DIREITOS HUMANOS: SOBRE A UNIVERSALIDADE RUMO A UM DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

June 7, 2017 | Autor: Edna Raquel Hogemann | Categoria: International Law, Human Rights
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DIREITOS HUMANOS: SOBRE A UNIVERSALIDADE RUMO A UM DIREITO INTERNACIONAL
DOS DIREITOS HUMANOS


Edna Raquel R. S. Hogemann*






SUMÁRIO: 1. Introdução. - 2. Os Direitos Humanos. - 2.1
Significado da expressão. - 2.2. As diversas gerações de Direitos
Humanos. - 3. Breve histórico. - 3.1. As Declarações de Direitos. -
3.2. Os Direitos Humanos pós Segunda Guerra Mundial. - 4. Direitos
Humanos e e globalização. - 4.1. O fenômeno da globalização. -4.2.
Algumas críticas ao processo da globalização. - 5. Universalismo e
relativismo nos direitos humanos. - 5.1. O princípio da
universalidade. - 5.2. O relativismo e as especificidades
regionais. - 5.3. O exemplo da mutilação genital feminina. - 5.4.
Especificidades político-religiosas. - 6. Rumo a um Direito
Internacional dos Direitos Humanos. - 7. Conclusão.




Abstract


Este ensaio tem por objetivo delinear alguns pontos da fundamental
discussão sobre a universalidade na aplicação dos Direitos Humanos num
cenário mundial globalizado, porém ponteado por especificidades sociais e
culturais de caráter regional e tribal que colocam em destaque a discussão
acerca de questões como soberania, auto-determinação dos povos e dignidade
humana em contraposição face a valores ligados particularmente às tradições
religiosas e ao poder político.
É neste marco que vem se configurando paulatinamente, fruto dos
acordos, protocolos, convênios e tratados, a normatização de um novo
Direito, de caráter universal, cujo objeto são os Direitos Humanos.
Eis que, com essa abordagem, abre-se uma oportunidade para
enxergar o assunto sob o prisma da preocupação com a garantia da
efetividade universal dos Direitos a regular a vida em sociedade sob a
égide da legitimidade normativa.










"...nestes últimos anos, falou-se e continua a se falar de
direitos do homem, entre eruditos, filósofos, juristas, sociólogos
e políticos, muito mais do que se conseguiu fazer até agora para
que eles sejam reconhecidos e protegidos, efetivamente, ou seja,
para transformar aspirações (nobres, mas vagas), exigências
(justas, mas débeis), em direitos propriamente ditos (isto é, no
sentido em que os juristas falam de "direito")".
Norberto Bobbio[1]


1. Introdução
O conceito e as declarações dos direitos humanos preconizam que
todo indivíduo pode fazer reivindicações legítimas de determinadas
liberdades e benefícios. Os direitos humanos são uma idéia política com
base moral e estão visceralmente relacionados com os conceitos de justiça,
igualdade e democracia. Eles são uma expressão viva do relacionamento que
deveria prevalecer entre os membros de uma sociedade e entre indivíduos e
Estados.
Os direitos humanos devem ser reconhecidos em qualquer Estado,
grande ou pequeno, pobre ou rico, independentemente do sistema social e
econômico que essa nação adota. Nenhuma ideologia política que não
incorpore o conceito e a prática dos direitos humanos pode fazer
reivindicações de legitimidade. Apesar dos vários tratados e declarações
adotados com a consciência e o consenso da comunidade internacional a
triste realidade é que nenhum dos direitos declarados é respeitado
uniformemente no mundo inteiro.
A adoção pela Assembléia Geral das Nações Unidas da Declaração
Universal de Direitos Humanos, em 1948, constitui o principal marco no
desenvolvimento da idéia contemporânea de direitos humanos. Os direitos
inscritos nesta Declaração constituem um conjunto indissociável e
interdependente de direitos individuais e coletivos, civis, políticos,
econômicos, sociais e culturais, sem os quais a dignidade da pessoa humana
não se realiza por completo. A Declaração transformou-se, nesta última
metade de século, numa fonte de inspiração para a elaboração de diversas
cartas constitucionais e tratados internacionais voltados à proteção dos
direitos humanos.






Este documento, chave do nosso tempo, tornou-se um autêntico
paradigma ético a partir do qual se pode medir e contestar a legitimidade
de regimes e Governos. Os direitos ali inscritos constituem hoje um dos
mais importantes instrumentos de nossa civilização visando a assegurar um
convívio social digno, justo e pacífico.
No entanto, a maciça violação dos direitos e liberdades básicos faz
com que o ideal de uma vida digna e decente para todos os cidadãos do mundo
torne-se algo ainda muito distante. Ao mesmo tempo, vivemos em uma era que
apresenta oportunidades, únicas para levar adiante a causa dos direitos
humanos.
A fase beligerante da Guerra Fria, em cujo nome cometeu-se e
justificou-se tantos abusos, acabou. Os movimentos para a democracia,
guiados por um compromisso de promover os direitos humanos, continuam
obtendo bons resultados em todo o mundo. E, finalmente, há o reconhecimento
crescente de que o respeito aos direitos humanos é imperativo para a
sobrevivência de toda a humanidade.
No entanto, há quem afirme, por exemplo, que a mutilação do
clitóris de mulheres no mundo islâmico seria um componente cultural
integrado à cultura islâmica, e, portanto, amplamente legitimado. Essa
concepção, relativizadora dos Direitos Humanos, contrapõe-se à
universalidade da categoria dos Direitos Humanos colocada fundamentalmente
a partir do racionalismo jusnaturalista do século XVII e à tendência cada
vez mais objetiva da globalização desses mesmos direitos que, para sua
garantia e eficácia necessitam por parte da comunidade internacional um
tratamento protetivo específico, em relação à normatividade já existente
através das Declarações, Pactos e Tratados.
Eis pois, o objeto deste breve trabalho de iniciação científica, no
qual, fruto da pesquisa bibliográfica realizada, buscar-se-á apresentar,
ainda que sem a pretensão de ter por esgotado o tema, a atualidade da
discussão relativa à universalidade dos direitos humanos no marco do
processo de globalização em curso no planeta, no marco da configuração de
um novo ramo do Direito Internacional ligado aos Direitos Hunamos.
Iniciar-se-á discorrendo, ainda que brevemente, sobre o significado
da expressão Direitos Humanos, apresentando uma síntese histórica de sua
trajetória desde a Revolução Francesa de 1789 até os dias de hoje, além da
configuração das diversas gerações de Direitos Humanos existentes.
A seguir serão apresentadas algumas considerações acerca do
fenômeno da globalização mundial e da internacionalização dos Direitos
Humanos, processo em pleno curso neste final de milênio, trazendo
concretude aos ideais de universalidade dos direitos humanos constantes da
Declaração de 1948.
Entretanto, apresenta-se também algumas críticas ao modo de como a
globalização está sendo concretizada entre os diversos países, em
particular relativa às questões econômicas e ambientais.
Será abordada, ainda que de forma não exaustiva, a polêmica entre a
universalidade dos Direitos Humanos em contraposição ao relativismo destes
diante das especificidades culturais e religiosas, utilizando-se para tal
alguns exemplos da atualidade.
Far-se-á uma abordagem relativa à emergência de um novo ramo do
Direito, ou seja, o Direito Internacional dos Direitos Humanos, com
princípios e regras próprias do Direito Internacional, fruto de todo o
cabedal acumulado a partir dos diversos tratados, convenções, pactos e
protocolos existentes.


