disciplinadas as "rinhas de galo" naquela unidade federativa, qualificando-as como competições. Assim, despicienda a indicação de cada um dos seus vários artigos. No mérito, enfatizou-se que o constituinte objetivara assegurar a efetividade do direito fundamental à preservação da integridade do meio ambiente, que traduziria conceito amplo e abrangente

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das noções de meio ambiente natural, cultural, artificial (espaço urbano) e laboral. Salientou-se, de um lado, a íntima conexão entre o dever éticojurídico de preservação da fauna e o de não-incidência em práticas de crueldade e, de outro, a subsistência do gênero humano em um meio ambiente ecologicamente equilibrado (direito de terceira geração). Assinalouse que a proteção conferida aos animais pela parte final do art. 225, § 1º, VII, da CF teria, na Lei 9.605/98 (art. 32), o seu preceito incriminador, o qual pune, a título de crime ambiental, a inflição de maus-tratos contra animais. Frisouse que tanto os animais silvestres, quanto os domésticos ou domesticados aqui incluídos os galos utilizados em rinhas - estariam ao abrigo constitucional. Por fim, rejeitou-se o argumento de que a "briga de galos" qualificar-se-ia como atividade desportiva, prática cultural ou expressão folclórica, em tentativa de fraude à aplicação da regra constitucional de proteção à fauna. Os Ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli assentaram apenas a inconstitucionalidade formal da norma. Precedentes citados: RE 153531/SC (DJU de 13.3.98); ADI 2514/SC (DJU de 3.8.2005); ADI 3776/RN (DJe de 29.6.2007). ADI 1856/RJ, rel. Min. Celso de Mello, 26.5.2011. (ADI1856)"

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4. CARACTERÍSTICAS DO TIPO PENAL AMBIENTAL

Segundo Freitas; Freitas (2001, p. 36/38) destacam três características ínsitas aos tipos ambientais, quais sejam: a) tipos penais em branco; b) tipos penais abertos; e c) elementos normativos do tipo. Além destas, pode-se acrescentar mais duas, consistentes na predominância dos tipos de perigo e dos tipos mistos. As especificidades que existem em relação à tutela ambiental fazem com que os crimes ambientais necessitem de um complemento em sua tipificação. É o que se denomina “norma penal em branco”. No caso em comento, é notória a importância das Resoluções do CONAMA acerca da proteção ambiental em sentido amplo, servindo muitas vezes para dar concretude ao tipo penal ambiental. Nesse diapasão, estamos a tratar da norma penal em branco em sentido estrito, cuja complementação é originária de outra instância legislativa. Bitencourt (2012, p. 223) determina os lindes de aplicação da complementação: “No entanto, a fonte legislativa (Poder Legislativo, Poder Executivo etc.) que complementa a norma penal em branco deve, necessariamente, respeitar os limites que esta impõe, para não violar uma possível proibição de delegação de competência na lei penal material, definidora do tipo penal, em razão do princípio constitucional de legalidade (art. 5º, II e XXXIX, da CF/88), do mandato de reserva legal (art. 22, I) e do princípio da tipicidade estrita (art. 1º do CP). Em outros termos, é indispensável que essa integração ocorra nos parâmetros estabelecidos pelo preceito da norma penal em branco. É inadmissível, por exemplo, uma remissão total do legislador penal a um ato administrativo, sem que o núcleo essencial da conduta punível esteja descrito no preceito primário da norma incriminadora, sob pena de violar o princípio da reserva legal de crimes e respectivas sanções (art. 1º do CP)”.

Já em relação à utilização dos chamados “elementos normativos do tipo”, trata-se de técnica legislativa que propiciar maior elasticidade às previsões legais, que, conforme leciona Zaffaroni (2003, p. 447), são aqueles “elementos para cuja compreensão se faz necessário socorrer a uma valoração ética ou jurídica”.

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Com efeito, constata-se o elemento normativo do tipo nas expressões ‘sem licença’, ‘sem autorização’, dentre outras, conforme constam em vários dispositivos da Lei de Crimes Ambientais, v.g. artigos 29, 30, 44, 45, 46, parágrafo único, dente outros. Sirvinkas (2002, p.41), leciona: “Na defesa do meio ambiente, há necessidade de complementação da lei penal em branco mediante ato administrativo. [...] A lei é estática; e o meio ambiente é dinâmico. Se se pretende proteger o meio ambiente, é necessário adotar medidas eficazes e rápidas para se evitar o dano irreversível. Não seria possível esperar a tramitação de uma lei até sua promulgação para se proteger uma espécie silvestre ameaçada de extinção, por exemplo. Há espécies em estado avançado de extinção a curto prazo e consideradas ameaçadas de extinção a médio prazo (espécies nacionais, regionais e locais). E por ato administrativo emanado de órgãos ambientais integrantes do SISNAMA é que melhor se protegerá a espécie silvestre ameaçada”.

