DIREITOS HUMANOS COMO RACIONALIDADE DE RESISTÊNCIA: Um Olhar Sobre as Lutas por Paz dos Movimentos de Mulheres em Bogotá

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE NACIONAL DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

NATALIA CINTRA DE OLIVEIRA TAVARES

DIREITOS HUMANOS COMO RACIONALIDADE DE RESISTÊNCIA Um Olhar Sobre as Lutas por Paz dos Movimentos de Mulheres em Bogotá

RIO DE JANEIRO 2016

Natalia Cintra de Oliveira Tavares

DIREITOS HUMANOS COMO RACIONALIDADE DE RESISTÊNCIA Um Olhar Sobre as Lutas por Paz dos Movimentos de Mulheres em Bogotá

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito, com área de concentração em Teorias Jurídicas Contemporâneas. Orientadora: Vanessa Oliveira Batista Berner. Co-orientadora: Angela Mercedes Facundo Navia

Rio de Janeiro 2016

C231d

Cintra de Oliveira Tavares, Natalia Direitos Humanos como Racionalidade de Resistência: Um Olhar sobre as Lutas por Paz dos Movimentos de Mulheres em Bogotá / Natalia Cintra de Oliveira Tavares. – Rio de Janeiro, 2016. 170 f. Orientadora: Vanessa Oliveira Batista Berner. Coorientadora: Angela Mercedes Facundo Navia. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade Nacional de Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito, 2016. 1. Direitos Humanos. 2. Resistências. 3. Vulnerabilidades. 4. Reconhecimento. 5. Governo Humanitário. I. Oliveira Batista Berner, Vanessa, orient. II. Facundo Navia, Angela Mercedes, coorient. III. Título. CDD 341.270986148

Natalia Cintra de Oliveira Tavares

DIREITOS HUMANOS COMO RACIONALIDADE DE RESISTÊNCIA Um Olhar Sobre as Lutas por Paz dos Movimentos de Mulheres em Bogotá Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito, com área de concentração em Teorias Jurídicas Contemporâneas. Aprovada em

de

de 20

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Vanessa Oliveira Batista Berner (Orientadora) Prof.ª Dr.ª Associada da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Angela Mercedes Facundo Navia (Co-Orientadora) Pesquisadora Dr.ª da Fundação Casa de Rui Barbosa

Luiz Eduardo de Vasconcellos Figueira Prof.º Dr.º Adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Maria de Fátima Lima Santos Prof.ª Dr.ª Adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Márcia Angelita Tiburi Doutora em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Às mulheres mais inspiradoras que conheço: Adriana, Fernanda e Vanda.

AGRADECIMENTOS Fazer essa pesquisa não teria sido possível sem as muitas pessoas que me apoiaram. Iniciar a carreira acadêmica não é exatamente fácil, prosseguir nela talvez seja ainda mais difícil, e o mestrado é apenas o começo. Por isso mesmo gostaria de primeiramente agradecer às pessoas que me acolheram neste universo diversas vezes inóspito, Vanessa e Angela, minhas orientadoras. São duas mulheres inspiradoras enquanto acadêmicas e feministas, e me sinto extremamente honrada e agradecida de ter sido por elas acolhida, guiada e orientada. Aos meus pais e ao Jovan, agradeço profundamente todo apoio material e afetivo sem os quais teria sido impossível prosseguir. Ao meu pai, especificamente, agradeço por tudo o que ele já fez e tem feito por mim para contribuir com a realização dos meus sonhos: é uma das melhores pessoas que já conheci na vida e com um dos maiores corações do mundo, e com quem aprendo diariamente como ser melhor. À minha irmã, à minha prima Rebecca, e aos meus mais próximos amigos, agradeço o carinho, o apoio, a amizade e a paciência tão necessários para manter a minha lucidez. Aos meus colegas e amigos de mestrado, agradeço pelo companheirismo: sem vocês, teria sido muito mais amargo. Por fim, mas não menos importante, agradeço a todas as mulheres que abriram as portas de suas vidas, com especial enfoque em Olga Betancourt, para que eu conseguisse ter um vislumbre da complexa realidade colombiana e da dimensão de suas lutas.

“Ya era hora que fuese el tiempo de las víctimas. Y lo que aspiro es que sea un tiempo real para que las palabras tengan credibilidad… aspiro a que se reconozca que a nosotros ninguno de los grupos armados nos derrotó. A pesar de todo, seguimos siendo una población crítica que no cree en las armas. Que cree en el poder de la palabra y en la organización social.” Mulher vítima do conflito armado em Barranquilla.

RESUMO TAVARES, Natalia Cintra de Oliveira. Direitos Humanos como Racionalidade de Resistência: Um Olhar sobre as Lutas por Paz dos Movimentos de Mulheres em Bogotá, 2016. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade Nacional de Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. Esta pesquisa procura entender a dinâmica dos movimentos sociais de vítimas mulheres em Bogotá e suas concepções e demandas por paz. É um trabalho que busca, com o auxílio de uma aproximação etnográfica, visibilizar alguns limites do processo de paz em curso com as FARC e de uma gestão humanitária das vítimas dos conflitos armados na Colômbia, com enfoque nas mulheres. Com base em uma metodologia que concebe o corpo das mulheres não como objeto de estudo, mas como potência de mudança, como agente político de transformação social, busquei na antropologia a forma necessária para realizar essa pesquisa, que tem como centro o protagonismo da luta das mulheres vítimas por direitos humanos e por uma nova dignidade possível. Com o relato pessoal de vítimas, representantes de governos, funcionárias de organismos internacionais, com a descrição das Agendas de Paz de movimentos de mulheres populares, e com as comunicações públicas das delegações de vítimas em Havana, foi possível perceber suas lutas comuns pelo reconhecimento. Um reconhecimento da dor, por um lado, que torna suas vidas dignas de luto social. E o reconhecimento político, por outro lado, que lhes garante um autorreconhecimento recíproco capaz de dirimir injustiças e opressões. Com o auxílio analítico de autores como Judith Butler, Ochy Curiel, Veena Das, Didier Fassin, Axel Honneth, Walter Mignolo, entre outros, foi possível fazer uma leitura crítica dos acontecimentos atuais e elaborar uma resposta pela desconstrução/reconstrução das máquinas de poder e do projeto de democracia na Colômbia com fins de se pensar um novo paradigma de direitos humanos e de dignidade para as mulheres vítimas dos conflitos colombianos. Palavras-chave: Reconhecimento.

Feminismo;

Governo

Humanitário;

Resistência;

RESUMEN TAVARES, Natalia Cintra de Oliveira. Derechos Humanos como Racionalidad de Resistencia: Una Mirada a las Luchas por Paz de los Movimientos de Mujeres en Bogotá, 2016. Disertación (Maestría en Derecho) – Facultad Nacional de Derecho, Programa de Post-Graduación en Derecho, Universidad Federal de Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. Esa investigación busca comprender la dinámica de los movimientos sociales de mujeres víctimas en Bogotá y sus concepciones de y demandas por paz. Un trabajo que procura, con la ayuda de una aproximación etnográfica, visibilizar algunos límites del proceso de paz en curso con las FARC y de una gestión humanitaria de las víctimas de los conflictos armados en Colombia, con especial atención en las mujeres. Con base en una metodología que comprende el cuerpo de las mujeres no como un objeto de análisis, sino como potencia de transformación, como agente político de cambio social, busqué en la antropología la forma necesaria para realizar esa investigación, que tiene como centro el protagonismo de la lucha de las mujeres víctimas por derechos humanos y por una nueva dignidad posible. Con los relatos de las víctimas, de representantes gubernamentales, funcionarias de organizaciones internacionales, con las descripciones de Agendas de Paz de movimientos de mujeres populares, y con las comunicaciones públicas de las delegaciones de víctimas en la Habana, fue posible percibir sus luchas comunes por reconocimiento. Un reconocimiento del dolor, por un lado, que torna sus vidas dignas de luto social, y un reconocimiento político, por otro, que les garantiza un auto reconocimiento recíproco capaz de resolver injusticias y opresiones. Con la ayuda de los análisis de autores tales como Judith Butler, Ochy Curiel, Veena Das, Didier Fassin, Axel Honneth, Walter Mignolo, entre otros, fue posible hacer una lectura crítica de los acontecimientos actuales y producir

una

respuesta

para

la

decontrucción/reconstrucción

de

los

instrumentos de poder y del diseño democrático en Colombia con fines de pensar un nuevo paradigma de derechos humanos y dignidad para las mujeres víctimas de los conflictos armados colombianos Palabras-llave: Reconocimiento.

Feminismo;

Gobierno

Humanitario;

Resistencia;

LISTA DE SIGLAS ACNUR

Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados

Andescol

Asociación Nacional de Desplazados Colombianos

AUC

Autodefensas Unidas de Colombia

CICV

Comitê Internacional da Cruz Vermelha

ELN

Ejército de Liberación Nacional

EUA

Estados Unidos da América

FARC-EP

Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia – Ejército del Pueblo

LGBTI

Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais

MSF

Médicos Sem Fronteiras

ONG

Organização Não-Governamental

ONU

Organização das Nações Unidas

PNUD

Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo en Colombia

SIVJRNR

Sistema Integral de Verdad, Justicia, Reparación, Repetición

Unal

Universidad Nacional de Colombia

y No

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 10   1 Contrato Social Heterossexual e vidas que não são dignas de luto: a experiência colombiana .......................................................................................... 16   1.1 A violência contra a mulher na Colômbia: uma contextualização ........................ 18   1.2 Política sexual e corpos militarizados: a produção de vidas indignas de luto social ..................................................................................................................................... 28   1.3 De vítimas a sujeitos políticos: uma ressignificação das vulnerabilidades e resistências corporais ......................................................................................................... 39  

2 O Governo Humanitário: a contraditória gestão das vidas precárias e suas narrativas de resistência .............................................................................. 48   2.1 Situando o campo: a Razão Humanitária e as narrativas-resistências das vítimas ...........................................................................................................................................................            52   2.2 Disputas por poder: o governo humanitário das ONGs feministas na Colômbia64  

3 Das Negociações em Havana à paz concreta: os desafios para a construção de um novo projeto social ............................................................... 79   3.1 Diálogos e Negociações de Paz em Havana: uma contextualização necessária sobre o processo e suas controvérsias ........................................................................... 82   3.2 Reconhecimento, redistribuição, e fenomenologia das injustiças sociais ......... 103   3.3 Um novo projeto democrático como construtor de paz: a teoria democrática de Dewey e a epistemologia descolonial ............................................................................ 112  

CONCLUSÕES ......................................................................................................... 119   Referências Bibliográficas ................................................................................... 122   ANEXOS .................................................................................................................... 127   ANEXO A – Transcrição de entrevista com Olga Betancourt/Andescol .................. 128   ANEXO B – Transcrição de entrevista com Ochy Curiel ............................................ 134   ANEXO C – Transcrição de entrevista com Elsa Cristina Posada Rodríguez/Alta Consejería para Víctimas ................................................................................................. 137   ANEXO D – Transcrição de entrevista com funcionária não Identificada do Alto Comisionado para la Paz ................................................................................................. 145   ANEXO E – Transcrição de Entrevista feita com funcionária não identificada da ONU Mujeres ..................................................................................................................... 150   ANEXO F – Transcrição da Entrevista com Patrícia Ariza, da Corporación Colombiana de Teatro ...................................................................................................... 154   ANEXO G – Transcrição de Entrevista com Funcionária não identificada da Unidad Victimas............................................................................................................................... 158   ANEXO H – Transcrição de Entrevista com funcionária não identificada da ONG Humanas............................................................................................................................. 165  

10  

   

  INTRODUÇÃO A minha trajetória acadêmica até o tema sobre o qual escrevo não foi exatamente linear; entrei no Mestrado em Direito com outras expectativas e anseios de estudo, mas me deparei com duas temáticas que passaram a me instigar pessoal e academicamente: feminismos e migrações. O meu contato com as refugiadas no Brasil e com discussões acadêmicas sobre migração e feminismo contribuíram para que eu chegasse até os movimentos de mulheres em Bogotá. Ainda em 2014, devido à premiação do Nansen Awards pela Organização das Nações Unidas (ONU), a Red Mariposas de Alas Nuevas Construyendo Futuro veio ao Brasil a convite do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Conhecendo um pouco do trabalho das mariposas em Buenaventura, na Colômbia, encontrei-me com elas a fim de averiguar a possibilidade de passar certo período com elas e conhecer o seu trabalho. As mariposas são vítimas do conflito armado colombiano, em sua maioria violadas sexualmente e deslocadas internas, que, com uma metodologia própria, auxiliam outras mulheres igualmente vitimizadas pela guerra. Por razões de segurança, entretanto, não me recomendaram ir sozinha à Buenaventura. A ideia já estava enraizada, entretanto: entender a sistemática e as demandas dos movimentos sociais de mulheres vítimas na Colômbia passou a guiar meus interesses de pesquisa, em especial tendo em vista o contexto dos Diálogos de Paz, em Havana, iniciados em 2012. As possibilidades cada vez mais reais do fim do conflito com as Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia (FARC-EP) estimulam novas dinâmicas de participação social e renovam as esperanças por dias melhores e, para mim, não havia momento melhor para observar as produções dos movimentos sociais. Como, desde movimentos sociais de grupos profundamente desamparados, seria possível pensar não só na desconstrução das estruturas de poder, mas em sua reconstrução, desde os ideais democráticos? Falar no Brasil sobre a Colômbia, sobre suas mulheres e suas vítimas, e sobre os movimentos por paz, no contexto de negociações em

11   Havana, é um desafio, pois me parece que não é muito comum ver pesquisas sobre a temática dos conflitos colombianos. Por que refletir sobre problemas supostamente alheios, se o Brasil já tem problemas suficientes? Para mim, trazer estas questões para a Academia no Brasil consistia uma necessidade latente. Não só devido às proximidades geográficas, nem porque as relações econômicas Brasil-Colômbia poderiam se alterar com o possível fim do conflito: os colombianos são o terceiro maior contingente de refugiados no Brasil, e os Diálogos em Havana têm relação direta com esta população. As produções de verdade também devem assegurar os direitos das pessoas em exílio. O direito de justiça também deve contemplá-las. Caso seja firmado um acordo para o fim do conflito, como serão as repatriações voluntárias, quais as garantias de retorno e de reparação que serão dadas a estas pessoas? Como seriam alteradas as políticas de reassentamento? O sistema comunitário regional conseguirá auxiliar as vítimas exiladas a contribuir com os processos de paz? São essas algumas poucas perguntas que, a título de exemplo, inserem as problemáticas em curso na Colômbia como preocupações legítimas que devem influenciar a Academia também no Brasil e como, obviamente, os conflitos armados e suas perspectivas de término são agendas que saem das fronteiras colombianas. Meus

anseios

acadêmicos

também

envolviam

a

própria

emancipação teórica dos países latinos em relação à Europa e a América do Norte. Com a emergência dos feminismos latino-americanos, estudar feministas latinas como instrumento analítico de interpretação da realidade regional se tornou um forte interesse para mim, o que contribuiu para que o meu olhar se direcionasse quase integralmente para a Colômbia. O que as mulheres vítimas organizadas em Bogotá entendem por paz e quais suas demandas para que isso se concretize? Foi a pergunta que guiou o meu campo e meus estudos. O meu objetivo geral com isto era, portanto, compreender qual a inserção das reivindicações dos movimentos de mulheres vítimas nos ambientes políticos majoritários, isto é, se os seus clamores ressoavam nos principais espaços de interlocução com o governo. Os objetivos específicos deste decorrentes são quatro: seria necessária a compreensão de como estavam organizados, em Bogotá, os movimentos de mulheres em geral, e quais eram seus principais atores; para além disso, era

12   preciso conhecer os principais mecanismos de enunciação política em Bogotá e na Colômbia; bem como entender as diferentes narrativas de resistência ao conflito armado; e, por fim, compreender como as vítimas e organizações da sociedade civil se inseriam nos Diálogos de Paz em Havana. Para mim, falar sobre as mulheres colombianas vítimas do conflito armado não fazia sentido: não era uma realidade da qual eu participava e sequer tinha a proximidade da língua, da cultura, das origens. Sou brasileira, branca, acadêmica, cisgênera, de classe média. Não tenho a noção real da vivência dos certos tipos de violências e de medos pelos quais passaram algumas mulheres na Colômbia. Assim, era extremamente importante que eu tivesse o contato pessoal com algumas dessas mulheres, para que suas próprias narrativas fossem o principal insumo deste trabalho. Para que fosse possível que elas pudessem falar sobre seus próprios modos de vida e de mobilização. Que, por meio de suas narrativas, fosse possível a produção de resistências: a descrição de seus itinerários corporais (ESTEBAN, 2004) de maneira a garantir um olhar e uma análise capaz de tomar essas mulheres como agentes de suas próprias vidas, e não exclusivamente vítimas das violências inscritas em seus corpos que os faz um território de subordinação. É preciso relatar, entretanto, os limites que tive para explorar

o

pouco tempo que tive na Colômbia. Nos quase dois meses que passei no país, somente consegui ter acesso a instituições e pessoas devido a um prévio contato com uma pesquisadora colombiana, que me auxiliou e me colocou em contato com algumas mulheres; a partir daí, os contatos se expandiram e eu consegui obter algumas informações importantes. Entretanto, ainda assim, limitadas, devido ao pouco tempo de convívio com aquela realidade. Devido ao acúmulo de uma pesquisa de campo, por uma aproximação etnográfica, e o acesso a e análise de documentos, informes, e de uma bibliografia específica, que pude produzir este trabalho. Entrevistei pessoalmente mulheres das mais diversas origens, posições sociais, funções políticas. Todas as entrevistas foram transcritas e constam nos anexos dessa dissertação. Além disso, participei, como ouvinte, de uma reunião da Mesa Autônoma de Mulheres Vítimas Residentes em Bogotá, onde tive a oportunidade de conversar pessoalmente com uma pluralidade de vítimas e

13   ouvir suas demandas e críticas no âmbito da Mesa Autônoma. Fui voluntária de pesquisa no Centro de Memória, Paz y Reconciliación, onde pude ter contato com as Agendas de Paz de alguns coletivos de mulheres auto-definidas como populares, e passei a ter convivência com uma representante da Secretaría de la Mujer do governo de Bogotá. Todas essas informações compuseram um caderno de campo que me auxiliou na análise das narrativas e documentos colhidos. O estudo das narrativas colhidas estará presente em todos os capítulos deste trabalho, mas se concentrará especificamente no capítulo segundo. Essa análise, por sua vez, contou com a inspiração da Teorial Social do Corpo, como ensina Mari Luz Esteban (2004), que entende que as experiências de violência carregam marcas corporais, mas que o corpo é também lugar para as produções de resistências, as quais funcionam, em especial devido ao marco metodológico e analítico de Moita Lopes (2001) como contra-discursos contribuintes da auto-formação histórica e social. A capacidade de dizer, de se expressar, em determinado momento e em certos espaços, é uma estratégia de empoderamento. No capítulo segundo, explicito o que denomino a gestão humanitária das vidas precárias, conceito construído por Didier Fassin (2012), e como isso permeia as práticas, ações e discursos tanto de instituições governamentais quando de organismos internacionais e, principalmente no caso colombiano, das ONGs de feministas defensoras dos direitos humanos das mulheres vítimas. É neste sentido, também, que a análise do contexto histórico

e

social na Colômbia passa necessariamente por uma compreensão de como os corpos de mulheres, e também o que se chamou corpos feminizados, das origens mais marginalizadas da sociedade colombiana, são marcados pela noção de precaridade, de Judith Butler (2009, 2010), o que me permite compreendê-los como vidas precárias. Essas vidas, por sua vez, com pouco valor público e político, são mais descartáveis, e não têm o direito ao luto social e político. A violência contra esses corpos não é, portanto, chorada. Este ponto será melhor visto e analisado no primeiro capítulo, momento em que ofereço uma imagem geral do que significou e do que significa para os corpos de mulheres e para os corpos feminizados a guerra, e quais as estruturas e consequências sociopolíticas dessa realidade.

14   No primero capítulo, ainda, trabalharei com a noção de que os corpos estão atravessados por máquinas de poder, seja o racismo, o sexismo, a heterossexualidade, o classismo, a militarização, mas tomarei emprestado de Grijalva (2012) o entendimento de que a resistência é também uma experiência corporal de habitar-se a si mesmo, e, como consequência das próprias vulnerabilidades, de construir as próprias possibilidades de emancipação. Essas possibilidades são materializadas, como vai se ver, ao final, no último capítulo, em demandas por reconhecimento. Com fins de serem reciprocamente

reconhecidas

como

sujeitas

de

direito,

cidadãs,

com

capacidade de transformação social, muitas vítimas desejam o autoreconhecimento recíproco não com fins de reafirmar a razão humanitária que governa as vidas precárias, como ensina Didier Fassin (2012), e que reprime a capacidade de agência da população marginalizada, mas para possibilitar a criação de novas bases de construção da democracia colombiana e, consequentemente, da paz. Mas o que isso tem a ver com Direito? Venho, afinal, de uma escola jurídica, e de um programa que se propõe estudar os direitos humanos. Entendo que estes sejam centrais a este trabalho, o fio condutor de todos os capítulos, e o motivo pelo qual quis empreender essa pesquisa. Isto porque concebo os direitos humanos, como ensina Herrera Flores (2002), como processos dinâmicos de luta que permitem a abertura de espaços e consolidação para a reivindicação por dignidade. Os direitos humanos são os meios discursivos, expressivos e normativos que pugnam por reinserir os seres humanos no circuito de reprodução e manutenção da vida, permitindo-lhes abrir espaços de luta e de reivindicação. (FLORES, 2002, p. 26-27).

Falar, pois, dos movimentos sociais de vítimas, das suas lutas por espaços de enunciação política, da potência de suas narrativas de emancipação, de suas propostas de transformação social, é falar de direitos humanos, se estes são concebidos como a construção constante e dinâmica, por meio das lutas e das reivindicações, de uma outra dignidade possível. É, também, entender que as lutas das minorias têm valor; são capazes de pensar uma sociedade mais justa. Os direitos humanos, no mundo contemporâneo, necessitam dessa visão complexa, dessa racionalidade de resistência e dessas práticas

15   interculturais, nômades e híbridas, para superar os resultados universalistas e particularistas que impedem uma análise comprometida dos direitos, há muito tempo. (FLORES, 2002, p. 26)

Distanciar

do

e

criticar

o

discurso

dos

direitos

humanos

universalizante, que procura resolver os problemas do desamparo e das injustiças por meio única e exclusivamente da tutela generosa feita por governos, organismos internacionais e ONGs, e que, por via de consequência, revitimiza populações e silencia suas reivindicações, embasa esta pesquisa, que busca um novo sentido para os direitos humanos. A leitura antropológica da realidade dos movimentos sociais de mulheres vítima em Bogotá é insumo, pois, para perceber os direitos humanos exatamente como a realidade de resistência necessária às transformações sociais, da desconstrução/reconstrução de estruturas de poder (o Direito sendo uma delas) e como potencia de produção de dignidade.

16   1 Contrato Social Heterossexual e vidas que não são dignas de luto: a experiência colombiana Não pretendo aqui fazer um histórico do conflito armado1 que ocorreu e ainda ocorre na Colômbia. Entretanto, para uma melhor compreensão do contexto que vive hoje o país, qual seja, a Mesa de Conversaciones para la terminación del conflicto y la construcción de una paz estable y duradera en Colombia2 e do que representa a participação de vítimas nos Diálogos de Paz e a existência de uma subcomissão de gênero, é preciso problematizar ao menos os efeitos diferenciais destes conflitos na vida das mulheres colombianas3. O objetivo, portanto, é demonstrar, com inspiração na Teoria Social e Feminista do corpo, como a persistência de um forte patriarcalismo e de uma política sexual violenta na sociedade colombiana, agravados pelo conflito armado, pela forte militarização e militarismo4 existentes, estão dolorosamente inscritos nos corpos das mulheres colombianas, de uma maneira diferenciada. Isto é, como as desigualdades e opressões várias existentes na sociedade têm um marco corporal, em especial nas vítimas mulheres dos conflitos armados colombianos. Igualmente, seguindo as lições de Mari Luz Esteban (2004, p. 11), entendo que as experiências de resistência e de empoderamento social 1 Ainda que tenha feito uso da palavra no singular, esclareço que a Colômbia passou por

diversos conflitos armados internos desde o século XIX e que, conforme ensina Uribe de Hincapié (2001, p. 10), a coletividade histórica colombiana foi construída em torno de guerras e violências, razão pela qual muitos historiadores se utilizam do termo no plural. Haja vista a complexidade dos conflitos colombianos, isto é, seus objetivos, suas dinâmicas, seus lugares, seus grupos armados, suas maneiras de atuação, e em razão de que essas variáveis se alteraram repetidas vezes durante mais de 50 (cinquenta) anos de existência de um estado de guerra, neste trabalho, ao mencionar o conflito colombiano, não o simplifico como um único longo conflito, mas como uma complexa realidade de muitas guerras civis e diferentes tipos de violência. Assim como os conflitos são plurais, suas vítimas também o são, ou seja, a depender das violências que sofreram, do gênero que se reconhecem, de sua ancestralidade, de sua orientação sexual, de sua localidade, de sua classe social, a experiência de violência sofrida terá sido distinta, bem como serão diferenciadas as demandas perante a Mesa de Conversações – e o impacto que elas terão politicamente. 2 Doravante mencionada como Diálogos de Paz, Mesa de Havana ou Mesa de Negociações. 3 Entenderei “mulheres”, neste trabalho, como uma categoria construída social e politicamente, como consequência de uma política sexual de diferenciações, que não só realiza divisões no que tange às identidades internas e externas das pessoas, mas também no âmbito do trabalho. Também reconheço mulheres enquanto categoria que resiste a uma opressão social e política comum. 4 A diferença de ambos os termos, quais sejam, militarização e militarismo, será oportunamente discutida.

17   são também e necessariamente corporais, e isto será oportunamente estudado neste trabalho, a partir da análise das entrevistas com vítimas e organizações de vítimas com as quais tive contato em campo. Assim, irei, em um primeiro momento, traçar um panorama geral das consequências trazidas pelos conflitos armados na vida de algumas mulheres colombianas, sabendo que não existe uma categoria unívoca de mulher-doconflito, isto é, mulheres colombianas não representam um bloco único. A minha tentativa é, portanto, observar as consequências diferenciais dos conflitos armados colombianos sob uma perspectiva de gênero, tentando não incorrer no equívoco de generalizar as experiências vividas por cada grupo de mulheres. Isto, entretanto, é mais fácil de ser feito em teoria do que na prática, e, portanto, assumo os riscos dos resultados. Tendo como categoria central o corpo da mulher vítima do conflito, marcado pela violência da guerra, utilizarei dos conceitos de vida precária e vidas choradas, de Judith Butler, para entender como certas vidas não se consideram suscetíveis de ser choradas, quais vidas são reconhecíveis como dignas de luto, qual a distribuição diferencial do luto no contexto colombiano e quais as consequências para as pessoas que são menos (ou não são) reconhecidas como sujeitos de direitos. Butler considera o corpo como um fenômeno social (2010, p. 57), tendo em vista que todos os corpos e todas as vidas são precárias e interdependentes: necessitamos dos demais para sobreviver e viver, mas, estando expostos, nos tornamos todos vulneráveis e destrutíveis. Entretanto, é perceptível que, em alguns locais, o luto público é mais presente em relação a alguns em detrimento de outros, a vontade política de manter vidas em condições dignas é maior para determinadas populações em comparação a outras. A morte, a tortura, a destruição de vidas estão sujeitas ao que Butler denomina indignação pública ou luto aberto e que, de acordo com a filósofa, “estão sumamente reguladas por regimes de poder e, às vezes, submetidas a censura explícita” (2010, p. 66). Em determinadas condições políticas, portanto, algumas vidas são mais vulneráveis que outras, pois estão carentes de uma rede de proteção social e estatal, e também submetidas a uma realidade que entende suas vidas como preteridas de proteção. Esta condição não está naturalmente posta, isto é, não é pressuposto que algumas populações terão menor valor social; isto é,

18   uma estratégia política de regulação dos afetos públicos em relação a determinados grupos sociais, presente principalmente em situações de guerra. Quanto a este ponto, analisarei, neste capítulo, como a militarização de corpos é responsável pela valorização diferenciada das vidas, reduzindo mulheres ao seu órgão sexual, à sua função reprodutiva, e diminuindo, pois, seu valor social, em especial mulheres negras, indígenas, e pobres, historicamente exploradas sexualmente e no âmbito laboral. Assim, farei o paralelo com a situação das mulheres colombianas vítimas do conflito armado, e como não são apenas vítimas de armas, de torturas, de escravidões sexuais ocorridas aleatoriamente: são vítimas de um sistema de poder que

regula

afetos sociais e políticos que consideram seus corpos menos dignos de afeto, suas vidas menos valorosas e, portanto, menos dignas de serem choradas. Assim, entender políticas sexuais, militarismo e militarização, em especial no contexto colombiano, são os objetivos deste primeiro capítulo que busca contextualizar a situação das mulheres vítimas do conflito colombiano. 1.1 A violência contra a mulher na Colômbia: uma contextualização É comum observar que, no vocabulário dos discursos estatais e de organizações internacionais e domésticas que lidam com o tema, as mulheres sejam colocadas em posição de paridade com crianças no que tange a sua vulnerabilidade no marco de um conflito armado. Geralmente, ao citar os grupos mais vulneráveis, “mulheres e crianças” estão posicionadas em um mesmo rol de pessoas sujeitas à proteção especial devido a sua maior vulnerabilidade. Também é usual encontrar na literatura de relatorias, manuais e literatura acadêmica um enfoque específico na vulnerabilidade diferenciada das mulheres frente aos homens. Um exemplo disso é a publicação conjunta da ONU Mujeres – Colombia5 e da Defensoría del Pueblo (2011, p.6), em

que

se diz que existem certos grupos populacionais que se consideram vulneráveis a todo tipo de violações de direitos humanos, por exemplo, “los niños y niñas, mujeres, (...)”6.

5 Doravante mencionada como ONU Mujeres. 6 Tradução livre: os meninos e meninas, mulheres.

19   A imagem da mulher como vítima vulnerável não está presente apenas nas mídias escritas e faladas: este discurso permeia também a linguagem não verbal, em especial a linguagem fotográfica. Sobre isto, Heather Johnson (2011) elabora tese dizendo que, concomitantemente ao fato de que, cada vez mais, refugiados e deslocados internos são retratados como vítimas impotentes, as representações visuais desta população são cada vez mais femininas. A imagem de uma mulher carregando seus filhos, à beira da miséria e do desamparo, é constante em publicações oficiais, de organizações intergovernamentais e de ONGs, com o resultado de vincular a figura do refugiado à posição de vítima, cujo efeito é consequência das imagens femininas retratadas. Por outro lado, dificilmente se encontram organizações que falem das vulnerabilidades de homens, e em muitos casos sequer citam os homens como vítimas. Isto muitas vezes faz com que a imagem de um homem numa situação de conflito armado seja erroneamente construída em torno da aproximação a um homem militarizado, uma vez que são a maioria dos combatentes. No caso da Colômbia, Olga Betancourt, diretora da Associação Nacional de Deslocados Colombianos (Andescol), disse, na contramão das políticas e lutas mais recentes, que em sua instituição, apesar da grande e forte presença feminina, o espaço foi construído para trabalhar com homens e mulheres, respeitadas as identidades de cada um. De fato, em praticamente todos os momentos em que a questionei sobre a situação ou o papel das mulheres no âmbito do conflito armado, a resposta de Olga não fala só de mulheres, mas de mulheres e vítimas. Dentre as instituições entrevistadas, a Andescol foi a única que destacou o homem como vítima, e não apenas como uma vítima comum: para Olga, paralelo ao fato de que são a maioria dos combatentes, os homens também são os primeiros atingidos pelos atos vitimizantes, senão vejamos: Se você observar os atores armados no país, a maioria de seus membros são homens, isto é, o número de homens é muito maior que o de mulheres. Entretanto, quando são cometidos os atos de vitimização, os crimes de guerra, os massacres, quem é o alvo? Os 78 homens. (tradução livre) 7 No original: Si tu miras a los actores armados en el país, en su mayoría, sus filas conforman

de hombres, es mucho más grande el número de hombres que de mujeres, pero cuando se

20  

A Andescol assumiu, pois, como estratégia de resistência e luta, um enfoque nas vítimas, sejam homens ou mulheres, por entender que aqueles também possuem vulnerabilidades e, portanto, precisam de políticas públicas de proteção e atenção do Estado. De fato, dados do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) (LINDSEY, 2001, p. 29) demonstram que, em alguns conflitos armados atuais, homens representam 96% dos presos políticos e 90% da população desaparecida e, como a maior parte dos recrutados para grupos armados são homens, também são vítimas mais propensas ao crime de homicídio. Assim, não é minha intenção reproduzir os discursos majoritários que categorizam a priori vítimas em mais ou menos vulneráveis, isto é, que afirmam que este ou outro grupo são sempre mais vulneráveis. Quando se leva em conta o gênero das vítimas, este tipo de análise tampouco pode ser feita, uma vez que as hierarquias de gênero atingem tanto homens quanto mulheres: cada contexto específico expõe essas relações de maneira diferente. Entretanto, nos casos em que, mesmo em tempos pacíficos, certas mulheres são sujeitas à maior discriminação social, isto significa que elas também são mais suscetíveis à marginalização, pobreza e violência de gênero como consequências de um conflito armado. É isto o que ocorre em sociedades estruturadas no patriarcalismo, na heterossexualidade, no racismo e no classismo. Gayle Rubin, para explicar a violência contra as mulheres, se apoia nas diferenciações sociais e estruturais de sexo e gênero: Para Rubin, trata-se de um conjunto de dispositivos pelos quais sexo e procriação são conformados pela intervenção humana e social. O gênero, o desejo, as fantasias sexuais são um produto social e neste sistema as mulheres são objetos de transações enquanto escravas, servas, prostitutas, mas também, simplesmente como mulheres. A violência sexual seria, então, desde o conceito proposto por Rubin, 9 um produto das transações masculinas. (tradução livre) (RUBIN apud CURIEL, 2008, p. 01).

comete los hechos victimizantes, los crímenes de guerra, masacres, a quién se los mata? A los hombres. 8 Anexo A, p. 127. 9 No original: Para Rubin, se trata de un conjunto de disposiciones por la cual el sexo y la procreación son conformadas por la intervención humana y social. El género, el deseo y las fantasías sexuales son un producto social y en ese sistema las mujeres son objetos de transacciones como esclavas, siervas, prostitutas, pero también, simplemente como mujeres. La violencia sexual seria entonces, desde el concepto propuesto por Rubin, un producto de las transacciones masculinas.

21   Ainda que a violência se individualize em cada corpo devido às demais categorias de raça, idade, orientação sexual, etc., esta subordinação histórica e estrutural é, de fato, elemento uniforme a todas as mulheres, isto é, o uso da violência de gênero enquanto estratégia de poder patriarcal é elemento comum em todas as sociedades como elemento de dominação material e simbólica de seus corpos, que são objeto principal do exercício dessa violência (CURIEL, 2008, p. 04). Ainda de acordo com Curiel (2008, p. 04-05), em tempos de guerra, (...) os estereótipos se reforçam. Entende-se que as mulheres representam a honra da comunidade e atacar as mulheres “do inimigo” significa atacar o grupo opositor e a sua comunidade completa, vingando a honra corrompida. A violência sexual, como uma das formas mais terríveis de violência contra as mulheres é utilizada como uma arma contra a cultura e a identidade de uma comunidade (...). A cultura militar valoriza a agressividade e reforça os estereótipos machistas, ao mesmo tempo que subvaloriza as qualidades tradicionalmente atribuídas às 10 mulheres. (grifos meus) (tradução livre)

Nada disso é diferente na Colômbia. Semelhante ao discurso geral sobre conflitos armados, também existe, na Colômbia, uma tendência a retratar a mulher vítima do conflito numa posição de maior vulnerabilidade, assemelhada a de crianças, e pouco se fala das vulnerabilidades mais enfrentadas por homens. O vocabulário mais usado tem sido o de destacar as vulnerabilidades com um enfoque diferencial. Isto significa

que

vulnerabilidades

cada

pessoa,

específicas,

independentemente

dependendo

das

do

gênero,

tem

diferentes características

identitárias11 responsáveis pela contínua subordinação social. Mas a aplicação deste enfoque diferencial ainda é mais utilizado em relação às vítimas mulheres. De fato, as leis, políticas públicas e discursos mais recentes, tendem a privilegiar as vulnerabilidades das mulheres. A Lei nº 387/199712 dizia, em seu artigo 10º, que deveria haver atenção especial às mulheres e crianças. Mas 10 No original: (...), los estereotipos se refuerzan. Se entiende que las mujeres representan el

honor de la comunidad y atacar las mujeres “del enemigo” significa atacar al grupo opositor y a su comunidad completa vengando el honor mancillado. La violencia sexual, como una de las formas más terribles de la violencia hacia las mujeres se utiliza como un arma contra la cultura e identidad de una comunidad (...). La cultura militar valora la agresividad y refuerza los estereotipos machistas, al tiempo que subvalora las cualidades que se atribuyen tradicionalmente a las mujeres. 11 Origem étnica, orientação sexual, classe social, etc. 12 Lei anterior à Lei de Vítimas, que regulamentava as políticas estatais para as vítimas do conflito armado.

22   por quê? Em uma visita à Colômbia, em 2005, a Relatora Especial para Mulheres da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos respondeu esta questão da seguinte maneira: No que se refere à situação particular das mulheres colombianas, a relatora verificou durante sua visita que o conflito armado aprofundou a discriminação e a violência que as mulheres historicamente sofreram. As necessidades específicas das mulheres ainda não recebem uma atenção integral de parte do Estado colombiano e suas vozes ainda não são efetivamente incorporadas no desenho das políticas públicas para remediar o impacto especial do conflito armado nas vidas das mulheres. A relatora pôde constatar que dentro do conflito armado colombiano a violência contra a mulher é um problema estrutural em que esta se converte em uma conquista da guerra para os atores armados, na sua luta por controlar comunidades e territórios. A relatora pôde constatar que as mulheres colombianas são vítimas de homicídios, sequestros, detenções massivas, recrutamento forçado, ameaças, somando-se a tudo isto uma modalidade especial de violência associada a delitos de caráter sexual, como a violação, prostituição forçada, destinados a 13 desumanizá-las. (MESA MUJER Y CONFLICTO ARMADO, 2005, p. 37) (tradução livre).

O resultado da vitimização produzida pelo conflito armado é, quase sempre, o deslocamento forçado, seja intermunicipal, entre os diferentes departamentos do país, entre Estados-Nação, ou dentro de uma mesma cidade. Para homens e mulheres, deslocar-se é uma experiência que carrega em si não apenas um elemento de lugar, mas também uma temporalidade que se refere às vivências subjetivas envolvidas no processo de deslocamento. Donny Meertens (2004, p. 198-199) denomina estas sensações de desarraigo14 e perda. Para a autora, ao mesmo tempo que este sentimento de desenraizarse seja comum para homens e mulheres forçadamente deslocados, as consequências sociais do deslocamento são percebidas diferentemente: Nos imaginários sociais, o ser deslocado se associa frequentemente com o pertencimento a um grupo armado ou, mais em geral, com a 13 No original: En cuanto a la situación particular de las mujeres colombianas, la relatora

verificó durante su visita que el conflicto armado ha profundizado la discriminación y violencia que históricamente han sufrido. Las necesidades específicas de las mujeres todavía no reciben una atención integral de parte del Estado colombiano y sus voces no son efectivamente incorporadas en el diseño de políticas públicas para remediar el impacto especial del conflicto armado en ellas [...] la relatora pudo constatar que dentro del conflicto armado colombiano la violencia contra la mujer es un problema estructural en donde esta se convierte en un botín de guerra para los actores armados en su lucha por controlar comunidades y territorio. La relatora pudo constatar que las mujeres colombianas son víctimas de homicidios, secuestros, detenciones masivas, reclutamiento forzado, señalamientos y amenazas, sumándose a ello una especial modalidad de violencia asociada a delitos de carácter sexual como la violación, trata de personas, y prostitución forzada, destinados a deshumanizarlas. 14 Em português, desenraizamento, mas, para manter o mais próximo do sentido que a autora deu à palavra, manterei na sua língua original, o espanhol.

23   equação “desenraizado” iguala-se a “sem cultura”, “desmoralizado”, um ser que não merece confiança, desprovido de direitos e deveres próprios de cidadania. Os homens, por um lado, sofrem a estigma em forma aguda de discriminação no ambiente laboral; as mulheres, por 15 outro lado, pela discriminação em âmbito comunitário. (MEERTENS, 2004, p. 201) (tradução livre).

Esta diferenciação é mais gritante quando a mulher também é vítima de violência sexual; a estigma social dificulta a adaptação e a inserção na nova comunidade, e previne que outras mulheres relatem e/ou busquem reparação judicial. A incipiente rede de proteção estatal a essas mulheres também contribui para a reprodução do tabu que envolve este crime. Tendo em vista que os homens são o grupo mais atingido pelos delitos de recrutamento forçado, homicídio, e desaparecimento forçado, podese dizer que o conflito armado altera a composição das famílias16, uma vez que, ausentes os homens, o papel das mulheres no seio familiar se transforma, e elas passam a assumir a posição de chefes do lar, obrigando-as a adquirir novas responsabilidades e prover economicamente à família. Uma das consequências sofridas por este núcleo familiar é que suas taxas de dependência às estruturas estatais e sociais de proteção se aprofundam, assim como aumenta sua vulnerabilidade (IBAÑEZ LONDOÑO, 2008, p. 97-103). Além disso, Ibañez Londoño (2008, p. 81-85) afirma que os núcleos familiares chefiados por mulheres são mais suscetíveis à violência direta o que os torna também mais suscetíveis a ser vítimas de deslocamento forçado. As mulheres, em especial as camponesas, que na maioria das vezes não tinham quase nada ou nada de participação e envolvimento político, ficam mais sujeitas a uma fuga despreparada, e dominada pelo medo e desespero. Meertens (2000, p. 125) fala que: Para estas mulheres afastadas da vida pública, a confrontação com a violência resultou ser muito mais que uma surpresa. A maioria delas não tinha conhecimento preciso das dinâmicas do conflito em sua região e refugiavam-se na ideia de que não havia motivos para que a violência tocasse também a porta de suas casas, (...). Os testemunhos das viúvas sobre os primeiros anos dos massacres são 15 No original: En los imaginarios sociales, el ser desplazado se asocia frecuentemente con la

pertenencia a un grupo armado o, más en general, con la ecuación “desarraigado” es igual a “desculturizado”, “desmoralizado”, un ser que no merece confianza, desprovisto de derechos y deberes propios de la ciudadanía. Los hombres, sufren el estigma en forma aguda de discriminación en el ámbito laboral; las mujeres, por la discriminación en el ámbito comunitario (...). 16 Dados da Red de Solidariedad Nacional (2001) de 2003 informam que a chefia familiar de mulheres entre famílias de deslocados internos chega à taxa de 49%.

24   muito dramáticos, precisamente pela falta de antecipação e pela maneira imediata com que tiveram que fugir. (...) saíam em um estado de total desorientação, empurradas pelo medo e pela necessidade de salvar seus filhos, sem ter uma ideia precisa de onde 17 ir.

