Discriminação por Preconceito Implícito (VERSÃO PRELIMINAR).pdf

June 1, 2017 | Autor: George Marmelstein | Categoria: Psicología Social, Igualdade, Ciencias Cognitivas, Igualdade Racial, direito da antidiscriminação
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Discriminação por Preconceito Implícito

O presente texto é a versão preliminar de um artigo em elaboração (versão julho/2016). Favor não divulgar fora do círculo de debates. Comentários, críticas e sugestões podem ser enviados para [email protected]

Por George Marmelstein

"A consciência da inconsciência da vida é o mais antigo imposto à inteligência. Há inteligências inconscientes - brilhos do espírito, correntes do entendimento, mistérios e filosofias - que têm o mesmo automatismo que os reflexos corpóreos, que a gestão que o fígado e os rins fazem de suas secreções". Fernando Pessoa - Livro do Desassossego.

1 Delimitando o problema

Muitas práticas discriminatórias que presenciamos nos dias atuais não envolvem atos de perversidade cometidos por pessoas cruéis, mas sim sutis injustiças perpetradas de forma não-intencional por pessoas comprometidas com a igualdade. É provável que esse fenômeno decorra, pelo menos em alguma medida, da influência do chamado preconceito implícito (implicit bias1), que se manifesta de modo inconsciente, automático e involuntário na mente de qualquer pessoa, independentemente das crenças e dos valores por ela assumidos. O avanço das pesquisas sobre o conhecimento implícito nos últimos vinte anos tem levado alguns pesquisadores a sugerirem a existência de uma verdadeira revolução científica, que pode mudar os paradigmas de toda a compreensão que temos sobre o comportamento humano e afetar, inclusive, a teoria do direito (GREENWALD & KRIEGER, 2006; KRIEGER & FISKE, 2006). O presente artigo pretende analisar em que medida essa proclamada revolução científica envolvendo o preconceito implícito pode afetar o direito da antidiscriminação no Brasil, seja no que se refere ao próprio conceito jurídico de discriminação e dos remédios para combatê-la, seja na dinâmica argumentativa e A expressão inglesa bias costuma ser traduzida para o português como viés, sobretudo quando associada aos atalhos mentais que podem levar a erros cognitivos. Preferiu-se, neste texto, traduzir implicit bias como preconceito implícito por ser mais fácil associar a ideia de discriminação com a ideia de preconceito. Além disso, o portal eletrônico Project Implicit, da Universidade de Harvard, que é um dos sites de referência sobre o tema, adotou a mesma tradução ao adaptar o seu conteúdo para a língua portuguesa. Do mesmo modo, vários pesquisadores brasileiros que estudam o tema também adotam a expressão preconceito implícito para se referir ao implicit bias (ver, por exemplo, LIMA & OUTROS, 2006). 1

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probatória em uma ação onde alguém alega que foi prejudicado por preconceitos nãoconscientes2. Não é fácil analisar esse problema numa perspectiva jurídica. Em primeiro lugar, porque tal tarefa exige o conhecimento de alguns conceitos desenvolvidos pelas ciências sociais e cognitivas que ainda não foram assimilados pelo pensamento jurídico em toda a sua amplitude. Em segundo lugar, porque o tratamento jurídico das ações humanas inconscientes impõe a reformulação de alguns princípios fundamentais do direito, tradicionalmente alicerçados na crença da capacidade do ser humano de refletir e de agir conscientemente em conformidade com os planos que traçou para si. Em terceiro lugar, porque o direito da antidiscriminação no Brasil ainda está pouco desenvolvido e muito contaminado por confusões conceituais que precisam ser superadas. Em quarto lugar, porque os próprios estudos que embasam os debates contemporâneos, seja nas ciências cognitivas, seja no direito da antidiscriminação, têm como pano de fundo a experiência de outras sociedades que não a brasileira, o que dificulta também a importação desse conhecimento para a nossa realidade. Em quinto lugar, porque mesmo em países onde os estudos sobre o tema estão mais avançados, como nos Estados Unidos, não foram ainda desenvolvidos remédios efetivos contra a discriminação baseada em preconceito implícito, havendo uma grande disputa entre os que são a favor e os que são contra a incorporação do implicit bias no direito da antidiscriminação. Por fim, porque estamos lidando com um fenômeno tão arraigado nas práticas sociais e institucionais que é difícil enxergá-lo como um problema, sobretudo quando não temos consciência de sua existência, nem dos impactos reais que podem causar nas pessoas estigmatizadas. O fato é que há um amplo consenso científico no sentido de que muitas de nossas ações são influenciadas por fatores dos quais não temos consciência e que grande parte das decisões humanas são afetadas por preconceitos implícitos. Embora as conexões cerebrais que impulsionam o preconceito implícito estejam "fora do radar" da consciência, esse fenômeno pode levar a atitudes concretas de discriminação em uma ampla rede de situações. Por exemplo, um preconceito implícito pode fazer com que um recrutador desqualifique prematuramente uma mulher que pretende ser promovida para um cargo de chefia, ou induzir um juiz, involuntariamente, a diminuir a credibilidade do depoimento de uma testemunha homossexual, ou levar um policial a atirar por equívoco em uma pessoa negra desarmada (ARONSON & OUTROS, 2015; MYERS, 2014; STAATS & OUTROS, 2015). A dinâmica desse fenômeno será explicada ao longo do texto. Aqui, basta perceber que a influência dos preconceitos implícitos nos comportamentos humanos não pressupõe uma intenção deliberada, nem As expressões preconceitos implícitos e preconceitos inconscientes são intercambiáveis. No presente texto, optou-se pelo uso da expressão preconceitos implícitos por ser a que se tornou a mais adotada nos debates técnicos sobre o tema. 2

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mesmo dissimulada, de discriminar. Até as pessoas eticamente orientadas, que acreditam sinceramente na perversidade do preconceito e defendem que todos devem ser tratados com igual respeito e consideração, podem agir, inconscientemente, de forma discriminatória, o que torna o fenômeno ainda mais intrigante. Seria fácil combater juridicamente o preconceito implícito se não fossem alguns obstáculos relevantes. Em primeiro lugar, há uma grande dificuldade comprovação da prática discriminatória, já que, por definição, o preconceito implícito não é consciente, nem intencional, e, portanto, somente pode ser demonstrado por vias indiretas e conjecturais. Além disso, o direito ainda está fortemente alicerçado em uma concepção da psicologia humana que acredita que as motivações para agir são fruto de uma reflexão racional conscientemente orientada. Um dos pressupostos da imputação da responsabilidade jurídica é a conduta racional, fundada na autonomia da vontade, de modo que a intencionalidade (ou seja, o propósito deliberado de agir) ainda é tratada, em muitos casos, como uma questão central para definir se uma pessoa deve ou não ser responsabilizada por um dano causado a outra pessoa. Assim, mesmo que se consiga provar (o que não é simples) a prática de uma discriminação motivada por preconceito implícito, a censura jurídica a esse comportamento esbarraria em alguns óbices difíceis de contornar, especialmente porque se estará responsabilizando uma pessoa por algo que, em princípio, ela não pode controlar. Mas ao mesmo tempo não se pode simplesmente considerar o preconceito implícito como algo normal e inevitável, sobretudo quando gera comportamentos discriminatórios, diminuindo o status jurídico e a igualdade de oportunidades de vários grupos estigmatizados. Ter consciência de que o preconceito implícito existe e não agir para evitar a sua ocorrência é um comportamento que não pode ser tolerado, embora seja difícil estabelecer que tipo sanção seria recomendável para alguém que age motivado por preconceito implícito. Eis o dilema central a ser enfrentado neste artigo: como responsabilizar alguém por um tratamento prejudicial causado a uma pessoa ou grupo estigmatizado em função de preconceitos não-intencionais e não-conscientes? E mais: como provar o preconceito implícito, já que ele se manifesta em um nível do pensamento que não é acessível nem mesmo para o agente discriminador? Para tentar responder a essas questões, o presente trabalho foi estruturado em duas partes: (1) a primeira parte é de contextualização teórica, onde serão apresentadas algumas noções desenvolvidas pelas ciências cognitivas sobre o preconceito implícito; (2) a segunda parte é uma tentativa de compreender como isso pode afetar o pensamento jurídico, especialmente no campo do direito da antidiscriminação.

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Parte I - A Revolução da Cognição Implícita

2 Compreendendo o Preconceito Implícito

Em uma famosa experiência social, dois pesquisadores de universidades norte-americanas tentaram descobrir se Emily e Greg teriam mais chances de serem contratados para uma vaga de emprego do que Jamal e Lakisha. Obviamente, os nomes escolhidos estão fortemente associados à raça no contexto daquele país. Emily e Greg são nomes representativos de pessoas brancas, enquanto Jamal e Lakisha costumam ser associados a pessoas negras. Para saber se havia uma preferência pela contratação de candidatos com nomes associados a pessoas brancas, os pesquisadores criaram cinco mil currículos fictícios, com qualificações acadêmicas e profissionais semelhantes, dividindo-os em grupos contendo a mesma quantidade de candidatos. Cada grupo foi categorizado por nomes, seguindo uma classificação de gênero e racial (ou seja, homens brancos, mulheres brancas, homens negros e mulheres negras), bem como por nível de qualificação. Em seguida, os currículos foram enviados para várias agências de recrutamento, a fim de verificar o índice de retorno de chamadas telefônicas de cada candidato. Ficou constatado que, mesmo quando as qualificações são praticamente idênticas, as pessoas com nomes associados à raça negra tiveram, em média, 50% menos chance de serem chamadas para uma entrevista de emprego do que os demais candidatos (presumivelmente brancos). Ou seja, os candidatos com "nomes brancos" (Greg, Emily, entre outros) receberam um telefonema de retorno para cada 10 currículos enviados, enquanto que os candidatos com "nomes negros" (Jamal, Lakisha, entre outros) só tiveram um retorno a cada 15 currículos enviados (BERTRAND & MULLAINATHAN, 2004). Embora seja possível formular algumas críticas à metodologia do estudo e às conclusões inferidas, o importante para os fins do presente trabalho é tentar descobrir o que poderia ter causado essa disparidade de tratamento. Por que foram escolhidos mais candidatos com "nomes brancos" do que candidatos com "nomes negros" se as qualificações profissionais e acadêmicas eram semelhantes? Se fosse possível realizar uma entrevista com as pessoas responsáveis pela triagem preliminar dos currículos, questionando a preferência pelos candidatos com "nomes brancos", é bastante provável que três categorias de respostas surgissem: (a) alguns diriam que tinham consciência da suposta diferença racial entre os candidatos e assumiriam abertamente que escolheram aqueles que tinham "nomes brancos" por acreditarem, de fato, que os negros são inferiores, preguiçosos e incompetentes e,

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portanto, não mereceriam ser selecionados; (b) outro grupo, embora soubesse que os nomes poderiam estar associados à raça, não teria coragem de assumir abertamente que houve uma preferência pelos candidatos com "nomes brancos", seja por vergonha de confessar o preconceito e parecer racista, seja por medo de sofrer retaliação jurídica; (c) um grupo um pouco maior negaria enfaticamente que agiu motivado por alguma preferência racial e, provavelmente, estaria sendo sincero ao afirmar isso. Essas três respostas apontam três modalidades de preconceito que podem ter orientado os comportamentos discriminatórios: (a) o preconceito explícito; (b) o preconceito dissimulado; (c) o preconceito implícito3. Tanto o preconceito explícito quanto o preconceito dissimulado são atitudes que se manifestam de forma consciente, ou seja, a pessoa sabe que está agindo de forma preconceituosa e pratica intencionalmente a discriminação. A diferença entre eles é que, no primeiro caso (preconceito explícito), o preconceito é assumido sem máscaras, ao passo que, no segundo caso (preconceito dissimulado), a pessoa tenta esconder o que ela pensa, ou omitindo suas razões ou criando desculpas para justificar seu ato. É preciso deixar claro que o preconceito implícito não se confunde com o preconceito dissimulado, pois grande parte daquilo que se costuma chamar de "racismo à brasileira" nada mais é do que manifestações da discriminação baseada em preconceito dissimulado, que não constitui o objeto central deste estudo. A discriminação baseada em preconceito dissimulado envolve tratamentos prejudiciais a grupos estigmatizados praticados por pessoas preconceituosas que escondem suas reais motivações e fingem acreditar nas virtudes do tratamento igualitário, mas apenas "da boca pra fora". Há no nível consciente da mente do agente discriminador uma crença na inferioridade dos grupos estigmatizados que só não vem à tona em função dos constrangimentos sociais e jurídicos criados para reprimir as atitudes preconceituosas. O preconceito implícito, por sua vez, se manifesta em um nível do pensamento que é desconhecido até mesmo pelo sujeito que age de forma preconceituosa. Ou seja, a pessoa influenciada pelo preconceito implícito não tem consciência de que está praticando uma discriminação, nem tem a intenção de prejudicar ninguém por preconceito. Suas crenças igualitárias costumam ser sinceras, e suas ações, de um modo geral, não são preconceituosas. Apenas algumas vezes, em É possível que, no último grupo, também possam existir os que são, de fato, indiferentes ao preconceito racial e podem ter escolhido mais nomes brancos por mero acaso. É importante destacar esse fato para não cair no erro de achar que toda decisão é necessariamente preconceituosa. A teoria do implicit bias segue uma lógica de probabilidade, ou seja, parte do princípio de que há uma tendência para ação enviesada motivada por preconceito, mas tal tendência não é absoluta, nem é inevitável. Esse ponto terá imensa relevância para o debate jurídico. 3

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determinadas circunstâncias, algumas atitudes que se manifestam "fora do radar" da consciência, quase sempre de forma automática e irrefletida, podem ser motivadas pelo preconceito implícito, sobretudo quando o cérebro está imerso em uma atividade realizada mecanicamente. Assim, é possível que, mesmo sem perceber que está agindo de forma discriminatória, o funcionário burocrata que está selecionando os candidatos e analisando apressadamente inúmeros papéis que estão em sua mesa pode acabar deixando de lado um currículo que seu inconsciente preconceituoso associou a uma pessoa negra. A experiência dos currículos não tinha o propósito de atestar a existência do preconceito implícito. Seu objetivo central era demonstrar que, quando estão disputando uma vaga de emprego supostamente em igualdade de condições, as oportunidades são menores para as pessoas negras, mesmo em uma sociedade que abomina o racismo e possui diversos mecanismos sociais e jurídicos de combate à discriminação. A alusão ao preconceito implícito aqui realizada foi apenas uma hipótese levantada para explicar a tendência ao tratamento diferenciado em favor das pessoas brancas. Mas existem várias outras formas muito mais convincentes de demonstrar a existência do preconceito implícito. Por exemplo, há estudos realizados com o uso de exame de ressonância magnética funcional (fRMI - Functional Magnetic Ressonance Imaging) que demonstram que a atividade cerebral de uma pessoa branca que se assuma não-preconceituosa pode variar quando é mostrada a ela uma imagem de uma pessoa negra. Em geral, as áreas do cérebro associadas a emoções negativas (como o medo, por exemplo) são acionadas automaticamente com a simples visão de uma imagem de uma pessoa negra desconhecida. Do mesmo modo, há estudos que demonstram que a atividade cerebral de uma pessoa branca assumidamente não-preconceituosa pode ser afetada quando é colocada em uma situação em que precisa interagir com uma pessoa negra, em função do conflito que surge entre a área do cérebro responsável pelo controle das emoções e a área do cérebro que impulsiona o preconceito implícito. Assim, até mesmo quando as pessoas se esforçam para não parecerem preconceituosas, nem agirem de forma discriminatória, pode haver uma diferença de tratamento provocada pela tensão e desconforto derivados desse conflito psicológico que pode afetar negativamente a interação com pessoas do grupo estigmatizado (PHELPS & THOMAS, 2003). Outra forma de comprovar a existência do preconceito implícito é o Teste de Associação Implícita - TAI (ou IAT - Implicit Association Test), desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Harvard (GREENWALD, NOSEK & BANAJI, 2003). O IAT é um método simples e engenhoso que mede a rapidez com que cada pessoa associa, de forma inconsciente, determinados pares de palavras ou de imagens.