2. Os Direitos Humanos
2.1. Significado da expressão
A questão relativa às várias denominações dos direitos humanos[2],
pode ser convergida para uma só: Direitos Fundamentais. É o que aponta a
lição de José Luiz Quadros de Magalhães[3], para quem "quando falamos em
Direitos Humanos, utilizamos esta expressão como sinônimo de direitos
fundamentais."
A partir da visão de Cançado Trindade[4], pode-se vislumbrar que os
direitos humanos têm um lugar cada vez mais considerável na consciência
política e jurídica contemporânea e os juristas só podem se regozijar com
seu progresso. Implicam eles com efeito um estado de direito e o respeito
das liberdades fundamentais sobre as quais repousa toda democracia
verdadeira, e pressupõem a um tempo um âmbito jurídico pré-estabelecido e
mecanismos de garantia que assegurem sua efetiva implementação. Os direitos
humanos tendem a tornar-se, por todo o mundo, a base da sociedade.
Impende, portanto, conhecer a noção do que são direitos humanos ou
direitos fundamentais. Nessa tarefa, pode-se incorrer em tautologias, no
sentido de afirmar que direitos humanos são os da humanidade ou os do
homem, ou coisas do gênero. Ensina Antônio Enrique Perez Luño[5] que os
direitos humanos são:
"Un conjunto de facultades e instituciones que, en cada
momento histórico, concretan las exigencias de la dignidad, la
liberdad y la igualdad humanas, las cuales deben ser reconocidas
positivamente por los ordena-mientos jurídicos a nivel nacional e
internacional."


2.2. As diversas gerações de Direitos Humanos

A primeira geração dos direitos humanos formalmente emoldurados -
direitos individuais[6], foi gestada no século XVII, com a formulação da
doutrina moderna sobre os direitos naturais, que embasou ideologicamente a
luta que culminou com a criação do Estado Moderno e a transição do sistema
feudal para o capitalismo. O direito de liberdade era a garantia da livre
iniciativa econômica, livre manifestação da vontade, livre câmbio,
liberdade de pensamento e expressão, liberdade de ir e vir, liberdade
política, mão-de-obra livre.
A segunda geração dos direitos humanos - os direitos
metaindividuais, coletivos ou difusos, é resultado do embate entre as
forças sociais, que se dá com o desenvolvimento do modelo burguês de
sociedade, de um Estado liberal que se consolida através de um espetacular
desenvolvimento da economia industrial. Compreendem os Direitos Sociais, os
direitos relativos à saúde, educação, previdência e assistência social,
lazer, trabalho, segurança e transporte.
Os Direitos Econômicos são aqueles direitos que estão contidos em
normas de conteúdo econômico que viabilizarão uma política econômica.
Classifica-se entre direitos econômicos, pelas características marcantes
destes direitos, o direito ao pleno emprego, transporte integrado à
produção, e direitos do consumidor.
Os Direitos políticos são direitos de participação popular no poder
do Estado, que resguardam a vontade manifestada individualmente por cada
eleitor sendo que a sua diferença essencial para os direitos individuais é
que, para estes últimos, não se exige nenhum tipo de qualificação em razão
da idade e nacionalidade para o seu exercício, enquanto que para os
Direitos Políticos, determina a Constituição requisitos que o indivíduo
deve preencher.
A terceira geração de direitos humanos - os denominados direitos
dos povos ou direitos da solidariedade, também é fruto das lutas sociais e
das transformações sócio-político-econômicas ocorridas nesses últimos três
séculos de história da humanidade e que resultaram em conquistas sociais e
democráticas que envolveram as expectativas em torno de temas do interesse
geral, quais sejam, a biodiversidade, o meio-ambiente, entre outros.
Por fim fala-se já numa quarta geração de direitos ligados à
comunicação, à democratização da informação, entre outros.


3. Breve Histórico
3.1. As Declarações de Direitos
A preocupação com os Direitos do Homem começa com o estabelecimento
da ordem burguesa, associada à idéia de liberdade e igualdade.
Os Estados Unidos foram o primeiro país a formular expressamente
uma declaração de direitos do homem, a de Virgínia, em 1776. É, no entanto,
a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que obteve maior
expressão, devido às repercussões da Revolução Francesa.
A constituição francesa de 1791 incorpora a Declaração de 1789, e a
partir daí os direitos do homem ingressam no constitucionalismo moderno,
expressos nos direitos do cidadão.
Ressalte-se o perfil liberal dos direitos consagrados nas
constituições burguesas, cuja concepção revela-se formal e abstrata, sem
considerar as condições materiais de sua aplicação.
A incorporação dos Direitos Humanos à ordem internacional é
decorrência de um longo período de avanços e retrocessos políticos e
sociais. Paulatinamente os Estados começaram a estabelecer normas
internacionais que, embora não reconhecessem a personalidade, pretendiam
proteger a pessoa humana.
De tal forma que, a princípio, ainda no século XIX, é proibido o
tráfico de escravos, para somente ao tempo da Liga das Nações, serem
criadas normas relativas à proteção das minorias, a proibição do tráfico de
mulheres e de armas.


