Direitos sociais para além da estrita normatividade ou como não se prender ao vazio político dos textos legais: o dilema da sustentabilidade política no estado social

May 24, 2017 | Autor: Márcio Ribeiro | Categoria: Social Rights, Judicial review, Intergenerational justice, Political Sustainability
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Direitos sociais para além da estrita norma vidade ou como não se prender ao vazio polí co dos textos legais: o dilema da sustentabilidade polí ca no estado social

Raimundo Márcio Ribeiro Lima Doutorando em Direito Público pela Universidade de Coimbra

1 Introdução. 2 Sustentabilidade polí ca como um conceito da hipermodernidade. 3 Sustentabilidade polí ca e cons tucionalização do direito. 4 Sustentabilidade polí ca e tentação às minorias. 5 Direitos sociais, intervenção legisla va e atuação judicial. 6 Considerações finais. Referências. O Direito não é uma meta sica-de-ação como é a Polí ca, mas uma meta sica-de-sustentação de princípios da qual lança mão o poder do homem, para se equilibrar em sociedade, mas não para ir além, como um “deus” pequeno, livre e absoluto para cometer o desa no de desafiar as leis superiores da vida, do mundo e do Universo (PACINI, Dante. Polí ca e Direito (Filosofia e Ciência). Analí ca de uma nova Filosofia da Polí ca e do Direito na Sociedade Tecnológica e Industrial do Futuro. Rio de Janeiro: Borsoi, 1973. p. 210).

1 INTRODUÇÃO Leon Tolstói inicia uma de suas maravilhosas obras com a seguinte frase: “Todas as famílias felizes são parecidas entre si. As infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”.1 O que ele não poderia prever é que tal asser va não só se aplica às famílias, mas, também, aos modelos de Estado Social, pois a diversidade do insucesso ou da infelicidade deles é sempre explicada ou jus ficada em função de uma miríade de con ngências polí co-econômicas, algumas inclusive tão peculiares que sequer são aventadas em outras paragens e, claro, compreendidas no universo da norma vidade. Talvez seja por isso que a questão polí ca, na esteira da econômica, revele-se impotente ou mesmo resistente às premissas de uma socialidade marcadamente norma vista, de forma que as diferentes perspec vas dos malogros sofridos pelo Estado Social denotam, dentre outros pontos, a existência de um fluxo da atuação estatal que não se rende às prescrições norma vas, mesmo quando impera vas, até porque todas elas são em um dado sen do, denunciando, assim, que essa assincronia na consolidação dos direitos fundamentais sociais vai 1. TOLSTÓI, Leon Nikolaevich. Ana Karênina. Trad. Manuel Siqueira Paranhos. Vol. I. São Paulo: Nova Cultural, 1995. p. 15.

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além da mera norma vidade,2 porém, não há como negar, nela encontra uma forte razão fundante do atual estado de coisas da conjuntura político-jurídica brasileira. O artigo discute justamente o porquê de essa assincronia assentar-se numa resistência à normatividade e, claro, refle r sobre as possíveis 2. Desde já é necessário um esclarecimento: a norma vidade não se confunde com a perspec va norma vista, esta considera ou resulta da dinâmica interpreta va relacionada ao texto da norma (programa da norma); enquanto aquela se prende a outra realidade funcional, a saber, “[…] de funcionamento efe vo, de um reconhecimento efe vo e de uma atualidade efe va desse ordenamento cons tucional para mo vações empíricas na sua área; portanto, de dados que mesmo se quiséssemos nem poderiam ser fixados no texto da norma no sen do da garan a de sua per nência” (MÜLLER, Friedrich. Metodologia do Direito Cons tucional. Tradução de Peter Naumann. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 54-55). Essa compreensiva nebulosidade da norma vidade cons tucional, sem maiores limites e expressão de controle, pode tranquilamente veicular uma infundada premissa decisória plenamente incompa vel com a dinâmica polí co-econômica do Estado em matéria de direitos sociais. Logo, mais que o perigo da concepção norma vista, ela extrai uma compreensão da norma a par r do cenário da atuação judicial, ainda que pretensamente centrada nos contextos da materialidade, e, nesse sen do, potencialmente livre para permear um novo e condenável fluxo decisório do Estado, a saber, do parâmetro decisório baseado nas con ngencialidades definidas a par r das experiências e vivências do julgador. Adver ndo-se que a imposição de força, como expressão de poder de uma decisão judicial, sempre deve reportar a uma perspec va norma va explícita ou implícita decorrente dos textos legais, portanto, anteriores à própria decisão judicial, senão cairia por terra toda a lógica de que a atuação dos órgãos públicos se submete ao império da lei e, portanto, a uma ideia regula va do exercício do poder no Estado de Direito (LAPORTA, Francisco J. El imperio de la ley. Una visión actual. Madrid: Editorial Tro a, 2007. p. 171).

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formas de demovê-la ou reduzi-la em função dos impera vos da socialidade, da solidariedade e, sobretudo, da igualdade.3 Para tanto, discute-se a relação entre sustentabilidade polí ca e cons tucionalização do Direito, pontuando, sobretudo, a invasiva atuação da normatividade constitucional nos parâmetros opera vos da ação pública, bem como é apresentada uma clara discussão sobre a tentação às minorias, na qual comportam ques onamentos sobre a atuação polí ca na consagração de direitos de determinados segmentos sociais, e mesmo econômicos, com claro sacri cio da racionalidade da ação pública. Por fim, destaca-se a questão da norma vidade como propulsora, e também limitadora, da ação pública des nada à concre zação dos direitos sociais, destacando a influência nega va de uma atuação judicial extremamente interven va nos planos da atuação administra va. 2 SUSTENTABILIDADE POLÍTICA COMO UM CON CEITO DA HIPERMODERNIDADE4 Mesmo que se defenda que conceito não existe ou que não se consegue promovê-lo proficuamente,5 todavia, como conceber os limites compreensivos sobre um determinado fenômeno, em qualquer esfera do conhecimento humano, sem alguma pretensão de delimitação conceitual? Isto é, sem uma compreensão meramente opera va de uma dada realidade? Portanto, como absorver o complexo de uma realidade sem as balizas indicadoras do núcleo compreensível dessa mesma realidade? Então, mesmo com a ordinária falibilidade do saber humano, e até por conta disso, é necessário levantar algum conceito, provisório e incompleto, e, a partir dele, alçar parâmetros conceituais mais precisos, e, mesmo assim, ainda incompletos. Numa palavra: a incompletude dos conceitos, com suas deficiências lógico-semân cas, longe de 3. Princípio polí co-jurídico tal desgastado quanto discu do em matéria de direitos sociais. 4. LIPOVETSKY, Gilles; CHARLES, Sébas en. Os tempos hipermodernos. Tradução de Mário Vilela. São Paulo: Barcarolla, 2004. p. 51 e segs., nas quais despontam os mo vos da superação do termo pós-moderno. 5. Aqui, vale destacar, num específico contraponto, a advertência de Karl Popper: “Todas as definições, incluindo as chamadas ‘definições operacionais’, só conseguem mudar o problema do significado do termo em questão para os termos que o definem” (POPPER, Karl. O mito do contexto. Tradução de Paula Taipas. Lisboa: Edições 70, 2009. p. 110). De todo modo, a par r de uma dimensão parcial do problema, desde que operacionalmente compreensivo, é possível empreender, de fato, alguma conquista ou mudança numa dada realidade.

um bloqueio epistemológico, revela-se como meio potencialmente eficaz na obtenção de propósitos mais fundamentais ou pelo menos mais úteis. Assim, a operacionalidade de uma linha de estudos demanda uma conceituação, mesmo incompleta, que, nessa incompletude, seja capaz de revelar novas nuances sobre a realidade vinculada ou residente no próprio conceito. O devir conceitual talvez seja a grande benesse de toda tenta va conceitual. Hoje, o conceito de direito social comporta um amplo aspecto de análise, inclusive, impensável no século XIX e mesmo no XX, mas que, sem dúvida, demandou uma con nua e cria va capacidade conceitual dos doutrinadores. Então, o que seria a sustentabilidade polí ca? A pergunta é relevante, porquanto, hoje, o termo sustentabilidade serve para tudo, de exigência modelar para ves do de noiva até esquema tá co para jogo de futebol. Como conceito chave, naturalmente numa perspec va cien fica ou desejosamente mais técnica, recebe diversos qualifica vos, tais como ambiental, social, financeira etc., portanto, consagrar a dinâmica da sustentabilidade polí ca revela-se assombrosamente importante, pois, a par r dela, discutem-se os engendros e as dificuldades da polí ca no Estado Social. Evidentemente, a abordagem tomará uma consonância jurídica, porquanto própria da nossa área de inves gação, isto é, apartada de de da reflexão filosófico-polí co-sociológica. O suporte polí co da atuação do Estado, como ação social numa perspec va interindividual e grupal,6 congrega múl plas compreensões, porém todas espraiam a necessidade de romper com o imobilismo das escusas cíclicas decorrentes das crises, igualmente cíclicas, no fluxo inevitável das demandas públicas. A ideia pres gia a polí ca como meio de ação, só que, lamentavelmente, ela mais reage do que age, quando reage; aliás, ainda assim, reage de modo extremamente serodioso e, por vezes, atabalhoado, rançoso e cheio de lineares tubeios. A polí ca é refratária e retardatária das crises justamente por falta de sustentabilidade. Ela é causa e consequência de um mesmo dilema, a saber, a ausência de coordenação da a vidade estatal na superação dos dilemas da hiper6. BOBBIO, Norberto. A polí ca. In: SANTILLÁN, José Fernández (Org.). Norberto Bobbio: o filósofo da polí ca. Prefácio de Norberto Bobbio. Apresentação de José Fernández San llán. Tradução de César Benjamin e Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003. p. 139-158, p. 144.

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modernidade.7 E o que se revela mais preocupante: a polí ca sai da providencial posição de diretora da governabilidade para assumir a incômoda posição de indutora da ingovernabilidade, porque não consegue captar sa sfatoriamente os ecos da sociedade e, muito menos, convertê-los numa linguagem polí ca de ação e, consequentemente, de regulamentação e materialização, no que destaca a sua necessária imbricação com o direito, mormente o cons tucional, administra vo e financeiro, nos mais diversos segmentos da vida comunitária, tudo em função da volutariante questão e, quiçá, ingloriosa, de superar os infelizes traços da miséria polí ca por meio da norma vidade. Nesse ponto, não é preciso qualquer esforço para perceber que, numa perspec va mul nível da a vidade legisla va, a sustentabilidade polí ca possui capital importância na definição dos fins do Estado, não simplesmente em função da esperada e desejada harmonia das diretrizes norma vas, aliás, sempre tão ques onável, mas, sobretudo, pela compreensão de que as soluções singulares de uma matriz legisla va não terão o condão de suportar as duras penas das crises econômicas, cujos efeitos fazem romper as fantasiosas conquistas norma vas descompassadas com os dilemas socioeconômicos de qualquer realidade espacial. Aliás, a confli va relação Direito e Polí ca é potencialmente agravada numa ambiência de inegável discórdia com a Economia, sempre tão referente na análise dos dilemas fundamentais do Estado. Por isso, sustentabilidade polí ca exige globalidade nos prospectos da ação do Estado,8 porém isso não nega as relevantes inferências da gestão interna de cada Estado, que efe vamente viabiliza os direitos sociais, mas deixa claro que um pretenso maior

passo na ambiência interna, mesmo que importante, muitas vezes, pode apenas expressar um ligeiro ou demorado isolamento polí co em determinada via de atuação do Estado, geralmente na seara social, em função de possíveis contrapontos econômicos e, consequentemente, fiscais. Afinal, a tentação às minorias, da socialidade sem causa e da majoração da amplitude dos serviços públicos, especialmente nos países la no-americanos, são irresis veis apelos a uma atuação polí ca sem prumo, mas com rumo possivelmente certo, a saber, a da falência do próprio Estado, afinal a defesa da austeridade sempre soa como um ruído pavoroso aos governantes nada entregues à estabilidade das contas públicas. Não se trata da defesa de um Estado mínimo, mas, sim, de um Estado possível no campo da socialidade e, claro, nos limites dos fluxos econômicos de cada realidade de um povo. Até porque Estado mínimo não existe, pois o Estado é sempre do tamanho da realidade polí ca imposta aos cidadãos. Isso se explica porque os defensores do Estado mínimo são, geralmente, os primeiros a abocanhar ou defender considerável parcela dos recursos públicos, quando sua área de atuação exige uma providencial intervenção estatal, para salvaguarda dos interesses excelsos da sociedade, as intervenções no sistema financeiro são um caso exemplar nesse sen do. A própria dinâmica prote va da propriedade9 já demonstra que Estado mínimo é uma falácia em qualquer contexto, porque se há interesse que o Estado defenda e proteja tudo o que é acumulado, como processo histórico de produção, não há como admi r que ele fosse tão mínimo assim, a não ser aos outros, isto é, aos que dependam historicamente do fluxo econômico e, portanto, a ele subme dos por diversos vínculos de imobilidade social. Só que a indagação persiste, o que seria sustentabilidade polí ca? Ter-se-ia nela a ética da convicção ou a ética da responsabilidade? A noção de sustentabilidade é talhada na responsabilidade e, portanto, atenta às consequências do fluxo político, de forma que é, em grande parte, dissonante com a é ca da convicção.10 Afinal, a absoluta intransigência no fluxo polí co tem por consequência o isolamento da ação pública, fato que nada contribui na concre zação dos

7. Aqui, é preciso um esclarecimento: com a expressão hipermodernidade deseja-se ven lar a par cularmente confli va convivência comunitária na atualidade, seja em função dos seus dilemas socioeconômicos, próprios da nossa era tecnológica, seja em decorrência dos expressivos eventos catastróficos da natureza, decididamente majorados pela indisciplinada atuação do homem no meio ambiente. Evita-se, assim, a diversificação/ disseminação do termo pós-modernidade, que, inclusive, afasta-se, por demais, do sen do originalmente empreendido por LYOTARD, François. O pós-moderno. Tradução de Ricardo Corrêa Barbosa. 3. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1988. p. XV e segs., que se relaciona às crises dos relatos, ao fim das metanarra vas etc. Segue-se, assim, uma precisa advertência: “No momento em que triunfam a tecnologia gené ca, a globalização liberal e os direitos humanos, o rótulo pós-moderno já ganhou rugas, tendo esgotado sua capacidade de exprimir o mundo que se anuncia” (LIPOVETSKY; CHARLES, op. cit., p. 52).

9. MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. O mito da propriedade. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Mar ns Fontes, 2005. p. 24.

8. Isso fica par cularmente claro na área financeira, seja pelos danosos efeitos da erosão da base tributária, seja pelos custos considerados na expansão de serviços públicos de caráter social.

10. WEBER, Max. Ciência e polí ca: duas vocações. Prefácio de Manoel T. Berlinck. Tradução de Leônidas Hegenberg e Octany Silveira da Mota. 18. ed. São Paulo: Cultrix, 2011. p. 142.

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direitos, que demanda coordenação e, assim, fluência comunica va na solução dos entraves sociais, o que não é possível a par r de uma perspec va fechada de pensamento, por mais nobre que ela se afigure no círculo dos valores apriorís cos da humanidade. A sustentabilidade em sen do estrito, que é largamente conhecida, prende-se à proteção-manutenção, notadamente de longo prazo, das fontes de recursos, exigindo-se, para tanto, um necessário planejamento sobre a dinâmica da a vidade produ va e, por certo, do fluxo de consumo, impondo-se, desse modo, obrigações aos agentes econômicos e aos consumidores, que passam a compar lhar uma obrigatoriedade de condutas e resultados.11 A sustentabilidade em sen do amplo, por sua vez, congrega uma dinâmica compreensiva capaz de absorver três decisivos pilares da sustentabilidade, quais sejam, a sustentabilidade ecológica, a sustentabilidade econômica e a sustentabilidade social,12 que deverão servir de norte para a evolução sustentada da sociedade; aliás, como se trata de termo com inegável caráter holís co,13 como conceito chave da hipermodernidade, deve absorver novas formas compreensivas, em par cular na sua perspec va polí ca. A noção de sustentabilidade compreende a lógica de uma possível tensão, pelo menos, entre duas ou mais perspec vas de análise, pois, para exemplificar, quando se ven la a necessidade de assegurar uma providencial sustentabilidade ambiental,14 de modo bem geral, tem-se uma tensão entre o ser humano no mundo e o próprio mundo na visão do homem, sem 11. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Sustentabilidade – um romance de cultura e de ciência para reforçar a sustentabilidade democrá ca. Bole m da Faculdade de Direito. Coimbra, vol. 88, p. 1-11, 2012, p. 6. 12. CANOTILHO, op. cit., 2012, p. 6. 13. Ou mesmo de caráter federado, tal como denuncia a doutrina tedesca (CANOTILHO, op. cit., 2012, p. 7). 14. Infelizmente, a dinâmica da atuação estatal, com o largo argumento da proteção do meio ambiente, na maior parte dos casos, apenas pres gia uma falácia de tributação ambiental que, longe dos prognós cos e impera vos cons tucionais, possui o único propósito de arrecadar recursos ou, e isso não se revela nada raro, repassar simulacros de custos da produção, que são absorvidos pelos consumidores, de produtos ou serviços que não são necessariamente ambientalmente limpos ou menos poluentes, mas graciosamente lucra vos aos agentes econômicos. Adicione-se, ainda, a dificuldade em assimilar a lógica do princípio poluidor-pagador, seja pela adversidade na determinação do poluidor, seja na iden ficação dos custos e a imputação deles aos poluidores (NABAIS, José Casalta. A crise do estado fiscal. In: SILVA, Suzana Tavares da; RIBEIRO, Maria de Fáma. Trajetórias de sustentabilidade: tributação e inves mento. Coimbra: Ins tuto Jurídico da Faculdade de Direito de Coimbra, 2014. p. 19-59, p. 24). Aqui, a ideia sustentabilidade ambiental é dantescamente subs tuída pela sustentabilidade tributária às avessas.

adentrar, evidentemente, na miríade de desdobramentos concernentes à problemá ca. A dinâmica da vida social não permite movimentos sem consequências no próprio sistema social. Dito de outro modo, não há como exigir sustentabilidade em determinado segmento social sem que isso também não acarrete consequências e/ou responsabilidades aos demais segmentos. A lógica dos encargos repar dos é uma clara demanda da socialidade e, claro, uma reluzente bandeira da sustentabilidade polí ca. Aliás, em se tratando de sustentabilidade polí ca, essa questão resta ainda mais evidente. Se a polí ca é um meio de ação em função dos problemas fundamentais do Estado, como conceber a sustentabilidade política apenas a partir do seu próprio círculo de análise, exige-se, portanto, a confluência de outros arranjos da sociedade, incluindo-se, naturalmente, a dinâmica social relacionada ao Direito. Dessa forma, a qualificadora polí ca à palavra sustentabilidade possui o propósito de discu r e idenficar os fatores que possibilitem uma ação pública, por meio do fluxo polí co, capazes de mover adequadamente os meios públicos e privados na promoção dos obje vos fundamentais da sociedade. A sustentabilidade polí ca é, acima de tudo, um novo modo de enxergar as relações sociais, tornando-as, assim, mais consonantes com uma ambiência comunitária mais justa, enfim, mais afeita aos desejáveis parâmetros da socialidade, donde decorre a par cular importância da seara privada, especialmente dos agentes econômicos, seja como motor das transformações, seja como indutor delas, porquanto o Estado, por meio dessas elementares tarefas, já não é capaz de estabelecer uma atuação hegemônica na direção da sociedade. E nisso reside uma grande oportunidade da ação polí ca. Explica-se: até porque a atuação voluntariante dos setores privados tende a romper os limites compreensivos de uma desejada socialidade e, aqui, a atuação polí ca cumpre o providencial papel de regular os fluxos econômicos, sem que isso, por si só, revele-se suficiente, aliás, a contemporaneidade dos malogros da regulação econômica bem explica isso, mas, de todo modo, ela é providencial até mesmo em função da globalidade dos prospectos da atuação estatal. Numa clara advertência: “[a] única razão por que os inves dores privados desejam adquirir bens públicos aparentemente ineficientes é porque o Estado elimina

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ou reduz sua exposição ao risco”.15 Isto é, os agentes econômicos do mercado de risco adoram atuar sem riscos. Daí que o desafio, e também a oportunidade, da ação pública reside justamente no novel modelo de regulação econômica, no qual deverá preocupar-se com os permeios da sustentabilidade polí ca, isto é, “[…] com a igualdade de oportunidades e com o nível de igualdade dos resultados também no plano intergeracional e não apenas como uma concepção substancial da igualdade de oportunidades”.16 Nesse ponto, é importante destacar que o compromisso da sustentabilidade, para além das ordinárias premissas das prestações posi vas, inclusive algumas com os conhecidos ranços assistencialistas e/ou humanitários, exige uma nova dinâmica compreensiva dos direitos numa perspec va nega va, isto é, não se trata de uma obrigação posi va de jus ça, mas, e principalmente, uma obrigação nega va de jus ça, de forma que os Estados e os membros da comunidade política, sem prejuízo da necessária atuação da governação global, devam pautar-se com o propósito de alterar as relações no mundo, justamente para que não con nuem lesionando os direitos da geração corrente e das gerações futuras.17 Portanto, a sustentabilidade polí ca mul plica os arranjos sociais e, sobretudo, fortalece-os em função de obje vos comuns ou, de modo mais preciso, em virtude dos obje vos polí cos que façam exsurgir uma nova realidade compreensiva, isto é, acima dos vícios da ação pública sectária, exclusivista e egoís ca. Assim, sustentabilidade é, sobretudo, correlação de esforços nos cenários das possibilidades potencialmente conflitantes nos inúmeros engendros decorrentes das relações sociais. Daí, a importância dos projetos básicos da sustentabilidade polí ca, devidamente assentados (a) na eficiência no uso dos meios da ação polí ca e, com isso, alcançar melhor prestação dos serviços públicos e também privados, (b) na suficiência representada na racionalização dos recursos para obtenção de 15. JUDT, Tony. Um tratado sobre os nossos atuais descontentamentos. Tradução de Marcos Felix. Lisboa: Edições 70, 2012. p. 113. 16. SILVA, Suzana Tavares. Considerações introdutórias. In: SILVA, Suzana Tavares da; RIBEIRO, Maria de Fá ma. Trajetórias de sustentabilidade: tributação e inves mento. Coimbra: Ins tuto Jurídico da Faculdade de Direito de Coimbra, 2014. p. 9. 17. INNERARITY, Daniel. La gobernanza global, de la soberanía a la responsabilidad. Revista CIDOB d’Afers Internacionals. Madrid, n. 100, p. 1123, diciembre 2012, p. 22.

