Discurso de Legitimidade da Jurisdição Constitucional e as Mudanças Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

May 29, 2017 | Autor: J. Leite Sampaio | Categoria: Direito Constitucional, Controle De Constitucionalidade, Jurisdição constitucional
Share Embed


Descrição do Produto

O Controle de e a Lei 9.868/99

Organizador: DANIEL SARMENTO

Juioreá: Alexandre Freitas Câmara Alexandre Santos de Aragão Carlos Roberto Siqueira Castro Daniel Sarmento Gustavo Binenbojm José Adércio Leite Sampaio Luís Antônio Cunha Ribeiro Luís Roberto Barroso Walter Claudius Rothenburg

á

O Controle de Constitucionalidade e a Lei rig- 9.868/99

EDITORA LUMEN JURIS EDITOFtES

Joao de Almeida Joao Luiz da Silva Almeida CONSELHO EDITORIAL

Alexandre Freitas Camara Antonio Becker Augusto Zimmermann Eugenio Rosa Firly Nascimento Filho Gerald() L. M. Prado J. M. Leoni Lopes de Oliveira Letacio Jansen Manoel Messias Peixinho Marcello Ciotola Marcos Juruena Villela Souto Paulo de Bessa Antunes CONSELHO CONSULTIVO

Alvaro Mayrink da Costa Aurelio Wander Bastos Cinthia Robert Elida Seguin Gisele Cittadino Humberto Dalla Bernardina de Pinho Jose dos Santos Carvalho Filho Jose Fernando C. Farias Jose Maria Pinheiro Madeira Jose Ribas Vieira Marcellus Polastri Lima Omar Gama Ben Kauss Sergio Demoro Hamilton

DANIEL SARMENTO

(Organizador)

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei n-Q. 9.868/99

ED1TORA LUMEN JUR1S RIO DE JANEIRO 2001

Copyright © 2001 Editora Lumen Juris

SUPERVISAO EDITORIAL

Antonio Becker REvisAo Marcos Roque EDITORAcA0 ELETRONICA

Maanaim Informatica Ltda. Telefone (21) 242-4017 CAPA

Marcia Campos A EDITORA LUMEN JURIS nao aprova ou reprova as ()pinkies emitidas nesta obra, as quais sao de responsabilidade exclusiva dos Autores. E proibida a reproducao total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto as caracteristicas graficas e/ou editoriais. A violacao de direitos autorais constitui crime (COdigo Penal, art. 184 e §§, e Lei na 6.895, de 17/12/1980), sujeitando - se a busca e apreensao e indenizagoes diversas (Lei ri2 9.610/98). ISBN 85-7387-20 6-3

Todos os direitos reservados Editora Lumen Juris Ltda.

www.lumenjuris.com.br Rua da Assembleia, 10 grupo 2.307 Telefone (21) 531-2199 Fax (21) 531-1126 Rio de Janeiro, RJ — CEP 20.011-000 Impresso no Brasil

Printed in Brazil

Sumario

Nota do Organizador

1

A Coisa Julgada no Controle Direto da Constitucionalidade Alexandre Freitas Camara

3

0 Controle da Constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal a Luz da Teoria dos Poderes Neutrais Alexandre Santos de Aragao

21

Da Declaragdo de Inconstitucionalidade e seus Efeitos em Face das Leis ncs 9.868 e 9.882/99 Carlos Roberto Siqueira Castro

39

A Eficacia Temporal das Decisoes no Controle de Constitucionalidade Daniel Sarmento

101

A Democratizagdo da Jurisdigdo Constitucional e o Contributo da Lei no 9.868/99 Gustavo Binenbojm

139

Discurso de Legitimidade da Jurisdigao Constitucional e as Mudangas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil Jose Adercio Leite Sampaio Democracia e Controle da Constitucionalidade Luis Antonio Cunha Ribeiro