Neste ponto, Ibañez Londoño (2008, p. 97) disserta que “(...) os lares encabeçados por viúvas do conflito sofreram perdas elevadas”

18

(tradução livre) e, portanto, constituem-se núcleos familiares que, podemos afirmar, são um dos mais vulneráveis, em especial considerando a origem camponesa dessas mulheres. As mães também são alvos de violência diferenciada, pois são frequentemente acusadas de ocultar seus filhos, para tentar evitar seu recrutamento forçado (MEERTENS, 2000, p. 123). Elas carregam consigo as dores das incertezas e ansiedades do futuro de seus filhos homens, em especial se residem em locais com a presença de grupos armados, seja no campo ou nas cidades. As mães, afinal, são as que “reclamam os cadáveres de seus filhos, com o consequente custo emocional e psicológico”19 (MESA MUJER Y CONFLICTO ARMADO, 2005, p. 55) (tradução livre). Um outro grupo de mulheres que também é mais vulnerabilizado é o de mulheres que têm presença no espaço político social, isto é, mulheres que exercem funções públicas de importância e cujas iniciativas tenham reflexos para a comunidade. Um caso bastante conhecido na Colômbia foi o massacre de Bahía Portete, região habitada pelos indígenas Wayuu que têm uma linhagem matrilinear, ou seja, as mulheres exercem papel importante na sociedade e na família. Para obter controle territorial daquela região, os grupos paramilitares tiveram como estratégia a destruição das estruturas sociais e culturais daquele povo. E foi isto que fizeram: um massacre com pelo menos quatro mulheres assassinadas publicamente, todas com importantes

funções

17 No original: Para esas mujeres alejadas de la vida pública, la confrontación con la violencia

resultó ser mucha más una sorpresa. La mayoría de ellas no tenía conocimiento preciso de las dinámicas del conflicto en su región y más bien se refugiaban en la idea de que no había por qué la violencia tocara también la puerta de su casa, (…). Los testimonios de las viudas sobre los primeros años de las masacres son muy dramáticos, precisamente por la falta de anticipación y la inmediatez con que tuvieron que huir. (…) salían en un estado de total desorientación, empujadas por el miedo y la necesidad de salvar a sus hijos, sin tener una idea precisa de donde ir. 18 No original: los lares encabezados por viudas del conflicto sufren unas pérdidas elevadas. 19 No original: reclaman los cadáveres de sus hijos, con el consecuente costo emocional y psicológico.

25   sociais. A desestabilização social é também reflexo de uma estrutura patriarcal que pretende destruir mulheres em posições de poder. Por muito tempo depois do massacre, os paramilitares ainda desenhavam publicamente, nos muros das comunidades Wayuu, imagens de corpos violados sexualmente. Uma das mulheres assassinadas em Bahía Portete era, inclusive, o de uma professora, grupo este que, devido a sua influência na geração futura, também é mais vulnerável (MEERTENS, 2000, p. 123). Além disso, as mulheres têm maior vulnerabilidade que os homens no que tange à violação de seus direitos sexuais e reprodutivos, em especial porque ocorre uma exacerbação da violência intrafamiliar e da violência com base em gênero no contexto de conflitos armados, além da violência sexual (MEERTENS, 2004, p. 203). Um informe da ONU Mujeres demonstra que, no caso colombiano, a violência sexual tem um forte elemento de gênero; isto porque este tipo de violência tem relação direta com a concepção social dos corpos das

mulheres

– transgêneras ou cisgêneras – que lhes designa papéis de subordinação e inferioridade. Este elemento de gênero também se estende aos corpos feminizados, isto é, corpos que não se conformam à ordem heterossexual hegemônica20, e inclusive corpos de homens sujeitos à violência sexual: nestes casos, a intenção do violador é humilhar a vítima, ao colocá-la numa situação de inferioridade e subordinação, isto é, na condição em que a mulher é vista na sociedade (ONU MUJERES, 2012, p. 11-12). No caso das mulheres transgêneras, sua situação é particular: O componente do conflito armado e da violência social preconizada por diversos atores, ao longo das trajetórias dessas mulheres, forma parte inevitável de suas biografias pessoais como se pode observar nos relatos obtidos. Claro está que a violência se translada inclusive nos enfrentamentos cotidianos com a polícia durante o trabalho sexual nas ruas de Bogotá e de outras cidades mencionadas. Elas têm em seus corpos de diferentes violências, mas as piores têm relação com a polícia. Em todos os casos se esconde uma violência de gênero suportada em uma matriz patriarcal que não aceita este tipo de transgressão, como demonstrei no parágrafo anterior. Consequentemente, sua condição abjeta é generalizada para todos

20 Não me refiro tão somente a homens homossexuais ou bissexuais, mas a homens

transexuais, e homens heterossexuais que se expressem de maneira feminina, como drag queens, cross-dressing, dentre outras identidades.

26   os atores de violência, sejam as forças ilegais ou as que representam 21 a institucionalidade. (PRADA et. al., 2012, p. 21) (tradução livre).

De fato, o controle dos corpos de mulheres e de corpos feminizados, portanto, tem um elemento de gênero intimamente relacionado com a estrutura patriarcal estabelecida no país. No âmbito do conflito armado, isto se exacerba porque o controle dos corpos significa também o controle da população civil e, via de consequência, dos territórios de domínio dos grupos armados. Isto foi uma estratégia bastante difundida na Colômbia e que ocorre até hoje, mas não somente no interior do país. Estas vulnerabilidades deslocam-se com as mulheres para as cidades de destino, uma vez que é característica do conflito armado colombiano a presença de grupos armados até mesmo nas maiores cidades, como Bogotá e Medellín, onde a violência se exacerba principalmente nas regiões de recepção da população deslocada, que é, com frequência, revitimizada. A Mesa Mujer y Conflito Armado (2005, p. 56) fez, em seu quinto informe, um estudo do impacto do conflito para a vida das mulheres nos grandes centros urbanos. De acordo com o relatório, (...) o impacto do conflito armado na vida das mulheres na cidade relaciona-se com os abusos sexuais e ultrajes de que são vítimas, especialmente as jovens e as meninas. Um caso particular são as ameaças e intimidações de advertências específicas: “se as jovens estão depois das dez da noite na rua, serão violadas e raptadas pelos paramilitares que vivem no bairro Humberto Valencia e arredores”, 22 segundo comentário de uma mulher da localidade de Bosa. (tradução livre).

21 No original: El componente del conflicto armado y la violencia social bajo sus diversos

actores, a lo largo de las trayectorias de estas mujeres, forma parte inevitable de sus biografías personales como se puede observar en los relatos. Claro está, que la violencia se traslada incluso en los enfrentamientos cotidianos durante el trabajo sexual en las calles de Bgtóá y otras ciudades mencionadas con la policía. Ellas tienen en sus cuerpos rastros de diferentes violencias, pero las peores tienen que ver con la policía. En todos los casos se esconde una violencia de género soportada en una matriz patriarcal que no acepta este tipo de transgresión, como en el párrafo precedente lo se ña lé ́ . Por ello, su condición abyecta es generalizada para todos los actores de violencia, ya sean fuerzas ilegales o las que representan la institucionalidad. 22 No original: (...) el impacto del conflicto armado en la vida de las mujeres en la ciudad se relaciona con los abusos sexuales y ultrajes de que son victimas, especialmente las jóvenes y las niñas. Un caso particular son las amenazas e intimidaciones de advertencias especificas: “si las jóvenes están después de las diez de la noche en la calle, serán violadas y tomadas por los paramilitares que viven en el barrio Humberto Valencia y sus alrededores”, según6 comentario de una mujer de la localidad de Bosa.

27   Destaca-se que Bosa fica na periferia de Bogotá, assim como Altos de Cazucá e Ciudad Bolívar, regiões onde há um concentrado número de deslocados internos e um alto índice de insegurança. A Mesa Mujer y Conflicto Armado (2005) relatou ainda que, nessas localidades, a população civil se converteu em objetivo de controle militar, à semelhança do que ocorre no interior da Colômbia, e as mulheres passaram a ser objeto de frequentes ameaças e violações. As possibilidades de violências e vulnerabilizações das mulheres são inúmeras; em conflitos armados em geral e especialmente no colombiano, a ordem patriarcal e heterossexual se exacerba em uma estrutura militarizada que faz dos corpos de mulheres e dos corpos feminizados um de seus principais objetos de violência, destacando-se a violência sexual. Destinadas a uma vida doméstica longe do âmbito público, as novas chefes do lar devem conseguir encontrar sozinhas um futuro. Sem amparo estatal e extremamente marginalizadas, essas mulheres convivem com sentimentos de desarraigo, incertezas e ansiedades por suas famílias. É preciso destacar que na Colômbia aconteceram várias tentativas de acordos com grupos armados e sua consequente desmobilização, inclusive com os paramilitares, então Autodefensas Unidas de Colombia (AUC), por meio da Lei de Justiça e Paz. O crime de violência sexual, entretanto, praticamente não veio à tona em quaisquer destes processos de negociação, e mesmo após a Lei de Vítimas, ainda há um número bem abaixo do esperado de mulheres que são reconhecidas como vítimas de violência sexual no marco do conflito. A impunidade e reparação ineficaz são, talvez, as principais causas para este silêncio das vítimas, e demonstram ainda sentimentos de desconfiança das vítimas em relação ao Estado, ainda muito distante de suas realidades (MESA MUJER Y CONFLICTO ARMADO, 2005, p. 35-36). Isto nos lembra que as relações patriarcais não só marginalizam mulheres na esfera privada, mas fazem parte de toda a estruturação política e normativa de uma sociedade. Escravizados por uma política sexual que os inferioriza e subordina, os corpos das mulheres foram, por mais de 50 (cinquenta) anos, e ainda são, fragmentados pelos conflitos que assolam a Colômbia.

28   1.2 Política sexual e corpos militarizados: a produção de vidas indignas de luto social No último capítulo de A Vontade de Saber, Foucault analisa como, a partir dos séculos XVII e XVIII, o poder deixa de atuar sobre a morte e passa a assumir controle das vidas. De acordo com o filósofo, isto tem relação intrínseca com a economia global: o que ele denominará de biopoder foi indispensável ao desenvolvimento do capitalismo (FOUCAULT, 2014, p. 151). A gestão e política da vida tinham um objeto principal: o corpo. Agindo sobre o corpo-máquina, este poder o dociliza, desenvolve aptidões, adestra-o. Sobre o corpo-espécie, são criados controles de natalidade, mortalidade, longevidade, que regulam populações. Estas técnicas de poder, (...) presentes em todos os níveis do corpo social e utilizadas por instituições bem diversas (a família, o Exército, a escola, a polícia, a medicina individual ou a administração das coletividades), (...) operaram, também, como fatores de segregação e de hierarquização social, agindo sobre as forças respectivas tanto de uns como de outros, garantindo relações de dominação e efeitos de hegemonia. (FOUCAULT, 2014, p. 152 – grifos meus).

Este poder, entretanto, não deve ser visto de maneira restrita, isto é, não é o poder apenas Estatal, de cima para baixo, que impõe uma certa normatividade; o controle dos corpos não se dá tão somente pelas instituições de Estado, mas depende também de aparelhos reguladores contínuos de domínio das vidas, tais como as religiões, a família, as escolas. São estes micropoderes responsáveis pela perseguição dos corpos: “O corpo se tornou aquilo que se está em jogo numa luta entre os filhos e os pais, entre a criança e as instâncias de controle” (FOUCAULT, 2013, p. 236). É neste contexto que Foucault afirma que o sexo passou a ser um foco de disputa política: “dá lugar a vigilâncias infinitesimais, a controles constantes, (...) a todo um micropoder sobre o corpo; mas também dá margem a intervenções que visam todo o corpo social” (FOUCAULT, 2014, p. 157) e, portanto, se tornou alvo central da biopolítica (idem, p. 159). É levando em conta essa política da vida, que adestra e dociliza corpos, estratifica e hierarquiza as sociedades, que me proponho a pensar que, para além de um contrato social, existe também um contrato sexual. De acordo com Carole Pateman (1988, position 86) “(...) apenas metade da história é

29   contada. Nós ouvimos bastante sobre o contrato social; um silêncio profundo e permanente envolve o conceito de contrato sexual. ”23. De fato, a autora relata que a história do contrato sexual é uma história dos direitos políticos, ou do que ela denomina de direitos patriarcais (idem, position 96). Para ela, (...) o contrato social não explica toda a vida social, somente uma parte, que se refere a uma comunidade (fraterna, de homens-irmãos) de homens livres e iguais. Mas para que funcione este contrato social, é necessário um contrato sexual implícito que ninguém nunca tenha firmado, que tenha permitido aos homens regular e acessar os 24 corpos das mulheres (e eu acrescento aqui sua força de trabalho). (tradução livre) (PATEMAN apud CURIEL, 2013, p. 102).

Uma política sexual é, então, aquela que consiste na subordinação de um grupo por outro e cujo dispositivo de poder é o sistema sexo/gênero. Como bem ensina Monique Wittig (apud CURIEL, 2013, p. 103), “a lógica profunda que produz a exclusão política das mulheres como classe de sexo, é o seu caráter de seres apropriados”25, grifos meus (tradução livre). Kate Millett, por sua vez, no seu livro Sexual Politics, enfoca principalmente esta distinção homem/mulher, masculino/feminino para falar da realidade patriarcal existente em praticamente todas as sociedades: O fato é imediatamente evidente se nos lembramos de que as Forças Armadas, a indústria, a tecnologia, as universidades, a ciência, a política e a economia – em resumo, todo e qualquer espaço de poder na sociedade, incluindo a força coercitiva da polícia, está 26 inteiramente nas mãos dos homens . (MILLETT, 2000, position 772 – grifos meus).

De acordo com Millett (2000, position 797), este contrato sexual é fruto da “socialização” de políticas patriarcais relacionadas ao papel social da mulher e do homem, aos seus temperamentos e status social. Assim, seria um temperamento

esperado

de

mulheres

“femininas”

a

sua

docilidade,

passividade, virtuosidade e certa ingenuidade. Como consequência disso, seus 23 No original: only half of the story is told. We hear an enormous amount about the social

contract; a deep silence is maintained concerning the sexual contract. 24 No original: (…) el contrato social no explica toda la vida social, sino solo una parte, que refiere a una comunidad (fraterna, en tanto hombres hermanados) de hombres libres e iguales. Pero para que funcione este contrato social, necesita de un contrato sexual implícito que nadie nunca haya firmado, que haya permitido a los varones regular y acceder a los cuerpos de las mujeres (y yo agrego a su fuerza de trabajo) (…). 25 No original: la lógica profunda que produce la exclusión política de las mujeres como clase de sexo, es su carácter de seres apropiados. 26 No original: The fact is evident at once if one recalls that the military, industry, technology, universities, science, political office and finance – in short, every avenue of power within the society, including the coercive force of the police, is entirely in male hands.

30   papéis sociais estariam mais restritos aos cuidados domésticos, das crianças, e os papéis públicos exclusivos a homens. Isto tudo resguardaria a estes um status social superior em relação às mulheres, tornando daqueles os espaços militares, as instâncias decisórias, os territórios de interlocução política. Mesmo nas sociedades democráticas, a presença de mulheres no espaço

público

ainda é ínfima, seu trabalho menos valorizado na maior parte dos ambientes, e seus papeis sociais ainda bem definidos. Millett (2000, position 1126) diz ainda que uma das tecnologias de poder indispensáveis à manutenção do patriarcado é o uso da violência. Ainda que nem sempre demonstrada, essa ameaça onipresente serve também como instrumento de subordinação, inferiorização e adestramento dos corpos das mulheres. Para a autora, a criminalização do aborto, por exemplo, é uma violência indireta provocada pelo sistema patriarcal: as mulheres que morrem tentando abortar são frutos da violência de uma estrutura que controla seus corpos (MILLET, 2000, position 1138). Apesar da importância dos trabalhos de Millett e Pateman, a concepção de contrato sexual que sigo neste trabalho é ampliada; não considero que o contrato social tenha um correspondente contrato sexual de base tão-somente patriarcal. Sigo o entendimento de Ochy Curiel e Monique Wittig, que entendem que existe um pacto social heterossexual, em especial considerando o contexto do qual Curiel fala, a Colômbia pós-Constituição de 1991. Curiel analisou, em seu livro La Nación Heterosexual, como a constituinte da atual Constituição da Colômbia, de 1991, e que representa simbolicamente o contrato social da sociedade colombiana, contou

com

representação ínfima e pontual de mulheres cisgêneras27, não teve qualquer presença de população transexual e as mulheres homossexuais supostamente presentes não apresentaram uma agenda relacionada à diversidade sexual. Como disse Curiel (2013, p. 89), Se não se tocava no tema do lesbianismo, provavelmente tampouco se falava de orientação sexual. A invisibilidade das lésbicas dentro do próprio feminismo tem sido uma constante no movimento latinoamericano e do Caribe. Isto faz com que muitas lésbicas se incluam dentro de propostas mais gerais, que não visibilizem sua orientação

27 Apenas quatro mulheres fizeram parte da Assembleia Constituinte para redação da

Constituição da Colômbia de 1991.

31   sexual nem questionem o regime da heterossexualidade. livre).

28

(tradução

Entretanto, um contrato social heterossexual não significa somente que estão subjugadas as pessoas não heterossexuais, assim como a heterossexualidade não é apenas uma orientação sexual. Sigo a linha

de

Curiel e Adrienne Rich, que entendem a heterossexualidade como uma instituição política, “(…) uma imposição institucionalizada para assegurar o acesso físico, econômico e emocional dos homens às mulheres

(…)”29 (RICH

apud CURIEL, 2013, p. 49) (tradução livre) e que serve às formas de produção capitalista, (...) que produzem a segregação por sexo na esfera laboral, assignando às mulheres posições com menor valor na divisão do trabalho, como empregadas domésticas, secretárias, babás, educadoras ou garçonetes, e dá lugar a uma sexualização do trabalho, onde se exerce, ademais, em muitas ocasiões e em muitos 30 momentos, o assédio sexual. (CURIEL, 2013, p. 48-49) (tradução livre).

As bases nas quais se torna possível um contrato heteronormativo estão na diferenciação e classificação sociais: entre homens e mulheres, masculino e feminino, homossexual e heterossexual, transgênero e cisgênero. Este sistema de diferenciações e classificações é responsável por criar padrões, docilizar um grupo em detrimento do outro, subordinar, oprimir, determinar funções e explorar o trabalho. Para Monique Wittig (apud CURIEL, 2013, p. 54), Esta diferença não somente define as mulheres, as lésbicas, mas todos os grupos oprimidos, uma vez que a diferença que os constitui é produzida desde um lugar de poder e de dominação e, portanto, é 31 um ato normativo. (tradução livre)

28 No original: Si no se tocaba en el tema del lesbianismo, probablemente tampoco el de la

opción sexual. La invisibilidad de las lesbianas dentro del mismo feminismo ha sido una constante en el movimiento latinoamericano y caribeño. Ésta lleva a muchas lesbianas a incluirse dentro de propuestas más generales, que no visibilicen su opción sexual ni cuestionen al régimen de la heterosexualidad. 29 No original: una imposición institucionalizada para asegurar el acceso físico, económico y emocional de los hombres a las mujeres. 30 No original: (…) que producen la segregación por sexo en la esfera laboral, asignando a las mujeres posiciones menos valoradas en la división del trabajo como empleadas domésticas, secretarias, nanas, educadoras o meseras, y da lugar a una sexualización del trabajo mismo, en donde se ejerce además, en muchas ocasiones y en muchos momentos, el acoso sexual. 31 No original: Esta diferencia no solo define a las mujeres, las lesbianas, sino a todos los grupos oprimidos, pues la diferencia que les constituye se produce desde un lugar de poder y dominación, por tanto, es un acto normativo.

32   O que propõe Wittig, entretanto, não é uma transgressão do sistema sexo/gênero como propõe a teoria Queer, mais voltada às individualidades: Wittig pretende a transgressão das categorias de sexo como realidades sociológicas, porque, de fato, (…) o que constitui uma mulher é uma relação social específica com um homem, relação esta que outrora chamamos de servidão, relação que implica obrigações pessoais e físicas, assim como obrigações econômicas, relação da qual escapam as lésbicas, ao negarem a heterossexualidade. (...) Nossa sobrevivência nos exige contribuir com todas as nossas forças com a destruição da classe – das 32 mulheres – através da qual os homens se apropriam das mulheres. (WITTIG apud CURIEL, 2013, p. 55) (tradução livre).

Beatriz Preciado (2014, p. 21), disserta sobre o tema, dizendo que a diferença de gênero e de sexo é um “produto do contrato

social

heterocentrado, cujas performatividades normativas foram inscritas nos corpos como verdades biológicas” e propõe um contrato social contrassexual em que todas as pessoas renunciem suas identidades sexuais e os benefícios provenientes das diferenças e passam a se reconhecer mutuamente não como homens ou mulheres, mas pessoas e corpos falantes. Para Preciado (idem, p. 25-26), o sexo é uma tecnologia biopolítica e O sistema heterossexual é um dispositivo social de produção de feminilidade e masculinidade que opera por divisão e fragmentação do corpo (...). Os papéis e as práticas sexuais, que naturalmente se atribuem aos gêneros masculino e feminino, são um conjunto arbitrário de regulações inscritas nos corpos que asseguram a exploração material de um sexo sobre o outro.

Mas por que falar de contrato social e sexual se o objetivo é entender as resistências femininas e seus aportes a um possível período de pós-conflito? Exatamente porque o contexto político e social da Colômbia demonstra que, desde 1991, a representatividade política feminina é 32 No original: (…) lo que constituye una mujer es una relación social específica

ínfima33.

con un hombre, relación que otrora hemos llamado servidumbre, relación que implica obligaciones personales y físicas, tanto como obligaciones económicas, relación de la cual escapan las lesbianas, al negarse a ser heterosexuales. (…) Nuestra sobrevivencia nos exige contribuir con todas nuestras fuerzas a la destrucción de la clase – la de las mujeres – en la cual los hombres se apropian de las mujeres. 33 A presença feminina da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) foi bastante insignificante também, à semelhança do que ocorreu na Constituinte colombiana. Aqui, em uma realidade de 559 (quinhentos e cinquenta e nove) parlamentares, apenas 26 eram mulheres, representando menos de 5% da ANC (SAMPAIO, 2016). A representatividade de parlamentares homossexuais sequer entra como um dado, pois, aqueles que eram homossexuais não tornaram este dado público nem o utilizaram como posicionamento político. Além disso, a questão de diversidade de gênero e orientação sexual, apesar de bastante discutida, não

33   As únicas sugestões das feministas que de fato entraram em vigor na Constituição eram propostas neoliberais. As minorias de mulheres, lésbicas, gays, negros, indígenas, foram subrepresentadas na Constituinte, o conceito de família ainda continuou bastante restrito, nada se falou sobre diversidades sexuais. As consequências disso são que, apesar de algumas mudanças tímidas, ainda existe uma exploração da força de trabalho das mulheres, os espaços políticos são majoritariamente masculinizados e brancos, ao passo que o espaço doméstico continua reservado às mulheres, a chefatura do lar feita por uma mulher é ainda vista como um traço de pobreza ou infortúnio (MILLETT, 2000, position 943), e as mulheres ainda apropriadas individual e socialmente. Como conseguir paz de fato sem dialogar com as mulheres mais atingidas pelo conflito? Como reconstruir um país sem, desta vez, ter participação dos grupos mais marginalizados e minoritários? No contexto colombiano, esta apropriação dos corpos é ainda mais dura. Como visto, em contextos de conflito armado, as consequências são graves para as mulheres, pois as práticas de uma política sexual heterocentrada tendem a piorar. Isto se dá principalmente porque, durante as guerras, ocorre o que se denomina militarismo e militarização, termos semelhantes, porém distintos. O termo militarismo consiste nos recursos coativos do poder para manter seus privilégios e levar a cabo seus interesses. No plano estatal, isto é mais perceptível quando observados os projetos de segurança nacional levados a cabo por meio da ação bélica das Forças Armadas contra grupos invasores (internos ou externos) e na Força Policial (LONDOÑO, 2014, p. 01). O militarismo é, portanto, a dimensão empírica, tangível, dos recursos coativos do poder. Objetivando a manutenção do poder, do status internacional do Estado, para além das funções de segurança, o militarismo também é responsável pela condução das políticas do Estado, especialmente aquelas de caráter econômico e de cooperação regional e internacional. O resultado disso é uma violência direta, de um lado, e estrutural, de outro. Isto porque, para além dos deslocamentos forçados, dos desaparecimentos,

massacres,

entrou na Constituição Federal do Brasil de 1988, que se limitou a estabelecer formalmente a igualdade entre homens e mulheres e a igualdade de tratamento independentemente de raça, sexo, origem, cor e idade, isto é, não especificou explicitamente as discriminações que sofrem a população transgênera, homossexual e bissexual.

34   estupros, feminicídios, saques, assassinatos, o militarismo controla territórios e populações, a fim de estimular investimentos externos e assegurar a presença de empresas transnacionais (idem, p. 02). Não surpreende que os Estados Unidos da América (EUA) tenham, na Colômbia, 07 (sete) bases militares após uma política de abertura neoliberal da economia colombiana, e que um dos grupos

mais

perseguidos

por

paramilitares

seja

o

de

trabalhadores

sindicalizados. Em suma, o militarismo: É a força física e armada utilizada desde o processo de colonização para a submissão dos povos originários e africanos (...) ou para submeter povos como os palestinos, curdos, saharaui e, em lógicas internas nacionais, para controlar um possível levantamento dos povos ou para sustentar economias como a do petróleo ou do narcotráfico. Tem sido, além disso, uma ferramenta fundamental para a imposição de ditaduras e, portanto, para a implantação do medo e da expansão de projetos como o do neoliberalismo. Assim, faz referência à dimensão material da militarização e, consequentemente, implica o controle das pessoas e dos 34 territórios, incluídos os corpos das mulheres. (LONDOÑO, 2014, p. 01) (tradução livre).

A militarização, por sua vez, é o termo utilizado para referir-se ao plano ideológico do militarismo, transcendendo as ações bélicas, mas que, por sua vez, as sustenta. A militarização é, assim, a presença da lógica militar na cotidianidade, na estruturação social, na resolução de conflitos. E tem relação direta com um sistema estruturado em um contrato social heteronormativo35, que se baseia na diferenciação dos corpos entre homem e mulher, classificando-os segundo características masculinas e femininas, as quais, por sua vez, colocam o homem na posição de chefe, com mais força, uma figura associada

à

violência

e

às

armas.

A

própria

estruturação

do

34 No original: Es la fuerza física y armada utilizada desde el proceso de colonización para el

sometimiento de los pueblos originarios y africanos (…) o para someter pueblos como el palestino, el kurdo, el saharaui y, en lógicas internas nacionales, para controlar un posible levantamiento de los pueblos o para sostener economías como la del petróleo o el narcotráfico. Ha sido además una herramienta fundamental para la imposición de dictaduras y, por tanto, para la instalación del miedo y la expansión de proyectos como el neoliberalismo. Así visto, hace referencia a la dimensión material de la militarización y, por supuesto, implica el control de las personas y territorios, incluidos los cuerpos de las mujeres. 35 O tema de militarismo e militarização e sua correlação com as estruturas de opressão sociais é ainda pouco estudado, e reduz-se a poucos textos e discussões em encontros feministas. Assim, ainda não se pode dizer se a militarização se estrutura como um sistema próprio de opressão, ao lado de racismo, classismo, sexismo, homofobia, ou se é consequência destes sistemas. Assim, prefiro dizer que militarização e contrato heterossexual tão-somente se correlacionam, sem fazer afirmações para além disso.

35   militarismo/militarização representa perfeitamente as bases nas quais a cultura patriarcal se sustenta: A uniformidade, a hierarquização do poder, o culto ao chefe, a obediência, a obtenção de qualquer interesse através da intimidação por via de armas ou da demonstração de força, a violência física, a competência e a exaltação da figura do macho fazem parte de um 36 campo simbólico explicitamente heteronormativo. (tradução livre) (LONDOÑO, 2014, p. 05).

Veena Das (2008) traz importante raciocínio sobre as relações entre Estado, violência e masculinidade. A partir de uma análise do contrato social de Hobbes, a autora fala de um Estado masculino que monopoliza uma violência “legítima” e estabelece com seus cidadãos e cidadãs uma relação diferenciada por seu gênero. De acordo com a autora, Hobbes se baseia na ideia de um estado de natureza em que homens, em guerra, decidem conceder a somente um soberano, o Leviatã, o monopólio da violência, desde que eles se comprometam a dar sua vida para manter a estabilidade do Estado-Nação. Entretanto, isto não ocasiona o fim da violência, apenas a redistribui (DAS, 2008, p. 286). No caso das mulheres, por outro lado, o Estado tem monopólio do seu sexo (idem, p. 285), uma vez que sua função é reproduzir novos homens que irão proteger o soberano. Nesta sociedade, a base das relações dos homens com o Estado é a sua violência e, no caso das mulheres, a reprodução. Esta violência, por sua vez, é idealizada: a figura do soldado é a mesma que a figura do herói, protetor da nação. Das (2008, p. 286) fala dos processos de censura existentes nos principais conflitos após a Primeira Guerra Mundial, que proíbem a divulgação de quaisquer detalhes que desvirtuem a imagem de masculinidade atrelada à figura do soldado. A sociedade do contrato social heterossexual idealiza, pois, a figura do homem-soldado, que tem monopólio da violência militarizada, e é tido como herói. Esta mesma sociedade controla e fragmenta os corpos e das mulheres. Tendo em vista a temática dos corpos, Butler disserta que: O corpo supõe mortalidade, vulnerabilidade, práxis: a pele e a carne nos expõem ao olhar dos outros, mas também ao contato e à 36 No original: La uniformidad, la jerarquización del poder, el culto al jefe, la obediencia, la

obtención de cualquier interés a través de la intimidación por vía de las armas o de la demostración de fuerza, la violencia física, la competencia y la exaltación de la figura del macho hacen parte de un campo simbólico explícitamente heteronormativo.

36   violência, e também são corpos os quais nos colocam em perigo de 37 nos convertermos em agentes e instrumentos de tudo isto. (BUTLER, 2009, p. 52) (tradução livre). (...) como corpos, estamos expostos aos demais, e ainda que isto pode ser a condição de nosso desejo, também ocasiona a possibilidade de subjugação e crueldade. (...) os corpos estão estreitamente relacionados com os outros mediante as necessidades 38 materiais, (...), sem as quais não podemos sobreviver. (BUTLER, 2010, p. 93) (tradução livre)

Quando Butler faz uma análise da vida, ela necessariamente passa pelo conceito de precariedade. Para a filósofa, sendo o corpo um fenômeno social, isto é, está exposto aos demais, é vulnerável, precário, por definição: para ser/persistir, esta vida-corpo deve contar com o externo (BUTLER,

2010,

p. 57-58). Butler fala sempre de marcos que sustentam as condições de vida, ou, em outras palavras, das redes de proteção social das quais todas as vidas dependem, a fim de persistirem. Mas e aquelas pessoas que vivem na miséria, sentem fome, não têm oportunidades de emprego, cujo trabalho é subvalorizado, estão expostas diferenciadamente à violência? Que vidas são estas? O que as diferencia das demais, uma vez que todos os corpos partem do pressuposto da precariedade? Ao falar dos marcos que sustentam as condições de vida, Butler (2010, p. 44) afirma que estes mesmos marcos produzem modos de reconhecimento, em especial na guerra, os denominados marcos de guerra, e operam

principalmente

nas

situações

de

encarceramento,

tortura,

deslocamentos, “segundo as quais certas vidas são entendidas como vidas, ao passo que outras, ainda que claramente vivas, não assumem uma forma perceptível propriamente dita”39 (BUTLER, 2010, p. 44) (tradução livre). Butler fala, portanto, que uma séria consequência do poder político e militar sobre os corpos é o controle do luto social, isto é, a comoção política, o horror, a afetividade da perda em relação a certas vidas e a indiferença e 37 No original: El cuerpo supone mortalidad, vulnerabilidad, praxis: la piel y la carne

nos exponen a la mirada de los otros, pero también al contacto y a la violencia, y también son cuerpos los que nos ponen en peligro de convertirnos en agentes e instrumento de todo esto. 38 No original: (…) como cuerpos, estamos expuestos a los demás, y si bien esto puede ser la condición de nuestro deseo, también plantea la posibilidad de sojuzgamiento y crueldad. (…) los cuerpos están estrechamente relacionados con los otros mediante las necesidades materiales, (…), sin las cuales no podemos sobrevivir. 39 No original: según las cuales ciertas vidas son percibidas como vidas mientras que otras, aunque estén claramente vivas, no asumen una forma perceptual propiamente dicha.

37   esquecimento em relação a outras. Sobre essa distribuição política do luto, a filósofa denomina as vidas como dignas de ser choradas e não dignas de ser choradas. Para exemplificar, Butler menciona as diversas formas de racismo e a situação das pessoas em Guantánamo. Quem chora pelos negros, africanos, que vivem na miséria e sua vida, incompleta, reduz-se à luta pela sobrevivência? A autora inclusive diz que a política sexual pode ser utilizada a fim de classificar as vidas dignas ou não de ser choradas, senão vejamos: Significaria pensar a política sexual, juntamente com a política migratória, de uma nova maneira, e dar conta de que existem populações que estão diferenciadamente expostas a condições que 40 colocam em perigo a possibilidade de persistir e de prosperar. (BUTLER, 2010, p. 50) (tradução livre).

De fato, a política sexual cuja base é a diferenciação dos corpos produz efeitos de afetividade social diferenciados a estas vidas. As mulheres na Colômbia, por exemplo, têm suas vidas militarizadas e, na lógica da guerra, seus corpos são violados, fragmentados, sua família e suas possibilidades de futuro destruídas. Isto obedece a uma ordem heterocentrada e patriarcal que subjuga as mulheres. Nos marcos da guerra, as mulheres mais atingidas são aquelas cuja perda é a menos chorada: as mulheres afrocolombianas, indígenas,

camponesas,

pobres,

deslocadas

internas,

sofrem

as

consequências da exploração do seu trabalho, em geral doméstico, e têm vidas cujas condições de persistência são menores, pois não contam com toda a proteção social necessária. Estão mais sujeitas a torturas, violências, à miséria contínua e estrutural. Butler diz que, ao passo que a condição de precariedade da vida é generalizada, a precaridade 41 , por outro lado, é uma condição politicamente induzida, (...) que negaria uma igual exposição mediante uma distribuição radicalmente desigual da riqueza e umas maneiras diferenciadas de expor certas populações, conceitualizadas desde um ponto de vista 42 racial e nacional, a uma maior violência. (BUTLER, 2010, p. 50).

40 No original: Significaría pensar la política sexual junto con la política inmigratoria de una

nueva manera y darnos cuenta de que hay poblaciones que están diferencialmente expuestas a condiciones que ponen en peligro la posibilidad de persistir y prosperar. 41 Butler faz a diferenciação dos termos precariedade e precaridade, aquele indicando um sentido geral, da vulnerabilidade comum a todos os corpos, e precaridade indicando as misérias e vulnerabilidades específicas de certos grupos sociais. 42 No original: (...) que negaría una igual exposición mediante una distribución radicalmente desigual de la riqueza y unas maneras diferenciales de exponer a ciertas poblaciones, conceptualizadas desde el punto de vista racial y nacional, a una mayor violencia.

38   Butler (2010, p. 54) utiliza esta linha de raciocínio para entender que estes marcos de precaridade tornam possíveis as práticas da guerra e constituem um problema da política contemporânea, qual seja, o de que nem todo mundo é considerado sujeito de direitos. Assim, na linha de Foucault (2013, p. 235), que entende que “o poder penetrou no corpo, encontra-se exposto no próprio corpo”, este trabalho também concebe o corpo da mulher colombiana como um território político, como um espaço de poder, histórico, e não biológico, assumindo que o corpo é objeto de construções e sujeições opressoras que o subordinam e colocam- no em uma condição de precaridade (GRIJALVA, 2012, p. 06); entender o corpo como território político é conceber que nele são produzidas subjetivações e hierarquizações responsáveis pela manutenção do sistema de produção neoliberal e de um contrato heterossexual. Mas não somente isso: quando falo de corpo como espaço político quero também ressaltar as resistências, as reconstruções e as habitações. Faço empréstimo do termo utilizado por Grijalva, que diz que habitar o seu corpo é retomá-lo pra si, conhecê-lo, ressignificá-lo. Como diz Foucault (2014, p. 157), A vida como objeto político foi de algum modo tomada ao pé da letra e voltada contra o sistema que tentava controla-la. Foi a vida, muito mais do que o direito, que se tornou o objeto das lutas políticas, ainda que estas últimas se formulem através de afirmações de direitos.

É, portanto, a partir da perda do controle sobre seus corpos, que as mulheres buscam recuperá-los. É porque foram vítimas, que não mais querem sê-lo. A mulher que se desloca a outra cidade não faz somente porque é vítima, mas porque na fuga ela consegue resistir à permanência da violência. É por meio da fuga que a mulher protege seus filhos de recrutamento, da violência sexual, da escravidão doméstica. Quando se reestabelecem em outro lugar, as mulheres não são apenas vítimas da falta de condições básicas de vida digna: são produtoras do seu destino ao resistir às suas condições e, mesmo assim, trabalhar e sobreviver. As mulheres que se reúnem para pensar uma nova Colômbia, ainda que nas condições mais adversas, são mulheres que resistiram e resistem às violências a que são subjugadas, e usam suas vulnerabilidades como potência para mudanças.

39   1.3 De vítimas a sujeitos políticos: uma ressignificação das vulnerabilidades e resistências corporais Como falado, os discursos (políticos, dos direitos humanos, entre outros) de diferentes maneiras colocam grande enfoque na vulnerabilidade de alguns grupos sociais: mulheres, homossexuais, transgêneros, negros, indígenas. Isto, geralmente, produz uma imagem errônea que vitimiza mulheres e diminui sua capacidade de agenciamento. Estado e instituições internacionais assumem a postura de protetores e tendem a desvalorizar ou invisibilizar movimentos de resistência da população reputada como vulnerável. De acordo com Butler (2016), isto retrata o poder paternalista que, ao criar a categoria de “vulneráveis”, os grupos assim denominados de fato tornam-se vulneráveis. É por isto que quando eu discuto, neste trabalho, sobre a vulnerabilidade das mulheres, falo desde um lugar distante das categorias estatais. Entendo também que, no caso da Colômbia, grande parte das principais ONGs atuantes em prol das mulheres absorve o discurso estatal e intergovernamental dos direitos humanos e reproduz discursos paternalistas, uma vez que a luta principal destes grupos tem um viés de superação das condições de vulnerabilidade. Eu tampouco faço uso deste sentido. Verifiquei, em campo, que, para as mulheres entrevistadas, sejam de ONGs feministas, acadêmicas, servidoras públicas ou vítimas, as maiores ONGs que trabalham com a temática da violência contra as mulheres neste contexto seriam: La Ruta Pacífica de las Mujeres43, Casa de la Mujer, e Sisma Mujer. Afirmo que são as maiores ONGs tendo em vista que elas têm uma atuação consolidada no que tange à defesa dos direitos das mulheres vítimas do conflito armado. Essa informação se baseia também na própria entrevista colhida com Olga Betancourt, que afirma que estas são as ONGs que estão nos principais espaços de interlocução com os atores políticos. Além disso, são instituições que contam com apoio, dentre outros, da ONU Mujeres, do Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo en Colombia (PNUD), da União Europeia, da Embaixada da Noruega, de organismos do

43 Doravante referida tão somente como Ruta ou Ruta Pacífica.

governo

40   colombiano, entre outros. Isto é importante mencionar porque é preciso entender de que lugar essas mulheres falam e trabalham. Essas instituições são apoiadas por entidades estatais e interestatais, e há envolvimento inclusive do governo colombiano, em algum dos casos. Isto significa que, em grande medida, as ONGs incorporam o vocabulário hegemônico dos direitos humanos em sua metodologia de trabalho, sendo também responsáveis pela reprodução de um discurso que coloca as mulheres no local de vítimas, que necessitam de proteção estatal. Não quero, entretanto, descreditar a importância que estas instituições têm no cenário político colombiano. Exatamente porque têm mais recursos e apoio de órgãos de importância chave no contexto colombiano44, são estas ONGs que tem mais interlocução nos espaços políticos e são mais capazes de influenciar as políticas públicas. Elas têm um importante trabalho em colher testemunhos das vítimas com fins de construção de uma memória histórica das mulheres. Entretanto, seu trabalho tem que ser observado com um devido olhar crítico, afinal, estas organizações falam em nome das mulheres vítimas do conflito armado nos espaços políticos tradicionais, apesar de não serem vítimas as que estão ali presentes. Isto será melhor analisado no capítulo seguinte. Ademais, é preciso observar os limites dessas organizações, uma vez que atuam conjuntamente com as organizações internacionais e órgãos estatais, e reproduzem seus discursos e práticas relacionados às políticas de vítimas, de mulheres e de paz. É possível observar, portanto, que estas organizações mantêm nas suas publicações um discurso de direitos humanos que privilegia a imagem de vítima das mulheres colombianas no conflito armado, ainda que seus objetivos sejam contrários, isto é, ainda que digam que seus objetivos são de evitar a constante vitimização dessas mulheres. Isto pode ser explicado tendo em vista que a linha de atuação dessas instituições é baseada em um feminismo liberal, como será melhor elaborado no capítulo seguinte. Assim, as lutas empreendidas pelas ONGs para melhoria das condições de vida das mulheres se

dão

majoritariamente

nos

espaços

políticos



existentes,

locais

masculinizados e que obedecem a um contrato sexual heterocentrado, com 44 A Noruega, por exemplo, é um dos principais apoiadores dos Diálogos do Estado

colombiano com as FARC-EP, e tem estado presente durante todos os encontros.

o

41   objetivo de tentar alterar as condições das mulheres por meio de leis e políticas públicas protecionistas. Para estas instituições, a vulnerabilidade é vencida caso as ações estatais envolvam mais as demandas das mulheres. Ainda que em certas publicações sejam mencionadas as experiências de resistência pessoal e coletiva de determinadas comunidades de vítimas, isto é feito tão somente com fins de registro de memória histórica, a fim de demonstrar como as mulheres criaram maneiras de superar a violência sofrida. Entretanto, a atuação política das ONGs se concentra principalmente na articulação com importantes órgãos governamentais, com outras ONGs da sociedade civil, e com entidades internacionais. E estas articulações se dão na ausência de vítimas – o que reforça a reprodução dos discursos paternalistas e de vitimização. Falando do contexto da guerra dos Bálcãs e as muitas violações aos direitos humanos das mulheres, Dubravka Zarkov (2007, p. 85) analisa que o feminismo, enquanto movimento político, tem como base analítica o corpo vitimizado da mulher, isto é, o movimento tem como função a denúncia da exploração do corpo feminino por uma estrutura e cultura patriarcais. A autora fala que este corpo-vítima é também útil a um projeto nacionalista: “Sua vulnerabilidade, sua impotência e sua necessidade de proteção inspirou e justificou um projeto nacionalista”45 (ZARKOV, 2007, p. 85) (tradução livre), uma vez que possibilita o controle de populações. A autora analisa que, historicamente, a luta feminista para visibilizar o estupro na guerra dos Bálcãs como instrumento de guerra foi importante para criar mecanismos internacionais de julgamento e encarceramento dos responsáveis e, portanto, reconhece seus méritos. Entretanto, os resultados disso, quais sejam, julgamentos e punição dos responsáveis, nem sempre representavam um sentimento de closure46 para as vítimas. Isto porque, nos julgamentos, tanto a Defesa quanto a Acusação focam-se nos atos de violência contra o corpo da vítima: esta, mesmo em uma situação de agenciamento, de visibilização de sua voz, percebe-se vivenciando a violência sem que ela 45 No original: Its vulnerability, its powerlessness and its need for protection have inspired and

justified many a nationalist Project. 46 Entendo que closure, para a autora, seja o mesmo que fechamento de um ciclo de violência. Entretanto, por entender que a palavra em sua língua originária não tenha um significado perfeito para a língua portuguesa, preferi manter no vernáculo original.