As lições trazidas pelo autor supracitado são elucidativas para explicar o porquê da utilização de normas penais em branco e da utilização de elementos normativos de tipo em crimes ambientais. Isto posto, cumpre lembrar que há repartição de competências legislativas em matéria ambiental, notadamente com a edição da Lei Complementar 140, de 8 de dezembro de 2011, restando indene de dúvidas que o Estado-Membro detém o poder-dever de editar normas ambientais para a realização do mister constitucional de proteção do meio ambiente, exercendo polícia ambiental, com o fito de combater a poluição e preservar as florestas e a biota. Assim, é evidente e imperiosa a necessidade de complementação por outra instância legislativa.

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5. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA EM MATÉRIA AMBIENTAL

O Direito Penal, conforme restou evidenciado alhures ao tratar da

tutela

penal

ambiental,

pauta-se

nos

pilares

da

fragmentariedade

e

subsidiariedade. Assim, não se ocupa de toda e qualquer violação a bens jurídicos, mas somente os que necessitem de uma tutela mais intensa, v.g., vida, liberdade, honra e o meio ambiente. Nesse diapasão, constituinte originário, ao considerar a possibilidade de sancionar penalmente pessoas físicas e jurídicas pela prática de atos lesivos ao meio ambiente, bem jurídico transindividual de titularidade indeterminada, atribuindo o status de direito fundamental, bem de uso comum do povo, e, em consonância com o disposto no art. 5º, XLI da Constituição, que preceitua: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”, atribuiu ao meio ambiente um capítulo próprio na Carta Constitucional, denotando a importância da temática, com a necessária tutela penal específica que ocorreu com o advento da lei 9.605/98. Destarte, demonstrada a importância do meio ambiente como direito fundamental, pode-se afirmar que a jurisprudência tanto do Superior Tribunal de Justiça quanto do Supremo Tribunal Federal sempre se inclinou para a inaplicabilidade do princípio da insignificância. Porém, antes mesmo de adentrar aos debates jurisprudenciais, cabe esclarecer o que seria o princípio da insignificância. Sem embargos, em que pese considerações doutrinárias divergentes, quando se trata da composição analítica de crime, a corrente doutrinária ainda majoritária no globo entende que se trata de fato típico, ilícito e culpável. Com efeito, em relação ao fato típico existe a divisão da tipicidade em material e formal. Esta é a subsunção do fato à norma. Mutatis mutandis é o complexo chave e fechadura da enzima e substrato trazido pela Biologia. Como exemplo quando um homem dispara vários projéteis de arma de fogo na direção de outro homem, e diante dos ferimentos ocorridos este vem a óbito, há a subsunção deste fato ao disposto no artigo 121 do Código Penal, ou seja, há o que se denomina tipicidade formal. Porém tal vertente da tipicidade não tem o condão, por si só, de tornar o fato típico, pois ainda se deve analisar o viés material da tipicidade. Assim, a conduta praticada deve lesionar o bem jurídico de tal sorte que a tutela penal deva

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incidir. É nesse ponto que entra o princípio da insignificância, ou seja, o bem jurídico é atingido de forma tão tênue que a tutela penal não deve incidir. Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, nas palavras do Min. Celso de Melo, traçou vetores para a aplicação do princípio da insignificância, também denominada de “crime de bagatela”, quais sejam: - Ausência de periculosidade social da ação; - Reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; - Mínima ofensividade da conduta do agente; - Inexpressividade da lesão jurídica provocada; Retomando acerca da inicial inaplicabilidade do referido princípio pela jurisprudência pátria, cumpre ressaltar que a regra geral é a impossibilidade da aplicação do princípio da insignificância, tendo em vista o bem jurídico tutelado e os princípios da prevenção e precaução, reunidos muitas vezes pela jurisprudência pátria como princípio da cautela. Note a decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região no ano de 2006, época em que imperava a pura e simples inaplicabilidade da bagatela aos crimes ambientais: “TRF-3 - APELAÇÃO CRIMINAL 22955 ACR 1436 SP 2002.61.25.001436-0 (TRF-3) Data de publicação: 23/06/2006 Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 34 , LEI 9.605 /98. AUTORIA E MATERIALIDADE. ATIPICIDADE DO ATO PRATICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE

AOS

CRIMES

AMBIENTAIS.

