Direitos Reais Agrários

May 23, 2017 | Autor: Manuel David Masseno | Categoria: Property Law, Portugal, Agricultural Law, Reforma Agraria, Derecho agrario
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Direitos Reais Agrários 10 de março de 2017 .

Manuel David Masseno 1

UMAU

Direitos Reais Agrários

I – algumas questões gerais 

a qualificação dos "Direitos Reais Agrários" 





um ponto de partida: nem a Lei, nem a Jurisprudência, nem a Doutrina, incluindo a estrangeira, construíram uma tal categoria operatória, embora sejam correntes estudos sobre os direitos reais, especialmente, relevantes para a agricultura pelo que, nos ocuparemos dos iura in rem e dos iura ad rem que têm por objeto bens destinados à produção agrícola, stricto sensu o que implica um duplo critério, o da natureza e o do destino: 

para o primeiro, o Legislador identifica a "terra", id est, os "solos e os restantes recursos naturais", bem como "os demais meios de produção diretamente utilizados na sua exploração" (Art.ºs 93.º n.º 1 alíneas b), d) e e) da CRP e Art.ºs 3.º n.º 1 alínea b) e n.º 2 alínea b), os Art.ºs 12.º a 20.º da LBDA – Lei de Bases do Desenvolvimento Agrário / Lei n.º 86/95, de 1 de setembro, assim como os Art.ºs 2.º, 3.º e 4.º da LBPS - Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo (Lei n.º 31/2014, de 30 de maio) 2

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para o segundo, precisamos de considerar a criação de plantas e animais para os mercados, especialmente sujeita a riscos ambientais e a vínculos de sustentabilidade, assim como as respetivas atividades conexas, incluindo as de serviços (Art.ºs 93.º n.º 1 alíneas a) e d) e n.º 2, e 97.º n.º 2 da CRP, Art.ºs 1.º n.º 2, 2.º alínea a), 3.º n.º 1 alínea b) e n.º 2 alíneas c) e h), 22.º n.º 2 alíneas a), d) e e) e 27.º da LBDA, assim como os Art.ºs 464.º 2.º e 4.º e 230.º §§ 1.º e 2.º do Código Comercial, sendo especialmente claro o Art.º 5.º alínea c) da LAR – Lei do Arrendamento Rural / Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro, a qual considera como "atividade agrícola" "a produção, cultivo e colheita de produtos agrícolas, a criação de animais e produção de bens de origem animal e a manutenção das terras em boas condições agrícolas e ambientais") no mesmo sentido, v.g., "Sont réputées agricoles toutes les activités correspondant à la maîtrise et à l'exploitation d'un cycle biologique de caractère végétal ou animal et constituant une ou plusieurs étapes nécessaires au déroulement de ce cycle ainsi que les activités exercées par un exploitant agricole qui sont dans le prolongement de l'acte de production ou qui ont pour support l'exploitation." (Art. L311-1 do Code Rural francês)

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uma evolução marcada pelas ideologias: 

a unicidade e a absolutividade do domínio sobre a terra como um projeto fundamental das Revoluções Liberais: 







daí o papel central da Propriedade na Constituição de 1822, na Carta Constitucional de 1824 e, ainda, na Constituição de 1911 o papel panfletário da Lei da Libertação da Terra / Decreto de 13 de agosto de 1832, de Mouzinho da Silveira a desamortização venda, em propriedade plena, dos bens da Coroa e nacionais (1798-1833), dos expropriados, sobretudo à Igreja (desde 1834), e dos baldios (a partir de 1861)

os Códigos Civis enquanto constituições económicas da burguesia rural 





o compromisso do Código de Seabra, de 1867, com a continuidade da enfiteuse e da colonia, esta tolerada, centrando-se na eliminação do compáscuo comunitário o aforamento como via de acesso à terra no Projeto de lei sobre a Utilização dos Terrenos Incultos de Ezequiel de Campos a continuidade do compromisso no Estado Novo, apesar da previsão da Função Social da Propriedade na Constituição e no Estatuto do Trabalho Nacional, de 1933 4