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um novo modelo de bem-estar; (c) na consistência decorrente de um necessário processo adapta vo às permissividades dos recursos, respeitando, assim, uma relação sustentável entre produção e consumo; e (d) na par cipação advinda da democra zação dos processos decisórios em todos os níveis, nacional ou internacional, pontuando, sobretudo, a ideia de autorresponsabilidade e auto-organização da sociedade.18 A sustentabilidade polí ca não trata propriamente sobre os dilemas internos da a vidade polí ca, mas, sim, da consequencialidade dessa a vidade, como que uma linha constante de decisões fundamentais no presente e para o futuro, este, além de incerto, costuma gerar incertezas também no presente. Dito de outro modo, se o futuro é incerto, o presente não poderá sê-lo, ele simplesmente corre com as decisões tomadas, de forma que as projeções incertas sobre o futuro não podem romper com a possibilidade de tomar as decisões corretas no presente em função da imprevisibilidade do futuro. O grande dilema mesmo é conhecer melhor o presente. Aliás, a ausência de relacionamento da ação pública com o futuro, no que são caracterís cas a precaução e a improvisação, impede a consagração de medidas adequadas no plano da atuação estatal, não somente nela, o que faz romper uma desejosa perspec va de esperança e planejamento em relação ao futuro.19 Até mesmo numa perspec va mais interna, já no fluxo da a vidade polí ca em sen do estrito,20 a dinâmica da ação pública tende a negar uma relação mais intensa com o futuro em função de o fluxo par dário exigir acordos ou interesses nos estreitos limites de uma temporalidade curta, fulminando, assim, projeções mais longas sem resultados que permitam consideráveis dividendos polí cos. Ora, se os conflitos são prementes, não menos são os contornos e desconfortos do processo democrá co, especialmente os resultados dos vícios recorrentes de determinada estrutura social, que não tardam em espelhar os funestos hábitos polí cos na dinâmica da pretendida autogovernação democrá ca. 18. CANOTILHO, op. cit., 2012, p. 8. 19. INNERARITY, Daniel. The future and its enemies. In defense of political hope. Translated by Sandra Kingery. Stanford: Stanford University Press, 2012. p. 1. 20. Que não se confunde com a expressão poli cs, já que se refere à atividade política em sentido amplo e, claro, também não se confunde com o termo policy, que se relaciona aos programas governamentais, isto é, à ação pública no círculo inevitável e con nuo das prestações públicas.

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Numa palavra: “[o]s parlamentos têm vistas curtas, os governos fogem de prognoses a longo prazo, os plebiscitos populares pecam pelo seu localismo e interesses imediatos”.21 Nessa conjuntura, não resta outro entendimento de que a sustentabilidade polí ca se encontra ameaçada não apenas em virtude do modelo de democracia representa va,22 mas, sobretudo, pela falta de consciência rela va à necessidade de uma convivência comunitária pautada na unidade polí ca em prol de um projeto sustentável da polí ca numa sociedade hipermoderna, que exige, sobremaneira, a absorção da ideia de solidariedade e responsabilidade como projeto comum e sustentável no universo dos atuais arranjos sociais, inegavelmente plurais, conflitivos e, sem dúvida, entregues à parcimoniosa história dos usos incontidos dos recursos naturais. A sustentabilidade polí ca, como conceito da hipermodernidade, quer expressar, dentre outras coisas, uma nova dinâmica na compreensão da a vidade polí ca em função dos novos e intensos afluxos de complexidade numa sociedade de risco, que, além dos (extra)ordinários dilemas socioeconômicos, somam-se, ainda, os eventos da natureza, cuja “[…] consequência polí ca é que a concepção da igualdade natural dos seres humanos se converte na concepção de uma desigualdade natural dos seres humanos produzida por catástrofes naturais”.23 Desse modo, a linha compreensiva da sustentabilidade polí ca congrega a lógica da globalidade da ação pública, no sen do de que ações globais devem ser amplas e coordenadas como fator de eficácia, mas sem descurar dos nichos locais de reflexão sobre os verdadeiros obstáculos da convivência comunitária. Destaca-se, nesse ponto, a relevância das relações de amizade entre os cidadãos na formação de um projeto polí co, que, por não se centrar em acordos baseados na razão, pode consagrar uma unidade da comunidade polí ca.24 21. CANOTILHO, op. cit., 2012, p. 9. 22. Trata-se de um risco estrutural inevitável, em verdade, um preço caro, mas, ainda assim, sempre pagável em função da periodicidade no exercício do poder polí co. Como salvar a democracia representa va? Não carece tal tarefa. Ela já se encontra salva, o dilema mesmo é como compa bilizar o fluxo democrá co da representa vidade aos que ainda não podem ser ordinariamente representados, a saber, os membros da comunidade polí ca das futuras gerações.

E é justamente na dinâmica local dos desafios polí cos que a sustentabilidade possui sua capacidade de convencimento e, também, de transformação, afinal, sem o reconhecimento dos encargos que a sustentabilidade impõe aos cidadãos, no que avulta a dinâmica da responsabilidade pessoal, os bene cios são prospectados em função da temida individualidade do nosso tempo e, com isso, totalmente prejudicial à ideia de ação comunitária, que cons tui importante pilar de qualquer forma de sustentabilidade. 3 SUSTENTABILIDADE POLÍTICA E CONSTITUCIO NALIZAÇÃO DO DIREITO A cons tucionalização do Direito comporta diversos sen dos, porém o mais corrente prende-se à ideia de “[…] um efeito expansivo das normas constucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com sua força norma va, por todo o sistema jurídico”.25 Vê-se, assim, uma tentativa de submeter todas as formas de exercício do poder público, pouco importando os meios ou mecanismos adotados para seu exercício, à disciplina das normas e procedimentos cons tucionais.26 No Brasil, falou-se, aliás, fala-se ainda, de uma pretendida filtragem cons tucional rela va a uma envolvente forma norma va da Cons tuição por meio de uma estruturante senda principiológica,27 como que acarretando um verdadeiro fascínio da mulplicação dos pães, ou melhor, da mul plicação dos recursos orçamentários e, com isso, a autossuficiência da gestão fiscal do Estado. Evidentemente, exagerou-se. Em verdade, vive-se uma indesejável des lagem cons tucional, inclusive com sérias consequências no processo democrá co brasileiro, porquanto se olvidou da força transformadora da polí ca para consagrar a força transformadora dos princípios, dos intérpretes e dos oráculos judiciais, no que denuncia uma nova e paradoxal forma de posi vismo: o jurisprudencial, pois, assenhorando-se da Cons tuição, passa a escarnecer do poder cons tuinte e, com isso, profere duros golpes à soberania popular e, claro, passa a ditar o rigor da semân ca cons tucional revelada pelos neo25. BARROSO, Luís Roberto. Neocons tucionalismo e cons tucionalização do Direito (O triunfo tardio do Direito Cons tucional no Brasil). Interesse Público. Porto Alegre, ano 7, n. 33, p. 13-54, set./out. 2005, p. 24.

23. BECK, Ulrich. Sociedade de risco. Rumo a uma outra modernidade. Tradução de Sebas ão Nascimento. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011. p. 367.

26. LOUGHLIN, Mar n. What is cons tu onalisa on? In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Mar n. The twilight of cons tu onalism? Oxford: Oxford University Press, 2010, p. 47-69, p. 47.

24. DUSSEL, Enrique. De la fraternidad a la solidaridad. Brocar – Cuadernos de Inves gación Histórica. La Rioja, n. 27, p. 193-222, 2003, p. 195.

27. CHIER, Paulo Ricardo. Filtragem cons tucional – construindo uma nova dogmá ca jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999. p. 123.

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cons tucionalistas.28 De modo possivelmente jocoso, acredita-se que seja necessária uma tonelagem constucional, só para seguir os ruidosos experimentos sicos da doutrina cons tucional brasileira. É dizer, é preciso saber se a nossa Constituição suporta tantos arranjos físico-doutrinário-constitucionais. “Não há como crer que a única esperança é a Cons tuição, sem que essa esperança esteja ar culada com outros parâmetros.”29 A Cons tuição sem polí ca é o vazio que tudo cabe e, claro, tudo absorve. O sacri cio da ação pública guarda uma clara relação com a pretensão de tutela judicial da gestão pública do Estado, porquanto transporta os entraves da perspec va polí ca a uma mera questão de decidibilidade judicial e, portanto, de jus ficação de eventuais problemas sociais a par r da perspec va estritamente norma vista. Aqui, não se discutem os propósitos, nem mesmo a técnica processual, mas a metodologia da aplicação dos direitos fincada nos olhos da estrita compreensão norma va dos conflitos e/ou demandas sociais, olvidando-se, infelizmente, outros ciclos de análises, inclusive mais abrangentes, e devidamente considerados, na formulação das polí cas públicas. Atuação judicial e olhar externo: uma é tão cara; outro, tão raro. É por isso que a dinâmica da sustentabilidade política se revela tão importante: pres gia uma lógica compreensiva das adversidades sociais no ciclo da permissividade polí ca, o que é algo bem diverso das pretensões idealís cas, cria vamente promovidas pela a vidade judicial a par r dos princípios e das normas cons tucionais em geral. Portanto, sem a necessária mediação polí ca, tão cara à operacionalidade dos desígnios cons tucionais, como que capaz de superar, por meio do decisionismo, as fulgurantes dificuldades na concre zação dos direitos sociais.30 Eis um inegável pecado da atuação estatal: considerar a consagração cons tucional dos direitos sociais como um elemento jus ficador da determinação judicial da ação polí ca do Estado. Esse percurso parece racional, mas não passa disso, porquanto a questão da sustentabilidade polí ca exige mais que 28. BERCOVICI, Gilberto. Cons tuição e polí ca: uma relação di cil. Lua Nova: Revista de Cultura e Polí ca. São Paulo, n. 61, p. 5-24, 2004, p. 20. 29. LIMA, Martônio Mont’Alverne Barreto; ALMEIDA, Plínio Régis Baima de. Cons tuição e idealismo – O dilema da efe vação cons tucional sem a polí ca. Revista Controle. Fortaleza, vol. 9, n. 1, p. 11-35, jan./jun. 2011, p. 28. 30. LIMA; ALMEIDA, op. cit., p. 26.

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intérpretes, linguistas e ponderações31 na concreção de qualquer projeto cons tucional de Estado Social. Não é possível destacar uma miríade de confluências decisórias polí co-econômicas talhadas apenas no império da estrita norma vidade cons tucional. Ora, isso é fantasioso, mais que isso: alcança o limiar da irresponsabilidade ins tucional. As ideias cons tucionais são luminares quando cadenciam um feixe de luz para caminhos obscuros, mas, por outro lado, perdem-se quando a extremada reluzência faz exsurgir o clarão da perspec va dogmática unilateralizante, que é, sem sombra de dúvida, outra forma de cegueira e, com isso, novos focos de obscuridade. Não por outro mo vo que a entrega do texto cons tucional é sempre um marco de possibilidades, e não prognós co linear e feliz de concre zação do seu grandioso projeto de transformação social. Daí que, e isso é sempre patente em qualquer realidade cons tucional, toda Cons tuição encontra seus limites na dura cronologia dos anos, mormente os decantados em longeva crise polí co-ins tucional, porém o que preocupa mesmo é a noção de que ela, como conjunção polí co-jurídica ordenadora de uma nação, não possua limites na realidade de um povo, mas, sim, na ortodoxa desordem dos grilhões judiciais, portanto, assentada apenas em textos e intérpretes. Aqui, encontra-se o risco de a norma vidade implicar alucinações doutrinárias, geralmente assentadas numa fortaleza de conceitos e de apelos de transformação dogmática.32 Trata-se, portanto, de um discurso vazio, a despeito da intensa verborragia pretensamente esclarecedora sobre os caminhos a seguir na concre zação dos direitos sociais. Se a perspec va sistêmica dos condicionantes sociais na formulação das polí cas públicas é preterida pela casuís ca dos parâmetros judiciais, toda a lógica da sustentabilidade polí ca, que atuação acima dos dile31. LIMA; ALMEIDA, op. cit., p. 31. 32. Toda forma de dogma smo deve ser condenada, porquanto isso é absolutamente incompa vel com qualquer noção possível de Ciência do Direito, como bem esclarece esta passagem: “Não se nega a necessidade de se empregar expressão que diferencie um estudo geral do Direito, não focado em um ordenamento jurídico (e a uma realidade social subjacente) em par cular, de um lado, de um estudo específico, que tenha como objeto um ordenamento ou uma parcela de um ordenamento determinado, e a realidade social e axiológica a ele subjacente, de outro. O que não é necessário é dizer-se que esta úl ma espécie de ciência seria, paradoxalmente, ‘dogmá ca’, ainda que se trate de um exame com propósitos mais imediatos e pragmá cos das normas em vigor” (MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Por que dogmá ca jurídica? Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 62).

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mas meramente existenciais, muito embora também considerados na definição da ação pública, perde vigor em função da fragmentariedade decisória e, com isso, os pretendidos resultados da atuação sistêmica não são apenas comprome dos, mas, também, desconsiderados em função da dinâmica decisória pautada na norma vidade. Obviamente, que a sustentabilidade polí ca não pode descurar a iminente possibilidade de ques onamento judicial dos prognós cos da gestão pública, o que seria, de fato, surpreendente, todavia, não se pode admi r uma dinâmica de tantas incertezas que pra camente inviabilize a concreção dos direitos e, com isso, o atendimento das demandas sociais, baseando-se, tão somente, no cumprimento fragmentado, oneroso e frustrante dos dilemas existenciais dos cidadãos. Fazer do Direito uma garan a aos direitos não quer dizer, nem de longe, que ele tenha o condão de negar a realidade e, portanto, as possibilidades de atuação estatal. A ideia de diálogo na ambiência ins tucional, portanto, no círculo dos poderes cons tuídos, mormente entre o legislador e a corte suprema, assegura ins tuições fortes e cônscias de suas competências cons tucionalmente estabelecidas,33 revela-se o caminho mais adequado para comportar uma clara permissividade, pretensamente abrangente, das prestações públicas. Curiosamente, há como que uma linear compreensão de que a perspec va norma va seja capaz de transformar uma realidade social. E, além disso, exige-se demais da norma vidade. Exagera-se nos efeitos atribuídos às regulares adequações dos parâmetros jurídicos. Ainda que não se faça uma defesa disso, porque o bom senso não permite, é até compreensível que muitos juristas cometam esses exageros, porque o afã de encontrar soluções norma vas faz olvidar a perspec va material da concre zação do direito, que, a toda evidência, extrapola-se o universo das questões jurídicas, adentrando verdadeiramente nos condicionantes sociais de implementação polí ca.34 Nesse ponto, é per nente gizar que os juristas até consideram os limites da seara jurídica, como que 33. TUSHNET, Mark. Weak courts, strong rights: judicial review and social welfare rights in compara ve cons tu onal law. Princeton: Princeton University Press, 2008. p. 253. 34. RESICO, Marcelo F. Introducción a la economía social de mercado. Edición La noamericana. Buenos Aires: Fundación Konrad Adenauer S ftung, 2010. p. 108.

uma advertência invariavelmente superada, tanto que insistem na extrapolação dos parâmetros jurídicos, perseguem o acerto como uma legí ma escusa decisional, mas já confessam o erro de suas premissas ao destacar a complexidade da questão social. O que faz lembrar, grosso modo, o paradoxo do prefácio,35 pois os erros são admi dos, mas não são corrigidos, simplesmente porque não são conhecidos à luz de uma determinada análise rela va à decisão judicial. O que soa curioso é a pretensão judicial de apresentar soluções para questões que, na origem, já se revelam potencialmente insolúveis numa perspec va polí ca, isto é, deseja-se promover algo melhor que a polí ca, mas sem polí ca ou, pelo menos, sem responsabilidade polí ca. E onde mora a irresponsabilidade, mesmo no bom sen do técnico do termo, não tarda a destemperança ou o desafogo da subje vidade. O melhor dos mundos é sempre algo bem interessante nas ins tuições, como que um encanto derivado do design cons tucional idealmente interpretado; contudo, isso não é permi do a nenhuma ins tuição criada pelo homem. A polí ca pura não deve ser um espaço dado ou entregue aos tribunais, que não pode assumir, ainda que deseje tal assunção, o ônus do processo decisório da esfera polí ca,36 porque isso negaria a própria dinâmica da sustentabilidade polí ca, devidamente assentada na pretensão de estabelecer novos arranjos polí cos na compreensão, absorção e resolução dos problemas da sociedade por meio de mecanismos, pretensamente pro cuos, com o propósito de exigir a responsabilidade dos cidadãos, das ins tuições e das fontes produ vas na sociedade, e também no Estado, nos projetos de realização comunitária e, com isso, desejosamente redutores das desigualdades na sociedade, inclusive sob o influxo da intergeracionalidade, que cons tui uma inquietante e reflexiva temá ca decorrente das exigências técnico-conformadoras da sustentabilidade. Explica-se: o fluxo decisório do Estado não pode mais comportar medidas com parca margem de reflexão sobre suas consequências nas gerações futuras, isto é, sem compreender que os reflexos da ação polí ca, ainda que decorram de uma decisão imediata, até mesmo em função de uma afli va necessidade, 35. RESCHER, Nicholas. Epistemology: an introduc on to the theory of knowledge. Albany: State University of New York, 2003. p. 19. 36. HIRSCHL, Ran. Towards juristocracy. The origins and consequences of the new cons tu onalism. Cambridge: Harvard University Press, 2004. p. 15.

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deva considerar e preservar, no mínimo, as atuais conquistas de bem-estar social às gerações vindouras, porque “[...] a sustentabilidade, corretamente assimilada, consiste em assegurar, hoje, o bem-estar material e imaterial, sem inviabilizar o bem-estar, próprio e alheio, no futuro”.37 Todavia, deve-se evitar a superposição da sustentabilidade dos direitos38 sobre a sustentabilidade dos deveres, porquanto isso é incompa vel com a noção de solidariedade e responsabilidade na convivência comunitária, pois isso faz desconhecer a dimensão solidária da cidadania, na qual exige empenho não apenas do Estado, mas, também, da sociedade na promoção dos grandiosos desígnios cons tucionais.39 Notadamente, o compromisso da solidariedade social, decorrente de uma nova forma de cidadania a va, não pode transferir as responsabilidades do Estado.40 O que se discute é se a solidariedade social, circunstancialmente, poderia reduzir os compromissos do Estado, sem que isso cons tua um esvaziamento de suas responsabilidades, justamente para transferir os esforços públicos em outras searas, mormente as correlatas, consideradas mais prementes. Aqui, exige-se sempre muito cuidado, porquanto a dita transferência pode es mular incompreensões na gestão pública quanto à dinâmica dos possíveis resultados da solidariedade social ou comunitária, fazendo olvidar o caráter meramente suple vo das a vidades dos cidadãos e da sociedade civil pretensamente organizada. De todo modo, a despeito da dor e do sofrimento humanos causados pela miséria e pela privação, que não se solucionam com o distanciamento do Estado, é sempre melhor seguir os rumos da ação social sem que se ponha toda a esperança nas possibilidades salvacionistas do Estado.41 Nesse ponto, é importante destacar que, hoje, a ideia de 37. FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 42, destaques no original. 38. É o que parece defender Juarez Freitas, aliás, o que é bem comum na doutrina cons tucional brasileira, sempre entregue à fantasia dos direitos dos cidadãos em face dos deveres do Estado, como se os cidadãos não vessem, além da perspec va tributária, deveres a cumprir na dinâmica da sustentabilidade nos seus múl plos aspectos (FREITAS, op. cit., p. 69-71). 39. NABAIS, José Casalta. Algumas considerações sobre a solidariedade e a cidadania. Bole m da Faculdade de Direito. Coimbra, vol. 75, p. 145174, 1999, p. 163. 40. NABAIS, op. cit., 1999, p. 173. 41. LOUREIRO, João Carlos. Adeus Estado Social? A segurança social entre o crocodilo da economia e a medusa da Ideologia dos “direitos adquiridos”. Coimbra: Coimbra, 2010. p. 11.