42   pudesse ter o controle de seu próprio testemunho, e é, portanto, revitimizada (ibidem, p. 176-177). Zarkov analisa que os muitos testemunhos detalhistas das vítimas, na mídia, no Judiciário, em relatórios, apesar de visibilizarem as atrocidades cometidas contra as mulheres, tinham um lado negativo: reforçavam a ideia de que toda mulher é possível vítima desta cultura e sociedade patriarcais. Falando especificamente da violação sexual, a consequência disso é que todas as mulheres passam a ser definidas como estupráveis, e o estupro passa a definir, portanto, a feminilidade, reforçando a impotência das mulheres em relação aos homens, “(…) e o contexto de guerra destaca a inevitabilidade da violabilidade da mulher e sua impotência, uma vez que o homem é também um soldado”47 (ZARKOV, 2007, p. 176) (tradução livre). A conclusão disso é que soluções legalistas e estatais para vítimas de violência nem sempre dão à vítima uma sensação de closure, e os testemunhos públicos também não lhes proporcionam necessariamente respeito e visibilidade. Pelo contrário, estas soluções colocam as mulheres como únicas vítimas, rejeitando sua capacidade de agência e rejeitando ao homem sua vulnerabilidade. Para Zarkov (2007, p.182-183), portanto, as instituições que lidam com esta temática devem encontrar maneiras de desconstruir os discursos que naturalizam a posição de vítima das mulheres. A autora exemplifica, afirmando que os discursos não devem ser no sentido de dizer que as mulheres são objetos de violência porque seus corpos pertencem ao inimigo: mas porque seus corpos também representam a figura do inimigo. Desta maneira, os corpos têm uma dupla dimensão, de vulnerabilidade e de poder. A autora finaliza dizendo que o enfoque não deve ser na ajuda às vítimas, mas em entender os interregnos entre as ameaças e a violência em si, isto é, um enfoque na prevenção estrutural do problema. Sobre vitimização, Anzaldúa (1987, p. 21) disserta o seguinte: A habilidade de responder é o que se quer dizer quando se fala de responsabilidade, mas as nossas culturas retiram de nós a habilidade de agir – acorrentam-nos com a intenção de nos proteger.

47 No original: (...) and the context of war further underscores the inevitability of female

violability and powerlessness, when the man is also a soldier.

43   Bloqueadas, imobilizadas, nós não podemos seguir em frente, nem 48 podemos voltar atrás. (tradução livre).

Assim, quando discuto vulnerabilidades neste trabalho não falo sobre uma vitimização naturalizada da mulher em relação ao homem. Até porque, como diz Veena Das (2007, p. 63), “(...) ser vulnerável não é o mesmo que ser uma vítima”49 (tradução livre). Na realidade, sigo o entendimento de Butler (2010) de que todos os corpos são vulneráveis por definição, uma vez que, estando expostos aos demais, dependem das interações sociais e das redes de proteção que permitem a persistência corporal. Igualmente, Butler insere a noção de que a vulnerabilidade de todos os corpos define nossa resposta ao mundo. Para a filósofa, “essa alteridade obstrutiva com a qual se topa o corpo pode ser, e em geral é, o que anima a capacidade de resposta a este mundo”50 (BUTLER, 2010, p. 58) (tradução livre). Daí que o corpo se define pelas relações que tornam sua vida e suas ações possíveis. Da mesma maneira que os demais atuam sobre nosso corpo, este também reage aos demais51. Assim sendo, a nossa capacidade de resistência e de reação ao mundo tem origem na nossa própria vulnerabilidade, na nossa capacidade de ser reativos às interações com as demais pessoas. Neste sentido, entendo a resistência política não como luta pela superação das vulnerabilidades, uma vez que a capacidade de resistir tem uma relação de interdependência com a vulnerabilidade. Para Butler (2016), “(...) a vulnerabilidade, entendida como uma exposição deliberada ao poder, é parte do mesmo significado de resistência como ato corporal” 52 . Resistência e vulnerabilidade, portanto, não são termos opostos. Isto significa que a vulnerabilidade não é somente passiva, nem ativa, está numa região intermediária, que demonstra a habilidade humana de atuar e de ser afetado. 48 No original: The ability to respond is what is meant by responsibility, yet our cultures take

away our ability to act – shackle us in the name of protection. Blocked, immobilized, we can't move forward, can't move backwards. 49 No original: to be vulnerable is not the same as to be a victim. 50 No original: (...) esta alteridad obstrusiva con la que se topa el cuerpo puede ser, y a menudo es, lo que anima la capacidad de respuesta a ese mundo. 51 Desta noção de interação corporal surgiu o importante conceito de performatividade de gênero. Para Butler (2016), uma normatividade institucionalizada age sobre nossos corpos, definindo o que somos, nos categorizando, dando nomes. Estas normas instituem formas de vulnerabilidade corporal, de onde também saem as possibilidades de revisão da norma. 52 No original: (...) la vulnerabilidad, entendida como una exposición deliberada ante el poder, es parte del mismo significado de la resistencia política como acto corporal.

44   Penso que um bom exemplo das vulnerabilidades e resistências de que fala Butler seja o poema de Victoria Santa Cruz, denominado “Me gritaron negra!”: Tenía siete años apenas, apenas siete años, ¡Que siete años! ¡No llegaba a cinco siquiera! De pronto unas voces en la calle me gritaron ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! “¿Soy acaso negra?” – me dije ¡SÍ! “¿Qué cosa es ser negra?” ¡Negra! Y yo no sabía la triste verdad que aquello escondía. Y me sentí negra, ¡Negra! Como ellos decían ¡Negra! Y retrocedí ¡Negra! Como ellos querían ¡Negra! Y odié mis cabellos y mis labios gruesos y miré apenada mi carne tostada Y retrocedí ¡Negra! Y retrocedí… ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Neeegra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! Y pasaba el tiempo, y siempre amargada Seguía llevando a mi espalda mi pesada carga ¡Y cómo pesaba! ... Me alacié el cabello, me polveé la cara, y entre mis entrañas siempre resonaba la misma palabra ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Neeegra! Hasta que un día que retrocedía, retrocedía y que iba a caer ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¿Y qué? ¿Y qué? ¡Negra! Sí ¡Negra! Soy ¡Negra! Negra ¡Negra! Negra soy ¡Negra! Sí ¡Negra! Soy

45   ¡Negra! Negra ¡Negra! Negra soy De hoy en adelante no quiero laciar mi cabello No quiero Y voy a reírme de aquellos, que por evitar – según ellos – que por evitarnos algún sinsabor Llaman a los negros gente de color ¡Y de qué color! NEGRO ¡Y qué lindo suena! NEGRO ¡Y qué ritmo tiene! NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO Al fin Al fin comprendí AL FIN Ya no retrocedo AL FIN Y avanzo segura AL FIN Avanzo y espero AL FIN Y bendigo al cielo porque quiso Dios que negro azabache fuese mi color Y ya comprendí AL FIN Ya tengo la llave NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO 53 ¡Negra soy! (SANTA CRUZ, 2016)

É claro, ao ler o poema, que a criança de 05 (cinco) anos, na sua experiência relacional com as demais pessoas, foi afetada por uma normatividade racista que dava um sentido negativo e inferiorizado ao fato de que ela era negra. No decorrer do poema, percebemos como a sujeita poética reage a essa normatividade que a rodeia: ela leva a pesada carga de ser negra em uma sociedade que inferioriza seus traços, explora seu trabalho, invisibiliza seu protagonismo. Mas, ao final, é perceptível como os reiterados usos do chamamento “Negra” com sentido pejorativo provocam, na sujeita poética, uma reação: enquanto negra, ela se reconhece, enquanto negra, ela se aceita, habita-se a si mesma, tem as chaves da sua resistência, quais sejam, a sua própria existência/persistência. Neste sentido de resistência, Butler (2010, p. 94) também fala dos poemas produzidos pelos presos de Guantánamo, e os concebe como

53 Tendo em vista que um poema traduzido perde seu poder e seu real significado, optei por

não traduzi-lo.

46   Redes de afetos transitivos, os poemas – sua escrita e sua divulgação – são atos críticos de resistência, interpretações insurgentes, atos incendiários que, de certo modo e incrivelmente, vivem através da violência à qual se opõem, ainda quando não 54 saibamos de que maneira aquelas vidas irão sobreviver. (tradução livre, grifos meus).

Uma importante filósofa feminista que em muito contribuiu com o desenvolvimento do feminismo chicano é Glória Anzaldúa. A linguagem por ela utilizada é, por sua vez, muito poética. Anzaldúa (2015, p. 01-02) entende que escrever é um processo de descobrimento pessoal e auto criação e que isto é resultado de “(...) uma luta para a reconstrução pessoal e para curar-se de feridas, traumas, racismos e outras violações que arrancam pedaços de nossas almas, nos divide e nos assombra”55 (tradução livre). De fato, é por meio da poesia que a autora se ressignifica, habita si mesma. Em Borderlands: la frontera, Anzaldúa (1987, p. 21) se define Chicana, identidade que busca nas origens de resistência das mulheres indígenas. Subjugada na sua

própria

cultura e na cultura ocidental branca e hegemônica, a filósofa afirma que, para lutar contra a personalidade de mulher mexicana que havia sido imposta em seu corpo, ela havia passado por processos pessoais para encontrar-se, compreender sua própria natureza, sua individualidade. O processo de resistência pelo que passa Anzaldúa, traduzido por sua linguagem poética, consiste na luta contra as normatividades obrigatórias que lhe foram impostas desde que nasceu. Esta luta constante para habitar-se, ter protagonismo sobre o que se é, era um processo em que, como dito, Anzaldúa conquistava também pela sua escrita, que reafirmava sua identidade e representava um ato de resistência. Igualmente, penso que as mulheres colombianas reagem às circunstâncias que lhes colocam num lugar de inferioridade, de violência, por meio da exposição de seus corpos, mobilizando suas vulnerabilidades para fazer valer sua existência. Quando suas vidas são expostas no deslocamento, no estabelecimento em outras cidades e países, nas regiões militarizadas, nas 54 No original: Red de afectos transitivos, los poemas – su escritura y su divulgación – son

actos críticos de resistencia, interpretaciones insurgentes, actos incendiarios que, en cierto modo e increíblemente, viven a través de la violencia a la que se oponen, aun cuando no sepamos todavía de qué manera van a sobrevivir dichas vidas. 55 No original: (...) a struggle to reconstruct oneself and heal the sustos resulting from woundings, traumas, racism, and other acts of violation que hechan pedazos nuestras almas, split us, scatter our energies, and haunt us.

47   ruas reclamando pelo espaço público, quando seus corpos persistem. São respostas e esforços para restabelecer uma relação social mais justa com o mundo.

48   2 O Governo Humanitário: a contraditória gestão das vidas precárias e suas narrativas de resistência A Lei 1.448/2012, mais conhecida como Lei de Vítimas e Restituição de Terras56, entrou em vigor na Colômbia para substituir a Lei nº 387/1997 e apresentar uma regulamentação diferenciada no que tange à proteção, reparação e assistência às vítimas do conflito armado colombiano. Ainda que objeto de muitas discussões sobre sua efetividade, como se verá brevemente, a Lei de Vítimas reconheceu, no artigo 193, a existência de duas categorias de organizações atuantes em relação às vítimas do conflito, quais sejam: as organizações de vítimas e as organizações dos direitos das vítimas57. Essa divisão, antes mesmo de ser incluída em Lei, já existia na realidade das organizações da sociedade civil, mas nenhum diploma normativo anterior à Lei de Vítimas conferia às ONGs de direitos humanos tamanha importância. Antes de minha ida à Bogotá, não tinha conhecimento dessa categorização das organizações e o quanto isso dividia a sociedade civil. Causou-me muito estranhamento observar que no contexto colombiano existissem dois tipos de organizações em prol dos direitos das vítimas do conflito armado, porque isso indicava uma divisão na sociedade civil entre vítimas e defensores de vítimas o que, a priori, não fazia muito sentido. Ora, se ambas as organizações lutavam pelos direitos das vítimas, por que essa separação? Em campo, observei também que, em geral, são estas ONGs de direitos humanos que detêm mais recursos financeiros e políticos para atuar em prol de vítimas e estão mais presentes nas negociações oficiais e institucionais, em especial quando falamos das organizações autodenominadas feministas. Isto foi muito representativo para mim enquanto observadora da realidade da sociedade civil naquele momento na Colômbia: ainda que com muitas organizações de mulheres vítimas do conflito, as organizações de defensoras dos direitos humanos é que detêm a maior capacidade

de

56 No original: Ley de Víctimas y Restitución de Tierras, doravante mencionada somente como

Lei de Vítimas. 57 Estas organizações de defensores de vítimas serão referidas neste trabalho como organizações de defensores de direitos humanos ou ONGs de direitos humanos e, no caso da luta pelos direitos das mulheres, de ONGs feministas.

49   mobilização sociopolítica. Mesmo não sendo compostas por vítimas do conflito, essas organizações obtiveram, com o advento da Lei de Vítimas, cadeiras permanentes nas Mesas Nacionais, Departamentais, Municipais e Distritais de Vítimas. Mesmo que sem presença de vítimas em seus principais

cargos,

essas organizações são a maioria nas visitas à Subcomissão de Gênero da Mesa de Negociações e têm organizado, juntamente com a Organização das Nações Unidas (ONU), os maiores encontros responsáveis pela construção de recomendações para uma possível Colômbia com paz, como por exemplo a Cumbre de Mujeres por la Paz. Essas organizações participaram da Mesa Mujer y Conflicto Armado, expoente nas análises da situação de mulheres no âmbito do conflito armado. Para além disso, dentre as principais atividades dessas ONGs, tem-se a realização de informes, relatórios e pesquisas envolvendo a situação de vítimas mulheres, os quais têm ampla visibilidade política. De fato, as ONGs de direitos humanos têm uma presença longa, progressiva e efetiva de militância na Colômbia em prol das vítimas mulheres. Esta constância só é possível porque, como diz Olga Betancourt58, existem recursos suficientes para realizar projetos, empregar bons pesquisadores, e porque há uma relação mais próxima com a institucionalidade. Neste capítulo, pretendo observar, portanto, a partir das narrativas produzidas em campo, como este sistema de ONGs de direitos humanos e organizações de vítimas se organiza, quais as principais consequências políticas dessa estrutura, e como as vítimas reagem frente a esta realidade de divisão da sociedade civil. Para isso, trarei a este trabalho as narrativas de: Olga Betancourt, presidente da Asociación de Desplazados Colombianos (Andescol), vítima do conflito armado colombiano, cisgênera, camponesa; das mulheres vítimas presentes na primeira reunião de 2015 da Mesa Autónoma de Mujeres Víctimas Residentes en Bogotá59; Ochy Curiel, acadêmica da Universidade Nacional da Colômbia, dominicana, negra, lésbica, feminista descolonial e ativista; de uma funcionária que não permitiu ser identificada do Alto

58 Anexo A, p. 131. 59 Doravante referida como Mesa Autônoma.

50   Comisionado por la Paz60, mulher cisgênera, branca, de classe média; de Elsa Cristina, responsável pela equipe de enfoque diferencial da Alta Consejería para Víctimas61, mulher cisgênera, branca, de classe média; de Patricia Ariza, representante da Corporación Colombiana de Teatro, mulher cisgênera, branca, de classe média; de uma funcionária não identificada da

ONG

Humanas, mulher cisgênera, acadêmica, branca, de classe média; de uma funcionária não identificada da ONU Mujeres, mulher cisgênera, branca, de classe média. Quando me propus ir à campo, inicialmente, meu objetivo era analisar movimentos de resistência femininos específicos, entender seu alcance e seus métodos; entretanto, deparei-me com um cenário muito mais complexo, em especial levando em conta o momento histórico

atualmente

vivido pela Colômbia. Assim, estas narrativas serão analisadas à luz dos Diálogos de Paz, momento este que, apesar de ainda estar em curso, já mobilizou fortemente a institucionalidade, a sociedade civil e as organizações internacionais no sentido de discutir e pensar o futuro da Colômbia e, consequentemente, das vítimas do conflito armado. Por conseguinte, criam-se campos de disputa por espaços, por protagonismos, por participação. Para

entender

este

complexo

contexto

de

construções

de

identidades sociais e de resistências femininas, optei principalmente pelo uso das narrativas pessoais. Na linha de Moita Lopes (2001), as práticas narrativas são a espécie do gênero por ele denominado práticas discursivas, que funcionam como construtores das identidades pessoal e social. Em outras palavras, o autor entende as práticas discursivas como co-construídas: “(...) o discurso é ação através da qual os participantes discursivos se constroem, constroem os outros e, portanto, constituem o mundo social” (MOITA LOPES, 2001, p. 59). Disto posso tirar três conclusões importantes das práticas narrativas: a) Primeiramente, as narrativas existem em um determinado momento histórico e cultural, assim sendo, quem conta uma história o faz desde um lugar de poder dentro da estrutura social, uma vez que “temos que ser vistos como pessoas que têm corpos situados na história social” (MOITA LOPES, 2001, 60 Referido, a partir de então, como Alto Comisionado. 61 Doravante mencionada como Alta Consejería.

p.

51   60); b) Entretanto, apesar de partir desde um lugar específico na estrutura hierárquica de poder na sociedade, a prática narrativa pode se constituir uma prática de empoderamento, uma vez que o indivíduo sujeitado a discursos históricos de dominação e inferiorização ganha lugar de fala, e assume uma postura ativa frente suas condições de subordinação. Essas práticas podem ser, portanto, resistências, uma vez que são também “(...) contra-discursos” e podem “(...) reverter os processos discursivos que constroem nossas identidades sociais em uma direção ou outra, e construí-las, portanto,

em

outras bases” (MOITA LOPES, 2001, p. 59); c) Isto leva a um terceiro posicionamento, qual seja, as identidades sociais não são fixas, ou, como Moita Lopes (2001, P. 60) denomina, são anti-essencialistas, o que significa que práticas discursivas e também, narrativas, são capazes de construir e reconstruir identidades sociais, sendo também potência de mudança, em especial para grupos subordinados histórica e culturalmente. Tendo essa concepção do que são as práticas narrativas e de sua capacidade de transformação social e de construção das identidades sociais, foram produzidas narrativas de sujeitos chave no contexto de organizações de vítimas, ONGs de direitos humanos, acadêmicos, e da institucionalidade. Contei com o auxílio de produções de agendas de paz de pequenas organizações de vítimas dos subúrbios de Bogotá numa tentativa de mapear este universo que é tão maior do que o que apresentarei neste trabalho. As narrativas das vítimas apresentadas no contexto específico da Colômbia denotam de que lugar falam e como se posicionam frente a este lugar. De fato, entendo suas narrativas como um posicionamento ativo frente às (re)vitimizações, haja vista que procuro entender as mulheres entrevistadas como “agentes de suas próprias vidas e não exclusivamente como vítimas de um determinado sistema gênero e de uma cultura corporal hegemônica, que faz do corpo um território privilegiado para a subordinação social”62 (ESTEBAN, 2004, p. 10 – tradução livre).

62 No original: (...) agentes de su propia vida y no exclusivamente como víctimas de un

determinado sistema género y de una cultura corporal hegemónica (...) que hace del cuerpo un território privilegiado para la subordinación social.

52   2.1 Situando o campo: a Razão Humanitária e as narrativas-resistências das vítimas Quando afirmo que me causa estranhamento que as ONGs de defensores de direitos humanos detenham mais recursos e funcionem sem a presença de vítimas em posições significativas, ainda que organizações de vítimas trabalhem com agendas políticas paralelas, quero dizer que, em certa medida, existe uma contradição entre os resultados de seus projetos e seus objetivos iniciais. Em outras palavras, essas ONGs dizem ter como escopo o estímulo ao protagonismo das vítimas, e o combate à vitimização dessa população, mas o fazem por meio de campanhas e projetos em que as vítimas do conflito armado são objetos de ação, de estudo, mas quase nunca sujeitos ativos. Como visto no Capítulo 01, as ações dessas ONGs, sejam práticas discursivas ou não, são muito conectadas com a institucionalidade e o discurso hegemônico dos direitos humanos, e tendem a reiterar práticas paternalistas que colocam as vítimas do conflito armado no lugar social de vítimas, enfraquecendo sua agência. Ora, se essas ONGs são as principais organizadoras de grandes eventos, participam das principais Mesas de Vítimas e de Mesas consultivas (como a Mesa Mujer y Conflicto Armado), e têm presença em Havana, onde há lugar para as narrativas das vítimas nos espaços políticos majoritários? Quando organizam eventos que lidam com a temática da agenda política de Paz desde e para as mulheres, as dirigentes dessas instituições detêm os sentidos basilares que conduzem as recomendações a serem feitas. As ONGs são as protagonistas, as vítimas, as espectadoras. A realização da Cumbre de Mujeres por la Paz, por exemplo, foi possível principalmente devido à aproximação dessas instituições com a ONU, que acompanhou tecnicamente o evento, e definiu, juntamente com as ONGs de defensoras de direitos humanos, a quantidade de mulheres que poderiam participar do evento, além de delinear os principais temas a serem tratados. O evento já estava construído: as vítimas participantes apenas legitimaram a sua realização e o texto de recomendações feito posteriormente. Essa realidade é tão marcante na sociedade colombiana que até mesmo em estruturas construídas para discussão e interlocução entre vítimas,

53   as Mesas de Vítimas, a presença das ONGs de defensores de direitos humanos é legalmente garantida63. A presença de certas vítimas em alguns espaços, por outro lado, é incipiente, como o próprio governo de Bogotá tem reconhecido. Em entrevista com Elsa Cristina Posada Rodríguez, responsável pelo departamento de gênero do setor de participação social da Alta Consejería para Víctimas, órgão da Alcaldía Mayor de Bogotá, a entrevistada, enquanto representante da institucionalidade, reconhece que as mulheres vítimas não têm tido participação suficiente nos espaços Públicos no processo de paz: Eu continuo pensando que as outras mulheres não foram ouvidas suficientemente no processo de paz, e tampouco nos níveis públicos. Digamos que aqui, o movimento social de mulheres tem sido forte nas últimas décadas, entretanto as mulheres vítimas ainda não tiveram sucesso em fortalecer suas vozes, e digamos que um dos objetivos da Mesa Autônoma não é somente gerar agendas de paz, mas também promover, ajudar e apoiar a conformação de uma 64 comissão de verdade desde as mulheres. (ANEXO C, p. 140, grifos meus) (tradução livre).

É possível perceber na fala da representante da Alcaldía Mayor de Bogotá que dentro do movimento social de mulheres existe uma categoria, qual seja, de mulheres vítimas, a que Elsa se referiu inicialmente em sua fala como “outras mulheres”. Para a entrevistada, esta categoria de mulheres não foi ouvida suficientemente, tanto no âmbito dos processos de paz, quanto no âmbito da institucionalidade. Por outro lado, Elsa disse que o movimento de mulheres tem sido forte, apesar de que somente uma categoria de mulheres, 63 Como se vê no artigo 193 da Lei de Vítimas: ARTÍCULO 193. MESA DE PARTICIPACIÓN

DE VÍCTIMAS. Se garantizará la participación oportuna y efectiva de las víctimas de las que trata la presente ley, en los espacios de diseño, implementación, ejecución y evaluación de la política a nivel nacional, departamental, municipal y distrital. Para tal fin, se deberán conformar las Mesas de Participación de Víctimas, propiciando la participación efectiva de mujeres, niños, niñas y adolescentes, adultos mayores víctimas, a fin de reflejar sus agendas. Se garantizará la participación en estos espacios de organizaciones defensoras de los derechos de las víctimas y de las organizaciones de víctimas, con el fin de garantizar la efectiva participación de las víctimas en la elección de sus representantes en las distintas instancias de decisión y seguimiento al cumplimiento de la ley y los planes, proyectos y programas que se creen en virtud de la misma, participar en ejercicios de rendición de cuentas de las entidades responsables y llevar a cabo ejercicios de veeduría ciudadanía, sin perjuicio del control social que otras organizaciones al margen de este espacio puedan hacer. (grifos meus) 64 No original: Yo sigo pensando que las otras mujeres no escucharan con suficiencia, ni del proceso de paz ni tampoco de los niveles públicos. Digamos que aquí el movimiento social de mujeres pues ha sido fuerte en las útimas décadas, pero sin embargo las mujeres víctimas todavía no han logrado posicionar una voz fuerte, y digamos que uno de los objetivos de la mesa autónoma es precisamente no solamente generar agendas de paz sino también promover y ayudar y apoyar la conformación de la comisión de verdad desde las mujeres.

54   qual seja, das feministas dirigentes de ONGs de direitos humanos, tem presença efetiva no processo de paz e interlocução com o Poder Público. Em

consequência

a

esta

fraqueza

representativa,

a

institucionalidade cria, portanto, a Mesa Autônoma de Mulheres Vítimas Residentes em Bogotá, que passa a compor um universo de outras diversas Mesas. Elas são espaços de debate e construção sobre políticas para as vítimas, para a paz, dentre outros importantes temas. De um lado, existem Mesas que fazem parte de uma estrutura oficial, presente na legislação colombiana, ou seja, mesmo que tenham surgido sem apoio institucional, hoje são formalizadas por uma estrutura normativa que oficializa sua comunicação com a sociedade civil. Por outro lado, existem as Mesas independentes, como é o caso da Mesa Autônoma. A situação particular da Mesa Autônoma, entretanto, é que, apesar de

ser

uma

Mesa

independente,

ou

seja,

sua

existência

depende

exclusivamente da vontade de seus membros, pois não está prevista em nenhum diploma legislativo, sua criação se deu por iniciativa de um ente público. Ao perceber a ausência constante de mulheres vítimas do conflito armado nos principais espaços políticos de vítimas e de interlocução com o Poder Público, a Alta Consejería, a fim de estimular maior participação, criou a Mesa Autônoma: A Mesa Autônoma foi uma ideia da Alta Consejería. Em cooperação com as líderes das localidades. A ideia era articular as mulheres vítimas entre elas, para que pudessem conhecer e falar de temas comuns, além de gerar níveis de organização e fazer incidência no distrito, e sensibilizar frente o enfoque de gênero (ANEXO C, p. 139 – 65 tradução livre)

Além da iniciativa para a criação de uma mesa independente, na primeira reunião realizada em Bogotá, Elsa Cristina apresentou uma espécie de plano de trabalho para a Mesa, isto é, uma carta de intenções em que constavam os objetivos da Mesa e a maneira como trabalhariam. Ainda que a Mesa fosse autônoma, sua criação e objetivos iniciais foram desenvolvidos governo local.

65 No original: La mesa autónoma fue una idea de la alta consejería. En cooperación con las

lideresas de las localidades. La idea era articular las mujeres víctimas entre ellas, que se pudiera conocer, hablar de temas comunes, generar unos niveles de organización, para hacer incidencia en el distrito, hacer sensibilización frente al enfoque de género.

55   Não pretendo apenas apontar as incoerências presentes nesta gestão, afinal, foi por meio da Mesa Autônoma, as lideranças femininas entre as vítimas presentes em Bogotá conseguiram se reunir para organizar uma pauta política comum, algo que nunca havia ocorrido antes com sucesso. Olga Betancourt, uma das convidadas a compor a Mesa Autônoma, me disse que sempre foi muito difícil reunir todas as líderes presentes em Bogotá, porque havia muita rivalidade entre elas. Isto demonstra que talvez fosse realmente necessária a iniciativa do ente público, tendo em vista a realidade de afastamento e desorganização mútua das líderes da cidade. Isto, por sua vez, é claro exemplo das consequências de uma ordem hegemônica heterossexual, isto é, a competitividade entre mulheres em detrimento da união e solidariedade é um marco comum de sistemas patriarcais. A consequência disso é o enfraquecimento do movimento de mulheres vítimas, o que, por sua vez, diminui as possibilidades de intervenção nas esferas públicas e políticas hegemônicas, reduz a presença de mulheres nas Mesas oficiais de vítimas e, portanto, suas demandas específicas têm menos chances de incorporar a agenda política institucional. No atual contexto de pós-acordo e reconstrução política, é essencial a participação das mulheres vítimas para transformar a democracia colombiana. Neste contexto de contrato social heterossexual, entendo ser estratégico que as mulheres vítimas mantenham forte competitividade entre si e que consequentemente não se unam em uma luta comum. Ressalto, entretanto, que isto se aplica também a outros tipos de organizações sociais, uma vez que a manutenção dos status quo na sociedade é reflexo de sistemas de dominação e controle que permeiam as relações sociais como um todo. Todavia, como meu enfoque é especificamente as organizações sociais de mulheres vítimas residentes em Bogotá, me limito a falar dessas. Assim, a intervenção ativa do ente público, no caso da realidade das mulheres vítimas, teve aspectos positivos porque, caso contrário, as interlocuções entre as líderes de Bogotá dificilmente ocorreriam. A manutenção da ordem heterossexual pressupõe, portanto, uma agenda política feminina enfraquecida, desorganizada, dependente e insuficiente. Entretanto, apesar de ter sido o estímulo inicial para a construção autônoma da Mesa de mulheres vítimas residentes em Bogotá, em 2014, a Alta

56   Consejería, na pessoa de Elsa Cristina, continua presente na condução das reuniões. No encontro em que estive presente, Elsa não só fazia papel de moderadora, como também apresentou um plano de trabalho redigido por ela mesma e submetido à avaliação e alteração das mulheres no âmbito da reunião. A servidora pública, neste caso, manteve-se presente não só para dar condições físicas e materiais para continuidade das reuniões, mas também para conduzi-las à sua maneira. Em outras palavras, o ente Público cria e desenvolve uma Mesa supostamente autônoma, e se faz presente para introduzir seus próprios interesses políticos e dar legitimidade aos objetivos humanitários do projeto da Prefeitura de Bogotá, denominado Bogotá Humana. Didier Fassin demonstra o quanto a linguagem humanitária está impregnada no modo de fazer política na contemporaneidade; não seria por menos, pois seu retorno é valioso: sua instrumentalidade define, justifica e legitima diversas ações em prol do governo dos seres humanos, em especial nos casos em que as práticas de governo se focam na população carente, dominada (FASSIN, 2012, p. 1-2). De acordo com o antropólogo, Em ambas estruturas políticas, seja internacional ou nacional, o vocabulário do sofrimento, da compaixão, da assistência e da responsabilidade de proteção incorpora nossa vida política: serve para qualificar as temáticas envolvidas e para pensar sobre as 66 escolhas feitas (FASSIN, 2012, p. 02 – tradução livre) .

Ainda que baseado em políticas de compaixão, o governo humanitário é, intrinsicamente, contraditório. Isto porque, como explica Fassin, ao mesmo tempo que é um governo dos mais vulneráveis, dos mais miseráveis e desafortunados, é também um governo que reconhece os cidadãos como iguais. O governo humanitário é, portanto, um misto paradoxal das políticas de desigualdade e de solidariedade. E não somente isso: os que se encontram no polo receptor das políticas humanitárias sabem que, ao invés de demandar direitos, devem demonstrar a “humildade de um devedor” (FASSIN, 2012, p. 23). De fato, A razão humanitária governa vidas precárias: as vidas de desempregados, solicitantes de refúgio, vidas de imigrantes adoecidos e pessoas com Aids, as vidas de vítimas de desastres e 66 No original: On both the national and the international levels, the vocabulary of suffering,

compassion, assistance, and responsibility to protect forms part of our political life: it serves to qualify the issues involved and to reason about choices made.

57   vítimas de conflitos – vidas ameaçadas e esquecidas que o governo humanitário traz à existência por protege-las e revela-las. Quando a compaixão é exercida no espaço público, é sempre direcionada de cima para baixo, desde o mais poderoso até o mais fraco, o mais frágil, o mais vulnerável – aqueles que geralmente são definidos como vítimas de um destino penoso. (FASSIN, 2012, p. 4 – tradução 67 livre. Grifos meus) .

Não impressiona, portanto, as políticas do Estado colombiano, que de um lado assume a retórica dos direitos humanos e, de outro, de segurança nacional. Ressalto, neste ponto, que não falo de governos específicos, como o governo nacional ou o governo local de Bogotá; falo das políticas de Estado, em geral, que têm sido tomadas ao longo dos anos para inserir a Colômbia num plano internacional de respeito a ordem instituída dos direitos humanos, que se reflete diretamente no plano interno. As linguagens da solidariedade e da compaixão convivem e se comunicam com as regras de exceção, haja vista que a Colômbia é um Estado com um dos maiores contingentes militares da América Latina e com sete bases militares norte americanas. Como bem dizia Fassin (2012, p. 16), “A compaixão unânime portanto mascarava tanto a violência perpetrada pela Polícia e pelo Exército, quanto as

profundas

disparidades na assistência dirigida às vítimas”68 (tradução livre). No caso das políticas atuais para vítimas na Colômbia, é possível afirmar que são essencialmente paradoxais. De um lado, as instituições responsáveis pela gestão humanitária das vítimas do conflito atuam especialmente perante as populações atingidas que se considera mais vulnerável: mulheres, idosos, crianças, população LGBTI, deslocados internos, negros, indígenas, camponeses. Se uma pessoa acumula mais de uma dessas características tem, progressivamente, mais acesso aos benefícios, políticas, ajuda humanitária. Esse sistema que classifica sujeitos quanto a sua vulnerabilidade também estratifica o acesso a direitos. Olga

67

Betancourt 69

No original: Humanitarian reason governs precarious lives: the lives of the unemployed and the asylum seekers, the lives of sick immigrants and people with Aids, the lives of disaster victims and victims of conflict—threatened and forgotten lives that humanitarian government brings into existence by protecting and revealing them. When compassion is exercised in the public space, it is therefore always directed from above to below, from the more powerful to the weaker, the more fragile, the more vulnerable—those who can generally be constituted as victims of an overwhelming fate. 68 No original: The unanimous compassion thus masked both the violence perpetrated by the police and the army, and the deep disparities in the support offered to victims. 69 Anexo A, p. 127.

58   inclusive disse que “Somente o mais pobre dentre os mais pobres é que têm condições de aceder aos direitos previstos em lei” (tradução livre). Dentro dessas práticas classificatórias, como já visto no capítulo 01, as pessoas vítimas do conflito não só são reconhecidas vulneráveis, como também passam a sê-lo. Isto porque o acesso a políticas públicas deixa de estar na ordem dos direitos e passa a se inserir na ordem do assistencialismo. O resultado disso é, portanto, a inibição dos movimentos de vítimas, e o estímulo a uma relação cada vez maior de dependência do Estado e a manutenção das vítimas em posições sociais hierarquicamente subordinadas. Sobre o tema, Fassin (2012, p. 232) diz que: Classificar um grupo ou uma população como vítimas impõe um status em seus membros que eles não necessariamente reconhecem: os indivíduos representados como vítimas podem conceber a si próprios como combatentes ou militantes, ou até mesmo como politicamente dominados e territorialmente expropriados, mas normalmente irão assentir à categoria que lhes foi imposta, pois 70 entendem sua lógica e antecipam as vantagens. (Tradução livre. Grifos meus).

O caso específico da Mesa Autônoma também é paradigmático: ainda que o objetivo da Prefeitura de Bogotá tenha sido impulsionar que a continuidade do grupo se dê de maneira independente, a presença de Elsa Cristina, representante do governo, tem sido perene, por mais de um ano, e sua posição bastante ativa. Se a intenção era estimular a participação das mulheres vítimas nas esfera pública e política, de maneira empoderada e autônoma, não é o que tem acontecido. A presença constante da Alta Consejería

nas

reuniões

do

grupo

demonstra

que

as

iniciativas

governamentais, apesar de auxiliar os grupos de vítimas mais excluídos das articulações políticas, criam uma relação de dependência. A emancipação política controlada talvez seja a contradição mais sutil presente na gestão da Mesa Autônoma. Como bem diz Fassin (2012, p. 13), “o diabo está nos detalhes”.

70 No original: Depicting a group or a people as victims imposes a status on its members that

they do not necessarily recognize as their own: the individuals represented as victims may regard themselves as combatants or militants, or as politically dominated and territorially expropriated, but will often bend to the category assigned to them, understanding its logics and anticipating its advantages.

59   Não tenho a intenção de imputar responsabilidades a pessoas específicas na gestão administrativa atual da cidade de Bogotá; o que pretendo é dizer que a lógica do governo humanitário permeia todos os órgãos administrativos, servidores públicos, organizações intergovernamentais, seus servidores, ONGs, e seus funcionários, e norteia suas atividades e formas de agir perante a população vítima, neste caso específico, as mulheres. No âmbito da Mesa Autônoma, a representante do governo ali presente apresentou um texto pronto com os objetivos do grupo; a intenção era reformá-lo conforme as sugestões das mulheres presentes, mas a base utilizada foi construída pela Alta Consejería. O quão independente um grupo é se a construção dos objetivos estruturais de seu funcionamento cabe ao órgão público? As mulheres presentes demonstraram bastante discordância em especial com a linguagem utilizada pela representante do governo em seu texto: termos como pós-conflito e conflito armado geraram muita discussão entre Alta Consejería e as mulheres vítimas. De acordo com as últimas, a Colômbia estaria em um momento de pós-acordo, e dizer que o país está em pós-conflito seria o mesmo que deixar de reconhecer que o conflito continua. Elas enfatizaram seus temores pela ação dos grupos paramilitares, uma vez que os chefes paramilitares presos pela Lei de Justiça e Paz irão terminar de cumprir suas penas em breve, e não se pode saber quais serão as consequências do retorno deles à sociedade. As mulheres vítimas também se mostraram bastante contrárias ao uso do termo conflito armado: conforme o Direito Internacional Humanitário, esta seria a expressão correta no caso da Colômbia, mas, conforme interpretação das presentes na Mesa Autônoma, o termo seria um eufemismo da realidade, isto é, não seria suficientemente representativo da realidade de guerra com a qual tiveram e têm que conviver. Elsa Cristina, a representante da institucionalidade, entretanto, insistiu em manter o termo não só na carta de objetivos,

mas

em

seu

discurso,

ainda

que

as

mulheres

fossem

manifestamente contra. O controle das alterações no texto era, em última instância, da representante do governo. Pareceu-me que, se de fato a Mesa Autônoma fosse autogerida pelas mulheres vítimas, o tom presente na carta de objetivos seria bem mais denunciativo do que propositivo.

60   Isto demonstra, mais uma vez, as sutis estratégias de controle da população vulnerável: a postura das mulheres era de sujeitas de direito, ou seja, pessoas que demandam do Estado suas obrigações, denunciam sua situação de desamparo, cobram por melhorias estruturais, porém, oficialmente, a carta de objetivos foi mais diplomática do que talvez as participantes da Mesa Autônoma gostariam. O perfil da Mesa Autônoma era, pois, composto por mulheres vítimas líderes em Bogotá, porém com a sombra institucional da Alta Consejería, que se retroalimentava do grupo para legitimar e fortalecer a imagem do projeto Bogotá Humana. É perceptível que as potencialidades existentes na Mesa Autônoma, portanto, só poderão ser integralmente desenvolvidas por suas integrantes caso conquistem o protagonismo que já deveriam ter. E este protagonismo não será dado, mas conquistado: a luta por empoderamento também é uma luta contra o assistencialismo, e o desconforto perante o uso de um vocabulário oficial é uma forma sutil de resistir as imposições estatais sobre quais serão as bases do grupo, e é também uma maneira de se posicionar enquanto militantes. Ainda que longe da independência ideal da Mesa Autônoma, a presença das mulheres vítimas em uma posição de resistência cria um duplo espaço de poder e possibilita os debates com a institucionalidade, ainda que num nível micro. Cabe questionar aqui, também, a falta de representatividade das mulheres lésbicas e transexuais. Desde o advento da Constituição de 1991, como se viu, a presença de mulheres homossexuais na Constituinte foi, senão nula, ínfima. Os temas tocantes à população LGBTI71, por sua vez, não tiveram espaço nenhum na nova Constituição. Vejamos que uma das principais lutas políticas da institucionalidade é a criação de uma Comissão da Verdade Para Mulheres, para julgar casos que envolvem principalmente violência sexual. Como formar uma comissão da verdade para mulheres se não envolver a causa das mulheres lésbicas, bissexuais e transexuais? O Estado como um todo, e a Alta Consejería, especificamente, burocratizam e compartimentam a vida ao dividir os modos de gerir

71 Sigla referente a Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais.

as

61   questões das mulheres, de um lado, e da população LGBTI, de outro. Sem as lésbicas, as bissexuais e as transexuais, como pensar nas mulheres como um todo? Por dividir os grupos de atenção, e também por nunca mencionar a presença e as demandas de mulheres homossexuais, bissexuais e transexuais, é perceptível que, quando o Estado destina políticas para mulheres, ele o faz com base em uma mulher cisgênera e heterossexual. Não surpreende, portanto, que, das três instituições estatais e uma instituição interestatal que entrevistei, apenas uma mencionou a sigla LGBTI, mas somente para dizer a quantidade de representantes de vítimas deste grupo que comparecem em Havana, no caso, somente 01 (um) por visita à Subcomissão de Gênero. Assim sendo, surpreende a seletividade de grupos vulneráveis com os quais se quer trabalhar. Fassin, como visto, entende que o governo humanitário é o governo das vidas precárias, do mais fraco, mais dominado, mas frágil. Ora, na sociedade colombiana, a comunidade LGBTI, no que tange às políticas públicas para vítimas e às agendas referentes à Mesa de Negociações, tem sofrido por falta de visibilidade nos espaços de poder e por falta de legítima representatividade. Essa carência de visibilidade também prejudica a população LGBTI no que tange às políticas estatais de reconhecimento e reparação: a Unidad de Víctimas, órgão do governo responsável pelo reconhecimento e reparação das vítimas, tem tido como prioridade em sua gestão atual o problema do subregistro de vítimas de violência sexual. Entretanto, o subregistro de vítimas LGBTI é ainda maior, e não existe nenhum vislumbre de atuação institucional para estimular a reparação deste grupo. De fato, até mesmo os esforços assistencialistas dirigem-se majoritariamente a um grupo específico de mulheres: heterossexuais e cisgêneras. A abordagem feita sobre reparação de vítimas de violência sexual demanda muito trabalho de planejamento e preparação de uma equipe capacitada. De fato, o Estado tem se empenhado bastante no que tange a estimular que as vítimas de violência sexual possam buscar a reparação legal a que fazem jus. Este forte posicionamento estatal é resultado de um longo processo de lutas dos movimentos de mulheres vítimas e de ONGs feministas que abriram o caminho e criaram a demanda de que o tema das mulheres

62   fosse discutido em âmbito institucional. Não é coincidência que, em um dos momentos do rito de reparação das vítimas de violência sexual, exista envolvimento de uma ONG feminista, a Ruta Pacífica. O atual contexto político também produziu muitas discussões em torno das vítimas mulheres e em especial das vítimas de violência sexual. Assim, perceptível que a atuação estatal não é apenas resultado da boa vontade de governos em desenvolver políticas públicas específicas para vítimas de violência sexual, mas é uma conquista da sociedade civil como um todo. Entretanto, há que se analisar que essa aposta política não foi amplamente discutida com todas as pessoas e instituições envolvidas neste grande grupo que milita pelo direito das mulheres vítimas do conflito armado72. Olga Betancourt é muito enfática em dizer que a Lei de Vítimas, diploma legal que instituiu a Unidad de Víctimas foi, na verdade, um retrocesso para as vítimas, mas Por que esse retrocesso? Porque simplesmente o governo sabia que nós não iríamos aprova-la. Em nível internacional a colocaram como o melhor que nos podia ter passado. Para nós, não, pois essa lei não define pressupostos, não define a responsabilidade do Estado nem de outras nações que participaram de todo o tema armamentista no 73 74 mundo . (tradução livre) .