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a manutenção da enfiteuse, assim como da colonia e do compáscuo, bem como duma disciplina separada para as águas, no Código Civil de 1966, apesar do esforço de simplificação e unificação dos regimes aplicáveis à propriedade e restantes direitos reais

a consideração constitucional da agricultura, e do ambiente, na II República 

 



a Revolução Agrária de 1974 a 1976, com a abolição da enfiteuse e da colonia, cumprindo o programa liberal de consolidação da propriedade no domínio útil, com uma indemnização limitada aos titulares do domínio direto, ou a criação e extinção de direitos reais novos como a posse útil e a reserva a constitucionalização da Reforma Agrária, depois Política Agrícola o influxo dos Tratados e da Política Agrícola Comum da Comunidade / União Europeia a crescente relevância do Ordenamento do Território e do Ambiente na conformação dos direitos sobre bens agrários, por força das Revisões Constitucionais, do Direito Europeu e das várias Leis de Bases relevantes 5

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o atual sistema de Fontes: 

a "descodificação" e a "constitucionalização" do Direito Privado: 







a "civilização" do Código Civil e a nova centralidade da Pessoa, enquanto tal, já identificável no Código de 1966 a nova centralidade das várias Leis de Base, por determinação constitucional (Art.º 112.º, n.ºs 2 e 3)

a "europeização" do Direito Privado: 





a superveniência de "Constituições da Sociedade" e a perda de centralidade dos Códigos Civis

os Princípios, jurisprudenciais, do Direito da União Europeia, nomeadamente os do Primado e da Preempção a harmonização e a europeização crescentes das disciplinas aplicáveis às relações entre os privados, sobretudo às de conteúdo patrimonial

a nova estratificação das sedes dos Princípios relevantes: 





a Constituição da República e o Direito da União Europeia

as Leis de Bases enquanto concretizações da Constituição, começando pela do Desenvolvimento Agrário a relevância apenas técnica, i.e., não valorativa, das normas constantes do Código Civil 6

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II – a(s) propriedade(s) agrária(s) 

a propriedade agrária e as propriedades agrárias: 

a disciplina constitucional dos meios de produção: 







a ausência de um direito unitário de propriedade no nosso Ordenamento Jurídico, designadamente no que se refere ao direito constitucional à propriedade (Art.º 62.º da CRP) a relevância do regime de Propriedade dos Meio de Produção (Art.º 80.º e ss. da CRP) a incidência da disciplina da Constituição Económica, e da Constituição Económica Agrária em especial

o poder de afetação dos meios de produção em geral: 



a Liberdade de Iniciativa Económica enquanto fundamento da legitimidade do empresário na afetação dos fatores de produção (Art.º 61.º da CRP) um poder de afetação limitado em virtude da situação dos terrenos, dos Planos de Ordenamento do Território e das limitações de interesse público na nova LBPS 7

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a titularidade e conteúdo do poder de afetação do solo agricultável, enquanto meio de produção: 



antes de mais, "O direito de propriedade privada e os demais direitos relativos ao solo são ponderados e conformados no quadro das relações jurídicas de ordenamento do território e de urbanismo, com princípios e valores constitucionais protegidos, nomeadamente nos domínios da defesa nacional, do ambiente, da cultura e do património cultural, da paisagem, da saúde pública, da educação, da habitação, da qualidade de vida e do desenvolvimento económico e social." (Art.º 4.º n.º 2 da LBPS) e "'Solo rústico' [é] aquele que, pela sua reconhecida aptidão, se destine, nomeadamente, ao aproveitamento agrícola, pecuário, florestal, à conservação, valorização e exploração de recursos naturais, de recursos geológicos ou de recursos energéticos, assim como o que se destina a espaços naturais, culturais, de turismo, recreio e lazer ou à proteção de riscos, ainda que seja ocupado por infraestruturas, e aquele que não seja classificado como urbano" (Art.º 10.º n.º 2 alínea a)

