Direitos Humanos para quem é humano

July 22, 2017 | Autor: Pedro Kamilis | Categoria: Direitos Humanos, Educação de Jovens e Adultos, Privados De Liberdade
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO CURSO DE PEDAGOGIA – LICENCIATURA

Pedro Kinast De Camillis

DIREITOS HUMANOS PARA QUEM É HUMANO

Texto elaborado para a disciplina de Seminário: Educação e Movimentos Sociais, coordenada pela profa. Miriam Pereira Lemos.

Porto Alegre 2013

 

1. INTRODUÇÃO

No ano de 1948, a Organização das Nações Unidas aprovou, em assembleia, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, marcando a forma como as nações ocidentais passaram a tratar o tema em suas legislações. No Brasil, a formulação da Constituição de 1988 deve muito a esse documento. No entanto, a sua reverberação nas dinâmicas do cotidiano da população é ainda incipiente e sua legitimação por parte das instituições e aparatos estatais é frágil. O exemplo máximo dessa fragilidade dos direitos humanos em nossa sociedade são os tratamentos (interpessoais e simbólicos) dados àqueles que praticam ações consideradas infrações às leis. O presente texto perpassa a constituição dos Direitos Humanos, as implicações do chamado contrato social nas relações entre Estado e sociedade civil, e, a partir das noções de justiça e punição, com base nos dados sobre o sistema carcerário brasileiro, pretende refletir sobre como são percebidos os direitos humanos da população privada de liberdade no Brasil.

 

2. DIREITOS

HUMANOS:

UNIVERSALIDADE,

ASPECTOS

CULTURAIS

E

MOVIMENTOS SOCIAIS

É muito difícil precisar quando os povos da civilização ocidental começaram a ater-se à garantia de um mínimo de direitos que assegurassem a dignidade à vida humana. Ou, de outra forma, quando foi que houve o entendimento de que para ser humano são necessárias algumas condições fundamentais, requisitos que devem ser assegurados pelo simples fato do ser nascer e existir enquanto humano. Existem pensadores que apontam para a Pérsia (região do atual Irã) como o berço desse pensamento, referindo-se ao Cilindro de Ciro, datado do século VI aC, que, ao elogiar o Rei Ciro, menciona benfeitorias à vida dos babilônicos, que teriam o aceitado como novo governante, diante da libertação dos escravos e da restauração do direito de praticar livremente suas religiosidades. Contudo, outro grupo afirma que não é possível fazer esse enlace entre o Cilindro de Ciro e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, pois os escritos do artefato não focalizam no homem como sujeito de direitos, atribuindo maior relevância ao grupo social e à família como detentores de direitos. Para esses pensadores, os direitos do homem passam a existir como entendemos hoje, a partir da Idade Moderna quando pensadores como Thomas Hobbes (1588 – 1679), John Locke (1632 – 1704) e Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778) formulam o conceito de direito natural, ou seja, a ideia de que o homem por natureza é detentor de determinados direitos independentemente da ação do Estado. Nessa perspectiva, Locke afirma que os homens haviam se organizado, através de seus governantes, para que o Estado garantisse os direitos à vida, à propriedade e à liberdade, legitimando, inclusive, a derrubada do governo pelo povo na medida em que aquele não assegurasse tais direitos1. No seio desses ideais foram escritas, por exemplo, a Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Somente no século XX começou a surgir a ideia de que existem direitos que deveriam ser inerentes a qualquer pessoa, ou seja, que existem premissas universais que dignificam o ser humano. E, ainda, após as duas grandes guerras, reforça-se a noção de que os Direitos Humanos são uma resposta

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Disponível em: . Acesso em: 2 de dezembro de 2013.

 

regulatória possível ao abuso de poder e violações perpetradas pelos Estados aos povos, como vemos nessa passagem: Artigo X – Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele. Artigo XI – Parágrafo 1°. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. Parágrafo 2°. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso. (ONU, 1948)2.

