Direitos Cibernéticos

May 29, 2017 | Autor: Jordão e Paty | Categoria: Human Rights Law, Public Health
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Direitos Cibernéticos: Privacidade e Direito Subjetivo de Investigação, O Limite entre a Legalidade e O Totalitarismo.

No dia 1º de março de 2016, a Polícia Federal, em deferência a pedido da Justiça Federal de Sergipe, prendeu o Sr. Diego Dzodan, vicepresidente do Facebook na América Latina. Tal ação foi motivada pela recusa do Facebook em fornecer dados pessoais e informações trocadas no Whatsapp (pertencente ao Facebook desde 2014) por suspeitos de envolvimento com o tráfico de drogas (1). A decisão se baseou na Lei Federal 12.850/13, que em sua Seção IV, Artigo 15 e Seção V, Artigo 21, Caput. De acordo com os dispositivos acima mencionados, provedores de internet, categorizados juridicamente como provedores de aplicação, devem, por ordem judicial, fornecer dados pessoais e informações guardadas em forma de registro eletrônico (mensagens, publicações), para o processo de investigação criminal de organizações criminosas. O presente trabalho visa avaliar quão tênue é o limite entre a legalidade destas ações e ações estatais de cunho totalitário sob o prisma dos direitos humanos. Grande parte da discussão jurídica no em torno do fato se baseia no extremismo da decisão. Neste trabalho a perspectiva explorada é a possibilidade de um instrumento investigativo se tornar um instrumento de controle social. A perspectiva se baseia na possibilidade de, durante o processo investigativo, as informações associadas ou não à atividade delituosa sejam levadas a público com intuito de causar clamor social ou interferir na parcialidade do processo decisório. A priori, contudo, deve-se discorrer inicialmente sobre os direitos humanos no geral e no caso específico do direito cibernético. A função do ordenamento jurídico de um país é manter a estabilidade e coesão social e garantir condições de plena realização do indivíduo na coletividade. A história dos direitos humanos é longa e, em algumas situações, coincidentes com as lutas históricas da humanidade. Parte, principalmente do preceito que alguns valores, estes universais e imanentes a humanidade, são essenciais a condição e convivência humana (2). A Humanidade como ente histórico e mutável, tutelou sob a proteção jurídica (esta encarada em lato sensu) uma série de valores que lhe eram caros e com isto estipulou um conjunto de direitos, que tomados como um grupo, denominam-se direitos humanos. A partir de 1948, com o fim da 2ª Grande Guerra Mundial, criação da Organização das Nações Unidas, a tutela jurídica destes direitos ganhou caráter transnacional. A doutrina criou várias tipologias classificatórias destes direitos, e, apesar de discussões de caráter doutrinário, a tipologia mais aceita, a de

Marshall, Bobbio, Sarlet e Oliveira Junior, classifica estes direitos em 5 gerações. Cada uma delas abrange um grupo de direitos que se superpõe e se complementam. Na visão de vários autores, sequer podem ser tratados em separados, e a classificação é adotada apenas por caráter didático (3). A primeira geração trata dos direitos civis e políticos, inerentes a individualidade. São atributos naturais da díade indivíduo-Estado, de natureza inalienável e imprescritível. São tidos como direitos negativos, pois prescrevem os limites da ação do Estado na vida de seus cidadãos. Sua fundamentação é tida como jusnaturalista secularizada, o principal preceito é a liberdade e a titularidade é individual (2). Os direitos sociais, econômicos e culturais, de titularidade coletiva são arrebanhados sob a égide de Direitos Humanos de 2ª geração. São fundamentados na igualdade e têm alcance positivo, pois postulam a atuação do Estado frente a sua realização e garantia. Prescrevem uma série de deveres do Estado e estão associados a contribuições do indivíduo para com a coletividade (2). De titularidade difusa, meta-individual ou transindividual se agrupam na 3ª geração. Fundamentam-se na fraternidade, e têm como característica ativa a solidariedade. Neste caso o Estado e a sociedade são prestadores, e grupos de indivíduos ou categorias de pessoas são os credores destes direitos (2). Os direitos de 4ª e 5ª geração se relacionam com o desenvolvimento técnico e científico. Os avanços na área de biomedicina levou a humanidade a confrontar novos paradigmas éticos, como a preservação do patrimônio genético, a doação de órgãos, a eutanásia. O desenvolvimento da tecnologia da informação, com a criação do ciberespaço, proporcionou o surgimento de novas formas de interação (2). Ambas categorias de avanço trouxeram consigo enormes benefícios a espécie humana, mas são também fonte de lides, conflitos e de novas formas de crime. Nas palavras de Ms. Navi Pillay, Alta Comissária de Direitos Humanos, da ONU: “We have to adapt our norms and standards, and our working methods, to a world where changes are ocurring in a faster, more complex way than ever before, with consequences that are hard to predict”(4) “Nós temos que adaptar nossas leis e padrões, e nossos métodos de trabalho, para um mundo onde mudanças estão ocorrendo de uma forma mais rápida e mais complexa do que já ocorreu antes, com consequências que são difíceis de prever”.