Antes do advento da Lei de Vítimas a interlocução entre os movimentos de vítimas e entre estes e as Mesas Nacional e Departamentais de Vítimas era muito mais profunda e frequente. Os movimentos de vítimas serviam como instância consultiva das Mesas e, portanto, tinham muito mais acesso à institucionalidade e às instâncias de decisão. Olga fala que, antes da Lei de Vítimas, quase todos os avanços obtidos tanto no âmbito normativo quanto em termos de políticas públicas para as vítimas foram frutos de conquistas das lutas dos movimentos de vítimas. A Lei de Vítimas, por outro lado, passou por um processo à revelia das vítimas, que em muito contemplou as expectativas do público internacional, 72 Incluo aqui tanto os movimentos de mulheres vítimas do conflito armado quanto as ONGs de

feministas. 73 Anexo A, p. 128. 74 No original: ¿Por qué ese retroceso? Porque simplemente el gobierno sabia que nosotros no la íbamos a aprobar. A nivel internacional la han puesto como la gran, lo mejor que nos ha podido pasar, para nosotros no, pues no define presupuestos, no define la responsabilidad del estado ni de otras naciones que han participado en todo el tema armamentista en el mundo.

63   mas não se desenvolveu em articulação com a realidade específica das vítimas na Colômbia. O resultado foi uma dependência cada vez maior das políticas assistencialistas do Estado colombiano e um distanciamento dos espaços de interlocução com a institucionalidade. Essa dependência foi especialmente prejudicial às mulheres que ficam nas localidades mais ao interior do território colombiano, onde as instituições não estão presentes e as mulheres sequer sabem a rota de reparação de seus direitos. Neste contexto, as Mesas Nacional e Departamentais deixaram de consultar com os movimentos sociais e se distanciaram das vítimas com menor plataforma política. Isso foi ainda mais grave para as mulheres vítimas historicamente afastadas das instâncias decisórias e agora sem articulação sequer com as Mesas de Vítimas. O que lhes restou foram as políticas assistencialistas dos Estados e a inserção nos programas encabeçados pelas ONGs de defensoras feministas dos direitos humanos. De fato, o advento da Lei de Vítimas fortaleceu ainda mais a atuação das ONGs feministas, que passaram a ser uma figura política de grande importância neste novo contexto político, com o consequente enfraquecimento dos movimentos de mulheres vítimas. A própria Unidad de Víctimas convidou a Ruta Pacífica para participar do processo de reparação e empoderamento das vítimas de violência. As organizações de defensores de direitos humanos passaram a ser legalmente membros das Mesas de Vítimas, têm uma atuação bastante ativa na Mesa de Negociações, encabeçam os principais encontros sobre construção de paz e são as que têm mais recursos para criar relatórios, cartilhas, contratar pessoal capacitado. A presença das ONGs feministas é pulverizada em todos os cenários de interlocução com a integralidade das esferas de atuação política, garantindo uma incidência muito mais efetiva para a realização de seus objetivos. É assim que se pode observar, e fica muito mais perceptível a partir da fala das mulheres vítimas, que seus movimentos sociais foram progressivamente sendo enfraquecidos e substituídos pela hegemonia do Terceiro Setor.

64   2.2 Disputas por poder: o governo humanitário das ONGs feministas na Colômbia Quando falo em governo humanitário, não me reputo apenas à atuação do Estado. A política da compaixão vai muito além da figura estatal: ela define e justifica práticas de demais instituições que ajam em prol dos “mais necessitados e mais vulneráveis”. O assistencialismo está na essência do que define essa nova maneira de fazer política, que não mais se restringe a governos. Estes dividem com organizações não-governamentais, domésticas ou internacionais, a gestão das vidas precárias. Existe uma diferença, entretanto. Muitas dessas ONGs surgem para suprir alguma deficiência de atenção estatal em relação a certos grupos populacionais, desempenhando, portanto, uma função essencialmente de Estado. No entanto, por serem entidades da sociedade civil, também assumem a responsabilidade de representar a sociedade, isto é, em certas ocasiões, ONGs falam em nome da população assistida. Isso não é incomum; no Brasil, por exemplo, solicitantes de refúgio, a despeito de serem os principais interessados pelos seus pedidos, além de não terem acesso às decisões, não podem falar em sua própria defesa, nem sequer nomear um advogado: são a Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro, a Cáritas Arquidiocesana de São Paulo e o Instituto Migrações e Direitos Humanos, ONGs responsáveis pelo atendimento e assistência a refugiados e solicitantes de refúgio, que falam em nome da sociedade civil. Na prática, são os advogados e os voluntários das instituições que fazem as defesas individuais dos pedidos. Mas não de todos: a escolha acerca de quais solicitações serão defendidas pelas ONGs é submetida a um crivo jurídico e, principalmente, político. São representantes das entidades que dão os testemunhos, técnico e pessoal, dos motivos pelos quais alguém deve ser reconhecido refugiado pela legislação brasileira. Apesar deste importante espaço de interlocução com o Estado, nunca foi uma luta das ONGs a possibilidade de que o solicitante de refúgio atuasse ativamente no processo que lhe diz respeito. A despeito de auxiliar refugiados e solicitantes de refúgio em suas necessidades mais básicas, no que tange à decisão de seus pedidos de refúgio, as ONGs não abrem mão de sua posição de poder: isto a coloca

65   em contato próximo com a institucionalidade, a destaca frente a demais entidades, e mantém o solicitante de refúgio no lugar de assistido. Ainda que este seja apenas um rápido exemplo que demandaria um trabalho mais profundo para ser melhor desenvolvido, é uma situação que ilustra a comum realidade da atuação de instituições do Terceiro Setor, e não é muito diferente na Colômbia. Sobre o tema, Fassin (2012, p. 206-207) diz que: Nos tempos contemporâneos, a prolixidade dos trabalhadores humanitários vai de encontro com o silêncio dos sobreviventes. A voz destes é substituída pela voz daqueles. Ou, pra ser mais preciso, aonde quer que seja que as vítimas de violência e injustiça sejam vistas como desprovidas de poder para se expressar, as organizações humanitárias falarão em seu lugar: elas se autoproclamaram como porta-vozes da população assistida. 75 (tradução livre, grifos meus)

Neste ponto penso ser importante lembrar que a vulnerabilidade é também uma construção da política da precariedade, isto é, classificar certos grupos como vulneráveis os coloca nessa posição e desestabiliza sua movimentação política. Uma vez conquistado um espaço de poder, abrir mão dele para a real emancipação de um grupo poderá significar a progressiva dispensabilidade da assistência dada por uma ONG. O que se busca, portanto, não é tanto a capacidade do Estado de assistir corretamente certo grupo, mas a capacidade de influência de certas ONGs sobre determinada situação política. O que se está em disputa é, de fato, o poder. Especificamente no que tange às ONGs feministas na Colômbia, em especial aquelas estabelecidas em Bogotá, o cenário se repete. As principais ONGs, quais sejam, Ruta Pacífica, Casa de la Mujer, e Sísma Mujer detêm os principais recursos destinados à sociedade civil e têm uma longa história no cenário de lutas pelas mulheres vítimas do conflito armado colombiano. Elas captam os principais espaços de interlocução com o Estado e as organizações intergovernamentais. Como bem observa Curiel (ANEXO B, p. 134), “ainda que digam que o Estado seja patriarcal, de alguma maneira [as ONGs feministas] pensam ser legítimo entrar em uma relação com este mesmo Estado, e isso limita o olhar sobre os problemas que existem [tocantes às 75 No original: In the contemporary era, the prolixity of humanitarian workers

mulheres]”

thus stands against the silence of survivors. The voice of the former is substi- tuted for the voice of the latter. Or to be more precise, wherever victims of violence and injustice are seen as deprived of the power of expressing themselves, humanitarian organizations speak in their place: they have established themselves as spokespeople for the voiceless.

66   (tradução livre)76. As ONGs feministas são as primeiras a dizer que existe uma violência de gênero estrutural, presente inclusive nas relações de poder e de Estado, mas legitimam uma relação próxima com este mesmo Estado, e buscam a emancipação das mulheres por meio dessas estruturas já consolidadas. Essas ONGs colecionam ações, publicações, e projetos que contribuem na construção da legitimidade do trabalho por elas desempenhado. Foram membros da extinta Mesa Mujer y Conflicto Armado; organizaram a Cumbre De Mujeres por la Paz; acompanham e auxiliam de perto os ritos de reparação de vítimas de violência sexual feitos pela Unidad de Víctimas; e estão presentes como consultoras na subcomissão de gênero, em Havana. Suas dirigentes são mulheres que se consolidaram pela luta feminista em prol das mulheres vítimas e se mantêm nos principais cargos dessas entidades por um longo período. O acúmulo de trabalho e pesquisas conferiram a estas organizações o status de especialistas nas temáticas que envolvem a violência de gênero e sexual contra as mulheres em um contexto de conflito armado. Por serem consideradas especialistas, essas instituições ganham um espaço ainda mais amplo de interlocução com o Estado colombiano, com as instituições intergovernamentais, e demais ONGs. A maior possibilidade de interagir com vários atores políticos na qualidade de especialistas garante uma posição de poder perante essas instituições. Em outras palavras, em sua interação com o Estado e instituições intergovernamentais, estas ONGs assumem o papel de consultoras; em relação às demais entidades de Terceiro Setor, em especial as organizações de vítimas, as ONGs feministas estão em uma posição hierarquicamente superior. Ochy Curiel teve contato direto com essas organizações no tempo que contribuiu com a Ruta Pacífica e com a Mesa Mujer y Conflicto Armado. Para Ochy, (…) muitas das organizações de mulheres feministas têm uma visão bastante universal das mulheres, eu estive na Ruta Pacífica e essa foi uma das razões pelas quais eu saí (…), não se faz uma análise conexa entre guerra, racismo, regime heterossexual e classismo 76 No original: Aunque dicen que el Estado es patriarcal, pero de alguna manera legitiman

entrar una relacion con ese estado, y eso limita la mirada sobre los problemas que hay.

67   como sistemas de opressão que afetam as mulheres. Essas são diferenças centrais que tenho com a maioria dessas ONGs, ademais de sua institucionalidade e de que a maioria está dirigida pela mesma 7778 pessoa há 20 anos.

De fato, a base teórica que conduz as ações dessas ONGs é um feminismo hegemônico, majoritariamente de matriz liberal. Este tipo de feminismo entende que a emancipação das mulheres se dá por meio da inserção das mesmas nas estruturas já existentes, isto é, o feminismo liberal denuncia as desigualdades de gênero presentes nas leis e nas políticas públicas, e pretende a inversão dessa situação também por meio de leis e políticas. Isto é muito complicado se se considera (como é o caso, neste trabalho) que a estrutura normativa e política na Colômbia está construída em pilares de um regime heterossexual. Alterar leis e políticas não seria, então, uma medida profunda o suficiente para alterar o status quo nem das populações dominantes, nem dos dominados. Para Curiel, (...) o feminismo na Colômbia é hegemonicamente institucional, então o olhar e as lógicas das políticas feministas estão imersos em uma questão totalmente liberal, que não é suficiente para analisar os sistemas de opressão. E este é um problema do feminismo 7980 daqui, (...). (tradução livre, grifos meus)

Esta visão liberal do feminismo entende, outrossim, que por meio da reforma política e normativa, é possível emancipar todas as mulheres e, portanto, admite uma visão universal do que são mulheres e do que é emancipação feminina. Curiel critica fortemente, em sua fala, a universalização das políticas públicas. Ela inclusive diz (ANEXO B, p. 135), referente ao crime de violência sexual no marco do conflito armado, que

77 Anexo B, p. 133. 78 No original: (…) muchas de las organizaciones de mujeres feministas tienen una visión

bastante universal de las mujeres, yo estuve en la Ruta y una de las razones por las cuales yo salí (…), no se hace un análisis conectado sobre la guerra, el racismo, el régimen heterosexual y el clasismo como sistemas de opresión que derivan, en efecto, sobre las mujeres, entonces esa es una diferencia central que tengo con la mayoría de las organizaciones, además de su institucionalidad y además que la mayoría está dirigida por la misma persona hace 20 años, bueno, todo eso. 79 Anexo B, p. 134. 80 No original: (...) el feminismo en Colombia es hegemónicamente institucional, entonces la mirada y las lógicas de la política feminista están inmersos en una cuestión totalmente liberal, y no es suficiente para analizar los sistemas de opresión. Y eso es un problema del feminismo aquí, (...).

68   A violência sexual não é a mesma em Buenaventura, nem para as indígenas, nem para as mulheres urbanas. Não é a mesma, porque os corpos e as sexualidades têm significados distintos. Para uma comunidade significa atingir o inimigo, e provavelmente para outra significa a diminuição da liderança feminina. (tradução livre, grifos 81 meus).

Lidar com o problema da violência sexual e de gênero no marco do conflito armado colombiano só contemplará todas as mulheres vítimas do conflito assim que o olhar para a questão não seja universalizante, isto é, assim que se percebam as violências sexuais e de gênero no marco do conflito armado, em suas especificidades. A respeito da universalização do sujeito mulher e de sua capacidade de emancipação, Curiel (ANEXO B, p. 133) inclusive menciona o lema da Ruta Pacífica, qual seja, “Las mujeres no parimos hijos e hijas para la guerra”82, e o critica, dizendo que ele coloca todas as mulheres numa mesma posição de igualdade. Mas o que este lema de fato significa? Cynthia Cockburn (2007, p. 50-51), ao pesquisar organizações de mulheres em prol da paz, dirigiu-se à Colômbia, tendo em vista as intensas demandas sociais por negociações pacíficas pelo fim do conflito e deparou-se com uma mobilização expressiva de mulheres contra a guerra. A pesquisadora entrevistou Olga Amparo Sánchez, da Casa de la Mujer e Ruta Pacífica, que disse que o movimento de mulheres pela paz representava uma terceira fase de avanço pelos direitos das mulheres, sendo as demais conquistas o voto feminino e a reforma constitucional de 1991. Dentre as organizações

de

mulheres, destacou-se, para a pesquisadora, a Ruta Pacífica83, organização que se auto-intitula feminista e pacifista. Percebe-se que Olga Sánchez cita como avanços apenas situações de transformações no regime político e jurídico da Colômbia, como é de praxe em movimentos feministas liberais.

81 No original: No es lo mismo la violencia sexual en Buenaventura, que para las indígenas,

que para mujeres urbanas. No es lo mismo, porque los cuerpos y las sexualidades tienen significados distintos. Para una comunidad es para joder al enemigo, y probablemente para otra es para disminuir el liderazgo femenino. 82 Tradução livre: Nós mulheres não parimos filhos e filhas para a guerra. Decidi manter no original para que o lema não perca a força que tem em sua língua nativa. 83 Destaco aqui que uso os relatos de Cockburn exatamente porque não tive acesso às ONGs feministas de Bogotá que cito neste trabalho. Apesar de inúmeras tentativas enquanto estive na cidade, não consegui fazer contato para conhecer as instituições e conversar com suas dirigentes.

69   Na Ruta Pacífica só participam mulheres, e seu lema foi pensado por uma de suas fundadoras, com base na história de Lisístrata, de Aristófanes. A ideia era demonstrar às mulheres o poder que elas tinham não só em reproduzir, mas em optar por não reproduzir. Assim, a ONG estimulava que as mulheres deixassem de transar e de conceber para que, portanto, não produzissem filhos para a guerra84. O lema era também uma estratégia da atuação da Ruta Pacífica, mas, como era esperado, não foi exitoso. Ainda assim, Cockburn (2007, p. 51) relata que ficou (...) surpresa quando Olga Amparo Sánchez, que participou em nossa conferência, definiu o patriarcalismo como uma relação em que o amor das mulheres, dado livremente, é explorado pelos homens. (...) Pareceu-me um sinal de que o pensamento de Lisístrata ainda está 85 vivo na Rua Pacífica. (tradução livre)

Essa estratégia-lema, ainda que não bem sucedida, é um balizador dos demais atos da ONG e de sua maneira em lidar com as mulheres vítimas. Quando, no lema, se diz “não parimos”, as fundadoras da Ruta se colocam no mesmo patamar que as vítimas. Colocam-se num lugar de igualdade, o que confirma também a ideia de unicidade entre as mulheres colombianas. Se não existe nem sequer uma mulher vítima do conflito, como é possível colocar todas as mulheres colombianas numa mesma situação? Se as vítimas são várias, desde mulheres brancas e intelectuais, até negras, indígenas, analfabetas, transexuais, donas de casa e camponesas, como pensar que cada uma dessas mulheres reage da mesma maneira às ameaças da guerra? Ou, pensando de outra maneira, será que são igualmente ameaçadas, pelos mesmos motivos e da mesma forma? Colocando também as dirigentes da ONG ao lado das vítimas, será que de fato podem ser consideradas iguais? Sobre esta temática, Fassin (2012, p. 233) fez um estudo sobre a assimetria existente entre os funcionários da ONG internacional Médicos Sem 84 Rocío Pineda, a idealizadora deste lema, o explicou, em um artigo de 1997, e disse que “si

queremos, las mujeres podemos parar la guerra. (...). Simplemente podemos negarnos a hacer amor con hombres que lleven armas, podemos negarnos a concebir” (PINEDA apud COCKBURN, 2007, p. 51), 85 No original: sorprendida cuando Olga Amparo Sánchez, que participó en nuestra conferencia, definió el patriarcalismo como una relación en la que el amor de las mujeres, dado libremente, es explotado por los hombres. Me pareció una señal de que el pensamento de Lisístrata todavia está vivo en La Ruta Pacífica.

70   Fronteiras (MSF) e a população assistida. De acordo com o antropólogo, o gesto humanitário da assistência médica tinha como pilar uma profunda desigualdade: Portanto, tem-se que a desigualdade basilar do gesto humanitário reside na assimetria das vidas, isto é, entre aqueles cuja vida é passivamente sacrificável, porque eles estão à mercê das bombas, e aqueles cuja vida pode ser livremente sacrificada, uma vez que eles 86 decidiram ficar. (tradução livre)

Para Fassin, o valor das vidas dos membros da MSF é diferenciado, se comparado às pessoas assistidas, porque naquele caso, é uma opção dos funcionários da ONG estar em território de conflito, e no último caso, é uma realidade da qual não podem escapar espontaneamente. Penso que esta seja a situação de muitas instituições humanitárias: a assimetria do valor das vidas de quem trabalha nas ONGs e das vidas da população assistida. No caso da Ruta Pacífica e demais ONGs feministas na Colômbia, isso tampouco é diferente. Olga Sánchez, por exemplo, é uma professora, branca, cisgênera, heterossexual e de classe média. O mesmo se repete com as outras dirigentes das demais ONGs, Marina Gallego, Claudia Mejía e Linda Cabrero, que são brancas, cisgêneras e de classe média. A sua participação na luta por direitos das mulheres vítimas se deu por decisão livre de cada uma dessas mulheres. Nenhuma das dirigentes foi violentamente jogada numa situação de vulnerabilidade que as compelisse a batalhar por direitos e melhores condições de vida, como é o caso das vítimas. Ainda que as dirigentes sofram as consequências de um regime patriarcal e heterossexual, não experimentaram as expressões mais cruéis e diretas que derivam das violências de guerra87. Eis então a diferença: de um lado, as funcionárias das ONGs são livres para permanecer na luta ou para sair a qualquer tempo, uma vez que existe uma vida possível para além da instituição onde trabalham; do 86 No original: Hence the founding inequality of the humanitarian gesture resides in this

asymmetry of lives, between those whose life is passively sacrificeable, because they are at the mercy of the bombs, and those whose life can be freely sacrificed, because they decided to stay. 87 Cabe dizer, entretanto, que as violências derivadas do conflito armado na Colômbia atingiram toda a sociedade, de diferentes maneiras. A presença das Forças Armadas nas cidades, e de grupos paramilitares nos subúrbios das principais cidades colombianas, por exemplo, são resultado de um longo período de guerra, responsável pela militarização de todas as estruturas sociais. Isto, por sua vez, não atingiu apenas as vítimas diretas do conflito, mas reflete inclusive como a sociedade se organiza.

71   outro, as vítimas estão em uma situação contra a sua vontade, e da qual não podem voluntariamente sair: as vítimas do conflito armado não têm uma vida possível e minimamente digna à qual retornar caso desistam da militância. É na resistência que elas conseguem viver, ser donas de seu próprio destino. As vidas das vítimas do conflito armado são precárias exatamente porque não existe luto e comoção públicos pela sua situação: são vidas preteridas pelo Estado e pela sociedade. É exatamente porque existe uma situação fundamentalmente desigual que o lema-estratégia da Ruta Pacífica falha em captar os anseios da população de mulheres vítimas. Em dezembro de 2014, conversei com as representantes da rede Mariposas de Alas Nuevas Construyendo Futuro8889 acerca dos movimentos feministas na Colômbia, e elas me disseram que o feminismo das ONGs majoritárias não as representa, porque “as mulheres de Buenaventura têm filhos, têm família”90. A crítica que fizeram as Mariposas às ONGs feministas na Colômbia não tinha ficado tão clara até então. As construções de possíveis vidas das mulheres de Buenaventura não obedecem ao regramento feminista hegemônico. Em outras palavras, o feminismo atualmente preponderante na Colômbia, de matriz liberal, cria uma categoria de mulher emancipada que desconsidera as múltiplas realidades das diversas mulheres colombianas. O que as Mariposas queriam dizer não era que eram obrigadas a ter uma família no sentido tradicional, mas a produção de sua identidade enquanto mulheres vítimas, pobres e negras da região de Buenaventura não passava pela lógica do feminismo liberal. Olga Betancourt, em uma das muitas conversas que tivemos para além da entrevista que gravei e transcrevi, me disse que as ONGs de feministas da Colômbia “querem que nós, mulheres vítimas, sejamos lésbicas. Nós amamos nossos companheiros, queremos ficar com eles, eu não quero 88 Doravante identificada como Mariposas ou Mariposas de Alas Nuevas. 89 As Mariposas são um coletivo de mulheres vítimas do conflito armado colombiano, em sua

maioria vítimas de deslocamento forçado e violência sexual, que auxiliam outras mulheres vítimas na região de Buenaventura, Valle del Cauca, Colômbia. 90 Essa conversa fez parte de um encontro que fiz com as Mariposas em Brasília, em dezembro de 2014, em um evento do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) ao qual fui convidada para participar. As Mariposas foram levadas para conhecer algumas mulheres de uma das cidades mais pobres do entorno de Brasília e participar de um sarau. Nessa oportunidade, pude conversar com elas tanto sobre o trabalho que desempenham em Buenaventura, na Colômbia, como sobre sua visão particular sobre feminismo e representatividade.

72   ser homossexual para ser empoderada”. Creio que essa fala de Olga esteja muito relacionada às estratégias de resistência que as ONGs feministas, principalmente a Ruta Pacífica, implementam para combater a violência sexual e de gênero no marco do conflito armado. A imposição de um modelo de vida e de feminismo era incompatível com as construções de vidas de muitas mulheres vítimas. Olga não se sentia representada por nenhuma dessas ONGs, uma vez que elas lidavam com a realidade da violência contra a mulher de uma maneira diferente de grande parte das mulheres vítimas. Também cabe lembrar que uma das líderes presentes na Mesa Autônoma disse o seguinte: “somos capazes de parir e somos capazes de transformar, se queremos”, em uma clara alusão ao lema da Ruta Pacífica. Um dos objetivos da Mesa Autônoma era de aprofundar os laços com as ONGs feministas em Bogotá e essa intervenção foi um claro rechaço aos mecanismos de resistência feminista feitos e implementados pelas organizações feministas. Dizer que as vítimas têm filhos e que ainda assim são capazes de transformar demonstrou para mim muita consciência de si e uma autoestima muito forte em relação à sua própria luta e sua própria realidade. Ainda que, no âmbito da Mesa Autônoma, essas mulheres passassem a ter maior relação com as ONGs feministas, elas demonstraram que sua luta, sua resistência é distinta: ao menos naquele espaço, as ONGs feministas não seriam protagonistas. A questão da (i)legitimidade da representação dessas ONGs feministas é comum nos discursos das mulheres vítimas não por acaso: de fato, essas ONGs têm mais acesso aos órgãos Estatais e intergovernamentais, mais recursos financeiros pra desenvolver projetos e portanto estão presentes em muitos espaços dos quais organizações de vítimas não conseguem estar. Portanto, em diversas ocasiões são essas ONGs as representantes das mulheres vítimas do conflito armado em lugares onde estas não são ouvidas. Falo, principalmente, de um espaço específico: a subcomissão de gênero em Havana. Essa comissão foi uma resposta política da Mesa de Negociações frente às intensas demandas do movimento de mulheres para uma maior inclusão das mulheres entre os plenipotenciários, e também para a criação de melhores espaços de interlocução entre a Mesa de Negociações e as propostas dos movimentos de mulheres frente a uma possível saída negociada do conflito armado.

73   Após o início das Negociações, um grupo de organizações, dentre as quais destaco a Casa de la Mujer, a Ruta Pacífica e a Sísma Mujer (através da Red Nacional de Mujeres, representada por Cláudia Mejía, diretora

da

Sísma Mujer), com o auxílio da ONU Mujeres, organizou uma primeira reunião nacional sobre a temática de Mulheres e Paz, que contou com a participação de 449 (quatrocentas e quarenta e nove) mulheres e diversas representantes de organizações internacionais. Este evento foi denominado Cumbre Nacional de Mujeres por la Paz. Foi um encontro de dois dias e meio nos quais as mulheres se reuniram em grupos de trabalho para pensar propostas de como deveria se desenrolar tanto a Mesa de Negociações quanto o período de pósacordo. A Mesa de Negociações, em resposta à intensa mobilização de organizações de mulheres no que tange à aposta pela paz negociada, decidiu criar a Subcomissão de Gênero, com a presença de cinco mulheres representando o Estado colombiano e cinco mulheres representando as FARC. A intenção era estimular a participação ativa das mulheres no processo de construção da paz uma vez que são um dos principais grupos reconstrutores da sociedade colombiana e, portanto, são essenciais para uma paz duradoura. Ainda que a Cumbre Nacional de Mujeres por la Paz91 tenha sido um evento bastante positivo, tendo em vista que possibilitou a interlocução de ideias entre diversas organizações de mulheres vítimas do conflito armado, organizações feministas e instituições internacionais, e tenha resultado na criação da Subcomissão de Gênero, a incidência das vítimas limitou-se muito à Cumbre, isto é, não prosseguiu até Havana. Isto porque a escolha das organizações que iriam participar das reuniões da Subcomissão baseou-se em um critério de expertise, ou seja, foram convidadas mulheres especialistas na temática gênero e conflito para representar as demandas da sociedade civil92 (RECONCILIACIÓN COLOMBIA, 2016). Mais uma vez, os principais espaços de interlocução com o Estado estavam fechados às mulheres vítimas

de

Bogotá. Apesar da proposta feita pela Andescol de uma participação efetiva

e

91 A partir de então referida tão-somente como Cumbre ou Cumbre de Mujeres. 92 Na fala de Maria Paulina Riveros, plenipotenciária representante do Estado colombiano,

falou em conferência que as 18 (dezoito) delegações de organizações já presentes na Subcomissão de Gênero representavam mulheres especialistas na temática.

74   real das mulheres vítimas, o que se teve foi, prioritariamente, uma participação representativa. A representatividade feita por organizações da sociedade civil não é a mesma que ocorre num mandato político, entretanto. A representação da sociedade civil tem natureza de testemunho, isto é, os representantes das ONGs de defensores de direitos humanos dão o testemunho da dor e da violência enfrentadas pelas vítimas assistidas. De acordo com Fassin (2012, p. 221), Os trabalhadores humanitários falam em nome daqueles que supostamente não têm acesso ao espaço público. Fazendo-o, eles iluminam, transformam, simplificam, e dramatizam as palavras daqueles que eles representam, de acordo com seu objetivo final, qual seja, não tanto reconstituir uma experiência, mas construir uma causa. Essa construção é baseada nos legítimos princípios da intervenção humanitária: a defesa das vítimas e o uso das emoções. 93 (tradução livre, grifos meus)

Fassin (idem, p. 208) inclusive diz que este testemunho dramatizado das organizações humanitárias ganha mais força do que as próprias narrativas da população assistida. Isto porque as ONGs têm mais credibilidade do que as próprias vítimas sobre os fatos por estas vividos e, portanto, podem fazer um apelo para os afetos, as emoções, sem que isso comprometa o testemunho. No caso das ONGs feministas na Colômbia, devido à sua qualificação enquanto entidades especialistas, bem como seu longo histórico lidando com a temática da violência sexual e de gênero no âmbito do conflito armado, além da forte interlocução com organismos estatais, isso não é diferente: suas narrativas têm maior credibilidade, o que, por sua vez, fortalece a causa promovida por essas mesmas ONGs. Algumas questões são levantadas frente a essa realidade: primeiro, em relação à causa em si, pois o objetivo das ONGs talvez não seja o mesmo das organizações de vítimas; em segundo lugar, questiona-se a coerência da atuação das ONGs feministas que, em teoria, pretendem a maior emancipação das vítimas, mas, contraditoriamente, fazem uso de suas narrativas como plataforma de uma causa que elas não necessariamente compartilham. Isto é duplamente incoerente, uma vez que as 93 No original: Humanitarian workers speak in the name of those who are assumed not to have

access to the public arena. In so doing they illuminate, transform, simplify, and dramatize the words of those they represent, in line with their ultimate objective, which is not so much to reconstitute an experience as to construct a cause. This construction is based on the legitimate principles of humanitarian intervention: the defense of victims and the appeal to emotions.

75   ONGs utilizam importantes espaços de interlocução com atores estatais não para defender o protagonismo das vítimas, mas para reforçar a presença das próprias organizações humanitárias. Como eu disse no começo do capítulo, o que está em disputa são espaços de poder. É neste ponto que entendo ser importante conhecer a análise de Gayatri Spivak (2010), em que critica as interpretações e os estudos feitos por acadêmicos, majoritariamente brancos, ocidentais e homens, sobre a população de subalternos, que seriam, neste trabalho, o que denomino vidas precárias. A filósofa poscolonialista direcionava sua crítica principalmente aos acadêmicos que falavam em nome dos subalternos, ao invés de deixa-los que falassem por si mesmos: ela questiona a fala do observador, uma vez que apenas conseguem perceber uma pequena parcela da realidade estudada. Em consequência, Spivak (2010) dizia que, ao invés de permitir que a voz dos subalternos

seja

ouvida,

esses

acadêmicos

reproduzem

as

práticas

colonialistas, patriarcais, racistas e heterossexuais do universo de onde vêm. Para a filósofa, Nem Deleuze, nem Foucault parecem estar cientes de que o intelectual, inserido no contexto do capital socializado e alardeando a experiência concreta, pode ajudar a consolidar a divisão internacional do trabalho. (SPIVAK, 2010, p. 30)

Ou, em outras palavras, o intelectual que fala por ou sobre os subalternos o faz diante da possibilidade de ser “cúmplice na persistente constituição do Outro como a sombra do Eu [Self]” (idem, p. 46). Seguindo a lógica de Spivak, a representatividade das mulheres vítimas negras, camponesas,

indígenas,

deslocadas

internas,

por

mulheres

brancas,

acadêmicas, e de classe média, não é capaz de dar voz àquelas mulheres, porque inserida em um sistema de dominação. Isto é, não é possível recuperar a voz, a consciência do subalterno, daquelas memórias que somente são os registros da dominação. (...) as vozes silenciadas pelos poderes são, em si mesmas, irrecuperáveis. O subalterno não pode falar não porque seja mudo, senão porque carece de espaço de enunciação. É a própria enunciação que transforma o subalterno. Poder falar é sair da posição de subalternidade (...). (...) a única opção política possível para a subalternidade, é precisamente deixar de ser subalterno, em outras palavras, intensificar a voz, fazê-la própria, em algum

76   sentido distante da representatividade. 102, grifos meus).

94

(BIDASECA, 2011, P.

Podem mulheres acadêmicas, brancas, de classe média, cisgêneras e, em sua maioria, heterossexuais, falar pelas mulheres vítimas do conflito armado? Seu testemunho é legítimo? Obviamente, eu não tenho a resposta para isso. Porém, ficou claro para mim, seja em minhas conversas com as Mariposas, com as líderes presentes na Mesa Autônoma, com Olga Betancourt e com Ochy Curiel, que as mulheres vítimas em Bogotá não se sentem legitimamente representadas pelas ONGs de defensoras dos direitos das mulheres. É preciso questionar, também, se a mera representatividade das mulheres vítimas do conflito armado por parte das dirigentes das ONGs feministas será suficiente para construir as bases de uma paz duradoura. A funcionária da ONU Mujeres (ANEXO E, P. 152), com quem conversei, disse que Para nós, o primeiro passo é que [as mulheres] estejam ali, ou seja, que possam definir de maneira evidente e direta, que possam incidir no processo de paz e então possam colocar seus temas perante a Mesa [de Negociações]. Ou seja, o conflito na Colômbia é um conflito com bases estruturais, que têm relação com a desigualdade, com a desigualdade na divisão de recursos, não somente entre as mulheres e os homens, mas especialmente estes. Têm relação com os recursos naturais, com a falta de acesso à saúde, educação, têm relação com todos estes temas. Então, se os setores que foram mais atingidos por essas causas estruturais não podem incluir seus temas na Mesa de Negociações, então pensamos que não será construída 95 uma paz verdadeira, não é mesmo? (tradução livre, grifos meus).

94 No original: Es decir, no es posible recuperar la voz, la conciencia del

subalterno, de aquellas memorias que sólo son los registros de la dominación. (…) las voces silenciadas por los poderes son, en sí mismas, irrecuperables. El subalterno no puede hablar no porque sea mudo, sino porque carece de espacio de enunciación. Es la enunciación misma la que transforma al subalterno. Poder hablar es salir de la posición de la subalternidad (…). (…) la única opción política posible para la subalternidad, es precisamente dejar de ser subalternos, en otras palabras, intensificar la voz, hacerla propia, en algún sentido lejos de la representación. 95 No original: Para nosotras, el primer paso es que estén allí, o sea, que puedan definir de manera evidente y directa, puedan incidir en el proceso de paz, entonces puedan poner sus temas en la mesa. O sea, el conflicto en Colombia es un conflicto con unas bases estructurales, que tienen que ver con la desigualdad, con el desigual reparto de los recursos, no solo entre mujeres y hombres, pero especialmente. Tiene que ver con los recursos naturales, con la falta de acceso a recursos de salud, educación, tiene que ver con todos estos temas, entonces si los sectores que han sufrido más esas causas estructurales no pueden incluir en la mesa de negociaciones pues pensamos que no se va a construir una paz verdadera, no?

77   Ressalte-se que, na entrevista, a funcionária da ONU Mujeres não distinguiu entre as diversas organizações em prol dos direitos das vítimas, isto é, não diferenciou mulheres vítimas e feministas dirigentes de ONGs. Ao apontar que é positiva a presença de mulheres no âmbito da Mesa de Negociações, a entrevistada não problematiza acerca da legitimidade das mulheres que estão na Subcomissão de Gênero representando as mulheres vítimas. Entretanto, a funcionária da ONU diz, como grifado acima, que a paz verdadeira só será construída se os setores mais vulnerabilizados pelas estruturas de dominação conseguirem incluir seus temas na Mesa de Negociações. Efetivamente, não é o que está ocorrendo em relação às líderes de Bogotá, que não só têm pouca incidência em Havana, mas em quase todos os espaços de interlocução política, seja com o Estado, seja com as demais vítimas do conflito. Olga Betancourt, por exemplo, diz que enquanto diretora da Andescol, foi usada por essas ONGs feministas quando estavam ocorrendo muitas vitimizações em Bogotá, isto é, as vítimas foram utilizadas para legitimar as atividades levadas a cabo pelas organizações humanitárias. Olga disse que, apesar de reconhecer que são organizações extremamente capacitadas, sua atuação é somente possível porque elas têm possibilidades materiais de produzir intelectualmente e que, portanto, as organizações de vítimas são preteridas pois sua luta diária mais básica é por ter condições de existir. Na Mesa Autônoma, as mulheres líderes, ao dizerem que elas sim têm filhos e, concomitantemente, capacidade de transformar, demonstraram não só uma aversão à estratégia feminista liberal adotada pelas principais ONGs de Bogotá, mas deram sinais da potência existente ainda que na precariedade. Como diz Veena Das (2007, p. 59-78), tornar-se um sujeito de direitos está diretamente conectado com experiências de subjugação, isto é, ter passado por alguma violência cria novas possibilidades de vida, de reabitar o mundo. As mulheres vítimas da violência do conflito armado colombiano tornam-se, pois, sujeitas de direito à medida que resistem à violência que as subjugou. É por meio de suas vulnerabilidades que criam possibilidades de resistir. Ainda que não ocupem os muitos espaços de poder, nem tenham uma

78   interlocução direta com as estruturas de Estado, hoje existe uma importante plataforma política de suas vozes: a Mesa Autônoma. Mesmo que idealizada e iniciada pelo Estado, que ainda se mantém presente nas reuniões, é um espaço de uma possível interlocução tanto com os órgãos estatais, ainda que em nível municipal, quanto com as ONGs feministas que estão em Bogotá e que são, também, as maiores da Colômbia. Se a estruturação do que é hoje a gestão humanitária das vidas precárias das mulheres vítimas do conflito baseia-se na desconsideração dessas vidas enquanto sujeitos ativos de mudança, não é isso que se percebe quando observo os itinerários corporais das mulheres vítimas. Que essas mulheres consigam criar novos modos possíveis de vida é consequência de suas vulnerabilidades. E é por meio de suas narrativas-resistências que as mulheres vítimas e líderes de organizações se reconstroem enquanto sujeitos políticos e históricos.

79   3 Das Negociações em Havana à paz concreta: os desafios para a construção de um novo projeto social Pareceu-me unânime, entre todas as entrevistadas, que a Colômbia vive um período decisivo em sua história, que deve ser aproveitado ao máximo a fim de que sejam exploradas integralmente suas possibilidades. Pareceu-me que a grande preocupação era não desperdiçar as chances de contribuir com este momento, que poderia representar o fim do conflito e o início de um novo estágio da história colombiana. Em todos os casos, seja no movimento de mulheres vítimas, nas ONGs feministas, no movimento de artistas, seja perante a instituição, os esforços se concentravam em pensar as melhoras maneiras de se chegar a uma sociedade pós-conflito. Como disse Olga Betancourt, Entramos em um outro momento, podemos avançar para a paz com justiça social. Seria muito egoísta da nossa parte não querer viver em outras condições de dignidade como povo, se não fazemos isto 9697 agora, que tipo de país vamos deixar para as novas gerações? (tradução livre)

No final de sua fala, entretanto, Olga diz que o acordo com as FARC-EP tem que ser feito com as pessoas que são vítimas. Isto significa que, por mais que o momento seja visto com importância, há também um consenso de que isso não pode ser levado a cabo de qualquer maneira. Como bem diz a representante não identificada da ONG Humanas, “(...) o que ocorre é que a paz não pode ser negociada sobre os corpos das mulheres

(…)”9899 (tradução

livre). Isto é, foi um dado também consensual de que a paz somente seria de fato conquistada se cumpridos certos requisitos, em especial no âmbito da Mesa de Negociações. Cada organização e movimento, no entanto, tinha suas próprias propostas acerca do método correto a ser seguido pela Mesa em Havana. Por um lado, a ONG Humanas, por exemplo, entende que não se pode falar de paz sem que haja julgamento judicial e punição com pena

96 Anexo A, p. 138. 97 No original: Entramos en otro momento, podemos avanzar hacia a la paz con justicia social.

Sería muy egoísta de nuestra parte no querer vivir en otras condiciones de dignidad como pueblo, si no hacemos eso ahora, ¿qué clase de país vamos dejar a las nuevas generaciones? 98  Anexo H, p. 166. 99 No original: (...) lo que pasa es que la paz no se puede negociar sobre los cuerpos de las mujeres (…).

80   restritiva de liberdade a todos os responsáveis por crimes cometidos no âmbito do conflito armado, em especial no que tange aos crimes de violência sexual. Para a referida ONG, há que se lidar com o estupro como arma de guerra, e uma falha ao fazê-lo significaria uma profunda impunidade para as mulheres vítimas deste crime. Para os movimentos de vítimas, por outro lado, me pareceu que não basta a presença de ONGs feministas representando-as na subcomissão de gênero, e que portanto, deveria haver a presença da população que é vítima. Na Mesa Autônoma, também, algumas mulheres ali presentes questionaram a representatividade das próprias vítimas convidadas a comparecer em Havana, como por exemplo Jineth Bedoya, alvo de violência sexual por parte de grupos paramilitares. O que se dizia é que Jineth fora violada enquanto jornalista, pois estava investigando uma rede de paramilitares e que, portanto, não representaria outras mulheres, atacadas no interior de suas casas, sem que tivessem relação nenhuma com os grupos armados. Assim, o que me parece é que, para as vítimas, o processo em Havana e o consequente período de paz que tanto se espera sofre de problemas de representatividade, pois, tanto no caso das delegações

que

foram à Havana, quanto no caso das especialistas em gênero, entendem que estes grupos não representam a totalidade das vítimas e dos movimentos sociais, os quais perdem este espaço de interlocução com o Estado e com as FARC. A aposta da institucionalidade, seja por meio do governo de Bogotá, seja por meio do governo nacional, é o estímulo de realização dos foros regionais de vítimas e de feitura de agendas de paz. Dessa maneira, me pareceu também unânime que todos estes atores consideram que a paz é construída e pensada principalmente nos territórios do interior da Colômbia, e que, portanto, não depende unicamente do que ocorre hoje em Havana para que a paz seja concretizada no país. Assim, neste terceiro e último capítulo, pretendo dedicar esforços para contextualizar este trabalho sobre o que são os Diálogos em Havana, como começaram, quais seus principais avanços e seus desenvolvimentos, e quais as principais demandas da sociedade civil aos Plenipotenciários. O aceite do grupo armado Ejército de Liberación Nacional (ELN) em

iniciar

81   diálogos para desmobilização e fim do conflito não será discutido, uma vez que é notícia bastante recente e que não apareceu como preocupação em campo. É, no entanto, um indicativo de que a Colômbia se vê ainda mais próxima do que agora se diz uma paz concreta100. Como bem menciona uma funcionária do Alto Comisionado para la Paz, a paz não é o objetivo direto do acordo

com

as FARC-EP, será algo construído após o acordo, que, na verdade, pretende o fim do conflito: Porque no processo de Diálogos não se pretende construir paz, senão chegar a certas condições para o término do conflito. Essa é a segunda fase, e a terceira fase de fato é a fase de construção de paz. A oficina não desconhece que já existem nos territórios muitas iniciativas de construção de paz, quer funcionem os Diálogos em 101102 Havana, quer não. (tradução livre).