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e se, em geral, "Os proprietários do solo têm o direito a utilizar o solo de acordo com a sua natureza" (Art.º 13.º n.º 1 da LBPS) em especial, "Os proprietários do solo rústico têm o direito de utilizar os solos de acordo com a sua natureza, traduzida na exploração da aptidão produtiva desses solos, diretamente ou por terceiros, preservando e valorizando os bens culturais, naturais, ambientais e paisagísticos e de biodiversidade." (Art.º 13.º n.º 2 da LBPS) no mesmo sentido, temos que a "terra, como suporte físico fundamental da comunidade, é valor eminentemente nacional, devendo respeitarse a sua função social, no quadro dos condicionalismos ecológicos, sociais e económicos do País." (Art.º 14.º n.º 1 da LBDA)

com uma especial incidência nos solos que integram a Reserva Agrícola Nacional (Art.º 14.º n.º 3 da LBDA e Art.ºs 20.º a 22.º do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de março) assim como da disciplina das áreas beneficiadas por empreendimentos hidroagrícolas (Art.ºs 31.º a 36.º e 78.º do Decreto-Lei n.º 269/82, de 10 de julho, tal como modificado pelo DecretoLei n.º 88/2002, de 6 de abril) ou do regime da Bolsa de Terras (Art.º 9.º da Lei n.º 62/2012, de 10 de dezembro) 9

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e ainda o Novo Regime Jurídico da Estruturação Fundiária (Art.ºs 24.º a 30.º da Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto)

e ainda a conformação relativa à utilização agrícola de solos em áreas protegidas e da floresta: 













a incidência dos Regimes da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de julho) a Nova Lei de Bases da Política de Ambiente (Lei n.º 19/2014, de 14 de abril) solos situados em zonas da Rede Natura 2000 (Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril) as implicações decorrentes do regime da Reserva Ecológica Nacional (Decreto-Lei n.º 166/2008, de 22 de agosto) as condicionantes relativas a solos em Regime Florestal (Lei n.º 33/96, ) ou do Regime Jurídico da Conservação, Fomento e Exploração dos Recursos Cinegéticos (Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto) sem esquecer o Regime Jurídico de Proteção dos Povoamentos de Sobreiros e Azinheiras (Decreto-Lei n.º 169/2001, de 25 de maio) 10

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III – os outros direitos reais de gozo 

a ausência de uma disciplina própria: 





uma constatação: o Legislador do Código de 1966 optou por uma civilização dos regimes relativos a estes direitos, mesmo quando na respetiva origem, mais ou menos longínqua, estavam institutos originariamente agrários em relativo contraponto, deu-se um renascimento, ou uma clarificação, relativamente à superfície vegetal, assim como uma sobrevivência temporária do compáscuo no entanto, a própria natureza das coisas agrárias impôs a previsão de regimes próprios estando em causa direitos relativos à criação de plantas ou de animais, além de uma interpretação orientada às finalidades produtivas desses mesmos bens

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os usufrutos agrários: 



antes de mais, as coisas objeto de um usufruto agrário têm de ser aproveitadas para os fins produtivos a que se destinam, só assim é concebível a salva rerum substantia e delimitados os poderes do usufrutuário (Art.ºs e 1446.º do CC), embora este o possa trespassar (Art.º 1444.º n.º 1 do CC) ou conferir a respetiva administração a um terceiro, através de um contrato de arrendamento rural, ou de parceria florestal ou pecuária (Art.ºs 1024.º e 1034.º do CC), ficando sempre responsável pela respetiva conservação perante o proprietário (Art.º 1444.º n.º 2 do CC e Art.ºs 21.º e 22.º da LAR) a que se junta um regime comum, em cujos termos "O usufrutuário, ao começar o usufruto, não é obrigado a abonar ao proprietário despesa alguma feita; mas, findo o usufruto, o proprietário é obrigado a indemnizar aquele das despesas de cultura, sementes ou matérias-primas e, de um modo geral, de todas as despesas de produção feitas pelo usufrutuário, até ao valor dos frutos que vierem a ser colhidos." (Art.ºs 1447.º e 215.º n.º 1 do CC) 12