165

219

Conceitos Fundamentais sobre o Controle de Constitucionalidade e a Jurisprudencia do Supremo Tribunal Federal Luis Roberto Barroso Velhos e Novos Rumos das Agoes de Controle Abstrato de Constitucionalidade a Luz da Lei ri2 9.868/99 Walter Claudius Rothenburg Lei n2 9.868, de 10/11/1999

233

269

293

Nota do Organizador

A presente coletanea reime artigos doutrinarios relativos ao controle de constitucionalidade das leis, enfocando especialmente as mudangas no sistema 'Atria promovidas pelo legislador atraves da Lei ri2 9.868, de 10 de novembro de 1999, que regulamentou o processo da Agao Direta de Inconstitucionalidade e da Agao Declaratoria de Constitucionalidade. E indiscutivel que o controle de constitucionalidade representa um dos temas mais importantes do direito constitucional contemporaneo. Corn efeito, é no contexto da jurisdigao constitucional que afloram as questoes mais controvertidas e candentes do direito moderno. As formas e limites de prestacao da jurisdigao constitucional condicionam a exegese e aplicacao da Constituigao, e sao dados essenciais na conformagao da estrutura politica de urn Estado e na edificagao do seu sistema de garantia dos direitos fundamentais. Nesse sentido, é ocioso frisar que o estudo dos mecanismos de fiscalizagao de constitucionalidade torna-se vital para a compreensao da ordem constitucional, em seu dinamismo. No atual cenario brasileiro, em que os desmandos do legislador — muitas vezes encarnado na figura do Chefe do Executivo, na sua diarreia de medidas provishrias — tornaramse corriqueiros, e essencial compreender os mecanismos de controle de constitucionalidade, indispensaveis para a protegao dos valores superiores do ordenamento, diante da vontade, tantas vezes arbitraria, dos detentores do poder. A Lei ris2 9.868, recentemente editada, alem de positivar em texto legal a jurisprudencia ja consolidada pelo STF em diversas questoes — como a inadmissibilidade de desistencia nas aches diretas e a legitimidade ativa do Governador do Distrito Federal e da Camara Distrital em ADINs incorporou inovagoes relevantes e controvertidas, como a introdugao da figura do amicus curiae, a previsao da possibilidade de dilagao

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei na 9.868/99

probatoria nos processos de fiscalizagao abstrata de normas, e, sobretudo, a relativizagao do principio da retroatividade dos efeitos das decisoes declaratorias de inconstitucionalidade. Trata-se, portanto, de diploma legal cujo conhecimento é essencial para todos aqueles que se ocupam e se preocupam com o direito patrio. Sem embargo, os estudos contidos na presente coletanea nao se restringem a abordagem das inovagoes da lei. Sao tarnbern analisadas questoes politico-filosoficas, que representam o inevitavel pano de fundo para as discussoes sobre o controle de constitucionalidade, dentre as quais a da sua legitimidade democratica e dos seus limites e possibilidades no Estado brasileiro. Nao é esta a hora de antecipar o conteudo dos artigos constantes desta coletanea, que ferem o tema do controle de constitucionalidade sob perspectivas e angulos diferenciados, e que sera° apresentados seguindo a ordem alfabetica dos nomes dos seus autores . 0 resumo das ideias dos colaboradores certamente as empobreceria, e roubaria do leitor o prazer de diretamente das suas proprias fontes. Por fim, resta agradecer aos autores da coletanea, que certamente, corn suas contribuigoes, estao colaborando para o aprofundamento dos debates sobre urn dos temas mais importantes do Direito Public° contemporaneo, e a Editora Lumen Juris, na pessoa do editor Joao Luis, que, generosamente, acreditou neste projeto e possibilitou a sua viabilizagao. Rio de Janeiro, marco de 2001.