SENTENÇA

ABSOLUTÓRIA MANTIDA POR FUNDAMENTO DIVERSO. 1. A autoria está demonstrada pelas declarações do próprio acusado, pela apreensão de 300 gramas de peixe e pelos depoimentos prestados pelos policiais florestais. 2. A materialidade está comprovada pelo Boletim de Ocorrência e pelo Auto de Infração Ambiental lavrado que demonstram que o acusado estava praticando atos de pesca na margem do Rio Paranapanema. 3. O ato praticado pelo acusado é atípico, tendo em vista que o período defeso para pesca na bacia do Rio Paraná encerrara em 16 de março de 2001, conforme demonstra a Portaria nº 07/2001, do IBAMA e os fatos foram praticado em 1º de março de 2002. 4. A aplicação do princípio da insignificância não é

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pertinente aos crimes ambientais, tendo em vista o bem jurídico tutelado e os princípios da prevenção e precaução que regem o direito ambiental. Ademais, seu emprego está vinculado à possibilidade de mensuração do bem jurídico tutelado, o que não ocorre quando se trata de meio ambiente. 5. Recurso improvido.”

Por outro lado, hoje o Supremo Tribunal Federal tem posição firme no sentido da possibilidade de aplicação do referido princípio, diga-se de passagem, cum grano salis, conforme segue na ementa do HC 112563 a seguir: “AÇÃO PENAL. Crime ambiental. Pescador flagrado com doze camarões e rede de pesca, em desacordo com a Portaria 84/02, do IBAMA. Art. 34, parágrafo único, II, da Lei nº 9.605/98. Rei furtivae de valor insignificante. Periculosidade

não

considerável

do

agente.

Crime

de

bagatela.

Caracterização. Aplicação do princípio da insignificância. Atipicidade reconhecida. Absolvição decretada. HC concedido para esse fim. Voto vencido. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, à luz das suas circunstâncias, deve o réu, em recurso ou habeas corpus, ser absolvido por atipicidade do comportamento (grifo nosso) Decisão A Turma, por maioria, concedeu a ordem para absolver o paciente, nos termos do art. 386, III, do Código Penal, vencido o Relator, que a denegava. Redigirá

o

acórdão

o

Senhor

Ministro

Cezar

Peluso.

Ausentes,

justificadamente, os Senhores Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa. 2ª Turma, 21.08.2012.”

A atipicidade a que se refere o Supremo Tribunal Federal é o viés material da tipicidade, ou seja, há a subsunção do fato à norma, porém a conduta é juridicamente insignificante, não estando apta a aperfeiçoar a tipicidade material do crime, conforme já explanação já realizada. O Superior Tribunal de Justiça também tem diversos precedentes na aplicação da bagatela em crimes ambientais, notadamente em crimes contra a fauna, citando um caso que chamou atenção da mídia, em que a Terceira Seção decidiu, por unanimidade, trancar a ação penal aplicando a bagatela a um grupo de pescadores que foi denunciado pelo Ministério Público de Minas Gerais por capturarem minhocas para fazer iscas de pescas.

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Note o julgado a seguir, em sede de Recurso Ordinário em Habeas Corpus denegado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, inviabilizando o trancamento da ação penal pelo não acolhimento do princípio da insignificância no cometimento de crime ambiental de pesca em período de defeso, que o E. Superior Tribunal de Justiça conheceu do recurso e lhe deu provimento para determinar o trancamento da ação penal, pela imperiosa aplicação do princípio da insignificância no caso, senão vejamos: “Processo:

RHC 47533 RS 2014/0107323-8

Relator(a):

Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR

Publicação:

DJ 08/06/2015

Decisão: RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 47.533 - RS (2014/01073238) RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR RECORRENTE : LUIS ISAAC MOLINA SALLES ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL DECISÃO Trata-se de recurso ordinário interposto por Luis Isaac Molina Salles contra o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que denegou o Habeas Corpus n. 5002247-26.2014.404.0000 (fl. 184): HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL

PENAL.

TRANCAMENTO

INVIABILIDADE.

PESCA.

PRINCÍPIO

DA

DE

AÇÃO

PENAL.

INSIGNIFICÂNCIA

NÃO

ACOLHIDO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO COMPROVADA. PERÍODO DE DEFESO. 1. Segundo entendimento consolidado na jurisprudência pátria, a utilização do habeas corpus com o fim de obter exclusivamente o trancamento de ação penal, somente é admissível quando o fato narrado na denúncia não configura, nem mesmo em tese, conduta delitiva, ou seja, o comportamento do réu é atípico ou não há certeza sobre a materialidade do crime; quando resta evidenciada a ilegitimidade ativa ou passiva das partes (podendo ser representada pela própria inocência do acusado) e, finalmente, se incidir qualquer causa extintiva da punibilidade do agente. 2. No caso, trata-se de crime formal e de perigo abstrato, no qual o risco de lesão ao equilíbrio e à harmonia do meio ambiente, em especial à fauna aquática, presume-se pela própria conduta descrita no tipo penal. Portanto, mesmo em face da ausência de pescado, não há se falar em aplicação do preceito da bagatela. 3. As alegações da defesa de que o paciente pescava sozinho, recreativamente, sem que tenha ocorrido captura de qualquer espécie da fauna aquática não constituem causa suficiente para afastar a tipicidade objetiva, uma vez que se está diante de crime de caráter formal, que dispensa o resultado da conduta elegida como criminosa.