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Isso é feito por meio de uma espécie de jogo de computador, em que são mostradas imagens de pessoas negras ou brancas (ou outros grupos de comparação), associadas com conceitos como bom, inteligente, mau, estúpido, que vão se alternando em pares em uma tela. Quanto maior for a facilidade em associar as palavras, mais rápidas serão respostas da pessoa avaliada, permitindo medir se há ou não uma preferência a favor de determinado grupo. Uma pessoa mais preconceituosa em relação aos negros demorará mais tempo para conseguir associar a imagem de uma pessoa negra às palavras que evocam sentimentos positivos (como bom ou paz), e o teste medirá esse tempo de resposta em comparação com a associação aleatória das mesmas palavras com a imagem de uma pessoa branca. Assim, mesmo que a pessoa negue de forma veemente e sincera que possui sentimentos preconceituosos, o teste poderá indicar, pelo menos no nível inconsciente, a existência, em maior ou menor intensidade, de um preconceito implícito4. Embora o IAT não tenha um grau de precisão elevada, nem indique de forma absolutamente segura que uma pessoa é ou não preconceituosa5, muito menos que uma determinada decisão foi ou não afetada pelo preconceito implícito, pode ser um instrumento poderoso para prever alguns comportamentos discriminatórios (GREENWALD, POEHLMAN, ULHMANN, BANAJI, 2009). Por exemplo, aqueles que possuem forte preferência por pessoas brancas, atestada pelo IAT, têm mais probabilidade de perceber a raiva em rostos negros do que em rostos brancos, de confundir um objeto inofensivo com uma arma quando associado a uma pessoa negra, e de atirar por equívoco em pessoas negras desarmadas em um jogo simulado de computador6 (ARONSON & OUTROS, 2015; MYERS, 2014). Os resultados obtidos a partir da análise de uma imensa base de dados de pessoas que fizeram o IAT demonstram que a grande maioria das pessoas brancas leva mais tempo para associar palavras agradáveis com rostos negros em comparação com rostos brancos. Em muitas ocasiões, até mesmo pessoas do grupo estigmatizado podem ter preconceitos implícitos contra o próprio grupo, o que demonstra que o surgimento de preconceitos também pode ter uma base cultural subjacente e que ninguém está livre de ter pensamentos automáticos enviesados. Isso pode significar que o cérebro de O teste pode ser feito, gratuitamente, por qualquer pessoa, por meio do portal do Project Implicit, mantido pela Universidade de Harvard. 5 Entre as críticas ao IAT, alguns sugerem que o resultado enviesado pode ser explicado não só pela presença de preconceito, mas sobretudo pela não-familiaridade de pessoas de um determinado grupo com membros do grupo estigmatizado. Assim, o fato de uma pessoa branca ter mais familiaridade com pessoas brancas poderia gerar uma reação mais rápida para associar um rosto branco com palavras positivas (sobre isso: ARONSON & OUTROS, 2015, p. 281). 6 O pesquisador Joshua Correl desenvolveu um site, denominado, The Police Officer's Dilemma, em que disponibiliza gratuitamente o teste on-line do tiro para medir o preconceito (shoot bias). No mesmo site, há várias publicações que relatam os resultados das experiências realizadas. Ver: CORREL & OUTROS, 2002. 4

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muitas pessoas está pré-programado ou condicionado para ter uma inclinação negativa contra pessoas negras, podendo gerar, inconscientemente, uma atitude prejudicial a uma pessoa em função da cor de sua pele. Vários testes disponibilizados pelo Project Implicit, envolvendo associações de palavras positivas e negativas entre grupos dominantes (homens brancos, por exemplo) com outros grupos estigmatizados (como mulheres, estrangeiros, homossexuais, pessoas obesas, idosas e com deficiência, entre vários outros) demonstraram que a maioria das pessoas tem uma inclinação para associar mais rapidamente palavras positivas com pessoas brancas do que com pessoas de grupos estigmatizados. Isso é um indicativo de que, em muitas pessoas, o preconceito está escondido debaixo da superfície da mente e pode ser ativado, involuntariamente, em determinadas situações.

3 As Origens do Preconceito Implícito

Preconceito é uma atitude que envolve um juízo de valor sobre determinado grupo e seus membros individuais, sustentado por generalizações apressadas e equivocadas a respeito dos seus atributos pessoais e/ou comportamentais. Há, portanto, um elemento valorativo e um elemento cognitivo que, conjuntamente, alimentam o preconceito. O primeiro compõe-se de sentimentos negativos ou positivos a respeito do grupo (medo, hostilidade, inveja, afeto, piedade, admiração etc.); o segundo, por sua vez, surge da criação de falsos estereótipos que irrefletidamente atribuímos a todos os membros daquele grupo, sem levar em conta a possível variação que pode existir entre eles7. A construção de estereótipos não é em si um problema, desde que tenhamos consciência de seus limites. Categorizamos coisas, pessoas ou situações como estratégia de ação para facilitar o processo de compreensão do mundo e diminuir o esforço mental na hora de decidir o que fazer. Presumir que todos os membros de um determinado grupo compartilham as mesmas características pode ser útil para aumentar a nossa eficiência cognitiva, pois se tivéssemos que avaliar, em cada nova situação, todas as variáveis possíveis sobre cada indivíduo em particular, teríamos um enorme fardo intelectual e perderíamos um tempo considerável. Estereótipos funcionam, assim, como "sistemas de economia de energia para fazer julgamentos rápidos e prever como os outros vão pensar e agir" (MYERS, 2014, p. 264). Essa noção de preconceito foi construída a partir de algumas ideias emprestadas da psicologia social. Ver, por exemplo: ALLPORT, 1971; JONES, 1973; MYERS, 2014; ARONSON & OUTROS, 2015. 7

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O problema é que estamos sujeitos a diversos vícios cognitivos que podem influenciar a formação de nossas crenças sobre as características de um determinado grupo, e isso pode fazer com que criemos visões pré-concebidas e equivocadas sobre outras pessoas. Muitas de nossas crenças sobre outros grupos nascem do acaso ou de uma amostragem muito pequena de experiências, podendo ser influenciadas pela heurística da disponibilidade, que é "o processo de julgar a frequência pela ‘facilidade com que os exemplos vêm à mente'” (KAHNEMAN, 2012, pp. 176/177). Como as experiências que vivenciamos pessoalmente estão mais disponíveis do que os incidentes que acontecem de um modo geral, somos levados a extrair conclusões gerais de eventos que presenciamos e a criar muitas correlações ilusórias, que podem estigmatizar todo um grupo de pessoas apenas porque tivemos uma experiência negativa com alguns membros daquele grupo. Ou então, podemos cometer erros ao considerar que todos os membros do grupo estão propensos a agir de uma forma indesejável dada a nossa tendência de superestimar a ocorrência de fenômenos raros em grupos minoritários. Por exemplo, apesar de ser mínima a probabilidade de um mulçumano ser terrorista, muitas pessoas criam um sentimento de hostilidade e desconfiança em relação a todos os membros desse grupo, sem perceber que não há o menor sentido em culpar a imensa maioria de mulçumanos pacíficos pelos atos praticados por uns poucos membros violentos do grupo. Do mesmo modo, há uma tendência em se categorizar apressadamente as pessoas negras como pessoas violentas, apesar de a quantidade de pessoas negras que foram condenadas por atos violentos ser estatisticamente irrelevante quando comparada com todas as outras pessoas negras que nunca praticaram, nem praticarão, atos de violência. Outro vício cognitivo muito comum na construção de estereótipos decorre do chamado viés da conformidade, que faz com que tenhamos uma tendência de aceitar com facilidade as crenças compartilhadas pelo membros do nosso grupo, bem como de seguir acriticamente todos os valores que nos são transmitidos pelos nossos antepassados. Há várias experiências de conformidade que demonstram de modo convincente o quanto o desejo de ser aceito pelo grupo ou a tendência de seguir o que os outros estão fazendo podem levar as pessoas a cometerem erros cognitivos claros, em questões simples, ao ponto, por exemplo, de desconsiderar a sua percepção pessoal sobre o tamanho de um objeto apenas porque outras pessoas sugeriram uma resposta diferente (ASCH, 1977, p. 379 e ss.). A influência real ou imaginária da presença de outras pessoas pode fazer com que ajustemos as nossas atitudes e comportamentos para não corrermos o risco de receber a desaprovação social. Quando o grupo a que pertencemos manifesta atitudes de hostilidade em relação a membros de outros grupos, a nossa tendência é seguir o rebanho, mesmo que, a rigor, nunca tenhamos tido nenhuma experiência negativa que justifique aquela atitude.

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Como se percebe, há muitos fatores que podem induzir à construção falsos estereótipos, que, por sua vez, alimentados por sentimentos de auto-preservação, frustração, desejo de aceitação, medo, estranhamento, competição, superioridade, raiva etc., podem levar ao surgimento e consolidação dos preconceitos, desencadeando os comportamentos discriminatórios contra os grupos estereotipados. Os comportamentos discriminatórios podem ser gerados até mesmo pelo favorecimento dos membros do próprio grupo. Assim, mesmo que o agente discriminador não seja uma pessoa com preconceitos hostis, que deseje intencionalmente prejudicar um determinado grupo baseado na raça, gênero, religião, nacionalidade etc., estará inclinado, ainda que inconscientemente, a atribuir mais valor aos membros de seu próprio grupo. O fato de pessoas brancas serem beneficiadas quando avaliadas por pessoas brancas pode ser explicado não só pela presença de um preconceito negativo em relação a pessoas de outros grupos, mas também por sentimentos de preferência implícita pelas pessoas do mesmo grupo (viés endogrupal). Há estudos que demonstram que os preconceitos a favor do próprio grupo (ingroup favoritism) podem ter, em determinadas situações, um impacto mais relevante na prática da discriminação do que os preconceitos negativos contra outros grupos (GREENWALD & PETTIGREW, 2014). O reconhecimento de que favorecimentos injustificados também são práticas discriminatórias pode ter um imenso impacto sobre a compreensão dos preconceitos implícitos, pois afasta a ideia tradicional de que o agente discriminador é um ser perverso que deseja menosprezar um grupo discriminado. Na verdade, qualquer pessoa que tenha alguma preferência pelos membros de seu próprio grupo é um potencial agente discriminador. Ou seja, a rigor, todos somos potencialmente agentes discriminadores, na medida em que podemos ser afetados, inconscientemente, pelo viés endogrupal. Além disso, alguns grupos também podem ser beneficiados por um processo de favorecimento injusto decorrente de uma generalização apressada e sobrevalorizada de algumas características positivas. Por exemplo, há estudos que demonstram que pessoas altas, pelo simples fato de serem altas, costumam ser associadas com mais facilidade às características como competência ou liderança, sendo beneficiadas de várias formas em suas carreiras profissionais em função da altura (JUDGE & CABLE, 2004). Também há estudos que demonstram que a classe social de uma pessoa pode ter um efeito sobre a forma com que ela é avaliada. Qualidades de inteligência ou sucesso costumam ser atribuídas a algumas pessoas apenas pelo fato de serem ricas. Por exemplo, em um estudo de 1983, dois pesquisadores apresentaram uma foto de uma criança a dois grupos diferentes. O primeiro grupo foi informado que a criança vinha de uma baixa classe social. A outro grupo foi dito que a criança vinha de uma alta classe social. Em seguida, foi mostrado um vídeo da criança desempenhando

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um teste acadêmico. Apesar de o vídeo ser exatamente o mesmo para ambos os grupos, o grupo que foi informado que a criança vinha de uma classe alta considerou que o seu desempenho foi acima da média, enquanto o outro grupo avaliou que a criança teve um baixo desempenho (DARLEY & GROSS, 1983). Esses estudos demonstram que algumas informações estereotipadas podem levar a avaliações tendenciosas, seja para prejudicar pessoas de grupos estigmatizados, seja para beneficiar pessoas de grupos privilegiados. O modo de formação do preconceito implícito também segue a lógica do menor esforço. Ele funciona como um atalho mental invisível que é automaticamente acionado em nossas mentes quando temos que tomar uma decisão rápida. Usando o modelo de Kahneman (2012), pode-se dizer que o preconceito implícito é um componente do Sistema 1 (Nível Automático), enquanto o preconceito explícito é um componente do Sistema 2 (Nível Consciente). Uma pessoa que tenha conseguido substituir o preconceito explícito por valores igualitários ainda pode agir de forma preconceituosa, caso o seu Sistema 1 esteja condicionado a gerar decisões rápidas e enviesadas com base em falsos estereótipos embutidos no pensamento automático. Isso não ocorre de forma controlada e intencional. Preconceitos implícitos podem ser ativados em situações inesperadas e mesmo contra a vontade do sujeito pensante, sobretudo quando o seu Sistema 2 se encontra sobrecarregado ou distraído, sem condições de detectar o erro cognitivo e impedir o funcionamento do Sistema 1 (KAHNEMAN, 2012). Nesse sentido, o preconceito implícito pode ser equiparado a um viés cognitivo, como muitos outros que atuam no nível inconsciente, e geram respostas cerebrais automáticas, que não podemos controlar totalmente, nem mesmo percebemos que existem. Quando nossas mentes são treinadas para realizar uma determinada tarefa repetitiva, a maior parte daquilo que fazemos é realizado de modo instintivo, guiado pelo nosso pensamento automático. Do mesmo modo, quando estamos em uma situação de estresse, tendo que tomar uma decisão apressada, sem tempo para uma reflexão exaustiva, quem assume o controle é o Sistema 1. E é nesse momento em que podemos cometer erros provocados por vícios cognitivos, como por exemplo atirar involuntariamente em uma pessoa negra desarmada ou prestar menos atenção a um currículo de alguém pelo mero fato de pertencer a um grupo estigmatizado.