2

Discurso de Legitimidade da Jurisdigao Constitucional e as Mudangas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil Jose Adercio Leite Sampaio*

Sumario: 1. Necessidade de reequilibrar os poderes constitucionais no Welfare State. 2. 0 deficit de legitimidade decorrente da praxis politica. 3. Reexame das razoes do legislador: "a doutrina da metodologia otima a legislagao enquanto dever constitucional". 4. 0 entrelagamento entre a maioria parlamentar e a composicao ou tendencias do tribunal da jurisdigao constitucional e a possibilidade de controle pelo Legislativo. 5. 0 respeito das regras do jogo democratico: garantia de urn processo politico adequado e protegac das minorias. 6. As declaragoes de direito e a necessidade de salvaguarda dos direitos fundamentais. 7. A posigao privilegiada do juiz: da imparcialidade a sabedoria. 8. A argumentagao como legitimidade. 9. A legitimidade extraida do statu quo e dos efeitos produzidos: do pragmatismo ao paternalismo judicial. 10. Justificativa (de)ontologica: Constituigao como norma. 11. Justificativa dogmatica: a previsao constitucional expressa. 12. A pretexto de uma conclusao contextualizada. 13. Referencias bibliograficas.

Desde Marbury v. Madison (5 U.S. 137 (1803)), a doutrina estadunidense se divide entre aqueles que defendem a atividade judicial de controle de constitucionalidade das leis, corn maior ou menor intensidade, e outros que a atacam sob diversas raz6es: a falta de sustentagdo constitucional, a sua feicao contramajoritaria e antipopular, destacadamente por nao ser o Judiciario provido de legitimidade democratica para anular urn Procurador da Republica, Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela UFMG, Professor da PUC/MG.

165

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei n2 9.868/99

diploma normativo elaborado pelos verdadeiros representantes do povo; e ate a inexistencia de valores constitucionais substantivos a serem promovidos ou interpretados pela Suprema Corte. Os "interpretativistas," como passaram a ser chamados alguns desses criticos, fulminam inclusive a metodologia da hermeneutica constitucional desenvolvida pelos justices (Bork. 1971; Devlin. 1976; Ely. 1980; Grey. 1991). A medida que os tribunais constitucionais europeus foram ganhando feigao institucional, com a prolagao de sentengas que desafiavam urn suposto equilibrio de poderes e a primazia dos Parlamentos como forum ideal para os debates de temas politicos mais relevantes para a sociedade, a mesma avalanche critica despencou sobre eles sem piedade (Cappelletti. 1984: 620 et seq). Essa talvez seja uma das questaes mais inquietantes na teoria politica e constitucional de nossos dias, despertando maltiplos desdobramentos, aqui so examinados superficialmente, a partir de onze argumentos recolhidos entre tantos formulados pelos defensores dos tribunais da jurisdigao constitucional e de seu papel de garante da Constituigao: a necessidade de reequilibrar os poderes constitucionais no welfare state (I) e de cornpensar o deficit de legitimidade da pratica politica (II), por meio inclusive do reexame das razoes do legislador (III); o entrelagamento entre maioria parlamentar e a competencia dos tribunais, para alem do seu controle pelo Legislativo (IV); o respeito das regras do jogo democratic° (V); a promogao dos direitos fundamentais (VI); a posigao privilegiada do juiz constitucional (VII); a argumentagao como legitimidade (VIII); a legitimidade extraida do statu quo e dos efeitos produzidos pelas decisoes (IX); as justificativas deontolOgicas (X) e dogrnaticas (XI). 0 debate se torna extremamente atual para a reflexao mais aprofundada sobre as graves e serias mudangas promovidas no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro pelas Leis risis 9.868/1999 e 9882/1999; bem como sobre o papel que o Supremo Tribunal Federal desempenha — ou deve desempenhar — em nosso sistema politico e constitucional. 166

Discurso de Legitimidade da Jurisdigao Constitucional e as Mudangas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil 1.