3.2. Os Direitos Humanos pós Segunda Guerra Mundial
Após a 2ª Guerra Mundial sente-se a necessidade de criar mecanismos
eficazes que protejam os Direitos Fundamentais do homem nos diversos
Estados. Já não se podia mais admitir o Estado nos moldes liberais
clássicos de não intervenção. O Estado está definitivamente consagrado como
administrador da sociedade e convém, então, aproveitar naquele momento, os
laços internacionais criados no pós-guerra para que se estabeleça um núcleo
fundamental de Direitos Internacionais do Homem .
É desta forma que se fará a Declaração Universal de Direitos
Humanos de 1948, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem
(Bogotá, 1948), a Convenção Americana dos Direitos do Homem, assinada em 22
de novembro de 1.969, em São José da Costa Rica, entre outras declarações,
convenções e pactos, além de organizações não estatais, sendo que entre
estas organizações, atuam hoje com maior destaque, a Anistia Internacional,
a Comissão Internacional dos Juristas, o Instituto Interamericano de
Direitos Humanos, este último, com sede na Costa Rica, tendo como
finalidade a divulgação de idéias e a educação em Direitos Humanos.
Entretanto, o mundo pós Segunda Guerra, após um curto período de
calma encontra a novidade da divisão do mundo em duas áreas de influência:
uma norte americana e a outra soviética. Assiste-se neste período à
investida norte americana contra o Vietnã, Cuba, Granada, Nicarágua e quase
todos os países latino-americanos que receberam regimes autoritários
apoiados pelos Estados Unidos. A tortura, as perseguições e assassinatos
praticados pelo Estado e por grupos para-militares é comum no Chile, na
Argentina, Uruguai, Brasil, Honduras e El Salvador.
Do outro lado, o exército soviético impõe, à força, a
política soviética na Hungria, Tchecoslováquia, Afeganistão.
O processo de libertação das colônias africanas é doloroso
e cruel, protagonizado por aqueles mesmos países que se comprometeram a
respeitar os Direitos Humanos de 1948 os quais violam de forma agressiva
estes direitos. É o caso da França na Argélia. As colônias portuguesas após
uma longa guerra de libertação, recebem seus países arrasados, sendo que o
difícil processo de reconstrução é tumultuado quando não impedido por
movimentos guerrilheiros em Moçambique e Angola, financiados pelo governo
do aparthied sul-africano e o democrático norte-americano.
A partir de 1989, com a queda do Muro de Berlim e o processo que
culminou com o esfacelamento da Ex-URSS, o mundo se depara com uma nova
realidade na correlação das forças políticas e ideológicas, com o avanço da
democracia nos países que outrora configuravam o bloco comunista.
Entretanto, constata-se que a mesma ordem econômica
mundial que favorece os países desenvolvidos é responsável pelo extermínio
de adultos e crianças diariamente em todo o chamado terceiro mundo, por
fome e pela violência gerada pela injustiça social, que gera o atraso
cultural, o trabalho escravo, a prostituição infantil, a exclusão social e
econômica e avilta a condição humana de muitos em benefício exclusivo de
uns poucos detentores do poder local.
Esta realidade é o desafio para os teóricos dos Direitos
Humanos, responsáveis pela divulgação da idéia, pela formação de
consciências, único meio eficaz de se realizarem os Direitos Humanos.

4. Direitos Humanos e e globalização
4.1. O fenômeno da globalização
A globalização ou internacionalização é um fenômeno que envolve as
mais variadas relações entre pessoas e entre instituições, resultando do
profundo desenvolvimento da ciência e da tecnologia, principalmente no
campo da comunicação, numa redefinição dos papéis dos Estados, dos
indivíduos, das comunidades, da sociedade, das empresas e dos novéis blocos
político-econômicos regionais.
Renato Sócrates Pinto[7] leciona que este processo que se dá nos
vários campos da atuação humana, não tem um vetor comum, contudo os
resultados alcançados e os que estão por ser, têm o condão de possibilitar
uma maior interação das relações, seja no nível da economia, seja no nível
da cultura, enfim, seja em qual nível for, entre as pessoas e instituições
em todos os quadrantes do globo terrestre.
Indiscutivelmente, só se atingiu esse estágio de
interrelacionamento graças, sobretudo, ao formidável desenvolvimento
científico, tecnológico e dos meios de comunicação. O saber e a notícia,
durante longo tempo privativos de uns poucos e por isso mecanismo de
controle e uso do poder, estão se diluindo, aos poucos deixarão de
pertencer a uma casta privilegiada.
Ademais, com a globalização rediscute-se o valor e o papel dos
Estados-soberanos e das fronteiras nacionais em face dos blocos regionais e
dos indivíduos e das pequenas comunidades ou tribos.
Atualmente, como notam alguns especialistas, o paradigma clássico
das Ciências Sociais, baseado nas sociedades nacionais, está sendo
substituído por outro, o da sociedade global, levando à reformulação dos
conceitos clássicos de soberania e de hegemonia, ainda firmemente
arraigados na doutrina política e jurídica das nações.
A globalização ou internacionalização dos direitos humanos é uma
das mais importantes questões do final deste século. No entanto, "o grande
problema deste tema é que ele versa sobre a essência da relação política,
isto é, Poder e pessoa, isto é, quanto mais direitos do homem menos Poder e
vice-versa."[8]
Os ideais de universalidade dos direitos humanos defendidos pela
ONU desde de sua criação, manifestados com a Declaração Universal do
Direitos do Homem, 1948, estão adquirindo uma maior consistência, a
despeito da evidente constatação de desrespeitos em vários pontos do mundo.
Contudo, recentemente na II Conferência Mundial de Direitos Humanos, Viena,
1993, foram temáticas principais a pobreza, a democracia e os instrumentos
legais e jurídicos de efetivação dos direitos humanos. A preocupação
internacional sai da retórica e procura a concretude.
Tal como o afirma Cançado Trindade[9], percebe-se com clareza que
"há uma tendência para o processo de construção de uma cultura universal de
observância dos direitos humanos."
Assim, a globalização não ocorre apenas em razão da intensa
circulação de bens, capitais, informações e de tecnologia através das
fronteiras nacionais, com a conseqüente criação de um mercado mundial, mas
também em função da universalização dos padrões culturais e da necessidade
de equacionamento comum de problemas que afetam a totalidade do planeta,
como o combate a degradação do meio ambiente, a proteção dos direitos
humanos, o desarmamento nuclear, o crescimento populacional etc.


4.3. Algumas críticas ao processo da globalização
Uma das críticas que é feita contra a globalização[10], sobretudo a
econômica, é em razão do aviltamento imposto contra o homem. A filosofia do
lucro acima de tudo cega a visão do homem como o bem supremo. Mais do que
nunca a sociedade internacional tem que ficar alerta aos jogos de poder,
canalizados muito mais pelos interesses econômicos do que por princípios
humanitaristas.