É fácil compreender que os direitos de 4ª e 5ª geração se integram com as outras gerações, pelo fato que, principalmente nos de 5ª

geração, só se validam pela existência das outras. A existência virtual do indivíduo no ciberespaço é consequência necessária de sua existência física e real. A existência deste espaço virtual facilita a realização de crimes físicos e se torna ambiente para realização de novas infrações a direitos humanos (5). A doutrina ainda fala da 6ª geração de direitos, estes associados aos efeitos da globalização sobre a sociedade. A premissa destes direitos fundamenta-se na democracia, como uma necessidade para as sociedades políticas do mundo. Sob esta perspectiva, o Estado não tem mais o aspecto de poder e força, mas se torna instrumento possibilitador da convivência social e garantidor dos direito do cidadão, isto é, o Estado como meio, e não como fim (6). Na esteira da história, a ONU publicou, em diversos espaços, a Declaração dos Direitos Humanos no ciberespaço. Entre outras premissas, igualmente importantes, destaca-se no âmbito do presente trabalho: “Considerando que a transição de uma sociedade baseada na propriedade para uma sociedade baseada na informação cria uma nova estrutura de poder que tem também o potencial de oprimir e explorar aqueles que não têm formação técnica ou acesso às ferramentas para a informação e comunicação” (7). Eventos recentes continuam a exemplificar a possibilidade de “excesso” por parte de instituições estatais, como o escândalo de ciberespionagem revelado por Snowden. A NSA (National Security Agency), justificando suas ações como combate e prevenção a atentados terrorista, estabeleceu vigilância cibernética, acessando informações de caráter sigiloso de vários cidadãos ao redor do mundo, inclusive de personalidades. Categoria de excesso similar foi cometida pela interceptação telefônica que o juiz federal Sérgio Moro infligiu recentemente a Presidência da República. Justificou-se no valor público do conteúdo interceptado. Vários proponentes vieram à mídia criticar a atitude, visto que a mesma infligia questões jurídicas associadas a foro por prerrogativa de função, alegando ainda que tal atitude abre precedentes para interceptações indiscriminadas, típicas de Estados policiais. Estendendo a mesma consideração a interceptação cibernética (telemática), as considerações são de igual peso. Visto não serem raras as ocorrências de divulgação indevida de informações recolhidas pelo método por mídias de massa. O fato a cada dia se torna mais corriqueiro e informações desta natureza são diuturnamente veiculadas em informativos mediácos de circulação.

A utilização de tal artifício se torna meio de manipulação de decisões, visto que, muitas vezes, influencia de sobremaneira a opinião pública a respeito do fato e, mesmo que subliminarmente, interfere na imparcialidade e impessoalidade do processo decisório do judiciário. Além do caso recente do grampo a Presidente da República, cita-se como exemplo de similar manipulação o caso Nardoni, onde vias de conta, a defesa do casal levado a júri, foi, no mínimo, dificultada. Ideologias similares, a de que fins justificam os meios, são típicas de regimes totalitários. Infelizmente, inúmeros exemplos históricos comprovam esta tese ou, no mínimo, a tornam razoável. Devemos ter em mente as palavras da Srta Navi Pallay: “Sometimes the responses to these challenges raise as many, or more, human rights concerns than the problems they set out to address – counterterrorism and austerity measures being two obvious examples. It is vital for us to maintain momentum, and stick to the path laid down by the VDPA. We must refuse to compromise on the hardwon fundamental human rights compliant laws, standards and institutions that have been built up over the past half century. These need to be consolidated, expanded, strengthened”(4). “Algumas vezes as respostas a estes desafios cria tantas ou mais preocupações a respeito dos direitos humanos quanto os problemas que elas tentam solucionar – contraterrorismo e medidas de austeridade sendo dois exemplos óbvios. É vital que nós mantenhamos o momentum, e nos ater ao caminho traçado pela VDPA. Nós devemos no recusar a comprometer leis, padrões e instituições complacentes aos direitos humanos fundamentais, tão dificilmente conquistadas, que tem sido construídas ao longo da última metade do século. Estes precisam ser consolidados, expandidos e reforçados”.

1. G1 Polícia prende vice-presidente do Facebook na América Latina em

SP notícias em São Paulo. Disponivel em: http://g1.globo.com/saopaulo/noticia/2016/03/policiaprenderepresentante dofacebooknaamericadosulemsp.html. Acesso em 11/03/16, às 22:30. 2. Direitos humanos: novas dimensões e novas fundamentações. Wolkmer,

Antônio Carlos. Direito em Debate. Ano X, n o 16/17. Jan-Jun/2002. Pág. 9- 32. 3. A quinta geração de direitos fundamentais. Bonavides, Paulo. Direitos Fundamentais & Justiça. No 3. Abr-Jun/2008. Pág. 82- 93. 4. Concluding Statement. Pillay, Navi. Viena +20 Conference. Viena. 28 de junho de 2013. 5. Pedofilia e os direitos humanos: do real para o virtual. Martins, Paulo César. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 79, ago 2010. Disponível

em:

http://ambitojuridico.com.br/site/index.php/?

n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7970&revista_caderno=17. Acesso em mar 2016. 6. Os Direitos Humanos de 5ª geração enquanto direito a paz e seus reflexos no mundo do trabalho – inércias, avanços e retrocesso na Constituição Federal e na legislação. Anais do XVII Congresso Nacional do CONPED. Brasília – DF. 20-22 de novembro de 2008. 6970 – 6989. 7. Declaração Dos Direitos Humanos no Ciberespaço. Disponível em:

http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/deciber.htm. Acesso em 11/03/2016 às 22:55.

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