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mas, "Se o usufrutuário tiver alienado frutos antes da colheita e o usufruto se extinguir antes que sejam colhidos, a alienação subsiste, mas o produto dela pertence ao proprietário, deduzida a indemnização a que o artigo anterior se refere." (Art.ºs 1448.º e 215.º n.º 2 do CC) depois, é disciplinado o usufruto de árvores e arbustos, em geral, sendo que "Ao usufrutuário de árvores ou arbustos é lícito aproveitar-se das que forem perecendo naturalmente. [e] Tratando-se, porém, de árvores ou arbustos frutíferos, o usufrutuário é obrigado a plantar tantos pés quantos os que perecerem naturalmente, ou a substituir esta cultura por outra igualmente útil para o proprietário, se for impossível ou prejudicial a renovação de plantas do mesmo género." (Art.º 1453.º n.ºs 1 e 2 do CC), no primeiro caso, "As árvores ou arbustos que caiam ou sejam arrancados ou quebrados por acidente pertencem ao proprietário, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo seguinte quando se trate de matas ou árvores de corte. […] O usufrutuário pode, todavia, aplicar essas árvores e arbustos às reparações que seja obrigado a fazer, ou exigir que o proprietário as retire, desocupando o terreno." (Art.º 1454.º n.ºs 1 e 2 do CC) 13

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tratando-se de um usufruto de matas e árvores de corte, "O usufrutuário de matas ou quaisquer árvores isoladas que se destinem à produção de madeira ou lenha deve observar, nos cortes, a ordem e as praxes usadas pelo proprietário ou, na sua falta, o uso da terra. [mas] Se, em consequência de ciclone, incêndio, requisição do Estado ou outras causas análogas, vier a ser prejudicada consideravelmente a fruição normal do usufrutuário, deve o proprietário compensá-lo até ao limite dos juros da quantia correspondente ao valor das árvores mortas, ou até ao limite dos juros da importância recebida." (Art.º 1455.º n.ºs 1 e 2 do CC) já no caso do usufruto de plantas de viveiro, "O usufrutuário [...] é obrigado a conformar-se, no arranque das plantas, com a ordem e praxes do proprietário ou, na sua falta, com o uso da terra, tanto pelo que toca ao tempo e modo do arranque como pelo que respeita ao tempo e modo de retanchar o viveiro." (Art.º 1456.º do CC) 14

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finalmente no usufruto sobre universalidades de animais, o usufructus gregis do Direito Romano, em termos análogos, "[…] é o usufrutuário obrigado a substituir com as crias novas as cabeças que, por qualquer motivo, vierem a faltar. [mas] Se os animais se perderem, na totalidade ou em parte, por caso fortuito, sem produzirem outros que os substituam, o usufrutuário é tãosomente obrigado a entregar as cabeças restantes. Neste caso, porém, o usufrutuário é responsável pelos despojos dos animais, quando de tais despojos se tenha aproveitado." (Art.º 1462.º n.ºs 1, 2 e 3 do CC)

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a superfície agrária: 

embora os edifícios e outras construções possam também estar afeto à produção agrícola, a consideração das faculdades de "fazer ou manter plantações" em terreno alheio (Art.º 1524.º do CC) tem por objeto árvores e/ou arbustos, rectius, "culturas permanentes", i.e., "as culturas agrícolas, não integradas em rotação, com exclusão das pastagens permanentes, que ocupam as terras por cinco anos ou mais e dão origem a várias colheitas." ou "atividades florestais", a qual consiste na "a instalação, condução e exploração de povoamentos florestais em terrenos nus ou cobertos de vegetação espontânea, a condução e exploração de povoamentos florestais já existentes, a instalação e exploração de viveiros florestais, a constituição ou ampliação de zonas de conservação e todas as atividades associadas ao desenvolvimento, à manutenção e exploração dos povoamentos e dos viveiros florestais." (Art.º 5.º alíneas o) e e) da LAR), não sementeiras (ex vi, os Art.º 1340.º a 1342.º do CC, a propósito da acessão industrial) 16