Necessidade de reequilibrar os poderes constitucionais no Welfare State

A existencia de uma judicatura atuante, sobretudo na forma de tribunais especializados, decorreu, para alguns, da necessidade de equilibrar os incrementos de fungoes dos outros dois poderes, Legislativo e Executivo, corn o crescimento do papel do Estado e sobretudo do welfare state. 0 primeiro engenheiro dessa arquitetura estatal foi o proprio legislador (Koopmans, 1978: 309). Mas a obra ganhou tal contorno e expressao que terminou por exigir a intervencao do Executivo e de sua maquina burocratica como repositorio de uma discricionariedade cada vez maior e, ainda mais, como detentor de urn poder normativo especial, reservado inicialmente apenas aos Parlamentos. Na verdade, o Legislativo dava sinais de incapacidade para atender as demandas do Estado-providencia. Em primeiro lugar, era cada vez mais flagrante o seu descompasso e lentidao para acompanhar o crescimento dessas demandas — as leis ou surgiam muito atrasadas ou perdiam atualidade corn assombrosa velocidade, e quanto mais se imiscuiam corn problemas tecnicos ou na tentativa de dar solugdo a tais problemas, mais chances apresentavam de descompasso e se mostravam confusas e ineficazes. Urn outro sinal de declinio vazava da propria dinamica do poder, a partir do que Bobbio (1987: 24) chamou de ''revanche dos interesses". Os politicos estavam muito mais preocupados corn valores ou problemas localizados, de sua clientela eleitoral ou de seus grupos de apoio, do que corn a solugao ou enfrentamento de problemas mais gerais, respeitantes a coletividade como urn todo. 0 que era para ser Estado-providencia transformou-se ern Estado-administragao, recrudescendo as preocupagoes corn o big government, pois, corn seu aparato burocratico, poderia nao apenas controlar a vida privada dos suditos, como desenvolver — como de fato desenvolveu — uma vontade e interesse 167

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei na 9.868/99

proprios, divorciados daqueles a que fora chamado para cumprir: a vontade e o interesse publicos. 1 Era nesse cenario de crescimento dos Poderes Legislativo, inicialmente, e Executivo, logo depois, que se desafiava, ate em nome da salvaguarda do principio da divisao de poderes, uma redefinigao de papeis e importancia do Judiciario, que escapasse do figurino de mero censor ou arbitro das relagoes privadas. A mudanga de nivel de importancia resultava na ampliagao do proprio conceito de judicatura, de modo a incluir, por um lado, agencias ou instituigoes publicas ou semipublicas, corn a finalidade de proteger os individuos e grupos sociais contra os excessos do setor piano) (ampliagao subjetiva); por outro, o controle jurisdicional de constitucionalidade (ampliagao objetiva). Urn exemplo da primeira ampliagao, antes inclusive do desenvolvimento descomunal do Estado do bem-estar social, pode ser encontrado no Conselho de Estado frances, que gradualmente se equipou corn urn poder todo especial de controlar as ilegalidades ou abuso de poder praticados pela Administragao. 2 A ampliagao objetiva seria dada corn o reconhecimento aos juizes da competencia para fiscalizar a constitucionalidade das leis. Curiosamente iniciada em urn pais da common law, essa ampliagao ganhou a forma de um controle desconectado de urn caso concreto, corn a instituicao dos chamados tribunais constitucionais por alguns paises da Europa continental. Na versao de Cappelletti (1984: 606), que poderia bem ser Lida corn o olhar de urn determinismo autopoietico, essa dupla ampliagao permitiu o reequilibrio dos poderes constitucionais sob os moldes do Estado social de direito.

1

2

168

Mesmo antes do welfare state, a sabedoria da maioria parlamentar havia sofrido urn seri° desgaste nao apenas corn sua visao particularista do processo politico, mas sobretudo por possibilitar o desenvolvimento dos regimes totalitarios nas decades de 20 e 30: Idem, p. 607. Tambern na Inglaterra, sobretudo corn as reformas judiciais de 1873 e 1875, esse poder foi conferido a High Court, Court of Appeal e a House of Lords: Loveland. 1996: 79 et seq.