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Verifica-se dos autos que o recorrente foi denunciado como incurso no art. 34, caput, da Lei n. 9.605/1998, porque, no município de Uruguaiana/RS, teria pescado

em

período

proibido.

Afirma

o

recorrente

que

pescava

recreativamente, sem qualquer intuito de lucro, não houve a captura de nenhum pescado e, no âmbito administrativo, recebeu apenas advertência, estando configurada a mínima reprovabilidade da conduta, mormente porque não houve nenhum dano ao meio ambiente. Requer, em liminar, a suspensão da Ação Penal n. 50043310220124047103 e, no mérito, o trancamento da ação. Deferi a liminar para suspender a Ação Penal no Juízo da Vara Federal Criminal de Uruguaiana/Seção Judiciária do Rio Grande do Sul (fls. 229/231). Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento do recurso ordinário e pelo trancamento da ação penal (fls. 252/254): RECURSO ORDINÁRIO HABEAS CORPUS - CRIME DE PESCA COM PETRECHO NÃO PERMITIDO - ART. 34 DA LEI N. 9.605/98 - PRETENSÃO AO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA PELA INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PROCEDÊNCIA - NECESSÁRIA ANÁLISE DO CASO - AUSÊNCIA DE DANO EFETIVO AO MEIO AMBIENTE (RECORRENTE PRIMÁRIO, DE CONDIÇÃO

HUMILDE

E

BAIXA

ESCOLARIDADE,

QUE

TEVE

APREENDIDO EM SEU PODER APENAS UMA REDE DE PESCA E NENHUM PESCADO) - PRECEDENTES DO STJ E DO STF PARECER PELO PROVIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO. É o relatório. Pelo que se extrai

dos

autos,

o

recorrente

pescava

sozinho,

recreativamente,

desconhecendo que vigorava há apenas dezesseis dias a Instrução Normativa n. 193/2008 do Ibama, que estabeleceu normas de pesca para o período de defeso na área de abrangência da bacia hidrográfica do Rio Uruguai (fl. 150). Com o denunciado foi apreendida apenas uma tarrafa de Nylon, mas nenhum pescado. Nesse contexto, entendo, assim como também se manifestou o Ministério Público Federal, que está evidenciada a mínima ofensividade da conduta. Anotem-se os julgados desta Corte: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. PESCA VEDADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AUSÊNCIA DE DANO EFETIVO AO MEIO AMBIENTE. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 1. Os denunciados são pescadores de origem simples, amadorista, sendo apreendida apenas uma rede de nylon e nenhum pescado, o que demonstra a mínima ofensividade da conduta. Ausência de lesividade ao bem jurídico protegido pela norma incriminadora (art. 34, caput, da Lei n. 9.605/1998), verificando-se a atipicidade da conduta imputada ao paciente. 2. Recurso ordinário provido para conceder a ordem e determinar o trancamento da Ação Penal n. 5011231-69.2010.404.7200

36

(Vara

Federal

Ambiental

e

Agrária

da

Subseção

Judiciária

de

Florianópolis/SC), com extensão ao corréu Claudemir Cláudio. (RHC n. 33.941/RS, Sexta Turma, de minha relatoria, DJe 17/9/2013 grifo nosso) PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. USO DE APETRECHO DE PESCA PROIBIDO. CONDUTA QUE NÃO PRESSUPÔS MÍNIMA OFENSIVIDADE AO BEM JURÍDICO TUTELADO. PRINCÍPIO

DA

INSIGNIFICÂNCIA.

ATIPICIDADE

MATERIAL

DA

CONDUTA. 1. É de se reconhecer a atipicidade material da conduta de uso de apetrecho de pesca proibido se resta evidente a completa ausência de ofensividade, ao menos em tese, ao bem jurídico tutelado pela norma penal, qual seja, a fauna aquática. 2. Ordem concedida para trancar a ação penal por falta de justa causa. (HC n. 93.859/SP, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 31/8/2009 grifo nosso) Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para determinar o trancamento da Ação Penal n. 50043310220124047103

-

Juízo da

Vara

Federal Criminal de

Uruguaiana/Seção Judiciária do Rio Grande do Sul. Publique-se. Brasília, 02 de junho de 2015. Ministro Sebastião Reis Júnior Relator.”