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responsabilidade da ação pública assume uma clara perspec va plural, uma vez que a atuação do Estado não se limita a uma responsabilidade de garan a, tal como antes, assentada na responsabilidade de regulação, vai mais além, exigindo-se, dentre outras, a responsabilidade de planejamento, responsabilidade de intermediação e organização, responsabilidade de informação, responsabilidade de controle e responsabilidade subsidiária.42 Trabalhar a pauta da dimensão intergeracional da polí ca é discu r, sem sombra de dúvida, a realidade de meios que projeta a todos em função do devir, isto é, é refle r a dinâmica que faz recrudescer todos os grandes eventos sociais, da questão ambiental até a iden dade das coisas na sociedade hipermoderna. Naturalmente, a polí ca centra seus primeiros esforços na atualidade dos dilemas sociais, no que vai sempre cotejar pautas, nem sempre claras, de atuação e, com isso, faz promover uma permanente diversidade de valores e de interesses na esfera pública, justamente porque o prognós co da ação pública exige compreensões, possibilidades e verdades sobre o universo das aflições sociais e, nesse contexto, não faltarão agentes na polí ca interessados em distorcer a verdade e mesmo falseá-la em função de interesses,43 inconfessáveis ou não, na cons tuição de medidas que mantenham uma confortável estrutura de poder de decisão, daí a maior razão de a sustentabilidade polí ca transferir uma enorme carga de inviabilidades materiais, porque tenta romper com tais estruturas na busca de saídas ou vias da ação comunitária para problemas inegavelmente cole vos, mas com sérios reflexos no domínio da individualidade. Por isso, o reconhecimento de que a discussão polí ca real, nas democracias contemporâneas, revele-se insuficiente, insa sfatória mesmo,44 apenas denuncia que a dinâmica da sustentabilidade polí ca parece centrar-se na mesma adversidade de consertar um navio em viagem ou de aprender a nadar se afogando, isso porque ao mesmo tempo em que se reconhecem os limites, melhor dizer esgotamento, dos atuais mecanismos da ação pública, é necessário transformá-la em face da estrondosa adversidade da 42. LOUREIRO, João Carlos. Direito da segurança social: entre a necessidade e o risco. Coimbra: Coimbra, 2014. p. 111-112. 43. SHAPIRO, Ian. Os fundamentos morais da polí ca. Tradução de Fernando Santos. São Paulo: Mar ns Fontes, 2006. p. 294. 44. SHAPIRO, op. cit., p. 295.

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hipermodernidade.45 Certamente, a ideia de sustentabilidade renasce da compreensão de que a polí ca não atuará, pelo menos numa perspec va exitosa, como uma efe va ciência de meios, se a dinâmica da ação pública não superar os modelos e/ou arranjos de antanho, no que congrega a necessidade de subs tuir a prisioneira lógica do presente e do individual para a libertadora lógica do futuro e do cole vo. Vivem-se intensamente os problemas de cada dia, muitas vezes, aliás, sucumbem-se em face deles, mas a esperança e o planejamento prospectados no futuro, que não tarde em ser presente, andam sempre meio trôpegos com as ordinárias visões da polí ca tradicional, sempre tão entregue às improvisações. Assim, a forte esperança na cons tucionalização do direito, que não é uma realidade tão recente, apenas demonstra o fôlego do cansaço de quem se perde na ro na da agonia cons tucional de todos os dias. Vale mencionar que a compreensão dos empecilhos estruturais da sociedade, ainda que demande uma dinâmica norma va, até porque a sociedade não é cons tuída por anjos, não representa o êmbolo propulsor da transformação social, sua capacidade de transformação, mesmo que fac vel, comporta condicionamentos polí cos, no que bem demonstra que a ação pública, numa perspec va sistêmica, revela-se incompa vel com o voluntarioso trabalho das decisões judiciais assentadas numa norma vidade prenhe de incertezas e onerosidades. A dinâmica dos custos dos direitos, porque todos demandam recursos,46 é a mais evidente certeza disso, tanto que a corte cons tucional italiana reconhece a rela vidade da prestação dos direitos a par r da disponibilidade financeira, num quadro geral de programação, assumindo o contexto de rol de possibilidades ou permissividades financeiras, per nentes a uma intervenção em determinada área da ação pública.47 Porém, isso não é o único limitador, ainda que seja bem relevante, vai mais além, inclusive 45. “Na hipermodernidade, a fé no progresso foi subs tuída não pela desesperança nem pelo niilismo, mas por uma confiança instável, oscilante, variável em função dos acontecimentos e das circunstâncias” (LIPOVETSKY; CHARLES, op. cit., p. 70). Daí a razão da crescente necessidade de obje vização nas relações jurídicas, sobretudo, no campo da responsabilidade, denunciando a providencial importância de um sistema global de absorção dos riscos sociais, exsurgindo, assim, a noção de solidariedade, que é uma das vigas da sustentabilidade polí ca. 46. HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass. El costo de los derechos: por qué la libertad depende de los impuestos. Buenos Aires: Siglo XXI, 2012. p. 65. 47. ROSSI, Emanuele. La sostenibilità del welfare al tempo dela crisi. Una proposta. Diri o e società. Napoli, III Serie, fas. 1, p. 1-18, 2014, p. 7-8, sentença nº 248/2011.

a falta de recursos talvez seja a grande consequência da forma de engendrar as relações sociais, que assume uma perspec va individualista, e não comunitarista, isto é, defende-se sempre o gozo individual das benesses públicas e/ou privadas, mas é sempre exigido o ônus, e apenas ele, numa perspec va comunitária, isto é, no sen do de que a conta é dos outros. Por outro lado, o cumprimento do dever fundamental de pagar tributo, como categoria cons tucional própria,48 no que corporifica uma clara é ca da responsabilidade, por si só, não parece ser uma via segura para redução das desigualdades e mesmo que reduzisse, o que já seria algo bem interessante, não teria o condão de romper com fluxo assombrosamente desigual no acúmulo de riqueza em função, dentre outros fatores, da taxa de retorno/remuneração do capital,49 sem falar que os ordinários processos de majoração tributária, longe de sacrificar os mais ricos, apenas cas gam os mais pobres, tornando, assim, o princípio da capacidade contribu va uma ideia vazia e des tuída de um sen do material, realmente compreensivo, na disposição dos cidadãos em suportar os custos da ação pública, enfim, os custos da sustentabilidade polí ca numa ambiência de escassez,50 no que vai desaguar na atual questão da sustentabilidade financeira/fiscal do Estado, tendo como um dos mais intrincados problemas a tríade da discórdia do Estado Social: velhice, previdência e saúde. Afinal, “[c]ada vez se tem de tomar mais a sério o quadro econômico-financeiro: em áreas como a saúde, a par da racionalização, fala-se agora de racionamento”,51 o que denuncia um novo 48. NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar imposto. Contributo para a compreensão cons tucional do estado fiscal contemporâneo. 1. ed. 3ª reimp. Coimbra: Edições Almedina, 2012. p. 36. 49. PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Tradução de Mônica Baumgarten de Bolle. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. p. 80. 50. No que compreende a lógica de que os recursos se submetem à presença ou ausência de escassez, indivisibilidade e homogeneidade. A escassez subdivide-se em natural, quase natural e ar ficial. A dinâmica da indivisibilidade, par cularmente importante na temá ca dos direitos sociais, refere-se a um bem que não possa ser dividido para mais de uma pessoa, como é o caso de transplante de órgãos, no que bem explica a lógica de que muitos direitos sociais são realmente rivais. A homogeneidade, por sua vez, na perspec va de um bem indivisível, reporta à questão de que todas as unidades são indis nguíveis, pelo menos no que concernem às caracterís cas que o torna desejável, porém, considerando que o bem seja divisível, qualquer parte resultante da divisão é igualmente indis nguível em face da outra (ELSTER, Jon. Local jus ce. How ins tu ons allocate scarce goods and necessary burdens. Cambridge: Cambridge University Press, 1992. p. 21-24). 51. LOUREIRO, João Carlos. A “porta da memória”: (pós?)cons tucionalismo, Estado (pós?)social, (pós?)democracia e (pós?)capitalismo. Contributos para uma “dogmá ca da escassez”. In: AMARO, António Rafael; NUNES, João Paulo Avelãs (Org.). “Estado-Providência”, capitalismo e democracia. Estudos do Século XX. Coimbra, vol. 13, p. 109-126, 2013, p. 114.

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fluxo de análises quanto às possibilidades e formas da ação pública no contexto da escassez de recursos. Até porque negar a crise fiscal do Estado e, com isso, a escassez de recursos, revela: ou indiferença com os problemas e prognós cos da gestão pública; ou ignorância sobre a dinâmica da gestão financeira nos Estados em tempo de crise fiscal. De qualquer sorte, uma ou outra a tude é igualmente condenável. Voltando à cons tucionalização do Direito e a condenada forma de empreendê-la na salvaguarda dos direitos sociais, o que é algo bem diverso de afirmar que ela seja um obstáculo à concre zação dos direitos fundamentais,52 vale mencionar uma constatação até mesmo paradoxal, qual seja, uma das crí cas recorrentes ao posi vismo é o seu distanciamento da dinâmica do amparo social, da convergência social da perspec va norma va, enfim, da socialidade, como que divorciado da realidade social e, nesse sen do, o Direito buscaria sua eficácia baseada em construções teóricas assentadas em princípios apriorís cos, portanto, longe de qualquer experiência co diana dos cidadãos,53 só que, por outro lado, a normatividade, destituída do discursivo processo político, mas empedernida de uma intensa carga axiológica, notadamente para posterior decantação judicial, pode representar o mesmo dilema, uma vez que o decisório judicial pode prestar-se a mesma e miraculosa forma de validade das normas, fugindo das amarras posi vistas para ganhar as asas póspositivistas, aquela na pretensa cegueira axiológica, esta, num misto de fantasia e irresponsabilidade, atua longe de uma necessária materialidade concrezadora54 dos direitos, assumindo, não raras vezes, uma perspec va meramente simbólica em função da inobservância dos condicionamentos sociais da pres52. Muito embora, deva-se reconhecer que o excesso de cons tucionalidade banaliza a norma cons tucional e, sobretudo, a atuação da jurisdição cons tucional, sem falar que promove uma inegável inversão lógica no sistema jurídico, porquanto a disciplina norma va cadencia um movimento decrescente no fluxo con nuo de análise nas instâncias judiciais, já que tudo, ou pra camente tudo, advém ou deve advir do texto cons tucional, isto é, a incessante necessidade de encontrar um fundamento próximo na própria Cons tuição, esvaziando a importância das leis ordinárias e complementares. 53. MARQUES NETO, Agos nho Ramalho. A ciência do Direito. Conceito, obje vo e método. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. XII. 54. O manejo das prestações jurisdicionais exige ações coordenadas no plano da ação administra va e, para tanto, não basta uma sentença, é preciso procedimentalidade, organicidade e sistema cidade administra vas. Eventual cumprimento fora desses parâmetros, além de onerosa, avulta o prognós co de crise das prestações sociais em função da mul plicação dos encargos públicos para atender às demandas existenciais dos cidadãos.

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tação jurisdicional. Assim, não importa se positivista ou pós-positivista, qualquer vislumbre extremado de autonomia polí ca da a vidade judicial possui, como consequência, o desacerto na atuação pretensamente concre zadora dos direitos. Evidentemente, a sindicabilidade judicial, quando necessária,55 não representa qualquer fluxo de tutela judicial do Estado e muito menos da sociedade, mas, sim, um mecanismo de diálogo entre os órgãos administra vos e judiciais, contanto que haja um ambiente adequado e predisposição ins tucional para ouvir as dores dos outros. O fato é que o império da lei, que remonta à an guidade clássica, alcançando o pensamento jurídico medieval e deste ao pensamento moderno, culminando no cons tucionalismo dos nossos dias,56 permi u uma evolu va compreensão da função da lei na sociedade e, sobretudo, nos órgãos responsáveis de dirimir os conflitos jurídicos, que, longe dos ordinários percalços relacionados aos limites da legalidade, gerou a intranquilidade da autonomia decisória judicial e administra va em face de casos concretos, desvinculando-se da forte dominação da matriz legal na dinâmica da a vidade judicial e mesmo administrava, de forma que as relações entre os poderes devem ser as mais dialógicas possíveis, justamente porque o terreno seguro da legalidade, não mais exis ndo, fez resultar não apenas incertezas normativas, mas, também, sérias reflexões sobre o universo das competências cons tucionalmente definidas, porquanto o largo emprego da senda prote va dos direitos parece não encontrar limites no Estado Democrá co de Direito, pelo menos do ponto de vista da ciranda judicial a par r da panaceia da cons tucionalização do Direito. 55. E a razão dessa necessidade não decorre da tutela judicial do Estado, mas dos desvios da atuação administra va, inclusive do próprio Poder Judiciário, conforme o regime da evidência, isto é, em função de flagrante e inescusável descumprimento das competências administra vas. Não se trata de um parâmetro obje vo, e nem poderia ser, mas obje vizador, porquanto os prognós cos da atuação judicial devem destacar a razão jusficadora da intervenção na seara administra va e, para tanto, não serve a fórmula mágica da defesa dos direitos fundamentais, especialmente o princípio da dignidade [da pessoa humana], pois isso representaria um cheque em branco para toda sorte de imposição valora va e determinação de normas por meio da ponderação de interesses, até porque os limites intersubje vos, considerados tão caros, não impedem o avanço da moral subje va do julgador, no máximo faz exigir à adoção de malabarismos exegé cos e contorcionismos metodológicos. Dito de outro modo, dinâmica sistêmica da ação pública não pode admi r intervenções que embaracem ou simplesmente usurpem competências de outros poderes. Assim, comemento, diálogo e intervenção mínima parece ser o remédio adequado, até porque a excessiva judicialização inviabiliza a a vidade judicial e compromete a administra va, enfim, de modo geral, é sempre condenável. 56. BOBBIO, op. cit., 2003, p. 157.

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De todo modo, a discussão de problemas comuns, mormente os complexos, é própria da atuação polí ca, porquanto a dinâmica dos efe vos dilemas pessoais, marcadamente existenciais, não é arvorada pela política, mas pela sensibilíssima ideia do eu, daí que, como nota meramente exemplifica va, a ausência de leitos em hospitais, ou mesmo a inexistência de hospitais, é um problema polí co e, portanto, segue os permeios próprios de resolução da terapêu ca polí ca; por outro lado, as demandas específicas de um universo estritamente pessoal, po doença rara e incurável, não pertencem à atuação polí ca, muito embora seja ainda objeto da atenção do Estado, só que sem um viés pretensamente sa sfa vo. Numa palavra, dilemas existenciais, por mais penosos que se revelem numa perspec va pessoal e/ou familiar, não podem encontrar guarida no campo da atuação polí ca. Não se trata de uma linear nega va de direitos, mas o simples reconhecimento de que a expansão de direitos exige, sobretudo, escolhas possivelmente trágicas numa conjuntura de escassez, bem como a compreensão de que a racionalidade da atuação estatal demanda uma síntese da inevitável convergência-divergência, verificada na obje vidade das ins tuições e na subje vidade dos indivíduos,57 baseada na viabilidade da ação pública, que não admite sacri cios estruturais da programação estatal e, com isso, não pode consen r a pulverização da disponibilidade financeira do Estado para salvaguardar dilemas existenciais dos cidadãos. Por outro lado, se a pretensa resolução de um dilema existencial se encontra contemplada por alguma polí ca pública específica, como é o caso de tratamento extremamente oneroso, mas de eficácia comprovada, pico das doenças raras, evidentemente, a questão ganha novo ma z, pois não se trata de atuação polí ca voltada à resolução de um dilema pessoal, mas, sim, de conquista de novos direitos e/ ou expansão nas polí cas públicas de saúde. Obviamente, isso ocorre nos limites estabelecidos pelos condicionamentos financeiros do Estado, portanto, para um número bem reduzido de atendimentos, o que faz gerar as eventuais filas e, com isso, a indevida ingerência judicial. 57. SALGADO, Joaquim Carlos. A Ideia de Jus ça em Hegel. São Paulo: Loyola, 1996. p. 415.

Aliás, o avanço das tecnociências, mormente na área de saúde, deixa a reboque, quase sempre, as possibilidades financeiras do Estado,58 exigindo-se parcimônia na concessão de tratamentos, ainda que eficazes, mas extremamente onerosos. Nessas hipóteses, a atuação judicial baseada numa perspec va estritamente norma vista, seguindo os apelos dos dilemas existenciais, vai inevitavelmente romper com a polí ca adotada ou onerá-la excessivamente e, portanto, inviabilizá-la, pois os direitos sociais comportam uma rivalidade entre os des natários, exigindo-se critérios para sua concessão, seja pela imprescindibilidade da técnica, seja pela inviabilidade econômica. Numa palavra: o problema dos dilemas existenciais, traduzido na afetação personalizada de recursos,59 é a sua excessiva onerosidade e sua inegável incomensurabilidade, portanto, qualidades totalmente inviabilizadoras de uma gestão pública racional, isto é, com a pretensão de generalidade e abrangência. Afinal, a alocação de recursos públicos não pode par r de dilemas existenciais, ainda que talhados em forte apelo moral, pois consagraria a rania dos valores, uma vez que as normas se aplicam, as ordens se cumprem, porém os valores se estabelecem e se impõem.60 Assim, promover uma leitura moral dos textos legais e, com isso, empreender parâmetros morais para contextos par culares, não se afigura nada compa vel com os prognós cos da ação polí ca, tendo em vista a estrutura das democracias modernas,61 porquanto isso tende a romper com a disciplina legal partejada pela legislação, que possui o importante papel de traduzir a realidade e direcionar a ação polí ca por meio de parâmetros legais viáveis, portanto, distante dos meros dilemas existenciais, tal como impõe toda a lógica de uma gestão pública com pretensão de universalidade. É dizer, programas sociais abrangentes, comprome dos com a expansão das prestações públicas, partem de premissas generalizadoras da atuação administra va, porquanto são menos onerosas, mas, em compensação, mais expansivas, logo, a dinâmica 58. LOUREIRO, op. cit., 2013, p. 119. 59. LOUREIRO, op. cit., 2013, p. 123. 60. SCHMITT, Carl. La ranía de los valores. Trad. Anima Schmi de Otero. Revista de Estudios Polí cos. Madrid, n. 115, p. 65-82, enero/febrero 1961, p. 71. 61. HABERMAS, Jürgen. Truth and jus fica on. Translated by Barbara Fultner. Massachuse s: MIT Press, 2003. p. 47.

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discursiva do direito centrada na moral, inevitavelmente, romperá com a sistemá ca universalizadora dos serviços públicos, ainda que possa ofertar, casuísca e isoladamente, uma concreta sa sfação a um jurisdicionado, mas, mesmo assim, sem a providencial garan a de con nuidade. 4 SUSTENTABILIDADE POLÍTICA E TENTAÇÃO ÀS MINORIAS “A polí ca pode significar duas coisas: arte de governar e/ou arte de conseguir o Governo e conservá-lo. De outro modo: há uma arte de legislar e uma arte de impor certa legislação.”62 Evidentemente, a dinâmica opera va da sustentabilidade polí ca prende-se à primeira forma de a vidade polí ca, na qual denota a arte de legislar, mas, por não ser uma questão ingênua, a segunda forma de atuação polí ca, que centra fundados esforços de intelecção, costuma roubar a cena no teatro das grandes questões públicas. Neste tópico, tem-se a preocupação de apresentar um tom mais concreto à sustentabilidade polí ca, tudo em função de dilemas atuais da gestão pública, quiçá, um passo bem pequeno, mas, ainda assim, um passo em busca de uma ideia de ação pública baseado em renovados valores nas relações sociais, nas quais estampe a ideia de igualdade no presente e no futuro, exigindo-se, assim, devotados esforços em prol da solidariedade na ambiência social e, portanto, na convivência comunitária. Toda teoria possui uma função heurís ca,63 senão ela não seria pres giada e mesmo objeto de invesgação, afinal, os inves gadores, a par r dos seus valores e dos seus parâmetros de interesse e u lidade, projetam demoradas reflexões sobre os problemas e, a par r deles, promovem suas teses, que invariavelmente permite alcançar algum dado concreto, mesmo que abstrato, sobre uma determinada forma de conhecimento pretensamente capaz de solucionar, de modo mais adequado, os problemas existentes. Então, uma teoria polí ca, social ou jurídica também segue o mesmo caminho: reconhece ou iden fica problemas, levanta teses, submete-as às crí cas e, por fim, refuta-as ou persiste nelas. Nesse contexto, 62. ORTEGA Y GASSET, José. Discursos polí cos. Nota preliminar de Paulino Garagorri. Madrid: Alianza Editorial, 1974. p. 45. 63. CANARIS, Claus-Wilhelm. Función, estructura y falsación de las teorías jurídicas. Traducción de Daniela Brückner y José Luis de Castro. Cándido Paz-Ares. Madrid: Editorial Civitas, 1995. p. 30.