Discurso de Legitimidade da Jurisdigao Constitucional e as Mudancas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

Esse reequilibrio pode ser visto ainda como uma interrelagao muito acentuada ou mesmo como uma confusao de papeis. E que a plasticidade dos textos constitucionais e o surgimento dos chamados direitos de prestagoes, fenomenos conaturais ou contemporaneos ao paradigma "social" do Estado, materializaram ou "remoralizaram" a ordem juridica (Habermas, 1996: 293), e, ao mesmo tempo, levaram a pó a distingao qualitativa entre o legislador e o juiz: 'Ambos os poderes criam o Direito na forma de concretizagao e entram em concorrencia ao faze-lo. Nesta relagao de concorrencia, o legislador tem a primeira palavra, enquanto a Corte constitucional tern a palavra que prevalece". (Bockenforde, 1991:194) Nao se discute, todavia, como esse equilibria de poderes ou a eliminagao parcial da distingao dos papeis do legislador e do juiz nao foram suficientes para impedir o malogro do paradigma social do Estado de Direito. Parece ate plausivel imaginar que o crescimento da atividade judiciaria tenha contribuido para o naufragio coletivo, pois nao passava tambem de uma forma de tutela ou de intervengao estatal, que importava custos adicionais a ja capenga economia publica, acelerando os impactos negatives da propria atuagao governamental. Pensese, per exemplo, nas crises politicas geradas per conflitos entre os poderes; nas dificuldades econornicas decorrentes da impossibilidade de arrecadagao de urn tribute julgado inconstitucional ou nos transtornos politicos e econornicos resultantes da interrupgao de programas ou politicas publicas pela mesma razao. Essa tentativa de legitimidade da jurisdigao constitucional importa, na verdade, uma simples explicagao de como a transformagao do Estado liberal para o Estado social de direito se fez acompanhar tendencialmente da mudanga de urn Estado parlamentar ou legislative para um Estado administrative e, enfim, judicial. 169

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei nsa 9.868/99

Ha uma variante dessa justificativa, no entanto, que procura transcender o proprio paradigma do welfare state para se situar precisamente nos desvios do processo politico tout court.

2. 0 deficit de legitimidade decorrente da praxis politica Os representantes do povo ao inves de exercerem o mandato na direcao de interesses gerais, terminam por perseguir o seu pr6prio ou de grupos de apoio, de modo que a vonlonte generale é corn freqUencia a vontade mais direta de grupos determinados. 3 Nao apenas o processo eleitoral apresenta distorgoes graves, que passam pela inercia ou apatia do eleitorado, de urn lado, e por campanhas marcadas por fortes apelos publicitarios, quase sempre desprovidas de contealo programatico, por outro, como ainda se lanca como uma ponte para que os grupos de apoio as candidaturas se convertam ern grupos de pressao ou de interesses no curso do mandato. Nesse instante, a fiscalizacao de constitucionalidade termina sendo urn instrumento eficaz de controle do processo legislativo, especialmente para desmascarar a transformagao do voto dessa minoria, interessada ou interesseira, na mitica vontade geral da maioria (Dahl, 1956: 125 at seq; Dworkin, 1996:85). O ativismo judicial se impoe assim como uma compensacao a essa falta de racionalidade da praxis politica, como uma forma de atenuar o hiato existente entre o ideal politico e a realidade constitucional ou de preencher o "vacuo [deixado] pela rernancia do legislador... do seu papel politico proprio" (Kutler. 1979: 523). A Corte Constitucional é vista, sob esse angulo, como "representante do povo ausente" (Ackerman. 1984: 1013) ou como "reserva do autogoverno," (Michelman. 1986: 65), conferindo legitimidade ao sistema constitucional como urn todo e a propria atividade governamental ern particular (Black Jr. 1991: 11). 3

170

Essa é a critica mais contundente dos empiristas como Shapiro. 1966: 24.