4 Os Impactos Explícitos do Preconceito Implícito

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Em um passado não muito distante, as pessoas costumavam revelar seu preconceito de forma explícita, com manifestações visíveis de práticas discriminatórias, sem qualquer pudor em escondê-las ou dissimulá-las. Insultos verbais ou ataques físicos eram praticados abertamente, até com um certo orgulho, pois era isso que os demais membros da sociedade esperavam de alguém que fazia parte do grupo dominante. Recusar-se a empregar um negro ou uma mulher para um cargo de liderança era a decisão correta a ser tomada, pois havia a crença de que apenas os homens brancos seriam capazes de exercer esse tipo de tarefa. E como não havia normas jurídicas antidiscriminatórias, as práticas preconceituosas eram escancaradas para que todos pudessem vê-las. Ao longo do século XX, houve um amplo processo de conscientização social a respeito dos males causados pelo preconceito, estimulado pela pressão e luta dos movimentos de direitos humanos, que resultou na aprovação diversos mecanismos institucionais, inclusive jurídicos, de combate à discriminação. Com isso, a prática da discriminação intencional foi onerada com diversos custos sociais, jurídicos e econômicos, que contribuíram para o declínio moral do preconceito explícito. A partir daí, as práticas discriminatórias tornaram-se mais dissimuladas. Quando não havia qualquer constrangimento em expressar o preconceito explícito, as pessoas deixavam de contratar mulheres para chefiarem uma empresa porque não achavam que elas seriam tão competentes quanto os homens para essa tarefa, e isso era dito de forma transparente. Com o enaltecimento retórico da igualdade, as pessoas preconceituosas continuam se negando a contratar mulheres para cargos mais elevados, mas dissimulam o motivo sexista, criando desculpas supostamente neutras para justificar a discriminação ou simplesmente silenciando a respeito do assunto. A principal diferença é que, na discriminação explícita (baseada em preconceito explícito), a negativa de oportunidades é confessadamente baseada em um motivo sexista, enquanto que, na discriminação dissimulada (baseada em preconceito dissimulado), os motivos sexistas não são assumidos pelo agente discriminador e costumam estar encobertos por uma fachada não-preconceituosa. De qualquer modo, tanto em uma quanto na outra há um agente discriminador que, de forma consciente e deliberada, age para prejudicar um grupo estigmatizado. Ou seja, nessas situações, o agente discriminador tem aquilo que Gary Becker denominou de "gosto pela discriminação" (taste for discrimination) e até mesmo estaria disposto a correr riscos jurídicos ou arcar com custos econômicos para não abandonar suas crenças negativas a respeito do grupo estigmatizado (BECKER, 1971). Como o "gosto pela discriminação" se tornou um sentimento cada vez mais repelido pela sociedade, a maioria das pessoas tem se esforçado, de um modo sincero, para internalizar valores igualitários em suas crenças e atitudes morais. Em um nível

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consciente, as pessoas se empenham em cultivar sentimentos positivos em relação a todos os seres humanos e em repelir qualquer resquício de hostilidade em relação a grupos estigmatizados. O problema é que esse processo pode suscitar um conflito mental entre as zonas do cérebro que ainda conservam fragmentos de preconceito latente, fruto de séculos de categorizações socialmente construídas, e as zonas do cérebro que incorporaram valores igualitários, que são fruto de um processo de conscientização recente. Dessa dissonância cognitiva gerada pela presença inconsciente de sentimentos preconceituosos implícitos ao lado de crenças sinceras no valor da igualdade, podem surgir comportamentos discriminatórios não-intencionais (KRIEGER & FISKE, 2006, p. 1040). Em geral, as práticas discriminatórias provocadas pelo preconceito implícito não são tão fáceis de perceber quanto as práticas discriminatórias provocadas pelo preconceito explícito ou pelo preconceito dissimulado. O agente discriminador influenciado por um preconceito implícito não tem intenção de prejudicar ninguém. Por isso, é bastante provável que nem ele próprio perceba que está praticando uma discriminação. Do contrário, poderia usar o seu poder de reflexão para controlar e corrigir os vieses cognitivos provocados pelo preconceito implícito e assim poderia evitar conscientemente a prática do comportamento discriminatório. Porém, em geral, ele não tem noção da presença do preconceito implícito, pois, além de ser inconsciente, seus efeitos costumam ser muito sutis, manifestando-se, muitas vezes, como microagressões quase imperceptíveis. Mas não se deve subestimar o impacto global de pequenas agressões praticadas de forma contínua e cumulativa contra grupos estigmatizados (SUE & OUTROS, 2007). Um pequeno viés a favor ou contra um determinado grupo pode, no longo prazo, causar resultados extremamente danosos ao grupo prejudicado. Para demonstrar isso, três pesquisadores desenvolveram um programa de computador que simulava um processo de promoção em uma empresa imaginária, que possuía um plano de carreira de oito níveis. A ideia era saber como seria o resultado, ao final dos oito ciclos de promoção, se houvesse um leve desvio em favor dos homens. Para isso, os programadores manipularam o sistema de promoção para que a performance dos homens fosse avaliada com um escore de 0 a 101, enquanto o escore das mulheres variaria entre 0 a 100. Esse detalhe aparentemente insignificante, gerou, ao final dos oito ciclos de promoção, uma disparidade entre os gêneros de 65%-35%, o que demonstra que um pequeno desvio de apenas 1% pode significar uma grande diferença após um longo e contínuo processo de tratamento desigual (MARTELL & OUTROS, 1996).

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Para que se possa visualizar com mais precisão os efeitos perversos do preconceito implícito, vale analisar um caso que, apesar de hipotético, possui muitos correspondentes na vida real. Sua análise servirá tanto para verificar como os preconceitos implícitos podem prejudicar concretamente grupos estigmatizados quanto para dar suporte à análise jurídica que será oportunamente desenvolvida.

4.1 Um Exemplo Ilustrativo

Suponha que um entrevistador branco tenha sido designado para escolher o próximo gerente da empresa em que trabalha. Há dois funcionários concorrendo à vaga: um branco e um negro, ambos com iguais qualificações profissionais e acadêmicas. O entrevistador tem plena consciência de que o racismo é abominável e sabe que se sua decisão for baseada no fator racial a empresa poderá ter diversos problemas jurídicos. Por isso, ele tentará ser o mais imparcial e objetivo possível, avaliando cada candidato em função de sua performance em uma entrevista onde será aferida a presença de atributos necessários ao exercício do cargo de gerente. Na entrevista, o desempenho do funcionário branco foi superior em vários aspectos, demonstrando mais confiança, espontaneidade e conhecimento do que o funcionário negro. Alguns colegas do entrevistador que assistiram ao vídeo das duas entrevistas e compararam o desempenho de cada candidato concordaram que o funcionário negro não se saiu tão bem. Diante disso, o entrevistador não tem dúvida e seleciona o funcionário branco. Aparentemente, ninguém diria que foi praticada uma discriminação nesse caso. O entrevistador não tinha a intenção de discriminar e adotou critérios objetivos de seleção, justificáveis pela natureza do cargo. Onde estaria a discriminação então? Embora não seja possível afirmar, com certeza, se houve ou não uma discriminação, é possível indicar pelo menos três fatores motivados pelo preconceito implícito que podem, eventualmente, ter prejudicado o desempenho do funcionário negro e a objetividade da avaliação: o racismo repulsivo (aversive racism), a ameaça de estereótipo (stereotype threat) e a injustiça epistêmica (espistemic injustice). O racismo repulsivo é um fenômeno que pode se manifestar em situações em que há um conflito mental entre o pensamento consciente não-racista e o pensamento inconsciente racista. A pessoa declaradamente não-racista, ao interagir com uma pessoa da raça estigmatizada, sentirá um desconforto imperceptível que afetará a sua forma de tratar a outra pessoa. Assim, por exemplo, no caso da entrevista, o entrevistador se sentará mais longe do candidato negro do que do candidato branco, evitará o contato

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visual com o candidato negro, ficará mais nervoso, gaguejará mais, trocará menos palavras e provavelmente encerrará aquela entrevista em menos tempo. Esse desconforto terá nítidos efeitos sobre o desempenho do candidato negro, pois ele também sentirá a ansiedade da situação, ficará pouco à vontade e não conseguirá se expressar de forma segura e confiante (DOVIDIO & GAERTNER, 2000; ARONSON & OUTROS, p. 284). A ameaça de estereótipo, por sua vez, pode surgir quando o membro de um grupo estigmatizado tem noção que o seu desempenho será comparado com o desempenho de um membro de um grupo não-estigmatizado. Em situações assim, a sua performance pode ser afetada, negativamente, em função do medo de que os estereótipos do grupo sejam confirmados. Ao invés de se concentrar apenas na tarefa a ser avaliada, o cérebro da pessoa do grupo estigmatizado se esforça para afastar a confirmação do estereótipo, prejudicando o seu desempenho. Assim, a ameaça de estereótipo leva a uma queda no desempenho que, circularmente, pode ter o efeito de confirmar as expectativas que as outras pessoas têm em relação aos membros daquele grupo. Ocorre aquilo que os psicólogos sociais denominam de profecias autorrealizadoras: "as pessoas têm uma expectativa de como outra pessoa é, o que influencia como agem em relação a ela, fazendo com que ela se comporte de acordo com a expectativa original das pessoas, tornando as expectativas realidade" (ARONSON & OUTROS, p. 284). Há várias experiências que demonstram que a mera crença de que pode haver uma comparação de grupo pode gerar um ansiedade produzida pelos estereótipos negativos atribuídos ao grupo estigmatizado que, por si só, é capaz de prejudicar o desempenho da pessoa a ser avaliada. Por outro lado, quando as pessoas não estão autoconscientes de que pertencem a um grupo estereotipado, o desempenho costuma ser melhor. Por exemplo, quando um grupo de estudantes é informado de que participará de um teste para comparar o desempenho dos homens e das mulheres na solução de problemas matemáticos, o desempenho das mulheres costuma ser ligeiramente pior, confirmando os estereótipos negativos de que as mulheres são intelectualmente menos capazes do que os homens. Por sua vez, quando a ameaça do estereótipo é retirada, ou seja, quando o mesmo teste é realizado com outro grupo de mulheres sem que nada seja dito sobre a comparação entre os gêneros, o desempenho das mulheres costuma ser tão bom quanto o dos homens. Do mesmo modo, quando pessoas negras são informadas de que participarão de um teste de inteligência, o resultado costuma ser pior do que o de pessoas brancas que fazem o mesmo teste. Porém, quando o mesmo teste é realizado como um mero desafio mental, sem qualquer indicação de que se trata de um método de comparação do nível de inteligência, o desempenho das pessoas negras costuma ser igual ao das pessoas brancas (STEELE & ARONSON, 1995).

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A injustiça epistêmica é um conceito amplo que abrange desde uma distribuição desigual do conhecimento disponível (distributive epistemic injustice) até uma avaliação discriminatória do conhecimento produzido pelos membros dos grupos estigmatizados (discriminatory epistemic injustice) (FRICKER, 2007)8. Pode ocorrer uma discriminação epistêmica quando atribuímos pesos diferentes para situações semelhantes em função dos estereótipos dos interlocutores. Os seres humanos, em geral, possuem uma tendência de interpretar os atos dos membros de um grupo estigmatizado dentro de uma quadro conceitual que confirme os seus estereótipos negativos. É o que os psicológicos sociais denominam de erro final de atribuição, que é a tendência de extrair conclusões sobre o comportamento de um indivíduo a partir de associações que fazemos em relação aos estereótipos de grupo (ARONSON & OUTROS, p. 289). Por exemplo, quando um grupo de pessoas vê um homem branco tentando quebrar um cadeado que prende uma bicicleta em uma praça, a cena é interpretada como se aquela pessoa fosse o dono da bicicleta e perdeu a chave que a mantinha presa. Quando o mesmo ato é realizado por um homem negro, a cena é rapidamente interpretada pelas pessoas que transitam no local como uma tentativa de furto, gerando uma indignação imediata9. Estamos condicionados a associar os comportamentos de um membro de um grupo estereotipado com os papéis sociais esperados daquele grupo. Quando ocorre uma incongruência de comportamento, violando as expectativas existentes, tendemos a avaliar negativamente a situação, geralmente prejudicando membros de grupos estigmatizados que não costumam ser associados a posições de elevado status social (FAIGMAN, 2008). Por exemplo, se um homem em uma posição de chefia eleva o tom de voz para exigir mais dedicação ao trabalho de seus funcionários, isso costuma ser interpretado como uma manifestação da sua capacidade de liderança. Quando o mesmo comportamento é realizado por uma mulher em posição de chefia, muitos podem interpretar isso como um desequilíbrio emocional10.

Outra manifestação de injustiça epistêmica pode ocorrer em função do racismo cultural, em que as realizações de outros grupos são avaliadas com base em critérios estabelecidos de acordo com os valores do grupo dominante, como se estes fossem culturalmente superiores. Além de dificultar a manifestação de diferenças culturais e empobrecer a pluralidade epistemológica, essa modalidade de racismo pode levar a uma desvalorização das realizações de um grupo estigmatizado e ao isolamento daqueles que não ajustam seus comportamentos em conformidade com as expectativas do grupo dominante (sobre isso: JONES, 1973, pp. 5/6). 9 Essa foi uma experiência social realizada por um programa de TV norte-americano, da ABC, denominado "Lost Key or Bike Theft: What Would You Do?". O curioso é que, em um terceiro cenário, em que uma mulher de boa aparência tentava quebrar o cadeado, vários homens se prontificaram a ajudá-la, mesmo desconfiando que se tratava de um furto. O vídeo está disponível na internet. 10 Com defende Kimberly Yuracko: "In a sexist society nothing done by men and women will have precisely the same meaning. Traits are not understood or viewed as isolated technical attributes. They are necessarily 8

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Além disso, há uma hipersensibilidade para perceber defeitos característicos vinculados aos estereótipos do grupo. Qualquer pequena manifestação de insegurança ou desinformação apresentada no comportamento de um candidato negro é facilmente interpretada como um sinal de sua suposta inferioridade intelectual. Os mesmos sinais manifestados por um candidato branco costumam passar despercebidos no processo de avaliação, pois o avaliador não está esperando manifestações de inferioridade, nem está preocupado em prestar atenção a esses comportamentos com a mesma intensidade com que analisa o comportamento do candidato negro. Assim, para que um membro de um grupo estigmatizado consiga empatar em desempenho quando comparado com um membro de um grupo dominante, precisa acertar mais e cometer menos erros. Outra forma de discriminação epistêmica pode ocorrer quando a avaliação que fazemos sobre a credibilidade de um testemunho realizado por uma pessoa de um grupo estigmatizado é afetada negativamente por eventuais preconceitos (explícitos ou implícitos) que podemos ter em relação àquele grupo (testimonial injustice). Em outras palavras: o entrevistador deixa de acreditar nas palavras daquela pessoa, ou diminui o seu grau de veracidade, apenas porque ela faz parte de um grupo estigmatizado. Assim, uma resposta dada por um candidato branco pode ter uma força de convencimento maior apenas pelo fato de ele ser de um grupo mais "confiável" à luz dos preconceitos implícitos presentes no inconsciente do interlocutor. A injustiça hermenêutica pode afetar até mesmo as situações em que se exige um alto grau de objetividade e imparcialidade do intérprete. Em vários estudos que simulam julgamentos criminais, há uma tendência de condenar com mais facilidade suspeitos negros ou latinos do que brancos, mesmo quando as informações e as provas apresentadas sejam idênticas. E para piorar ainda mais: nesses julgamentos simulados, a pena média aplicada ao negros e latinos costuma ser mais alta do que a pena média aplicada aos acusados brancos, apesar de o crime descrito ser exatamente o mesmo (ARONSON & OUTROS, p. 290). Há também provas de manifestação do preconceito implícito em situações não-simuladas. Um estudo analisando os efeitos do preconceito implícito em médicos e enfermeiros confirmou que os estereótipos raciais, mesmo quando não são endossados conscientemente, podem gerar diferenças de tratamento no serviço de saúde, onde supostamente deveria vigorar um forte sentimento de igualdade, dada a importância daquela atividade. Pacientes negros recebem, em média, um serviço de saúde de pior qualidade apenas por serem negros, como por exemplo podem passar mais tempo para serem internados, podem ser diagnosticados de modo menos cuidadoso, podem receber viewed in relation to all the other traits an individual possesses and through a systematically gendered lens" (2004, p. 45).

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menos remédios para dor ou até receberem prescrições mais baratas de tratamento, inclusive ao ponto de serem sugeridas menos intervenções de alto custo, como cirurgias cardíacas, quimioterapias ou transplantes (STAATS, 2015). Como se vê, há muitos fatores submersos que, se vierem à tona, poderiam demonstrar que o preconceito implícito é mais forte e onipresente do que se imagina. Desde detalhes aparentemente mais insignificantes (como uma microexpressão facial) até algumas questões mais sérias (como uma redução do contato, a negativa de oportunidades laborais, variações na dosimetria de penas ou a prescrição diferenciada de um tratamento médico) poderiam levar à conclusão de que as práticas discriminatórias baseadas em preconceitos implícitos estão por toda parte e que é preciso desenvolver mecanismos para minimizar seus danos. Nos tópicos seguintes, será analisado o papel do direito no combate ao preconceito implícito. Para tanto, será preciso verificar (a) se as ferramentas jurídicas atualmente disponíveis já são suficientes para combater a discriminação por preconceito implícito ou, pelo contrário, se são necessárias algumas reformas normativas mais profundas ou, pelo menos, alguns ajustes conceituais; (b) como seria a prova judicial do preconceito implícito, tendo em vista que sua existência não é percebida sequer pelo agente discriminador; (c) quais seriam os deveres jurídicos que poderiam ser extraídos da proibição de discriminar por preconceito implícito. É o que se verá a seguir.