Assim, farei uma tentativa de compreender o que significa paz para as diferentes mulheres entrevistadas em campo, bem como para os grupos que hoje se empenham em desenvolver agendas de paz e contribuir tanto para a finalização dos termos do acordo entre Estado colombiano e FARC-EP. A Mesa de Negociações representa um segundo momento de justiça transicional, como acredita a funcionária entrevistada da ONG Humanas? A solução para a impunidade dos crimes relacionados à violência de gênero e à violência sexual é a criação e instalação de uma comissão da verdade desde e para as mulheres, como advoga Elsa Cristina, da Alta Consejería? Ou é preciso que para além da verdade, seria preciso também responsabilizar os victimarios103 criminalmente, com penas restritivas de liberdade, como acredita a funcionária da ONG Humanas? A reparação integral, por parte do Estado,

é

100 Após o anúncio de que se iniciariam diálogos oficiais com as forças do ELN para o término

do conflito, foi lançada uma campanha chamada “Por una Paz completa”, a fim de ambientar os diálogos com o ELN de maneira alinhada ao que está acontecendo hoje com as FARC. A paz completa é, portanto, com base tanto nesta campanha, quanto no que foi obtido em campo, um ambiente tão plural quanto é a sociedade colombiana, principalmente no que tange às vítimas dos grupos armados, e que exista um recorte de gênero nos Diálogos tanto com as FARC quanto com o ELN. 101 Anexo D, p. 144. 102 No original: Porque en proceso de conversaciones no se pretende construir paz, sino llegar a unas condiciones para terminar el conflicto. Esa es la segunda fase y la tercera fase sí es la fase de construcción de paz. La oficina no desconoce que ya hay en los territorios muchísimas iniciativas de construcción de paz, funcionen o no las conversaciones en La Habana. 103 Palavra em espanhol que se refere àqueles agentes que cometeram os crimes de guerra na Colômbia.

82   também um meio de contribuir para a paz, como preconiza a Unidad de Victimas? O reconhecimento da dor das vítimas seria essencial para a reconstrução do tecido social, como afirma o representante da ONU? São muitas as perguntas, com um universo de respostas possíveis, que têm dividido a sociedade colombiana, por um lado, mas unido seus grupos em esforços para contribuir com a construção da paz. Um país com mais de meio século de conflito não está acostumado a conviver com as estruturas institucionais e sociais em tempos de paz, e o atual contexto é especialmente importante para que a sociedade como um todo pense o que é preciso transformar para que se busque e se efetive a paz.

3.1 Diálogos e Negociações de Paz em Havana: uma contextualização necessária sobre o processo e suas controvérsias Uma forte proposta do governo de Juan Manuel Santos, presidente da Colômbia (2010/2018), era criar meios para o fim do conflito não só restritos a um maior recrudescimento dos empenhos militares, mas por um viés diplomático e pacífico. Destaco, entretanto, que esta proposta para a resolução diplomática do conflito foi resultado de uma luta histórica dos movimentos sociais na Colômbia pela saída negociada e não militar do conflito armado, isto é, não foi uma proposta governamental espontânea, mas decorrente das muitas e longas disputas de sentido sobre a forma como levar a cabo o fim do conflito. Não significou, também, que o atual governo nacional da Colômbia tenha enfraquecido o poder das Forças Armadas: pelo contrário, a segurança continuou como tema e estratégia centrais do governo de Santos, o que, por sua vez, não representou óbice para que o presidente empreendesse esforços para uma solução diplomática com os guerrilheiros das FARC. Com uma preparação prévia de um ano e meio, as reuniões preparatórias dos Diálogos, ocorridas em sigilo, em Havana, Cuba, resultaram na assinatura do Acuerdo General para la terminación del conflicto y la construcción de una paz estable y duradera104, em agosto de 2012. A Mesa de 104 Termo em espanhol que significa “Acordo Geral para o término do conflito e a construção

de uma paz estável e duradoura”, doravante referido como Acordo Geral.

83   Negociações é formada pelas delegações do Governo Nacional e das FARCEP, bem como pela presença dos Estados da Noruega e de Cuba, como garantes do processo, e da República Bolivariana da Venezuela e do Estado do Chile, como acompanhantes. Os membros das Delegações que podem formalmente finalizar acordos são os denominados Plenipotenciários, que serão cinco em cada sessão da Mesa, por delegação. O máximo de membros das delegações em cada sessão é de 10 (dez), e cada delegação conta com no máximo 30 (trinta) participantes. Uma das grandes preocupações do movimento de mulheres, em especial as ONGs feministas era que, inicialmente, não havia nenhuma mulher na delegação do Governo Nacional. Como resultado desses questionamentos, duas mulheres foram apontadas como membros da Delegação do Governo Nacional, mas hoje só uma se mantém, Maria Paulina Riveros. Entre os membros da delegação da insurgência, este número também era baixo, e cresceu, progressivamente, e hoje corresponde a quase a metade do total dos membros. De acordo com pronunciamento do presidente Santos (informação verbal)105, essa tentativa de término do conflito se destacaria em relação a outras exatamente porque não comete os mesmos erros, isto é, não implica abrir mão de parte nenhuma do território colombiano, e o Acordo Geral firmado inicialmente não significa o fim das ações militares: apenas estabelece os pontos principais de discussão para chegar ao acordo final, este sim com a capacidade de terminar o conflito e estabelecer os termos de transição de um estado de guerra para um possível pós-conflito. Além disso, o presidente Santos disse ainda que esta tentativa é diferente e tem mais chances de ser bem sucedida, uma vez que não implicaria o cesse das atividades das Forças Armadas colombianas106, e porque os Diálogos se dariam fora do país107. 105 Discurso de Apresentação do Processo de Paz pelo Presidente da República da Colômbia,

Juan Manuel Santos, disponível em: . Acesso em: 03 de abril de 2016. 106 Apesar disso, as FARC-EP decidiram pelo cessar-fogo unilateral em 2014 e, em 2015, para avançar na busca do fim do conflito, começou-se a discutir os termos para um cesse de fogo bilateral e definitivo (um dos pontos estabelecidos no Acordo Geral), e, em decorrência disso, uma progressiva diminuição das ações das Forças Armadas colombianas em territórios ocupados pelas FARC. Uma das atitudes promovidas foi, por exemplo, o fim dos bombardeios nestas regiões. Este é o ponto atualmente sob análise pela Mesa de Negociações, e conta com o apoio do Conselho de Segurança da ONU e do Estado do Uruguai.

84   É neste sentido que o termo oficial é “conversaciones”108, ao invés de “negociaciones”109, quando é para se referir aos Diálogos em Havana. Por quê? Como bem explica funcionária do Alto Comisionado, O termo é diálogos. Digamos que muita gente usa o termo negociações, mas a ideia para não usar a palavra negociações é que já não se está negociando, porque quando alguém negocia algo é que esta disposto a ceder, e o que se pretende no caso é chegar a um acordo, e não ceder nada. Então, o termo preferido é diálogos. Quem estabelece essa preferencia são os plenipotenciários. Por quê? Porque existem pessoas opostas ao processo e houve uma tensão política ao dizer que o governo está entregando o país às FARC, e 110111 isto é mentira. (tradução livre)

Entretanto, ainda que não seja a intenção do Governo Nacional se manter em posição enfraquecida, na qual tem que ceder quaisquer demandas requisitadas pelas FARC, não entendo que o que esteja ocorrendo em Havana limita-se a diálogos entre as forças guerrilheiras e o governo nacional. Existem, sim, disputas ocorrendo no nível dos discursos, dos conceitos e das palavras, disputas estas que, obviamente, são objeto de negociação, a fim de se chegar a consensos. Existem negociações no que tange, por exemplo, ao reconhecimento ou não de que a violência sexual foi utilizada como arma de guerra pelas FARC. Existem negociações no que se refere à capacidade de incidência das recomendações feitas pelas especialistas convidadas a comparecer às reuniões da Subcomissão de Gênero, que se pretendem pactuantes, e não pactuadas (MESA DE CONVERSACIONES, 2014).

Os

107 Para se ter melhor noção da importância de que a Mesa de Negociações se desse fora de

território colombiano, exemplifico com uma situação relativamente recente, qual seja, a de que os membros da delegação das FARC-EP necessitavam discutir pontos levantados na Mesa em Havana com o atual líder da guerrilha, Timoleón Jimenez, mais conhecido como Timonchenko, e, para agilizar as negociações, à pedido do governo, suspenderam-se todos os mandados de prisão destinados a Timonchenko a fim de que ele pudesse ir à Cuba, como representante das FARC, não como Plenipotenciário. Esta ordem de suspensão dos mandados de prisão, entretanto, só valeriam em território cubano. 108 Em português, conversaciones significa conversas, diálogos. 109 Negociaciones, por sua vez, significaria negociações. 110 Anexo, D, p. 146. 111 No original: El término es conversaciones. Digamos que mucha gente usa el término negociaciones, pero la idea para no usar la palabra negociaciones es que ya no se está negociando, porque cuando uno negocia algo es que uno está dispuesto a ceder algo, y lo que se está es mirando cómo se llega a un acuerdo, más que cediendo algo. Entonces que el término que ellos prefieren utilizar es conversaciones. Ellos me refiero a los plenipotenciarios. ¿Por qué? Porque hay personas que son opuestas al proceso y hubo una tensión política diciendo que el gobierno está entregando el país a las FARC, y eso es mentira.

85   termos da anistia e indulto dos guerrilheiros112, por sua vez, tampouco foi resultado de meros diálogos, mas de intenso debate e negociações: não é coincidência que o Governo tenha divulgado lista dos primeiros 17 (dezessete) guerrilheiros que serão indultados ainda em 2016 (JIMENO, 2016). Assim sendo, refiro-me aos acontecimentos em Havana tanto como Diálogos quanto enquanto Negociações, uma vez que têm, de fato, características próprias que os diferenciam das demais tentativas de terminar o conflito armado, mas também não são isentos de disputas quanto às maneiras pelas quais será implementado o Acordo final. Em campo, me pareceu que as entrevistadas utilizavam o termo sem muita reflexão sobre seu real significado. Entre todas as entrevistadas, apenas a funcionária do Alto Comisionado, órgão governamental responsável pela organização e gestão de tudo relacionado com processos de paz na Colômbia, se referia à Mesa de Havana como conversaciones. Ochy Curiel, por sua vez, disse que para ela o que ocorre hoje em Havana são negociações. Nenhuma das outras entrevistadas levantou isto como problemática, entretanto. Para além das discussões envolvendo a nomenclatura da Mesa de Havana em si, o Acordo Geral determinou seis pontos a serem tratados na Agenda da Mesa de Negociações, quais sejam: política de desenvolvimento agrário integral; participação política; os termos para o fim do conflito, ponto este que inclui a determinação do cesse ao fogo definitivo e bilateral, pauta do fim de 2015 e início de 2016; solução ao problema das drogas ilícitas; ressarcimento das vítimas, sendo este ponto um dos mais sensíveis, pois nele se integram algumas preocupações, tais como os direitos à reparação, à justiça e à verdade, o que envolve inclusive a responsabilização criminal dos pactuantes, sejam guerrilheiros ou membros dos governos e das Forças Armadas colombianas; e, por fim, a implementação do Acordo Final, com fins de garantir seus cumprimentos após assinatura. Dentre estes pontos, destaco o ponto referente às vítimas, especialmente porque neste trabalho pretendo entender exatamente a mobilização social das organizações de mulheres vítimas e de feministas, qual é sua agenda e como influenciam (ou não) os caminhos acordados 112 Presentes no Acuerdo Sobre as Vítimas del Conflicto (original), cuja tradução é Acordo

Sobre as Vítimas do Conflito, doravante referido como Acordo sobre Vítimas.

em

86   Havana. É neste ponto também que se destaca a atuação da Subcomissão de Gênero, mencionada no capítulo anterior, instalada para incidir em todos os pontos da Agenda da Mesa de Havana, mas especialmente relevante no que tange aos acordos referentes às vítimas. Relativamente ao ponto do Acordo Geral sobre os direitos das vítimas, o presidente Santos disse que ninguém poderia imaginar o fim do conflito sem ressarci-las, exatamente o que a Colômbia já começara a fazer quando promulgou a Lei de Vítimas (informação verbal)113. Esta lei, portanto, de acordo com o Governo Nacional, faz parte deste universo de construção da paz naquilo que corresponde a implementação dos direitos das vítimas, e demais políticas públicas voltadas a elas, como a implementação da Unidad Víctimas e inclusive da Alta Consejería, já em nível local. Com fins de analisar este ponto da Agenda de trabalhos da Mesa de Negociação, foram realizados três Foros regionais de vítimas, um em Villavicencio, outro em Barrancabermeja e um último em Barranquilla, todos em julho de 2014. Um foro nacional de consulta foi realizado em Cali, em agosto de 2014. O objetivo destes foros era garantir o direito das vítimas a ter um lugar de fala e de realizar propostas para serem destinadas à Mesa em Havana. Um total de 17.000 (dezessete mil) propostas foram feitas à Mesa de Negociações no que concerne ao ponto referente às vítimas, proposições estas feitas no âmbito dos Foros, mas também além destes. Eles foram organizados pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Universidade Nacional da Colômbia (Unal), que também se responsabilizaram, juntamente com a Conferência Episcopal Colombiana, pela seleção das vítimas convidadas a participar do processo em Havana. Essa escolha baseou-se nos critérios estabelecidos pela própria Mesa de Negociações, quais sejam: as pessoas selecionadas deveriam ser vítimas diretas dos conflitos; era preciso respeitar o pluralismo tanto da origem geográfica e socioeconômica das vítimas, quanto dos crimes aos quais foram submetidas e dos atores armados envolvidos; e que cada indivíduo presente falasse por si próprio e não na qualidade de representante. 113 Discurso de Apresentação do Processo de Paz pelo Presidente da República da Colômbia,

Juan Manuel Santos, disponível Acesso em: 03 de abril de 2016.

em:

.

87   A ONU, a Unal e a Conferência Episcopal Colombiana declararam (MESA DE CONVERSACIONES, 2014b) que a escolha das 60 (sessenta) vítimas diretas do conflito foi bastante difícil, tendo em vista o grande universo de crimes cometidos no contexto do conflito armado colombiano, e a pluralidade dos atores armados. O conceito de vítima direta utilizado para fins de determinação das pessoas a serem convidadas a participar foi aquele presente na resolução 60/147 de 16 de dezembro de 2015, da Assembleia Geral da ONU, que diz que Entender-se-á por vítima toda pessoa que tenha sofrido danos, individual ou coletivamente, incluindo lesões físicas ou mentais, sofrimento psicológico, perdas econômicas ou desprezo substancial de seus direitos fundamentais, como consequência de ações ou omissões que constituam uma violação manifesta das normas internacionais de direitos humanos ou uma violação grave do direito internacional humanitário. (...) o termo “vítima” também compreenderá a família imediata ou as pessoas responsáveis pela vítima direta e as pessoas que tenham sofrido danos ao intervir para prestar assistência 114 às vítimas em perigo ou para impedir a vitimização. (ONU, 2005) (tradução livre)

Os órgãos responsáveis pela seleção, entretanto, apesar

de

escolher indivíduos que falariam em seu próprio nome, determinaram que as vítimas em Havana pudessem fazer considerações mais gerais acerca do processo de paz, o que acabou culminando com uma posição de maior representatividade dessas em relação àquelas pessoas também atingidas pelo conflito armado, mas que não foram a Havana. A ONU, Unal, e Conferência Episcopal também estabeleceram critérios para privilegiar certos grupos, quando havia dúvida acerca da seleção desta ou de outra vítima. Em outras palavras, as instituições responsáveis por essa escolha desenvolveram critérios adicionais no caso de incerteza quanto à seleção, que fariam com que, nestes casos, se optasse pela vítima em maior situação de vulnerabilidade, que se considerou como sendo os Grupos étnicos, mulheres, e o caso das pessoas que sofreram crimes quando eram crianças ou adolescentes e não haviam alcançado a 114 No original: Se entenderá por víctima a toda persona que haya sufrido daños, individual o

colectivamente, incluidas lesiones físicas o mentales, sufrimiento emocional, pérdidas económicas o menoscabo sustancial de sus derechos fundamentales, como consecuencia de acciones u omisiones que constituyan una violación manifiesta de las normas internacionales de derechos humanos o una violación grave del derecho internacional humanitario. (…) el término “víctima” también comprenderá a la familia inmediata o las personas a cargo de la víctima directa y a las personas que hayan sufrido daños al intervenir para prestar asistencia a víctimas en peligro o para impedir la victimización.

88   maioridade, ou aquelas pessoas que tiveram menor capacidade de ser escutado pela sociedade colombiana ou pela Mesa de 115 Diálogos. (MESA DE CONVERSACIONES, 2014b) (tradução livre)

Como apoio para a seleção, foram consultadas organizações de vítimas e demais instituições, cujos nomes não foram mencionados, resultando em 36 (trinta e seis) mulheres e 24 (vinte e quatro) homens que compareceram à Mesa de Negociações em 05 (cinco) delegações de 12 (doze) vítimas cada, contemplando a maior diversidade de delitos possível. É importante mencionar, entretanto, que não houve nenhuma representação do crime contra a população LGBTI e que isso não foi contestado por nenhuma das organizações de mulheres presentes na Subcomissão de gênero. Talvez se questione que bastou a presença de Nora Elisa Vélez, que é representante LGBTI na Mesa Nacional de Vítimas. Entretanto, nem sequer em seu caso o delito teve relação com sua orientação sexual ou identidade de gênero. Assim sendo, é preciso destacar a contínua violência feita contra as pessoas LGBTI na Colômbia, invisibilizadas nos espaços políticos majoritários na Colômbia, e a falta de apoio político para que sua presença nestes lugares seja mais frequente e efetiva. Mesmo no âmbito da Subcomissão de Gênero, era destinada apenas uma cadeira a especialistas relacionados a violações contra a comunidade LGBTI. Será que a presença dessa representatividade ínfima, mas existente, serviria para eximir tanto os órgãos governamentais, quanto ONU, Unal e Conferência Episcopal, de acusações sobre não manter um espaço aberto de interlocução com essa parcela da sociedade? Ou, em outras palavras, uma organização LGBTI por encontro da Subcomissão de Gênero, e uma vítima representante entre todas as delegações que foram a Havana, refletiria o mínimo necessário para não responsabilizar os órgãos envolvidos? É preciso pontuar que a escolha das vítimas foi alvo de críticas, tanto na mídia colombiana, quanto nos foros regionais. A ONU e a Unal reconheceram essas críticas neste último caso, e apontaram os desafios para a seleção, em especial no que se refere às delegações convidadas a comparecer em Havana. A justificativa do representante da ONU foi de que o equilíbrio 115 No original: (...) grupos étnicos, mujeres, y el caso de las personas que sufrieron hechos

victimizantes cuando eran niños, niñas o adolescentes y no habían alcanzado la mayoría de edad) o aquellas que tuvieran menor capacidad de hacerse escuchar por la sociedad colombiana y la Mesa de Conversaciones.

89   justo depende de se determinar o que é justiça, uma vez que isso seria relativo, a depender das concepções subjetivas de cada pessoa, e não seria função nem da ONU, nem da Unal, dizer o que seria mais ou menos justo no que se refere às pessoas merecedoras de ir a Cuba. Para ele, não deveria

ser

cobrado um equilíbrio entre as vítimas, uma vez que isto implicaria a existência de uma divisão entre elas: para o representante, portanto, a solução é o reconhecimento de todas as vítimas e aceitação das suas diferenças (HOCHSCHILD, 2014). Ainda assim, as críticas não pararam: amplamente relatado na mídia colombiana, muitos questionavam a aparente escassez das vítimas das FARC em comparação a um grande número de pessoas atingidas pelos paramilitares. Isso refletia que ainda existia certa desconfiança sobre a escolha das vítimas e sobre o processo em si. Além disso, como já brevemente mencionado, em campo, durante a reunião a que compareci na Mesa Autônoma, uma das mulheres presentes disse que não se sentia representada por aquelas presentes em Havana. Isto porque ela havia sido vítima de violência sexual e um dos principais expoentes relativo a este delito em Havana foi Jineth Bedoya. De acordo com a líder presente na Mesa Autônoma, Jineth representaria apenas uma pequena parcela das mulheres violentadas, porque ela sofreu com este crime no exercício de sua profissão, ao passo que a maioria das mulheres violentadas sexualmente no marco do conflito armado são atacadas no interior de suas casas, quando acreditavam estar protegidas. A violência, nestes casos, seria uma surpresa, atingindo principalmente as mulheres pertencentes aos grupos sociais mais marginalizados da sociedade, e presentes nas regiões dominadas por grupos armados. Esta crítica tem muita relação com o caráter de representantes nacionais que passaram a ter as delegações em Havana. Ora, a essas vítimas lhes foi possibilitado um espaço de interlocução com os negociadores não estendido a outras na mesma situação. Mesmo que com a ocorrência dos foros regionais e nacional, com fins de levar um maior número de propostas plurais à Mesa de Negociações, a capacidade de incidência das pessoas convidadas às sessões da Mesa de Diálogos é mais direta. Elsa Cristina, acerca da

90   representatividade das vítimas em Havana, em especial as mulheres, disse o seguinte: (...) a participação das mulheres em Havana, que desde o final do ano passado, e este ano [2015], tem havido uma voz especial das mulheres vítimas em Havana, várias mulheres vítimas que são muito conhecidas, ou têm uma liderança muito reconhecida, viajaram à Havana. Mas sigo pensando que as outras mulheres não foram escutadas suficientemente, nem por parte do processo de paz, nem 116117 tampouco pelos poderes públicos. (tradução livre)

Elsa Cristina, ao desenvolver melhor este tema, disse que as vítimas convidadas para ir a Havana representam uma liderança em nível nacional, e que isto de fato não deveria ser objeto de tanta preocupação, uma vez que sequer

se

sabe

o

quanto

essas

mulheres

serão

ouvidas

pelos

Plenipotenciários. Para Elsa, a luta deveria ser pela implementação de uma Comissão da Verdade desde e para as mulheres, a fim de garantir seu direito à verdade histórica. De igual maneira, o que se deve pensar é o quanto as propostas foram levadas em consideração, tanto dos foros, quanto de cada delegação que foi a Cuba. Agrego a esse argumento de Elsa o fato de que existe também uma força simbólica das vítimas falarem frente a frente com o Estado e as FARC, vez que elas não foram a Havana somente para estabelecer propostas: para isso existiam os foros, muito mais amplos. Havia, pois, um simbolismo significativo em suas narrativas de resistência. A força da sobrevivência, das criações de possibilidades de vida após o momento traumático da violência de guerra são os meios para construir a agência necessária entre as vítimas, seja as que estejam em Havana ou não. Os questionamentos e as críticas são importantes. De fato, é preciso questionar o significado da escolha de cada vítima que foi a Havana e cada uma que não foi (como por exemplo o caso das mulheres violentadas nas suas próprias casas). Mas é preciso também entender a força simbólica das muitas que ali compareceram.

116 Anexo C, p. 140. 117 No original: (...) la participación de las mujeres en La Habana, que desde hace como ano

pasado, a finales, y este ano, ha habido como una voz especial de las mujeres victimas en habana, varias mujeres victimas que son muy conocidas, o que tienen un liderazgo muy reconocido, viajaran a La Habana. Pero yo sigo pensando que las otras mujeres no escucharan con suficiencia, ni del proceso de paz ni tampoco los niveles públicos.

91   Assim sendo, não entendo que as críticas destinadas à escolha das vítimas sejam necessariamente feitas com o intuito de desmerecer a legitimidade do processo. São reflexões sobre o poder simbólico de fala de cada pessoa ali presente e do poder que não foi dado a outras. Isto deve ser, sim, objeto de reflexão, não com fins de deslegitimar o processo, mas para envolver todas as vítimas neste espaço de discussão sobre poder, representatividade e capacidade de incidir na Mesa de Negociações. No que tange especificamente ao universo de vítimas que foram a Havana, cabe mencionar também que os principais atores armados mencionados como responsáveis pelos crimes foram os grupos paramilitares e as FARC. O ELN também foi mencionado, mas em menor quantidade. Relativamente aos crimes cometidos pelas Forças Armadas colombianas, somente 06 (seis) casos foram mencionados (em um universo de 60), sendo que alguns eram em concorrência com outros grupos armados, e, em todos os casos em que a responsabilidade era do Estado colombiano, era feita uma menção acerca da existência ou não de condenação do agente responsável, se existia processo em curso, ou, alternativamente, era feito uso da expressão “supostamente cometidos pelas Forças Armadas”, algo que não ocorria ao mencionar as vitimizações provocadas pelos demais grupos armados envolvidos no conflito. Essa linguagem utilizada pela ONU, Unal, e Conferência Episcopal denota o viés diplomático adotado pelas entidades, e representava uma prévia do que seria acordado após a finalização deste ponto da Agenda da Mesa em Havana, quando se entendeu que os agentes de Estado também estarão sujeitos à Justiça, mas tendo em conta a presunção de que o Estado exerce

de

maneira

legítima

o

monopólio

das

armas

(MESA

DE

CONVERSACIONES, 2015, p. 26). Após cada visita das delegações de vítimas, era emitido um comunicado destas sobre a sessão na Mesa de Negociações, onde lhes era permitido expressar suas impressões e demandas para continuidade do processo. Os comunicados foram bastante plurais, reflexo da própria realidade das vítimas na Colômbia, como se passa a ver. A primeira delegação determinou que a busca da verdade é base para a paz, bem como o reconhecimento das vítimas, das responsabilidades dos atores armados, e o não intercâmbio de impunidades (MESA DE

92   CONVERSACIONES, 2014c). A segunda delegação, por sua vez, ressaltou que a paz somente poderia ser construída se fossem ouvidas as vítimas do conflito armado, e deu grande enfoque à efetivação da Justiça e da Tolerância como compromisso com a paz (MESA DE CONVERSACIONES, 2014d); para além da necessidade de verdade e justiça, a terceira delegação entendeu que é preciso implementar estratégias de educação integral com pedagogia para a paz, além de garantir saúde e saneamento básico para toda a população independentemente da região em que vivem (MESA DE CONVERSACIONES, 2014e); a quarta delegação ressaltou a importância do reconhecimento jurídico dos direitos da população LGBTI e a necessidade da paridade salarial entre homens e mulheres (MESA DE CONVERSACIONES, 2014f); por fim, a quinta e última delegação demonstrou a emergência da projeção do futuro a partir da construção da verdade, com consequente transformação da mentalidade social. Esta delegação também ressaltou a necessidade de se fazer justiça para além de sua dimensão retaliativa, e fez um chamamento ao

setor

empresarial, a fim de que assumissem pactos éticos de responsabilidade social para com a sociedade em geral e com os trabalhadores em específico118 (MESA DE CONVERSACIONES, 2014g). As proposições foram bastante plurais, mas, de maneira mais didática, posso subdividir as demandas das delegações de vítimas em quatro categorias: em primeiro lugar, foi praticamente unânime a necessidade de construção da verdade histórica e social; em segundo lugar, e também como consequência da primeira demanda, grande parte das delegações destacou o reconhecimento como medida importante de implementação dos direitos das vítimas. Este reconhecimento, por sua vez, abrangeria não só as muitas vítimas do conflito armado colombiano (com enfoque dado às mulheres e à população LGBTI), mas as responsabilidades dos atores armados; isto geraria, em terceiro lugar, a necessidade de evitar a impunidade e, portanto, garantir a justiça, para além de sua dimensão retributiva; e, por fim, seria imperativa uma 118 Sobre este ponto de responsabilidade empresarial, importante fala do gerente da

Fundación para el Desarrollo Sostenible (FUNDES), que destaca as responsabilidades dos setores empresariais para a efetivação da paz na Colômbia. Para ele, empresas são ações humanas e coletivas, com interesses particulares de lucro, mas que também desempenham interesses públicos, e por isso também precisam inserir uma ética no seu desenvolvimento institucional, a fim de contribuir positivamente com as mudanças pelas quais vai passar o país (CANO, 2016).

93   melhor redistribuição da renda e benefícios sociais, a fim de garantir a dignidade das vítimas do conflito armado na reconstrução de sua vida social. A fala do representante da ONU no Foro Nacional, em Cali, sintetizou as principais demandas das vítimas nos foros regionais, mais voltadas à busca da verdade e da reparação, a mudanças na Lei de Vítimas, à implementação de uma vida digna para todos os atingidos pelo

conflito

armado, e à busca pela justiça, não necessariamente retributiva. Outro ponto importante foi que as vítimas disseram não querer ser definidas como tal, mas como sobreviventes, cidadãs e cidadãos sujeitas e sujeitos de direito. Para o representante da ONU, a principal função destes foros era, em conjunto com a recepção de propostas para a Mesa de Negociações, a promoção do reconhecimento da dor das vítimas (HOCHSCHILD, 2014). Todos estas propostas e considerações foram enviadas à Mesa de Negociações a fim de inspirar a redação do acordo relativo aos direitos das vítimas. Este ponto era um dos mais difíceis porque, é a partir dele que se define o modelo de justiça transicional, e as medidas para garantir a justiça e reparação. No que tange às demandas sobre o tema da verdade histórica e social, a Comisión Histórica del Conflicto y sus Víctimas119 preparou as bases para futura discussão em uma comissão da verdade, ao elaborar um relatório contendo diferentes visões de vários historiadores referentes às origens do conflito, as condições para sua manutenção e os impactos sobre a

população

vítima. Ainda que seja um documento com grande destaque pela sua pluralidade de visões, foi também alvo de críticas porque só contou com as reflexões de uma historiadora mulher, e de nenhum/a historiador/a negro/a. Patrícia Ariza verbalizou tal crítica, como se pode ver: A minha posição é de que é preciso trabalhar, porque sou artista, creio que é preciso trabalhar o tema da cultura, além de fazer o relato, mas o relato completo, é muito importante que haja historiadores negros, ainda que haja somente uma mulher historiadora, então creio que é o momento que as mulheres comecemos a fazer o relato, que é um relato silenciado e creio que a

119 Em português “Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas”, doravante referida como

Comissão Histórica.

94   posição é de ser mais específicos nas responsabilidades do 120121 conflito. (tradução livre)

Patricia Ariza explicita isso quando fala sobre a necessidade da apuração das diversas verdades do conflito a fim de construção da paz: para ela, são muitas as responsabilidades, e são diferenciadas, assim como são muitas as verdades. É nesse sentido que, para Ariza, o relato dos historiadores deve ser o mais amplo possível, a fim de considerar os relatos históricos das mulheres e da população negra, por exemplo. Se as constatações das verdades do conflito são essenciais para a construção da paz, é preciso refletir sobre quem está no pano de fundo dessas construções, isto é, quais as pessoas responsáveis pelas diversas interpretações das verdades do conflito. O informe final da Comissão Histórica foi considerado insumo fundamental para o futuro trabalho da Comisión para el Esclarecimiento de la Verdad, la Convivencia y la No Repetición122, a qual analisarei melhor em breve (MESA DE CONVERSACIONES, 2015, p. 03). Ora, se as reflexões da Comissão Histórica são base analítica do trabalho da futura Comissão da Verdade, é preciso questionar quem são as pessoas que auxiliam na construção das verdades. A presença ou ausência das populações historicamente marginalizadas, como mulheres, negros e negras, indígenas, dentre outros, servirão como elemento para analisar os fundamentos da democracia colombiana em tempos de pós-conflito. Se a constatação das diversas verdades são necessárias para a construção da paz e da reconciliação da sociedade colombiana, como isso pode acontecer se as marginalizações continuam a ocorrer no nível das construções das verdades históricas? Quero ressaltar que, apesar disso, a metodologia proposta pela Comissão Histórica foi bastante importante para demonstrar que é preciso contar com muitas interpretações diferenciadas sobre o conflito

armado

120 Anexo F, p. 154. 121 No original: Mi posición es que hay que trabajar, porque yo soy artista, yo creo que hay que

trabajar el tema de la cultura, hacer el relato, pero el relato completo, es muy importante que haya negros historiadores, aunque solamente hay una mujer dentro de los historiadores, entonces yo creo que es el momento que las mujeres empecemos a hacer el relato, que es un relato silenciado y creo que la posición es ser más específicos en las responsabilidades del conflicto. 122 Em português “Comissão para o Esclarecimento da Verdade, da Convivência e da Não Repetição”, doravante mencionada como Comissão da Verdade.

95   colombiano. A futura Comissão da Verdade, por sua vez, para além de fazer uso das reflexões do informe final da Comissão Histórica, pode e deve se inspirar na metodologia utilizada, sem cometer os mesmos equívocos no que se refere à ausência certos grupos sociais. No plano local, para além dos foros regionais, os movimentos sociais, em especial alguns movimentos de mulheres, levando em conta essa atmosfera propícia aos debates sobre paz, criaram Agendas de Paz

123

construídas não só para orientar as ações dos próprios movimentos

, e

instituições envolvidos, mas como tentativas de incidir nas esferas políticas majoritárias. Uma das agendas que escolhi destacar neste trabalho foi construída em dois anos de reuniões entre “mulheres populares”

124

de

diferentes origens e regiões, mas que, com base numa metodologia feminista, construíram uma agenda comum em que declaram ter voz própria e

se

reconhecem enquanto sujeitas de direito. Isto é muito emblemático no contexto em análise em especial devido aos questionamentos envolvendo tanto a representatividade das vítimas em Havana, quanto das organizações convidadas a comparecer na Subcomissão de Gênero. Por meio dessa agenda de paz, essas mulheres declaram poder falar de sua realidade específica e coletiva de mulheres populares. A construção dessa agenda representa também a resistência às dinâmicas de poder subjacentes ao processo de paz que, de certa maneira e em certo grau, ainda invisibiliza a fala das mulheres populares. A agenda de paz Con Voz Propia pretende, pois, inserir os debates e propostas das mulheres populares, desde as localidades, em nível nacional. Como dito por Elsa Cristina, as vítimas e as mulheres hoje presentes em Havana representam uma liderança nacional; mas isto não significa que os movimentos

de

123 No meu breve período em Bogotá, fui até o Centro de Memoria, Paz y Reconciliación, a fim

de tentar obter uma entrevista com a responsável em 2015. No mesmo período, fevereiro e março de 2015, o Centro estava organizando uma exposição com a temática de mulheres e paz, e fui convidada a contribuir nessa organização. Enquanto voluntária de pesquisa, portanto, tive contato com algumas agendas de paz, das quais destaquei duas, feitas por mulheres que se auto-definiam como mulheres populares: a agenda de paz Con Voz Propia e a agenda de Paz das mulheres da localidade de Kennedy. Isto porque as demais agendas eram feitas por ONGs feministas, e não me interessava suas agendas: eram uma repetição daquilo que dizem em todos os seus comunicados oficiais, em suas entrevistas possíveis de ser assistidas em YouTube, em suas comunicações em Havana. 124 Essa é a maneira como as mulheres se identificam nessa Agenda de Paz, como mulheres populares, pois provenientes dos bairros e contextos mais empobrecidos de Bogotá, Antioquia, Cartagena e Bolívar.

96   mulheres, desde suas regiões, não tenham propostas cuja inserção se dá em nível mais amplo. É preciso pensar por que e como certas pessoas têm repercussão nacional e outras apenas local, isto é, por que certas vítimas conseguem uma visibilidade maior em detrimento de outras. É neste sentido que essa Agenda é emblemática no contexto em que se põe. É iniciada com um bonito poema-resistência de María C. Arnaiz Pedrosa, de 2009 (2014, p. 04): Mujeres con voz propia son aquellas que hablan de sí mismas y por sí mismas y también hablan del mundo que habitan. Aquellas que se enfrentan a sus miedos internos. Que, balbuceantes, dijeron yo existo. Que, desafiantes, dijeron yo puedo. Que, seguras de sí mismas, dijeron yo transformo. Ellas existen, pueden y transforman. Las mujeres con voz propia hablan con sus cuerpos. Hablan con palabras. Con acciones. Hablan escribiendo. Hablan movilizándose. Hablan en las casas, en las plazas, en las calles, en las iglesias, en el trabajo, en los medios de comunicación, en los movimientos y en las instituciones. La palabra de las mujeres con voz propia susurra y grita. Narra, canta y acaricia. Aconseja, consuela y construye. Exige, reclama y demanda. Explica, teoriza y critica. La palabra de las mujeres con voz propia resuena y se amplía en coro polifónico de voces, anunciando el fin de una era de dominación depredadora y violenta… y proclamando el advenimiento 125 de otro mundo posible. (grifos da autora)

125 A fim de manter o sentido pretendido pela poetisa, mantive o poema na sua língua original.

97  

Este poema, por sua vez, é representativo do que será mais frisado na Agenda: a questão do reconhecimento e da redistribuição dos bens sociais. As mulheres construtoras dessa agenda demonstram esse processo de autorreconhecimento enquanto sujeitas de direito e transformadoras da realidade social, não só em nível regional, mas também nos âmbitos nacionais de incidência política. É neste sentido que suas propostas envolvem a luta por reconhecimento social e político de suas identidades subjetivas e coletivas como cidadãs e sujeitas de direitos. Elas falam também do reconhecimento da dor das mulheres populares com fins de superação das diferenças e compreensão das necessidades e demandas de cada uma dessas mulheres. É também neste sentido que suas principais demandas estejam, para além do reconhecimento, no campo da redistribuição, a fim de pretender um novo modelo de desenvolvimento econômico que não explore os corpos das mulheres populares, com a consequente reconstrução de uma democracia com esse viés de gênero, de classe, de etnia. É uma proposta ampla, que pretende a transformação dos modelos sociais, alteração dos status quo e uma revisão do modelo de desenvolvimento econômico neoliberal. Isto é especialmente importante, tendo em vista o contexto atual da Mesa de Negociações, devido às considerações sobre a construção de uma paz

concreta

e

duradoura.

O

próprio

presidente

Santos,

em

seu

pronunciamento oficial do início dos Diálogos de Paz (informação verbal)126, disse que seu governo já estava construindo paz, devido à próspera economia colombiana, uma das que mais cresce na América Latina. Santos ainda foi bastante enfático em dizer que a paz estava sendo concretizada devido ao trabalho das forças militares e policiais, que cumpriam uma missão integral de combater para obter paz. Por fim, o presidente disse que seu governo acreditava que a reparação às vítimas era essencial para a concretização de uma paz estável e duradoura, tema que seu governo já havia começado a trabalhar por meio da Lei de Vítimas.

126 Discurso de Apresentação do Processo de Paz pelo Presidente da República da Colômbia,

Juan Manuel Santos, disponível Acesso em: 03 de abril de 2016.

em:

.

98   Ora, em primeiro lugar, o presidente assume que a opção pela continuidade de um modelo de desenvolvimento econômico neoliberal, como tem sido na Colômbia, seria um dos caminhos para a paz. Este modelo capitalista de desenvolvimento, entretanto, é combatido por um contingente importante das vítimas, que demonstram que o modelo atual, que explora o trabalho da população mais marginalizada, restringe as mulheres pobres e negras ao trabalho doméstico, e deve ser transformado a fim de que se construa uma paz concreta para a totalidade da sociedade. Além da Agenda de Paz já mencionada, a quinta delegação de vítimas em Havana demonstrou a necessidade de proteção dos trabalhadores e da responsabilidade social e ética que deve ter o setor empresarial. Isto é reflexo da forte perseguição aos sindicalistas e à população trabalhadora para fins de manutenção de um modelo de desenvolvimento que protege mais o capital transnacional do que a dignidade das populações nacionais. Olga Betancourt criticou a força bélica excessiva da Colômbia, refém do capital estrangeiro, ao dizer que Somos a segunda força militar com mais pessoas ativas, somente atrás do Brasil, que é, entretanto, muito maior. Tantos militares para quê? Não fazem o trabalho previsto na Constituição, que é o de preservar a soberania nacional, estar e cuidar das fronteiras, aqui isso não ocorre. Para que são utilizados, então? Estão destinados a cuidar dos mega projetos e cuidar do capital transnacional que está 127128 dentro do país. (tradução livre)

Isto levanta também a questão de que o modelo ainda empreendido pelo governo nacional é de impulsionar a força armamentista e bélica colombiana, como forma de construção da paz no país. Como já visto neste mesmo trabalho, no capítulo 01, a manutenção de uma estrutura militarista contribui para a consequente militarização dos corpos, que, principalmente para as mulheres, significa coloca-las em lugares sociais determinados coerentes

com

uma

sociedade

estruturada

em

um

contrato

social

heteronormativo/patriarcal que sustenta a violência de gênero e a exploração laboral e reprodutiva dos corpos das mulheres. 127  Anexo A, p. 131-132. 128   No original: Somos la segunda fuerza militar con más personas activas, detrás de Brasil,

pero Brasil es mucho más grande. ¿Tantos militares para qué? No hacen el trabajo de la Constitución que es para preservar la soberanía nacional, estar en las fronteras, aquí no pasa eso. ¿Para qué los utilizan? Están destinados a cuidar de los grandes mega proyectos y cuidar lo capital transnacional que está dentro del país.

99   O discurso de Santos não foi sua única manifestação pública que vincula paz e políticas de segurança; na reunião feita entre mulheres Nobel da Paz e Jineth Bedoya, em Cartagena, em fevereiro de 2015, o presidente Santos, para além de se comprometer com o tema da violência sexual em Havana, disse que as forças policiais serão fortalecidas, e que portanto não diminuirá o envio de recursos para garantia da força policial (DÍAZ M., 2015). Para além da promoção de uma política econômica neoliberal e de um sistema político e social extremamente militarizado, Santos ainda mantém forte relação com os Estados Unidos da América (EUA), que possuem diversas bases militares no país e contribuíram fortemente com o conflito armado colombiano; no âmbito dos próprios Diálogos de Paz, o Secretário de Estado estadunidense foi recebido para obter, em primeira mão, informações a respeito do processo de paz (MESA DE CONVERSACIONES, 2015b). Essa forte relação pode justificar o por quê, por exemplo, da Lei de Vítimas não ter definido responsabilidades para os Estados estrangeiros que contribuíram para a continuidade do conflito armado, como os EUA, por exemplo. Como bem diz Olga Betancourt, Em nível internacional, colocaram-na [a Lei de Vítimas] como a grande, o melhor que nos passou, mas para nós [Andescol] não, pois não define ressarcimentos estatais, não define a responsabilidade do Estado colombiano nem de outras nações que participaram de todo o tema armamentista no mundo, Israel, Estados Unidos da América (EUA), que trouxeram e fabricaram um arsenal de guerra aqui, os EUA participaram diretamente do conflito, financiando um orçamento nacional para a guerra a partir de que saímos no Plano Colômbia, e os diferentes planos que se desenvolveram no marco de combater a insurgência e o narcotráfico. E então, não importa quem seja, mas senão tudo que envolve a doutrina de segurança nacional me parece 129130 suspeito. (tradução minha)

É preciso, pois, pensar se, mesmo mantendo um modelo de desenvolvimento econômico neoliberal, com uma proximidade política, diplomática, militar e econômica muito forte com os EUA, será possível, no 129  Anexo A, p. 128-129. 130 No original: A nivel internacional la han puesto como la gran, lo mejor que nos ha podido

pasar, para nosotros no, pues no define presupuestos, no define la responsabilidad del estado ni de otras naciones que han participado en todo el tema armamentista en el mundo, Israel, Estados Unidos de América (EEUU), que han traído y han venido a fabricar el arsenal de guerra aquí, EEUU participa directamente en el conflicto, financiando un presupuesto nacional para la guerra a partir de lo que salimos en el Plan Colombia y los diferentes planes que se han desarrollado en el marco de combatir la insurgencia y el narcotráfico. Y entonces, ahí no nos importa quién sea, pero sino que todo el mundo me parece sospechoso bajo la doctrina seguridad nacional.