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as teorias nas ciências sociais, na sua pretensão de universidade e sistema cidade,64 têm a pretensão de criar mecanismos para engendrar novas formas compreensivas da realidade e, a par r disso, promover novas abordagens para solucionar as problemá cas sociais. Nesse sen do, a sustentabilidade polí ca teria o claro propósito de expressar um mecanismo hábil de uma perspec va teórica mais abrangente das ciências sociais, a saber, a teoria geral da sustentabilidade, a qual é composta de seis capitais dimensões: econômica, social, polí ca, cultural, ecológica e espiritual, sempre destacando a questão da equidade intrageracional e intergeracional.65 Vinculando-se especificamente à dimensão políca, destaca-se a necessidade de colaboração entre os setores público e privado na consecução do desenvolvimento sustentável mediante um sistema eficaz de governação descentralizada, aliás, numa estrutura polí ca democrá ca, com o domínio da par cipação e da accountability, resulta em maior capacidade pública, no que vai resultar em maior bem-estar da população.66 Agora, numa dinâmica mais prá ca, vale destacar algumas ligeiras reflexões sobre a realidade da ação polí ca no Brasil.67 Pois bem. Existem palavras que se revelam extremamente eloquentes, por mais inexpressivas que sejam suas concepções em um dado sen do, e, apesar disso, denotam uma carga semân ca engenhosamente impactante. Minorias é uma delas. No singular, então, corporifica ainda aquele leve tom de esquecimento, que tanta discórdia causa à perspec va panfletária dos direitos. Tudo bem, não necessariamente panfletária, mas com clara devoção mis ficadora. Minoria, como resis r à sua bandeira? Como não ser seduzido por um discurso tão digno e de tão dignas considerações sobre a indignidade? A sedução não se entrega à razão, mas aos delírios da mente, comumente, e como mente, talvez seja por isso que a polí ca se encontra tão estranhamente entregue à irracionalidade em matéria de direitos da minoria. 64. CANARIS, op. cit., p. 27. 65. MUDACUMURA, Gedeon. Toward a general theory of sustainability. In: MUDACUMURA, Gedeon; MEBRATU, Desta; HAQUE, M. Shamsul. Sustainable development policy and administra on. Boca Raton: CRC Press, 2006. p. 135-166, p. 149-156. 66. MUDACUMURA, op. cit., p. 152. 67. Notadamente, as reflexões serão pontuais e, mesmo assim, destacando um ou outro ponto rela vo às polí cas públicas.

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Por mais que se insista na ideia de uma sofrível minoria, e nos parcos limites da razão e atuação públicas, não há como admi r o verdadeiro carnaval das polí cas públicas des nadas à concreção de pretendidos direitos das minorias. Aliás, o que é mais gravoso: a dinâmica defesa dos direitos das minorias alcançou um nível de conflituosidade que afeta duramente a argumentação pública, porquanto a discussão pública sobre os direitos e interesses das minorias, no que exige o embate de ideais e as ordinárias permissividades de uma renhida disputa na arena pública, pode acabar por consagrar uma série de restrições à liberdade de expressão, porquanto qualquer resistência mais intensa, ou exposição mais ferrenha a uma perspecva de direitos, tem rendido ações governamentais destinadas não às verdadeiras razões que carreiam as reivindicações de direitos, mas, simplesmente, à inoportuna tenta va de levantar regras para proibir ou evitar que pessoas sejam ofendidas por outras, seja pelas corrosivas ideias de grupos sociais diversos, seja mesmo pela crí ca mordaz de segmentos especializados.68 A argumentação pública, nesse contexto, não encontra um terreno adequado para ven lar um providencial amadurecimento sobre a conquista dos direitos numa sociedade plural e complexa. Infelizmente, vive-se um momento de expansiva categorização do direito sem causa ou com pouquíssima causa. Dito de outro modo, a causa de determinados direitos não é, nem de longe, mais premente do que outras, ainda que ostente a pomposa e quetagem ideológico-jurídica de direitos da minoria. Não é preciso nem mesmo cotejar, numa ambiência de escassez, o necessário estabelecimento de prioridades na alocação de recursos, porquanto, em abstrato, já se afigura plenamente possível aferir que o tratamento dispensado a determinados direitos não pode merecer a mesma atenção dos gestores públicos. Se a dinâmica aloca va de recursos fosse definida caso a caso, que seria mesmo que caso a caos, além de assombrosamente hercúlea, a execução orçamentária seria também um expediente de incomensurável ineficiência e excessiva onerosidade ao Erário, em verdade, aos contribuintes.

Ora, a cômoda afirmação de que todos os direitos sociais devem ser concre zados, mormente os de envergadura cons tucional, como um dado fantasiosamente afirmado na ciranda jurídica,69 não se sustenta na ciranda polí ca ou no fluxo decisório na definição do orçamento público, que sempre exige sacri cios, incluindo-se, evidentemente, numa a tude mais dramá ca, a própria possibilidade de redução70 ou supressão de recursos. Aqui, importa compreender que a reserva do possível corporifica o entendimento de que o grau de realizabilidade dos direitos não pode ser indiferente, ou mesmo insensível, à conjuntura suportada pelo Estado;71 portanto, a ação pública, infelizmente, pode sofrer retrocessos, senão os efeitos podem resultar ainda mais danosos à sociedade. A escassez é um misto de limites e escolhas, daí que o estabelecimento de prioridades exige sacri cios e, certamente por isso, toda a vidade polí ca pode levar descontentamentos para vários segmentos sociais, especialmente aos que se declaram eternamente injus çados. O que isso quer dizer? Sem a possibilidade de pulverização do orçamento no sen do posi vo,72 isto é, o efe vo atendimento das demandas de todos os segmentos sociais, a concentração do orçamento, a despeito de sua racionalidade, tende a revelar um grande custo polí co aos gestores. Por outro lado, sem essa concentração não é possível superar as adversidades decorrentes das crises cíclicas ou, como no caso brasileiro, os déficits estruturais da sociedade. Evidentemente, isso não se aplica apenas aos inves mentos, mas possui neles uma par cular importância, porquanto é a primeira viga da alocação 69. Como se essa asser va fosse capaz de expressar alguma dinâmica compreensiva sobre a realidade dos direitos, na qual seria plenamente jus ficadora da negação de qualquer julgamento, em abstrato, dos gestores públicos numa ambiência de escassez. Isso é, por tudo insustentável, chega até mesmo ser infan l. Ora, toda a vidade financeira revela uma polí ca de escolhas, logo, por mais que se entregue às razões centradas nas con ngencialidades, o gestor, não raras vezes, estabelece prioridades em função do seu plano de ação, e não necessariamente em função de um conflito aberto de interesses, por mais legí mos e prementes que eles se afigurem no caso concreto. 70. Como, por exemplo, numa conjuntura de crise, no primeiro semestre de 2015, observou-se a redução em 32% dos inves mentos do Governo Federal na área da saúde (Fonte: Folha de S. Paulo, Co diano, 2 set. 2015. Disponível em: . Acesso em: 4 fev. 2016). 71. LOUREIRO, op. cit., 2013, p. 123.

68. DRÈZE, Jean; SEN, Amartya. Glória incerta: a Índia e suas contradições. Tradução de Ricardo Doninelli Mendes e Laila Cou nho. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 287.

72. O sen do nega vo reside na expressiva divisão dos recursos, de tal modo que os recursos, individualmente considerados, não são capazes de viabilizar adequadamente as prestações públicas.

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de recursos a sofrer os funestos custos sociais da escassez. Num país de inexpressiva capacidade de inves mento na área de educação, o que não é o caso brasileiro, por certo, não é possível inves r, com o mesmo nível de comprome mento, no ensino superior e também no ensino básico. Considerando um país com razoável capacidade de inves mento na educação, que é o caso brasileiro, é ainda compreensível a adoção de parâmetros diversos de inves mento, contanto que isso decorra de uma clara ação pública des nada a superar déficits estruturais na educação. Trata-se de uma elementar análise que todo gestor poderia expressar sem o sacri cio da razão. Todavia, a dinâmica dos dilemas sociais vai demandar uma intensificação dos parâmetros decisórios e, com isso, vai acarretar maiores dificuldades no tratamento da questão do orçamento público, mas, em qualquer caso, a con ngencialidade é apenas um fator intensificador da problemá ca aloca va dos recursos, mas, jamais, um dado ou fato não legi mador das escolhas do gestor público. A sustentabilidade polí ca exige a compreensão de que a batalha do orçamento é uma arena de possibilidades, e não um terreno concreto de realizações públicas. E para ser mais sincero: a alocação de recursos cons tui passo importante, mas, ainda assim, não decisivo na corporificação dos parâmetros decisórios do gestor, porque isso ainda demanda o inóspito terreno da contratualidade administra va, que vai exigir um elemento cultural determinante na realização do objeto da contratação e, claro, na qualidade dos serviços prestados: o capital cultural dos cidadãos, no que reflete na própria dinâmica da confiabilidade nas relações econômicas ou laborais, haja vista a inegável relação entre capital cultural e sistema econômico, porquanto a incorporação, a obje vação e a ins tucionalização da cultura, como estados decorrentes de processos intergeracionais, contribuem na perfec bilização das realizações sociais.73 Essa questão, aliás, possui par cular importância na realidade brasileira, pois, apesar dos consideráveis avanços nos úl mos cinquenta anos, a sociedade ainda espelha um baixo capital cultural. Se a natureza não dá salto, por que razão a cultura daria? Essa questão explica bastante sobre os déficits estruturais da sociedade brasileira, 73. BOURDIEU, Pierre. Les trois états du capital culturel. Actes de la recherche en sciences sociales. Paris, vol. 30. L’ins tu on scolaire, p. 3-6, novembre 1979, p. 3.

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só não jus fica, de modo algum, a permanência de qualquer estagnação no desenvolvimento sociocultural do Brasil. Agora, prendendo-se à temá ca da minoria na questão da sustentabilidade polí ca, põe-se o dilema da famigerada hipossuficiência ou vi mização de determinado grupo social. As dores são sempre consequencialistas, mais ainda as decorrentes do corpo social, as quais resultam em fissuras sociais que vão acarretar inevitáveis desconfortos, não necessariamente estruturais, à ação pública, que, possivelmente, pode ser refém da desolação decorrente dos parcos meios de reversibilidade social numa conjuntura políca e econômica nada favorável. Nesse sen do, a decisão polí ca, na confli va análise de uma sociedade plural, sempre vai exigir escolhas que possam causar desconfortos para muitos segmentos sociais, pois raramente a opção poli camente determinada, mesmo com planejamento, contempla todos os segmentos da sociedade ou, na melhor hipótese, seja indiferente para boa parte dos segmentos sociais. Nesse ponto, a questão das minorias corporifica uma ideia-força bem clara: a noção de minoria já exprime a diversidade compreensiva das ideias defendidas por um grupo social, que se autodenomina minoria ou simplesmente é considerada como tal, fazendo com que boa parte da perspec va majoritária, decantada nos valores da atuação polí ca, seja encarada como uma nega va dos direitos ou interesses da minoria. Porém, não se trata de uma posição de extremos em cada caso, ou seja, é bem possível que uma posição da maioria não revele necessariamente uma grita da minoria. Em todo caso, e nisso reside a grande tentação às minorias: contemplar poli camente uma pauta da minoria é, sobretudo, ques onar as posições polí cas majoritárias e, a par r disso, assumir o ônus polí co dessa discussão, por outro lado, a nega va dessa discussão gera um desconforto polí co com as minorias, que também acarreta um sério ônus polí co, lembrando-se de que o termo minoria não é um conceito quan ta vo. Em função disso, a atuação política, especialmente nos governos demagogos, promove concessões desarrazoadas às minorias apenas em decorrência do fluxo e ônus políticos que a inexistência delas poderia acarretar na governabilidade de determinado mandado polí co. Portanto, a sustentabilidade polí ca

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não se coaduna com essa perspec va decisória, isto é, talhada no preço polí co suportável pela gestão pública. Vai mais além, exige uma dinâmica decisória voltada às demandas sociais numa perspec va intergeracional, notadamente a par r dos seus efeitos transformadores, que consagre uma con nua reflexão dos mecanismos iden ficadores dos verdadeiros problemas estruturais da sociedade, o que afastaria a linear compreensão da adoção de medidas, tão somente, em função da perpetuação de uma vertente política no poder por meio da tentação às minorias.

Voltando ao dilema das minorias, e se prendendo à realidade brasileira, afirma-se que não são poucos os exemplos em que a polí ca se rendeu à tentação às minorias, certamente porque os dividendos polí cos são sempre bem pomposos ao governante de plantão. No âmbito federal, tem-se a recente Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014,76 que cons tui situação exemplar de submissão à tentação às minorias, porquanto determina que 20% (vinte por cento) das vagas dos concursos públicos federais promovidos pelo Poder Execu vo são reservadas aos negros.

Aqui, entra em cena “[…] a discrepância estrutural entre legi mação democrá ca a curto prazo e responsabilidade a longo prazo”,74 no que revela uma clara tensão estrutural na compreensão da ação polí ca. Em verdade, trata-se de manifesto obstáculo à sustentabilidade polí ca, só que tal adversidade encontra uma indiscu vel posição na conformadora diretriz democrá ca rela va ao legí mo exercício do poder polí co. Donde exsurge o seguinte dilema: “a democracia custa a adaptar-se a problemas intertemporais e à assumpção de responsabilidade a longo prazo”.75 Esse diagnós co declaradamente insustentável revela a necessidade de repensar as pautas decisórias fundamentais do Estado, como que para adotar um novo ciclo de vias decisório-legi matórias sobre as questões que afetam as gerações futuras, mormente as rela vas aos encargos naturais e também patrimoniais, pois a vigilância da democracia representa va, na sua específica temporalidade, encontra-se vinculada aos improvisos do fluxo polí co e, assim, míope para compreender e absorver os diagnós cos do tempo. Evidentemente, não se trata de um prenúncio apocalíp co da inviabilidade polí ca da sustentabilidade e, de modo mais premente, da sustentabilidade orçamentária; mas, de todo modo, exige-se uma profunda reflexão e releitura da polí ca, a par r do calor dos pleitos eleitorais, nas questões intergeracionais. Aliás, o dissabor das prospecções futurís cas, de dicil aclimatação ideológica, talvez tenha sido a mais evidente discórdia das necessárias transformações na forma de empreender das grandes decisões polí cas do Estado, reinando-se, assim, a agonia do presente e o desacerto das medidas inadiáveis.

Aqui, não serão poucas as possibilidades de insólitas situações rela vas às absurdas violações ao princípio da igualdade para jus ficar uma providencial desigualdade de tratamento. Como admi r que profissionais igualmente qualificados, e pertencentes à mesma comunidade polí ca, disputem acesso aos cargos públicos com desigualdade de tratamento? Mais que isso: a desigualdade pode basear-se apenas numa questão pretensamente étnica, a despeito da inexistência de desigualdade na formação técnica dos candidatos? A formação técnica conquistada pelos candidatos na universidade pública ou privada, critério indispensável para par cipação no certame, já não seria um fator de mobilidade social, isto é, de afirmação da pretendida igualdade étnica? A promoção da igualdade étnica jus ficaria um desatado tratamento discriminatório? Como conciliar essa Lei com o ar go 1º, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010,77 também conhecida como Estatuto da Igualdade Racial? Ter-se-ia uma forma admissível

74. CANOTILHO, op. cit., 2012, p. 9. 75. CANOTILHO, op. cit., 2012, p. 9.

76. BRASIL. Lei Ordinária Federal nº 12.990, de 9 de junho de 2014. Reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efe vos e empregos públicos no âmbito da Administração Pública Federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. Diário Oficial da União, Brasília-DF, 10 jun. 2014. Disponível em: . Acesso em: 30 mar. 2015. 77. BRASIL. Lei Ordinária Federal nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Instui o Estatuto da Igualdade Racial; altera as Leis nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, nº 9.029, de 13 de abril de 1995, nº 7.347, de 24 de julho de 1985, e nº 10.778, de 24 de novembro de 2003. Diário Oficial da União, Brasília-DF, 21 jul. 2010. Disponível em: . Acesso em: 26 jun. 2015. Eis a redação do disposi vo referenciado: “Art. 1º Esta Lei ins tui o Estatuto da Igualdade Racial, des nado a garan r à população negra a efe vação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, cole vos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica. Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, considera-se: [...] II – desigualdade racial: toda situação injus ficada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica; [...]”.

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de discriminação positiva? Tais questionamentos não decorrem de uma relutância quixotesca contra as opções polí cas do governo brasileiro, mas, tão somente, destacar que a tentação às minorias faz com que as polí cas públicas dela decorrentes endossem medidas claramente irracionais e/ou até mesmo discriminatórias e, por isso, onerosas demais ao processo polí co democrá co. Veja-se que a sustentabilidade política é incompatível, pelo menos é o que se espera, com a decantação das opções polí cas a par r das premissas eleitoreiras e, com isso, contempladoras de reclames de segmentos poli camente importantes na ciranda eleitoral, muito embora eles não representem efe vas conquistas na concre zação dos direitos sociais, pois possui um propósito muito restrito de desenvolvimento social. Obviamente, os polí cos também são tentados pelos reclames dos grandes grupos econômicos não apenas em função dos prognós cos eleitorais, mas, sobretudo, pela consagração de polí cas públicas que possam projetar economicamente outros atores do sistema. A atual ciranda polí ca brasileira denuncia isso sem maiores esforços. No que se refere às minorias, não há como defender prestações de direitos sociais a par r do sectarismo da heterogênea composição da sociedade hipermoderna, mesmo quando fundadas na tentava de romper com possíveis injus ças históricas, uma vez que a sustentabilidade polí ca exige uma compreensão das prestações públicas a partir de um macrossistema de possibilidades da ação pública e, a par r dele, atender, no que for possível, ao universo das pretensões das minorias. Trata-se de uma questão de mera racionalidade na formulação das polí cas públicas, porque as prestações gerais tendem a consagrar todo o corpo social ou segmentos sociais abrangentes, portanto, isso evita o sacri cio de atuações cirúrgicas que possam negar pautas básicas dos serviços públicos. Por exemplo, saúde não é um serviço público das minorias, porém, é possível cotejar serviço público de saúde para nichos mais específicos, como é o caso dos aidé cos, só que, primeiramente, é preciso atender a uma premissa básica das prestações públicas: generalidade, isto é, dotando-as de uma atuação abrangente na sociedade, aliás, a abrangência de uma prestação pública denota a consagração de um modelo de prestação social no Estado. Em outras palavras, não é possível atuar de forma pontual, seja

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pela onerosidade dessa atuação, seja pela incompletude dela no meio social. E caso as minorias não sejam atendidas? O que fazer? Essa é uma questão que exige novos esclarecimentos e algumas proposições, evidentemente, sem a pretensão de apresentar soluções defini vas sobre a temá ca, quando muito, apenas razões desejosamente consistentes. Primeiro, é preciso entender o porquê de a perspec va macroscópica não atender aos reclames das minorias, ou seja, qual a razão de as prestações já existentes não contemplar as prestações das minorias? O que diferiria tais prestações em face das demais? Em que consiste a especificidade delas? Veja-se que a perspec va mul cultural dos direitos não carece de uma atuação mul cultural das polí cas públicas, isto é, uma diversidade opera va das polí cas em função de perspec vas étnicas, religiosas, minoritárias etc., porquanto a consagração dos direitos de determinadas iden dades culturais no corpo social, inclusive decorrente de debates polí cos focados em questões culturais, não pode expressar qualquer falência na polí ca de igual cidadania, até porque a contraposição entre grupos dificulta a formação de uma base de coalizão em favor da igualdade; logo, as minorias são, em tese, igualmente beneficiadas pelas prestações destinadas aos menos favorecidos, tais como emprego, habitação, saúde, educação e qualquer outro bene cio passível de gozo pelos cidadãos.78 Segundo, como que decorrente dos ques onamentos anteriores, importa observar se as demandas das minorias são jus ficáveis ou não no universo das prestações já contempladas nas polí cas públicas promovidas pelo Estado, ou seja, se elas não são atendidas, é preciso iden ficar uma razão capaz de demonstrar que seja mesmo necessário atendê-las. Terceiro, se não são atendidas, mas é preciso atendê-las, como promover essa hercúlea tarefa, isto é, considerando os dilemas e os esforços potencialmente demandados da ação pública, como empreender os meios disponíveis para contemplar as prestações exigidas pelas minorias? Seria o Poder 78. MILLER, David. Mul culturalism and the welfare state: theore cal reflec ons. In: BANTING, Keith; KYMLICKA, Will. Mul culturalism and the welfare state. Recogni on and redistribu on in contemporary democracies. Oxford: Oxford University Press, 2006. p. 323-338, p. 325.