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ainda que todo o regime seja comum, para produção agrária tem uma especial relevância acesso às árvores ou arbustos, pois está em causa a realização de todos as tarefas de cultura, consequentemente, "a constituição do direito de superfície importa a constituição das servidões necessárias ao uso e fruição da obra ou das árvores; se no título não forem designados o local e as demais condições de exercício das servidões, serão fixados, na falta de acordo, pelo tribunal as quais embora os edifícios e outras construções possam também estar afeto à produção agrícola." (Art.º 1529.º n.º 1 do CC)

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as servidões agrárias: 



também neste âmbito, o Legislador de 1966 abandonou a antiga distinção entre servidões rústicas (iura praediorum rusticorum) e servidões urbanas (iura praediorum urbanorum), pelo que nos limitaremos a identificar os vestígios que ainda ficam das primeiras, nomeadamente das servitutes acqueductus, pois as de passagem, iter, actus e via ficaram diluídas no regime comum além de não terem sido sequer consideradas servidões como a pecoris ad aquam adpulsus, para o abeberamento do gado em prédio alheio, restando apenas a aquae haustos, estranha à atividade agrária, "Quando para seus gastos domésticos os proprietários não tenham acesso às fontes, poços e reservatórios públicos destinados a esse uso, bem como às correntes de domínio público, podem ser constituídas servidões de passagem nos termos aplicáveis dos artigos anteriores." (Art.º 1557.º n.º 1 do CC)

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enquanto a servidão relativa ao aproveitamento de águas para fins agrícolas, se restringe aos casos em que o "proprietário que não tiver nem puder obter, sem excessivo incómodo ou dispêndio, água suficiente para a irrigação do seu prédio, tem a faculdade de aproveitar as águas dos prédios vizinhos, que estejam sem utilização, pagando o seu justo valor." (Art.º 1558.º n.º 1 do CC) por seu turno, a servidão legal de aqueduto, é regulada do seguinte modo, "Em proveito da agricultura ou da indústria, ou para gastos domésticos, a todos é permitido encanar, subterraneamente ou a descoberto, as águas particulares a que tenham direito, através de prédios rústicos alheios, não sendo quintais, jardins ou terreiros contíguos a casas de habitação, mediante indemnização do prejuízo que da obra resulte para os ditos prédios; as quintas muradas só estão sujeitas ao encargo quando o aqueduto seja construído subterraneamente. [Mas] O proprietário do prédio serviente tem, a todo o tempo, o direito de ser também indemnizado do prejuízo que venha a resultar da infiltração ou erupção das águas ou da deterioração das obras feitas para a sua condução." (Art.º 1561.º n.ºs 1 e 2 do CC) 19

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enquanto a servidão relativa ao aproveitamento de águas para fins agrícolas, se restringe aos casos em que o "proprietário que não tiver nem puder obter, sem excessivo incómodo ou dispêndio, água suficiente para a irrigação do seu prédio, tem a faculdade de aproveitar as águas dos prédios vizinhos, que estejam sem utilização, pagando o seu justo valor." (Art.º 1558.º n.º 1 do CC) com relevância para drenagem dos solos, temos ainda a servidão legal de escoamento, cuja constituição forçada "é permitida, precedendo indemnização do prejuízo: a) Quando, por obra do homem, e para fins agrícolas ou industriais, nasçam águas em algum prédio ou para ele sejam conduzidas de outro prédio." e "Na liquidação da indemnização será levado em conta o valor dos benefícios que para o prédio serviente advenham do uso da água, nos termos do número anterior; […] Só estão sujeitos à servidão de escoamento os prédios que podem ser onerados com a servidão legal de aqueduto." (Art.º 1563.º n.ºs 1, 3 e 4)