Parte II - O Combate Jurídico ao Preconceito Implícito

6 A Incorporação do Preconceito Implícito no Direito da Antidiscriminação

Reconhecer que o preconceito implícito existe e que pode ser a causa de comportamentos discriminatórios é o primeiro passo para compreender a sua relevância jurídica. Quanto a isso, pode-se dizer que já há um consenso científico suficientemente amplo para justificar o abandono da velha concepção de que todas as decisões humanas são comandadas por uma deliberação racional e autoconsciente. Há, sem dúvida, informações mentais importantes, que estão fora do radar da consciência, mas são extremamente úteis para compreender o que motiva o comportamento humano. E se são úteis para a compreensão das motivações humanas, também são úteis para o

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pensamento jurídico, já que uma das funções do direito é possibilitar a convivência comunitária, o que pressupõe algum entendimento da psicologia comportamental11. Há duas estratégias possíveis para incorporar os preconceitos implícitos no direito da antidiscriminação. A primeira é mais difícil e, por isso mesmo, nãorecomendável: reformular a base normativa do direito da antidiscriminação para regulamentar formalmente as consequências jurídicas de uma discriminação baseada em preconceito implícito. A segunda é mais simples: aprimorar os institutos já existentes no direito da antidiscriminação, por meio de pequenos arranjos conceituais, de modo a proporcionar o combate ao preconceito implícito. A tendência dominante tem sido seguir esta segunda trilha, a partir de uma tentativa de incluir o preconceito implícito entre os motivos do ato discriminatório. Como grande parte da revolução científica provocada pela compreensão da cognição implícita tem ocorrido em universidades norte-americanas, é natural que os debates sobre os impactos jurídicos dessas descobertas também se desenvolvam primeiramente naquele país. Sendo assim, veremos como esse problema tem sido enfrentado à luz do direito da antidiscriminação norte-americano para, em seguida, verificar o que pode ser aproveitado no modelo brasileiro.

7 O Contexto do Debate Norte-Americano

O estudo pioneiro sobre a "discriminação inconsciente" foi escrito por Charles R. Lawrence III e publicado em 1987 na Stanford Law Review, com o título de The Id, The Ego, and Equal Protection: Reckoning with Unconsious Racism. Referido artigo é relevante não apenas por ter sido pioneiro no debate sobre a discriminação inconsciente, mas sobretudo pela influência que teve para o desenvolvimento dos estudos jurídicos raciais, dentro do movimento dos Critical Legal Studies, estando incluído entre os dez artigos jurídicos mais citados em toda a história do direito norteamericano (SHAPIRO & PEARSE, 2012). Quando o texto foi escrito, as pesquisas sobre o preconceito implícito ainda estavam em seu início. Por isso, a referência teórica que o autor adotou para desenvolver a ideia de discriminação inconsciente tinha uma base freudiana, cujo O direito da antidiscriminação é apenas um dos campos que pode ser afetado pelo avanço da compreensão sobre preconceitos implícitos. As perspectivas de estudo são bem amplas e podem incluir, por exemplo, os efeitos de preconceitos implícitos na interpretação jurídica, na administração da justiça, no comportamento de juízes, jurados, promotores ou advogados, na percepção, memória e credibilidade de testemunhas, na dosimetria da pena, no arbitramento de dano moral e assim por diante. Para uma visão geral, vale consultar KANG & OUTROS, 2012. 11

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conceito de inconsciente tem um significado diferente do que é adotado atualmente pelas ciências cognitivas. Em Freud, o inconsciente tem relação com emoções reprimidas que poderiam ser reveladas por análise, introspecção ou terapia. Nas ciências cognitivas contemporâneas, o inconsciente está relacionado com o processamento automático de informações no cérebro, que estão fora do controle do sujeito pensamente, não tendo conexão necessária com emoções reprimidas. A despeito disso, as ideias do autor se aproximam, em diversos pontos, do debate contemporâneo. Para Lawrence III, a tradicional noção de intenção não reflete o fato de que decisões sobre questões raciais são influenciadas em grande parte por fatores que não podem ser caracterizados nem com intencional - no sentido de que alguns resultados são auto-conscientes - nem não-intencional, no sentido de que os resultados são aleatórios, fortuitos e não-influenciados pelas crenças, desejos e esperanças do decisor. Para ele, as práticas discriminatórias muitas vezes são produto de um preconceito inconsciente, decorrente de uma repressão pelo ego de um racismo latente que existe no id. É por isso que apesar de o racismo consciente ter declinado em função das normas de combate à discriminação, ainda haveria muitas manifestações de racismo inconsciente que têm prejudicado o pleno desenvolvimento da população negra. Diante disso, ele defende que o conceito de discriminação deveria ser reformulado para incluir também as situações em que o tratamento prejudicial ao membro do grupo estigmatizado decorra dessa falha mental do agente decisor em não conseguir evitar que o inconsciente racista se manifeste, ainda que involuntariamente. Em termos mais ambiciosos, Lawrence III sugeriu que a demonstração da discriminação não focasse nas intenções ou nos motivos conscientes do agente discriminador, mas no significado cultural (cultural meaning) da prática prejudicial aos negros, a fim de verificar se há preconceitos inconscientes que podem tê-la motivado. Assim, os juízes deveriam avaliar a possível presença de preconceitos inconscientes nas práticas sociais conforme a sua potencialidade de reforçar estereótipos e estigmas, inferindo, a partir daí, se houve ou não discriminação. Apesar da influência acadêmica, a tese significado cultural teve pouca acolhida na prática jurisdicional, como foi reconhecido pelo próprio autor (LAWRENCE III, 2008). No entanto, o avanço científico a respeito dos impactos do preconceito implícito nas decisões humanas reacendeu o interesse pelo assunto, especialmente em função das diversas possibilidades de mobilizar esse conhecimento para embasar casos reais no promissor setor de litígios do direito da antidiscriminação. Muitos estudos foram publicados nos últimos quinzes anos para tentar compreender como o avanço do chamado realismo comportamental (behaviorial realism) pode afetar o direito da antidiscriminação. A mensagem dominante é no sentido de que

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o pensamento jurídico deveria levar mais a sério as mudanças que ocorreram nas ciências cognitivas para reconhecer a presença de fatores inconscientes e nãointencionais nos processos de tomada de decisão e construir soluções jurídicas que possam permitir o combate a todas as formas de discriminação, sejam elas baseadas em preconceitos explícitos, dissimulados ou implícitos (ver, por exemplo: KRIEGER & FISKE, 200612).

7.1 O Direito da Antidiscriminação Norte-Americano

Há pelo menos quatro aspectos do direito da discriminação norteamericano que precisam ser compreendidos por um observador externo antes de partir para uma análise mais específica a respeito do debate jurídico sobre os preconceitos implícitos. O primeiro aspecto é a complexidade do sistema de antidiscriminação, em razão da multiplicidade de fontes jurídicas disponíveis (leis, regulamentos, precedentes etc.) e da multiplicidade de órgãos envolvidos no combate às práticas discriminatórias. O sistema normativo é híbrido e multinível, tendo em vista que uma parte da matéria tem matriz constitucional (fundada especialmente na cláusula da equal protection under the law), outra parte tem matriz legislativa (fundada no Título VII do Civil Rigths de 1964, além de outras leis específicas, tanto federais quanto estaduais), outra parte é formada pelo direito judicial (composta por inúmeros precedentes da Suprema Corte e demais tribunais federais e estaduais), outra parte está na esfera das agências reguladoras (fundada sobretudo nos regulamentos expedidos pela Equal Employment Opportunity Commission - EEOC) e outra parte está na zona de livre disposição das pessoas

As autoras apontam diversos exemplos em a psicologia social já foi utilizada explicitamente para a solução de problemas jurídicos. Por exemplo, no famoso caso Brown v. Board of Education (1954), vários estudos psicológicos e sociológicos foram citados na decisão para demonstrar que um modelo de segregação racial nas escolas diminuía a auto-estima das crianças negras e prejudicava o seu desempenho educacional. Um estudo de Kenneth e Mammi Clark demonstrou uma diferença no comportamento de crianças negras que estudavam em escolas segregadas em relação a crianças negras que estudavam em escolas não-segregadas. As crianças negras que estudavam em escolas segregadas tendiam a preferir brincar com bonecas que possuíam o tom de pele claro, enquanto as crianças negras que estudavam em escolas não-segregadas tendiam a preferir brincar com bonecas que possuíam o tom de pele escuro (CLARK & CLARK, 1950). Com base nisso, a Suprema Corte dos Estados Unidos, ao declarar a inconstitucionalidade da segregação racial nas escolas, assinalou que "separar as crianças negras de outras crianças com a mesma idade e qualificações apenas por causa de suas raças gera um sentimento de inferioridade quanto ao status na comunidade que pode afetar seus corações e mentes de uma maneira que dificilmente pode ser revertida" (no original: "to separate them from others of similar age and qualifications solely because of their race generates a feeling of inferiority as to their status in the community that may affect their hearts and minds in a way unlikely to ever be undone"). 12

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(contratos, regulamentos das empresas, programas de compliance antidiscriminação etc.). Para além dessa multiplicidade de fontes e órgãos, o sistema da antidiscriminação norte-americano adquiriu, por várias razões históricas, uma dimensão social, jurídica e econômica impressionante. Anualmente, mais de noventa mil casos de discriminação no ambiente de trabalho costumam ser apresentados à Equal Employment Opportunity Commission - EEOC (ADELE, 2015, p. 1). As ações judiciais envolvendo discriminação no trabalho representam quase 10% de todas as ações civis em tramitação na primeira instância da justiça federal dos Estados Unidos e mais de 20% dos casos julgados em segunda instância (ZINOBER, 2005, p. 1). O impacto econômico direto das ações judiciais que envolvem acusações de práticas discriminatórias se aproxima de U$ 64 bilhões anuais (BURNS, 2012, p. 1). Além disso, há um impacto indireto decorrente das medidas de prevenção que são adotadas pelas empresas para evitar demandas judiciais e para cumprir padrões de governança corporativa e de responsabilidade social que certamente ultrapassa esse montante. Isso significa que há um campo para pesquisas jurídicas e não-jurídicas muito promissor para quem deseja se dedicar ao estudo do fenômeno da discriminação e do preconceito nos Estados Unidos. A quantidade de informações acadêmicas sobre o tema é inesgotável em diversos campos do saber, indo do direto à economia, da psicologia à sociologia, da estatística à neurociência, da antropologia à biologia, da computação à administração de empresas. De igual modo, a quantidade de precedentes judiciais envolvendo casos de discriminação é enorme, exigindo um esforço hercúleo de compreensão, sobretudo para quem não tem familiaridade com as peculiaridades do direito norte-americano. Outro aspecto que dificulta a compreensão do assunto é a frequente mutabilidade do direito da antidiscriminação, decorrente de uma constante disputa ideológica entre grupos antagônicos que lutam entre si para ampliar ou restringir o âmbito de proteção da igualdade. As soluções jurídicas de cada época costumam variar conforme a força de cada grupo, havendo avanços e retrocessos em questões centrais para o debate, inclusive sobre a prova da intenção de discriminar. Por fim, outro fator complicador são as especificidades do modelo processual norte-americano, sobretudo quando comparado com o brasileiro. Conforme se verá, há diversos debates no direito da antidiscriminação norte-americano que dizem respeito a questões processuais, que, a rigor, não se aplicariam integralmente ao modelo brasileiro. Para os fins deste estudo, não é preciso entender todas as nuances do direito da antidiscriminação norte-americano, muito menos adentrar nos pormenores do

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sistema processual. Basta conhecer seus fundamentos básicos a partir dos seus dois modelos paradigmáticos de litígio: o disparate treatment e o disparate impact.

7.1.1 Disparate Treatment (Tratamento Discriminatório)

O disparate treatment é a forma mais conhecida de discriminação13. Em termos simplificados, ocorre o disparate treatment quando uma pessoa é prejudicada por motivo preconceituoso. Assim, a demonstração do disparate treatment pressupõe: (a) um tratamento adverso (b) de um membro de um grupo protegido (c) motivado por um fator preconceituoso. Se o autor da ação conseguir provar de forma direta que a ação do agente discriminador foi explicitamente motivada pela intenção de discriminar ou que o ato foi praticado em conformidade com uma política facialmente discriminatória, o caso é julgado em favor do autor sem maiores complicações. Porém, como é extremamente difícil produzir uma prova direta da discriminação, já que poucos agentes discriminadores confessam seus motivos e poucas empresas adotam políticas manifestamente preconceituosas, o método mais utilizado para provar o disparate treatment é o da prova indireta, que utiliza elementos circunstanciais e presunções legais da prática da discriminação. Esse modelo de comprovação do disparate treatment foi elaborado a partir da solução de casos judiciais e segue uma estrutura dividida em três etapas sucessivas. A primeira etapa consiste na demonstração de um prima face case de discriminação. A existência dessa etapa está inserida em um contexto processual muito particular do modelo norte-americano, pois ela funciona como uma espécie de justa causa para o prosseguimento da ação. Assim, para que um caso de discriminação possa prosseguir e passar para a fase seguinte, a vítima da discriminação precisar demonstrar previamente que pertence a uma classe ou grupo protegido e que foi prejudicada por um ato arbitrário do agente discriminador14. A título ilustrativo, caso um empregado O disparate treatment costuma ser traduzido no Brasil como discriminação direta, por influência do direito europeu que adota a dicotomia direct discrimination/indirect discrimination para se referir, respectivamente, ao disparate treatmente/disparate impact. Optou-se por evitar o uso da expressão discriminação direta como sinônimo de disparate treatment, dada as especificidades do conceito no direito norte-americano. Assim, a expressão disparate treatment, quando não usada na sua versão original, será traduzida como tratamento discriminatório. Por sua vez, a expressão disparate impact será traduzida como impacto adverso ou impacto prejudicial ou ainda impacto desproporcional. 14 A fórmula-padrão adotada para casos de discriminação em seleção de emprego, mas que pode ser adaptada para outros contextos, (promoção, demissão etc.), segue uma estrutura em que o autor deve demonstrar: 1) que pertence a uma classe ou grupo protegido; 2) que candidatou-se àquela vaga e estava 13