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Judiciário mais bem preparado para encontrar soluções para esses dilemas? Defende-se que não. Sabe-se que, no Brasil, o a vismo judicial é um caso paradigmá co, inclusive reconhecido internacionalmente.79 Contudo, o que esse fenômeno, possivelmente cataclísmico, trouxe de melhor à sociedade brasileira? Além da maior onerosidade das polí cas públicas e da inegável balbúrdia na atuação administra va, pode-se afirmar que nada. Do ponto vista da abrangência das prestações sociais, e isso se revela bem elementar, a dinâmica declaradamente casuís ca da a vidade judicial no tratamento dos dilemas existenciais dos cidadãos, sem sombra de dúvida, teve apenas o falacioso propósito de consagrar os direitos fundamentais, conforme o ritmo da pulverização das demandas judiciais, por meio de onerosas e desmedidas determinações processuais, aliás, sem qualquer fluxo de racionalidade, a qual rompe com as diretrizes básicas e os planejamentos estratégicos em diversas áreas da ação pública, gerando, assim, uma verdadeira esclerose ins tucional, como que as mãos do Estado esbofeteando a própria face. Notadamente, a intervenção judicial não pode revelar-se a primeira, e pretensamente a única, porta da salvação dos direitos fundamentais. Não mesmo. Essa tarefa é cons tucionalmente atribuída ao Poder Legisla vo e ao Poder Execu vo, de forma que sua atuação, meramente corre va, não pode esfacelar a lógica das prestações públicas condicionadas aos planejamentos promovidos pela Administração Pública. A inconsequência surge quando, mediante a intervenção judicial, o Estado perde a ideia de referencialidade na consagração dos direitos sociais e, desse modo, tudo, tudo mesmo, pode ser deslocado da necessária intervenção legisla va para ganhar as raias da subje vidade dos jurisdicionados e dos julgadores. Lembrando-se de que “[é] da natureza humana que o interesse pessoal molde os juízos de equidade”,80 donde exsurge uma clara necessidade de estabelecimento de limites ins tucionais à atuação judicial, porquanto os limites intersubje vos são vagos, construídos e moduláveis pela geniosa via dos caprichos humanos.

há magistrados que admitem isso, porém, não raras vezes, atuam baseados, tão somente, no apelo da perspec va meramente existencial dos direitos, isto é, a supremacia dos dilemas existenciais como ferramenta propulsora dos direitos com ou sem intervenção legisla va. Trata-se de uma problemá ca par cularmente danosa à gestão pública brasileira e mesmo negatória dos parâmetros democrá cos da conformação legisla va sobre os direitos sociais. Aliás, “[a] ideia de ‘democracia sustentada’ deve ser pensada não apenas em termos ecológicos, mas também sociais e econômico-financeiros”.81 Como a demanda existe, decantada na consagração norma va dos direitos sociais,82 e é necessário contemplá-la, então, como trilhar caminhos para atendê-la? Nesse ponto, entra em cena a questão da sustentabilidade polí ca. Não é possível compreender a sustentabilidade orçamentária do Estado apartada da sustentabilidade polí ca. Dito de outro modo, não é possível compreender que a ciência dos meios não esteja a serviço da sustentabilidade orçamentária e, com isso, não se renda às contingencialidades sem uma forte razão de Estado. Em verdade, a a vidade financeira do Estado, longe de uma perspec va centrada na estrita austeridade fiscal, representa a matriz das viabilidades polí cas de qualquer gestão pública minimamente responsável, de forma que, numa conjuntura de crise e mesmo sem ela, é preciso estabelecer os parâmetros de controle da dívida pública e, com isso, iden ficar os obje vos da ação pública orçamentariamente possível, evitando-se, assim, o sacri cio das futuras gerações que, independentemente dos bene cios herdados, encontram-se desconfortavelmente instadas a pagar uma dívida não contraída, não gestada e não usufruída, como que uma insólita hipoteca nos ombros das gerações esquecidas.

Infelizmente, esse é o trágico panorama da efe vação dos direitos sociais no Brasil. E mesmo

A crise fiscal, como realidade de fortes implicações polí cas, seja pela incapacidade de absorvê-la, seja pela incapacidade de evitá-la, não pode ser negada pela eventual a vidade decisória judicial, isso porque os arranjos polí cos, revelando-se insuficientes, levarão os conflitos à outra seara discursiva, que, apesar de possuir um fluxo decisório próprio, não pode simplesmente desprezar a força dos impera vos

79. LOUREIRO, op. cit., 2013, p. 114.

81. LOUREIRO, op. cit., 2013, p. 116.

80. STIGLITZ, Joseph. O preço da desigualdade. Tradução de Dinis Pires. Reimpressão. Lisboa: Bertrand, 2014. p. 300.

82. CORNEJO, Valen n Thury. Juez y división de poderes hoy. Buenos Aires: Ciudad Argen na, 2002. p. 247.

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fá cos,83 mormente quando ela é sempre considerada, geralmente como uma forma de apelo moral, para jus ficar decisões extremamente onerosas contra o Estado, denunciado que o dilema dos direitos possui mais uma dinâmica ideológica que propriamente jurídica, senão a crise fiscal também poderia servir de elemento compreensivo das parcas possibilidades da ação pública e, com isso, a impossibilidade de promover determinadas prestações públicas. Noutro quadrante, por mais que se defenda, nos árduos períodos de crise, uma aplicabilidade reforçada das normas cons tucionais, exigindo-se, assim, maior rigor e exigência de uma corte cons tucional,84 no que se revela uma afirmação tranquila demais para ser levada a sério, deve-se ter em conta que é justamente nos períodos de crises, o que é algo bem diverso de estado de defesa e/ou de estado de sí o,85 tudo nos termos dos arts. 136 a 139 da Cons tuição Federal de 1988 (CF/88), que a dinâmica da aplicabilidade do texto cons tucional não pode apartar-se dos condicionantes sociais das prescrições norma vas, porquanto o contornar dos percalços da crise não se encontra no regular fluxo de disponibilidade da políca e, claro, dos gestores públicos, logo, acentuar a lógica da proteção do texto cons tucional a par r da perspec va estritamente norma vista é, sem dúvida, o mais duro golpe contra o próprio texto cons tucional, pois, inevitavelmente, ele não suportará o rompimento das estruturas polí cas do Estado e, com isso, cairá como um verdadeiro castelo de cartas ou, por se julgar mais preciso, despencará como uma intrigante e resoluta folha de papel no sofro da crise. Desse modo, afirmações categóricas de que o juiz cons tucional deve apenas verificar se uma lei violou normas, regras ou princípios cons tucionais,86 independentemente de qualquer análise política incidente ou imanente na lei e, claro, da própria ontologia polí ca das normas cons tucionais incidentes sobre os fatos e as con ngencialidades estruturais da organização 83. LOUREIRO, op. cit., 2013, p. 124. 84. NOVAIS, Jorge Reis. Em defesa do Tribunal Cons tucional. Respostas aos crí cos. Coimbra: Edições Almedina, 2014. p. 53. 85. BRASIL. Cons tuição Federal de 1988, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Brasília-DF, 5 out. 1988. Disponível em: . Acesso em: 29 jun. 2015. 86. NOVAIS, op. cit., p. 93.

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do Estado, faz negar toda a lógica da interpretação cons tucional, assentada justamente na permissividade polí ca das cortes cons tucionais no deslinde dos complexos e importantes julgamentos cons tucionais. Aliás, essa permissividade polí ca é decantada, em verso e prosa, como jus ficadora do a vismo judicial no Brasil,87 aliás, como não dizer, em todo o mundo. Então, seguindo a linha de entendimento aqui comba da, tem-se mais ou menos o seguinte: por um lado, quando a polí ca se revela interessante para invalidar uma lei, sem demora, ela é acatada e mesmo defendida como instrumento balizador da consequencialidade do julgado, nem que seja, na pior hipótese, para modulação dos seus efeitos, resultando, então, no reconhecimento de que essa lei violou o texto constucional; agora, por outro lado, quando a polí ca não atende aos desígnios norma vos de uma lei que deve ser declarada incons tucional, por certo, ela será desconsiderada, afinal, o juiz deve ater-se tão somente às eventuais violações das regras, das normas e dos princípios cons tucionais e, para isso, prescinde-se da polí ca, pois o texto cons tucional prende-se apenas a uma dinâmica compreensiva estritamente jurídica.88 E o mais interessante: como negar a ontologia polí ca das normas cons tucionais e, nesse sen do, não cotejá-la nas reflexões decorrentes das considerações fá cas do julgado? Não há como entender dessa forma. Esse pretendido puritanismo exegé co, tão cri cado na doutrina posi vista, como poderia ganhar espaço na atual quadratura da doutrina cons tucional. Não é uma questão linear. Não mesmo. Não há, aqui, a defesa de que as cortes constitucionais devam julgar baseando-se apenas em análises políticas, na dinâmica dos argumentos de polí ca,89 porque seria outro extremo igualmente inconcebível, só que não há como negar a dimensão polí ca das normas cons tu87. Claro que, no caso brasileiro, com um imperdoável exagero. 88. Este ar culista sempre desejou que assim fosse possível a questão, como que encantado pela necessidade de um mínimo de obje vidade no tratamento dos julgados cons tucionais e, assim, negando, relutantemente, a dinâmica polí co-decisória desses julgados. Ainda se deseja obje vidade nos julgados, mormente os da jurisdição cons tucional, só que em função da ascensão jus ficadora e dos possíveis limites intersubje vos da ambiência jurídica, dentre outros pormenores que não cabem aqui relatar, mas, negar a polí ca na própria dinâmica decisória cons tucional é algo que já não é possível cogitar e muito menos defender. 89. DWORKIN, Ronald. Hard Cases. Harvard Law Review. Cambridge, vol. 88, n. 6, p. 1057-1109, April 1975, p. 1059 e 1067.

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cionais, o que se pode ques onar é apenas o grau de análise da perspec va polí ca, mas jamais negá-la.90 Agora, que isso fique claro, a crise fiscal não representa uma justificativa meramente retórica, pois ela deve ser precisamente comprovada, aliás, a falta de acessibilidade e inteligibilidade dos dados da gestão fiscal, no que nega a dimensão democrá ca da transparência,91 é, muitas vezes, a maior razão de eventual intransigência judicial e, possivelmente, um argumento comum que gera grande instabilidade entre as ins tuições públicas. E a razão não é sem sen do, não mesmo. Dentre outros pontos, a compreensão da crise fiscal exige uma análise precisa da a vidade financeira do Estado e, para tanto, o reconhecimento de que eventuais subsídios concedidos aos agentes econômicos ou aos segmentos sociais privilegiados são absolutamente incompa veis com a dinâmica da responsabilidade fiscal, não apenas em função de renúncia de receita, mas, principalmente, por consagrar imperdoáveis transferências de recursos para segmentos sociais que deles não carecem e, sem sombra de dúvida, poderiam ser mais bem aproveitados em programas sociais de emprego e renda mínima,92 como é o caso do programa Bolsa Família, 90. O autor ainda sustenta o argumento de que o juiz não deve par r de convicções pessoais, o que é certo, para promover o julgamento dos casos (NOVAIS, op. cit., p. 93); todavia, o que ele não consegue explicar é como afastar, sem maiores dilemas, a força dos fatos sem fazer um juízo de valor, possivelmente polí co, para sustentar uma determinada posição sobre a cons tucionalidade ou não de determinada lei. Nesse ponto, seria mais coerente defender a tese de que os valores substan vos, os juízos de valor do Poder Legisla vo (ELY, John Hart. Democracia e Desconfiança: uma teoria do controle judicial de cons tucionalidade. Tradução de Juliana Lemos. São Paulo: Mar ns Fontes, 2010. p. 95 e 323) não deveriam ser objeto de ques onamento judicial, o que bem revela o exemplo por ele apresentado sobre a possibilidade do casamento de pessoas do mesmo sexo, afirmando que a discussão limitar-se-ia a aferir se essa alteração no Código Civil violaria o texto cons tucional, algo pretensamente bem obje vo e estritamente jurídico, só que, é preciso reconhecer, nem todas as demandas, que encerram uma questão cons tucional, revelam-se assentadas em valores estritamente substan vos, sem falar, ainda, que o sen do material dos direitos fundamentais sempre vai revelar di ceis ques onamentos sobre a força dos fatos no caso concreto. Curiosamente, o autor, mais adiante (NOVAIS, op. cit., p. 134-138), tece duras crí cas ao juízo de evidência quanto à declaração de incons tucionalidade de uma lei, o que se contrapõe à lógica anteriormente defendida, inclusive acertada, de que não há espaço para analisar se o conteúdo de uma lei é mais ou menos adequado, mas, tão somente, se ela viola a Cons tuição (NOVAIS, op. cit., p. 103). Por fim, a tese do autor apenas se afigura razoavelmente aceitável em função de declaração de incons tucionalidade por vícios formais decorrentes do processo legisla vo. 91. SCHAUER, Frederick. Transparency in three dimensions. University of Illinois Law Review. Champaign, vol. 2011, n. 4, p. 1339-1358, 2011, p. 1349. 92. Considerando-se a realidade indiana, que não é nada distante da brasileira nas questões relacionadas à desigualdade social, vide: DRÈZE; SEN, op. cit., p. 295-297.

que, apesar de alguns sérios dilemas na sua concepção e execução,93 alcançou considerável impacto sobre a pobreza, principalmente a pobreza extrema.94 A intervenção judicial resta ainda mais difícil de defender quando, saindo da perspectiva meramente individual, o que já é bem condenável do ponto de vista da ação pública, adentra no universo das ações cole vas, aliás, com o falacioso argumento de que evitaria os inconvenientes das demandas individuais, principalmente por romper com o efeito fura fila, todavia, nesse contexto, qualquer decisão judicial pra camente suprime todo o prognós co do planejamento administra vo e, claro, esvazia as escolhas do gestor público. Ora, diferentemente das decisões individuais, as decisões sociais são cercadas de incerteza e ignorância e esta não pode ser simples e imediatamente superada por procedimentos de tenta va e erro,95 o que torna o fluxo decisório judicial ainda mais desfocado da dinâmica sistêmica da ação polí ca, de forma que a atuação judicial não pode assumir o ônus das decisões fundamentais do Estado, até porque não responde por elas, pelo menos na mesma linha compreensiva dos agentes polí cos. O fato é que a concre zação dos direitos sociais não é uma questão estritamente norma va, no que revela uma asser va simples, e mesmo elementar, que parece não alcançar lugar no horizonte de atuação de muitos magistrados brasileiros. A força norma va da Cons tuição, de modo algum, foi defendida para além dos limites compreensivos da realidade que se deseja transformar pela dinâmica da norma vidade,96 de forma que os condicionantes sociais da ação polí ca não podem ser olvidados, senão a balbúrdia ins tucional não terá fim e, nesse sen do, passa a cons tuir mais um fator de inviabilidade na concre zação dos direitos. E o que se revela pior: trata-se de fator decorrente da atuação de agentes que não possuem responsabilidade polí ca, e nem mesmo processual, na dinâmica decisória sobre o fluxo financeiro do Estado. Só que 93. Basicamente três: (a) os relacionados aos dividendos eleitorais; (b) os relacionados à inexistência de alguma contraprestação comunitária dos beneficiários, porquanto isso pode representar um forte fator de imobilidade social; e, por fim, (c) os rela vos à distribuição, porquanto é excessivo o número de fraudes na concessão. 94. DRÈZE; SEN, op. cit., p. 87. 95. ELSTER, Jon. A possibilidade da polí ca racional. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, vol. 14, n. 39, p. 13-40, 1999, p. 14. 96. HESSE, Konrad. A força norma va da Cons tuição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 1991. p. 25.

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essa é uma conta que não fecha. A dinâmica da sustentabilidade polí ca implica responsabilidade das ins tuições do Estado. Ora, é óbvio que há responsabilidade do Poder Judiciário. Não há como confundir a irresponsabilidade processual do magistrado com a pretensão de irresponsabilidade ins tucional do Poder Judiciário. Como mexer o pote de mel da polí ca sem ficar doce? Nesse sen do, é per nente destacar que o ciclo da atuação funcional do Estado não deixa quaisquer poderes absolutamente imunes de responsabilidade ins tucional. Cumpre, ainda, esclarecer que, além da tentação às minorias (tentação da ação polí ca), observa-se igualmente uma tentação das minorias (tentação dos segmentos sociais), aquela se prende à dinâmica dos dividendos polí cos em função de pautas sociais específicas e possivelmente condenáveis; esta, por sua vez, expressa o oportunismo de determinados segmentos diante de governos demagogos, e também paternalistas, para promover conquistas de ques onáveis benesses no regular círculo da ação pública. A tentação às minorias possibilita o recrudescimento de uma atuação governamental paternalista, o que faz gerar um fluxo de dependência da ação pública e, com isso, um círculo vicioso de interferência do Estado na autonomia dos cidadãos, não seria propriamente um paternalismo forte, subs tu vo da vontade dos cidadãos, mas, sim, um paternalismo fraco, portanto, um voluntarismo guiado, todavia, suficientemente capaz de estabelecer que a ação pública seja a única via para evitar possíveis danos ou conquistar bem-estar social.97 Vale mencionar que a atuação paternal não se limita aos prognós cos da ação social, vai mais além, compreendendo os próprios nichos econômicos,98 porquanto as intervenções, ainda que des nadas aos cidadãos, trazem importantes implicações no segmento econômico, cuja cortesia governamental anestesia o fluxo econômico das dores decorrentes da má autogovernação democrá ca, porém possibilita os arranjos polí cos necessários à eventual projeto de poder. Em qualquer sen do, se as minorias são tentadoras ou se elas são tentadas, há sempre uma relação de promiscuidade na gestão dos recursos do Estado, 97. LE GRAND, Julian; NEW, Bill. Government paternalism. Nanny state or helpful friend? Princeton: Princeton University Press, 2015. p. 27. 98. LE GRAND; NEW, op. cit., p. 42.

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acarretando, assim, um enorme desequilíbrio na a vidade financeira dos entes polí cos e, principalmente, revelando a fragilidade da democracia representa va em face do imedia smo das demandas sociais, cuja temporalidade, sempre presente e urgente, faz desvanecer qualquer prognós co polí co de longo prazo. Não há como evitar o jogo político dos segmentos sociais, até porque faz parte do necessário processo de amadurecimento do processo polí co, mormente numa realidade social democrá ca, porém é preciso criar mecanismos para que a gestão do Estado não se sinta tão tentada pelas minorias e, claro, pelas elites econômicas. Dito de outro modo, as regras do jogo democrá co99 carecem de sérias modificações, não por conta de um cenário de crise, mas, sim, pela clara obsolescência de elementos substanciais da democracia delibera va, com par cular destaque à di cil relação entre processo eleitoral e legi midade polí ca. Trata-se, portanto, de uma temá ca que não preocupa, tão somente, à Ciência Política, mas, também, ao Direito, tudo em função da necessária disciplina dos prospectos da ação polí ca e, com isso, da a vidade financeira do Estado e, claro, das possibilidades de inves mento da gestão pública, portanto, uma questão vinculada à sustentabilidade orçamentária do Estado Social. Não é, certamente, uma tarefa fácil, exigindo-se reformas estruturais, a começar pela dinâmica do processo eleitoral, que não possui modelo certo, portanto, entregue à esperança do puro experimentalismo, mas, sem dúvida, deve ser algo bem diverso do atual modelo, aliás, nada modelar. Só que a problemática vai muito além do melhoramento do processo eleitoral, adentrando em diversas searas da atuação estatal, par cularmente no fortalecimento e aperfeiçoamento das ins tuições públicas, no que permite afirmar que sustentabilidade polí ca exige o conclave de diversos segmentos polí co-sociais, numa reflexiva e oportuna convenção, sobre os fins da socialidade numa sociedade hipermoderna. 5 DIREITOS SOCIAIS, INTERVENÇÃO LEGISLATIVA E ATUAÇÃO JUDICIAL Há um bom tempo, no início da década de 60 do século passado, H. L. A. Hart denunciava que: “[...] é loucura acreditar que, onde o significado da lei é duvidoso, a moral tenha sempre uma resposta clara 99. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 11. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009. p. 32.