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o compáscuo: 







embora não possam ser constituídos novos direitos de compáscuo, "os constituídos até à entrada em vigor deste código ficam sujeitos à legislação anterior." (Art.º 1306.º n.º 2 do CC) consequentemente, temos uma receção do regime constante do Código de Seabra, em cujos termos, "O direito de compáscuo consiste na comunhão de pastos de prédios pertencentes a diversos proprietários." (Art.º 2262.º do CC de 1867), correspondendo uma servidão recíproca desde a promulgação do Código anterior, afastando regras de origem consuetudinária, o compáscuo "só poderá ser constituído por concessão expressa dos proprietários." [e] "sobre prédios certos e determinados, e por convenção expressa entre indivíduos também certos e determinados." (Art.º 2264.º e 2265.º ambos in fine) como estes direitos podiam ser limitados no tempo ou perpétuos, estando os segundos sujeitos a remissão "mediante o pagamento do justo valor dele." (Art.º 2266.º), ainda é viável que subsistam em 2017 21

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IV – os direitos reais de aquisição 

um objetivo comum: 



o acréscimo da produtividade e da produção através da criação e consolidação de empresas agrícolas sustentáveis (Art.º 93.º n.º 1 alíneas a) e e) in fine e n.º 2, bem como Art.ºs 3.º n.º 1 alínea a), 33.º e 34.º da LBDA, além do Art.º 39.º n.º 1 alínea a) do TFUE)

por vias complementares: 1) a de efetivar o acesso à propriedade da terra por quem já a explora (Art.º 93.º n.º 1 alínea b) in fine da CRP e Art.ºs 3.º n.º 2 alínea a) in fine, 14.º n.º 2 e 38.º n.º 2 da LBDA) 2) a de promover uma reestruturação fundiária com fins agrícolas, designadamente no minifúndio (Art.º 95.º da CRP e Art.ºs 22.º n.º 1 alínea b), 35.º e 36.º da LBDA), o que deixa de fora regras como a relativa ao direito de preferência do proprietário do prédio onerando com uma servidão legal de passagem na alienação do prédio dominante (Art.º 1551.º do CC) 22

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1) o acesso à propriedade da terra, e dos demais recursos naturais: 

na acessão industrial imobiliária agrícola: 



antes de tudo o mais, valorizando a iniciativa económica e afastando-se da regra romanística superficie solo cedit, "Se alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o valor que as obras, sementeiras ou plantações tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações." (Art.º 1340.º n.º 1 do CC, na sequência dos 1325.º e 1326.º n.º 2 in fine) embora, "Se a obra, sementeira ou plantação for feita de má fé, tem o dono do terreno o direito de exigir que seja desfeita e que o terreno seja restituído ao seu primitivo estado à custa do autor dela, ou, se o preferir, o direito de ficar com a obra, sementeira ou plantação pelo valor que for fixado segundo as regras do enriquecimento sem causa." (Art.º 1341.º do CC) 23

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a Doutrina e a Jurisprudência são unânimes em considerar que este regime apenas é aplicável se não existir um vínculo jurídico prévio, de natureza real ou obrigacional, que legitime tais transformações, como ocorre com as benfeitorias no arrendamento rural (Art.ºs 5.º alínea i) e 23.º da LAR) já o disposto no preceito seguinte exige uma interpretação o mais restritiva possível, até por contrariar o próprio sentido da Acessão, pelo menos em contexto agrícola: "1. Quando as obras, sementeiras ou plantações sejam feitas em terreno alheio com materiais, sementes ou plantas alheias, ao dono dos materiais, sementes ou plantas cabem os direitos conferidos no artigo 1340.º ao autor da incorporação, quer este esteja de boa, quer de má fé. e "2. Se, porém, o dono dos materiais, sementes ou plantas tiver culpa, é-lhe aplicável o disposto no artigo antecedente em relação ao autor da incorporação; neste caso, se o autor da incorporação estiver de má fé, é solidária a responsabilidade de ambos, e a divisão do enriquecimento é feita em proporção do valor dos materiais, sementes ou plantas e da mão-de-obra." (Art.º 1341.º do CC) 24