Ao analisarmos o texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH poderemos perceber que existem dois eixos principais: direitos cívicos (igualdade, liberdade e justiça) e os direitos políticos (participação no Estado, livre associação e liberdade de expressão). Entre essas partes, surge deslocado um único direito econômico: o direito à propriedade. Por fim, são perfilados os direitos sociais (liberdade religiosa e trabalho) e os culturais (acesso ao conhecimento científico e fruição artística). É possível reconhecer, também, que na DUDH existem direitos que pretendem regular a ação do Estado sobre a vida do indivíduo, enquanto outros atribuem responsabilidades ao Estado, sendo este um garantidor de direitos. E são nessas duas direções que se organizam diversos movimentos sociais e organizações não-governamentais: aqueles que fazem a denúncia de abusos de força e poder por parte do Estado e seus órgãos (por exemplo, Anistia Internacional, Tortura Nunca Mais); e movimentos que objetivam a efetivação de direitos (por exemplo, movimentos pela moradia, justiça social, equanimidade étnica e de gênero, qualificação e acesso à educação). Nessa perspectiva, a educação (formal, nãoformal ou informal) ganha especial destaque, pois pode congregar diversas lutas por direitos, como nos refere Maria da Glória Gohn: Lutas e movimentos pela educação têm caráter histórico, são processuais, ocorrem, portanto, dentro e fora de escolas e em outros espaços institucionais. Lutas pela educação envolvem lutas por direitos e fazem parte da construção da cidadania. O tema dos direitos é fundamental, porque dá universalidade às questões sociais, aos problemas econômicos e às políticas públicas, atribuindo-lhes caráter emancipatório. É a partir dos direitos que fazemos o resgate da cultura de um povo e de uma nação,

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Disponível em: Acesso em: 4 de dezembro de 2013.

 

especialmente em tempos neoliberais que destroem ou massificam as culturas locais, regionais ou nacionais. Partir da óptica dos direitos de um povo ou agrupamento social é adotar um princípio ético, moral, baseado nas necessidades e experiências acumuladas historicamente dos seres humanos, e não nas necessidades do mercado (GOHN, 2011, p.346).

Embora Gohn vá afirmar que a universalidade dos direitos aponte para a construção de políticas emancipatórias, em contraponto a promoção de políticas focalizadas que propiciariam reformas dentro da lógica neoliberal, Boaventura alerta que a universalização dos direitos, especialmente a DUDH, está assentada sob preceitos estritamente ligados à perspectiva ocidental de entender o humano, operando um localismo globalizado3, massificando a ideia de que há uma natureza humana universal que pode ser identificada através da razão (1997, p.18). Apoiando-se na ideia de que todas as culturas têm suas próprias concepções de dignidade humana, diversas entre si, e que são todas incompletas, Boaventura lança mão de uma metodologia de análise, que intitula de hermenêutica diatópica, onde os topois4 de uma cultura serão revistos na perspectiva de outra cultura. Através desse exercício, o autor revela alguns pontos vulneráveis da DUDH, a começar pela própria caracterização de universal, tendo em vista que apenas 48 países participaram de sua aprovação. Outra análise que o autor nos traz, a partir da aplicação da hermenêutica diatópica entre os topois dos Direitos Humanos ocidentais em relação ao Dharma hindu e à Umma islâmica, é da importância que o ocidente dá aos direitos individuais, em detrimento dos direitos coletivos. Nesse aspecto, voltamos mais uma vez à questão de como os movimentos sociais têm atuado nas sociedades ocidentais, lutando por leis específicas a grupos sociais, visando garantir direitos que equilibrem as oportunidades historicamente negadas a esses grupos, como são os casos das cotas raciais para ingresso nas universidades e concursos públicos. Lutas como essa podem ser entendidas como iniciativas contra-hegemônicas de direitos humanos. Ou seja, são movimentos que operam como contraponto à lógica individualizante do capitalismo ocidental neoliberal.                                                              3

Forma de globalização exercida pelos países centrais, que Boaventura de Souza Santos conceitua como um processo pelo qual determinado fenômeno local torna-se global com sucesso (1997, p. 16). 4

“Os topois são os lugares comuns retóricos mais abrangentes de determinada cultura. Funcionam como premissas de argumentação que, por não se discutirem, dada a sua evidência, tornam possível a produção e a troca de argumentos” (SANTOS. 1997, p.23).

 

Além

da

necessidade

de

reconhecermos

os

direitos

coletivos,

de

comunidades e grupos sociais, Boaventura nos demonstra como os direitos estão associados aos deveres dentro da lógica ocidental, podendo-se entender que só tem direitos aqueles que acatarem seus deveres. Ou seja: Apenas garante direitos àqueles a quem pode exigir deveres. Isto explica por que razão, na concepção ocidental dos direitos humanos, a natureza não possui direitos: porque não lhe podem ser impostos deveres. Pelo mesmo motivo, é impossível garantir direitos às gerações futuras: não possuem direitos porque não possuem deveres (SANTOS, 1997, p.24).