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negro seja demitido e, em seu lugar, tenha sido contratado um empregado branco, isso por si só já é suficiente para demonstrar o prima facie case de discriminação, embora seja apenas o primeiro passo do debate judicial. Caso sejam reunidas as condições necessárias para configuração de um caso prima facie de disparate treatment, passa-se à segunda etapa do processo, em que o ônus da prova e da argumentação é transferido ao agente discriminador, que deve demonstrar que o tratamento prejudicial ao membro do grupo protegido não foi motivado por um fator preconceituoso. Assim, por exemplo, no mencionado caso da demissão, o empregador poderá alegar que demitiu o funcionário negro não por ele ser negro, mas por ter cometido faltas funcionais. Por fim, caso o réu apresente justificativas não-preconceituosas para o seu ato, passa-se à terceira etapa, em que o autor da ação poderá demonstrar que as razões declaradas pelo réu são meros pretextos para dissimular o preconceito, fornecendo elementos que atestem que o motivo apresentado é falso ou implausível. No exemplo citado, o funcionário negro poderá alegar que o motivo apresentado foi falso, pois as faltas apontadas pelo empregador não teriam sido cometidas, ou que não é plausível, pois, por exemplo, as faltas teriam sido muito leves e vários outros empregados que também a cometeram não foram demitidos. Nessa etapa do processo, há uma polêmica sobre quais seriam as consequências da inexistência de razões plausíveis capazes de justificar o ato do réu (lack of good cause). Para os mais liberais, a falta de razões legítimas criaria automaticamente uma presunção de que o ato foi discriminatório e, portanto, o réu poderia ser responsabilizado por sua conduta. Para os mais conservadores, a mera ausência de razões legítimas não justificaria a conclusão de que foi praticada uma discriminação, pois (a) o empregador não é obrigado a confessar ou a revelar todas as suas razões e (b) nem todas as suas razões precisam ser boas razões, dada a sua prerrogativa de decidir sobre o seu negócio. Assim, a prevalecer o entendimento conservador, a ausência de motivos plausíveis e legítimos capazes de justificar o ato não seria suficiente para comprovar a discriminação, cabendo ao autor da ação demonstrar a presença de um motivo discriminatório, ainda que por meio de provas circunstanciais15.

qualificado(a) para ocupá-la; 3) que não foi contratado(a) pelo empregador; 4) que o cargo permaneceu desocupado e o empregador continuou a procurar candidato com qualificações semelhantes ao do(a) demandante para preenchê-lo. 15 Esse debate foi explicado por Richard Thompson Ford, que assinalou que a jurisprudência da Suprema Corte costumava aceitar que a mera falta de boas razões (lack of good cause) já seria motivo suficiente para inferir a prática da discriminação, mas houve uma virada para se entender que seria preciso que a vítima demonstrasse algum sinal probatório de que o motivo do tratamento diferencial foi preconceituoso. Dentro desse debate, Ford defende que é preciso encontrar um equilíbrio entre a

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Outra polêmica interessante, que terá bastante impacto no debate sobre preconceito implícito, refere-se às situações em que há diversos motivos, legítimos e ilegítimos, capazes de justificar o ato (mixed-motive discrimination). Muitas vezes, o ato prejudicial a um membro de um grupo protegido é justificado com razões legítimas e ilegítimas ao mesmo tempo. Por exemplo, no caso da demissão antes citada, o empregador pode ter demitido o empregado porque ele cometeu as faltas funcionais e, ao mesmo tempo, porque é negro. O entendimento dominante é no sentido de que, se as razões ilegítimas (motivadas por algum critério preconceituoso proibido) tiveram um papel substancial naquela decisão prejudicial, então o ato deverá ser considerado como discriminatório, ainda que existam outras razões legítimas que possam justificar o ato. Ou seja, o empregado deve provar não apenas que alguma razão ilegítima pode ter motivado o ato, mas também que o empregador não teria tomado aquela decisão se aquele motivo ilegítimo não existisse (CERULLO, 2013, p. 137). Assim, no caso da demissão do funcionário negro, se as faltas funcionais, por si só, não fossem suficientes para justificar a demissão, pode-se presumir que o fator racial teve um papel preponderante na decisão, caracterizando a natureza discriminatória da decisão do empregador. Em síntese, os casos de disparate treatment seguem um roteiro judicial que começa com a demonstração, pelo autor da ação, de um prima facie case de discriminação (etapa 1), passa pela apresentação dos motivos da prática do ato prejudicial cometido pelo réu (etapa 2), e termina com a tentativa de demonstração, pelo autor, de que os motivos apresentados pelo réu são inverossímeis ou implausíveis (etapa 3).

7.1.2 Disparate Impact (Impactos Desproporcionais)

Os casos de disparate impact são estaticamente bem mais raros em comparação com os casos de disparate treatment, representando menos de 2% dos processos de discriminação em tramitação nas cortes norte-americanas (LEE, 2005, p. 494). Em compensação, sua repercussão social costuma ser bem maior, já que o seu liberdade do empregador de tomar as decisões que bem entender (inclusive decisões ruins) e a proteção de grupos estigmatizados contra tratamentos prejudiciais motivados por preconceito. Para a Ford, o direito da antidiscriminação não proíbe que o empregador tome decisões ruins, nem que sempre tenha motivos fortes para justificar seus atos, mas sim que os motivos sejam preconceituosos. Então, mais importante do que verificar se os motivos para o ato são bons ou ruins, é analisar se está havendo uma distribuição igualitária das decisões prejudiciais, a fim de evitar que uma pessoa seja ainda mais prejudicada apenas por fazer parte de um grupo estigmatizado. Para isso, é preciso verificar se estão sendo adotados mecanismos de salvaguarda, dentro de um custo razoável, para evitar que a ocorrência do preconceito (FORD, 2014).

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ponto focal não é um tratamento discriminatório contra um indivíduo, mas uma prática facialmente neutra que causa um impacto adverso a todo um grupo protegido (JOLLS, 2007, p. 27)16. Sua origem está associada à aprovação das primeiras leis antidiscriminação nos Estados Unidos, durante os anos 1960, que proibiram a prática da discriminação racial no ambiente de trabalho. Algumas empresas que adotavam práticas racistas tiveram que rever suas políticas de exclusão e segregação, sendo obrigadas a admitir a contratação de pessoas negras para todos os setores laborais. O expediente usado por algumas empresas para evitar a contratação de pessoas negras foi adotar um critério de seleção supostamente neutro, que, na prática, inviabilizava suas chances de acesso ao emprego. Um artifício comum era exigir do candidato a comprovação de alguns requisitos educacionais (como a conclusão do ensino médio - high-school) ou a aprovação em testes de inteligência. Embora esses prérequisitos não fossem facialmente racistas, causavam um impacto adverso desproporcional sobre a população negra, já que os negros, até então, haviam sido obrigados a frequentar escolas de padrão inferior por conta da segregação oficial que existia no sistema de ensino. Por isso, tais exigências "podiam ser lidas como uma placa de 'apenas brancos'" colocadas nas portas das empresas (JONES, 1974, p. 5). Diante disso, a Suprema Corte dos Estados Unidos teve que analisar se esse tipo de prática, que não é racista em sua face, mas gera um impacto adverso a um grupo protegido, estaria ou não abrangida pelo direito da antidiscriminação. Já em 1971, no caso Griggs v. Duke Power Co., a Suprema Corte afirmou que esse modelo de contratação, fundado em critério que gerava impacto desproporcional contra os negros e não era necessário às finalidades negociais, seria discriminatório, assinalando que "as práticas, os procedimentos ou testes, facialmente neutros em sua aparência e até mesmo neutros em termos de intenção, não podem ser mantidos se funcionam para 'congelar' o status quo de práticas empregatícias discriminatórias"17. Desde o caso Griggs, o modelo processual do disparate impact tem passado por constantes reformulações, judiciais e legislativas, tornando-se cada vez mais complexo. Desse modo, será apresentado aqui um quadro bastante geral da dinâmica processual, que também é dividida em etapas em que cada litigante assume alguns ônus probatórios pré-estabelecidos. Vale ressaltar que tanto o disparate impact quanto o disparate treatment podem ser objeto de discussão em ações individuais ou coletivas. Muitas ações envolvendo o disparate impact são coletivas (class action), pois, na medida em que uma prática facialmente neutra pode atingir vários membros do mesmo grupo, pode ser estrategicamente vantajoso promover uma ação coletiva. Mas nada impede que uma pessoa prejudicada pelo disparate impact promova uma ação individual para defender seus direitos. 17 Griggs v. Duke Power Co., 401 U.S. 424 (1971) - tradução livre. 16

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Na primeira etapa, o autor da ação deve demonstrar a presença das condições necessárias para a configuração do prima facie case. Para isso, é preciso: (a) identificar a prática específica objeto de litígio, causadora do efeito discriminatório, exceto na hipótese da impossibilidade de se decompor as atividades pertinentes, circunstância que permite a consideração dessas de um modo global; (b) demonstrar que o impacto diferenciado atinge um grupo específico, protegido pelo princípio da igualdade, por meio de dados estatísticos; (c) demonstrar que a prática identificada efetivamente produz o impacto diferenciado sobre o grupo, também por meio de dados estatísticos (RIOS, 2008, p. 124). A prova do impacto adverso é indireta, geralmente envolvendo uma demonstração estatística indicando que prática adotada pela empresa prejudica, concretamente, o grupo protegido de forma desproporcional. Essa análise estatística é bastante complexa e tem se tornado cada vez mais sofisticada, incorporando inúmeras variáveis capazes de explicar as correlações entre a prática adotada e os efeitos adversos ao grupo protegido. A análise pode incluir, por exemplo, uma comparação de membros de cada grupo dentro da área geográfica em que o trabalho será exercido ou levando em conta a mão de obra qualificada para aquela atividade, bem como quaisquer outros fatores que possam influenciar o resultado de cada variável. O réu, por sua vez, poderá questionar a exatidão ou a interpretação dos dados ou ainda apresentar outros elementos estatísticos que demonstrem que não há o impacto adverso ou a correlação entre a prática e o impacto adverso. Depois de estabelecido um caso prima facie de disparate impact, passa-se à segunda etapa, em que será dada a oportunidade para o empregador justificar a prática acusada de gerar um impacto adverso. Para isso, o réu deve demonstrar que o critério adotado não se baseia, nem mesmo indiretamente, em preconceito, mas na necessidade do negócio (business necessity). A título de exemplo, se uma empresa estabelecer como pré-requisito para a promoção a cargos de direção, a exigência de que o funcionário fale fluentemente a língua francesa, é possível, a partir daí, construir um prima facie case de discriminação, se ficar demonstrado, estatisticamente, que a referida exigência causa um impacto adverso nos trabalhadores negros. Em situações assim, a empresa poderá justificar o uso desse critério à luz da necessidade do negócio, alegando, por exemplo, que os diretores da empresa precisam constantemente se comunicar com fornecedores estrangeiros, e que a língua falada nesta comunicação é o francês, o que justificaria a adoção daquele critério de seleção. Assim, embora a prática adotada gere um impacto adverso a um grupo protegido, não seria propriamente discriminatória, pois haveria um objetivo legítimo que lhe dá sustentação. Ultrapassada a fase em que o réu deve justificar sua prática, o ônus argumentativo e probatório retorna para o autor da ação, que poderá demonstrar que os

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motivos apresentados são meros pretextos para discriminar, ou então que existe uma solução alternativa menos discriminatória (less discriminatory alternative) que poderia ser adotada sem custos irrazoáveis para o empregador e que satisfaz ao propósito desejado pela necessidade do negócio18. O empregador, por sua vez, pode demonstrar que a proposta não é viável, ou tem um custo desproporcional, ou não atende com a mesma eficiência a necessidade do negócio. Após todo esse debate, se ficar comprovado que a prática adotada gera um efeito adverso a um grupo protegido, não é essencial para a atividade ou pode ser evitada ou substituída por uma alternativa menos prejudicial, restaria caracterizada a responsabilidade do réu, mesmo que não houvesse uma prova cabal da intenção de discriminar. Conforme se nota, apesar de suas diferenças intrínsecas, os dois modelos de litígio descritos acima adotam uma estrutura probatória dinâmica e relativamente complexa, que funciona como um jogo de narrativas (FORD, 2014), baseado em regras de suspeições, presunções e distribuição dos ônus probatórios relativamente bem definidas em cada etapa. Ao final, vence aquele que conseguir montar a narrativa mais convincente a partir do maior número de elementos circunstanciais disponíveis, dentro do que lhe é exigido em cada fase do processo.

7.2 O Preconceito Implícito no Debate Jurídico Norte-Americano

O debate sobre a incorporação do preconceito implícito no direito da antidiscriminação norte-americano costuma girar em torno de quatro tópicos: (a) saber se a intenção e a consciência do agente discriminador é essencial para a caracterização da prática discriminatória; (b) verificar se o preconceito implícito pode ser incluído como um dos fatores motivadores da discriminação; (c) analisar qual a melhor forma de provar a discriminação por preconceito implícito, incluindo a conveniência de serem usados testes de medição das associações automáticas e as possibilidades de participação de experts no debate judicial; (d) explorar as medidas que podem ser adotadas para evitar a influência de preconceitos implícitos nos processos decisórios e como isso pode afetar a responsabilidade decorrente do dever de não-discriminar.

Em alguns casos, admite-se outra possibilidade ao empregador diante da apresentação de uma alternativa menos prejudicial ao grupo protegido: se a empresa aceitar aquela solução menos prejudicial e se comprometer a adotá-la dali em diante, a responsabilidade pretérita estaria afastada. Há outras decisões, contudo, no sentido de que a apresentação de uma solução alternativa menos prejudicial não afastaria a responsabilidade civil pelos impactos discriminatórios já causados. 18

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Antes de analisar cada um desses tópicos, é preciso desfazer um erro muito comum que está presente até mesmo nos manuais norte-americanos. Costuma-se caracterizar o disparate treatment como uma discriminação consciente e intencional, e o disparate impact como uma discriminação inconsciente e não-intencional, o que pode levar a uma falsa associação entre preconceito implícito e disparate impact19. Na verdade, nada impede que o disparate impact constitua uma prática discriminatória consciente e intencional e que o disparate treatment seja motivado por fatores inconscientes e não-intencionais. A consciência ou a intenção do agente discriminador pouco tem a ver com os conceitos de disparate treatment ou de disparate impact. Vale conferir alguns exemplos. Se uma empresa, com o objetivo de discriminar imigrantes, adota como pré-requisito para a contratação de novos funcionários a comprovação de um tempo mínimo de moradia no país, tem-se um prima facie case de disparate impact, em função dos impactos adversos que causará em relação aos imigrantes, e intencional, pois o critério "neutro" foi estabelecido conscientemente como um mero pretexto para discriminar. Se um entrevistador deixa de selecionar uma pessoa negra porque, conscientemente, tem preconceitos explícitos em relação às pessoas negras, tem-se um disparate treatment consciente e intencional, ainda que eventualmente o agente discriminador dissimule os seus motivos; se um entrevistador deixa de selecionar uma pessoa negra porque, inconscientemente, tem preconceitos implícitos em relação às pessoas negras e, por equívoco involuntário, avaliou sua competência de um modo injusto em função da cor da pele, tem-se um disparate treatment inconsciente e nãointencional. Por sua vez, se determinada prática supostamente neutra gerar efeitos adversos de forma desproporcional a um determinado grupo protegido e não há qualquer justificativa que a legitime, tem-se, em princípio, um caso de disparate impact, tenha o agente discriminador consciência ou não da discriminação. De modo semelhante, se um determinado arranjo decisório aparentemente neutro e legítimo não

Sobre isso, Audrey J. Lee menciona que essa tendência de vincular o implicit bias com o disparate impact pode ser um problema de estratégia nas ações de antidiscriminação, tendo em vista as dificuldades de vencer uma causa de disparate impact. No aspecto probatório, é difícil identificar a prática neutra que está causando o impacto adverso, bem como demonstrar, estatisticamente, a correlação entre a prática e o impacto, dada a sofisticação exigida para validar esse tipo de prova. Por isso, ela acredita que é possível que o mecanismo mais adequado para enfrentar o implicit bias seja em ações de disparate treatment, de caráter individual, onde se poderia ampliar o conceito de motivo para incluir os motivos derivados de preconceitos implícitos ou mudar o conceito de pretexto, para possibilitar a refutação das razões apresentadas pelo empregado com a demonstração de influência de motivos preconceituosos inconscientes como fator causal do tratamento prejudicial (LEE, 2005, p. 490/492). 19

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levar em conta a presença de possíveis preconceitos implícitos que podem afetar o julgamento, gerando um impacto negativo desproporcional em relação aos grupos estigmatizados, tem-se um caso de disparate impact, motivado por preconceitos implícitos. Não há, portanto, uma correlação necessária entre disparate impact e discriminação inconsciente e não-intencional, nem entre disparate treatment e discriminação consciente e intencional. Em qualquer caso, o que importa é verificar se o prejuízo ao grupo protegido foi motivado por fatores preconceituosos, sejam eles conscientes ou inconscientes, intencionais ou não-intencionais. Sendo assim, o preconceito implícito pode ser, em tese, o fator motivador de ambas as formas de discriminação.