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6. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

Trata-se de um dos temas mais complexos e polêmicos da atualidade, notadamente pelo deslinde realizado pelo Supremo Tribunal Federal, o qual oportunamente discorreremos. Com efeito, a Constituição Federal introduziu no Brasil a responsabilidade penal da pessoa jurídica, disposta no art. 225, §3º, in verbis: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Por sua vez, a Lei 9.605/98, que trata dos Crimes Ambientais, acolheu a responsabilidade penal da pessoa jurídica, em consonância com o dispositivo supracitado, demonstrando a necessidade de se tutelar efetivamente o meio ambiente diante da enorme degradação do meio ambiente causada por grandes empresas na consecução de seus fins. Note-se, porém, que a sanção por crime ambiental e a sanção por infrações administrativas em relação às pessoas jurídicas guardam forte semelhança. Restaria o questionamento do porquê então de se considerar como crime, se a esfera administrativa já seria suficiente, com esteio na ideia de ultima ratio do Direito Penal. Com efeito, quando se trata de crime, cabe ao Poder Judiciário aplicar a sanção penal. Já nas infrações administrativas, cabe à Administração Pública tal mister. Acolhendo o entendimento do professor Paulo Affonso Leme Machado, no sentido de que garantia da aplicação de uma sanção é o móvel do legislador para incluir na seara penal condutas que restariam teoricamente sancionadas na via administrativa. Explica Machado (2012, p. 832): “A experiência brasileira mostra uma omissão enorme da Administração Pública na imposição de sanções administrativas diante das agressões ambientais. A possibilidade de serem responsabilizadas penalmente as pessoas jurídicas não irá desencadear uma frenética persecução penal

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contra as empresas criminosas. Tentar-se-á, contudo, impor um mínimo de corretivo, para que a nossa descendência possa encontrar um planeta habitável”.

Diante da possibilidade do cometimento de crime ambiental pela pessoa jurídica, alguns doutrinadores teceram críticas a respeito de possível colisão entre o disposto no art. 225, §3º e o art. 5º, XLV, ambos da Constituição Federal, este último que diz: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”. Com efeito, não há qualquer colisão, pois o que o Constituinte Originário veda é a condenação de familiares do condenado por conta da imposição de sanção penal a ele. Tal fato é inadmissível. De outro lado, a sanção penal poderá, e normalmente terá, reflexos extraindividuais legítimos. A repercussão econômica da sanção penal imposta à pessoa jurídica é um reflexo legítimo da imposição do poder estatal. O artigo 3º da Lei dos Crimes Ambientais dispõe: “Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.”

As infrações penais pelas quais a pessoa jurídica se responsabiliza devem ser cometidas por seu representante legal ou contratual, ou ainda por seu órgão colegiado, sendo o representante legal normalmente designado no estatuto da empresa ou associação. Com efeito, necessário saber se a designação formal ocorre efetivamente, pois não é incomum empresas utilizarem de engodo para encobrir a identidade do real representante legal de uma empresa ou associação, com a aposição do chamado “laranja” como representante legal da empresa. Já o representante contratual pode ser o diretor, o administrador, o gerente, o preposto ou mandatária da pessoa jurídica. Nessa esteira, a infração deve ser cometida no interesse ou benefício da entidade. Segundo Machado (2012, p.835), “são termos assemelhados,

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mas não idênticos. Não teria sentido que a lei, tão precisa em sua terminologia, tivesse empregado sinônimos ao definir um novo conceito jurídico”. O ilustre professor, ao diferenciar as expressões em comento, explana que “interesse” não diz respeito apenas às vantagens trazidas para a entidade, mas tudo aquilo que importa para ela. E expõe com precisão: “Não é, portanto, somente a ideia de vantagem ou lucro que existe no termo “interesse”. Assim, age criminosamente a entidade em que seu representante ou seu órgão colegiado deixa de tomar medidas de prevenção do dano ambiental, por exemplo, usando tecnologia ultrapassada ou imprópria à qualidade do ambiente. O fato de não investir em programas de manutenção ou de melhoria já revela a assunção do risco de produzir resultado danoso ao meio ambiente. O interesse da entidade não necessita estar expresso no lucro direto, consignado no balanço contábil, mas pode se manifestar no dolo eventual e no comportamento culposo da omissão”.