Quanto ao rol de direitos humanos que estão globalizados, um outro
merece a atenção de todos, que é a questão ambiental. Os malefícios
ambientais, independentemente donde sejam causados, têm conseqüências em
todo o globo, de acordo com a proporção do dano, é claro. Vaticina Cançado
Trindade pela imposição de particular realce à questão da relação entre a
proteção dos direitos humanos e a proteção ambiental um tratamento
sistematizado, dado a sua transcendental importância em nossos dias. Ao
preconizar que muito embora tenham os domínios da proteção dohomem e da
proteção ambiental sido tratados até o presente separadamente, é mister
buscar maior aproximação entre eles,pelo fato de correspoderem aos
principais desafios de nosso tempo, a afetarem em última análise os rumos e
destinos do gênero humano.
Outro fator deveras importante em sede de globalização dos direitos
humanos e proteção ambiental reside nas obrigações erga omnes. Aponta desse
modo o autor retro referenciado:
"Pode-se atestar a globalização da proteção dos direitos
humanos e da proteção ambiental também a partir de um enfoque
distinto, qual seja, o da emergência de obrigações erga omnes e os
conseqüêntes declínio e fim da reciprocidade. No campo da proteção
dos direitos humanos, a reciprociedade é superada e suplantada pela
noção de garantia coletiva e considerações de ordre public. Isto
opera uma revolução nos postulados do direito internacional
tradicional. Os tratados de direitos humanos incorporam obrigações
de caráter objetivo, voltados à salvaguarda dos direitos dos seres
humanos e não dos Estados, com base em um interesse público geral
superior (ou ordre public). Donde a especificidade dos tratados de
direitos humanos."[11]



O debate travado na Eco 92, no Rio de Janeiro, centrou no fato de
que a proteção ambiental e a racionalização dos recursos naturais,
sobretudo nos países subdesenvolvidos, requer um sacrifício de empregos e
oportunidades econômicas. É um testemunho sintomático da dialética entre
pobres e ricos. "É de se observar que os recursos fornecidos pelos ricos
são apenas para a ecologia e não para o homem no sentido do Terceiro Mundo
vir a erradicar a miséria, quando não há maior poluição do que a
miséria."[12]


5. Universalismo e relativismo nos direitos humanos
5.1. O princípio da universalidade

Os tempos atuais caracterizam-se por uma construção paradoxal que
envolve, de um lado, um programa universalista inaugurado pela modernidade
globalizante e, de outro, um conjunto de práticas e discursos que efetivam
o abandono do humano e legitimam esse esquecimento. a própria idéia de
Direitos Humanos pressupõe a recepção do conceito de humanidade; o que só
pode ser feito, se se mantém operante a identidade vinculadora a todos os
demais.
Segundo André-Jean Arnaud[13], a idéia do universalismo é fruto do
pensamento filosófico ocidental caracterizado pela visão etnocentrista de
que os valores válidos para o ocidente o são urbi et orbi. Está pautada
fundamentalmente sobre o sujetivismo[14], do qual surgiram as Declarações
dos Direitos Do Homem e do Cidadão. É a partir do conceito de subjetivismo
que se extrai o caráter humanístico das regras mais essenciais que ordenam
as relações jurídicas, norteadas pelo princípio da valoração da vida em
sociedade.
Sempre que se exclui alguém da idéia definida de direito, está
decretada a ruína do princípio da universalidade e ocorre consequentemente
a regressão para aquém da própria noção de direito.
Aduz Arnaud, in litteris:
"... a junção entre abstração, axiomatização e
subjetivismo que permitiu aos autores da época moderna –
notadamente os da corrente jsunaturalista racionalista – construir
axiomaticamente uma ciência de direito fundada na primazia do
sujeito. Subtende-se que este último é "sujeito de direitos; isto
é, titular de direito "subjetivos".(...)
A idéia de que os valroes estabelecidos na base dos
fundamentos de nossos direitos, pelos filósofos europeus da época
"moderna", seriam univerais, penetrou tão profundamente nas
mentalidades que a encontramos nos mínimos recantos da cultura
ocidental."[15]


Não por acaso, todas as versões do anti-humanismo, à direita ou à
esquerda, consagram a intolerância como estilo, a violência como método e a
irracionalidade como conteúdo. Por esta via , que se renova
contemporaneamente no abandono e descaso aos Direitos Humanos, o que se
perde de vista, sempre, são os indivíduos concretos. Afinal, os
particularismos não podem conceber as pessoas como intransponíveis. As
plataformas extremas apenas o evidenciam pelo que possuem de
incontrastável.
Assim, como o exemplifica Marcos Rolim, Hitler podia nos falar
"(..) do nada do ser humano individual e da sua existência prolongada na
imortalidade visível da nação."[16] No entanto, a realidade histórica
objetiva demonstrou que o ser humano e o desenvolvimento pleno de suas
potencialidades é o que de verdade importa, independente dos marcos
configurados das fronteiras, sejam elas de caráter geográfico, cultural ou
social. E de maneira incondicionada visto que elas extrapolam em muito suas
circunstâncias. Marcos Rolim preconiza que:
"...os conceitos de raça e classe social emergiram na
experiência totalitária como particularismos absolutos porque
estavam, de uma ou outra forma, no centro de ideologias cuja
pretensão foi a de revelar o absoluto fosse como natureza ou
"sentido da história". Tais experiências demonstraram o que há de
temível na idéia de "verdade" e sua virulência frente ao ideal
democrático. Demonstraram mais, não obstante. Pelo totalitarismo,
sabemos que a figura do mal radical neste século só pode ser
vitoriosa sobre a destruição do princípio de universalidade, o
mesmo princípio que sustenta a luta pelos Direitos Humanos".[17]


Os ataques contrários à nova universalidade dos direitos
fundamentais são verdadeiros despautérios. Leciona Paulo Bonavides[18]:
"a nova universalidade dos direitos fundamentais os
coloca assim, desde o princípio, num grau mais alto de
juridicidade, concretude, positividade e eficácia. é universalidade
que não exclui os direitos da liberdade, mas primeiro os fortalece
com as expectativas e os pressupostos de melhor concretizá-los
mediante a efetiva adoção dos direitos da igualdade e da
fraternidade".
Continua o mestre: "A nova universalidade procura, enfim,
subjetivar de forma concreta e positiva os direitos da tríplice
geração na titularidade de um indivíduo que antes de ser o homem
deste ou daquele País, de uma sociedade desenvolvida ou
subdesenvolvida, é pela sua condição de pessoa um ente qualificado
por sua pertinência ao gênero humano, objeto daquela
universalidade."