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a oferecer”.100 Michael Walzer, por sua vez, esclarece: “[a] jus ça é uma invenção humana, e duvida-se que ela seja de uma só maneira”.101 Se a jus ça é cega, então, por que a moral haveria de enxergar alguma coisa? Claro, lei não é jus ça, mas é sempre compreensível que ela possua uma pretensão de ser justa, equânime, ética etc.; dessa forma, inexis ndo disciplina legal, o que balizaria a atuação do decisor administra vo ou judicial? A moral? Como? Isto é, de que modo é possível conceber que a última expressão da decantação normativa, corporificada na ideia de valor, passaria a galgar o primeiro passo da análise de uma pretensão jurídica? Na ausência de disciplina legal, é sempre preferível considerar os valores já declinados no sistema jurídico vigente e é o que parece fazer os magistrados, o problema, de fato, somente surge quando, desconsiderando os valores do sistema jurídico, a atuação judicial passe a consagrar o norte axiológico-norma vo decorrente das experiências e vivências do magistrado e que, assim, nega, por mera desconformidade com suas análises estritamente subje vas, as escolhas ou medidas tomadas pelos gestores públicos no legí mo exercício do poder polí co. Defende-se a tese de que a atuação administra va na consagração dos direitos é, não só a primeira, como também a mais necessária, não apenas em virtude da sustentabilidade polí ca dos direitos, mas, sobretudo, pela racionalidade e operacionalidade que eles carecem, considerando-se, ainda, uma clara ambiência de austeridade na gestão pública, no que implica possíveis dissabores em muitas áreas de inves mento e, claro, de manutenção ou expansão das prestações sociais como mecanismo de projeção existencial das pessoas.102 Não há, aqui, uma defesa cega da atuação administra va, uma vez que possui seus vícios, mas, de ordinário, ela é centrada na compreensão de que a ação pública é pauta no planejamento dos seus meios e recursos na prossecução do interesse público, tal como prescreve o art. 174, caput, da CF/88, devidamente revelado na universalidade da prestação dos serviços públicos. Portanto, repudia-se a dinâmica de uma atuação judicial ins tu va de direi100. HART, Herbert Lionel Adolphus. O conceito de Direito. Tradução de Antônio de Oliveira Se e-Câmera. São Paulo: Mar ns Fontes, 2009. p. 264. 101. WALZER, Michael. Esferas da Jus ça: uma defesa do pluralismo e da igualdade. Tradução de Jussara Simões. São Paulo: Mar ns Fontes, 2003. p. 4. 102. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 47.

tos ou, de modo mais sinté co, as decisões judiciais ins tu vas.103 Após essa ligeira tergiversação, uma primeira observação é necessária: não há modelos de Estado Social semelhantes ou, de modo mais preciso, contemplados indis ntamente entre os países, pois cada Estado denuncia os limites e as possibilidades de suas conquistas em matéria de direitos sociais, daí que não é possível cotejar medidas pretensamente adequadas de concretização desses direitos a par r de soluções exitosas numa determinada realidade cons tucional, com sua par cular ontologia polí ca, e, sobretudo, num específico contexto socioeconômico de uma sociedade. Disso resulta, por evidente, a impossibilidade de transplantes norma vos de modelos de polí ca e/ou de polí cas públicas apenas em função de pro cuos resultados na concre zação dos desígnios cons tucionais em determinado país, simplesmente porque o Direito não é uma realidade/en dade autônoma, como que livre dos fundamentos culturais, epistemológicos e históricos de cada lugar.104 Portanto, um claro aviso de que a doutrina cons tucional alemã tem muito a dizer apenas sobre os condicionantes sociais da polí ca tedesca. Por outro lado, é melhor acreditar que tais transplantes só se afiguram possíveis numa ambiência de clara inviabilidade das atuais perspec vas orgânicas105 do Estado. Não por outro mo vo que a tese da reserva do possível, consagrada pelo Tribunal Cons tucional Federal alemão,106 possui, no Brasil, uma dimensão semân ca bem diferente, porquanto os condicionantes sociais de cada realidade polí ca são bem diferentes e, nesse sen do, a dinâmica do norma vamente exigível pode variar bastante em função do poli camente implementável. 103. Não se tratando da atividade judicativo-criativa a partir da lei, mas ins tu va de direito no caso concreto, todavia sem lei. 104. LEGRAND, Pierre. The impossibility of “Legal Transplants”. Maastricht Journal of European & Compara ve Law. Maastricht, vol. 4, p. 111124, 1997. p. 114. 105. Evidentemente, que expressão orgânica cumpre apenas uma função metafórica no texto. 106. BVERFGE, 33, 303 (Numerus Clausus), transcrevendo-se, por oportuna, uma breve passagem: “Mesmo na medida em que os direitos sociais de par cipação em bene cios estatais não são desde o início restringidos àquilo existente em cada caso, eles se encontram sob a reserva do possível, no sen do de estabelecer o que pode o indivíduo, racionalmente falando, exigir da cole vidade” (SCHWABE, Jürgen; MARTINS, Leonardo (Org.). Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Cons tucional Federal alemão. Introdução de Leonardo Mar ns. Trad. Beatriz Henning, Leonardo Mar ns, Mariana Bigelli de Carvalho, Tereza Maria de Castro e Viviane Geraldes Ferreira. Montevidéu: Fundação Konrad Adenauer S ung, 2005. p. 663).

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Desse modo, não é admissível a promoção de transplantes norma vos sem as devidas ressalvas sobre os parâmetros culturais jurígenos 107 de um povo, pois deles advém a discursiva questão sobre a viabilidade da transplantação norma va, até porque a possibilidade de rejeição e/ou inocuidade da medida não se afigura nada improvável em função da ausência de iden dade entre a ambiência cultural e o modelo norma vo adotado.108 De igual modo, como refinada forma de transplante norma vo, exige-se uma redobrada cautela na migração de ideias cons tucionais, justamente para evitar falsas necessidades revisionais nos textos das cons tuições,109 até porque as cons tuições, com a sua conhecida indeterminação semân ca, demandam parcimônia e discrição dos juízes na aplicação e/ou criação do Direito Cons tucional,110 senão a migração de ideais cons tucionais pode representar um expediente de mu lação e/ou alteração indevida da própria cons tuição. Por outro lado, como conquista cultural da civilização ocidental, é importante destacar que a perspec va universalizadora do po de Estado Cons tucional assume, evidentemente, uma perspec va individual na sua configuração nacional,111 o que denuncia uma clara dinâmica local de toda cons tuição, no que cadencia o seu regular processo de decantação norma va e, por isso, apenas no lastro da cultura de um povo é possível extraí-la como expressão e fundamento de uma realidade ordenadora do Estado e, claro, da própria sociedade. “A Cons tuição não pode ser entendida como en dade norma va independente e autônoma, sem história e temporalidade próprias.”112 Portanto, a afirmação cons tucional é um processo que requer, sobretudo, uma clara relação de iden dade cultural, desbordando, assim, um claro limite às desavisadas tenta vas de transplantes norma vos. No Brasil, só para exemplificar, como infeliz inicia va de transplante norma vo, observa-se que a

figura da responsabilização penal de pessoas jurídicas em matéria ambiental, decorrente de forte influência europeia, em nada contribuiu para redução dos crimes ambientais e muito menos para corporificar um melhor sistema de responsabilização pessoal dos gestores das empresas. Enfim, a retórica da criminalização não foi, nessa seara, além dos reconhecidos efeitos das penalidades administra vas, contanto que devidamente aplicadas aos responsáveis pela infração administra va ambiental.113 Contudo, é bom reconhecer que as lições advindas de outros países expandem o horizonte de compreensão dos ins tutos jurídicos, bem como faz compreender nova práxis jurídica que, a despeito de se basear em realidade diversa, faz curso de um longo processo de reflexões possivelmente úteis na iden ficação e corporificação de importantes medidas de cunho norma vo-doutrinário no plano nacional. Agora, prendendo-se às específicas análises deste tópico, insta aclarar que as inquietações relacionadas à concre zação dos direitos sociais decorrem, pelo menos no caso brasileiro, precipuamente da forma açodada de intervenção judicial na atuação dos gestores públicos. Pois bem. Quando se observa o pomposo art. 6º da CF/88,114 a primeira noção que reluz na consciência jurídica brasileira, assentada na moderna compreensão da norma vidade cons tucional, é que o ar go possui aplicabilidade imediata, o que, de fato, não se afigura algo sem sen do numa perspec va jurídica, tendo em vista o disposto no art. 5º, § 1º, da CF 88, muito embora o texto cons tucional não prescreva, e nem poderia, a extensão da pretendida aplicação imediata dos direitos fundamentais sociais. Contudo, a expressa determinação de eficácia imediata não significa, e nem poderia significar, a desnecessidade de maior densificação norma va dos direitos fundamentais, sobretudo, por meio de lei,115 até

109. TUSHNET, op. cit., p. 15.

113. Todavia, admite-se que vários países adotem, com suas singularidades e extensões, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas: Inglaterra, Estados Unidos, Holanda, Dinamarca, Noruega, Islândia, Finlândia, França, Portugal, a despeito de enorme resistência doutrinária, Áustria, Japão etc. (CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, vol. 41, p. 152-178, jan./mar. 2003, p. 158).

110. GOLDSWORTHY, Jeffrey. Ques oning the migra on of cons tuonal ideas: rights, cons tu onalism and the limits of convergence. In: CHOUDHRY, Sujit (Ed.). The migra on of cons tu onal ideas. Cambridge: Cambridge University Press, 2006, p. 115-141, p. 140-141.

114. O mesmo se diga quanto ao generoso art. 9º da Constituição da República Portuguesa (CRP), com as minudentes prescrições do art. 63 e seguintes do texto cons tucional. De todo modo, os comentários de natureza jurídica deste ar go partem da realidade socioeconômica brasileira.

111. HÄBERLE, Peter. El estado cons tucional. Estudio introductorio de Diego Valadés. Traducción e índices de Héctor Fix-Fierro. 1. ed. 1ª Reimpresión. México-DF: Universidad Nacional Autónoma de México, 2003. p. 2.

115. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever a Cons tuição dirigente ou romper com a Cons tuição? Defesa de um cons tucionalismo moralmente reflexivo. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e intercons tucionalidade: i nerários dos discursos sobre a historicidade cons tucional. 2. ed. Coimbra: Edições Almedina, 2008. p. 101-129, p. 117.

107. Referencia-se à inegável perspec va cultural do Direito. 108. SILVA, Suzana Tavares da. Direitos fundamentais na arena global. 2. ed. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2014. p. 24.

112. BERCOVICI, op. cit., p. 22.

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mesmo para demonstrar os condicionantes sociais na di cil tarefa de concre zação dos direitos fundamentais, devidamente assentados no legí mo poder de conformação legisla va, que, longe da desesperança e não vincula vidade no texto cons tucional, apenas permeia a lógica da consagração dos direitos sociais nos possíveis limites da realidade polí co-econômica do Estado, no que desborda os compreensivos limites da norma vidade. Portanto, “[a] intervenção legislava é necessária, mas o legislador dispõe, em regra, de um espaço próprio para conformação do conteúdo das prestações que cons tuem o direito”.116 Evita-se, assim, a perspec va simbólica dos direitos,117 porquanto a a vidade legisla va dirige-se ao materialmente possível e, portanto, operável na dinâmica da atuação administra va. Por outro lado, não se pode chegar ao absurdo de afirmar que tal linha de entendimento nega a eficácia dos direitos fundamentais, até porque toda norma cons tucional, nos limites de sua eficácia e norma vidade, é diretamente aplicável,118 o que se discute é justamente a permissibilidade da extensão e da materialidade desses direitos no quadro das prestações públicas, isto é, a forma, a medida e o grau dessas prestações em função do poder próprio de conformação legislava,119 no que desponta a questão das possibilidades financeiras do Poder Público num cenário de crise fiscal. Disso resulta que o dilema da concre zação dos direitos fundamentais sociais não decorre, evidentemente, da providencial determinação de aplicação imediata dos direitos e garan as fundamentais, mas, sim, do insustentável alargamento da força norma va direta das normas cons tucionais nas hipóteses que exigem flagrante interposição legisla va.120 Afinal, é preciso compreender que o Poder Legisla vo “[…] 116. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constuição portuguesa de 1976. 4. ed. Coimbra: Edições Almedina, 2009. p. 362. 117. Como bem esclarece a seguinte passagem: “[…] pode-se definir a legislação simbólica como produção de textos cuja referência manifesta à realidade é norma vo-jurídica, mas que serve, primária e hipertroficamente, a finalidades polí cas de caráter não especificamente norma vo-jurídico” (NEVES, Marcelo. A cons tucionalização simbólica. 2. ed. São Paulo: Mar ns Fontes, 2007. p. 22). 118. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspec va cons tucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 255. 119. ANDRADE, José Carlos Vieira de. O “direito ao mínimo de existência condigna” como direito fundamental a prestações estaduais posi vas – Uma decisão singular do Tribunal Cons tucional. Jurisprudência Cons tucional. Coimbra, n. 1, p. 4-29, jan./mar. 2004, p. 23. 120. CANOTILHO, op. cit., 2008, p. 118.

tem de fazer opções técnicas e sobretudo polí cas, que devem ser avaliadas em função de um princípio de realidade ou de substancialidade”.121 Em outros termos, apesar da obviedade, a norma cons tucional não é um dado pronto e acabado em matéria de direitos fundamentais sociais. Não mesmo. Tem-se, em verdade, um projeto grandioso, e mesmo uma desmedida pretensão de concreção dos direitos fundamentais sociais, inclusive até as suas úl mas e possíveis formas de expressão, que exige temperamentos e extremos esforços intergeracionais, portanto, algo muito além da norma vidade. Compreensível, aceitável e até mesmo defensável que o texto cons tucional possa abonar essa tormentosa teia de direitos como uma expressão polí ca legí ma de um Estado Social, isto é, como força realizadora e/ ou vitalizadora do poder cons tuinte. Porém, o que isso significa mesmo? Significa muito, mas, nem por isso, não se exige menos da materialidade cons tu va dos direitos para fazer valer os desígnios cons tucionais. Então, repita-se: sem interposição legisla va é possível exigir direitos fundamentais sociais? Essa simples indagação parece revelar algumas nebulosidades, aliás, algumas desejosamente plantadas na cultura jurídica brasileira.122 Como já foi mencionado, não se discute a eficácia de qualquer norma constitucional, especialmente as que declinam direitos numa audaciosa123 perspec va subje va. O problema não reside nesse quadrante, mas, tão somente, na precisa compreensão da extensão da exigibilidade de um direito social. Essa é a verdadeira questão que parece olvidar a jurisprudência pátria e também muitos doutrinadores. Aqui, é importante destacar que não se trata de análise açodada de um ou outro ar culista, mas, sim, de convicção petrificada traves da de uma eloquente construção teórica, aliás, de não poucos profissionais, de que, a par r do texto cons tucional, é possível exigir qualquer direito elencado nos arts. 6º e 7º da CF/88.124 Como se fosse capaz de ser erguido, por meio da mera prescrição 121. ANDRADE, op. cit., 2004, p. 27, destaques no original. 122. Uma das mais evidentes, e também das mais repudiáveis, é a compreensão de que a inércia do Legisla vo e do Execu vo legi maria uma reconstrução jurisprudencial dos direitos no Brasil, aliás, com ares de cons tu vidade norma va. 123. Claro que a audácia não decorre da imanente ideia cons tu va de qualquer direito, mas das possibilidades fá cas de seu efe vo gozo. 124. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas cons tucionais e direitos sociais. 1. ed. 2ª ragem. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 50.

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norma va, um plano de possibilidades materiais, portanto, algo além da impressiva compreensão da eficácia dos direitos fundamentais. A força norma va teria, então, o incrível poder da força impulsionadora da materialidade a par r da sua estrita dimensão jurídica, seguindo, assim, a conhecida, apoteó ca e fantasiosa proeza do Barão de Münchhausen, que conseguira sair do pântano puxando a si mesmo pelos [próprios] cabelos. É preciso dizer que isso é ingênuo?125 Em países desenvolvidos, com con nuo e expressivo fluxo econômico e, certamente por isso, sem as mazelas socioeconômicas do Estado brasileiro, ainda persis ria o desacerto da quimérica hiperafetação norma va, o que pensar no caso brasileiro. Até quando boa parte da consciência jurídica nacional vai negar os limites da norma vidade? Como aceitar que o vazio normavo, que se revela repleto de tantas incompreensões, tenha curso para levar a cabo as providenciais bases de transformação social no Brasil? Dito de outro modo, porém sinceramente: naquilo que interessa aos menos desfavorecidos, o art. 6º da CF 88 não passaria de encantadoras palavras sem a intervenção do legislador. Então, como admitir a consagração de direitos pretensa e galhardamente extraídos do expressivo texto cons tucional? Simples assim: ora, vive-se num Estado Social e os direitos sociais encontram-se expressamente consagrados na Cons tuição; logo, trata-se de direitos plenamente exigíveis pela via jurisdicional, especialmente quando o Poder Legisla vo e o Poder Execu vo revelarem-se inertes ou ineficientes na concre zação deles, o que é um fato facilmente comprovado, portanto, notório, na sociedade brasileira. Essa retórica simples faz ocultar um aspecto imensamente mais importante na concre zação dos direitos sociais, a saber, a delimitação operacional das polí cas públicas por meio da a vidade legisla va. Não há como seguir passos apressados e largos na longa caminhada da racionalidade ins tucional e, sobretudo, da a vidade administra va. Os magistrados não são bandeirantes cons tucionais126 desbravadores do inóspito con nente da concre zação dos direitos fundamentais. Seria exigir demais da atuação

ins tucional do Poder Judiciário, até porque a pauta não é altruís ca, porquanto segue claro prognós co dos espaços responsivos do poder. Explica-se: o dilema existencial geralmente verificado na casuís ca dirimida numa demanda judicial é incompa vel, na quase totalidade dos casos, com uma gestão pro cua da Administração Pública. A afirmação, apesar de categórica, não nega a per nência do papel da a vidade judicial, o que seria uma estul ce, mas apenas reserva uma atuação mais comedida ao Poder Judiciário, mesmo nas hipóteses de omissão e/ ou ilegalidade do Poder Público. Dito de outra forma, se a gestão é ilegal ou mesmo inexiste,127 a casuís ca toma espaço e, mais que isso, tem a pretensão de encontrar uma par cular forma de legi midade em virtude dos resultados advindos da sa sfação, ainda que momentânea, da supremacia do existencial, mesmo que eles sejam inexpressivos numa perspec va ampla da atuação do Estado, só que isso não transforma uma realidade social, ao contrário, aprofunda a má distribuição do fluxo aloca vo dos recursos e, mais adiante, inviabiliza a gestão racional da atuação administra va. Isso parece uma questão incontestável, mas, claro, ainda assim, ques onável em função do clamor e do apelo decorrente da supremacia do existencial, geralmente vinculado ao princípio da dignidade humana, pois, tal qual o Direito Natural,128 serve para defender o que for desejado pelo julgador, no que revela uma clara vantagem processual, mas, por outro lado, como patente desvantagem, todos sabem disso. Então, qual seria a razão desse modo de enxergar o problema? Isto é, por que há necessidade de pensar numa a vidade judicial centrada na sua autocontenção?129 Simples: uma atuação racional da a vidade pública não pode negar os efeitos da desmedida judicialização das prestações sociais. Por mais que se ques one a preocupação com a racionalidade e a exper se na atuação administra va, e, por outro lado, defenda-se uma dinâmica discursiva entre os cidadãos e a Administração Pública,130 o que 127. Em verdade, nada rara na realidade da gestão pública brasileira. 128. ELY, op. cit., p. 67.

125. Como também seria ingênuo acreditar que os gestores públicos estejam sempre comprome dos com a dinâmica da concre zação dos direitos sociais.

129. Em rigor, não se trata propriamente de autocontenção, porque o que exige é apenas a observância do limite de atuação judicial num Estado Democrá co de Direito. A ideia prote va dos direitos não pode transformar o Poder Judiciário no senhor dos direitos e tutor da sociedade.

126. Na feliz e jocosa expressão, estampada em sala de aula, pelo Professor Doutor João Carlos Loureiro.

130. DENHARDT, Janet V.; DENHARDT, Robert B. The new public service: serving, not steering. New York: M. E. Sharpe, 2007. p. 41.