7.2.1 A Discriminação Inconsciente e Não-Intencional como Prática Discriminatória

A prática da discriminação pressupõe um ato, um resultado e um motivo, que, quando associados aos conhecimentos vulgares que orientam o senso comum a respeito da psicologia humana, nos levam a vincular a discriminação com um ato consciente, intencionalmente prejudicial, motivado por preconceito hostil, o que afastaria a possibilidade de imputar responsabilidade a alguém que não têm consciência, nem intenção dolosa de discriminar20. Essa psicologia de senso comum ainda tem uma aceitação muito forte na prática jurídica norte-americana e é por isso que a intenção de discriminar ocupa, entre os parâmetros de valoração das provas adotados, um espaço privilegiado, sobretudo quando a vítima consegue demonstrar, por meios diretos, que o agente discriminador teve o deliberado e maligno propósito de prejudicar por preconceito. Porém, como esse meio de prova direto é muito raro e difícil de ser revelado, os órgãos judiciais passaram a admitir a utilização de diversos elementos indiretos de prova que mitigaram substancialmente o papel da intenção como prérequisito da comprovação da prática discriminatória. Assim, mesmo que não existam indícios da intenção de discriminar, a prática discriminatória pode ser atestada se forem Ressalte-se que mesmo essa fórmula restritiva de discriminação já pode ser útil para combater o preconceito implícito. Como defende Christine Jolls, as leis antidiscriminação mesmo quando não tratam diretamente do preconceito implícito tem o efeito de reduzir as práticas discriminatórias, conscientes e inconscientes, na medida em podem promover a diversidade e cooperação entre grupos heterogêneos, inclusive em ambientes escolares, estimulando o surgimento de sentimentos positivos em favor de grupos vulneráveis (JOLLS, 2007). 20

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apresentados alguns elementos indiretos de prova, como por exemplo: (a) demonstração de situações em que membros de outros grupos foram tratados do forma mais benéfica do que o autor da ação em situações semelhantes; (b) manifestações dos empregadores evidenciando a presença de estereótipos ou atitudes negativas contra o autor da ação ou outros membros do mesmo grupo estigmatizado; (c) demonstração de ausência de vontade do empregador de combater práticas de assédio contra o autor da ação ou membros de seu grupo; (d) demonstração de padrões de tratamento diferenciado aos membros do grupo protegido, inclusive por meio de provas estatísticas; (e) demonstração que as razões invocadas pelo empregador para justificar o autor são falsas, mentirosas ou pouco credíveis; (f) demonstração de que o arranjo decisório adotado pelo empregador é suscetível de ser afetado por preconceitos e assim por diante (KRIEGER & FISKE, 2006, p. 1059/1060). Desse modo, a prova da discriminação geralmente é inferida pelo contexto, onde a presença de circunstâncias suspeitas, a presença de disparidades estatísticas que indiquem a probabilidade de um impacto adverso, a comprovação da existência de um ambiente de trabalho hostil ao público protegido, manifestações ocasionais de preconceito explícito, ausência de motivos legítimos ou de boas razões que justifiquem o tratamento prejudicial etc. costumam ter um peso tão decisivo na constatação do tratamento discriminatório quanto a própria prova da intenção de discriminar. Na verdade, a dinâmica probatória baseada em suspeitas e presunções funciona precisamente como um mecanismo para escapar dos inconvenientes de ter que investigar o estado psicológico do agente discriminador. Em muitos casos, é possível provar o disparate treatment ou o disparate impact sem provar de modo cabal a intenção maliciosa de discriminar, bastando reunir elementos circunstanciais de prova suficientes para convencer os julgadores de que houve uma discriminação presumivelmente motivada por preconceito. Essa possibilidade de provar a discriminação sem provar a intenção de discriminar decorre do fato de que o relevante para caracterizar a discriminação é o prejuízo ao grupo protegido e os motivos do comportamento do agente discriminador. Os fatores motivadores da discriminação não precisam ser intencionalmente perversos. Uma prática ou um ato que cause prejuízo a um grupo protegido, motivado por um erro de avaliação ou por uma categorização mal-feita, já é suficiente para presumir que o motivo é ilegítimo, ainda que o agente discriminador não tenha consciência de que está praticando uma discriminação. Se ficar claro que a intenção do agente discriminador é apenas um aspecto secundário para a comprovação da discriminação e que o mais relevante é o motivo da prática prejudicial ao grupo protegido, já se pode concluir que nem toda prática

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discriminatória precisa ser necessariamente intencional e consciente. E é precisamente por isso que a incorporação de preconceitos implícitos no direito da antidiscriminação pode ser feita por meio de arranjos relativamente simples na estrutura de litígio atualmente existente, bastando que haja algumas mudanças conceituais a fim de incluir os fatores inconscientes como parte integrante dos motivos do ato. Nesse modelo conceitual, a discriminação não seria apenas o tratamento diferenciado com o desígnio ou propósito de prejudicar pelo "gosto de discriminar", mas também o tratamento prejudicial gerado (motivado) por preconceitos implícitos (KRIEGER & FISKE, 2006; MCGINLEY, 2000).

7.2.2 O Preconceito Implícito como Fator Motivador da Discriminação

Uma das grandes dificuldades jurídicas de introdução do implicit bias no direito da antidiscriminação norte-americano é de caráter semântico, envolvendo a compreensão da expressão "motivating factor", presente no Título VII do Civil Rights Act de 1964. Há uma regra específica que estabelece que uma prática será considerada discriminatória quando a parte autora demonstrar que a raça, a cor da pele, a religião, o sexo ou a origem nacional foi um fator motivador (motivating factor) para aquela prática, ainda que outros fatores também a tenham motivado21. Há uma tendência de associar a expressão motivating factor às razões apresentadas pelo agente discriminador para justificar seu ato na segunda fase do debate. Assim, o foco da discussão judicial recairia sobre os motivos - legítimos ou ilegítimos, falsos ou verdadeiros, plausíveis ou implausíveis - conscientemente declarados pelo agente discriminador para afastar a acusação de preconceito. Caso essa compreensão do conceito de motivating factor seja mantida, o conhecimento científico em torno do preconceito implícito poderia entrar nesse debate na terceira fase, em que o autor da ação tentará demonstrar que as razões apresentadas pelo réu para justificar seu ato ou são meras desculpas para encobrir a prática discriminatória ou são razões que se misturam com motivos preconceituosos explícitos, dissimulados ou implícitos. Para isso, seria preciso abandonar a compreensão usual, de senso comum, segundo a qual o sujeito que pratica o ato sempre tem consciência do que se passa na No original: "Except as otherwise provided in this subchapter, an unlawful employment practice is established when the complaining party demonstrates that race, color, religion, sex, or national origin was a motivating factor for any employment practice, even though other factors also motivated the practice" 21

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sua cabeça e, portanto, tem pleno controle sobre os motivos de seu comportamento. Afinal, está cientificamente provado que nem todos os motivos que influenciam o comportamento humano são processados no Sistema 2 (Nível Consciente). Conforme se viu, há muitos fatores que são processados no Sistema 1 (Nível Inconsciente), que, em muitas situações, comandam os comportamentos humanos. Uma concepção de discriminação que seja focada unicamente nas razões conscientes é totalmente inadequada para captar os verdadeiros motivos do ato, pois, mesmo se o sujeito fosse completamente sincero, muitas razões jamais viriam à tona porque o agente discriminador sequer tem consciência de que existem. Por isso, é importante reconfigurar o sentido clássico que os juristas atribuem ao conceito de motivo do ato para incluir a influência dos fatores inconscientes que o agente discriminador pode até nem saber que existem, mas que tiveram um papel relevante na decisão discriminatória (sobre isso: KRIEGER & FISKE, 2006; FAIGMAN & OUTROS, 2008; MCGINLEY, 2000). Para perceber como as razões conscientes, ainda que sinceras, nem sempre são suficientes para entender os fatores reais da decisão, vale citar uma importante experiência realizada por Uhlman & Cohen (2005), da Universidade de Yale, que demonstram que nem sempre as pessoas são capazes de expressar verdadeiramente todos os autênticos fundamentos de sua escolha. Os pesquisadores pediram a várias pessoas que selecionassem o melhor candidato para ocupar a vaga de Chefe do Departamento de Polícia. Os pesquisadores criaram dois cenários diferentes, sempre com dois candidatos concorrendo à vaga: Michel e Michelle. No primeiro cenário, o candidato masculino tinha boa experiência em rua, mas baixa formação acadêmica, enquanto a candidata feminina tinha as qualidades opostas. No segundo cenário, o quadro se inverteu: o candidato masculino foi apresentado com pouca experiência em rua, mas alta formação acadêmica, e a candidata feminina com baixa formação acadêmica e muita experiência em rua. Em ambos os cenários, observou-se uma tendência majoritária de se escolher o candidato masculino para o posto de Chefe do Departamento de Polícia. Essa tendência ocorria mesmo quando os recrutadores (que eram cobaias da experiência) eram do sexo feminino. O mais relevante é que também foi perguntado aos recrutadores quais os motivos preponderantes da escolha do candidato masculino. A resposta variava conforme o cenário: no primeiro cenário, Michel foi escolhido porque a experiência nas ruas seria uma qualidade mais importante para um Chefe de Polícia; no segundo cenário, Michel foi escolhido porque a formação acadêmica era a mais relevante para um Chefe de Polícia. Ou seja, o argumento era construído conforme a resposta, funcionando como um pretexto ad hoc para justificar a escolha depois que ela já tinha sido feita. No fundo, o que parece ter motivado a decisão foi uma pré-compreensão baseada em uma perspectiva estereotipada de que o Chefe de Polícia tinha que ser

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homem. Porém, poucos apresentaram esse motivo como o mais relevante para a formação do juízo decisório, ou mesmo mencionaram que teve alguma influência na escolha. Há várias experiências semelhantes que demonstram que as pessoas raramente estão conscientes dos verdadeiros motivos de suas escolhas, sobretudo em casos de discriminação, onde o reconhecimento da presença de motivos preconceituosos pode gerar um constrangimento para o seu interlocutor. Por isso, para descobrir quais foram os fatores motivadores do ato, não basta verificar as razões declaradas pelo agente discriminador para justificar sua conduta. É preciso também investigar se o tratamento diferenciado foi ou não influenciado por motivos ilegítimos, ainda que inconscientes. Mas se nem o agente discriminador tem plena consciência dos motivos do seu ato, como provar a prática de uma discriminação baseada em preconceito implícito?

7.2.3 A Prova do Preconceito Implícito

A comprovação ou não de uma discriminação praticada com base em preconceitos implícitos sempre englobará um amplo debate envolvendo, entre outros fatores, a existência de um grupo estigmatizado que foi alvo da discriminação (negros, mulheres, homossexuais, pobres, obesos, idosos, pessoas com deficiência ou com doenças estigmatizantes etc.), um agente discriminador que tem o poder de afetar negativamente a posição jurídica dessas pessoas, o responsável pela criação do arranjo decisório que ocasionou a prática discriminatória, a situação de desvantagem sofrida pelo grupo estigmatizado, a prática prejudicial que gerou a discriminação, a existência ou não de uma justificativa para aquela prática alicerçada na necessidade do negócio ou em outra razão, a possibilidade de uma prática alternativa que seja menos prejudicial àquele grupo e assim por diante. O preconceito implícito entraria no debate como um acessório da comprovação de um disparate treatment ou de um disparate impact, conforme o caso. Partindo desse pressuposto de que o preconceito implícito pode funcionar como um reforço probatório da prova da discriminação, os juristas norte-americanos têm debatido sobre qual seria a melhor forma de introduzir o conhecimento científico a respeito das influências do preconceito implícito no processo judicial. Seria tentador pensar no uso de provas científicas, como o Teste de Associação Implícita ou outros semelhantes, para demonstrar que a decisão do agente discriminador foi viciada. Ocorre que esses testes não foram criados para constatar se

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uma determinada decisão foi ou não afetada por preconceitos implícitos. Eles medem a presença de uma tendência de preferências inconscientes a favor ou contra determinados grupos, mas não garantem que uma determinada decisão foi, de fato, motivada pelo preconceito implícito. Ou seja, o IAT e outros testes semelhantes medem a existência de possíveis preconceitos implícitos no pensamento da pessoa avaliada, mas não a existência do comportamento enviesado (JOLLS, 2007, p. 14). É possível, por exemplo, que alguém com forte preferência pelas pessoas brancas, medida pelo IAT, nunca venha a manifestar um comportamento racista. Além disso, a tendência ao preconceito, provocada pelos implicit bias, é uma mera probabilidade estatística. Algumas decisões podem ser influenciadas pelo preconceito implícito, mas outras podem ser fruto do acaso ou de outros fatores não-preconceituosos. Metaforicamente, pode-se comparar a presença de implicit bias na mente de um indivíduo com um vício cognitivo semelhante ao de um dado viciado, que esteja programado para beneficiar ligeiramente os números pares. Se, em cada dez lances, os números pares são sorteados oito vezes, é possível presumir que, em alguns lances, o vício do dado contribuiu para o resultado enviesado contra os números ímpares. Mas não é possível saber com certeza qual foi o lance que deveria ter dado ímpar ao invés de par, já que, em pelo menos metade dos lances, era mesmo esperado que o resultado fosse um número par. Assim, mesmo que se constate que o dado estava viciado, não há como ter certeza de que o vício do dado foi a causa de ter gerado o número par em um lance específico. Por isso, o debate sobre o uso probatório do preconceito implícito é mais modesta, quase sempre restrita à possibilidade de ouvir em juízo o depoimento de especialistas sobre a possível influência de associações automáticas sobre os comportamentos humanos22.