5.2. O relativismo e as especificidades regionais

Arnaud[19] preconiza que entre os diversos e numerosos paradoxos
enfrentados pelo pós-modernismo, dois são particularmente apontados ao
longo do processo de globalização: o primeiro tem a ver com o próprio pós-
modernismo que opõe o universal ao particular, e o segundo – a
globalização, por colocar em pólos opostos global e local.
Por outro lado, o mesmo autor admite em sua obra que o "universal e
o particular se opõem , mas são indissociáveis, tanto em uma perspectiva de
reconstruçào do direito na base dos fundamentos pós-modernos, como na
implementaçào da relaçào jurídica no âmbito da globalização das trocas".
Defende o relativismo a partir de uma visão pela qual a redescoberta do
"local" faz com que as identidades culturais se afirmem, fato que o
universalismo não o permite.
Considera Rolim[20], por seu turno, que polêmica proposta pelo
relativismo acerca das especificidades regionais, como limitadoras da
amplitude e eficácia dos direitos humanos, carecendo de sustentação se
analisada com profundidade e método adequados. Significa afirmar que possui
limitações teóricas constitutivas que terminam por desacreditar seus
próprios pressupostos. Isto não implica em afirmar que os adeptos do
relativismo não forneçam ao debate público questões que empalmam com a
realidade objetiva. Não parece ser possível enfrentar qualquer dilema
político relevante a partir de uma posição relativista, se a entendermos,
genericamente, como a afirmação de uma ética "comunitária" – legitimada por
comunidades – contraposta aos imperativos de uma ética universalista, como
aquela pressuposta no próprio ideário dos Direitos Humanos.
O relativismo indiscriminado exclui valores e práticas de uma
cultura da avaliação moral de indivíduos de outras culturas, como se o
aporte de todas para a liberdade e a igualdade fosse igualmente valioso. Ou
como se os direitos humanos não constituíssem o próprio limite à
diversidade. Urgente então seria preservar critérios universais que retiram
a legitimidade de todos os valores e práticas baseados na dominação e na
discriminação, inclusive de gênero, e endossam a responsabilidade
internacional pela proteção da pessoa, consagrada na Declaração Universal
dos Direitos Humanos de 1948.


5.3. O exemplo da mutilação genital feminina
A mutilação genital feminina, por exemplo, como o informa Carlos
Alberto Idoeta[21]é prática comum na África e em alguns países do Oriente
Médio. Ocorre também em comunidades de imigrantes em países latino-
americanos, asiáticos, europeus, Canadá e EUA. Está ligada à castidade e à
crença de que diminui o desejo sexual e reduz o risco de infidelidade (na
infibulação, a mulher "costurada" só é "aberta" para o marido). Outros
supostos argumentos a dar respaldo consistem em motivos de higiene e
estética, com a genitália feminina tida como feia e volumosa. Em algumas
culturas, às mulheres não mutiladas é vedado o manuseio de alimentos e
água.
O autor aponta que é desconhecida a origem da mutilação. Precedeu
o cristianismo e o islamismo, era praticada pelos "falashas" (judeus
etíopes), não é preceito de nenhuma das chamadas grandes religiões.
A violência contra as mulheres é uma realidade antiga. Mas, ao
contrário de outros grupos oprimidos, as mulheres raramente têm recorrido à
violência para a afirmação de seus direitos. Até as declarações de direitos
humanos enunciaram direitos do homem e excluíram de sua abrangência formas
de violência doméstica ou comunitária como a mutilação genital feminina. A
subordinação foi aceita como inelutável enquanto um dos sexos foi, por
séculos, assumido como física e intelectualmente inferior ao outro.
Quando a humanidade passa a desafiar, além do racismo e do
colonialismo, o patriarcalismo, a violência contra a mulher deixa de ser
"pessoal" e adquire a condição de problema político e social. Os próprios
defensores de direitos humanos carecem de encontrar quais as formas de
lidar com violações cometidas pelo indivíduo contra o indivíduo, em escala
ainda maior e autorizadas pela própria família da vítima.
Às dificuldades de ordem prática, soma-se o argumento muitas vezes
aplicado de fazer do multiculturalismo um obstáculo ao universal. Enfrentar
a mutilação genital feminina, por exemplo, seria uma causa "eurocêntrica",
ou ocidental que despreza valores de culturas milenares? Nesse debate,
imperativo se fazer dar voz e vez às próprias vítimas.
A prática da excisão de clitóris encontra amplo respaldo cultural
nos países muçulmanos. Conta com o apoio, inclusive, da grande maioria das
mulheres. Ora, o próprio ideário dos Direitos Humanos integra o direito à
autodeterminação das nações como um dos seus valores. Com isto, não se
pretende negar a nenhum povo a prerrogativa de estabelecer os seus próprios
regramentos. Este mesmo ideário, entretanto, é incompatível com a oferta de
dor e sofrimento a quem quer que seja e queda por oferecer elementos
suficientes para um juízo moral a respeito daquela prática de mutilação que
é, também, sustentada por uma cultura amplamente repressora frente às
mulheres. Está-se, então, diante de um conflito ético que justapõe dois
valores absolutamente imponderáveis: a consideração pela independência,
autonomia e soberania dos povos, de um lado, versus a intolerância diante
da violência, de outro. Apenas a ética universalista dos Direitos Humanos
pode manter a exigência de respeito e luta pela afirmação dos dois valores.
Se, pelo contrário, toma-se como suficiente a aceitação cultural de
determinadas práticas nesta ou naquela comunidade situada historicamente –
abandonando, portanto, a perspectiva universalista – estar-se-ia
absolutamente desarmado teórica e politicamente para questionar o mal
radical produzido com grande aceitação interna pelo nazismo na Alemanha,
por exemplo.


5.4. Especificidades político-religiosas
As objeções suscitadas quanto à universalização dos direitos
humanos são particularmente levantadas pelos países islâmicos e asiáticos.
Estes acusaram que os propósitos universalistas dos direitos humanos são,
na verdade, princípios ocidentais, que desprezam as particularidades
regionais de cada povo. É uma discussão que deve ser aprofundada, ainda
mais em face dos recentes acontecimentos político-religiosos do Islã e da
China, só para fornecer um exemplo.
O fundamentalismo religioso nega uma série de direitos que os
ocidentais, reputam como ínsitos à natureza humana, principalmente a
liberdade religiosa e de expressão. O Islã vem fechando cada vez mais as
suas portas, procurando um isolamento frente ao Ocidente, no ideal de
formar uma comunidade vinculada aos preceitos do Corão. Tal política
isolacionista dificulta sobremaneira a vigilância internacional sobre os
direitos humanos. É o tribalismo maléfico.
Com a China, o processo de abertura econômica não causou a devida
abertura política e, por conseguinte, a sua democratização. Atualmente a
situação é delicada, principalmente para os EUA, posto que os maciços
investimentos das empresas ocidentais e, evidentemente, os avantajados
lucros, estão em conflito com as posturas políticas de seus países, no
tocante às exigências de respeito aos direitos humanos pelos chineses.
Pequim ameaçou retaliar se continuassem as intromissões em sua política
interna. Os prejuízos econômicos podem ser enormes. Eis o dilema. Qual a
prioridade: investimentos ou direitos humanos?