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na aquisição dos prédios objeto de arrendamento rural: 







"No caso de venda ou dação em cumprimento de prédios que sejam objeto de arrendamento agrícola ou florestal, aos respetivos arrendatários cujo contrato vigore há mais de três anos, assiste o direito de preferirem na transmissão." (Art.º 32.º n.º 2 da LAR) trata-se de um ius ad rem que limita a autonomia privada do senhorio, o qual fica vinculado a dar preferência, em termos de tanteio, sempre que pretender alienar os prédios ao rendeiro nas transmissões onerosas dos mesmos existem dúvidas quando se tratar de constituição ou de trespasse de usufruto (Art.ºs 1440.º e 1444.º do CC), embora a LAR se refira a "venda" (Art.º 13.º n.º 2), o que pressuporá uma alienação da propriedade (Art.º 874.º do CC) este limite não se verifica em caso de arrendamento de campanha, nem quando o contrato de arrendamento agrícola ou de arrendamento florestal ainda tiver menos de 3 anos de vigência (Art.º 31.º n.º 2) 25

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ao tratar-se de um direito legal de preferência, sobrepõe-se a qualquer pacto de preferência, ainda que dotado de eficácia real (Art.ºs 414.º e ss. e 421.º do CC), assim como à preferência do confinante (Art.º 1380.º também do CC) por outro lado, este direito existe também em caso de alienação de quinhão hereditário ou de quotas, embora cedendo diante do co-herdeiro e do comproprietário (Art.º 31.º n.º 3 in fine) atendendo à respetiva função, a de consolidar a empresa do arrendatário mediante a aquisição de um direito real sobre os prédios nos quais a mesma é exercida, o direito está presente mesmo que a alienação projetada tiver por objeto uma afetação não rural do prédio, sendo a mesma viável em face das limitações legais ou constantes de instrumento de planeamento territorial, mas com o ónus de continuar a exploração do mesmo (Art.º 31.º n.º 4)

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também em termos funcionais, o direito incidirá sobre os prédios objeto do contrato, ou parte destes, a alienar, salvo se implicar um fracionamento incompatível com a unidade de cultura (Art.ºs 1376.º, 1377.º e 1379.º do CC e Art.ºs 48.º e 49.º da Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto, regulamentada pela Portaria n.º 219/2016, de 9 de agosto) aliás, nesta mesma direção aponta o Direito Adjetivo aplicável, "Quando o contrato projetado abranja, mediante um preço global, outra coisa além da sujeita ao direito de preferência, o notificado pode declarar que quer exercer o seu direito só em relação a esta, requerendo logo a determinação do preço que deve ser atribuído proporcionalmente à coisa […]." (Art.º 1029.º n.º 1do Novo CPC) como referido supra, o arrendatário que adquiriu o prédio antes arrendado tem o ónus de o explorar diretamente durante pelo menos 5 anos, "salvo caso de força maior, devidamente comprovado", o que implica um vínculo não apenas de não alienação como de não arrendamento a um terceiro (Art.º 31.º n.º 4) 27

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se tal não ocorrer, a Lei prevê duas consequências, a de pagar o quíntuplo da última renda vencida ao anterior proprietário e a de transmitir o prédio ao adquirente, pelo preço de aquisição, sempre que este se mantenha interessado (Art.º 31.º n.º 5) se o direito tiver de ser exercido por via judicial, o preço deverá ser pago ou depositado até 30 dias após o trânsito em julgado da sentença, ou o direito de aquisição e o próprio arrendamento caducarão (Art.º 31.º n.º 6) finalmente, a Lei estabelece benefícios fiscais ao exercício deste direito, sempre que tenham sido observadas as regras respeitantes à formação do contrato (Art.ºs 31.º n.º 7 e 6.º)