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é algo realmente proveitoso, até mesmo em função de uma atuação estatal mais relacional e humana, no que pres gia uma Administração Pública dialógica, não há como, mesmo na hipermodernidade, e justamente nela, prescindir de um tratamento racional dos problemas da gestão pública, não que seja possível espraiar modelos decisórios indeclináveis por toda a Administração Pública, mas não há como prescindir da razão, ainda que ela se revele, cada vez mais, mais estreita, porquanto sem parâmetros de atuação, pretensamente seguros, nenhuma empreitada humana seria possível, o que dizer da gestão do próprio Estado e, claro, dos seus inumeráveis serviços, que sofrem uma influência de dois pos de grupos de interesses: (a) os ideológicos, corporificados nos conservadores de direita, nos democratas de esquerda etc., (b) os funcionais, representados pelos servidores públicos, prestadores de serviços, beneficiários, usuários e potenciais usuários.131 “Governar é uma estratégia de ordenação sele va, um equilíbrio de caos e ordem, de liberdade e necessidade, de contexto e autonomia.”132 Nesse contexto, reconhecer os limites da razão é uma coisa, agora, desprezá-la é alcançar as raias da estul ce. Insis r numa compreensão, desmesuradamente idealís ca, de que a atuação judicial resolve os dilemas da sociedade, é a mesma forma de compreender que uma criança, por colocar canhestramente um jolo no muro, fará prescindir a intervenção dos operários de uma grandiosa obra, que exige esforços pra camente inumanos de transformação social. Por sua própria natureza, a a vidade judicial não pode intervir em questões que, além de extrapolar os limites de determinadas competências cons tucionais, congregam uma miríade de fatores e, nessa qualidade, indômitos aos simples prospectos do binômio texto-intérprete. Admite-se que uma melhor exposição da questão exige outros importantes desdobramentos. A primeira delas: a autocontenção judicial não reduz a importância do Poder Judiciário, contudo, expressa o sen do preciso de sua funcionalidade no Estado moderno. Não exis riam ainda imensos problemas de ordem técnico-processual a serem solucionados pelos órgãos 131. LE GRAND, Julian. The other invisible hand. Delivering public services through choice and compe on. Princeton: Princeton University Press, 2007. p. 156-157. 132. INNERARITY, Carmen; INNERARITY, Daniel. La transformación de la polí ca para gobernar una sociedad compleja. Revista de Estudios Polí cos (Nueva Época). Madrid, n. 106, p. 231-255, Octubre-Diciembre 1999, p. 234.

da Jus ça? Claro que sim, a começar pela afli va morosidade processual no Brasil, fatalmente potencializada pela excessiva judicialização da polí ca. A inafastabilidade da prestação jurisdicional, capitaneada no art. 5º, inciso XXXV, da CF/88, infelizmente, tomou ares de verdadeira imprescindibilidade da atuação judicial na concre zação dos direitos fundamentais. Veja-se: o espaço do poder nega a possibilidade de concentração de funções que, corporificando-se numa só figura polí co-ins tucional, acabaria por infirmar todo o processo democrá co de uma sociedade plena de direitos. Trata-se de uma asser va elementar, mas sempre atual, porque o impulso pelo poder, além de atual, alcança sempre surpreendentes capacidades mimé cas no cenário público, tal como se observa na pretendida hegemonia judicial, decantada na mídia brasileira, defendida, inclusive, pelos membros do próprio Poder Judiciário. Para afirmar direitos, o Poder Judiciário não pode descurar dessa importante premissa. Só que isso não diz tudo evidentemente. A autocontenção judicial não é, nem de longe, uma camisa de força, mas, simplesmente, uma necessária relação de respeito ao desenho ins tucional capitaneado pela CF/88 e, de resto, por todas as cons tuições modernas no mundo ocidental, nas quais destacam que a árdua tarefa da concre zação dos direitos, a começar pela própria dinâmica da a vidade norma va, é dispensada ao Poder Legisla vo e ao Poder Execu vo.133 Na hipótese de ocorrer lesão de direitos, tendo em vista o disposto no art. 5º, inciso XXXV, da CF/88, por que a autocontenção judicial não se revela danosa à sociedade? A pergunta sugere o entendimento de que não poderia ser compa vel a autocontenção com o princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional. Aqui, reside a má compreensão do princípio, aliás, largamente empregada para jus ficar um controle forte da atuação administra va, porque a lesão ou ameaça a direito não pode corporificar uma perspectiva de atuação judicial que negue o locus opera vo das ins tuições públicas, eventuais corrigendas sim, mas jamais subs tuição das escolhas do gestor público. Explica-se: a amplitude das demandas do Estado, especialmente em matéria de direitos sociais, exige 133. VERMEULE, Adrian. Mechanisms of democracy. Ins tu onal Design Writ Small. New York: Oxford University Press, 2007. p. 144. Vale lembrar que, no caso dos Estados Unidos, a questão é ainda mais extremada em função da Chevron doctrine, aliás, em tese, inconcebível na ordem constucional brasileira.

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que o processo decisório polí co paute as relevantes questões sociais numa perspec va ampla, sem negar, quando necessário, uma atuação no campo da estrita individualidade. Por outro lado, o Poder Judiciário possui uma declarada vocação para solução de problemas individuais, só que isso não decorre necessariamente por conta de questões processuais, até porque as ações cole vas possuem uma enorme envergadura no meio social, mas, principalmente, porque as polí cas de Estado não podem decorrer de comandos judiciais determinados numa ação,134 uma vez que isso representaria pra camente a nega va de planejamento da atuação administra va, que decorre um árduo trabalho do Poder Execu vo para adequar-se às leis orçamentárias aprovadas pelo Parlamento. Ora, se uma prestação social não atende, a contento, aos reclames da sociedade, a despeito da sua premente necessidade, há fundado mo vo para consagrar o entendimento de que o gestor estabeleceu, tal como todo mandatário polí co, prioridades na sua gestão, como não existem prioridades sem limitação, então, possivelmente o objeto da demanda judicial pode, tão somente, expressar a exigibilidade de um complexo de a vidades já considerado como não prioritário ou, no mais das vezes, ainda que exija atenção do Poder Público, inexiste possibilidade de carrear mais recursos do orçamento público. Aqui, impera uma precisa síntese: “[s]e nem todos os direitos […] puderem ser tornados plenamente opera vos em certo momento ou para todas as pessoas, então haverá que determinar com que prioridade e em que medida o deverão ser”.135 A argumentação pública, evidentemente, como decorrência do processo decisório democrá co, terá maiores chances de iden ficar as prioridades e as possibilidades de concre zação dos direitos. Trata-se de uma asser va simples, só que pouco discu da: escolhas públicas não decorrem de um cômodo processo decisório entre opções não trágicas. Dito de outro modo, como a práxis polí ca comporta uma razão primordialmente de médios, no que consiste a dinâmica delibera va, não há como conceber o fim como um resultado polí co disponível, no que re134. Por exemplo, numa Ação Civil Pública (ACP) proposta pela Defensoria Pública ou Ministério Público. 135. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Cons tucional. Direitos Fundamentais. Tomo IV. 5. ed. Coimbra: Coimbra, 2012. p. 484.

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velaria a inexistência de qualquer sacri cio, fato, aliás, nada provável numa época de crise fiscal.136 Aliás, a precisa compreensão da escassez de recursos exige parcimônia na alocação dos recursos e de algo mais fa dico: a impossibilidade de aumentar a alocação de recursos ou mesmo a inviabilidade, ainda que momentânea, de alocação de recursos. A segunda hipótese comporta sérias restrições. A primeira, possível, contanto que plenamente jus ficável, portanto, devidamente demonstrada a inviabilidade técnica de novos aportes orçamentários. Agora, quanto à supressão de alocação de recursos, admite-se quando isso não implicar nega va de prestação pública, isto é, quando a demanda já existente não possa ser suprida por outra forma de atendimento, ainda que outro lugar, pois os arranjos orgânicos funcionais da Administração Pública e os desdobramentos estruturais da ação pública, por vezes, exigem redirecionamentos e aglu nações, não apenas de bases opera vas, mas também do próprio fluxo da atuação estatal em sen do amplo. A prestação pública, mesmo que esteja entregue à dinâmica da comodidade dos cidadãos, não pode ser comprome da em função de impessoais e racionais modificações no fluxo das a vidades administra vas. Levando a escassez a sério e compar lhando de forma concreta os dilemas sociais, é possível defender o entendimento de que a a vidade financeira do Estado, mais que uma dimensão polí ca, comporta uma dimensão jurídica, esta, contudo, não pode sobrepor-se às escolhas polí cas do gestor. Dito de outro modo, exis ndo uma dimensão polí ca, inclusive regularmente exercida, a sindicabilidade judicial exercida sobre a dimensão jurídica, devidamente iden ficada nos parâmetros norma vos rela vos à execução orçamentária, não pode corporificar uma atuação meramente subs tu va das escolhas manifestadas pela dimensão polí ca, que decorre do regular e legí mo exercício do poder polí co. Aqui, uma pergunta simples: até que ponto é sustentável promover imbricações opera vas entre as dimensões polí cas e jurídicas sem comprometer a regularidade do exercício do poder polí co? De forma mais clara: até que ponto a sindicabilidade do orçamento é possível sem comprometer a dimensão polí ca da a vidade financeira do Estado? Os direitos sociais são exigíveis em face do orçamento? 136. INNERARITY, Daniel. Razón polí ca y razón prác ca. Persona y derecho. Madrid, vol. 10, p. 153-176, 1983. p. 160.

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Considerando os limites deste trabalho, não há como expressar uma resposta demorada sobre esses ques onamentos, todavia, é possível estabelecer uma clara premissa discursiva: a exigibilidade dos direitos sociais, a par r do programa do orçamento, isto é, desde os prognós cos iniciais de execução orçamentária, inviabilizando, portanto, os eventuais con ngenciamentos, limites e superávits, consagraria uma relação de iden dade entre a previsão de contas ou expecta va de receitas com a imposição norma va do gasto público, fato que, nem de longe, pode ser regularmente compreendido na dinâmica da autogovernação democrá ca, porque simplesmente poria abaixo todo poder de adequação orçamentária do gestor público, conforme a concre zação dos prognós cos de receita e a prioridade dos gastos em função de imprevisíveis con ngencialidades, enfim, ter-se-ia o caos da atuação judicial sobre a atuação administra va. “A sociedade de risco não é uma opção que possa eleger-se ou recusar-se no curso do debate polí co.”137 A própria dinâmica da imprevisibilidade dos gastos públicos, que é fato que extrapola o universo da técnica orçamentária, é intensificada pelos fatos con ngentes da sociedade de risco, logo, com maior razão, a gestão fiscal deve preocupar-se com o estabelecimento de uma margem operável de disponibilidade financeira, não apenas em função dos eventos da natureza, mas, sobretudo, das crises cíclicas da economia, inclusive decorrentes ou agravados por fatores naturais. A sustentabilidade polí ca não pode olvidar os fatores relacionados à efusiva questão das recorrentes crises econômicas, até porque, numa ambiência de crise, são revelados, com maior precisão, os infelizes ou malogrados engendros da ação polí ca, sem falar que qualquer polí ca de contenção de gastos, numa ambiência de baixo fluxo econômico, além do ônus polí co decorrente da adoção de medidas impopulares, mantém elevados os custos sociais em função do desemprego, fazendo com que os efeitos da austeridade fiscal sejam comprome dos em curto prazo.138 Agora, é importante destacar sobre os erros abrangentes e as decisões judiciais. Erros abrangentes, nos limites propostos deste trabalho, são aqueles capazes de implicar transformações nega vas na 137. BECK, Ulrich. La sociedad del riesco global. Traducción de Jesús Alborés Rey. Madrid: Siglo Vein uno, 2002. p. 144. 138. PIERSON, Paul. The new poli cs of the welfare state. In: CASTLES, Francis G.; PIERSON, Christopher (Ed.). The welfare state reader. Second edi on. Cambridge: Polity Press, 2006. p. 348-357, p. 351.

consolidação dos direitos sociais, seja na perspec va orçamentária, seja na prestação dos serviços públicos, com ou sem uma atuação direta do Estado. E qual a importância da análise jurídica com relação a essa perspec va da atuação estatal? As escolhas públicas nem sempre alcançam os fins pretendidos e nada há de extraordinário nisso, pela simples razão de que as escolhas para serem exitosas não dependem apenas de planejamento administra vo, até porque a exigência de planejamento, por si só, apenas garante uma pretensa racionalidade na alocação dos recursos públicos. Se os resultados não surgem como esperados, ou simplesmente não surgem no plano da materialidade, vários ques onamentos são possíveis, porém a maioria deles é absolutamente alheia à ciranda jurídica. Então, o que se deseja afirmar com essa ligeira digressão? Que a atuação administra va se encontra cercada de diversos fatores, aliás, totalmente alheios ao universo de sua interferência, seja no aspecto corre vo, seja no aspecto cons tu vo, que influenciam os resultados das opções polí cas de um gestor público. Aliás, não é por outro mo vo que o universo da gestão das polí cas públicas e da polí ca pura139 não deve ser entregue aos magistrados. Então, a ideia de que a atuação judicial pretende, tão somente, corrigir uma atuação indevida ou considerada inadequada do Poder Público, por certo, exige temperamentos, por dois claros mo vos: (a) a correção de uma demanda individual não é reproduzida exitosamente numa perspec va sistêmica; e (b) o reconhecimento de uma atuação inadequada numa demanda individual não necessariamente compromete a racionalidade e/ou u lidade da medida administra va numa perspec va global. A própria dinâmica dos resultados, na sua própria temporalidade, vai denunciar os malogros da atuação administra va. Daí resulta que as intervenções individuais, ainda que repercutam em outras demandas judiciais e mesmo possam servir para uma compreensão local da problemá ca iden ficada pelo cidadão, não têm o condão de tornar inviável um modelo de atuação administra va, até porque desvios de execução são geralmente aceitáveis nos prognós cos da Administração Pública. Tal fato, inclusive, poderia cotejar o entendimento de que a atuação judicial, por ser localizada, não teria a capacidade de atrapalhar os 139. HIRSCHL, Ran. O novo cons tucionalismo e a judicialização da polí ca pura no mundo. Tradução de Diego Werneck Arguelhes e Pedro Jimenez Can sano. Revista de Direito Administra vo. Rio de Janeiro, n. 251, p. 139-178, 2009, p. 141.

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projetos sistêmicos da gestão pública. Ledo engano. O efeito mul plicador dos julgados, seja pela onerosidade, seja pela improvisação no atendimento, faz romper todo o fluxo decisório e execu vo da ação pública, aliás, muitas vezes, sem qualquer comprovação da melhor serven a da opção adotada pelo decisor judicial. Aqui, entra em cena justamente a problemá ca rela va à atuação rea va e ins tu va dos direitos sociais140 por meio de uma marcante intervenção do Poder Judiciário e, com isso, destacar que a plena acessibilidade aos direitos representa algo bem diverso da plena acessibilidade à prestação jurisdicional, aliás, desejosamente célere. A tese defendida parte do entendimento de que a importância do diálogo, necessariamente interdisciplinar e plural, na formação das polí cas públicas é incompa vel com a decisão judicial rea va ou ins tu va, cujos atores possuem um horizonte de análise restrito141 e, por isso, distante da perspec va polí ca de uma autogovernação democrá ca. Afinal, não há como prescindir da par cipação polí ca, do diálogo e da integração pública numa compreensão ampla da democracia,142 esta, aliás, tão festejada quanto ofendida, como verdadeiro mecanismo de razão pública, exige uma séria reflexão sobre a pretendida tutela judicial da sociedade, porquanto ela se revela uma patente forma de alijamento da par cipação popular na determinação dos rumos da própria sociedade. Nesse ponto, é per nente indagar: há expansão do Poder Judiciário, sem um movimento, sem causa? Dito de outo modo: há uma retração política do Poder Legislativo e do Executivo, e, com isso, uma conse140. A atuação rea va consiste na reparação de um direito do jurisdicionado, a qual pode desaguar em outras demandas para assegurar outro direito para tornar pleno o gozo do direito anteriormente concedido. A atuação ins tu va, por sua vez, vai mais além, representa uma verdadeira criação judicial de direitos decorrente de uma lesão dos jurisdicionados, fala-se em ins tu va porque prescinde da intervenção legisla va, isto é, a autoridade judiciária extrai o direito diretamente da Cons tuição, ainda que por nebulosa principiologia. As implicações prá cas dessas formas de atuação judicial são bem visíveis: a mul plicação dos conflitos e mais insegurança jurídica e, claro, eventual sa sfação pessoal de um cidadão, mas, infelizmente, por pouco tempo. No que resulta oportuna esta advertência: “Um sistema jurídico não poderia subsis r sem uma ideia de ordem, de racionalidade e de segurança subjacente (ainda que tudo isso seja men ra)” (SALAS, Minor E. Vade retro, fortuna: o de la expulsión de “Satanás” – el azar – del mundo de las ciencias sociales (con especial énfasis en la “ciência” jurídica). DOXA – Cuadernos de Filoso a del Derecho. Alicante, vol. 27, p. 377-391, p. 387-388).

quente expansão polí ca do Poder Judiciário? Aqui, vale destacar três importantes considerações: (a) a retração decorre do ônus polí co das decisões impopulares e da discu vel capacidade legisla va para tratar as grandes e conflituosas questões polí co-morais da sociedade; (b) a expansão não decorre exclusivamente do voluntarismo judicial, mas, sobretudo, da intensa li giosidade assentada nos direitos fundamentais, especialmente os sociais, no que representa uma forte expressão da insa sfação cole va nos serviços públicos; e (c) é uma ilusão imaginar que a expansão judicial represente o canal adequado para iden ficar os ecos da sociedade civil e, com isso, pautar soluções para os problemas estruturais da sociedade. Ordinariamente, destaca-se o corriqueiro entendimento de que o magistrado não deve ser apenas boca da lei, como se esse po de magistrado vesse efe vamente exis do algum dia, é necessário ir mais além, ele deve moderar a força da lei ou temperar os seus efeitos, só que o mais curioso, por não se revelar tão claro, é que tal entendimento parece vincular a superação do modelo de magistrado oitocen sta, com a correspondente decantação do modelo de magistrado pós-moderno, ao desenvolvimento de um famigerado a vismo judicial. Aliás, expressão que diz pouco sobre o que a atuação judicial realmente é, mas diz menos ainda sobre o que realmente seja um avanço na atuação judicial. Ela é vazia e, por isso, pode revelar-se um encômio ou uma desatada crí ca. Elogia-se quando a decisão assume uma perspec va progressista143 ou salvadora, tal como idealizada por seus defensores, independentemente do conteúdo dessa idealidade, daí a maior preocupação; porém, soa como crí ca, não raras vezes, quando a decisão revelar-se assombrosamente incompa vel com a técnica jurídica e, como que numa perspec va consequencialista, for ainda mais incompa vel com os resultados esperados pela sociedade, isto é, a a vidade judicial não acerta a mão, até porque a relação irresponsabilidade e polí ca não costuma trazer bons resultados, muito embora, deva-se reconhecer que toda a vidade polí ca, apesar de ser cercada de responsabilização pessoal e polí ca, não necessariamente assegura resultados na gestão pública. O fato é que o auspicioso conjunto de irresponsabilidade, processual e polí ca, na a vidade judicial é imensamente pernicioso, porque despreza

141. A restrição, aqui, assume um necessário caráter ins tucional. 142. SEN, Amartya. A ideia de jus ça. Tradução de Denise Bo mann e Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 360.

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143. Termo, aliás, sem maior eloquência nos nossos tempos hipermodernos.

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os avanços dos estudos da teoria da decisão e da teoria democrá ca, sem falar que tende a firmar o grosseiro entendimento de que o juiz expressa a mais fundamental ferramenta de concre zação dos direitos fundamentais no Estado Democrá co de Direito. Uma falácia, portanto, só que, infelizmente, propalada no meio jurídico com ares de uma tese científica de difícil refutação, pelo menos na Terra Brasilis. Então, por que a prudência judicial não se firma, mas apenas uma jurisprudência calcada no a vismo judicial? É fato, por mais que se defenda um demorado ônus argumenta vo do julgador, e mesmo que isso ocorra com a mais serena e séria intenção do decisor judicial, a perspec va pessoal, calcada nos valores decididamente subje vos do magistrado, revela-se ainda um inegável fator de incerteza na sentença, potencializado pelos métodos de interpretação da nova hermenêu ca, tornando o resultado da aplicação dos direitos tendencialmente incompa vel com a perspecva democrá ca dos direitos.144 Trata-se de uma ligeira construção e de facílima compreensão; aliás, quase intui va, porém de decisiva importância não apenas na teoria da decisão, mas, sobretudo, na contextualização de uma teoria democrá ca razoavelmente aceitável, especialmente num Estado que ostenta a eloquente fórmula polí ca: Estado Democrá co de Direito. A dinâmica dos direitos fundamentais como trunfos,145 mormente quando relacionados à defesa das minorias, não pode representar um obstáculo à necessária ordem cons tu va e legí ma de uma fração de poder do Estado, qual seja, a do legislador. A dificuldade contramajoritária,146 na qual atua o menos perigoso dos Poderes, não pode servir de instrumento para que a atuação judicial assuma uma superposição entre os demais Poderes cons tuídos, pois, nesse caso, o fato de ser o menos perigoso não o tornaria menos letal às instituições democráticas, porquanto ocasionaria um esvaziamento polí co nas ins tuições do Estado e, claro, na própria ideia cons tu va de poder advinda do povo. E o vazio das prescrições legais? O que isso significa mesmo, caso signifique algo digno de nota? Aqui, 144. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Cons tucional. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 501. 145. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1977. p. XI. 146. BICKEL, Alexander. The least dangerous branch. The Supreme Court as the bar of poli cs. Second edi on. New Haven: Yale University Press, 1986. p. 16.