Para uma análise dos principais argumentos a favor e contra o uso do IAT como prova judicial da presença de preconceitos implícitos: CERULLO, 2013, pp. 142/145. O autor cita, em síntese, os seguintes argumentos: (a) baixa validade científica do IAT; (b) imprecisão nos resultados; (c) ausência de uma certeza quanto aos motivos efetivos que causaram o ato; (d) possibilidade da presença de outros fatores que também foram causadores do ato; (e) ausência de uma correlação absoluta entre a medição de preconceitos implícitos e a prática de comportamentos discriminatórios; (f) inconstância nos resultados, já que há muitos fatores que podem alterar a medição do grau de implicit bias de uma pessoa; (g) risco de falsos positivos; (h) questões éticas de privacidade, em função de revelar informações que a pessoa pode não querer que outros saibam; (i) questões éticas quanto ao uso forçado do teste em pessoas que não querem ser medidas. Quanto a esse último ponto, KANG e Outros, apesar de serem entusiastas da revolução do realismo comportamental, assumem-se contrários ao uso do IAT em situações que não sejam de pesquisa ou treinamento (KANG E OUTROS, 2012, p. 1180 - criticando o uso do IAT para seleção de jurados, juízes, policiais etc.). Parece-me que, de fato, diante da zona de incerteza e de indeterminação que circunda o IAT, a sua incorporação ao direito probatório em casos de discriminação é extremamente problemática, pelo menos na atual fase de evolução do debate. Isso, porém, não significa negar a importância do IAT, muito menos do implicit bias, em um contexto de discussão sobre a prática de um ato discriminatório, mas apenas ter consciência dos limites do teste como prova judicial da 22

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Alguns tribunais costumam aceitar a participação de psicólogos sociais como testemunhas, a fim de explicar a influência dos preconceitos implícitos nas decisões humanas, enquanto outros adotam uma postura mais cautelosa e cética, preferindo aguardar o avanço dos estudos e mecanismos mais seguros de se demonstrar a relação de causalidade entre o tratamento diferenciado e o implicit bias23. É nítida, porém, a tendência de se aceitar a prova testemunhal de experts que possam explicar a dinâmica do pensamento automático, mas sem se manifestar sobre a presença ou não do preconceito implícito no ato questionado, já que não é possível indicar com precisão, a partir do conhecimento hoje disponível, se um determinado ato específico, praticado no passado, foi ou não afetado por preconceitos implícitos. O máximo que o especialista pode atestar é que existem algumas circunstâncias que tendem a intensificar ou a reduzir a influência dos preconceitos implícitos e que, portanto, podem ter motivado o ato acusado de ser discriminatório. A participação de especialistas para explicar a influência de fatores inconscientes no processamento de informações cerebrais já tem ocorrido com muita frequência, por exemplo, em casos envolvendo testemunhas oculares. Em situações assim, a jurisprudência tem permitido a participação de psicólogos especializados em memória para aferir eventuais falhas no processo cognitivo das testemunhas. Há estudos que demonstram que pessoas brancas têm grande dificuldade de lembrar detalhes sobre o rosto de uma pessoa negra e vice-versa, o que pode diminuir a credibilidade de sua percepção. Portanto, um especialista poderia alertar os julgadores sobre os riscos de se condenar alguém com base em uma testemunha ocular que pode ter sido afetada por vícios cognitivos. Por outro lado, a mera possibilidade de haver erros de percepção eventualmente cometidos por uma testemunha ocular não significa dizer que toda testemunha ocular está necessariamente equivocada. O papel do expert não é demonstrar que a testemunha ocular está dizendo ou não a verdade naquela situação em concreto, mas advertir sobre as falhas de percepção e memória que podem afetar a veracidade da análise visual (sobre isso: KRIEGER & FISKE, 2006; FAIGMAN & OUTROS, 2008). No caso dos preconceitos implícitos, a participação de especialistas teria uma função semelhante: explicar o que são associações automáticas, esclarecer como elas podem gerar comportamentos discriminatórios e informar quais são os fatores que mais podem estimular o seu surgimento. Assim, por exemplo, um psicólogo social poderia apresentar os principais estudos científicos que demonstram que, em discriminação. Além disso, é preciso dizer que os referidos limites ou até mesmo falhas do IAT não devem significar a refutação da existência de preconceitos implícitos. O implicit bias tem sido constatado de forma independente por vários meios além do próprio IAT. 23 Para uma análise de diversas decisões favoráveis e contrárias: CERULLO, 2013, pp. 146/155.

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ambientes de baixa diversidade, membros de grupos minoritários que atuam de forma solitária em um meio dominado por outro grupo (efeito solo) podem sofrer discriminações provocadas pelo racismo aversivo, pela injustiça epistêmica e hermenêutica, pela ameaça de estereótipos etc. Também seria possível explicar os estudos científicos que demonstram que, quando um membro de um grupo estereotipado está realizando funções que não costumam ser associadas a membros daquele grupo, há uma tendência de a avaliação ser negativa, pois as pessoas esperam um papel social diferente dos membros daquele grupo. Poderia ainda atestar que a existência de critérios ambíguos, subjetivos ou discricionários de decisão propicia a eclosão de preconceitos implícitos e assim por diante. De qualquer modo, o debate deve ser sempre inserido em um contexto probatório mais amplo, em que se leve em conta não apenas a possível tendência ao preconceito, mas também a presença de outras circunstâncias que podem ter contribuído, indevidamente, para a decisão discriminatória. Em muitos casos, uma análise probatória mais ampla pode ser apoiada em elementos bastante objetivos. Recorde-se, por exemplo, do caso-paradigma citado no início do trabalho, em que um candidato negro foi preterido por ter tido um desempenho pior em uma entrevista de emprego. Nesse caso, o candidato negro possivelmente prejudicado na entrevista poderia mover uma ação individual contra a empresa apontando a presença de indícios capazes de demonstrar que foi preterido na seleção por culpa dos preconceitos implícitos do entrevistador. A comparação entre as entrevistas realizadas poderia indicar que o entrevistador estava mais tenso na presença do candidato negro, evitou o contato e o olhar direto, manifestou microexpressões de hostilidade, sentou-se mais distante, utilizou menos palavras amistosas, fez menos perguntas, encerrou a entrevista mais rápido ou avaliou as respostas de forma mais rigorosa. Todos esses elementos de tratamento diferenciado poderiam gerar um indício da prática de discriminação (já que o candidato branco foi tratado de forma mais favorável), o que poderia afastar a alegação de que o critério de seleção foi objetivo e imparcial.

7.2.4 Os Deveres Derivados da Proibição de Discriminação por Preconceito Implícito

Além do debate sobre a aceitação ou não do conhecimento científico sobre o implicit bias como prova indireta da discriminação, discute-se também em que medida a existência de preconceitos implícitos pode afetar os deveres que emanam do direito à igualdade.

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O dever mais básico decorrente do direito da antidiscriminação é de caráter negativo: não prejudicar uma pessoa por preconceito. Porém, o sentido da igualdade tem se expandido para abarcar outros tipos de deveres, como por exemplo, o dever de não adotar práticas que, embora facialmente neutras, tenham o efeito de perpetuar práticas de exclusão. Conforme visto, os impactos adversos de uma prática discriminatória dissimulada podem ser constatados independentemente de uma comprovação do ânimo de discriminar, bastando demonstrar que a prática adotada não é essencial para a atividade, gera um efeito adverso a um grupo protegido e pode ser evitada ou substituída por uma alternativa menos prejudicial. Assim, embora também contenha um mandamento negativo (de não adotar a prática prejudicial), esse dever já implica uma mitigação do motivo malicioso e da consciência de prejudicar. O fator decisivo para caracterizar a discriminação é o resultado prejudicial a um grupo protegido, decorrente de uma prática que não é necessária aos escopos do negócio. A causa da discriminação estaria mais próxima do sentido de culpa ou negligência do que de dolo, o que poderia reduzir as dificuldades probatórias para se demonstrar a intenção de causar o prejuízo (sobre isso: OPPENHEIMER, 1992). Para além disso, há um tendência crescente de extrair deveres positivos da proibição de discriminar, sobretudo quando se vincula a ideia de igualdade a um modelo de sociedade que abomina a segregação e a perpetuação de hierarquias (FORD, 2014). Em questões como assédio moral e sexual, ou deveres de acomodação de pessoas por motivos religiosos ou decorrentes de limitações físicas (gestantes, pessoas com deficiência etc.), as obrigações que emanam do direito à igualdade contêm comandos positivos que podem justificar uma condenação por discriminação caso não sejam adotadas certas medidas de prevenção. Por exemplo, em matéria de assédio sexual e moral, as empresas têm a obrigação de combater práticas hostis no ambiente de trabalho, podendo ser responsabilizadas se nada fizerem para evitar atos impertinentes cometidos por seus empregados. Do mesmo modo, o dever de acomodar pessoas com deficiência, criando as condições para que elas possam exercer plenamente as suas atividades, pode gerar comandos positivos capazes de levar à responsabilização em caso de inércia. A constatação de que preconceitos implícitos existem e podem gerar práticas discriminatórias também deve afetar o conceito de discriminação para fazer surgir uma obrigação de criar mecanismos para reduzir a influência desses preconceitos nas práticas cotidianas. Se não fosse possível responsabilizar as pessoas pela prática de comportamentos discriminatórios motivados por preconceitos implícitos, a proteção da igualdade não estaria completa, pois membros de grupos estigmatizados seriam prejudicados injustamente sem que houvesse qualquer proteção jurídica. É preciso,

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portanto, criar mecanismos de responsabilização do agente discriminador que é influenciado por preconceitos implícitos não só para conscientizar as pessoas da existência do problema, mas sobretudo para estimular a criação de medidas de cautela capazes de diminuir a influência maléfica desses pensamentos inconscientes (FAIGMAN & OUTROS, 2008). Nos estudos consultados, a maioria dos autores adota esse ponto de vista, sugerindo que as empresas deveriam adotar mecanismos para minimizar os efeitos dos preconceitos implícitos no ambiente de trabalho, podendo eventualmente serem acusadas de discriminação caso se mantenham inerte. O contraponto mais forte, que é a liberdade empresarial e as prerrogativas do empregador, não parece ser um argumento consistente, por três razões. Primeiro, porque há uma tendência cada vez maior de se restringir a liberdade para impedir práticas discriminatórias que prejudicam injustamente membros de grupos estigmatizados e protegidos. Ou seja, não há uma liberdade para discriminar. Segundo, porque a prática da discriminação por preconceito implícito é não-intencional e, portanto, não está inserida no exercício consciente da autonomia da vontade. Por fim, o fato de ser não-intencional não a torna inevitável. Vários estudos demonstram que os efeitos do implicit bias podem ser minimizados com a adoção de medidas relativamente simples e de baixo custo. Logo, se o que se deseja é impedir que as pessoas sejam prejudicadas por motivo preconceituoso, é fundamental que o direito da antidiscriminação combata todas as práticas discriminatórias, seja para proibir o comportamento preconceituoso, seja para exigir a adoção de algumas cautelas capazes de impedir manifestações do preconceito implícito. As sugestões sobre o que pode ser feito para minimizar os impactos negativos dos preconceitos implícitos são as mais variadas, indo desde de campanhas de conscientização, passando por treinamentos especializados, até chegar a deveres de criação de um ambiente de trabalho mais diversificado, plural e tolerante 24. A adoção de nudges25, ou seja, pequenos mecanismos capazes de orientar a tomada de decisões na Em 2014, mais de 20% das maiores empresas dos Estados Unidos já adotavam programas de treinamento para reduzir os preconceitos implícitos de seus empregados. O Google, por exemplo, disponibiliza um programa de treinamento na internet especificamente voltado para esclarecer o que é o preconceito implícito e conscientizar sobre a necessidade de combatê-lo (STAATS & OUTROS, 2015, p. 2). 25 O conceito de "nudge", dentro da ciência comportamental, está geralmente associado à ideia de "arquitetura de escolhas". Nudges são pequenos incentivos que podem influenciar o processo de tomada de decisões, sem cercear completamente a liberdade de escolha. Arquitetura de escolhas corresponde ao formato do arranjo (design) adotado para que as melhores decisões sejam tomadas em uma determinada direção aproveitando o incentivo do nudge. A lógica é extremamente simples: existem alguns fatores sutis que influenciam a tomada de decisões que podem ser organizados para guiar as escolhas em uma determinada direção; logo, é possível promover a realização de objetivos desejáveis por meio de pequenas mudanças na arquitetura de escolhas, bastando que sejam criados mecanismos que reduzam os ônus da 24

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direção certa pode ter um impacto positivo para promoção do debiasing, mitigando os danos causados pelo preconceito implícito. Assim, por exemplo, adotar formas de lembrar constantemente a existência do implicit bias ou criar formas de contato e cooperação mais frequente entre pessoas de grupos diferentes ou apresentar imagens de pessoas de um grupo estigmatizado que sejam admiradas são pequenas medidas que podem ter um impacto relevante na redução dos efeitos dos preconceitos implícitos (sobre isso: JOLLS & SUNSTEIN, 200626; KRIEGER & FISKE, 2006; KANG & OUTROS, 2012; KIRWAN, 2015, entre outros). Há controvérsia sobre a imposição de medidas de ação afirmativa no setor privado como forma de criar um ambiente de trabalho mais diversificado. Por um lado, isso possibilitaria um maior contato dos membros dos grupos dominantes com outros grupos estigmatizados, o que é positivo para reduzir o preconceito implícito. Por outro lado, pode gerar um efeito rebote capaz de aumentar ainda mais a hostilidade contra membros do grupo minoritário (JOLLS, 2007, p. 23). Já em 1954, Allport demonstrou que o contato inter-racial capaz de reduzir o preconceito deve obedecer a algumas condições: (a) os membros de cada grupo devem possuir o mesmo status na situação; (b) devem compartilhar objetivos em comum; (c) devem ser ligados por uma interdependência cooperativa; (d) devem interagir com apoio positivo do sistema normativo vigente na sociedade (ALLPORT, 1971). Logo, um programa capaz de proporcionar a diversidade no ambiente de trabalho há de ser mais planejado do que simplesmente forçar as pessoas a dividirem o mesmo espaço. Outra sugestão é a imposição de um dever de revisar as práticas e políticas empresariais supostamente neutras, mas que podem causar um impacto adverso a grupos protegidos em função do preconceito implícito. Por exemplo, as práticas de seleção, avaliação e promoção deveriam ser revistas no sentido de reduzir a margem de subjetivismo e aumentar o nível de accountability, pois é comprovado que quanto maior decisão na direção certa. Um exemplo clássico que ilustra o funcionamento de nudges e arquitetura de escolhas é a organização dos alimentos em uma prateleira de modo a facilitar o acesso a comidas saudáveis. Essa simples mudança "arquitetônica" é capaz de fazer com que as pessoas alterem seus hábitos de alimentação, sem que seja necessário impor qualquer tipo de dieta ou restrição alimentar, pois seus cérebros tenderão a buscar o caminho que gera o "menor esforço" (sobre isso, THALER & SUNSTEIN). 26 Jolls e Sunstein (2006) explicam que é possível atacar o preconceito implícito através da lei (debiasing through law) tanto de forma direta, criando pequenos incentivos para evitar que os atalhos mentais preconceituosos sejam acionados, ou de forma indireta, por meio de um estímulo para que o pensamento consciente (nível 2) consiga controlar os impulsos do pensamento automático (nível 1). Assim, quando os fatores que facilitam o surgimento do preconceito implícito são isolados ou então quando é criado um ambiente mais diversificado e menos hostil, há uma menor incidência do implicit bias, em função de uma atuação direta no nível 1 (direct debiasing). Por sua vez, quando se proíbe a prática do preconceito, forçando a pessoa a pensar antes de discriminar e a tomar precauções para evitar a manifestação do preconceito implícito, há uma intervenção no nível 2 que, indiretamente, pode neutralizar os efeitos do pensamento automático no nível 1 (indirect debiasing).

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a margem de subjetividade e discricionariedade decisória maior é a potencialidade de influência dos preconceitos implícitos27. Um exemplo sempre citado de uma mudança no processo decisório que pode reduzir a influência de preconceitos implícitos ocorreu nos processos de seleção de músicos das orquestras sinfônicas que passaram a adotar a audição às cegas a fim de evitar que a aparência do candidato influenciasse a avaliação. Quando a seleção era realizada por meio de audições em que os avaliadores poderiam ver se o músico era homem ou mulher, havia sempre uma tendência de preferir a contratação de homens. Quando houve uma mudança relativamente simples no formato da seleção, criando mecanismos para evitar que os avaliadores pudessem ver a aparência do candidato, houve um aumento substancial (de mais de 25%) de participação de mulheres na composição das orquestras (GOULDIN & ROUSE, 2000). Como se vê, há um campo muito promissor de pesquisa, em constante evolução, que certamente ainda renderá muitos frutos. Resta saber como isso pode impactar no direito da antidiscriminação brasileiro.