100   universo de pós-conflito, estabelecer as responsabilidades desse país no que tange às violações dos direitos das vítimas. Esse clamor não é tão localizado: na Agenda de Paz produzida pelas mulheres populares da localidade do Kennedy, bairro de Bogotá, um de seus postulados para a concretização da paz é o “cessar-fogo por parte de todos os envolvidos na violência colombiana, incluindo os estrangeiros”131 (CENTRO DE PROMOCIÓN Y CULTURA,

2013,

p. 36) (tradução livre). Essa fala é paradigmática tendo em vista o silêncio do Governo nacional quanto à necessidade ou não de serem apuradas as responsabilidades dos Estados estrangeiros, com enfoque nos EUA. Pareceume claro que, ao menos no que diz respeito a um certo grupo de mulheres vítimas em Bogotá, isto faz parte do que se entende pela busca da verdade que deve ser construída em um pós-conflito, e também incorpora

a

necessidade de justiça para as vítimas direta ou indiretamente atingidas por ações militares dos países estrangeiros envolvidos nos conflitos armados. Para Olga Betancourt isto vai além, havendo inclusive uma suspeição quanto a tudo que se relaciona com a promoção da segurança nacional, e que o fortalecimento das políticas de segurança na Colômbia é uma estratégia temerária do governo nacional, caso se queira manter a paz no país, afinal, essa estratégia já provocara muitas vítimas no passado. Quanto às políticas de reparação como meio de alcançar a paz, já iniciadas com a Lei de Vítimas, como propugna Santos, isto não é amplamente compartilhado pelas vítimas. Olga Betancourt, como já mencionado no capítulo 02, tece diversas críticas à forma como foi construída e implementada a Lei de Vítimas, que tem em seu corpo diversas contradições que ferem os próprios direitos das vítimas à reparação. Esta Lei também colocou em destaque as organizações de defensores de direitos humanos, em detrimento das organizações de vítimas e, em especial no que afeta às mulheres vítimas, estas ficam muito à mercê das concepções, políticas e programas das principais ONGs feministas de Bogotá, que participam ativamente de processos importantes que definem os direitos das vítimas mulheres. Como já mencionado, também, as vítimas presentes nos foros regionais teceram muitas críticas à Lei nº 1.448/2011, o que me leva a concluir 131 No original: Cese al fuego por parte de todos los involucrados en la violencia colombiana,

incluyendo los extranjeros.

101   que, apesar do Governo Nacional entender que este diploma faça parte de suas conquistas frente à construção de uma paz com reparação do tecido social, ainda é preciso muito diálogo com as vítimas para que se entenda suas críticas e suas demandas. E é neste contexto intensamente controverso sobre o que se tem entendido oficialmente como construção de paz, uma paz institucional, de um lado, e uma paz desde as vítimas, de outro, é que é preciso observar com cautela o Acordo sobre Vítimas produzido como o documento final do ciclo de diálogos sobre os direitos das vítimas. Este acordo132 estabeleceu o que se denominou Sistema Integral de Verdad, Justicia, Reparación, y No Repetición (SIVJRNR)133, que incorporava tanto uma Comissão da Verdade, uma unidade específica para as vítimas desaparecidas, denominada Unidad especial para la búsqueda de personas dadas por desaparecidas en el contexto y en razón del conflicto armado134 e uma Jurisdição especial para a paz, que inclui um tribunal para a paz e uma sala de anistia e/ou indulto. Este sistema de implementação do Ponto da Agenda referente às vítimas ainda não pode ser analisado à exaustão pois ainda é um esboço do que será posteriormente aplicado, isto é, apenas após o Acordo Final. Entretanto, é preciso pensar as metodologias propostas para a Comissão da Verdade a fim de assegurar que o resultado deste processo seja a apuração do maior número de verdades do conflito armado, sem priorizar um ou outro grupo, como já discutido no que se referiu à Comissão Histórica. É preciso estar alerta, além disso, para as consequências deste processo para as vítimas. Ele conseguirá recompor o tecido social? Isto é, este modelo de justiça transicional, com características de justiça não retributiva, por um lado, e de justiça retributiva, de outro, será capaz de reparar todas as vítimas nos seus anseios subjetivos e coletivos? Além disso, a sociedade colombiana precisará ficar atenta quanto à definição dos crimes que estarão sujeitos ou não à anistia e ao indulto, uma 132 O qual não fez parte do meu campo de análise em Bogotá, pois foi publicado em dezembro

de 2015. 133 Em português, Sistema Integral de Verdade, Justiça, Reparação e Não Repetição. 134 Em português, Unidade especial para a busca das pessoas tidas como desaparecidos no contexto e em razão do conflito armado.

102   vez que o princípio é que a anistia poderá ser a mais ampla possível. É preciso ser bastante cauteloso quanto à análise da aplicação das anistias, haja vista que as próprias Forças Armadas e Polícia colombianas estão envolvidas no conflito armado e é preciso garantir que as vítimas do Estado sejam igualmente ressarcidas em seus direitos à reparação jurídica. É preciso, ademais, pensar como será o tratamento diferenciado às mulheres, coordenado em conjunto com as organizações de mulheres (ONGs feministas), e se dará plena abertura às propostas das mulheres vítimas. Em outras palavras, cabe questionar se, mais uma vez, as ONGs feministas serão protagonistas da luta das mulheres vítimas. Ao que me parece, ao definir a coordenação pelas organizações feministas, o Acordo para Vítimas concede mais poder a essas organizações, que passam, mais uma vez, a determinar os destinos e as interpretações de paz, reparação e justiça, para as mulheres vítimas. Será este o caminho para a paz concreta? Estas últimas, por sua vez, e as vítimas em geral, destacaram, tanto em Havana, quanto nos Foros, bem como nas Agendas de Paz, a busca pelo reconhecimento como um dos principais pontos para a consecução da paz efetiva na Colômbia. O reconhecimento dessas populações enquanto sobreviventes, sujeitos de direitos, cidadãos, e construtores de seus próprios destinos, donos de suas próprias vidas. O reconhecimento de suas dores, capaz de criar uma memória histórica coletiva e respeitar as diferenças. A necessidade de reconhecimento também surgiu em campo, ao conversar com as vítimas mulheres, quando elas exigiam presença nos principais espaços políticos na Colômbia, quando lutavam para que suas vozes tivessem maior enunciação política. Para além do reconhecimento, me pareceu que as vítimas também demonstraram um forte apelo pela melhor redistribuição dos bens sociais e transformação social para a concretização da paz. Reconhecimento e redistribuição são, portanto, as demandas primordiais das vítimas analisadas neste trabalho135 para a melhor construção 135 Afinal, são muitas realidades e muitas as vítimas produzidas, direta ou indiretamente, por

mais de meio século de conflito. Reconhecendo os limites do meu campo de análise, que considera apenas uma parcela dessa realidade plural de vítimas do conflito, consigo estabelecer, neste caso, quais seriam as principais demandas necessárias desta parcela de vítimas para a construção da paz. Não é, portanto, uma opinião pessoal sobre o que eu acredito que deva ser feito na Colômbia, nem pretende abranger todas as opiniões das vítimas. É, por fim, o resultado de uma pesquisa que tem seus limites geográficos, temporais e

103   da paz num possível período de pós-conflito. Como o reconhecimento e a redistribuição seriam capazes, entretanto, de construir as bases para um novo período na Colômbia?

3.2 Reconhecimento, redistribuição, e fenomenologia das injustiças sociais Quando

as

vítimas

falam

em

reconhecimento,

de

que

reconhecimento elas falam, e quais as consequências políticas e sociais que se espera? Com exceção de um único caso, visto na comunicação da quarta delegação de vítimas em Havana, que propunha o reconhecimento jurídico dos direitos da população LGBTI, me parece que as demais ocasiões em que se falava sobre reconhecimento, este se dava de maneira mais ampla, não sendo restrito à esfera jurídica. Isto porque, como bem diz Olga Betancourt, “as mulheres participamos e temos um certo reconhecimento em alguns

espaços.

Mas, digamos, muitas vezes se reconhece, mas não se cumpre”136137 (tradução livre). O que Olga quis dizer é que não basta o reconhecimento jurídico, uma vez que este pode até existir, mas ser, paralelamente, insuficiente para garantir a participação política igualitária dos grupos minoritários. Assim, entendo que, para a grande maioria das vítimas, o reconhecimento não se restringe ao reconhecimento formal. Como se falou nos foros regionais, o que se pretende é um reconhecimento das vítimas não enquanto vítimas, mas como sobreviventes e sujeitos de direitos. Nas agendas de paz das mulheres populares, se pretendia um reconhecimento das mulheres como agentes de transformação social, como cidadãs. Isto tem relação direta com o que discuti e analisei no primeiro e segundo capítulos: assignar parte da população como vulnerável limita sua capacidade de agência, restringe sua condição de sujeitos de direitos. A razão humanitária por trás da gestão das vidas precárias é hierarquizada: feita de culturais, e que analisa apenas certos aspectos da realidade de certos movimentos sociais de vítimas. O que não deixa de ser, entretanto, importante, no sentido de que mesmo esta pequena parcela de vítimas pode ser entendida como um grupo social cuja fala tem valor social e político relevante, o que permite, consequentemente, a análise macro das controvérsias presentes na maneira como se tem pensado a paz institucionalmente na Colômbia. 136 Anexo A, p. 127. 137 No original: (...) las mujeres participamos y que tengamos un reconocimiento en algunos espacios. Pero digamos, muchas veces, si bien se reconoce no se cumple.

104   cima para baixo, do forte ao frágil, mantendo-o nessa condição. A definição de certa parte da população enquanto vítima, desafortunada, destinatária do apoio e da proteção da gestão humanitária, caracteriza o governo das vidas precárias, em geral invisíveis socialmente, e que são trazidas à tona por governos que se denominam humanitários. A luta pelo reconhecimento das vítimas enquanto cidadãos, sujeitos de direito, portanto, faz muito sentido se considerarmos essa realidade como sendo o que ocorre na Colômbia. Se, segundo Spivak (2010), a única opção possível para a subalternidade é intensificar e fazer a voz própria, longe de qualquer sentido de representatividade, para deixar de ser subalternos, não seria preciso que a estes seja reconhecida a possibilidade de enunciação política, ou, em outras palavras, a cidadania? Mas e quanto ao reconhecimento da dor das vítimas de que falam as mulheres populares em sua Agenda de Paz? Seria isto uma maneira de recolocá-las neste lugar de fragilidade? Enquanto vidas precárias, as mulheres populares vítimas do conflito armado não têm luto social por suas vidas e mortes: se morrem, se desaparecem, se são torturadas, estupradas, vitimadas, a sociedade não se importa, porque, enquanto vidas precárias, são invisíveis, desprezadas, e não têm o mesmo valor que outras. Penso que o reconhecimento social da dor, portanto, não se refere ao reconhecimento da condição de vítimas fragilizadas: é, na realidade, o reconhecimento de que, historicamente, determinadas populações sofreram, por ações de certos grupos, devido aos esquemas de poder que estruturavam a sociedade naquele momento. Isto faz sentido se considerado o marco analítico de Judith Butler sobre as vidas precárias, uma vez que o reconhecimento social da dor poderia ser visto como a distribuição do luto social também para aquela população. Reconhecer que determinado grupo sofreu pela guerra significa, assim, retirálo da invisibilidade, demonstrar que tem existência social e histórica e que tem valor. Reconhecer a dor das vítimas é reconhecê-las como vidas dignas de ser choradas. Portanto, quando as vítimas pedem reconhecimento enquanto vítimas ou de sua dor, não é para se colocarem neste lugar de vulnerabilidade, fraqueza, impotência. É para gritar a potência de seus corpos violados enquanto produtores de transformação social.

105   Mas de que reconhecimento as vítimas falam? Isto é, qual teoria do reconhecimento seria capaz de melhor traduzir as reivindicações descritas neste trabalho? Não é minha intenção analisar à exaustão todas as teorias do reconhecimento que existem. São muitos os teóricos que estudam a temática, com diferentes consequências. Examinar a luta dos movimentos sociais das vítimas colombianas sob o prisma das teorias do reconhecimento de maneira aprofundada seria um trabalho diferenciado, e pode ser, talvez, o estímulo de continuidade desta pesquisa. Sobre este ponto, portanto, quero apenas mencionar breves contribuições dos autores que julgo mais emblemáticos sobre o tema, Axel Honneth e Nancy Fraser, cujas teorias são em alguns sentidos destoantes, mas que podem auxiliar na análise das lutas atuais por reconhecimento na Colômbia. Por um lado, Nancy Fraser constrói uma teoria em que se considera que as lutas pelo reconhecimento e pela redistribuição não são substituíveis uma pela outra e que, na verdade, se complementam, tendo em vista as complexidades das subordinações e hierarquizações sociais, políticas e econômicas e das interações das ordens econômica, política e cultural (FRASER, 2004). Fraser (2004) entende que existem dois diferentes contextos que caracterizam as demandas das lutas levadas a cabo pelos movimentos sociais, quais sejam, os períodos pré e pós-socialismo: Nestes conflitos “pós-socialistas”, a identidade de grupo suplanta o interesse de classe como o meio principal da mobilização política. A dominação cultural suplanta a exploração como a injustiça fundamental. E o reconhecimento cultural toma o lugar da redistribuição socioeconômica como remédio para a injustiça e objetivo da luta política. (FRASER, 2006, p. 231).

A autora critica, então, essa nova onda de reivindicações138 em período pós-socialista, haja vista que as explorações materiais não acabaram após a queda do socialismo e que, portanto, o modelo de reconhecimento que leva em consideração apenas as “políticas de igualdade” não conseguiria envolver todas as lutas necessárias à superação das opressões sociais. Para a

138 Fraser fala desde um contexto norte-americano, mas pretende construir uma teoria do

reconhecimento mais geral, aplicável em países capitalistas.

106   autora, o problema do não-reconhecimento não envolve a desconsideração de identidades pessoais e coletivas, mas é, na realidade, um problema de status social, o que significa que O não-reconhecimento não é uma deformação física nem um dano cultural autônomo, e sim uma relação institucionalizada de subordinação social. Ser não-reconhecido não é simplesmente ser considerado inferior, menosprezado, ou desvalorizado nas atitudes, crenças ou representações de outros. É, isso sim, ter negado o status de parceiro integral na interação social e ser impedido de participar como igual na vida social, como consequência de padrões institucionalizados de valor cultural que constituem alguém como menos merecedor de respeito ou estima. (FRASER, 2004, p. 611).

Para Fraser (2004, p. 612), essas subordinações sociais

podem

estar institucionalizadas em diferentes instâncias: jurídica, em políticas governamentais,

práticas

sociais

consolidadas,

entre

outras

e,

independentemente da forma, a luta por reconhecimento não equivale a uma luta pelo reconhecimento de certa identidade, mas pelo combate à e pela superação da subordinação social, buscando, pois, desinstitucionalizar padrões e transformar valores. Fraser se diferencia de alguns outros teóricos do reconhecimento porque entende que essa subordinação social não está inserida apenas na ordem da cultura, mas está ligada, muitas vezes, à injustiça distributiva. É dessa maneira que Fraser entende estar mitigada a divisão entre reconhecimento e redistribuição, ao entender que estas lutas, muito mais do substituíveis umas pelas outras, devem ser complementares. Para ela, A partir desta perspectiva, a subordinação de status não pode ser entendida isolada das formas de organização econômica, nem a dimensão da justiça relacionada ao reconhecimento pode ser abstraída da distribuição. Pelo contrário, apenas examinando conjuntamente ambas as dimensões é que se pode determinar o que está impedindo a paridade participativa em cada casa, e apenas expondo e enfrentando as complexas imbricações entre status e classe econômica é que se pode determinar a melhor forma de reparar a injustiça. (FRASER, 2004, p. 619).

Por outro lado, Axel Honneth (2003, p. 113) constrói o que

ele

chama de “fenomenologia das experiências de injustiças sociais”, e se diferencia de Fraser por entender que uma nova abordagem para a teoria crítica não seria o produto da síntese de dois tipos de lutas, as “culturais” e as “materiais”, como advoga Fraser, mas a construção de uma estrutura teórica que incorpore todas as injustiças sociais e os objetivos emancipatórios de maneira unificada.

107   Nesse sentido, o autor critica a necessidade da teoria crítica de apenas trabalhar com as demandas já postas pelos movimentos sociais: para ele, existem muitas injustiças que ainda não têm a devida projeção política e, portanto, ainda não se tornaram lutas organizadas de movimentos, e seria bastante arriscado construir uma teoria, como faz Fraser, que considera apenas as agendas mobilizadas da sociedade civil. O perigo que vejo em tal relação [entre teoria crítica e mobilizações sociais] é uma não intencional redução do sofrimento social e descontentamento moral àquela fração que foi visibilizada na esfera 139 política e pública pelas organizações sociais . (HONNETH, 2003, p. 115 – tradução livre).

Honneth ainda critica Fraser, no sentido de que, de acordo com o autor, não haveria uma distinção clara entre as agendas pré e pós-socialistas defendida por Fraser, quem, por sua vez, construiu uma teoria geral das lutas contra injustiças com base nessa suposta distinção histórica, o que levantou dúvidas se “seu diagnóstico envolvia uma generalização de um contexto norteamericano”140 (tradução livre) (HONNETH, 2003, p. 118). Isto porque, conforme diz o filósofo, em alguns países europeus as lutas que Fraser denomina “por distribuição” eram inclusive mais expressivas do que as “políticas de identidade”. Além disso, A noção de que política de identidade é um fenômeno novo é, em resumo, claramente falsa. O movimento de mulheres tem raízes de no mínimo duzentos anos. As comunas eram tão importantes no início dos 1800 como eram na década de 1960. Os nacionalismos europeus do século XIX não eram exemplos das políticas de identidade? E as lutas da população negra nos EUA no despertar da escravidão? E quanto às resistências anticoloniais? (CALHOUN, apud HONNETH, 2003, p. 123)

De maneira semelhante, mesmo os movimentos pelos direitos trabalhistas incorporam entre suas lutas o reconhecimento por tradições e maneiras de viver destoantes daquela normalizada em sociedades capitalistas (HONNETH, 2003, p. 123). Assim sendo, o que Honneth procura fazer, portanto, é 139 No original: The danger I see in such an affiliation is an unintended reduction of social

suffering and moral discontent to just that part of it that has already been made visible in the political public sphere by publicity-savvy organizations. 140 No original: about whether Fraser's initial diagnosis already involves an overgeneralization of American experience.

108   (...) propor uma teoria da justiça centrada no conceito de autorrealização. (...) as lutas por reconhecimento impulsionam a ação dos sujeitos no mundo e o progresso moral da sociedade, sendo que o parâmetro de tais lutas é o anseio pela autorrealização. (MENDONÇA, 2012, p. 121).

No âmbito da fenomenologia das injustiças sociais, portanto, Honneth propõe os parâmetros de reconhecimento das sociedades capitalistas atuais, os quais, se desrespeitados, gerariam o que o filósofo denomina desrespeito, humilhação, ofensa. Não haveria, pois, nenhum privilégio das políticas de identidade em detrimento das lutas por redistribuição, como teme Fraser. A teoria do reconhecimento de Honneth é mais ampla do que a de Fraser porque propõe uma fenomenologia das injustiças sociais, abarcando tanto aquelas propostas por movimentos sociais articulados, quanto as que ainda não têm projeção política e pública. É um conceito de reconhecimento que não subdivide o conceito entre reconhecimento cultural e redistribuição material, uma vez que, para o filósofo, essa separação às vezes não é muito clara. O que Honneth propõe, pois, é uma leitura moral dos conflitos sociais. Além disso, influenciado pela teoria do reconhecimento de Hegel, e pela psicologia social de Mead, Honneth construiu uma ideia de que um reconhecimento recíproco, isto é, “os sujeitos só podem chegar a uma autorelação prática quando aprendem a se conceber, da perspectiva normativa de seus parceiros de interação, como destinatários sociais” (HONNETH, 2003b, p. 155). O autor, entretanto, considera apenas as situações de justiça e injustiça tendo por base a estrutura das sociedades capitalistas atuais. Para ele, nestas condições, haveria, então, três parâmetros de reconhecimento: o amor, o direito, e a solidariedade. A realização plena dessas três esferas de reconhecimento geraria a auto-realização, que, por sua vez, (...) não significa uma luta por autoconservação individual, como em Hobbes e Maquiavel (Honneth, 2003a). Também não se trata de uma espécie de busca pelo bem-estar individual ou da reles autoafirmação (Mendonça, 2009). A autorrealização em Honneth é um princípio normativo que revela um telos dinâmico e contextual. Trata-se de uma construção intersubjetiva, histórica e dialógica (Tully, 2000, 2004). De acordo com o filósofo alemão, o esforço perene por autorrealização alimenta processos interacionais em que atores sociais lutam para serem reconhecidos como

109   pessoas, como seres humanos e como indivíduos. (MENDONÇA, 2012, p. 121 – grifos meus).

O parâmetro de reconhecimento do amor é a esfera da dedicação emotiva, dos afetos sociais, que, no entanto, não se restringe à concepção romântica do amor sexual entre parceiros. De acordo com Honneth (2003b, p. 159), Por relações amorosas devem ser entendidas aqui todas as relações primárias, na medida em que elas consistam em ligações fortes entre poucas pessoas, segundo o padrão de relações eróticas entre dois parceiros, de amizades e de relações pais/filho.

Esta seria a primeira etapa de reconhecimento recíproco, em que “dois sujeitos se sabem unidos no fato de serem dependentes, em seu estado carencial, do respectivo outro” (HONNETH, 2003b, p. 160). Isto gera, pois, a autoconfiança a fim de se desenvolver a personalidade, e é

núcleo

fundamental de toda a moralidade, sendo responsável pela construção não só do auto-respeito, mas também da autonomia para a participação na vida pública (SAAVEDRA, 2007, p. 103-104). O segundo parâmetro de reconhecimento é o direito, ou o reconhecimento jurídico: este, por sua vez, significa o reconhecimento recíproco como pessoas jurídicas e sujeitos de direitos, tão somente possível com a conjugação de todos os direitos fundamentais (civis, políticos, sociais, econômicos e culturais). Isto tem algumas consequências, a primeira, é que os atores sociais só conseguem desenvolver a consciência de que eles são pessoas de direito, e agir consequentemente, no momento em que surge historicamente uma forma de proteção jurídica contra a invasão da esfera da liberdade que proteja a chance de participação na formação pública da vontade e que garanta um mínimo de bens materiais para a sobrevivência. (SAAVEDRA, 2007, P. 105).

Em

consequência,



é

possível

ver

que,

no

âmbito

do

reconhecimento jurídico, cabe a luta por redistribuição, uma vez que ele não só contempla “as capacidades abstratas de orientação moral, mas também as capacidades concretas necessárias para uma existência digna” (SAAVEDRA, 2007, p. 105-106). Não é possível que se tenha contemplado o reconhecimento jurídico em sua integralidade sem que existam condições concretas

que

110   salvaguardem os direitos sociais e econômicos, portanto. Isso geraria, no sujeito, o auto-respeito. Por último, o terceiro parâmetro de reconhecimento nas atuais sociedades capitalistas corresponderia à solidariedade, vinculada “à condição de relações sociais simétricas de estima entre indivíduos autônomos e à possibilidade

de

indivíduos

desenvolverem

a

sua

auto-realização”

(SAAVEDRA, 2007, p. 107). Neste âmbito de reconhecimento recíproco, os indivíduos obtêm a estima social porque contribuem de alguma maneira com a sociedade por meio de suas capacidades pessoais. A avaliação moral recíproca, pois, não significa o valor coletivo de cada indivíduo, mas o valor individual de suas funções. Em inglês, essa esfera do reconhecimento é mencionada como achievement, ou realização, e tem relação com

a

valorização do trabalho. Neste tipo de relação social, de acordo com Honneth (2003, p. 141), há uma organização hierárquica e ideológica, pois Para que algo seja classificado como uma “realização”, como uma contribuição cooperativa, é definido por meio dos valores de cada referencial normativo, que é a atividade econômica do homem burguês, independente e de classe média. O que é classificado como “trabalho”, ou seja, que tem uma utilidade especifica e quantificável para a sociedade, é resultado de uma determinação coletiva do que tem valor, e de que são vítimas todos os demais outros setores de atividades, igualmente necessários, como por exemplo o trabalho doméstico. Além disso, este princípio da ordem social representa, ao mesmo tempo, um momento de violência material, uma vez que a valorização ideológica unilateral de certas realizações profissionais e pessoais podem determinar o acesso a certos recursos para umas 141 pessoas em detrimento de outras. (tradução livre)

Assim sendo, ainda mesmo na esfera de solidariedade enquanto reconhecimento, é possível observar um aspecto de injustiça material, pois, como tem muita relação com a valorização moral das profissões e das funções exercidas na sociedade, alguns grupos, como mulheres, afrodescendentes, indígenas, camponeses, entre outros, acabam sendo vítimas do

não

141 No original: For the extent to which something counts as "achievement," as a cooperative

contribution, is defined against a value standard whose nonnative reference point is the economic activity of the independent, middle-class, male bourgeois. What is distinguished as "work," with a specific, quantifiable use for society, hence amounts to the result of a groupspecific determination of value - to which whole sectors of other activities, themselves equally necessary for reproduction (e.g. household work), fall victim. Moreover, this altered principle of social order at the same time represents a moment of material violence insofar as the onesided, ideological valuing of certain achievements can determine how much of which resources individuals legitimately have at their disposal.

111   reconhecimento recíproco e isso pode significar também a falta de acesso a certos recursos econômicos e sociais. Dessa forma, o reconhecimento relativo à esfera da solidariedade produz a autoestima nos indivíduos. O desrespeito a qualquer um destes parâmetros de reconhecimento é responsável pelas injustiças e opressões sociais e desencadeiam, em geral, ações políticas (MENDONÇA, 2012). Com

base

nessas

breves

reflexões

sobre

as

teorias

do

reconhecimento de Fraser e Honneth, e suas diferenças estruturais, é possível perceber, pois, que a teoria do reconhecimento de Honneth não é alheia às demandas

por

redistribuição.

De

fato,

ele

consegue

construir

uma

fenomenologia das injustiças sociais que é capaz de abarcar uma dimensão mais ampla das reivindicações sociais, sem necessariamente vinculá-las à mobilizações sociais. Trazer estas discussões teórico-filosóficas à realidade das lutas das mulheres vítimas na Colômbia me traz um questionamento, entretanto: as teorias do reconhecimento são capazes de capturar integralmente os sentidos dos movimentos por reconhecimento na Colômbia? É preciso pensar que Nancy Fraser fala em e de um contexto norte-americano, e Axel Honneth, mesmo propondo uma teoria que se pretende geral, constrói uma lógica de reconhecimento que funciona somente para as sociedades capitalistas. Nenhum deles questiona o capitalismo como um sistema econômico justo ou não para determinados grupos sociais. Os dois autores limitam-se a construir teorias da justiça que, no âmbito dessas sociedades, conseguiriam superar opressões sociais. Posso dizer, portanto, que não são teorias que pretendem a alteração das estruturas normativas que ocasionam as subordinações sociais. As lutas são permanentes, exatamente porque o sistema capitalista pressupõe a exploração do trabalho. Entretanto, penso que a teoria de Honneth, como proposta analítica das lutas das vítimas colombianas, em especial as vítimas mulheres analisadas neste trabalho, seja mais capaz de traduzir suas demandas

por

reconhecimento e redistribuição. Isto porque, apesar de não ser uma teoria que busque, por si só, a transformação estrutural das sociedades, apenas se limitando a entender as lutas por reconhecimento, Honneth não diz quais as agendas políticas devem pautar as mobilizações sociais, se demandas por

112   identidade, por distribuição, ou qualquer outra que os próprios movimentos entendam importantes. Em outras palavras, as lutas por reconhecimento seriam ocasionadas por desrespeitos e opressões sociais que, uma vez verificados, impulsionam a luta social. As demandas podem ser muitas, inclusive por transformações nas estruturas do próprio capitalismo: e isso não é vedado no universo teórico da fenomenologia das injustiças sociais construído por Honneth. Para além disso, o filósofo é mais capaz de traduzir as lutas por reconhecimento que se analisa neste trabalho exatamente porque as mulheres populares buscam em primeiro lugar, em suas agendas de paz, um autoreconhecimento enquanto sujeitas de direito e transformadoras da realidade social. As vítimas da Mesa Autônoma exigem que suas vozes reverberem nos espaços políticos majoritários. Todas essas demandas refletem que a autorealização dessas mulheres está claramente impedida de se aperfeiçoar, o que demonstra o desrespeito de que fala Honneth. É preciso o reconhecimento recíproco para a produção tanto do auto-respeito, da autoestima e da autoconfiança. Se desrespeitadas essas esferas de reconhecimento, são motivadas as lutas sociais que hoje se pode ver no contexto colombiano. Lutas estas que, ouso dizer, são também demandas por uma reconstrução dos novos parâmetros da democracia no período pós-conflito. Afinal, se grande parte da população não é reciprocamente reconhecida como sujeitos de direitos, nem têm a estima de transformar a sociedade com sua produção, é possível afirmar que o projeto democrático está de fato sendo realizado? Com uma breve análise da teoria democrática de Dewey e dos aportes das teorias descoloniais, será possível pensar em abordagens diferentes para a reconstrução da democracia colombiana pós-confilto.

3.3 Um novo projeto democrático como construtor de paz: a teoria democrática de Dewey e a epistemologia descolonial Não há dúvidas de que “a luta por justiça gera democracia ao mesmo tempo que depende dela” (MENDONÇA, 2012, p. 130). E é neste sentido que tomo emprestadas as reflexões de Ricardo Fabrino Mendonça, que

113   analisa a existência de uma teoria democrática atravessando a teoria do reconhecimento. Em outras palavras, por meio de reconhecimento, é possível transformar a democracia. Mendonça constrói essa reflexão utilizando a teoria do reconhecimento de Axel Honneth e a teoria democrática de John Dewey. Dewey desenvolve um belíssimo conceito de democracia que não a restringe a um sistema de governo. Para Dewey, há uma radicalidade no processo democrático, relacionado aos ideais da democracia. Para ele, portanto, Não basta compreender o funcionamento do sistema político e aperfeiçoar suas instituições. É preciso ter muito claros os fins da democracia para que se pensem meios adequados de realizá-los. Para Dewey, tais meios não estariam prontos em instituições como o sufrágio, as eleições periódicas e a regra da maioria. A democracia é, de acordo com ele, um projeto que se refaz o tempo todo, e sua radicalidade reside nessa natureza dinâmica. ‘Uma vez que as condições da ação [...] e do conhecimento estão sempre mudando, o experimento precisa sempre ser re-tentado; o Estado deve sempre ser redescoberto’ (Dewey, 1954, p. 34). Sua aposta é nos sujeitos como atores da história, capazes de estruturar a vida comunal de modo a possibilitar a autorrealização coletiva. (MENDONÇA, 2012, p. 124) (grifos meus)

O que é inovador na ideia de Dewey é que, para ele, a democracia tem um sentido mais amplo do que exemplificado na estruturação do Estado, mesmo quando ela se dá de maneira exemplar: para ser realizada, precisaria afetar todas as esferas da sociedade, uma vez que a interdependência é inerente às transações humanas (MENDONÇA, 2012, p. 125). O que ele quer dizer com isso é que, uma vez havendo essa interdependência, as ações de todos os indivíduos têm influência nos demais e que, portanto, não basta que os ideais democráticos embasem as instituições de Estado: toda a sociedade precisa ser influenciada para construir o projeto democrático. De acordo com Mendonça (2012, p. 132), Dewey constrói uma democracia ampliada, “que se manifesta como forma de vida”, não bastando, assim (...) democratizar o sistema político. Como já apontava Dewey (1954), mais da mesma democracia pode até ser antidemocrático. É preciso democratizar as relações sociais, transformando a democracia em uma forma de vida que embasa e fortalece a existência comunal. É preciso perceber as várias desigualdades incrustadas no cotidiano que limitam a liberdade dos sujeitos e a possibilidade de autorrealização. É preciso combater as práticas sociais que inviabilizam que certos sujeitos participem da

114   configuração coletiva da sociedade em que vivem. (MENDONÇA, 2012, p. 132) (grifos meus).

Note-se que é uma demanda das mulheres populares, em sua Agenda de Paz, a realização de uma democracia real, uma vez que, de acordo com elas, haveria uma democracia como forma de vida e uma democracia como forma de organização e governo. Para elas, Como forma de vida, a democracia possibilita o desenvolvimento em condições justas, equitativas, participativas e amorosas. Refere-se à vida, às relações entre humanos e humanas, à água, à terra, todos os seres vivos. A democracia real supõe o pleno gozo da vida e o pleno compromisso com a construção de mulheres atoras políticas e sujeitas de direitos no reconhecimento das diversidades territoriais, 142 culturais e de gênero que nos constituem. (PEDROSA, 2014, p. 29 – tradução livre)

Se a teoria do reconhecimento é uma maneira de pensar formas de superar as opressões sociais, e a democracia, em sua radicalidade, deve pautar as relações sociais, haja vista que todo indivíduo é interdependente dos demais (o que, inclusive, comunica com a noção de precariedade defendida pela Butler, como visto no capítulo primeiro) e, portanto, é preciso coibir as práticas sociais que inviabilizem a paridade da configuração coletiva, é possível afirmar, sim, que existe uma base democrática nas teorias do reconhecimento. Ou, colocado em outras palavras, o reconhecimento auxilia nas pautas democráticas sociais. Honneth, por meio de fenomenologia das injustiças sociais, também pressupõe a natureza relacional do reconhecimento e das possibilidades de existir com auto-respeito, autoestima e autoconfiança. Nesse sentido, Honneth contribui para pensar que as justiças ou injustiças sociais não se dão apenas de cima para baixo, do Estado aos cidadãos, mas ocorrem horizontalmente, em todas as instâncias sociais. É nesse sentido que é possível conectar a teoria democrática de Dewey e a teoria do reconhecimento de Honneth, pois ambas refletem a urgência de que os ideais democráticos se espraiem em todas as estruturas da sociedade.

142 No original: Como forma de vida, la democracia posibilita el desarrollo en condiciones

justas, equitativas, participativas y amorosas. Cuida la vida, las relaciones entre humanos y humanas, el agua, la tierra, todos los seres vivos. La democracia real supone el pleno goce de la vida y un pleno compromiso con la construcción de mujeres actoras políticas y sujetas de derechos en el reconocimiento de las diversidades territoriales, culturales y de género que nos constituyen

115   E vou além: no caso da Colômbia, mais do que a reconstrução dos ideais democráticos, não seria preciso também uma descolonialidade das máquinas de poder? Explico-me: as teorias políticas descoloniais entendem que, com o advento da Modernidade, se forjaram padrões coloniais de poder (MIGNOLO, 2009, p. 11), traduzidos em modelos de controle e gestão social e econômicos, com a consequente formação e controle de subjetividades, normatividades sexuais e de gênero. A retórica de salvação trazida pela linguagem do desenvolvimento tão presente nos discursos modernos pressupunha, por outro lado, as explorações e controles imperiais. Para os descolonialistas, o que se vive na Europa hoje é a modernidade, cujo irmão é a realidade latina de colonialidade, exploração. Ainda que não sejam mais colônias propriamente ditas, os países apresentam, como herança deste período, as colonizações dos saberes e dos poderes. Em outro sentido, é possível pensar que os modelos teóricos, econômicos e políticos são heranças modernas e coloniais que, se aplicados no contexto latino, contribuem com a continuidade da colonização do pensamento. A teoria política descolonial não é dos (...) castelhanos, nem dos portugueses, mas dos indígenas e africanos escravizados e posteriormente libertos, que refletiram sobre suas experiências e de sua gente frente ao tratamento que receberam dos castelhanos, portugueses, ingleses, franceses e 143 holandeses (MIGNOLO, 2009, p. 09 - tradução livre)

E, portanto, o descolonialismo pretende a criação de “princípios éticos e formas de governo não embasados na suposta superioridade da agência europeia”

144

(MIGNOLO, 2009, p. 09 – tradução livre). A herança da

colonialidade dos saberes são o racismo, a mestiçagem, o sexismo, a exploração laboral e que, portanto, apenas partindo da experiência e

da

diferença colonial (à qual Mignolo se refere como a inferiorização de certos grupos e comunidades humanas) é possível criar propostas de descolonização dos poderes. Para tanto, é preciso se apropriar 143 No original: (...) castellanos mismos, ni de los portugueses, sino de indígenas y africanos

esclavizados y luego libertos, que reflexionaron sobre sus experiencias y la de su gente frente al tratamiento que recibieron de castellanos, portugueses, ingleses, franceses y holandeses. 144 No original: (…) principios éticos y formas de gobierno no basadas en la supuesta superioridad de la agencia europea.

116  

(...) do discurso imperial com o qual tem que, necessariamente, entrar em diálogo e confrontação. De tal experiência surgem projetos descolonizadores que, por necessidade, criam um novo tipo de epistemologia: a epistemologia ou a gnosis fronteiriça; epistemologia que surge do habitar a morada da diferença colonial. (MIGNOLO, 2009, p. 10 – tradução livre).

Não há dúvidas, portanto, de que, quando se fala em políticas de reconhecimento, também se fala da reconstrução da democracia – uma democracia, que, ouso dizer, precisa ser repensada a fim de que possam emergir projetos descolonizadores. O feminismo latino americano em construção tem lutado constantemente para se emancipar dos padrões estabelecidos nos feminismos norte-americanos e europeus. A descolonização dos saberes implica também descolonizar o projeto de uma democracia embasada em princípios liberais, nascidos de um contexto moderno. Se considerarmos o caso específico da Colômbia, é preciso questionar se a democracia colombiana, como está posta no momento,

é

capaz de transformar as estruturas da sociedade a fim de gerar paz. O projeto democrático institucional foi formalizado numa Constituição pouco inclusiva, e o processo de paz atualmente em trâmite corre os riscos de cometer os mesmos equívocos. É preciso reconhecer que “mais da mesma democracia pode até ser antidemocrático” (MENDONÇA, 2012, p. 132), e que isso não é diferente para a Colômbia. Não basta criar estruturas para a construção das verdades históricas e sociais, se seus membros somente são majoritariamente homens brancos. Não basta construir um projeto para as mulheres vítimas, se a coordenação dele está nas mãos de mulheres brancas, acadêmicas, não diretamente vítimas do conflito. Não basta organizar um projeto diplomático para o término do conflito armado, se a política de segurança nacional mantém ou intensifica suas ações. Nem basta assumir a igualdade formal de todos os compatriotas: Se o ser negro é tal em uma relação imperial/colonial com o ser branco (diferença colonial epistêmico e ontológica), a brancura e a negrura não têm significado em relação ao referente, senão à conceitualização racial e hierárquica do mundo moderno/colonial. De modo que o problema não se resolve com políticas públicas ou pintando a todos os brancos de negros, para que não haja diferença, ou a todos os negros de brancos, com o mesmo propósito. O problema requer um trabalho frequente e minucioso de análise da lógica da colonialidade escondida embaixo da retórica da modernidade e requer projetos descoloniais para o futuro. Se na

117   matriz colonial de poder, por exemplo, o Estado e a economia estão organizados sobre a base de sujeitos e subjetividades construídas na diferença racial, a descolonialidade do ser e do saber são fundamentais para imaginar comunidades políticas e econômicas, mas também subjetivas sobre as quais emerjam éticas do com145 viver em lugar da ética do com-petir . (MIGNOLO, 2009, p. 15-16, tradução livre, grifos meus)

É preciso, pois, pensar sob quais bases violentas de exploração e colonização está construída a democracia colombiana a fim de pensar projetos descolonizadores de construção de um novo modelo de sociedade e, por consequência, um projeto de paz. A linguagem do reconhecimento é talvez um caminho inicial que pode contribuir para as iniciais transformações nas estruturas de opressão, mas não são suficientes para acabar com as estruturas coloniais de exploração. O modelo econômico, político e jurídico ainda têm raízes nos desenvolvimentos surgidos com a Modernidade e, portanto, pressupõe também um sistema de exploração. As verdadeiras mudanças somente surgirão, pois, quando as próprias instituições modernas passarem a ser questionadas. Não se trata de um projeto utópico ou impossível, mas, igualmente, não é imediato. Quem sabe ele não começa desde e pelas mulheres vítimas, por meio de um feminismo latino americano em consolidação? As violências não acabam quando um conflito armado acaba. Elas se mantêm nas relações sociais de subordinação. Nos estupros constantes às mulheres. No feminicídio decorrente da violência doméstica. Nas agressões sofridas pelas pessoas transgêneras. Na miséria sentida pela população negra. As violências mudam de perfil, se transformam, mas elas permanecem, e os grupos marginalizados continuam sendo violentados. Não haverá paz, enfim, se não houver uma reconstrução das bases nas quais se estrutura a

145 No original: Si el ser negro es tal en relación imperial/colonial con el ser blanco (diferencia

colonial epistémico y ontológica), la blancura y la negrura no tienen significado en relación al referente, sino a la conceptualización racial y jerárquica del mundo moderno/colonial. De modo que el problema no se resuelve con políticas públicas o pintando a todos los blancos de negro, para que no haya diferencia, o a todos los negros de blancos, con el mismo propósito. El problema requiere un trabajo menudo y minucioso de analítica de la lógica de la colonialidad escondida bajo la retórica de la modernidad y requiere proyectos descoloniales a futuro. Si en la matriz colonial de poder, por ejemplo, el estado y la economía están organizados sobre las bases de sujetos y subjetividades construidas en la diferencial racial, la descolonialidad del ser y del saber son fundamentales para imaginar organizaciones comunales políticas y económicas, pero también subjetivas, sobre las cuales emerjan éticas de con-vivir en lugar de la ética del con-petir.

118   democracia colombiana, se as práticas sociais que subordinam certos grupos sociais continuarem a ocorrer nessa sociedade constituída por um contrato social heterossexual.