é preciso descor nar uma ligeira análise do fenômeno inebriante da interpretação nos nossos dias. Não se trata de direito e linguagem, não é preciso tanto, diria que mais se assemelha a direito e surrealidade. Por evidente, não há como olvidar a importância da linguagem na interpretação e, claro, a sua perspec va mais além da semân ca na concreção dos direitos, no que compreenderia a própria lógica da ação e da pragmá ca,147 todavia, a ideia de vazio ostentada no tulo deste ar go encontra-se relacionada à polí ca, ou melhor, à sua ausência. É dizer, a consagração normativa dos direitos sociais não rende esforços apenas jurídicos, mas, sobretudo, socioeconômicos, que, por certo, encontram seus próprios obstáculos, que extrapolam, por certo, a dinâmica estritamente norma va. Se o Poder Judiciário não nega isso, qual o sen do de ele imprimir norma vamente os meios e poli camente os fins na concreção dos direitos sociais? Nisso reside, sem medo de errar, grande parte do dilema da intervenção judicial.148 Ora, que a a vidade judicial não pode limitar-se ao modelo oitocen sta, isso parece incontestável, porém, não pode ir além dos limites compreensivos da norma vidade, tão somente, pela cômoda razão de que seja política e processualmente irresponsável quanto aos efeitos de suas decisões, mormente as de ordem estritamente cons tucional, que possui inegável ontologia polí ca, olvidando-se que um juiz ou corte: “[…] só deve intervir quando possa concluir com segurança pela violação das determinações cons tucionais, violação que deverá ser manifesta”.149 Exigem-se temperamentos dos defensores da Cons tuição. Nesse ponto, promove-se a divisão da atuação judicial em duas claras vertentes: (a) sobre questões predominantemente jurídicas, isto é, relava a decisões sobre parâmetros jurídico-materiais disponíveis na concreção de direitos, e (b) sobre questões predominantemente polí cas, isto é, relava a decisões sobre parâmetros jurídico-materiais 147. OLIVEIRA, Manfredo A. de. Reviravolta linguís co-pragmá ca na filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 2006. p. 96, no que se compreende a extraordinária e conhecida contribuição de Ludwig Wi genstein. 148. Como bem denuncia esta passagem: “O subje vismo dos novos métodos interpreta vos redunda assim na quebra e decomposição da juridicidade das Cons tuições, que logram por essa via o seu nível mais alto e privilegiado de poli zação, donde decorre em consequência uma legimidade fácil e desimpedida com que amparar todas as soluções do poder” (BONAVIDES, op. cit., p. 501). 149. ANDRADE, op. cit., 2004, p. 24.

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ainda não disponíveis na concreção de direitos. Na primeira hipótese, a influência polí ca do decisório é bem diminuta; porém, no segundo caso, a intervenção polí ca, por ser bem visível, é cercada de controvérsias não apenas em função da pretendida legi midade da atuação judicial, mas, sobretudo, sobre os seus efeitos, pois são potencialmente danosos ao processo democrá co e mesmo à efe va concre zação dos direitos fundamentais sociais. As questões predominantemente polí cas são dire vas e, nesse sen do, exigem o substrato legi mador de um processo decisório decisivamente democrá co, que não se afigura compa vel com a atuação oráculo-decisória da técnica interpreta va empreendida pelos tribunais, especialmente quando, centrados no mesmo propósito, a saber, a decisão que consagre a força norma va da Cons tuição, os seus membros ven lam decisões nada convergentes e até mesmo contraditórias, aliás, nada raro de acontecer, o que denuncia é que não é uma questão de técnica, de método ou de linguagem, mas, sim, de valores, que, a despeito dos possíveis e admiráveis consensos, não costumam revelar muito sen do a par r do cotejo de pouquíssimos atores, por mais geniais que eles se afigurem. Há como que uma ilusória compreensão de que a decisão judicial seja capaz de revelar o melhor caminho a seguir, porque a perspec va polí ca dos julgados é partejada por extenuantes processos e/ ou métodos interpreta vos, fazendo com que os desígnios cons tucionais sejam mais bem revelados na síntese decisório-judicial decantada nos acórdãos dos tribunais cons tucionais. Com o devido respeito aos membros dessas cortes, seja pelo inegável mérito e invulgar cultura jurídica, seja pelo desatado compromisso com (en)cargo exercido, trata-se de claro equívoco que a ciranda jurídica teima em negar, como se isso fosse capaz de expungir a força esclarecedora dos fatos. A realidade faz sucumbir à pretensão de que a colegialidade dos tribunais ou a monocrá ca fortaleza dos julgados seja capaz de revelar um caminho mais seguro na concre zação dos direitos. Explica-se: questões controver das são, por natureza, questões conflituosas em diversos aspectos, daí a razão de elas despertarem posições antagônicas, mesmo quando os intérpretes são indenes de desvios funcionais e dotados de singular capacidade técnica, assim, nesse contexto, a supremacia de uma decisão judicial, seja como trunfo da minoria, seja como manifestação da maioria, congrega um microssistema de-

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cisório que, nem de longe, expressa os valores plurais de uma ordem cons tucional, negando, portanto, a prá ca da democracia como argumentação pública e, nesse sen do, capaz de apontar os limites da diversidade e do consenso,150 pela simples e elementar razão de que a instância judicial não espelha os ecos viáveis da sociedade como fazem ou deveriam fazer os parlamentos, aliás, a polí ca, como instância mediadora no labirinto de controvérsias, incertezas e culturas, a despeito de um mundo de parca visibilidade, é sempre mais exitosa que a técnica judicial.151 Numa palavra, o parlamento tende a par r da realidade possível, isto é, sopesando os condicionantes sociais, o juiz da idealidade desejosamente transformadora do texto cons tucional; logo, nesse conflito, tem-se a potencial irrealidade dos comandos judiciais, geralmente generosos, em face das possibilidades polí co-econômicas de cada Estado. Vive-se a impressão de que um, o Poder Judiciário, faz o melhor dos mundos, simplesmente porque não faz nada,152 mas decide tudo; e outros, o Poder Legisla vo e o Execu vo, fazem o pior dos mundos, porque devem fazer tudo. Não custa afirmar que um Estado Social não precisa de juízes heróis, mas de um con nuo fluxo econômico com precisa disciplina dos esforços intergeracionais nos mais diversos segmentos da sociedade. O Poder Judiciário pode e deve ajudar nesse sendo, porém é incapaz de promover transformações sociais de grande monta na sociedade sem a providencial atuação da a vidade polí co-econômica do Estado. Ou alguém acredita que a enorme conquista social do povo alemão, principalmente no pós-guerra, e ainda presente nos nossos dias, deveu-se às decisões do Tribunal Cons tucional Federal alemão? Portanto, não é racional exigir tanto da norma vidade, dos textos e dos seus intérpretes, estes até se esforçam, mas não são capazes de alcançar o que a senda polí ca ainda não alcançou, até porque, quando alcançam, a atuação judicial tem pouco a acrescentar. Numa frase, o Poder Judiciário não pode repaginar, a cada decisão, as escolhas polí cas do Parlamento, muito menos os meios u lizados pelo Poder Execuvo para promovê-las, senão o princípio da separação 150. SEN, op. cit., 2011, p. 388. 151. INNERARITY, Daniel. Polí cas de la naturaleza en la sociedad del conocimiento. Revista de Estudios Polí cos (Nueva Época). Madrid, n. 122, p. 317-329, Octubre-Diciembre 2003, p. 321. 152. O nada, evidentemente, refere-se ao plano da materialidade de gozo dos direitos.

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de poderes será uma vã pretensão cons tucional e, com isso, vai apenas expressar a consagração de um único e crucial poder: o decorrente da decisão judicial. Ainda que se discuta que o modelo da tripar ção dos poderes tenha sido decantado em época diversa, e possivelmente para fins também diversos, conforme a con ngencialidade de cada momento, isso não tem o propósito, em função da consagração normava dos direitos sociais, de desnaturar as conquistas decorrentes da limitação do poder por outro poder. Acredita-se na potencialidade de novos candidatos na repar ção dos poderes,153 o que não se defende é galhardo protagonismo do Poder Judiciário.

isso, potencialmente oneroso no tempo, inclusive em função de uma mesma pessoa, destacando-se, assim, a importância de delimitar o grau de proteção do Estado em função das suas potencialidades socioeconômicas, mas jamais ir além, seja porque não é materialmente possível, seja porque não é aconselhável manter polí cas assistenciais. O reflexo con ngente das capacidades e necessidades dos cidadãos157 não pode fazer com que as polí cas de renda mínima percam o necessário perfil obje vo de concessão, porquanto as par cularidades das demandas dos cidadãos encontrarão ou deverão encontrar outros nichos opera vos da larga teia de serviços sociais do Estado.

Uma das mais importantes bandeiras da intervenção judicial centra-se na impactante ideia do mínimo existencial154 ou, de modo mais preciso, do direito a um mínimo para uma existência condigna,155 no que bem releva a problemá ca dos direitos sociais. Seria elás co o conceito de mínimo para uma existência condigna? Ou melhor, é possível falar em conceito de mínimo para uma existência condigna? Nesse ponto, não se deseja uma demorada exposição, todavia, é per nente destacar algumas importantes advertências no tratamento da matéria na perspec va da sustentabilidade polí ca. Todo mínimo cons tui um ponto de par da e, nessa qualidade, não há mínimo existencial,156 mas mínimos existenciais em função das possibilidades polí co-econômicas de um povo no atendimento das necessidades e capacidades do tular do direito de um mínimo para uma existência condigna, além disso, justamente por arvorar uma existencialidade, a noção de mínimo assume uma incomensurável e surpreendente variabilidade.

A compreensiva diversidade dos serviços sociais, como programas de Estado, tende a intensificar os usuais mecanismos de ação social e neles é possível iden ficar nicho de atuação específico para demandas con ngentes, até mesmo para fins de consideração dos fatores de variação158 entre as rendas reais e as vantagens, liberdades e bem-estar, dos cidadãos, denotando que a multiplicidade dos programas, numa clara relação de complementariedade, é mais eficaz que o exaurimento de um programa social mais oneroso ou potencialmente oneroso em função das demandas judiciais. Nesse contexto, a intervenção judicial, antes de qualquer solução concreta, poderia simplesmente onerar as reservas do Estado, mas, infelizmente, sem projetar maior amplitude ao programa social, salvo com o sacri cio na regularidade de outros serviços, conforme a teoria do cobertor curto.

Daí que não se afigura aconselhável tratar essa questão baseada na noção da proteção mínima do Estado, porquanto ela nem expressa uma proteção efe va e muito menos trabalha uma compreensão de mínimo a par r de uma prestação obje vamente viável no contexto das permissibilidades do Estado. Explica-se: o mínimo de proteção do Estado é apenas um ponto de par da, isto é, mutável no tempo e, com 153. ACKERMAN, Bruce. Adeus, Montesquieu. Tradução de Diego Werneck Arguelhes e Thomaz Henrique Junqueira de Andrade Pereira. Revista de Direito Administra vo. Rio de Janeiro, n. 265, p. 13-23, jan./abr. 2014, p. 16. 154. TORRES, Ricardo Lobo. Direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 35. 155. ANDRADE, op. cit., 2004, p. 29. 156. U lizar-se-á o termo mínimo existencial pela mera comodidade que o reducionismo da expressão comporta.

Essa pretensão de tutela da sociedade promovida pela sociedade tem revelado um horizonte de inevitável conflito, pois a compreensão de que o Direito seja uma clara expressão de liberdade se torna incompa vel com o seu monopólio pelo Poder Judiciário, portanto, a dinâmica da a vidade jurídica, no que inclui evidentemente o exercício dos direitos, carece de uma contribu va e decisiva manifestação dos atores do processo democrá co, que, evidentemente, vai bem além dos atores do processo judicial. Tal asser va pode até parecer paradoxal, haja vista a ordinária atuação do Poder Judiciário: dirimir conflitos e, com isso, assegurar direitos e vice-versa. Todavia, 157. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. 1. ed. 1ª reimp. Tradução de Laura Teixeira Mo a. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 105. 158. Quais sejam: (a) heterogeneidades pessoais, (b) diversidades ambientais, (c) variações no clima social, (d) diferenças de perspec vas rela vas, e (e) distribuição na família (SEN, op. cit., 2012, p. 99-100).

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numa sociedade livre é impensável admi r a dinâmica dos direitos a par r da compreensão totalizadora de uma única fonte do poder estatal,159 representando, assim, uma indescri vel nega va da liberdade, pois a sociedade encontrar-se-ia sempre nos estreitos limites da compreensão norma va de um único Poder. E o que isso quer dizer? Com expressão de pavor, que a norma vidade não pode condensar limites compreensivos estritamente pessoais ou decantados mediante sobreposições de ideias ou teses decorrentes de um restrito grupo de intérpretes. E a razão é bem simples: eles não são capazes de expressar os limites materiais da ciranda polí ca e, com isso, podem ven lar erros e mesmo acertos não cotejados pelo processo democrá co. Afinal, a democracia não se configura pela ideia do acerto, muito menos, do consenso, mas, sobretudo, pelo vislumbre da intervenção polí ca dos cidadãos nos interesses do Estado, enfim, de toda a sociedade, mesmo que isso resulte em menor possibilidade de sucesso ou acerto das decisões.160 A afirmação do modelo democrá co brasileiro não passa pela expansão polí ca do Poder Judiciário. Dito de outro modo, o eventual esvaziamento da importância do povo no processo polí co-decisório nacional, por certo, não encontra ressonância na a vidade judicial, que não é a sede própria para tratamento de seus reclames, pela simples e elementar razão de que a confli va e discursiva questão polí ca não encontra ambiente na seara processual do Poder Judiciário, pois não é o espaço adequado para maiores parlamentações rela vas aos desafios a serem superados pela comunidade polí ca. Como compreender que a atuação do magistrado consiga, para além do parâmetro da estrita norma vidade, e mesmo que não se discuta a ques onável legitimidade de sua atuação, alcançar resultados mais sa sfatórios que os delineados pelos canais discursivos verificados no Poder Legisla vo e no Poder Execu vo? Veja-se que não se trata da tarefa de promover uma decantação axiológico-norma va de determinado texto legal, vai mais além, o que se cri ca é outra questão, o fato de a atuação judicial adentrar 159. Nem de longe, é preciso afirmar, deseja-se arvorar o entendimento de que todo direito advenha necessariamente do Estado, mas se dele decorre, justamente para consagrar a perspec va democrá ca dos direitos, é melhor aceitar a diversidade das fontes norma vas. 160. FEYERABEND, Paul. A ciência em uma sociedade livre. Tradução de Vera Lucia Mello Josceline. São Paulo: Unesp, 2011. p. 108.

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verdadeiramente na escolha das opções do gestor no regular exercício do poder polí co. Nessa hipótese, o que se observa é uma total inversão das competências cons tucionalmente determinadas, pois o juiz ou o tribunal tende a prescrever poli camente os fins e escolher norma vamente os meios para alcançá-los. Por lógico, essa odiosa inversão põe por terra todo o processo democrá co e cria uma ingênua percepção de resolução dos problemas da sociedade. Naturalmente, isso agiganta a importância do Poder Judiciário, pois reduz tudo ao poder decisório dos magistrados, monocrá ca ou colegiadamente, revelando que, mais que um desejoso desempenho da atuação judicial, tem-se, igualmente, um claro propósito de luta ins tucional por poder. Percebe-se, assim, que a questão de fundo deste ar go é condensada nestes termos: a atuação judicial sobre direitos sociais, portanto, sobre relevantes questões da sociedade, centra-se na solução dos problemas estruturantes do grandioso edi cio social a par r da sua abóbada, isto é, a par r da acessibilidade à tutela jurisdicional, olvidando-se, ou não reconhecendo a devida importância, de que a verdadeira solução do problema antecede a intervenção judicial, ainda que ela possa ter o fundado propósito de contribuir para o deslinde da problemá ca, porquanto os dilemas da socialidade espraiam-se por uma seara que não se encontra estritamente vinculada ao raio de atuação da seara jurídica, pelo menos numa clara perspec va transformadora, mas, sim, percorre uma planície arisca e inóspita dos progressos intergeracionais no campo socioeconômico, que urge regulamentação sobre uma dada realidade, mas que, por meio dela, a a vidade judicial, por si só, não tem o condão de promover a mul plicação dos pães por meio de textos e intérpretes. Como dado curioso, é comum afirmar que o Direito sempre anda a reboque dos eventos sociais e econômicos, melhor que seja assim, só não carece de ser tão retardatário, todavia, no que se refere aos direitos sociais, observa-se que a CF 88 foi bem além das atuais possibilidades socioeconômicas da sociedade brasileira, no que andou bem, afinal o catálogo de direitos de uma constituição deve conter um projeto capaz de absorver as possíveis e exigíveis conquistas do tempo,161 na cronologia própria dos 161. No que representa bem a ideia de abertura material do catálogo de direitos fundamentais, aliás, expressamente prevista no art. 5º, § 2º, da CF/88.

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avanços sociais de cada povo; contudo, o que não se permite é extrair da mera norma vidade uma dimensão material insustentável no plano da ação pública, isto é, não é possível defender a concre zação dos direitos sociais, a ferro e fogo, em detrimento do planejamento administra vo e das opções polí cas do gestor, ainda que, para tanto, o fundamento da intervenção judicial decorra dos déficits estruturais da sociedade brasileira, porquanto a superação deles não se encontra propriamente no juízo de disponibilidade polí ca dos gestores públicos, especialmente numa ambiência de escassez de recursos, aliás, denunciadores da crise fiscal do Estado, que exige a observância de uma atuação administra va, no que se compreendem as prestações públicas, a par r da sustentabilidade financeira do Poder Público. Dito de outro modo e de forma bem sinté ca: “[…] a polí ca delibera va sobre as polí cas da República pertence à polí ca e não à jus ça”.162

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Ora, não há como negar que o vultoso crescimento dos gastos públicos com programas sociais exigiu uma reconfiguração do campo de atuação da polí ca de bem-estar social, principalmente em função do grau de endividamento do Estado, gerando, assim, uma inevitável tensão entre o governo e os grupos de interesses, que, jus ficada ou injus ficadamente, organizam-se na defesa de determinadas polí cas públicas,163 inclusive, não raras vezes, incompa veis com o fluxo econômico da sociedade e, por conseguinte, com a a vidade financeira do Estado, daí, sem maior exigência reflexiva, a di cil tarefa de contenção dos gastos públicos, porquanto os projetos polí cos colidem com os prognós cos de uma gestão pública responsável, aliás, a atual crise polí co-fiscal brasileira cons tui exemplo formidável.

(c) a atuação judicial, com o forte impulso da cons tucionalização do Direito, a despeito de sua inegável importância, quando centrada na perspec va norma va e no fundado propósito de concre zar os direitos fundamentais, não pode adentrar no universo da gestão das polí cas públicas e da polí ca pura, porquanto se trata de terreno que deve ser percorrido pelos mandatários do povo;

Por úl mo, é bem possível que as visões do parcipante, com seus vislumbres hiperbólicos, tenham levado a grafar exageros sobre a atuação judicial no Brasil.164 “Nem sei explicar estas coisas. Um sen r é o do sentente, mas outro é o do sen dor.”165 E nessas veredas de impossíveis consensos, encerram-se sempre os (in)felizes prognós cos para além da estrita norma vidade. 162. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Cons tucional e teoria da Cons tuição. 7. ed. 6ª reimp. Coimbra: Edições Almedina, 2003. p. 946. 163. PIERSON, op. cit., p. 355. 164. Que as luzes da reflexão, cedo ou tarde, terão que tolhê-los. 165. ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. p. 328.

Considerando a exposição apresentada, em parcular a de da preocupação da atuação polí ca na definição das polí cas públicas, sumariam-se estes pontos: (a) a sustentabilidade representa um claro conceito da hipermodernidade, porquanto corporifica a ideia matriz de todos os eventos sociais em função do di cil prognós co, no presente e no futuro, da convivência comunitária numa sociedade de risco; (b) a sustentabilidade polí ca, como peça chave na solução dos grandes dilemas sociais, deve coordenar a conjunção de esforços individuais, cole vos e ins tucionais, numa dinâmica intrageracional e intergeracional, no largo propósito dos impera vos da socialidade, da solidariedade e da igualdade numa convivência comunitária;

(d) a sustentabilidade polí ca exige a compreensão de que os segmentos sociais, além de tentadores, são poli camente organizados, e, por isso, são atravos por gerarem pomposos dividendos polí cos, porém, em função da unilateralidade dos seus propósitos, a materialização de suas pretensões tende a romper com qualquer ação polí ca de longo prazo, não consubstanciando, portanto, uma atuação polí ca sustentável, na qual reproduz a lógica de uma jus ça intergeracional; e (e) os grandiosos obje vos cons tucionais, invariavelmente, exigem um necessário processo de decantação norma va em função dos condicionantes socioeconômicos da atuação polí ca, por isso se revela açodada qualquer atuação judicial, que, desprezando essa premissa, tenta romper a temporalidade própria das conquistas sociais por meio de uma atuação estritamente norma va, ainda que respaldada da auspiciosa razão da concre zação dos direitos fundamentais, porquanto o conflito gerado pela intervenção indevida é maior que o bene cio alcançado pela atuação sistemá ca da gestão pública.

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