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2) a restruturação fundiária: 

na preferência na alienação de prédio confinante: 



"Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento […] de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante." (Art.º 1380.º n.º 1 do CC) a disciplina da "unidade de cultura" consta do o Regime Jurídico da Estruturação Fundiária (Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto), o qual, além de remeter para uma regulamentação governamental (Art.º 49.º n.º 1), determina a anexação oficiosa, pelo serviço de finanças competente, de "todos os prédios rústicos contíguos com uma área global inferior à unidade de cultura e pertencentes ao mesmo proprietário", com comunicação posterior à conservatória do registo predial, ainda que o proprietário se notificado para se poder opor, fundamentadamente (Art.º 50.º) 

as dimensões da "unidade de cultura", regionalizada em função das caraterísticas dominantes em cada concelho, constam da Portaria n.º 219/2016, de 9 de agosto (Art.º 3.º e Anexo II), indo desde 2,5 ha, em terrenos de regadio, até 48 ha, em terrenos de sequeiro 29

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em especial, e independentemente da respetiva dimensão, "os proprietários de prédios rústicos ou mistos incluídos numa área da RAN gozam do direito de preferência na alienação ou dação em cumprimento de prédios rústicos ou mistos confinantes." (Art.º 26.º n.º 1 do Decreto-Lei 73/2009, de 31 de março) depois, são estabelecidas regras de ordenação, no caso de serem "vários os proprietários com direito de preferência, cabe este direito: a) No caso de alienação de prédio encravado, ao proprietário que estiver onerado com a servidão de passagem; b) Nos outros casos, ao proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respetiva zona. [e] Estando os preferentes em igualdade de circunstâncias, abrir-se-á licitação entre eles, revertendo o excesso para o alienante." (Art.º 1380.º n.ºs 2 e 3 do CC) porém, "Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes: a) Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura; [ou] 30

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[…] b) Quando a alienação abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar." (Art.º 1381.º do CC) assim, o Legislador pretende garantir a continuidade das explorações agrícolas de tipo familiar, a qual é um objetivo central da Política Agrícola (Art.ºs 93.º n.º 1 alínea e) in fine, 94.º n.º 2, 96.º n.º 1 in fine e 97.º n.º 1 da CRP e 14.º n.º 2, 21.º n.º 1 alínea a) e 38.º n.º 1 da LBDA), por tal se entendendo aquelas "cujas necessidades de trabalho são asseguradas predominantemente pelo agregado familiar do respetivo titular, e não pela utilização de assalariados permanentes", em contraponto à "empresa agrícola de tipo patronal" e à "empresa agrícola sob forma cooperativa" (Art.º 21.º alíneas a), b) e c) da LBDA) o que, no que se refere às cooperativas, levanta dúvidas de congruência constitucional e legal, pelo favor a esta atribuído (Art.ºs 93.º n.º 1, alínea e), 94.º n.º 2, 95.º, 97.º e 85.º da CRP, assim como os Art.ºs 7.º e 24.º da LBDA) 31

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no direito de superfície: 







neste caso, por estarmos perante direitos sobre bens distintos, apenas "O proprietário do solo goza do direito de preferência, em último lugar, na venda ou dação em cumprimento do direito de superfície […]." (Art.º 1535.º n.º 1 do CC) embora, em contraponto à a cesso industrial, o Legislador mantenha um corolário, ainda que muito limitado, do caráter atrativo da propriedade da terra relativamente a direitos sobre as plantações ou construções sobre ela implantadas por outro lado, ao tratar-se de uma preferência legal, a mesma, embora estando ordenada "em último lugar", impor-se-á sobre todas as preferências convencionais, ainda que dotadas de eficácia real, pela respetiva eficácia erga omnes

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