Discurso de Legitimidade da Jurisdigao Constitucional e as Mudangas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

Ackerman (1984; 1994 e 1998) distingue dois - niveis de decisoes fundamentais dentro de uma democracia: as "decisoes constitucionais", tomadas pelo conjunto dos cidadaos, em momentos episodicos de intensa mobilizacao e apps uma ampla discussao, que considera todas as solugoes apontadas, expressando-se na Constituicao ou em suas reformas; e as "outras decisoes" que sao tomadas pelos representantes do povo ordinariamente e que ganham a forma de leis nacionais ou locais. Todavia estas altimas decisoes nao podem violar ou tentar revogar aquelas decis6es de primeiro nivel, fazendo, portanto, necessaria a existencia de um orgao incumbido de salvaguardar as decisoes mais fundamentais do povo frente as investidas cotidianas de seus representantes. Ve no Judiciario, especialmente na Suprema Corte, o tal orgdo corn a legitimidade necessaria para realizar essa tarefa de controle. Sua analise do papel da Suprema Corte dos Estados Unidos em face do New Deal nos da conta dessa legitimidade. A oposiedo da Corte as medidas adotadas pelo Presidente Roosevelt que conduzira ao court-packing plan, revelara aos cidadaos que uma iniciativa constitucional estava sendo tramada por seus representantes, ao mesmo tempo em que exigia desses representantes urn esclarecimento adicional da natureza de seus propositos reformistas. A teoria ackermaniana nao fornece criterios seguros de identificaedo entre os dois niveis de decisao, deixando, de urn lado, a antevisao de niveis intermediarios pouco nitidos e, de outro, a delegagao ao Judiciario para delimitar, discricionariamente, ao fim, as fronteiras entre elas. Apresenta tambern urn seri° problema a concepgao de rigidez constitucional ao inserir uma nebulosa emenda nao escrita da Constituicao a que os tribunais deveriam respeitar e fazer cumprir. Nao demonstra, da mesma forma, por que seria o Judiciario a instituicao melhor capacitada para fazer esta importante distilled° ou para proteger as decisoes constitucionais (Gargarella, 1996: 139-141). Nao parece seguro acreditar, como Ackerman faz crer, que a rotineira apatia dos cidadaos, rompida apenas por excepcionais movimentos de mobilizacao, possa vir a ser suprida pela atuacao de urn tribunal. Esse argumento nao atende a necessidade de •e 171

0 Controle de Constituc onalidade e a Lei risi 9.868/99

justificar tal intervened°, nem sequer tenta buscar as razoes da indiferenga da cidadania em face da politica, denotando urn forte apelo a aspectos empiricos como dados de uma realidade imutavel (Waldron, 1993: 149 et seq). Tampouco se pode ver na inercia do legislador uma renuncia de poderes, segundo a velha maxima delegatus non potest delegare, como bem assinalou Gerald Gunther, citado por Berger (1997: 390), ao refutar "a visa° de que as cortes estejam autorizadas a agir quando existirem injustigas e quando outras instituigoes forem inertes. Isto é uma perigosa — e penso ilegitima — prescrigao para a atuagao judicial". Ha de se considerar a seri° o argumento de Schlaich (1984) de que a analise empirista nao se revela urn criterio de justificagao seguro para qualquer situagao, pois o regime de compensaeao nao cria competencia, sena° urn "poder de urgencia", cuja principal tarefa deve ser exatamente reduzir a p6 a sua necessidade. Ademais, a ideia de compensagao esta associada a urn deficit do proprio procedimento legislativo, que se vincula a carencias de tradigoes democraticas e parlamentares. Na tentativa de soluciona-las, corre-se o risco de perenizá-las de forma ainda mais ampliada: "Urn Tribunal constitucional, inclinado a decidir, pode precipitar ainda mais a fuga do legislador de sua responsabilidade. A compensagao de fungoes parlamentares por argdos no parlamentarismo pode impedir a formagao das capacidades parlamentares necessarias". (p. 228) A sua analise se detem no cenario politico alemao, mas pode ser, sem embargo, generalizada a outros dominios, pois se fixa no transporte do debate politico para o proprio tribunal, quando este deveria se estabelecer de forma mais profunda nos corpos legislativos, alimentando, por isso mesmo, os deficits do processo politico e legislativo: "Se uma decisao do T.C.F. (Tribunal Constitucional Federal alemao) praticamente retira do debate 172