119   CONCLUSÕES A pergunta que motivou esta pesquisa pretendia analisar o que consideram as mulheres vítimas organizadas em Bogotá por paz, quais são suas propostas para construir uma Colômbia pós-conflito, e qual racionalidade de direitos humanos seria necessária para a construção de uma nova sociedade possível. Inicialmente, para entender a necessidade de tal questionamento no universo dos Diálogos de Paz em Havana, me propus a pensar por que seria importante considerar a mobilização das mulheres colombianas. Mas não quaisquer mulheres: o enfoque deveria ser nas vítimas do conflito armado que têm uma certa liderança em Bogotá. A atual Constituição da Colômbia, de 1991, contou com uma presença ínfima de mulheres dentre os constituintes, apenas quatro, bem como dos demais grupos sociais histórica e socialmente marginalizados, como por exemplo os afrodescendentes e indígenas, e as demandas da população LGBTI foram quase completamente invisibilizadas. Isto significou que as bases formais da democracia colombiana foram construídas por uma maioria de homens brancos de classe média. E isso era reflexo de estruturas de poder que embasam toda a organização política, administrativa, econômica e social da Colômbia. Seguindo as lições de Ochy Curiel (2013), argumentei, no capítulo primeiro, que a sociedade colombiana organiza-se por meio de um contrato social

não

somente

patriarcal,

mas

heterossexual,

e

concebi

a

a

heterossexualidade como uma instituição política que, com base nas diferenças dos corpos, constrói os padrões normativos de comportamento pessoal e social, e subordina certos modos de vida. Demonstrei que é este é um tipo de controle biopolítico das vidas que distingue os corpos em choráveis, descartáveis – as vidas precárias – e os demais, e reflete as máquinas de poder que controlam as relações sociais, políticas e econômicas que produzem os corpos precários, dentre estes as mulheres vítimas do conflito colombiano. Em especial aquelas mulheres provenientes do interior colombiano, pobres, camponesas, negras, indígenas, lésbicas, bissexuais, transexuais. Assim, importante ouvir as narrativas dessas mulheres e entender suas propostas por uma paz concreta porque, histórica e socialmente, são

120   afastadas dos espaços políticos majoritários. Em seus corpos existe uma potência transformadora inexplorada. O poder penetrou violentamente os seus corpos durante os conflitos armados. Os resultados, entretanto, não geraram vítimas vulneráveis, indefesas, impotentes, como se pretende nos governos humanitários. Pelo contrário: as vulnerabilizações foram capazes de produzir os movimentos de resistência necessários. O poder violento que afligiu seus corpos é potência para resistir. Essa noção de vulnerabilidade construída por Judith Butler, demonstrada no capítulo primeiro, e que atravessa as vidas precárias, é também a potência de luta. Essas resistências foram exploradas principalmente no capítulo segundo, momento este em que analisei as narrativas produzidas em campo. Concluí que elas mesmas eram contra-discursos, na esteira de Moita Lopes (2001), e capazes de produzir empoderamento. Por meio delas, foi possível perceber os limites de inserção das líderes das organizações de vítimas nos espaços políticos majoritários de interlocução com os governos, ocupados por um outro tipo de organização de mulheres, ONGs feministas de ampla projeção nacional. Concluí que estas instituições compõem o que então denomino gestão humanitária das vidas precárias, uma vez que passam a assumir a função representatividade da sociedade civil e, por consequência, das vítimas, substituindo estas no protagonismo de sua luta por direitos humanos e dignidade. Exatamente por isto que as narrativas não representavam resistências por si só, mas diziam muito sobre as próprias lutas levadas a cabo pelas organizações de vítimas. No terceiro capítulo, com uma análise conjunta das Agendas de Paz produzidas por mulheres populares, das narrativas produzidas em campo, e das comunicações das delegações de vítimas, foi possível perceber que havia uma demanda comum pelo reconhecimento de suas dores e de sua condição enquanto sujeitos políticos ativos, capazes de transformar a sociedade. De fato, as lutas sociais das mulheres vítimas têm se concentrado fortemente na sua própria capacidade de incidir politicamente no país. A forma como se darão as Negociações em Havana e os termos do Acordo Final poderão ditar os rumos da reconstrução da sociedade colombiana. Se reproduzidos os erros da Constituinte colombiana, será possível falar em paz?

121   Para as mulheres, o processo só será legítimo e eficaz se contar com a participação ativa e plural das vítimas, se as organizações feministas forem um mecanismo de apoio na luta das organizações de mulheres vítimas, ao invés de figurarem como as principais protagonistas na temática da violência contra a mulher no marco do conflito armado. Somente assim será possível garantir seus direitos humanos. A racionalidade de resistência pressupõe os espaços de luta e

reivindicação

como produtores de uma nova dignidade possível. Mas é necessário primeiro que suas vozes sejam reproduzidas nos espaços majoritários de enunciação política. Para saírem da subalternidade, é necessário, portanto, que se desfaça uma lógica puramente representativa. Urge, pois, que seus corpos não sejam mais objetos da violência armada, militarizada, e política. É necessário que sejam corpos-agentes de transformação. As máquinas de poder que estruturam o contrato social heterossexual precisam ser pauta da reconstrução da democracia colombiana. O reconhecimento do movimento das mulheres vítimas como protagonistas de sua própria luta e sua capacidade de incidência nos espaços majoritários de poder é, portanto, o começo necessário para a transformação das bases nas quais está enraizada a tão conservadora e excludente democracia colombiana. A epistemologia descolonial talvez possa ser o caminho a seguir para a transformação radical e progressiva das ainda presentes estruturas de império presentes nas relações sociais, econômicas e políticas, responsáveis pela marginalização e exploração de certos corpos em detrimento de outros.

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127  

ANEXOS

128   ANEXO A – Transcrição de entrevista com Olga Betancourt/Andescol Entrevista realizada aos 06 de fevereiro de 2015, na sede da Andescol, em Bogotá, Colômbia. A entrevistada permitiu, por escrito, a gravação

e

transcrição de sua fala, bem como a divulgação de sua identidade. Pues desde la perspectiva que tienes, yo creo que sí, digamos, hemos ganado algunos escenarios en el marco de la participación, pero también digamos en el marco de las víctimas y de la población que hemos sufrido el conflicto armado directo, pues que creemos que también las que hemos huido con nuestros hijos somos las mujeres, de hecho, si usted mira el conflicto armado por enfoque de género, la mayoría de los hogares tienen rostro de mujer, ¿por qué? Porque digamos, la mayoría de los hombres son los que van al combate, a la confrontación, si tú miras a los actores armados en el país, en su mayoría, sus filas conforman de hombres, es mucho más grande el número de hombres que de mujeres, pero cuando se comete los hechos victimizantes, los crímenes de guerra, masacres, ¿a quién se les mata? A los hombres. Entonces finalmente las que salimos expulsadas del territorio somos las mujeres con los hijos. Entonces si bien se ha dado una participación de las mujeres es porque a nosotras nos toca asumir el rol de tener que ir a los procesos, no hay otra razón. Digamos que las mujeres participamos y que tengamos un reconocimiento en algunos espacios. Pero digamos, muchas veces, si bien se reconoce no se cumple. Ustedes tienen derecho a ser titular de la tierra, a educación, a una vivienda, una ayuda humanitaria automática, sobretodo esas cosas también hay que mirar a la ley pero también hay que mirar cómo se reglamenta, y entonces hay unos estándares que nos dejan por fuera de la aplicación de la política. Y entonces no hay derecho a tener una mejor calidad de vida para calificar los programas. Tienes que ser de la población más pobre entre lo más pobre para acceder a la ley. Frente a la ley 387, en lo que se refiere al reconocimiento de víctimas tuvimos algunas ganancias en esa lucha, porque aquí a la gente y a las victimas nada nos han dado, nosotros hemos generado esos espacios. La misma ley 387 se da por un desplazamiento masivo que se da en Antioquia.

129   Más de 15 mil campesinos desplazados del territorio; y que son asentados por un periodo de 06 meses, y dentro de tal asentamiento también hay asesinatos y mucha gente muere en el éxodos que se da. Ahí se da reconocimiento, pero también nosotros hemos hecho muchas acciones de hecho, que tiene que salir a la calle y tomarnos una bajada, una iglesia, la cruz roja, y estar en permanente movilización y eso es lo que ha hecho que se generen algunos reconocimientos y algunas movilizaciones que también se han dado en el país muy fuertes y casi que todos los derechos nos los hemos ido ganando al pulso de nuestras acciones reivindicativas pero también a través de la acción jurídica, por ejemplo, tenemos la sentencia 325 de 2004 que fueron muchas tutelas las que se han presentado, muchas tutelas a la corte, y entonces sale la sentencia, donde se reconoce que en Colombia hay una población en estado de cosas inconstitucionales y a partir de ahí sale unos autos, como el auto 092, en que participan 600 mujeres que eran beneficiadas directamente por esas tutelas, y digamos comparado con lo que teníamos antes y lo que tenemos ahora es que la ley de víctimas, digamos, se crea de espaldas a todo ese enfoque, sin reconocer, no reconoce nada de este trabajo que hicimos, y digamos nosotros en la ley 387 teníamos unos espacios con el gobierno nacional, las diferentes organizaciones del nivel nacional, pero también de nivel regional y local, que se llamaban la mesa nacional de victimas de desplazamiento forzado. No se reconocían otros hechos victimizantes, pero ahora la ley amplía su espectro, ya no somos solo desplazados, sino que entran otros hechos victimizantes, ¿qué pasa ahí también? Resulta que para uno desplazarse, en el marco de los derechos humanos, es como tener que haber muchas infracciones al derecho internacional humanitario, si está en el territorio, tendría que pasar de todo para usted desplazarse, entonces cuando usted se desplaza, te ha pasado de todo, pero

como

nosotros

no

sabíamos,

nosotros

apenas

declaramos

desplazamiento forzado. Entonces, con la ley de victimas ha habido un retroceso grandísimo. El espacio de la mesa nacional y regional, las mesas eran mesas consultivas con las organizaciones, entonces todo el material de victimas se consultaba y construía con las mesas, pero con la ley de victimas a nosotros no nos consulta. ¿Por qué ese retroceso? Porque simplemente el gobierno sabia que nosotros no la íbamos a aprobar. A nivel internacional la han puesto como

130   la gran, lo mejor que nos ha podido pasar, para nosotros no, pues no define presupuestos, no define la responsabilidad del estado ni de otras naciones que han participado en todo el tema armamentista en el mundo, Israel, Estados Unidos de América (EEUU), que han traído y han venido a fabricar el arsenal de guerra aquí, EEUU participa directamente en el conflicto, financiando un presupuesto nacional para la guerra a partir de lo que salimos en el Plan Colombia y los diferentes planes que se han desarrollado en el marco de combatir la insurgencia y el narcotráfico. Y entonces, ahí no nos importa quién sea, pero sino que todo el mundo me parece sospechoso bajo la doctrina seguridad nacional. En el plan internacional, a ellos no les toca para nada. Y también nos pone, digamos, que la reparación y indemnización se da en el marco si el gobierno solamente tiene recursos, si tengo te doy, si no hay, no te doy. Y entonces la gente anda haciendo fila detrás de eso, por ejemplo en el programa de institución de tierras, tampoco define los parámetros y la gente está ahí esperando, pero lo que sabemos es que la tierra no se entrega, y que las tierras, digamos, que tampoco se ha dado el desmonte total del paramilitarismo, y que grande parte de las tierras despojadas o la tienen grandes terratenientes, o jefes paramilitares, o narcotraficantes, ¿Y bajo qué condiciones el campesino desplazado va a regresar? Y que tampoco te va a permitir que usted llegue. El tema de tierras es que tengo que legitimar como robar el titulo. Tener un titulo no significa tener una tierra. El auto 092 no se cumple y se cambia todo con la ley de victimas. En esa ley, pues yo creo que para mí, sí hay exclusión de las mujeres, porque una cosa es como funciona el sistema de la atención en Bogotá y otra cosa como funciona en la ciudad en la región, y otra como funciona en las partes lejanas donde la instituciones no llegan y no alcanzan, pero que hay victimas del conflicto, a esa población ni siquiera se la atiende y ellos no saben la ruta de acceso a sus derechos. Aquí me han dado cuenta que muchas mujeres han reportado violencia, hechos victimizantes, en el marco del conflicto, y yo pienso que algunas tienen garantias de derechos, medidas cautelares de la corte constitucional, y tienen medidas especiales de protección esas cosas, dónde ellas han podido acceder a algunos programas especiales, pero aquí también sucede que las grandes plataformas son las que dirigen esos programas de las

131   mujeres victimas. Y nosotros no somos bien vistas en eses espacios. Son ONGs, Sisma Mujer, Casa de la Mujer, Ruta Pacífica, son mujeres bien preparadas que tratan todo el tema de género, y que finalmente captan esos espacios y son las que tienen mayor interlocución con el gobierno, y digamos asumen la tarea de ayudar a llevar el perfil a las mujeres lideres, ellas deciden con qué mujeres trabajan y con cuales no, y las que entran al circulo son las que reciben algún beneficio, pero las que no estamos en ese circulo no podemos acceder a ningún programa de ellas. Ahora en el marco de proceso de paz, las mujeres victimas directas del conflicto no fueron las que fueron representar a las mujeres victimas en La Habana, pero las directoras de esas ONGs, mira que hay una exclusión muy fuerte porque las victimas no han tenido siquiera la voz de las propias mujeres victimas, no han podido acercarse a ese espacio de interlocución muy importante. No trabajan con todas, yo conozco algunas, nos sacaron del grupo entonces no pudimos acceder a los programas, y Andescol fuimos utilizados como plataforma cuando ocurrían victimizaciones en la ciudad, entonces, sí, yo personalmente tengo una bandera frente a esas ONGs y frente a las mujeres que trabajan en eses espacios. Lo otro es porque Andescol sí trabaja con mujeres, somos muchas, pero decimos aquí que fueron afectados algunos grupos sociales, pues decimos que la lucha es de clase, y no de género, es un espacio donde podemos trabajar con hombres y mujeres respetando la identidad de cada uno. Esas ONGs encasillan a que uno tiene que tener una pelea de género con los compañeros del proceso. El tema de género que llega a Habana fue un proceso construido principalmente por organizaciones que excluyen algunas mujeres. Tienen mejor estructura, mejores profesionales, tienen mayor relacionamiento con las organizaciones del gobierno, ellas tienen y cobran mayor peso. No es como aquí, que ni tienes un computador, que ni sabe como organizan las instituciones del gobierno, ni sabe moverse en la ciudad, pero tengo que pensarme que soy un sujeto político que puedo opinar. Así nos pone en condiciones diferentes, porque no hay un sueldo, que tengo una oficina y puedo sentar y pensar. Aquí tenemos miles de roles antes que podamos sentar a construir.

132   Si estás en los espacios de interlocución con el gobierno, en las mesas, así es más fácil ser reconocida victima. Esas mesas que hay ahora con la ley de victimas ni siquiera se parecen a las que habían antes, hay una gente que va por lo personal, no son mesas que se esté pensando orientar las victimas del país, está en las manos de la institución, del gobierno. No hay gente que esté pensando en una verdadera reivindicación. Hay muchas victimas mujeres que no fueron reconocidas victimas. No sé mucho acerca de violencia sexual, porque eso no se dice, eso se esconde. Se dice más violencia sexual que de género. Violencia sexual, en el marco del conflicto, te hayan violado, incluso por las fuerzas armadas, pero si una mujer llega y dice que fue violada por un militar, no va a ser reconocida. Y tampoco te reconocen si dices que fuiste violada por paramilitares, no te van a reconocer porque no hay paramilitarismo, y las bandas criminales no son comprendidas, oficialmente, como actores del conflicto, no tienen ningún tipo de organización. La mayoría de los casos de violencia sexual se quedan en la impunidad. Entramos en otro momento, podemos avanzar hacia a la paz con justicia social. Sería muy egoísta de nuestra parte no querer vivir en otras condiciones de dignidad como pueblo, si no hacemos eso ahora, ¿Qué clase de país vamos dejar a las nuevas generaciones? Yo creo que sí las mujeres ganamos un espacio. Pero el acuerdo con las FARC tiene que ser con la gente que es victima. Hay un desarrollo en los escenarios, las mujeres y las victimas no podemos dejar pasar nuestro protagonismo. Las ONGs han ayudado a posicionar el tema y las problemáticas en el nivel mundial, pero también tiran provecho de esa situación. Las organizaciones internacionales fueron importantes, pero como tienen un mandato, acuerdos para poder estar en el país, casi le dan la cuerda al gobierno. Miro a las organizaciones internacionales que hacen algunos aportes, pero impulsan toda la línea institucional, para crear una capacidad logística institucional, sensibilizar a los funcionarios, para que las personerías atiendan victimas, financian también las grandes plataformas. Son limitadas.

133   Para las mujeres, el tema de la militarización, es una problemática, los militares, por ejemplo, toman su base en una comunidad indígena, y ahí se va el tema de mantenencia de la comunidad, porque embarazan todas las niñas, y eso afecta la cultura, y tampoco responden por la paternidad. Con el Ejército de EEUU también muchas mujeres tienen hijos con ellos, pero ellos no responden y aquí no hay ninguna ley y jurisprudencia que haga que esos militares tengan alguna responsabilidad. Y ahí ellas tienen que asumir la jefatura del hogar. Somos la segunda fuerza militar con más personas activas, detrás de Brasil, pero Brasil es mucho más grande. ¿Tantos militares para qué? No hacen el trabajo de la Constitución que es para preservar la soberanía nacional, estar en las fronteras, aquí no pasa eso. ¿Para qué los utilizan? Están destinados a cuidar de los grandes mega proyectos y cuidar lo capital transnacional que está dentro del país. Pero también si no hay quién ¿para qué tantos militares?

combatir

134   ANEXO B – Transcrição de entrevista com Ochy Curiel Entrevista realizada dia 09 de fevereiro de 2015, na Universidade Nacional da Colômbia. A entrevistada permitiu, por escrito, a gravação e transcrição de sua entrevista, bem como a divulgação de seu nome. Porque parece ser que una de las cosas que si quiere negociar para que no se reconozca como crimen de lesa humanidad es el tema de la violencia sexual, a pesar de que las FARC están diciendo que reconocen, y no sé qué, parece que eso no necesariamente va a entrar en las negociaciones como se era de esperar. Te recomiendo un colectivo que se llama Mujeres por la Paz. En la Mesa hay varias organizaciones, está Ruta, Sisma, Patricia Ariza. En términos de mi visión sobre esto, bueno, primero yo creo que muchas de las organizaciones de mujeres feministas tienen una visión bastante universal de las mujeres, yo estuve en la Ruta y una de las razones por las cuales yo salí era esa visión que se tenía, uno de sus slogans era “las mujeres no parimos ni hijos ni hijas para la guerra”, era como todas las mujeres estuvieran metidas en un solo saco, el tema del racismo era fundamentalmente analizado en decir “y las más afectadas son las mujeres afro indígenas”, no se hace un análisis conectado sobre la guerra, el racismo, el régimen heterosexual y el clasismo como sistemas de opresión que derivan, en efecto, sobre las mujeres, entonces esa es una diferencia central que tengo con la mayoría de las organizaciones, además de su institucionalidad y además que la mayoría está dirigida por la misma persona hace 20 años, bueno, todo eso. Pero, digamos, yo particularmente hice un pequeño texto para una discusión que tuvimos en la mesa una vez, rescatando las visiones feministas, y entre las cosas que yo entendía es que la violencia sexual forma parte de la apropiación de las mujeres, y esa apropiación se hace fundamentalmente en ciertos territorios, en ciertos lugares, donde tu haces un análisis del racismo estructural, con, también, la extensión, expansión del capitalismo a través de un mega proyecto, es decir, no es casual que los territorios donde fundamentalmente se ubica eso es donde están instalados, fundamentalmente, los megaproyectos. Como tu dices, las mujeres se las utiliza como un botín de guerra, eso hay que desmenuzarlo, es utilizado como slogan, pero hay que

135   concretizar como se hace ese asunto. Esa es una diferencia que tengo con muchas de ellas en el sentido de que... y además es una lógica totalmente liberal, pensar que el conflicto armado y los efectos con las mujeres es que son mujeres y ya, creo que hay que complejizar el análisis. Obviamente en algunos textos tú vas a ver que está relacionado con el racismo, pero creo que las investigaciones les falta mucho complejizar esto, y sobretodo verlo de manera sistémica, donde los efectos de las mujeres es un efecto, digamos, esa relación sistémica, como funciona la neocolonialidad las relaciones de opresión. Por otro lado, por ejemplo, la mayoría de las organizaciones de mujeres afro, una de las cosas que me di cuenta cuando llegué en Colombia es que tienen una lógica bastante culturalista en la acción política, pero muy poco hay de análisis de también como actúan esos sistemas de opresión en sus propias vidas. Es decir, las mayoría dicen que son afectadas por ser mujeres negras, pero muy poco hay en términos de una visión de como funciona el racismo en Colombia particularmente, en ese lugar particularmente, o sea, por qué hay y por qué esas mujeres. ¿Qué eso tiene que ver con una cuestión mucho más general de geopolítica? Claro que la mayoría son organizaciones de mujeres pobres, que no tienen acceso a la academia... y entonces, yo también

parto

de

la

idea

de

que

el

feminismo

en

Colombia

es

hegemónicamente institucional, entonces la mirada y las lógicas de la política feminista están inmersos en una cuestión totalmente liberal, y no es suficiente para analizar los sistemas de opresión. Y eso es un problema del feminismo aquí, con excepción de los últimos años, que han surgido una serie de colectivos feministas que ya están se proponiendo una otra mirada, de mujeres jóvenes. El resto es siempre una relación con el Estado, siempre aunque dicen que el Estado es patriarcal, pero de alguna manera legitiman entrar una relación con ese estado, y eso limita la mirada sobre los problemas que hay. Entonces, por ejemplo, hay un reconocimiento de que la violencia sexual es una arma de guerra de la mayoría de los actores armados, y, en ese sentido es lo que se demanda fundamentalmente es un reconocimiento de una verdad, y, por lo tanto, en ese sentido, una lógica de reconciliación tendría que tener ese reconocimiento de ha sido así y en ese caso tocar el asunto de restitución. Sin embargo, sabemos que la violencia sexual se exacerba en el ámbito de la guerra, la violencia ha siempre existido. Entonces, también ese

136   paso, cuales son las características particulares de la violencia sexual que las mujeres han sufrido toda la vida y qué pasa cuando viene la guerra, también ha sido poco profundizado. Yo creo que a nivel general que sí se tiene una consciencia sobre el tema de la violencia sexual por parte de las organizaciones, pero creo que las diferencias son los puntos de partida y la mayoría de las interpretaciones que se hace sobre eso. Por ejemplo, yo recuerdo que cuando hice ese documento en la Mesa Mujer y Conflicto Armado que decía que eso estaba ligado al régimen de la heterosexualidad, eso fue terrible, porque la mayoría de las heterosexuales pensaba que yo estaba hablando de una opción sexual, y no se trata de eso, pero que el régimen heterosexual implica todo tipo de relación social, hasta las instituciones sociales de que se deriva de ahí, como familia, pareja, y también como el estado funciona en torno eso. No se trata si me acuesto con un hombre o mujer. Yo creo que los eventos que hacen esas instituciones son bastante light, los informes son un patrón, no problematizan, son la misma cosa. No es lo mismo la violencia sexual en Buenaventura, que para las indígenas, que para mujeres urbanas. No es lo mismo, porque los cuerpos y las sexualidades tienen significados distintos. Para una comunidad es para joder al enemigo, y probablemente para otra es para disminuir el liderazgo femenino. La Casa de la Mujer son feministas antiguas del país, y de alguna manera creó la Ruta Pacífica. Hay una lógica de relación de poder que no solamente excluye mujeres, sino la visión que se tiene sobre eso. Quien escribe siempre es Olga Sánchez, quienes van a habana son ellas. Con el movimiento feminista hay una lógica de poder muy fuerte.

137   ANEXO

C



Transcrição

de

entrevista

com

Elsa

Cristina

Posada

Rodríguez/Alta Consejería para Víctimas Entrevista realizada dia 24 de fevereiro de 2015, na sede da Alta Consejería, em Bogotá, na Colômbia. A entrevistada autorizou, por escrito, a gravação e transcrição de sua fala, e permitiu que seu nome fosse divulgado. En 2011 se publicó una ley, 1448, la ley de victimas y el decreto reglamentario posteriormente creó un sistema de atención, asistencia y reparación integral para las victimas del conflicto armado. Es muy importante porque en los anos anteriores no se reconocía que en Colombia había el conflicto armado, a pesar de que el numero de victimas subía a cada ostensiblemente. Entonces, hay un sistema de atención para victimas. En el nivel nacional, se llama unidad de atención y reparación de victimas, y es ese sistema que coordina en el nivel nacional que las instituciones del estado cumplan con su deber de garantizar a las victimas el apoyo, la asistencia y la reparación integral. Y en el nivel distrital, también hay un sistema, ya de nivel local, que es un sistema de reparación integral de las victimas. Entonces, digamos que, Bogotá, por ser una de las ciudades que mayor recepción de victimas tiene, en ese momento, en las estadísticas se cuenta como más o menos 617 mil victimas en Bogotá. Entonces es una de las ciudades que tienen más victimas, casi todas, 84% victimas de desplazamiento forzado, o sea, personas que fueron expulsadas de sus hogares de origen, en razón de la violencia, y entonces se vinieron para Bogotá, a salvar sus vidas, y a buscar sus derechos. Como Bogotá tiene este numero tan grande de victimas, el alcalde Gustavo decidió que debía haber en el nivel distrital una institucionalidad muy fuerte para atender, asistir y reparar a esas victimas. Ahora, la responsabilidad de la reparación de las victimas y la atención y la asistencia es compartida entre el distrito y la nación. Porque el sistema es nacional, pero acá el distrito le compete una parte. Entonces, por ejemplo, en el nivel de la ayuda humanitaria que es como lo que el estado probé a una victima cuando acaba de llegar a la ciudad, y acaba de rendir su declaración ante el organismo de control que generalmente, antes era el ministerio publico, generalmente es la personería, o

138   la defensoría, entonces, el estado debe proveer una ayuda humanitaria inmediata, que es como una ayuda económica, para que esa persona pueda digamos sobrevivir en la ciudad en esos primeros días, meses que pasan mientras ella queda escrito en el registro de victimas que es un registro en la unidad de victimas. Entonces, hay responsabilidad compartida entre el distrito y la nación, debe haber un proceso de coordinación y corresponsabilidad entre ambos los niveles. Entonces, por ejemplo, con ayuda humanitaria, la persona llega al distrito, presenta su declaración ante el ministerio publico, el distrito le otorga la ayuda humanitaria inmediata, un auxilio económico, y a la vez lo incluye en la medida de las posibilidades, en el sistema de salud, en el sistema de educación, y esta pendiente, digamos, por que esa persona acede a la junta para acceder sus derechos. Entonces, la alta consejería es la oficina de la alcaldía mayor de Bogotá, que depende de la secretaria general, encargada de la asistencia y la atención a las victimas y de acompañarlas en su proceso de reparación, que ya es una reparación que se da ante la unidad de victimas si es la reparación administrativa, o ante la judicial, si es una reparación judicial. Entonces, la alta consejería tiene varias áreas. Una área es la atención y asistencia, esa área depende mas o menos 6 centros dignificar, que son lugares oficinas adonde confluyen diversas instituciones que prestan servicios a las victimas. Generalmente esta la personería, hay referentes de salud, hay referentes de nuestra alta consejería de victimas de cuestión de lo laboral. Entonces, hay 6 centros dignificar, y otros puntos que son más pequeños, que se encargan de velar que esas victimas accedan a sus derechos. Entonces, el área de asistencia y de atención esta encargado de velar porque funcionen esos centros dignificar y funcionen que ahí se pueda garantizar, desde el nivel distrital, los derechos para la población victima que llega a la ciudad. Ahora, allí en el centro distrital, también hay unidades de nivel nacional, pero no dependen directamente de nosotros, pero están ahí para contribuir al ejercicio de derechos. Esto en teoría, hay muchos problemas, de todo, porque a veces las ayudas humanitarias en la primera etapa las ven del distrito y en la otra etapa las ven de la nación, y en la tercera las ven de distrito y nación. Entonces, muchas veces hay demora. Hay apoyo psicosocial a las personas victimas, hay apoyo jurídico, para al acceso a la salud, a educación y

139   al tema productivo. Hay mucha demanda, entonces no todo mundo consigue alcanzar a acceder a sus derechos pues. Hay otra área, que es la e gestión, encargada de vigilar y de velar por que las victimas puedan acceder a empleos dignos, o puedan acceder al tema productivo. Entonces, ese área se encarga de hacer gestión del distrito para conseguir

proyectos

productivos.

Recursos

para

financiar

proyectos

productivos para las victimas. Hay un área que se llama reparación integral, y en esa área se hacen cosas muy importantes, que es por un lado, un acompañamiento a las victimas, acompañamiento jurídico, un estafe de abogados que les ayudan a las victimas en la presentación de derecho de petición y demandas al estado para lograr su reparación. Entonces, la alcaldía financia estos abogados que ayudan las victimas a lograr sus derechos a reparación, al tema de la accesión al servicio militar obligatorio, y otros. La restitución de tierras. La reparación puede ser administrativa, judicial, y los abogados ayudan en los dos temas. Esa área es también la área encargada de acompañar también el retorno o la reubicación de las victimas, porque muchas veces quieren retornar a sus territorios cuando hay conceptos de seguridad positivos en sus territorios, se supone que el conflicto ha bajado el nivel, entonces quieren retornar, y pueden retornar, entonces esta área acompaña ese retorno y coordina con la nación el retorno de las comunidades a sus territorios. Y también cuando las personas no quieren retornar, o no pueden retornar, hay un tema que se llama reubicación entonces las personas buscan quedar viviendo en esa ciudad o en otra ciudad, entonces, el área de reparación integral acompaña y ayuda en la garantía de los derechos de esas personas que quieren reubicarse aquí o en otra ciudad. En coordinación con la nación. Hay un área que se llama participación, nosotras hacemos parte del área de participación, y aquí hay dos equipos, que es el equipo territorial y el equipo de enfoque diferencial. Y el equipo territorial es el que esta en las localidades del distrito, que son 20, velando por llegar a las victimas en sus territorios y buscando que se promuevan y garanticen sus derechos en el nivel local, en cada localidad hay una junta administrativa local, hay una institucionalidad mas pequeña para poder garantizar el acceso de las personas a sus derechos. Entonces, las victimas, tienen los referentes territoriales y

140   entonces se esta armando una institucionalidad ahora para participación, para garantizar la participación de las victimas en el nivel local, que son las mesas locales de participación. Y nosotras desde el equipo del enfoque diferencial trabajamos por los grupos étnicos, los niños jóvenes, las personas con discapacidad, las mujeres, puedan acceder con enfoque diferencial a sus derechos específicos. Entonces nosotros, como bueno, a mi corresponde trabajar el tema de género, y hay otras compañeras que trabajan el tema afro, otra el tema indígena, otra el tema de niños y jóvenes, las personas con discapacidad en ese momento no tenemos referente ni tampoco las personas mayores no tenemos un trabajo fuerte en eso, ni en relación con las personas LGBT. Por ahí hacemos alguna o otra acción afirmativa, pero no tenemos un trabajo continuado. En cambio, en el tema de mujeres, pues sí tenemos un trabajo continuo desde que se promulgo la ley de victimas. ¿Qué hacemos nosotros desde el tema de género? Bueno. Nosotros hemos promovido principalmente la participación y la organización de las mujeres en la mesa autónoma, que tu viste el desarrollo de la mesa autónoma, que es un espacio donde las mujeres participan, desde su perspectiva de género y con la idea de incluir la perspectiva de género en las políticas publicas que tiene el distrito para las victimas, entonces, esa es una de las misiones de la mesa autónoma es posicionar el tema de género en las políticas publicas. La mesa autónoma fue una idea de la alta consejería. En cooperación con las lideresas de las localidades. La idea era articular las mujeres victimas entre ellas, que se pudiera conocer, hablar de temas comunes, generar unos niveles de organización, para hacer incidencia en el distrito, hacer

sensibilización

frente al enfoque de género. Por un lado, en Colombia hay una organización de mujeres de la sociedad civil que se llama la Ruta Pacifica, ellas han sido una de las promotores de la comisión de mujeres, para hacer esa reflexión entre mujer y paz. Porque, además, el conflicto golpea diferenciadamente a las mujeres, eso lo sabemos, pero la corte constitucional de Colombia, en un auto 092, dice que las mujeres victimas sufren un impacto diferenciado en el conflicto, por muchos riesgos de género que corren. Entre los que se cuenta: desplazamiento forzado, la perdida de su compañero, violencia sexual, esclavitud domestica en

141   el marco del conflicto, la violencia intrafamiliar, la dificultad de acceso a la tierra, la mayor victimización de las mujeres afrocolombianas y indígenas. Eso hace que las mujeres sean más vulnerables en el marco del conflicto. Entonces, frente al panorama del riesgo aumentado, la corte ordena que el estado colombiano genere unos programas en favor de las mujeres victimas. Entonces hay que hablar de dos cosas, por un lado, la construcción de agendas de paz, desde las mujeres, que en Bogotá, en articulación con la secretaria de la mujer, ha estado fortaleciendo y sacando la luz a las agendas de paz que las mujeres han construido y fortaleciendo la elaboración de nuevas agendas de paz desde las mujeres en las localidades. Esas agendas de paz tienen que ver con como a minorar nos riesgos del conflicto en la ciudad y en lo local, porque en la ciudad, muchas violencias de las regiones se trasladan a la ciudad. Muchas veces no solo se desplazan las victimas, sino también los victimarios y muchas veces que fueron perseguidas en sus regiones aquí también revictimizadas. Las mujeres victimas, en articulación con la población receptora, que son las comunidades que han vivido aquí en Bogotá, han generado unas agendas de paz para mirar como generar procesos de convivencia. Esa paz no es la de La Habana. La paz es desde las localidades, las mujeres en sus espacios, en sus casos, en los colegios. Y la otra es la participación de las mujeres en La Habana, que desde hace como ano pasado, a finales, y este ano, ha habido como una voz especial de las mujeres victimas en habana, varias mujeres victimas que son muy conocidas, o que tienen un liderazgo muy reconocido, viajaran a La Habana. Pero yo sigo pensando que las otras mujeres no escucharan con suficiencia, ni del proceso de paz ni tampoco los niveles públicos. Digamos que aquí el movimiento social de mujeres pues ha sido fuerte en las ultimas décadas, pero sin embargo las mujeres victimas todavía no han logrado posicionar una voz fuerte, y digamos que uno de los objetivos de la mesa autónoma es precisamente no solamente generar agendas de paz sino también promover y ayudar y apoyar la conformación de la comisión de verdad desde las mujeres. La violencia sexual en Colombia ha sido arma de guerra. Entonces, hay digamos un numero indeterminado de victimas de violencia sexual que no aun denunciado, porque el tema de la violencia sexual en el marco del conflicto es uno de los que más presenta índices de su registro, entonces es difícil los

142   índices de porcentaje de su registro, pero los especialistas hablan de algo como de 80 a 90% de su registro. Porque, como dicen, de 100

mujeres

victimas de violencia sexual, son 90 que no denuncian. Y también hay unas cifras altísimas de impunidad, que yo creo que las consecuencias del sistema patriarcal en que vivimos, en consecuencia del machismo, y también los operadores de justicia y de los investigadores, lo cierto es que la cifra de impunidad es de 94%, o sea, de 94 a 98%, eso significa que esas mujeres que denuncian muy poquitas han logrado conocer la verdad y reparación, justicia verdadera. Entonces tiene que ver con dificultades probatorias, pero tiene que ver con el hecho de que los operadores de justicia y las operadoras de justicia no están adecuadas para enfrentar la magnitud del problema y la dificultad probatoria. En eso se ha avanzado lentamente, sigue siendo un tema silenciado, entonces tenemos mucho que trabajar, sobretodo para que las victimas puedan acceder a la verdad, a la justicia, y también a la sanación. Hay relación entre la paz local y la de La Habana, porque te digo, las mujeres lideresas tienen un liderazgo en nivel local, hay otras un liderazgo distrital, y hay otras que tienen un liderazgo nacional, y las mujeres que son muy visibles en el nivel nacional han viajado a La Habana o tienen la posibilidad de interlocutar con la mesa de negociación. Acerca de la diferenciación entre Mujeres feministas defensoras de victimas y victimas, que no sienten representadas en La Habana. Eso es más o menos verdad, pues sí es cierto que las mujeres no están muy representadas en La Habana, aunque por ejemplo nosotros hemos tenido diálogos por Skype con las mujeres en la guerrilla, y ellas dicen que sí hay consideración acerca del tema de género, pero eso todavía, digamos que es un proceso. Pero yo sí sé de mujeres víctimas que han viajado a La Habana, ahora, pero no puedo dar fe de cuanto sus voces han sido escuchadas, sé que de manera simbólica han sido invitadas mujeres victimas, también defensoras de victimas a La Habana. Pero yo me imagino que eso es un proceso largo, porque además que la voz de la mujer sea escuchada en La Habana, depende también que aquí haya una comisión de verdad de mujeres, porque no es solamente que hay una o dos, o cinco mujeres victimas viajando a La Habana, es necesario que haga una comisión de verdad para juzgar los crimines específicamente cometidos

143   contra las mujeres, con énfasis en la violencia sexual, y no solamente eso, en la violencia domestica, en el despojo de tierras que ha sido también cometido que ha sido cometido mayormente contra mujeres. Mayormente quiero decir, digamos con la fuerza. Entonces digamos que esa comisión de la verdad desde las mujeres tiene que partir de los riesgos de género y de las victimizaciones especificas de género, inclusa la violencia sexual. Y generar también una ruta para llegar a la justicia y a la reparación para las mujeres. La violencia en el conflicto hace parte de un continuum de violencia, entonces las mujeres están inmersas en ese continuum de violencias, y muchas veces hay violencia en el interior del hogar y muchas veces hay violencia del conflicto, las dos son hijas de un sistema patriarcal, son como la consecuencia de un sistema patriarcal. Pues, hay muchas formas de la violencia sexual. Pero lo que yo pienso que nos hace identificar la violencia sexual en el marco del conflicto es que es cometida por uno de los actores armados que están en el conflicto, los grupos guerrilleros, paramilitares y el estado mismo, con sus fuerzas militares. Entonces lo que se dice violencia sexual en el marco del conflicto es que los actores victimizantes están involucrados en el conflicto, sean legales o ilegales. Creo que eso está relacionado con el movimiento social de mujeres, porque digamos que han generado y han promovido la organización de las mujeres y han promovido que la voz de las mujeres sea escuchada desde su especificidad porque mismo que hable una mujer desde la perspectiva de género. Entonces digamos que ha habido un movimiento social de mujeres muy fuerte, y creo que eso ha propiciado la organización de las mujeres y también creo que como el conflicto ha generado muerte de sus hombres, entonces las mujeres han visto la necesidad de organizarse para generar mas fuerza y para generar redes de apoyo. Pero yo pienso que el movimiento social de mujeres ha contribuido en gran parte a que la voz de las mujeres sea escuchada y la voz de las victimas. Y además de eso sacan fuerza para asumir el liderazgo para defensa de los derechos de las demás mujeres. Sobrepusieron todo el dolor para generar liderazgo. Acerca de las mujeres en la guerrilla: Lo que escuché de la boca de ellas, en una conferencia, es que ellas están ahí por su elección. Porque

144   también hay un mito, se dice que todas están ahí porque fueron reclutadas contra su voluntad, y creo que también hay muchas que decidieron tomar las armas contra un régimen injusto y patriarcal, aunque no creo que no encontraron el machismo ala, pues hay una fuerte estructura patriarcal al interior de sus vidas, pero creo que si muchas se han ido por amor o por relaciones afectivas con los actores de la guerrilla pero muchas creo decidieron tomar las armas para generar cambios. Estigmatización de victimas mujeres: Las mujeres victimas acá en Bogotá han sido revictimizadas por amenazas de los actores armados o supuestos actores armados, llamadas telefónicas, amenazas, y muchas veces intensos, golpistas, seguimientos, y últimamente han salido unos panfletos en los que se amenaza, la mesa autónoma, casi todas están amenazadas y yo también y las servidoras que trabajan el tema de género. De manera que yo si creo que en una sociedad tan patriarcal como la nuestra, ha generado revictimizaciones. Esos panfletos son amenazas colectivas, y hay habido algunos en los que 80% los nombres son de mujeres. Pero sin embargo reconozco que las mujeres victimas han ganado voz, espacios, organización y también poco a poco van empoderándose cada vez mas y con voz política. Entonces ahora el distrito está alocado a las mesas locales de participación, y en esas mesas locales esta considerada la paridad, o sea, para cada uno de los cargos, hay que haber un hombre y una mujer, entonces van a ser espacios muy importantes para que las mujeres victimas tengan voz en lo local, y a partir de lo local también en lo distrital, y así se pueden generar mayor participación y poder exigir los derechos desde la voz de las mujeres.

145   ANEXO D – Transcrição de entrevista com funcionária não Identificada do Alto Comisionado para la Paz Entrevista realizada aos 24 de fevereiro de 2015, em um café na Zona G, em Bogotá, na Colômbia. A entrevistada autorizou, por escrito, a gravação e transcrição de sua fala, desde que sua identidade não fosse revelada. La oficina, lo que hace es encargado con todo que tiene que ver con la política de paz. Entonces eso implica procesos de conversaciones que haya, con diferentes grupos armados. Algunas de las consecuencias de esos procesos son, entonces, por ejemplo, todavía seguimos a cargo de cosas que pasaron del proceso de justicia y paz con los desmovilizados, de los grupos paramilitares. Todavía hay cuestiones puntuales y técnicas sobre los postulados, que así se llaman las personas que accedieron al sistema de justicia y paz. Entonces, ahora, por esa competencia de la política publica de paz, mas o menos desde la oficina se coordina todo que lo tiene que ver con el proceso. Entonces, mi oficina particularmente, el alto comisionado, es uno de los negociadores del gobierno, pero además internamente la oficina es la que presta primero todo el apoyo técnico para las discusiones y se encarga también de otras cosas, como por ejemplo, del tema de la participación de la sociedad civil, o sea, hay un equipo particular que se encarga de eso, de todos los mecanismos de participación de la sociedad civil. Bueno, eso grupo es un poco lo que más te interesa saber en relación con esto, y es que inicialmente solamente se encargan de los mecanismos que estaban establecidos en el acuerdo general que eran tres, los foros, los formularios (la gente hacia sus propuestas), y las visitas a La Habana de los expertos. Pero ahora tienen como un cuerpo más amplio que tiene que ver con toda una estrategia de pedagogía, entonces esa estrategia y el proceso está pensado no sólo para informar a la gente sino para empezar a consolidar esa fase de construcción de paz que van a venir después de los acuerdos. Porque en proceso de conversaciones no se pretende construir paz, sino llegar a unas condiciones para terminar el conflicto. Esa es la segunda fase y la tercera fase sí es la fase de construcción de paz. La oficina no desconoce que

146   ya hay en los territorios muchísimas iniciativas de construcción de paz, funcionen o no las conversaciones en La Habana. O sea, esas iniciativas existen hace mucho y van a seguir así que sean exitosas o no. Entonces, este equipo de participación se enfoca como en estrategia de pedagogía por audiencias, entonces hay una estrategia de pedagogía para mujeres. Digamos, está en construcción, pero no es una cosa que se construya por parte de la oficina, y que se imponga, sino que hay mucha participación de las organizaciones de mujeres. Pues son ellas que tienen presencia en los territorios, son las que saben a que audiencias llegar, como llegar, esa construcción de la pedagogía es muy participativa. Eso por un lado. Por otro lado, también en relación con la sociedad civil, en este mecanismo de la subcomisión de género que hablas se estableció que se iban a invitar a representantes

de

organizaciones

de

mujeres

durante

3

ciclos

de

conversaciones, entonces ya fueron 2 reuniones en cada una de esas fueron 6 representantes de organizaciones de mujeres y una persona representante de una organización LGBT. También hay esa parte de participación, reconocimiento de que la perspectiva más adecuada para que sean reconocidos los derechos y las necesidades de las mujeres la tienen las organizaciones y también un reconocimiento de la importancia que han tenido las organizaciones de mujeres en la construcción de paz, con todos sus procesos que ellas han mantenido a lo largo todo el conflicto. La sociedad civil también ha participado de la paz a través de diferentes mecanismos. Incluso una iniciativa muy grande que fue apoyada desde la oficina, pero fue iniciativa de la sociedad civil, que fue un evento que se hizo en octubre 2013 que se llamó cumbre de mujeres por la paz. Una cosa súper grande, con muchas mujeres de las regiones, vinieron acá, trabajaron en mesas, sacaron propuestas, entonces fue una cosa bien grande que nos salieron muchos insumos. Eso en relación con la sociedad civil. Bueno, digamos, la cumbre fue importante porque permitió la articulación de diferentes sectores de las organizaciones de mujeres y permitió visibilizar esas iniciativas que existían en los diferentes territorios, y entonces esa articulación ha permitido que se mantenga un trabajo, entonces la cumbre se ha mantenido trabajando en diferentes iniciativas pero ya no como al

147   nombre de la cumbre, lo que permitió articulaciones más grandes, y esos procesos, pues es más fácil que tenga un gran interlocutor a que varias organizaciones hablen por ellas solas, es mas fácil que haya un

proceso

grande que interlocute con el estado. Entonces la interlocución de ellas con la oficina, pues, es permanente. Pero, por otro lado, digamos ya más institucionalmente (delegación del gobierno en habana), inicialmente no había ninguna mujer en el equipo negociador, pero entonces las organizaciones de mujeres ejercieron mucha presión, una reclamación política fuerte, y en noviembre de 2013 nombraron 2 mujeres negociadoras, una que todavía está, que es María Paulina Riveras, y la que era en ese momento la alta consejera para la mujer, pero ya renunció, porque tiene aspiraciones a ser gobernadora de su departamento, ella ya no hace parte. Entonces ahora sólo hay una. Pero también hay dos mujeres en calidad de negociadoras alternas. La idea de la subcomisión salió por un acuerdo de las dos delegaciones, del gobierno y de las FARC, con el fin de encontrar un mecanismo particular que permitiera un trabajo más técnico en relación con los acuerdos y con la inclusión del enfoque de género en los acuerdo. Entonces, esa subcomisión tiene como dos tareas principales, una es revisar los textos que ya fueron acordados y hacer recomendaciones para la inclusión del enfoque de género y la otra es hacer recomendaciones para los puntos que quedan por discutir. Entonces esa subcomisión está conformada por las ambas delegaciones, por la parte de las FARC está en la cabeza Victoria Sandino, y en la delegación del gobierno está María Paulina. Y cuenta con el apoyo de dos expertas internacionales, que las dieron los países garantes, una noruega y otra cubana, una que apoya más en términos técnicos. El término es conversaciones. Digamos que mucha gente usa el término negociaciones, pero la idea para no usar la palabra negociaciones es que ya no se está negociando, porque cuando uno negocia algo es que uno está dispuesto a ceder algo, y lo que se está es mirando cómo se llega a un acuerdo, más que cediendo algo. Entonces que el término que ellos prefieren utilizar es conversaciones. Ellos me refiero a los plenipotenciarios. ¿Por que? Porque hay personas que son opuestas al proceso y hubo una tensión política diciendo que el gobierno está entregando el país a las FARC, y eso es mentira.