Mas quando foi que atribuímos ao Estado o poder de nos cobrar deveres em troca da garantia de direitos? E quando pessoas ou grupos sociais não têm seus direitos fundamentais garantidos, eles podem exigi-los do Estado e da sociedade que o sustenta? E se decidirmos que esse acordo entre indivíduo e Estado não é justo, podemos reescrevê-lo? Podemos rasgar o contrato? Que preço pagaremos se não quisermos mais as leis que regulam a sociedade? E se, até por falta de opções, tivermos que agir nós próprios pela nossa sobrevivência em detrimento desse acordo com o Estado?

 

3. RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL: CONTRATO SOCIAL, JUSTIÇA E PUNIÇÃO

A partir desses questionamentos, passamos a percorrer outra parte do caminho sobre os direitos humanos, onde poderemos rever que acordo é esse entre Estado e sociedade civil, as regulações do Estado sobre os indivíduos, as noções de justiça e a forma como são entendidos aqueles que não cumprem com as normas criadas pelos governos para a vida em sociedade. Retomando mais uma vez os pensadores iluministas, Hobbes, Locke e, especialmente, Rousseau, vamos identificar um conceito denominado de contrato social, que é um acordo entre Estado e os cidadãos, onde os indivíduos concedem poderes aos governantes para a manutenção de mínimos necessários para a vida em sociedade, abrindo mão das suas liberdades inatas. Com a tomada do poder do Estado pela burguesia francesa, em 1789, outras nações

do

mundo

ocidental

vão,

paulatinamente,

empreendendo

revoltas

semelhantes que logram revolucionar seus governos de monarquias a repúblicas, onde os governantes representariam os interesses da população. Esse modelo vai ser replicado em diversos contextos locais, podendo, inclusive, ser entendido como localismo globalizado. Contudo, os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade foram recondicionados conforme os interesses do grupo local hegemônico e as relações internacionais estabelecidas. A própria França, por exemplo, manteve a Argélia sob julgo do colonialismo até a década de 1960. Para os países europeus, a fraternidade e a liberdade nunca foram direitos naturais das nações e povos do continente africano. No Brasil, a República veio descolada do ideal de libertação dos povos, tendo sido abolida a escravidão um pouco mais de um ano antes, devido às pressões internacionais, principalmente, dos ingleses. Independentemente das particularidades de cada local, a noção de contrato social foi se impregnando nas relações entre Estado e sociedade civil. Dentre os pressupostos está a que o cidadão deve respeitar as regras estabelecidas em troca da garantia de direitos, sobretudo, de segurança, senão será submetido à justiça. A justiça pode ser entendida enquanto função e, também, como valor. Considerada um dos valores fundamentais para a vida social, está relacionada com o equilíbrio de forças antagônicas, exigindo temperança e prudência. A justiça enquanto função

 

refere-se aos conjuntos de leis e instituições criadas para que o valor justiça seja efetivo na sociedade. No momento em que uma pessoa transgride as leis, o Estado passa a ter autoridade para punir esse indivíduo a fim de garantir de que ele não repita a infração e que possa servir de exemplo coercitivo a todos. Dessa forma, o Estado passa a ter o monopólio sob o uso da violência como forma de resolução de conflitos ou transgressões, proibindo, assim, qualquer outra forma de violência, mesmo que o sujeito tenha sido impulsionado por vingança ou sentimento de injustiça. Seguindo-se a formulação do pensamento iluminista da passagem do século XVII para o século XVIII, a justiça enquanto vingança privada foi definitivamente banida e substituída pelo monopólio estatal da violência, a exercer-se, segundo o modelo proposto para o Estado moderno, exclusivamente através da função estatal da justiça [...] Mas, mais uma vez aí persistiu a concepção da função de justiça como emprego legitimado da violência, sendo que na esfera criminal, essa função passou a ser sinônimo de retribuição proporcional, exercida a título de vingança pública, no intuito de dissuadir a prática de crimes. (BRANCHER, 2008, p.13).