6.1. Da impossibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica

Vários autores de escol, dentre eles Prado (1993, p.15), entendem pela impossibilidade da responsabilização penal da pessoa jurídica, diante da incompatibilidade com o ordenamento vigente. Essa corrente doutrinária fundamenta-se na teoria da ficção, defendida por Savigny, explicando, de forma técnica, que a leitura da Constituição Federal não deixaria dúvidas acerca da impossibilidade de se responsabilizar penalmente a pessoa jurídica, senão vejamos: “§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Nessa toada, a interpretação do art. 225, §3º supra seria de que as condutas estão ligadas às pessoas físicas e acarretam sanções penais. As atividades ligadas às pessoas jurídicas e acarretam sanções administrativas. Trata-se de interessante compreensão, explanando que o Constituinte, em momento algum pretendeu excepcionar a regra por ele próprio já esculpido no art. 5º, XLV. Nesse

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diapasão, a pessoa jurídica não teria vontade, não praticaria conduta, e, portanto, inviável atribuir dolo ou culpa, pois não haveria conduta a se valorar. Por fim, analisando sistematicamente a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional, a responsabilidade penal da pessoa jurídica não teria embasamento, ante a necessidade da observância dos princípios da culpabilidade, da intervenção mínima e da pessoalidade.

6.3. Da possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica

A maior parte da doutrina, encampada por Machado (2012, p. 846) e Freitas; Freitas (2001, p.14), entendem pela possibilidade da responsabilização penal da pessoa jurídica, com fulcro na teoria da realidade, de Otto Gierke, com os seguintes fundamentos: 

A pessoa jurídica possui capacidade de atuação (societas delinquere potest);



A Constituição utilizou no art. 225, §3º o conectivo "e" entre as palavras "penais e administrativas", desejando penalizar as pessoas jurídicas das duas formas;



Deve-se olhar para a responsabilidade da pessoa jurídica com as lentes da responsabilidade social, afastando-se dos dogmas da responsabilidade individual.

6.4. Direito Comparado

Colacionando as lições de Machado (2012, p. 840), cita o festejado autor o XIII Congresso da Associação Internacional de Direito Penal, realizado no Egito, em 1984, onde restou evidenciado o crescimento da tutela penal da pessoa jurídica, ante a necessidade de controlar o crescente número de crimes econômicos e negociais. Nessa esteira deve-se notar que os crimes ambientais acarretam prejuízos incomensuráveis, por vezes organizações criminosas utilizam a empresa como "fachada" para o cometimento de crimes ambientais que visam lucro. De outro lado, as grandes empresas trabalham com o binômio " custo x investimento".

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Adequar toda a atividade empresarial às normas ambientais, incluindo todos os custos ambientais, por vezes não é a opção mais desejada pelos administradores para se colocar à frente no mercado, repercutindo, portanto, na livre concorrência. Nessa esteira, a Noruega (Lei de 13/03/1981, emendada pela Lei de 15/04/1983, art. 80), adotou expressamente a responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Portugal (Decreto-lei 28, de 20/01/1984), também adotou a responsabilidade penal das pessoas coletivas, sociedades e associações de fato. A França também adotou a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, em 1992. Em relação a esta, nota-se que o legislador francês criou uma distinção das penas impostas às pessoas jurídicas, que visam somente à prevenção e à dissuasão, ao passo que as penas para as pessoas físicas visam, em parte, a ressocialização, o que é inviável na pessoa jurídica. Na América do Sul, percebe-se que a Venezuela adotou a responsabilidade penal da pessoa jurídica em 1992, com sanções que variam de multa ao fechamento do estabelecimento, além de obrigações de fazer no sentido de custear a publicação da sentença, obrigação de destruir substâncias, materiais, instrumentos ou objetos fabricados que possam ocasionar danos ao meio ambiente e/ou saúde das pessoas, além da proibição de contratar com a Administração Pública por um período de três anos.

6.5. Brasil – A tragédia em Mariana – MG

A temática da responsabilidade penal ambiental da pessoa jurídica ganha maior relevo ante os recentes acontecimentos na cidade de Mariana, em Minas Gerais. A tragédia ocorrida no dia 05-11-2015, na cidade de Mariana, em Minas Gerais, em que barreiras de uma mineradora se romperam, levando à inundação de pelo menos 128 (cento e vinte e oito) residências, que foram atingidas por lama e dejetos. Segundo especialistas, a lama que desceu pelo rio Doce atingiu uma área de cerca de dez mil quilômetros quadrados no literal capixaba, área equivalente a mais de seis vezes o tamanho da cidade de São Paulo.