6. Rumo a um Direito Internacional dos Direitos Humanos
Renato Sócrates Gomes Pinto[22] observa que, na atualidade, em face
da tendência à universalidade dos direitos humanos configura-se uma nova
seara jurídica, com com âmbito próprio a denominar-se Direito
Internacional dos Direitos Humanos .
Na normatização deste florescente Direito, que tem dimensão
universal, estão a consubstanciar-se declarações, pactos, convenções e
protocolos. As declarações, como é o caso da Declaração Universal dos
Direitos Humanos e da Declaração Americana dos Direitos Humanos, são
instrumentos que congregam regras de Direito Internacional e princípios
gerais do direito. Os pactos, convenções e protocolos adicionais constituem
tratados que vinculam os Estados signatários, sendo incorporados no Direito
Constitucional e infra-constitucional dos diversos países.
Esse novo ramo do Direito emerge com princípios próprios. Suas
normas, tal como o autor o afirma "têm hierarquia constitucional e se
caracterizam por sua força expansiva decorrente da abertura tipológica de
seus enunciados. O Direito Internacional dos Direitos Humanos também rompe
com a distinção rígida entre Direito Público e Direito Privado, libertando-
se dos paradigmas clássicos".[23]
Como base jurídico-política do que pode ser considerada a vertente
humanista da globalização, o "Direito Internacional dos Direitos Humanos",
por ter também uma função de dissolver fronteiras, a operar a proteção do
ser humano intrinsecamente considerado, tangencia o tradicional conceito de
soberania irrestrita, reivindicando a universalidade como valor colocado na
ordem do dia das relações internas e externas das sociedades humanas.
O que se vislumbra em todo esse processo de internacionalização dos
direitos humanos, a que Norberto Bobbio[24] se refere como essencial no
caminho obrigatório para a busca da "paz perpétua", no sentido Kantiano da
expressão, é a configuração de um fenômeno da mesma natureza da
globalização econômica.
A estrutura normativa de proteção internacional dos direitos
humanos abrange os instrumentos de proteção global, cujo código básico é a
chamada international bill of human rights, compreendendo o pacto e o
protocolo facultativo internacional dos direitos civis e políticos, o pacto
internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais e os
instrumentos de proteção regional, que são aqueles pertencentes aos
sistemas europeu, americano, asiático e africano.
Gomes Pinto[25] informa que "o primeiro marco histórico referido à
internacionalização dos direitos humanos terá sido a Convenção de Direito
Humanitário de 1864" . O Direito Humanitário surgiu então como primeira
positivação, no campo do Direito Internacional, dos direitos humanos.
Acrescenta o autor que outro marco decisivo foi a Convenção da Liga
das Nações de 1920 , que continha previsões genéricas referentes aos
Direitos Humanos, obrigando os Estados signatários a respeitarem a
dignidade dos homens, mulheres e crianças, particularmente no campo do
trabalho. Pela primeira vez, foram previstas sanções econômicas e militares
contra os Estados que violassem essa Convenção.
No processo de internacionalização dos direitos humanos, foi também
de fundamental importância a instituição da Organização Internacional do
Trabalho. Nessa fase inicial, contudo, ainda vigorava a idéia de que os
direitos humanos eram matéria que excluía de participação o indivíduo como
ator do processo. Os instrumentos institucionais eram endereçados apenas
aos Estados, sendo os indivíduos apenas objeto de proteção, sem direito de
representação.
Após a Segunda Guerra Mundial, com a criação das Nações Unidas, em
1945, houve uma genuína revolução jurídica, que internacionalizou, de modo
decisivo, os direitos humanos (arts. 55 e 56 da Carta da ONU).
Em 1948, foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
enunciando direitos referidos à liberdade e à igualdade. Esta representou
também um salto de síntese dialética de superação da velha dicotomia
(liberdade versus igualdade), ao reunir, num mesmo documento, os direitos
civis e políticos, bem assim os direitos econômicos, sociais e culturais,
afirmando então a indivisibilidade dos direitos humanos fundamentais.
Ainda em 1948, foi aprovada a convenção contra o genocídio. No
mesmo ano, foi assinada, em Bogotá, a Convenção Interamericana sobre a
Concessão dos Direitos Civis e dos Direitos Políticos à Mulher.
Em 1950, foi aprovada a Convenção Européia dos Direitos Humanos. O
tratado europeu representou um dos mais significativos avanços na
consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos, com uma grande
inovação: elevou o indivíduo à condição de sujeito de direito
internacional, ao prever a possibilidade de qualquer cidadão, nacional ou
estrangeiro, individual ou coletivamente, ajuizar petições junto à Comissão
Européia de Direitos Humanos, denunciando violações dos direitos e
liberdades enunciados na Convenção.
Numerosas outras convenções vêm sendo firmadas, a saber:
a) em 1951, a convenção relativa ao estatuto dos refugiados;
b)em 1966, o pacto internacional para a proteção dos direitos civis
e políticos e o pacto internacional para a proteção dos direitos
econômicos, sociais e culturais;
c) em 1968, a convenção sobre a eliminação de todas as formas de
discriminação racial;
d)em 1969, a convenção americana sobre direitos humanos;
e)em 1979, a convenção sobre a eliminação de todas as formas de
discriminação contra a mulher;
f) em 1984, a convenção contra a tortura e outros tratamentos ou
penas cruéis, desumanas ou degradantes;
g) em 1985, a convenção interamericana para prevenir e punir a
tortura;
g) em 1989, a convenção sobre os direitos da criança;
i) em 1994, a convenção interamericana para prevenir, punir e
erradicar a violência contra a mulher.
A partir, portanto, de meados deste século, várias declarações,
pactos e convenções sobre direitos humanos vêm sendo produzidas, num
processo de convergência mundial pela positivação universalista desses
direitos. E os direitos e liberdades enunciados nesses tratados
internacionais vêm sendo internalizados no Direito Constitucional dos
países, como normas materialmente constitucionais.
A existência de normas internacionais, que, pela sua própria
natureza, situam-se num plano mais elevado que as de direito interno
(apenas nesse sentido é que pode falar em supremacia), como situar a
Declaração Universal de Direitos do Homem (que não é tratado, mas resolução
da Assembléia Geral da ONU) e o Pacto de São José da Costa Rica em um plano
infraconstitucional, como é o entendimento reiterado da jurisprudência.
No Brasil, esses direitos são constitucionalizados em virtude do
disposto no parágrafo 2(; do art. 5(; da Constituição de 1988, que diz que
os direitos nela enunciados não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte.
No Direito Constitucional Comparado Latino-Americano a mesma força
normativa dos tratados internacionais sobre direitos humanos é observada.
Flávia Piovesan[26], em sua excelente obra Direitos Humanos e Direito
Constitucional Internacional faz substanciosa síntese da recepção dos
tratados sobre direitos humanos nas constituições latino-americanas, nestes
termos:
"Destaque-se, inicialmente, a Constituição do Peru de
1979, ao determinar no art. 105 que os preceitos contidos nos
tratados de direitos humanos têm hierarquia constitucional e não
podem ser modificados senão pelo procedimento que rege a reforma da
própria constituição.
No mesmo sentido, a Constituição da Argentina, após a
reforma constitucional de 1994, passou a dispor no art. 75, inciso
22, que, enquanto os tratados em geral têm hierarquia infra-
constitucional, mas supra-legal, os tratados de proteção dos
direitos humanos têm hierarquia constitucional, complementando os
direitos e garantias constitucionalmente reconhecidos.
Por sua vez, a Constituição da Nicarágua de 1986 integra à
enumeração constitucional de direitos, para fins de proteção, os
direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos
(...).
Esta Constituição confere assim hierarquia constitucional
aos direitos constantes dos instrumentos internacionais de proteção
aos direitos humanos.
Um outro exemplo é a Constituição da Guatemala de 1986, ao
prever que os direitos e garantias nela previstos não excluem
outros que não figurem expressamente no elenco constitucional. Este
texto adiciona que os tratados de direitos humanos ratificados pela
Guatemala têm preeminência sobre o Direito interno, nos termos do
art. 46.
Nesta mesma direção está a Constituição da Colômbia de
1991, que no art. 93 confere hierarquia especial aos tratados de
direitos humanos, ao determinar que estes prevalecem na ordem
interna e que os direitos humanos constitucionalmente consagrados
serão interpretados em conformidade com os tratados de direitos
humanos ratificados pela Colômbia".