148   Entonces cuando uno habla de negociar, es como uno va a hacer algo a cambio por algo que yo quiero, en cambio el término conversaciones es más como una cosa de puntos de vista, de debates. La mayoría de las organizaciones sociales apoyan el proceso. Muchas de esas organizaciones son organizaciones de victimas, las cuales son muy activas en rodear al proceso y en reconocer la importancia de una salida dialogada del conflicto. Pues son los principales afectados por el conflicto. Hay una participación muy fuerte que también se puede ver, es en los foros temáticos. En ellos, ha habido una participación súper amplia, de muchas organizaciones y ahora, con toda esta idea de la estrategia de pedagogía, las organizaciones también han sido muy activas presentando proyectos, buscando a mecanismos para apoyar todo el trabajo del proceso. En este momento está en discusión de punto de vistas, de se van por los mecanismos de justicia transicional. Pero adicionalmente, en el marco jurídico para la paz, que fue una reforma constitucional que se hizo en 2012, que le da carácter constitucional a los mecanismos de justicia transicional, con el fin de garantizar los derechos de las victimas, y de garantizar una aproximación integral a la justicia transicional, se crearán también mecanismos extrajudiciales para la investigación y sanción de los máximos responsables de violaciones a los derechos humanos, y explícitamente reconoce la creación de una comisión de la verdad. Entonces sí, eso es algo que sí se ha pensando pero ha establecido como va a funcionar, o sea, lo particular de la comisión no se ha establecido, pero sí, está en un instrumento que orienta como toda la asistencia integral de justicia transicional. No hay presencia de órganos internacionales, pero sí interlocución. A través de la ONU se han hecho muchas cosas puntuales, por ejemplo la visita de las victimas de las 5 delegaciones se hizo a través del PNUD y de la Universidad Nacional. Los foros también son organizados por el PNUD y por la Universidad Nacional. Entonces, sí, en ciertas cosas como para mayor objetividad se les ha solicitado el apoyo a las naciones unidas. ¿Por qué la oficina piensa que es importante la presencia de la mujer en La Habana? En principio, esa parte de reconocimiento de la presencia local de las mujeres como gestoras y como principales actoras dentro de ese proceso de construcción de paz. ¿Por qué? Porque es que la guerra ha sido

149   fundamentalmente de los hombres, entonces quienes han ido al combate han sido los hombres, quienes se han quedado reconstruyendo las comunidades después de victimizaciones han sido las mujeres. Entonces que todos esos procesos locales son muy importantes en una fase de implementación y reconstrucción de paz porque las mujeres, como que articulan a sus comunidades, y son como la correa de transmisión de la reconstrucción de la paz. O sea, como, esas personas que están activamente integradas a sus comunidades y fortaleciendo los procesos locales de construcción de paz.

150   ANEXO E – Transcrição de Entrevista feita com funcionária não identificada da ONU Mujeres Entrevista realizada aos 17 de fevereiro de 2015, na sede da ONU Mujeres em Bogotá,

na

Colômbia.

A

entrevistada

permitiu

que

eu

gravasse

e

transcrevesse, por meio de autorização escrita, sua fala, desde que não fosse identificada. El tema de mujeres está logrando que el tema esté ahí, que se hable de ello. Y te cuento brevemente cual es el papel de ONU Mujeres en este momento. ¿Qué hacen esas unidades en cuanto al proceso de paz? Hacen acompañar a las instituciones y acompañar a las organizaciones que se encargan de se posicionar y de movilizar ciertos temas de su interés, o sea, el movimiento campesino, estudiantil, diferentes sectores, y obviamente las mujeres pues tienen un rol muy importante y muy activo en el posicionamiento de ciertos temas en la mesa de negociaciones en La Habana y más allá de eso, porque tienen una postura muy firme de movimiento de mujeres aquí en Colombia en general ha sido que la paz no es simplemente la cosa que se firma en La Habana, sino que es un proceso, que se construye, que tienen unas causas estructurales también, o sea, el conflicto tiene unas causas estructurales, y que entonces la construcción de paz tiene que hacerse necesariamente incidiendo en esas causas estructurales. Como ONU Mujeres consideramos que las principales causas estructurales que afectan diferentemente a las mujeres incluso en el marco del conflicto armado tienen que ver con la violencia de género, eso es uno de los pilares fuertes de ONU Mujeres de la mano con las organizaciones de mujeres, o sea, digamos que el trabajo de ONU Mujeres es siempre acompañar el trabajo de las organizaciones, o sea, estas organizaciones han definido como central del tema de violencia de genero, que en el caso del conflicto armado, pues quiere una relevancia muy importante, y tiene especificidades concretas, como es el caso de la violencia sexual. Entonces lo que ha hecho

ONU

Mujeres es facilitar o subir la voz, digamos, subir el volumen de las voces de las organizaciones de mujeres.

151   Entonces esta es un área de trabajo, otro área de trabajo, que es uno de los ejes estratégicos de la oficina es lo empoderamiento político y económico de las mujeres porque se considera que, bueno, pues que sí, hay que analizar las causas estructurales del conflicto, porque lo propone la sociedad civil colombiana, pues no pueden quedar por fuera pues las desigualdades estructurales que hay en términos de acceso a la política y política no necesariamente la de los partidos políticos, resoluciones publicas, sino la parte política en su sentido más amplio, y la participación en el sector económico. Entonces, hay que vivenciar que esa es una desigualdad estructural entre los hombres y mujeres, que si no se inciden ellas, si no se intentan cambiar esa situación, es difícil hablar de paz. Entonces, digamos, si no se inciden esas estructuras de desigualdad, por mucha paz que se incide en La Habana, pues va a ser difícil hablar de una paz duradera, estable. Entonces, básicamente, el rol de ONU Mujeres ha sido ese, ha sido acompañar y facilitar espacios para que las organizaciones de mujeres que llevan muchos años trabajando, más años que lleva ONU Mujeres en Colombia, pudieran posicionar de manera más efectiva esos tema en la mesa de negociaciones en La Habana. Entonces, pues ONU Mujeres ha acompañado a las diferentes delegaciones de víctimas, ha acompañado a las diferentes delegaciones de organizaciones de mujeres, que ha habido dos, muy recientemente, para posicionar los temas que tienen que ver con género. También ONU Mujeres acompañó la reciente visita de dos mujeres Nobel de Paz, entonces, aunque no sea una intervención directa en el proceso de paz en La Habana, pero un poco todo el trasfondo de esa visita de esas dos mujeres Nobel, que organizaba una periodista que se llama Jineth Bedoya, que fue allá, y organizó todo, y fue acompañada y apoyada por ONU Mujeres, que fue para posicionar de manera muy firme el tema de violencia sexual como prioridad en La Mesa de La Habana, entonces esos días con el presidente Manuel Santos, en esa reunión con esas mujeres en la que estuvo presente nuestra representante, él se comprometió a llevar el tema a la mesa de La Habana. Dijo que por el 50% que le correspondía a él, que ese tema iba a estar ahí, y va a ser prioritario. Eso es histórico, ese tema nunca ha sido puesto en cima de ninguna mesa de negociación que ha habido en este país, en otros procesos de desmovilización, siempre fue un tema que se pasó por encima, como

152   escondido, como tabu, es que el presidente manifieste de una manera tan visible y pública su compromiso por llevar el tema de la violencia sexual a la mesa de negociaciones es relevante. ¿Por qué, aunque en otros procesos de paz la presencia del tema de violencia sexual y la presencia de mujeres no tenga sido masiva, en Colombia está siendo diferente? Bueno, hay que decir que, aunque haya avances, hay, creo que son dos plenipotenciarias, mujeres con plenos poderes para debatir y dialogar en la mesa de La Habana, esto no es suficiente, su incidencia de una minoría de mujeres en las que están en la mesa, y esa presencia no ha sido dada por la buena voluntad de las partes, sino por la presión del movimiento de mujeres, que ONU Mujeres ha respaldado y ha acompañado. Lo que pasa es que también pensamos, y es un poco lo que marca nuestra línea de trabajo, es que la paz no se construye sólo en La Habana, entonces dentro del país, están habiendo interesantes espacios donde se están construyendo propuestas desde las mujeres para la construcción de paz. Por ejemplo, ONU Mujeres en 2013 apoyó la Cumbre Nacional de Mujeres y Paz, que fue un hito, un momento muy importante, en todo el proceso en que se venían dando las organizaciones de mujeres en el país por construir una propuesta común, que eso había sido difícil, entonces fue un momento muy importante para que se construyera una propuesta común de las mujeres frente a la paz. Para nosotras, la paz no es sólo lo que está pasando allá, sino lo que pasa acá, lo que pasa cada día. Hace apenas 10 días el presidente se comprometió a poner el tema en la mesa, entonces yo no creo, o no tengo constancia, de que haya una definición de lo que se va considerar violencia sexual por parte del gobierno, y por parte de las FARC, entonces, todavía no se han manifestado al respecto, y queda mucho por debatir. Pero va a ser interesante ver como se llega a un consenso, va a ser complicado, eso enlaza con todo el tema de justicia transicional, del marco jurídico para la paz. Pues es como te digo, es difícil hablar… es que es un poco difícil lo que me preguntas. Porque como es un tema que recién se está considerando, las FARC todavía tienen que aceptar tratar de ese tema en la mesa de negociaciones, entonces se está considerando que se va a hablar del tema de violencia sexual, entonces es como adelantarnos a lo que va a pasar, o sea,

153   aún no sabemos como se va a poner por en cima de la mesa, de que manera se va a abordar, si se va a invitar a las victimas de violencia sexual, no lo sabemos. Esa reunión con Jineth Bedoya, que fue victima de violencia sexual, y las otras victimas, no fueron invitadas a la Mesa de Negociaciones, fue totalmente al margen de la mesa, de hecho no estaba dentro de los objetivos incidir en la mesa de negociaciones. Lo que pasa es que acabaron incidiendo, es por eso que fue un éxito, sin quererlo, incidieron. ¿Qué ONU Mujeres espera de ese proceso de paz? Cuales son los impactos reales esperados? Para nosotras, el primer paso es que estén allí, o sea, que puedan definir de manera evidente y directa, puedan incidir en el proceso de paz, entonces puedan poner sus temas en la mesa. O sea, el conflicto en Colombia es un conflicto con unas bases estructurales, que tienen que ver con la desigualdad, con el desigual reparto de los recursos, no solo entre mujeres y hombres, pero especialmente. Tiene que ver con los recursos naturales, con la falta de acceso a recursos de salud, educación, tiene que ver con todos estos temas, entonces si los sectores que han sufrido más esas causas estructurales no pueden incluir en la mesa de negociaciones pues pensamos que no se va a construir una paz verdadera, no? Entonces no es que ONU Mujeres incide en La Habana, o que pretende incidir, sino que más bien lo que hace, su función, es acompañar a las organizaciones de mujeres, a lideresas, a mujeres que llevan muchos años intentando posicionar estos temas pues ahora están las negociaciones, pero antes, en otros espacios, entonces, es acompañar y de alguna manera dar respaldo internacional a sus propuestas.

154   ANEXO F – Transcrição da Entrevista com Patrícia Ariza, da Corporación Colombiana de Teatro Entrevista realizada em 13 de fevereiro de 2015, na sede da Corporación Colombiana de Teatro, na Candelária, em Bogotá, Colômbia. A entrevistada permitiu a gravação e transcrição de sua fala, por escrito, e autorizou a divulgação de seu nome. Bueno, pues, yo creo que en este momento por lo que prevalece, por encima de todo, es hacer la paz. Claro, no a cualquier precio, es importante que Colombia sepa la verdad, que haga justicia social, y que de parte del estado hay una reparación, no solo una reparación económica, social, sino también cultural y simbólica de la reparación a las victimas. La verdad es una verdad que tiene que examinar la totalidad de la responsabilidades, porque si vienen una responsabilidad de la insurgencia, hay una responsabilidad también del establecimiento, digamos, del gobierno, de la empresa privada, de la iglesia, cuales son todas las responsabilidades que hay en esto? Cuales son también todas las verdades. Porque las guerras siempre tienden a que la gente las mire en blanco y negro, los buenos y los malos. Entonces en esto hay muchos matices. En relación a la violencia sexual, pues, no se puede generalizar. No se puede absolutizar, no se puede decir que en todas partes hay igual, porque hay una cosa por encima de todo que se llama patriarcado, que afecta a todas las clases sociales, afecta todos os estamentos, y que es algo que tenemos que contribuir a des construir, y claro, en situaciones de guerra pues eso se exacerba. Pero yo creo que hay que hacer la diferencia entre como ha sido la violencia sexual por el ejercito, por los paramilitares, y por la insurgencia. Que yo entienda, la insurgencia no tiene la política de violar a las mujeres, como política, inclusive hacen unos consejos de guerra, entonces, eso no quiere decir que no suceda, porque el patriarcado penetra en todas partes, como si, es una política de los paramilitares, digamos incluso probada con datos estadísticos. Entonces hay que mirar todas las responsabilidades completas, entonces es muy simples decir que son los actores del conflicto porque eso mete a todos en el mismo costal, y no hacen ninguna diferencia. Entonces yo

155   creo que hay que hablar de la verdad, yo soy feminista, defiendo las mujeres, hago parte de la subcomisión de género que se creó en La Habana, y me parece bien importante, creo que es la primera vez en la historia de un conflicto de que se trata de manera especifica la problemática de las mujeres, eso no ha pasado nunca ni en el siglo XX ni en el siglo XXI, ni antes, por supuesto, y fue una propuesta de la insurgencia. Aceptada por el gobierno, y convertida en una propuesta de la Mesa. Todavía la subcomisión no tiene una concepción, porque la Mesa lo que hace es que llama expertos en diferentes temas y entonces por ejemplo, ellos llaman y me imagino después crearán un informe y unas propuestas. Las que hemos ido no tenemos una posición única. Hemos ido mujeres que tenemos posiciones muy diferentes. Mi posición es que hay que trabajar, porque yo soy artista, yo creo que hay que trabajar el tema de la cultura, hacer el relato, pero el relato completo, es muy importante que haya negros historiadores, aunque solamente hay una mujer dentro de los historiadores, entonces yo creo que es el momento que las mujeres empecemos a hacer el relato, que es un relato silenciado y creo que la posición es ser más específicos en las responsabilidades del conflicto. ¿Por qué el tema de la mujer llega a La Habana? No, la subcomisión de género no es sobre la violencia sexual. Pero la mujer llega a La Habana porque para solucionar políticamente el conflicto, se necesita trabajar la justicia social de las mujeres. Yo me imagino que es que en Colombia hay un movimiento muy fuerte social de mujeres. Las mujeres han hecho cosas muy importantes, hemos hecho, movilizaciones en la calle gigantescas, en la Plaza Bolívar, hay muchas organizaciones de mujeres, entonces, eso no puede pasar desapercibido. Y hay una exigencia de las mujeres, porque la paz se suscribe en La Habana, pero se construye en el territorio, entonces hay una exigencia de las mujeres de que ese tema deba incidir en la paz. Pero no incidir de cualquier manera, sino desde las mujeres. Sí, claro, el conflicto ha producido cambios en la cultura colombiana, en todos los niveles, las mujeres no estamos exentas de eso, y pues, ha producido muchas victimas, y estas han convertido su dolor en fuerza. Las victimas en este momento son personas con propuestas políticas muy claras,

156   no todas, claro. Porque hay víctimas de víctimas, también. Hay victimarios, y hay revictimización y hay victimarios que ahora se hace pasar por víctimas, no? Entonces, en Colombia hay un movimiento muy fuerte de mujeres, entonces pero el conflicto ha cambiado la cultura, por supuesto. Por ejemplo, ha exaltado mucho, a nivel del establecimiento, la imagen de los victimarios, si tú miras la dramaturgia de la televisión colombiana, lleva como 4, 5 años presentando telenovelas donde hay narcotraficantes y de alguna manera hay victimarios. Yo creo que hay que examinar las responsabilidades por ejemplo con las mujeres victimas de las FARC directamente, ellas fueron allá y conversaron con las FARC directamente, mirándose a los ojos, y ellos explicaron, y las victimas plantearon como asunto fundamental es que ni levantaron de la mesa, y que se pudiera llegar a la paz. Yo creo que eso es muy importante, Colombia tiene que llegar a una reconciliación. Por supuesto, y entonces, para llegar a esa reconciliación, pues es necesaria la verdad, hay muchas verdades, una jurídica, de los medios de comunicación (la mas mentirosa que hay, porque los medios de comunicación tienen muchos intereses en ese conflicto, la guerra es un gran negocio para ellos, no solamente para los medios de comunicación, para la dramaturgia, eso también es un gran negocio. Y ellos tienen una verdad, pero esa verdad no es la verdad). En La Habana lo que buscan es un indagar del fondo de los orígenes del conflicto pero también de las responsabilidades del conflicto, para poder adentrar a buscar una solución. Porque el problema es encontrar una solución. El problema no es solamente.. hay que saber cuales son las responsabilidades de todos. Sí, yo trabajo mucho, digamos, el movimiento teatral colombiano ha sido un teatro muy comprometido con la realidad social y política en sus obras, entonces yo soy sobreviviente del genocidio contra la unión patriótica, trabajo mucho también con victimas y con sobrevivientes, y esa es una experiencia que me ayuda mucho también a encontrar formas renovadoras para el teatro mismo, pienso que es muy importante el trabajo creativo y artístico con las victimas porque nos permite a que convertimos el dolor en fuerza en sensibilidad social, en poesía. Transformar el dolor. Una persona solo con el dolor no puede enfrentarse a la lucha de conseguir el nunca jamás.

157   Pues, las mujeres, por supuesto, son las más vulnerables, porque digamos en el desplazamiento, la mayoría son mujeres, los hombres se matan en las guerras, y las mujeres son las que cargan con el dolor, entonces, y con la resistencia también, por eso se ha puesto tan fuertes las mujeres en este país, entonces las mujeres tienen sobre sus cuerpos muchos tipos de violencias, entonces yo pienso que por esa razón tienen que tener una mayor participación en la construcción de la paz. Y en eso estamos. Yo por ejemplo hago parte no sólo del teatro, pero también de organizaciones de mujeres, yo por ejemplo soy parte de Mujeres Por La Paz, que estamos trabajando para incidir en la paz, y para movilizar a las mujeres para la paz, pero no movilizarlas de cualquier manera, o sea, no se trata de hacer la paz solamente para que no haya guerra, sino para cambiar la política también, la política tiene que cambiarse, porque una de las razones por las cuales en ese país hay tantos conflictos sociales y también está el conflicto armado es porque la gente no tiene posibilidad de participar en política, y las mujeres menos, o sea, la gente, la oposición, la gente pobre, no tiene como participar en la política, y dentro de todos ellos, las que menos posibilidades tienen son las mujeres. Entonces eso es una situación muy grave, entonces la única manera de cambiar esto es que participemos, pero también para cambiar la política, pues la política como está ya no sirve.

158   ANEXO G – Transcrição de Entrevista com Funcionária não identificada da Unidad Victimas Entrevista realizada aos 17 de fevereiro de 2015, em um café, em Bogotá, Colômbia. A entrevistada permitiu a gravação e transcrição, por meio de autorização escrita, desde que não fosse identificada. La ley de victimas, 1448/2008, crea una institucionalidad para atender y reparar a las victimas, entre esas crea la unidad para la atención y reparación integral a las victimas. ¿Qué hace la unidad? Básicamente, digamos que con la aprobación de la ley, hay un reconocimiento real del conflicto armado, a diferencia de las dos administraciones anteriores, entonces antes no se podría decir que había victimas porque no había conflicto armado. Y de alguna forma se trabajaban, o se atendían a las victimas de desplazamiento, y algunos hechos, como homicidio, reclutamiento ilícito, pero de manera muy superficial. Había una indemnización y ya. Entonces, con la promulgación y la aprobación de la ley, se crea esa institucionalidad, que por una parte somos nosotros, la unidad para las victimas, y por otro lado está la unidad para la restitución de tierras, que se centra todo ese tema, y el centro nacional de memoria histórica, que tiene todos los temas de memoria, de verdad, como contribuir a la memoria histórica, todos los procesos. Estas 3 instituciones que de alguna forma, recogen lo que se está haciendo en los años anteriores. Entonces nosotros asumimos lo que antes era Acción Social, otra institución que trabajaba con desplazados, el centro de memoria toma en gran parte todo que la comisión nacional de reconciliación era, que era para hacer informes y informes. Entonces, nosotros, lo que hacemos, es un poco reconocer todos los registros anteriores, y lo concentramos en la unidad para las victimas. En el país, se empieza a pensar que hay un proceso de justicia transicional a partir de la ley 975, capítulo 5, que es la ley de justicia y paz. Nosotros somos un proceso administrativo de reparación. ¿Qué pasa ahora? Que todas las victimas reconocidas en el proceso judicial ellos pasan a nosotros y nosotros que trabajamos con la reparación administrativa. Somos enormes y tenemos muchas direcciones.

159   Los pasos: digamos que a mi me suceda un hecho victimizante cualquiera, hay una atención inmediata que debe cumplir el ente territorial, la alcaldía, los centros distritales. Para poner atenderlos, hay que tener el registro único de victimas, y para poder incluirlo en el registro, lo primero que hacen es una declaración, por el Ministerio Publico, Defensoria del Pueblo, Procuradoría y personerías. Son estas instancias, y son estos funcionarios del MP los que están encargados de recibir la declaración. Desde que haces tú declaración, hasta que salga una resolución. El MP envía la declaración a la Unidad para las Victimas. Hay un área que se llama la subdirección de evalución y registro, ¿qué hacen ahí? Ellos reciben todas las declaraciones hechas en el MP. Una vez que recibe, hacen un proceso de valoración. Por ejemplo, una persona dice que un hecho sucedió en tal lugar y fue por este actor armado, y ellos verifican que los grupos armados que tú habías dicho sí estuvieron operando en esa zona, que los patrones de lo que sucedió están de acuerdo con lo que sucede generalmente. O sea, hacen un análisis de la situación para decir si estás diciendo la verdad o no, es decir, si te incluyen como victima en el registro o no. No piden pruebas, porque la ley se establece en sus principios de buena fe. El único documento que pedimos, que se esta tratando de cambiar, es para un hecho muy concreto, que es el reclutamiento ilícito, y se pide un certificado que se llama CODA, que es intersectorial, donde declara que sí, tú hiciste parte de un grupo armado ilegal a margen de la ley. Entonces, se hace la valoración, y un tiempo de 2 o 3 meses, a mi me está llegando una resolución donde dice “Tú eres reconocida como victima del conflicto armado”, y hay unas consideraciones normativas. Ahí, una vez que tienes la inclusión al registro único, ahí empieza nuestra ruta, es decir, la atención que damos a las personas. Entonces, hay un primer momento de la ruta, que es de asistencia, se centra mucho en población desplazada, porque son ellos en la mayoría de los casos son los que tienen esa necesidad, porque salieron de su lugar, de salud, de educación, de alimentación, de vivienda, entonces esas son medidas de asistencia dirigidas a ellos, lo básico, para que tú puedas tener una subsistencia mínima y de manera digna. Entonces, la mayoría de las personas que están en esta etapa son las personas situación de desplazamiento, y la unidad garantiza esas medidas.

en

160   Una vez tú superas esa situación de subsistencia mínima, que empiezas ese camino de estabilización socio-económica, ya si eres victima de desplazamiento, superas esa etapa, y pasas a la etapa de reparación. Porque la idea de reparación, y como se está establecido en la ley son cinco medidas, que es la indemnización, la rehabilitación, la restitución, la satisfacción y la garantía de no repetición. Están diseñadas para impulsarte y ayudarte a construir un proyecto de vida. Entonces si hay personas que no han superado la ayuda, lo mínimo, esa indemnización y esos recursos van ser utilizados para comer, para vestirse, esa ruta si funciona esquemáticamente para la población desplazada. Para otros hechos, como violencia sexual, desaparición forzada, reclutamiento ilícito, tortura, para los otros hechos victimizantes la etapa de asistencia no está tan marcada, no es tan fuerte, porque el hecho sucedió en el lugar, seguramente, donde tu vives, y pues ya no necesita de alimentación ni de vivienda porque ya lo tienes, y pasa directamente a la etapa de reparación. Entonces, en esta etapa están las cinco medidas que comentaba y por cada medida hay una serie de acciones para garantizar el derecho a la reparación integral. Entonces, no sé si quieres saber puntual para el tema de mujeres, de violencia sexual. Mujeres que sufrieron violencia sexual, dentro de las cinco medidas, sabemos que ese hecho victimizante es diferente, no lo podemos tratar igual, de otros hechos. ¿Qué considera la unidad como violencia sexual? La tipificación es delito contra la libertad y integridad sexual. Que sea ejercida por alguno actor armado, generalmente es eso. Digamos que como eso todo tiene que ser valorado. ¿Mismo si es cometido por el ejercito? Si es cometido por el Ejército, nosotros reconocemos todos los hechos victimizantes en el marco del conflicto armado, obviamente que no va a haber una manifestación tan publica de decir, es que estos hechos fueron cometidos por el ejercito, pero sí se reconoce. No importa el actor. Bueno, entonces, para las mujeres victimas de violencia sexual nosotras desde el año pasado estamos implementando una estrategia diferenciada de reparación para ese hecho. Además que sabemos que este hecho necesita acciones en varias dimensiones, no solamente en el momento de reparación. Hay un grupo asesor de la unidad, que es el grupo de mujeres y género, y para la unidad y para nuestra directora es prioridad el tema de la

161   violencia sexual. Uno porque es una apuesta política, y es una apuesta de la entidad, porque tenemos pocos casos, sabemos que no son todos, tenemos 7mil algo, y hay mucho más, y una de las tareas que estamos haciendo que no es la etapa de reparación es antes, hay unas alianzas interinstitucionales, para la superación de ese su registro. Porque sabemos que no son 7mil. Muchas no declaran por violencia sexual, pero si por otro hecho, y a veces si han avanzado en la ruta, nos damos cuenta de ese otro hecho. Entonces hay un trabajo en un primer momento para la superación de ese su registro. Con otras instituciones se están haciendo unas jornadas, no masivas, pero sí una jornada de toma de declaración. Entonces hay una posibilidad de ampliación de la declaración. Eso es un primero momento de superar ese su registro, que toma tiempo, hay mucho temor de las mujeres, mucha desconfianza del estado y también es entendible. Con ese trabajo, hay varios procesos avanzados. La reparación tiene dos dimensiones, una individual y colectiva. Y son dos procesos totalmente distintos. La colectiva, los sujetos de reparación colectiva son organizaciones, sindicatos, grupos que estén configurados y que tengan algún interés común anterior al hecho. Hay muchos sujetos, por ejemplo, que son organizaciones de mujeres. Que fueron perseguidas, violadas en algunos casos, asesinadas muchas de sus compañeras, por ejemplo, Afromupaz. Y se han identificado muchos casos, muchas veces los sujetos de reparación colectiva pueden tener sujetos de reparación individual también. Porque puede ser que la persecución colectiva pueda ser acompañada adicionalmente de un delito contra una de ellas individualmente. Generalmente, sobretodo queremos superar el su registro principalmente en lo individual, porque la mayoría de las organizaciones de mujeres ya están empoderadas, ya hicieron denuncias, ya han hecho la declaración. Hay todo un trabajo para el tema vinculado a la denuncia, con la Fiscalía, pero también hay un fortalecimiento, tanto para las mujeres, como sujetas políticos, pero también para las mismas organizaciones, y ahí hay una guía para que sepan toda la ruta de denuncia para ir a juicio. La unidad orienta. En reparación, hay esta estrategia que comenzaron a implementar desde el año pasado, que tiene 3 momentos, el año pasado hicimos en 7 lugares, y digamos que tiene 3 momentos, diseñados, cada momento es una jornada de 1 día e medio. Esto es independiente al acceso a programas que

162   tengan como reparación integral. Te voy a contar un poco en general y luego llego a violencia sexual. En la indemnización que es una medida de compensación económica, es una guía, un programa de acompañamiento, una orientación de cómo puedes investir los recursos de la indemnización, pero el investimento es autónomo, eso es solo un guía. Esto es voluntario también. A parte de esa ayuda está un taller de educación financiera, de 4h, en una metodología de finance opportunities, y te dan unos insumos básicos, un poco pensando en los recursos de la indemnización. Luego, la medida de restitución es un proceso a parte, por la unidad de restitución de tierras. Pero hay unas restituciones pequeñitas, por ejemplo si perdiste el empleo, y ahí te puede ayudar, te dar ventajas, a la hora de por ejemplo hacer un concurso publico. En rehabilitación eso es una competencia del ministerio de salud, nosotros tenemos una estrategia de recuperación emocional, que son 9 encuentros grupales, no es una terapia individual, que busca un poco de herramientas para esa recuperación emocional. Las medidas de satisfacción están dirigidas sobretodo al tema de restablecimiento de la dignidad y el conocimiento de la verdad y restablecimiento ese buen nombre de las victimas, entonces estamos relacionados con lo que es reparación simbólica. Entonces son acciones de memoria, de conmemoración, ha habido muchas iniciativas de grupos y organizaciones de victimas, tratamos de no apoyar cosas físicas, pero apostamos más en los procesos. Es decir, un proceso de reconstrucción de memoria. Es más reparación simbólica, por ejemplo en las medidas de reparación colectiva, se puede ver mejor el tema de la reparación simbólica, porque ya es un grupo como tal, y puede ponerse de acuerdo, pueden decir si quieren hacer una marcha. Pero eso tiene que partir de un proceso que ellos construyan ellos mismos. Garantías de no repetición: son mucho más amplias, y tienen un carácter más social, es decir, no podríamos decir que una garantía de no repetición para ti es esto puntual, porque son medidas que van más hacia la sociedad. Entonces, por ejemplo la ley de victimas es una de las medidas, los cambios normativos es una de las garantías de no repetición, cambios en las

163   instituciones, en los protocolos militares, son medidas muchos más amplias, y deben tener un impacto mayor. A nivel nacional e internacional, son cambios en las cúpulas militares. Digamos que el conflicto continua, pero cuando hablamos de no repetición es que por lo menos, lo mínimo, como sociedad, es que las personas que ya sufrieron un hecho victimizante no lo vuelvan a sufrir. Bueno esa garantía también tiene un enfoque de prevención. Te voy a contar la ruta de reparación integral para la victima de violencia sexual. En estos 3 momentos, lo que buscamos es generar un impacto real en la vida de estas mujeres, uno empoderándoles como sujetos políticos, que se reconozcan como sujetos políticos, entonces que de alguna manera estos 3 momentos están marcado por eso. Un primer momento más de orientación, y un poco de identificar la situación de cada una de estas mujeres. Tenemos la ventaja, números pequeños comparados con el resto de victimas, en las jornadas podemos identificar estos hechos. Estos 3 momentos son diferenciales para las victimas de violencia sexual, puede ser que ellas tengan, además de estos 3 momentos pueden tener una recuperación emocional. Estos 3 momentos son solo para las mujeres victimas de violencia sexual, obviamente los 3 momentos están diseñados con un enfoque psicosocial, de acción sin daño, en todo el sistema hasta cuando salgan de la jornada. Entonces ese primer momento es que se identifican las necesidades, para que llegue en la tercera jornada, es mas de orientación. Hay un elemento de reconocimiento como sujeto político, hay un cine foro hecho por la Ruta Pacífica. El segundo momento hay un trabajo con la metodología de la escuela del cuerpo, es una metodología de reconocimiento un poco del dolor a partir del cuerpo, reconocer su cuerpo, y tocamos un poco en el tema de los derechos sexuales y reproductivos, y sabemos que son temas muy delicados cuando hablamos de violencia sexual, entonces hacer ese acercamiento y ese trabajo de reconocer desde la cabeza, brazos, es duro. Ese segundo momento también fue diseñado con ese propósito psicosocial. Se empieza a hacer una acción simbólica, entonces también hay acá medidas de satisfacción, de establecimiento de la dignidad. No hay un énfasis grande en el carácter étnico, (mismo que la superación de la

164   violencia sea también cultural). Ellas prácticamente hacen solas ese proceso, y hasta hoy no hubo cualquier apelación al étnico. Ya el tercer momento en un proceso de empoderamiento, y es un intercambio de saberes, ellas dicen entre ellas como han superado, como han salido adelante, es bonito, porque ellas mismas dicen no, hay otras que nunca ha hablado nunca con nadie, y hablan por la primera vez. En ese momento se concluye la jornada y también traemos instituciones que las mujeres quieran que llevemos, porque no tenemos la competencia toda del estado, entonces muchas veces son todavía carentes de asistencia en algún área. Recoge todo el resultado de los momentos anteriores con el acto simbólico, también la feria de servicios, por ejemplo ministerio de salud, etc. La reparación no es solo nuestra función. Entonces, cerramos un poco el tercer momento. Esto sabemos que no es suficiente, estamos buscando plata con instituciones internacionales porque el gobierno nos ha cortado la plata, para lograr hacer. ¿Por qué es una apuesta? Es un compromiso fuerte porque la mayoría de la directiva son mujeres, y también porque reconocemos la gravedad de la violencia sexual, y porque es un hecho que hay que visibilizar. Porque sabemos que se tiende a invisibilizar por su particularidades, no solamente por los actores armados, pero también por la sociedad en general. Sabemos que es un delito casi invisible. Es un numero 7mil no es nada cerca de los 7 millones. Es un trabajo muy puntual. Sabemos que es muy difícil y seguramente tenemos muchas cosas por mejorar, hay limitaciones de recursos. Nuestra directora todas las veces que había una delegación de victimas ella iba para La Habana, y nosotros podemos tener todas las informaciones estadísticas de los programas, suporte técnico, y estamos a la disposición de las victimas. Hay una apuesta en termino de reparación, y como la reparación integral puede construir paz, y todas nuestras acciones aportan la construcción de la paz, como esa reparación puede contribuir para la construcción de la paz. Todas las victimas regresaban con amenazas, mayor o menor medida, porque es un apuesta que ellos están haciendo allá.

en

165   ANEXO H – Transcrição de Entrevista com funcionária não identificada da ONG Humanas Entrevista realizada aos 10 de fevereiro de 2015, na sede da ONG Humanas. A entrevistada permitiu, por escrito, a gravação e transcrição de sua fala, desde que não fosse identificada. A pesar de que Violencia Sexual y delitos de género fueron priorizados– tenemos apenas 3 sentencias en que se ha juzgado la violencia sexual, un tema que no corresponde, en absoluta, con los informes que hay acerca de violencia sexual en Colombia. Son las preocupaciones para el segundo proceso de justicia, transicional, que es el proceso con las FARC, que en este momento están en las negociaciones en La Habana. Digamos que se han establecido en materia legislativa hasta ahora se está tramitando el marco jurídico para la paz, que se supone que va contener las normas y va contener digamos como se va abordar institucionalmente, en materia de pena, el tema de la violencia sexual. Con el antecedente de la otra justicia lo que vemos es que los casos se van a quedar en la impunidad, la corporación humanas, lo que ha hecho, digamos, en las distintas plataformas en donde participa, es evidencia que la violencia sexual se sucedió en el marco del conflicto armado, evidencia adicionalmente que las mujeres tengan la garantía de no repetición, necesariamente por ejemplo debía haber una pena privativa a la libertad porque a una sociedad que no se le castiga con pena privativa de la libertad unos de los crimines de guerra por las implicaciones que tiene frente al derecho internacional humanitario y por el mensaje que transmites cuando no tiene ese tipo de pena porque es riesgoso y van en detrimento al derecho de las mujeres. De hecho nosotros hemos llegado a considerar que podría ser una forma de amnistía disfrazada el hecho de que no se imponga la pena privativa de la libertad a un crimen de guerra, la violencia sexual en el marco del conflicto armado. Eso también, atendiendo un poco a los criterios que han sido establecidos en el marco del derecho internacional. ¿Qué pasa? Pasa que a la hora de pensar en la violencia sexual en el conflicto armado, a la hora de pensar en las negociaciones, las mujeres han estado presentes

siempre,

166   digamos, el movimiento de mujeres a través de mujeres por la paz, ha estado desde el ano 2000, exigiendo una negociación con las FARC. Ahorita que las negociaciones son un hecho, la gente, digamos, como que falta ese reconocimiento de los movimiento de mujeres, que siempre han buscado una salida dialogada. Y que, por supuesto, cuando se nos ha invitado a La Habana, y a pesar que se ha establecido una comisión de género, pues, existen preocupaciones, porque no se sabe en qué va a consistir esa comisión de género. Tenemos mucho temor, por ejemplo, que se trate únicamente de decir “las” y “los”, que a todos los documentos les ponga las y los. Cuando nosotros consideramos que las garantías de no repetición hay que pensarla desde otra perspectiva. ¿Qué significa la paz para las mujeres? Y que significa la paz para las mujeres en los territorios? Digamos, es un tema que hay que abordar. El tema de la violencia sexual, con toda la impunidad que ha tenido, digamos, como que también en este momento esta presentando un debate, 1) si es un delito conexo a los delitos políticos que por supuesto nosotras consideramos que no, y 2) el tema de la alternatividad, y digamos que en marco de eso ha estado todas las discusiones de las organizaciones de mujeres en torno a como hacer el tratamiento de la violencia sexual. Una primera comisión de victimas en donde fue una de las mujeres que nosotras representamos judicialmente, María Choles, que es una mujer que parte de unos procesos en hablar de violencia sexual en los territorios ha sido muy difícil, no es un proceso que llega de manera fácil, de hecho nosotras hemos trabajado en apoyo psicojurídico durante todo lo que ha sido en el marco de la justicia transicional en 975 y ahora en estas negociaciones, y algunas “intenciones” emblemáticas, porque lo que representa que las victimas estén allí y otra por lo que representa la vocería de una mujer victima de violencia sexual. En todo caso podría ser un análisis de en qué consiste esa representación, son quince minutos hablando, hasta ahora el tema de victimas se está tratando, el ultimo comunicado de las FARC, nosotros consideramos que en materia de victimas habría que hacer un análisis desde una perspectiva de género para ver evidencias si efectivamente si ha conferido los intereses de las mujeres victimas. El panorama para nosotros, lo vemos en ese momento un poco oscuro y creemos que hace falta todavía mucho trabajo, desde las

167   organizaciones de mujeres, para efectos concretamente de violencia sexual, y lograr que eses delitos se constituyen una verdadera garantía de no repetición. A veces parece que cuando se habla de esos temas, dice que las mujeres se están contra de la paz, y no, lo que pasa es que la paz no se puede negociar sobre los cuerpos de las mujeres, tenemos un conflicto tan antiguo, que la gente quiere firmar bajo cualquier cosa, y nos empezamos a haber reflejado por ejemplo en otros procesos de justicia transicional como es el guatemalteco, que, digamos, después de 10 anos de haber firmado los acuerdos de paz, las mujeres hasta ahora están en la exigencia de justicia. Creemos que pensar en penas privativas de libertad también es una garantía para los desmovilizados, y que por ejemplo no tratarlo en este momento lo que hace es simplemente posponer el debate y no garantizar seguridad jurídica para las personas que participen en ese proceso de justicia transicional. Para Humanas, la violencia sexual es una categoría, que tiene muchas manifestaciones. Digamos que para lo efecto de lo penal nosotras recurrimos a la normatividad nacional y lo que ha establecido los tribunales internacionales de derecho internacional humanitario. En una

investigación

para entender como funciona la violencia sexual es una arma de guerra, hemos determinado que la violencia sexual en sus distintas manifestaciones, que pueden reflejarse en lo penal, en distintos tipos penales, ha funcionado en cuatro contextos y con nueve finalidades. Mire el guía para la investigación de violencia sexual. Las FARC no consideran que cometieran violencia sexual como estrategia de guerra, que incluso puede haber casos aislados, pero no consideran que es una practica, incluso porque ellos tenían unos estatutos en donde sancionaban con pena de muerte aquellos que cometían violencia sexual. Por supuesto que, en algunos casos, puede que haya sido de esa manera, pero habría que analizar que en todos los casos que hemos documentos, cometidos no solo por las FARC, es que la violencia sexual fue cometida por y para la guerra. Lo que nosotras podemos determinar, es que hay una resistencia a reconocer que fue una estrategia de guerra. Una otra cosa es que por supuesto es que el tema de la violencia sexual intrafilas es un tema que tampoco se ha hablado. Hay que hablar de la responsabilidad del estado. En el marco jurídico para la paz está en discusién en como se va a sancionar esos

hechos

168   (violencia sexual por parte del ejercito) y como se van a reconocer. Dialogar una paz en un país que todavía esta en conflicto, eso representa muchos retos y inseguridades que las mujeres han tenido que enfrentar.

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