A Declaração Universal dos Direitos do Homem prevê, como forma de regular o Estado, alguns requisitos mínimos para que uma pessoa seja julgada com justiça. Porém, é preciso se levar em consideração que o tribunal contemporâneo é herdeiro de uma noção de justiça que vem desde a Lei de Talião: olho por olho, dente por dente. E mesmo com todas as normatizações redigidas pela ONU, podemos perceber que muitos de seus paradigmas ainda são vigentes. Entende-se que existem pressupostos, construídos socialmente, para que uma ação de punição contra um ofensor seja considerada um ato de justiça, que, segundo Melina Duarte, são: a) punição equivalente ao dano provocado, como predizia a Lei de Talião, no Código de Hamurabi; b) a punição ser exercida por uma instituição mediadora, a Polícia, como representante do Estado; c) somente o indivíduo, após ser considerado culpado, deve ser responsabilizado pela sua ofensa (2013). Segundo os dados constantes na Revista Filosofia: De acordo com o Centro Internacional para Estudos Prisionais (ICPS), o país [Brasil] já conta com a quarta população carcerária do mundo (500 mil) [...] Nos últimos cinco anos houve um crescimento de 37% no número de presos no país. Do total, 44% são provisórios, ou seja, esperam julgamento de seus processos, de acordo como Conselho Nacional de Justiça. [...] Em junho de 2010, o número de vagas nos centros de detenção (presídios e delegacias) era quase 300 mil, o que representa uma superlotação de 200 mil prisioneiros. (2013)5.

                                                             5

Disponível em: Acesso em 30 de novembro de 2013.

 

Para complementar este quadro sobre a população carcerária é importante, olharmos para os dados que o Sistema Integrado de Informações Penitenciárias – InfoPen, do Ministério da Justiça refere sobre a população carcerária no ano de 2008. Do total de presos, 93% são homens, destes 29% estão presos por roubo, 20% por entorpecentes, 16% por furto e 12% por homicídio; do total de mulheres, 59% estão presas por entorpecentes; 32% da população carcerária tem entre 18 e 24 anos, 27% entre 25 e 29 anos, 18% entre 30 e 34 anos; com relação à escolarização, 47% não tem completo o Ensino Fundamental e 16% tem o Ensino Fundamental completo6. Estes dados nos fazem inferir que o sistema penitenciário brasileiro e, por sua vez, o aparato judiciário e policial tem um recorte populacional de incidência, ou melhor, tem agido mais fortemente sob as camadas mais pobres da sociedade brasileira, justamente a parcela que mais direitos têm violados. Além do empilhamento de pessoas nos presídios, há falta de condições mínimas de higiene, de saneamento, de alimentação suficiente, de acesso à saúde, educação e justiça; há excessos por parte dos funcionários, violência, tortura e crueldade. Essas impressões não são somente dos defensores e organizações de Direitos Humanos (a saber, Subcomitê de Prevenção à Tortura da Organização das Nações Unidas, Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, Fórum da Questão Penitenciária, etc), fazem parte dos relatos e das histórias de familiares de pessoas encarceradas, como nos traz Andréa Bueno Buoro nas entrevistas que realizou para sua dissertação: “Se eles não tiver uma arma, o outro mata! Então é o jeito deles poder se proteger um dos outros, né” (LN). “É um inferno. Tem que respeitar o outro... qualquer coisinha é facada” (CL). (1998, p.78).

                                                             6

Estas informações foram coletadas do relatório de Dados Consolidados 2008 do Sistema Penitenciário Local, publicado pelo Ministério da Justiça, que desconsidera as informações dos encarcerados nos presídios federais. Disponível em http://www.justica.gov.br Acesso em 2 de dezembro de 2013.

 