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Destarte, a tragédia ambiental sem precedentes confirma a importância do estudo em tela, qual seja, da necessidade da tutela penal em matéria ambiental e, por conseguinte, de se responsabilizar penalmente a pessoa jurídica por crimes ambientais. Note-se que o dano ambiental transborda a esfera econômica, já que a mortandade de espécies da fauna aquática e as consequências advindas desse fato impactam a região de forma sistêmica. Em 16 de novembro de 2015, a empresa responsável fez um termo de ajustamento de conduta e concordou em pagar R$ 1 bilhão para começar a compensar os danos materiais e ambientais causados. Com efeito, não se sabe quanto tempo levará para o rio Doce voltar ao seu estado anterior, ou mesmo se tal fato efetivamente ocorrerá. Certo é que multas e termos de ajustamento de conduta não conseguem tutelar o ambiente devastado por atos praticados pela empresa mineradora, que no afã de explorar recursos naturais, colocou em risco a fauna, flora, e mais, a vida de milhares de seres humanos atingidos direta ou indiretamente pela tragédia. O que se pretende demonstrar é que as medidas administrativas e cíveis não têm o condão de repelir a atividade nociva praticada. Para os gestores de uma empresa do porte da mineradora envolvida, “vale a pena correr o risco” pelo lucro auferido, sabedores que o Direito Penal Ambiental ainda é muito incipiente e não tem a força necessária para prevenir condutas dessa magnitude. A discussão acerca da necessidade da dupla imputação para a responsabilização penal ambiental da pessoa jurídica é tema em voga no âmbito do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, conforme será demonstrado no momento oportuno. Assim, apesar da Constituição Federal ser datada de 1988 e a lei de crimes ambientais de 1998, somente nos anos de 2015-2016 é que se poderá afirmar com precisão acerca da necessidade ou não da dupla imputação para a responsabilização penal ambiental da pessoa jurídica.

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6.6. Teoria ou Sistema da Dupla Imputação nos Crimes Ambientais

Conforme já mencionado alhures, uma das grandes inovações do texto constitucional foi a previsão de responsabilidade penal para as pessoas jurídicas, pelo cometimento de crimes ambientais. Com efeito, existia uma forte divergência entre Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal acerca da necessidade ou não de se figurar, ao lado da pessoa jurídica, a pessoa física. É o que a doutrina denomina “dupla imputação”. O Superior Tribunal de Justiça detinha firme posicionamento no sentido de ser necessário denunciar em coautoria a pessoa física e pessoa jurídica, aquela agindo com elemento subjetivo próprio, senão vejamos: “RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. ART. 38, DA LEI N.º 9.605/98. DENÚNCIA OFERECIDA SOMENTE CONTRA PESSOA JURÍDICA. ILEGALIDADE. RECURSO PROVIDO. PEDIDOS ALTERNATIVOS PREJUDICADOS. 1. Para a validade da tramitação de feito criminal em que se apura o cometimento de delito ambiental, na peça exordial devem ser denunciados tanto a pessoa jurídica como a pessoa física (sistema ou teoria da dupla imputação). Isso porque a responsabilização penal da pessoa jurídica não pode ser desassociada da pessoa física - quem pratica a conduta com elemento subjetivo próprio. 2. Oferecida denúncia somente contra a pessoa jurídica, falta pressuposto para que o processo-crime desenvolva-se corretamente. 3. Recurso ordinário provido, para declarar a inépcia da denúncia e trancar, consequentemente, o processo-crime instaurado contra a Empresa Recorrente, sem prejuízo de que seja oferecida outra exordial, válida. Pedidos alternativos prejudicados. (RMS 37.293/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 02/05/2013, DJe 09/05/2013) PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRIME AMBIENTAL. ART. 54, § 2º, V, DA LEI 9.605/98. DUPLA IMPUTAÇÃO. IMPRESCINDIBILIDADE. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

DENÚNCIA INEPTA.

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1. Nos crimes ambientais, é necessária a dupla imputação, pois não se admite a responsabilização penal da pessoa jurídica dissociada da pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio. 2. Recurso ordinário em mandado de segurança a que se dá provimento. (RMS 27.593/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 04/09/2012, DJe 02/10/2012)”.

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, ao interpretar o art. 225, §3º da Constituição Federal, menciona que não há qualquer condição imposta pela Carta Maior para a responsabilização da pessoa jurídica. Tratar-se-ia de uma restrição indevida da norma constitucional. A Corte Suprema consolidou seu entendimento no julgamento do RE 548.181, afastando a necessidade da chamada “dupla imputação” nos crimes ambientais: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE

PENAL

DA

PESSOA

JURÍDICA.

CONDICIONAMENTO DA AÇÃO PENAL À IDENTIFICAÇÃO E À PERSECUÇÃO CONCOMITANTE DA PESSOA FÍSICA QUE NÃO ENCONTRA AMPARO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação. 2. As organizações corporativas complexas da atualidade se caracterizam pela descentralização e distribuição de atribuições e responsabilidades, sendo inerentes, a esta realidade, as dificuldades para imputar o fato ilícito a uma pessoa concreta. 3. Condicionar a aplicação do art. 225, §3º, da Carta Política a uma concreta imputação também a pessoa física implica indevida restrição da norma constitucional, expressa a intenção do constituinte originário não apenas de ampliar o alcance das sanções penais, mas também de evitar a impunidade pelos crimes ambientais frente às imensas dificuldades de individualização dos responsáveis internamente às corporações, além de reforçar a tutela do bem jurídico ambiental.