Discurso de Legitimidade da Jurisdigao Constitucional e as Mudangas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

politico as possibilidades de modificagao dos grandes projetos legislativos, apreensiveis tambem de maneira plebiscitaria atraves das eleigaes, o resultado dessas [eleigOes] perde em grande medida seu carater decisivo. A oposicao pode esperar para fazer fracassar uma lei corn a ajuda do T.C.F. (ja atualmente esta possibilidade assenta corn frequencia seu comportamento durante o procedimento legislativo), logrando corn ele compensar sua posicao minoritaria no Bundestag (igual ao que utiliza o Bundesrat), sem que esse nivel de influencia venha avalizado por urn pronunciamento do eleitorado para constitui-la em maioria. A maioria eleita, por sua parte, corn a declaragao de inconstitucionalidade se ye liberada da responsabilidade da causa de sus leis, sem tornar-se intoleravel para o eleitor a causa de ditas leis." (idem: 332) Isso ganha contorno especial corn a adocao de uma "metodologia otima da legislagao, enquanto dever ou obrigacao constitucional".

3. Reexame das razoes do legislador: "a doutrina da metodologia otima a legislagdo enquanto dever constitucional" Muitos autores defendem urn controle judicial da genese legislativa muito mais amplo do que a analise formal e estreita dos ritos institucionalizados. A essa compreensao ampliada do papel do juiz constitucional, Schwerdtfeger chama de "doutrina da metodologia otima da legislagao enquanto dever constitucional" (cf. Schlaich, 1984: 226). Ha urn enfoque cognitivista sobre tanto: a Corte Constitucional deve procurar saber se o legislador procurou tornar conhecimento dos dados empiricos disponiveis e levou a serio e a fundo a experiencia social, se realizou em "equilibrio justo" entre os "valores em jogo" e se, ao fim, foi razoavel na sintese de todos esses ele173

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei 'IQ 9.868/99

mentos (Verhaltnismassigkeit ou reasonableness), antes de se manifestar pela existencia ou nao de vicios de procedimento legislativo. Essa tambem é a visao de nomes como Michelman (1988: 1.529) e Sunstein (1990:164) que propugnam o desenvolvimento de estrategias interpretativas, por parte das cortes, para enfrentar a praxis politica e legislativa distorcida, referida no anterior item, corn vistas a saber se uma decisao legislativa foi tomada corn base no interesse publico ou em raz6es justificadoras ou apenas em interesses privados, para, se for o caso, reconstrui-la. Essa reconstrucao envolve tambem questoes menos politicas: ainda que a genese legislativa nao se tenha contaminado corn interesses privados, caberia investigar a "prudencia do legislador" na solugao legal da "concorthncia dos valores" encontrada. Em seus termos, a investigagao judicial deve avaliar se a atuagao do legislador teria se dado de forma adequada, coerente, racional ou justa, examinando, por exemplo, se as distingoes feitas ou o tratamento legal dispensado a materia disciplinada nao teriam sido arbitrarios ou sem fundamento objetivo; seja por se mostrarem contra a natureza do direito ou a "natureza da coisa regulada", ao direito como um sistema unitario (racionalidade interna), em face, por exemplo, da incongruencia dos meios em relagao aos fins (juizo de adequagao ou pertinencia e de necessidade), de fins inconstitucionais (juizo de finalidade) ou da falta de justificativa para uma excegao em relacao a regra ou de uma ponderagao suficientemente fundamentada (juizo de proporcionalidade estrita); seja pela violagao do imperativo de justica que se extrai da concepcao principiologica da Constituicao (razoabilidade intrinseca) (Zagrebelsky, 1988: 129 et seq; 1994: 179 et seq). Ha quem se refira, nesses juizos, a referencias necessarias a urn sentido extraido da logica, do senso comum, da experiencia, das nogoes tecnicas e da consciencia social (Mortati, 1960: 725). 4 4

174

Denninger (1990) fala de "conceitos-constitucionais-chave" que permitem uma atuagao mais ampla e flexfvel dos tribunais da jurisdigao constitucional: princfpio da proporcionalidade, da reserva do possfvel, do direito a organizaca. ° a procedimentos de realizacao de direitos fundamentais.