8 Possibilidades de Incorporação do Preconceito Implícito no Contexto Brasileiro

O direito brasileiro da antidiscriminação é quantitativa e qualitativamente mais pobre do que o norte-americano não só em termos de relevância econômica, social e jurídica, mas também de produção de conhecimento. Comparativamente, há poucas ações judiciais, poucos precedentes e poucos estudos envolvendo direito da antidiscriminação no Brasil, apesar de sermos um dos países mais desiguais do mundo. Para perceber como ainda não há um amadurecimento pleno do direito da antidiscriminação no Brasil, basta citar o exemplo da prova estatística, especialmente em demandas de disparate impact, que adquiriu um imenso grau de sofisticação nos Estados Unidos e aqui sequer costuma ser aceita. As poucas ações existentes costumam ser prematuramente extintas, seja pela a inabilidade do autor da ação em utilizar adequadamente esse tipo de prova para demonstrar o impacto adverso, seja pela falta de

Cerullo cita o caso Kimble v. Wisconsin Departament of Workforce Development, em que o requerido foi condenado por criar um procedimento bastante discricionário de concessão de aumentos para seus empregados, dando margem a ocorrência de tratamentos diferenciados e impactos adversos a grupos estigmatizados, em função dos preconceitos implícitos que poderiam influenciar o processo decisório (CERULLO, 2013, p. 154). 27

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compreensão dos tribunais em perceber a importância de indicativos estatísticos como fatores presumíveis (prima facie) de um disparate impact28. Diante disso, é preciso reconhecer, de forma realista, que ainda há um longo caminho a percorrer antes de se entusiasmar com a importação de uma novidade que ainda sequer foi plenamente assimilada em seu país de origem. Mas esse ceticismo deve ser entendido mais como um lamento do que como um argumento contrário ao desenvolvimento de um modelo brasileiro de combate à discriminação por preconceito implícito. Por mais que seja necessário perceber as enormes diferenças em cada sociedade, não há dúvida de que o direito da antidiscriminação compartilha a mesma aspiração fundamental em qualquer lugar do mundo: construir uma sociedade mais igualitária, em que as pessoas não sejam julgadas com base em preconceitos. Por isso, nada impede que ocorra uma aprendizagem mútua entre os países que desejam promover a igualdade, a exemplo do que ocorreu com o desenvolvimento de ações afirmativas, onde é notória a influência positiva do direito norte-americano. Um passo importante para a construção de um modelo brasileiro de combate ao preconceito implícito seria assimilar algumas fórmulas de suspeição e presunção adotadas pela jurisprudência norte-americana, pelo menos em uma versão simplificada. Esse modelo tem a vantagem de criar um sistema de desconfiança que é imediatamente acionado toda vez que se constata um prejuízo na posição sócio-jurídica de um grupo vulnerável, além de transferir para o agente discriminador o ônus da justificação de seu ato. Assim, diante de uma suspeita preliminar (prima facie) de que foi praticada uma discriminação motivada por preconceito, inicia-se um debate a fim de investigar os reais fatores que motivaram a ação do agente discriminador e, se, após uma ampla análise de todos os aspectos relevantes, não for possível eliminar a suspeita do motivo preconceituoso, reconhece-se a prática da discriminação, com a aplicação das sanções cabíveis. No fundo, o que se quer é evitar que grupos protegidos sejam prejudicados injustamente (por causa do preconceito), criando para aqueles que tenham o poder de discriminar (ou seja, de interferir negativamente na posição social e jurídica de outras pessoas) um dever de demonstrar, de modo convincente, que o tratamento diferenciado eventualmente adotado não foi motivado por preconceito e atende, de forma adequada e necessária, a um objetivo racional e legítimo. De certo modo, isso já tem sido adotado no Brasil, mas de modo muito precário e intuitivo. Por exemplo, a súmula 443, do Tribunal Superior do Trabalho, Por exemplo: TST, AIRR - 95240-03.2005.5.10.0013 , Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 08/04/2015, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 10/04/2015. 28

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estabelece que "presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego". Essa súmula segue o modelo prima facie dos casos de disparate treatment, mas, por não incorporar o raciocínio completo, acaba por dar margem a dúvida e confusão. Uma análise mais cuidadosa da referida súmula levaria à conclusão de que se trata de uma presunção relativa, de modo que, numa fase seguinte do debate, o empregador poderia provar que a despedida foi motivada por razões legítimas não relacionadas com a doença. Isso já foi esclarecido em precedentes do próprio TST, que reconheceu o seguinte "o que se extrai do teor do referido verbete sumular é que deve ser invertido o ônus da prova, que, naturalmente, seria do empregado, porém, nesses casos de doença grave, será do empregador, de modo que cabe a este provar, de forma robusta, que dispensou a reclamante, portadora de doença grave, por algum motivo plausível, razoável e socialmente justificável, de modo a afastar o caráter discriminatório da rescisão contratual"29. Indo mais além, seria possível abrir uma terceira etapa do debate, em que o empregado poderia demonstrar que os motivos apresentados pelo empregador não passam de pretextos para encobrir uma discriminação ou ainda que o preconceito (explícito ou implícito) teve um papel decisivo entre os diversos motivos (legítimos ou não) da demissão. Entrando especificamente no tema do preconceito implícito, o debate sobre a sua incorporação no direito da antidiscriminação brasileiro é um pouco mais problemática, porque o conhecimento do tema ainda é muito escasso por aqui. Além disso, é preciso cautela ao se fazer inferências sobre o preconceito no Brasil a partir de estudos feitos em solo norte-americano, dadas as peculiaridades de cada sociedade. Ainda assim, algumas ideias fundamentais podem ser aproveitadas. Por exemplo, a constatação de que existem preconceitos implícitos que podem levar à prática de discriminação inconsciente nos obriga necessariamente a tratar a igualdade como um direito que gera para os seus destinatários não apenas deveres de abstenção, mas também de ação. Todos têm o dever de criar um ambiente menos hostil contra grupos estigmatizados e até mesmo de promover a diversidade para reduzir a influência de preconceitos implícitos. O combate ao preconceito implícito começa com a conscientização de sua existência. Nesse ponto, caso haja, no meio jurídico, uma compreensão dos efeitos negativos dos preconceitos implícitos nas ações humanas, certamente o modelo brasileiro estaria preparado para incorporar o combate à discriminação inconsciente. TST - RR 2169-40.2013.5.03.0019, 22/06/2016, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/06/2016. 29

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Os textos normativos brasileiros não correlacionam explicitamente a ideia de discriminação com a comprovação da intencionalidade, nem mesmo com a prova do motivo do ato. As expressões são mais genérica e estabelecem deveres de "combate ao preconceito" e a "quaisquer formas de discriminação" (art. 3o, inc. IV, da CF/88) sem fazer qualquer distinção entre preconceito explícito ou implícito, nem entre discriminação consciente ou inconsciente, nem entre ato intencional ou nãointencional. As normas infraconstitucionais de antidiscriminação contêm não apenas mandamentos negativos, mas também deveres de ação em favor de grupos estigmatizados, o que pode ser interpretado como um indicativo de que o sentido da igualdade no Brasil vai além da ideia de antidiferenciação para abranger também valores de antisubordinação. Além disso, o conceito jurídico de discriminação, previsto em diversas normas infraconstitucionais em vigor no Brasil (Estatuto da Igualdade Racial, Estatuto do Idoso, Estatuto da Pessoa com Deficiência etc.), incorpora elementos que podem facilitar o combate ao preconceito implícito. Há expressa previsão de que a prática da discriminação pode se dar "por ação ou omissão" e que abrange qualquer medida "que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos" (sobre isso: Estatuto da Pessoa com Deficiência). Ou seja, a intenção ou o propósito de prejudicar não é a única forma de caracterizar a discriminação. Afora essa abertura conceitual, o direito brasileiro tem ampliado a possibilidade de se reconhecer a responsabilidade civil objetiva em várias situações, inclusive em casos de discriminação. A súmula 443, do TST, acima citada, é um exemplo disso. Em situações assim, há um presunção de que a demissão foi motivada por preconceito, independentemente da prova da intenção de discriminar. Outro fator que pode facilitar a introdução do combate ao preconceito implícito é a existência de um ambiente relativamente propício à proteção do trabalhador e, pelo menos no campo retórico, comprometido com a igualdade e com a dignidade. Há uma crença cada vez mais consolidada que o poder de direção do empregador não abrange a liberdade para discriminar, nem para assediar os empregados. Várias práticas que diminuem a dignidade moral ou pessoal dos empregados têm sido reprovadas pela Justiça do Trabalho, especialmente quando influenciadas por sexismo ou racismo. No plano processual, existem mecanismos que podem facilitar a luta contra o preconceito implícito em um nível mais estrutural, como a possibilidade do uso de ações civis públicas ou até mesmo de termos de ajustamento de conduta para estimular as empresas a adotarem boas práticas de antidiscriminação e a aprimorarem o arranjo

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organizacional para que as decisões relevantes sejam menos afetadas pelos preconceitos implícitos. O dano moral coletivo também poderia funcionar como uma eficiente sanção civil para que as empresas mudem suas práticas discriminatórias, ainda que nãointencionais e inconscientes30. Em qualquer situação, o ideal seria que houvesse um diálogo entre as partes, a fim de que seja possível eliminar as práticas sociais supostamente neutras que, no fundo, funcionam como pilares de um sistema de discriminação que consolida a posição inferior de grupos estigmatizados. Essa constante reflexão visando a superação de práticas discriminatórias é um ponto extremamente valioso quando se está diante de uma discriminação por preconceito implícito, pois, em tese, todas as partes envolvidas estão comprometidas com os valores igualitários e não desejam reproduzir práticas baseadas em preconceito.

9 Conclusões "Minha essência é inconsciente de si própria e é por isso que cegamente me obedeço." Clarice Lispecto, Água Viva

Discriminação é um conceito dinâmico que tem passado por profundas transformações ao longo da história. Em pouco menos de um século, saímos de uma fase em que os sistemas jurídicos institucionalizavam um modelo social estratificado, negando a dignidade de pessoas em função de determinadas características, para construir um modelo jurídico que, pelo menos no discurso, enaltece a igual dignidade de todos os seres humanos e reprime diversas modalidades de discriminação. Mais ainda: superamos uma tradição jurídica que, oficialmente, classificava os grupos conforme o seu status social, para assimilar um conceito material de igualdade mais próximo da ideia de justiça social, ao ponto até mesmo de permitir a adoção de medidas de ação afirmativa em favor de grupos em desvantagem econômica, social e cultural.

Em uma ação civil pública em que se questionou a demora de uma empresa em acomodar pessoas com deficiência em seu quadro de empregados, em descompasso com o artigo 93 da Lei 8.213/91, levou o TST a confirmar uma condenação de uma empresa a pagar um dano moral coletiva, tendo sido assinalado que "a reparação por dano moral coletivo visa a inibição de conduta ilícita da empresa e atua como caráter pedagógico, para que o ofensor não mais venha a incorrer em transgressão ao ordenamento jurídico vigente. Na hipótese, o Tribunal Regional, com base no conteúdo fático probatório, registrou que a ré retardou o cumprimento da cota social (art. 93 da Lei nº 8.213/91), bem como formulou ofertas de emprego com inserção de requisitos discriminatórios referentes a sexo, idade e tipo de deficiência, criando óbice a determinados indivíduos que, por critérios vis, ficaram excluídos da obtenção de emprego perante a empresa. (...) Dessa conclusão, inequivocamente deriva a ocorrência de dano moral coletivo e, por consequência, o surgimento da obrigação de repará-lo" (TST, RR - 9890600-28.2005.5.09.0001 , Relator Ministro: Pedro Paulo Manus, Data de Julgamento: 07/12/2011, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 16/12/2011). 30

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Embora tenha havido avanços notórios em diversas áreas, ainda vivemos em uma sociedade de pessoas orgulhosamente não racistas que assistem, sem crise de consciência, profundas injustiças raciais sendo diariamente cometidas contra pessoas negras em vários setores da vida social. Disparidades nas relações trabalhistas, em abordagens policiais, na aplicação de sanções criminais, no acesso a educação e a cargos públicos são alguns exemplos visíveis da desigualdade racial que a sociedade brasileira assiste silenciosamente e, quando muito, atribui o problema ao preconceito dos outros. Do mesmo modo, a propalada igualdade de gêneros, que se tornou uma espécie de consenso virtuoso entre "pessoas de bem", esconde uma realidade em que muitas mulheres continuam sendo preteridas em promoções para cargos importantes, violentadas diariamente por uma cultura machista e tratadas como objetos sexuais em mensagens explicitamente divulgadas pelos meios de comunicação, como se isso não tivesse qualquer impacto na forma como o cérebro constrói seus esquemas mentais. Em grande parte, as práticas discriminatórias mais ou menos veladas podem ser derivadas de preconceitos implícitos que podem existir na mente de pessoas que absorveram valores igualitários em seu nível consciente, mas não conseguiram apagar de seu inconsciente todas as falsas categorizações a respeito de determinados grupos estigmatizados. Em verdade, todos nós - independentemente de nossas crenças, valores, desejos de sermos justos, igualitários, imparciais e objetivos - podemos estar condicionados a fazer, em determinadas circunstâncias, associações implícitas que podem afetar nossas decisões e levar a comportamentos discriminatórios contra determinadas pessoas, seja para prejudicar grupos estigmatizados, seja para favorecer nosso próprio grupo. O presente estudo analisou este problema, tentando desenvolver algumas ideias preliminares que possam permitir a construção de um modelo jurídico de combate à discriminação decorrente de preconceitos implícitos. Para isso, é necessário elaborar alguns arranjos conceituais para incorporar os preconceitos implícitos entre os fatores motivadores da prática da discriminação. Em um modelo assim, a possibilidade da presença de preconceitos implícitos no ato do agente discriminador funcionaria como um reforço probatório da prática discriminatória, seja ela decorrente de um tratamento diferenciado injusto (disparate treatment), seja ela decorrente de uma prática que cause um impacto adverso desproporcional a um grupo protegido (disparate impact). A prova da influência de preconceitos implícitos seria inferida pelo contexto, valendo-se do amplo conjunto de provas indiretas e circunstanciais hoje já adotadas no direito da antidiscriminação. A participação de especialistas para explicar os modos de incidência dos preconceitos implícitos, bem como os fatores que mais

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propiciam a sua manifestação, também poderia ser admitida. Não é recomendável, contudo, o uso de testes de associação implícita ou outros semelhantes, como prova de uma determinada prática discriminatória, pois tais mecanismos de medição não foram elaborados para essa finalidade e não têm a capacidade de indicar, com precisão, se um ato já praticado foi ou não influenciado por preconceitos implícitos. A constatação de que preconceitos implícitos podem ser o fator motivador de práticas discriminatórias obriga os potenciais agentes discriminadores (ou seja, todos aqueles que têm o poder de afetar a posição jurídica de membros de grupos estigmatizados) a criar mecanismos de prevenção para eliminar ou diminuir a influência de tais vícios cognitivos, sob pena de serem responsabilizados pelos prejuízos causados aos grupos protegidos. Programas de conscientização, treinamentos específicos, abertura à diversidade, valorização de grupos estigmatizados, intolerância contra atos hostis, criação de rotinas e práticas menos suscetíveis de serem afetadas por preconceitos implícitos são algumas das medidas de salvaguarda que, caso não adotadas, poderiam levar à responsabilização do agente discriminador. O objetivo central desse modelo de combate à discriminação é fazer com que as decisões potencialmente capazes de diminuir a posição de outras pessoas não sejam afetadas por nenhum tipo de preconceito. Afinal, se é desejável que todos sejam tratados com igual respeito e consideração, o preconceito implícito também deve ser combatido, já que ninguém merece ser prejudicado apenas por fazer parte de um grupo estigmatizado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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