Mesmo que não se atribua status de regra constitucional às
enunciações de direitos dos tratados internacionais sobre direitos humanos,
ainda assim subsiste sua força normativa constitucional, pois
consubstanciam princípios com carga de normatividade, inclusive como
diretriz hermenêutica. A força normativa dos princípios já está consolidada
no constitucionalismo pós-positivista, a partir de Müller, na Alemanha, que
suplantou o positivismo tradicional de Kelsen e seus seguidores, e a partir
de Dworkin, que, no mundo anglo-saxônico, mudou o eixo de Oxford (Bentham e
Austin) para Harvard.
Nesse final de século, desenha-se no contexto mundial a imperiosa
necessidade de a cidadania dispor de instrumentos normativos que assegurem
a inviolabilidade dos povos. Essa tendência, iniciada pela separação do
indistinto poder soberano, premente nas antigas relações entre governantes
e governados, tem como marco histórico e inaugural a célebre instituição do
Tribunal de Nuremberg, responsável pelo julgamento dos crimes cometidos
contra a humanidade patrocinados pelo nazismo hitleriano .


7. Conclusão
Os direitos humanos não são apenas um conjunto de princípios morais
que devem informar a organização da sociedade e a criação do direito.
Enumerados em diversos tratados internacionais e constituições, asseguram
direitos aos indivíduos e coletividades e estabelecem obrigações jurídicas
concretas aos Estados.
Mormente quando se dá conta que o próximo século que se avizinha
apresentará aos países em desenvolvimento novos desafios, sem os quais suas
inserções na ordem mundial não se viabililizarão, esses direitos assumem
uma importância ainda mais objetiva. Embora a proposital referência ao
processo em curso de globalização aponte para uma visão economicista, com
finalidade de explorações financeiras e mercantis, torna-se cada vez mais
inevitável contemplar o novo cenário planetário sem perceber a inevitável
inclusão de reivindicações humanitárias, que venham a aproximar os povos de
todos os continentes em direitos e dignidade.
Trata-se pois de conceber o programa dos Direitos Humanos como a
proposição mais avançada e radical de promoção da liberdade e da cidadania
que se opõe, constitutivamente, ao modelo do sujeito alienado,
desinteressado das questões públicas ou alijado das questões político-
sociais por conta da ignorância e da miséria extemada.
A criação de mecanismos judiciais internacionais de proteção dos
direitos humanos, como a Corte Interamericana e a Corte Européia de
Direitos Humanos, ou quase judiciais como a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos ou Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, deixam
claro uma mudança na antiga formulação do conceito de soberania. É certo,
porém, que a obrigação primária de assegurar os direitos humanos continua a
ser responsabilidade interna dos Estados .
No entanto, face às constantes violações aos direitos fundamentais
do ser humano escudadas em pretensas fundamentações que reivindicam as
questões ligadas às tradições quer culturais ou religiosas regionais ou
tribais, cresce a importância da discussão necessária acerca da
universalidade dos Direitos Humanos consagrados nas Declarações existentes,
no marco da globalização em curso.
Nesse quadro multiplica-se consideravelmente a importância
dimensional dos tratados gerais de proteção internacional dos direitos
humanos no plano das relações exteriores, bem como a configuração de um
Direito Internacional dos Direitos Humanos.


8. Referências bibliográficas
ARNAUD, André-Jean. O Direito entre Modernidade e Globalização. Lições de
Filosofia do Direito e do Estado, RJ: Renovar, 1999.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, 11a. ed., RJ:Campus, 1992.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo.
Malheiros, 1999.
IDOETA, Carlos Alberto. A indivisibilidade dos Direitos Humanos, retirado
de http:/www.eupg.br/rj/a1vat12.htm, 2000.

MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. O Brasil e o direito internacional na
nova ordem mundial. Revista da Faculdade de Direito da UFMG. V. 34, N.
34. 1994.
PINTO, Renato Sócrates Gomes. Globalização dos Direitos Humanos?,
Retirado de http:/www.eupg.br/rj/a1vat12.htm, 2000.
RAUSCHNING, H. Hitler Speaks , Londres, T. Butterworth, 1939, p.222, in
ROLIM, Marcos. A universalidade como princípio, retirado
de:www.rolim.com.br/cronic/html.
SANTOS, Edilsom Pereira dos. Colisão de Direitos (A Honra, a Intimidade, a
Vida Privada e a Imagem versus a Liberdade de Expressão e Informação).
Porto Alegre. Sergio Antonio Fabris Editor, 1996.
TRINDADE A. Cançado. Ao Legado de Viena. A incorporação das normas
internacionais de proteção dos direitos humanos no direito brasileiro,
anais da II Conferência Mundial de Direitos Humanos (1993), 1996.

-----------------------
* Autora é advogada e professora universitária das disciplinas Ciência
Política e História do Direito, especialista lato sensu em Direito Civil e
Processo Civil e mestranda em Direito pela Universidade Gama Filho.
[1] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, p. 170.
[2] Quando se fala em Direitos Humanos, utilizamos esta expressão como
sinônimo dos direitos fundamentais. Portanto, direitos fundamentais são, os
direitos individuais fundamentais (relativos à liberdade, igualdade,
propriedade, segurança e vida); os direitos sociais (relativos à educação,
trabalho, lazer, seguridade social entre outros); os direitos econômicos
(relativos ao pleno emprego, meio ambiente e consumidor); e direitos
políticos (relativos às formas de realização da soberania popular).
Observa Carlos Alberto Bittar que os chamados direitos de personalidade
recebem diferentes nomes frente à perspectiva de análise, verificando-se
como mais comuns, os seguintes: "Direitos do Homem", "Direitos Fundamentais
da Pessoa", "Direitos Humanos", "Direitos Inatos","Direitos Essenciais da
Pessoa", "Liberdades Fundamentais" e, especialmente, "Direitos de
Personalidade". (01) O autor citado faz diferenciação entre direitos de
personalidade e liberdades públicas, e por sua vez dos Direitos Humanos.
Isto nos desperta para a extrema diversidade de expressões que devem ser
ordenadas, pois só contribuem para a dificuldade de compreensão do tema.

[3] Cf. Direitos Humanos na Ordem Jurídica Interna, p. 19.
[4] Cf. Antônio Augusto Cançado Trindade. Direitos humanos e meio-ambiente:
paralelo dos sistemas de proteção internacional, prefácio, p. 19.

[5] Citado por Edilsom Pereira dos Santos. Colisão de Direitos (A Honra, a
Intimidade, a Vida Privada e a Imagem versus a Liberdade de Expressão e
Informação), p. 59.

[6] O ponto de convergência dos Direitos Individuais será a liberdade,
sendo que estes direitos são relativos à vida, liberdade, propriedade,
segurança e igualdade. Encontramos na doutrina referência a "direitos de
personalidade" (vida, liberdade), "direitos da intimidade" (vida privada,
inviolabilidade de domicílio), "liberdades públicas" (liberdade de reunião,
de associação, etc.), todas estas denominações se incluem dentro dos
direitos individuais fundamentais...



[7] PINTO, Renato Sócrates Gomes. Globalização dos Direitos Humanos?,
Retirado de http:/www.eupg.br/rj/a1vat12.htm. O autor é Procurador de
Justiça do Distrito Federal. Pós-graduado em Direito e Estado pela
Universidade de Brasília e em Direitos Humanos e Liberdades Civis pela
Universidade de Leicester, Grã-Bretanha..

[8] Cf. Celso Duvivier de Albuquerque Mello. O Brasil e o direito
internacional na nova ordem mundial, p. 306.

[9] Cf. A. A. Cançado Trindade. A II Conferência Mundial de Direitos
Humanos (1993): o Legado de Viena. A incorporação das normas internacionais
de proteção dos direitos humanos no direito brasileiro, p. 113.

[10] Nesta virada de milênio, parece evidenciada a configuração da
globalização econômica e da hegemonia do neoliberalismo. À vista dos
grandes desafios em particular para os países do denominado Terceiro Mundo
; abertura política, estabilização econômica e reforma social; segundo José
Eduardo Faria, emergem as seguintes questões: como criar e desenvolver
formas originais e inéditas, conciliando a racionalidade técnico-
instrumental dos processos de modernização econômica com a racionalidade
normativa dos processos de modernidade político-jurídica?
Como pode, por exemplo, a sociedade latino-americana autodeterminar sua
ordem coletiva em termos de engenharia institucional, diante de um processo
transnacional de modernização que compromete a soberania de seus Estados e
torna obsoletos seus instrumentos tradicionais de ação, gestão, controle e
planejamento?
As indagações do notável estudioso são, para muitos analistas político-
sociais, procedentes , pois acreditam eles que a receita neoliberal, com
seus ingredientes essenciais - a desconstitucionalização, a deslegalização
e a desregulamentação - poderá resultar no esvaziamento institucional e no
retorno ao "estado de natureza" hobbesiano e à barbárie, numa verdadeira
catástrofe social para os latino-americanos.
[11] Op. cit., p. 23.
[12] Cf. Celso D. A. Mello. op. cit., p. 307.
[13] André-Jean Arnaud. O Direito entre Modernidade e Globalização. Lições
de Filosofia do Direito e do Estado, RJ: Renovar, 1999.
[14] Para Arnaud, sujetivismo "é a transformação em teoria da idéia de que
o sujeito está no centro do mundo – logo, centro do direito".
[15] Op. cit., p. 206.
[16] RAUSCHNING, H, "Hitler Speaks" , Londres, T. Butterworth, 1939, p.222,
in ROLIM, Marcos. A universalidade como princípio, p.2 .
[17] Cf.op. cit. p.2.
[18] Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 301.
[19] Op. cit.
[20] Op. cit.
[21] Carlos Alberto Idoeta, é diretor da Seção Brasileira da Anistia
Internacional.
[22] Renato Sócrates Gomes Pinto é Procurador de Justiça do Distrito
Federal. Pós-graduado em Direito e Estado pela Universidade de Brasília e
em Direitos Humanos e Liberdades Civis pela Universidade de Leicester, Grã-
Bretanha, autor do artigo A Globalização dos Direitos Humanos.

[23]PINTO, Renato Sócrates Gomes. A Globalização dos Direitos Humanos, p.1.

[24] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos.p 132..
[25] Op. cit. p. 3
[26] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Direito Constitucional
Internacional
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