4. DIREITOS HUMANOS PARA QUEM É HUMANO

Recentemente, o Brasil foi denunciado a diversas instâncias internacionais por organizações e movimentos sociais com o fim de que algumas medidas fossem tomadas pelo Estado na melhoria das condições dos presídios brasileiros. Os pareceres revelam uma situação que ultrapassa infrações aos direitos humanos, demonstram que não há interesse algum do Estado em investir nesses espaços, quanto mais em pensar uma estratégia para que a pena e o cárcere sejam tempo e espaço de recuperação do sujeito, de reintegração à sociedade. Portanto, cabe-nos perguntar se o Estado brasileiro está fazendo justiça, ao impor uma punição maior que a prevista, ou seja, pena mais severa que a privação do direito de liberdade, descumprindo, inclusive, o Artigo 38 do Código Penal brasileiro, que explicita que devem ser preservada a integridade física e moral dos apenados; faz justiça ao infligir revistas humilhantes aos familiares, ao permitir que um sujeito, totalmente sob sua tutela, seja violentado por outrem? A falência do sistema penitenciário vem sendo há muito tempo denunciada pelos movimentos sociais que lutam pelos direitos humanos, no entanto, se reafirmam, concomitantemente, discursos que apontam para um “excesso” de direitos, ou melhor, como frequentemente se ouve falar, “que existe direitos humanos somente para os bandidos”, “que [os presos] devem sofrer muito para pagar o que fizeram”, ou, ainda, “que a polícia deve matar a todos”. Esses discursos presentes nas falas de pessoas comuns e, de forma mais refinada, nos discursos de pessoas públicas garantem legitimidade ao Estado de deixar tudo como está e, quando há uma rebelião em algum presídio, agir com extrema violência. Se a Declaração Universal dos Direitos Humanos, mesmo que apresente pontos frágeis ao ser comparada com códigos análogos de outras culturas, funda para as nações de cultura ocidental os mínimos para uma condição digna de ser humano e sendo esses direitos negados pela sociedade aos indivíduos, de tal forma que não são reconhecidos como sujeitos de direitos, poderíamos afirmar que os Direitos Humanos estão para garantir direitos aos humanos? Ou ainda, que existe hoje uma parcela da população brasileira que é composta por seres que não são humanos? Talvez custe-nos muito assumir uma resposta a essa questão, contudo, acredito que encará-la de frente possa nos desacomodar diante da complexidade do problema que está armado em nossa sociedade. E, nesse momento de crise das

 

relações humanas, do sistema capitalista, das estruturas sociais, possamos romper o paradigma ocidental da individualidade, e olharmos com respeito e curiosidade para as culturas “orientais”, tentando descobrir que podemos nós fazer enquanto coletividade para transformar essas realidades em que nos enredamos. Enquanto não conseguimos nos propor coletivamente ao exercício da hermenêutica diatópica, que nos propõe Boaventura, talvez possamos nos animar nas palavras do poeta: “Artigo Final: Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio, ou como a semente do trigo e a sua morada será sempre o coração do homem“ (MELLO, 2001, p.66).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Cilindro de Ciro. Wikipedia. Disponível em: Acesso em: 28 de novembro de 2013.

John Locke. Wikipedia. Disponível em: Acesso em 2 de dezembro de 2013.

GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais na contemporaneidade. Revista Brasileira de Educação, v.16, n.47, p.333-361, maio/ago. 2011

SANTOS, Boaventura de Sousa. Por uma concepção multicultural de direitos humanos. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 48, p.11-32, jun. 1997

BRANCHER, Leoberto (Org.). Iniciação em Justiça Restaurativa: formação de lideranças para a transformação de conflitos. Porto Alegre: AJURIS, 2008.

DUARTE, Melina. Punição: justiça ou vingança?. Revista Filosofia Ciência e Vida, n. 79, p. 60-69, 2013. Disponível em: Acesso em 30 de novembro de 2013.

MINISTÉRIO

DA

JUSTIÇA.

Departamento

Penitenciário

Nacional.

Sistema

Penitenciário no Brasil. Dados Consolidados, 2008.

BUORO, Andréa Bueno. A cabeça fraca: familiares de presos frente aos dilemas da percepção dos direitos humanos. Revista USP, n.37, p.70-81, mar-mai. 1998.

MELLO, Thiago de. Os Estatutos do Homem. Tradução de Pablo Neruda. 2ª Edição. Buenos Aires: Vergara & Riba Editoras, 2001.

 

FONTES CONSULTADAS

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A construção multicultural da igualdade e da diferença. Oficina do CES, Coimbra, n. 135, jan. 1999.

POCHMANN, Marcio. A Exclusão Social no Brasil e no Mundo. In: SYDOW, Evanize (Org.); MENDONÇA, Maria Luisa (Org.). Direitos Humanos no Brasil 2004. Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, p.159-163.

FON FILHO, Aton. Aumenta repressão do Estado contra movimentos sociais urbanos. In: SYDOW, Evanize (Org.); MENDONÇA, Maria Luisa (Org.). Direitos Humanos no Brasil 2004. Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, p.165-166.

CARBONARI, Paulo César. 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. 2008.

Movimento

Nacional

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Acesso em 1° de dezembro de 2013.

RODRIGUES, Alex. Brasil é denunciado à OEA por más condições de presídio em

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Agência

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2013.

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Acesso em: 1° de dezembro de 2013.

SALLA, Fernando; BALLESTEROS, Paula Rodriguez. Democracia, Direitos Humanos e Condições das Prisões na América do Sul. Novembro, 2008.

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