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4. A identificação dos setores e agentes internos da empresa determinantes da produção do fato ilícito tem relevância e deve ser buscada no caso concreto como forma de esclarecer se esses indivíduos ou órgãos atuaram ou deliberaram no exercício regular de suas atribuições internas à sociedade, e ainda para verificar se a atuação se deu no interesse ou em benefício da entidade coletiva. Tal esclarecimento, relevante para fins de imputar determinado delito à pessoa jurídica, não se confunde, todavia, com subordinar a responsabilização da pessoa jurídica à responsabilização conjunta e cumulativa das pessoas físicas envolvidas. Em não raras oportunidades, as responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou parcializadas

de

tal

modo

que

não

permitirão

a

imputação

de

responsabilidade penal individual. 5. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte conhecida, provido. (RE 548181, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 06/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014)”.

Diante da jurisprudência firmada na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça modificou seu entendimento para alinhar-se à Corte Suprema, conforme noticiado no Informativo 566: “DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. DESNECESSIDADE DE DUPLA

IMPUTAÇÃO

EM

CRIMES

AMBIENTAIS.

É

possível

a

responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que agia em seu nome. Conforme orientação da Primeira Turma do STF, "O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação" (RE 548.181, Primeira Turma, DJe 29/10/2014). Diante dessa interpretação, o STJ modificou sua anterior orientação, de modo a entender que é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que agia em seu nome. Precedentes citados: RHC 53.208-SP, Sexta Turma, DJe 1º/6/2015; HC 248.073-MT, Quinta Turma, DJe 10/4/2014; e RHC 40.317-SP, Quinta Turma, DJe 29/10/2013. RMS 39.173-BA, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 6/8/2015, DJe 13/8/2015”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A maior tragédia ambiental ocorrida no Brasil reacendeu a chama da necessidade da tutela penal ambiental, legitimada na Constituição Federal de 1988. Assim, a pesquisa em tela resolveu os problemas elencados, notadamente em desvendar a possibilidade da adoção do princípio da insignificância aos crimes ambientais, notadamente os de pequena monta, atendendo aos vetores axiológicos cunhados pelo Supremo Tribunal Federal. Nessa mesma toada, restou elucidado o problema em relação à responsabilização penal da pessoa jurídica e a possível aplicação da teoria da “Dupla Imputação”, uma vez que o Supremo Tribunal Federal entendeu recentemente ser desnecessária para a incriminação da pessoa jurídica, fazendo com que o Superior Tribunal de Justiça revesse sua remansosa jurisprudência, que entendia ser necessário aplicar a teoria da “Dupla Imputação” para a incriminação da pessoa jurídica, abandonando tal entendimento e alinhando-se ao entendimento da Suprema Corte, o que confirma a hipótese do trabalho em tela, já que a tragédia ambiental em Mariana, Minas Gerais, demonstrou a necessidade de se abandonar a teoria da “Dupla Imputação” com o escopo de poder incriminar a pessoa jurídica sem a necessidade da presença da pessoa física na peça inicial acusatória do Ministério Público, facilitando a proteção ao meio ambiente, o que possibilitará a incriminação da empresa responsável pelo desastre ambiental, com o escopo principal de recuperar o meio ambiente destruído. Desta forma, a metodologia empregada foi suficiente para o deslinde exitoso do trabalho em questão, assim como a bibliografia utilizada foi suficiente para embasar com propriedade o estudo do Direito Penal Ambiental, pois na maioria das vezes a postura doutrinária coaduna-se com a obtida na jurisprudência pátria, mas a dissonância doutrinária é fundamental para a análise da problemática com lentes diversas, o que foi realizado neste trabalho, nada obstante a posição crítica adotada teve como parâmetro as recentes decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTES CONSULTADAS

ALVARENGA, Paulo. Proteção Jurídica do Meio Ambiente. 1ª ed., São Paulo: Lemos e Cruz, 2005.

BETIOL, Luciana Stocco. Responsabilidade civil e proteção ao meio ambiente. São Paulo: Saraiva, 2010. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 17. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, e CONTE, Christiany Pegorari. Crimes Ambientais. São Paulo: Saraiva, 2012. FREITAS, Vladimir Passos de, e FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2013. MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. SIRVINKAS, Luís Paulo. Tutela Penal do Meio Ambiente, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. Terra Notícias. 21.05.2010. Disponível em Acesso em 21.05.2010. ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral, 5ª ed. São Paulo: RT, 2003.

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