Discurso de Legitimidade da Jurisdigdo Constitucional e as Mudangas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

Schlaich critica duramente essa assuncao metodologica e da propria teoria da adjudicagao, fixando como objeto imico de controle de legitimidade constitucional a "norma como produto legislativo" e nao a argumentagao ou qualquer outro procedimento do legislador. Ademais, a atuagao de um tribunal constitucional nao poderia desconsiderar ou fulminar as caracteristicas proprias da atividade parlamentar e democratica. 0 juizo de conformidade ou desconformidade de uma lei corn a Constituicao deve ser feito de forma objetiva: As teses de que a lei enquanto resultado, nao a genesis da lei, é o objeto do controle de normas, obriga a una diferenciagao em relagao ao procedimento individual perante o T.C.F.: o Tribunal pode naturalmente remontar-se as posigoes dos participantes no procedimento legislativo, por exemplo para reconhecer qual poderia ser o sentido da lei; sem embargo, isso nao se faz para determinar o conteado objetivo da lei. 0 problema de saber se uma lei é proporcional (apropriada, necessaria, nao excessiva) incita a remontar-se mais alem do resultado, a argumentacao no curso do procedimento legislativo; sem embargo, finalmente, nao se trata — como expressamente pronunciou, em uma ocasiao o T.C.F. — da arbitrariedade subjetiva do legislador ou das raz6es que expos para justificar uma determinada regulagao, senao que se trata "da impropriedade objetiva, vale dizer, real e clara de uma norma em relagao corn as situagoes de fato que deve regular (Rec. 51, 1, 27)". (1984: 227-228) Alem do mais, dessa perspectiva de "otimizacao metodologica" para a compreensao do texto constitucional como uma "ordem dura de valores" é urn pulo. Se os "conteados normativos" da Constituicao estiverem a disposicao dos juizes para uma avaliagao de "preferencia de valores", certamente, que estarao em perigo. "Quando uma corte constitucional adota a 175

0 Controle de Const tucionalidade e a Lei riLL 9.868/99

doutrina de 'ordem de valores'", diz Habermas (1996: 203), "pondo-a como fundamento de suas proprias praxis decisorias, o perigo de haver sentengas irracionais cresce, porque argumentos funcionalistas podem prevalecer sobre os normativos". Refere-se Habermas a intromiss6es, por meio de recursos a certos "principios" ou "bens coletivos" como o funcionamento do Estado federal ou da magistratura, a "paz reinante em certos setores", sociais e econOrnicos, a "seguranga do Estado", de juizos de conveniencia, oportunidade, custo-beneficio e ate de acordos — nao publicados — corn o governo em desprestigio Constituigao e sua normatividade (p. 309). Esses contra-argumentos recebem a resposta daqueles que veem a continuagao entre maioria parlamentar e composigao da Corte, em vista do sistema de sua escolha.

4. 0 entrelagamento entre a maioria parlamentar e a composigao ou tendencias do tribunal da jurisdigao constitucional e a possibilidade de controle pelo Legislativo A afinidade de ideias e opiniOes entre maioria parlamentar e membros do tribunal da jurisdigao constitucional parece ser o resultado mais previsivel em fungao do processo politico de escolha daqueles membros, permitindo-se falar, pelo menos hipoteticamente, numa reprodugao jurisdicional da vontade majoritaria, a constituir, assim, uma especie de "alianga nacional dominante" (Dahl, 1957: 293). A subversao ou rompimento dessa alianga, por exemplo, corn a adogao de decisOes judiciais divorciadas do "sentimento nacional prevalecente" podera conduzir ao desprestigio do tribunal e, em determinadas circunstancias, a superagao de sua jurisprudencia por meio de emenda constitucional ou, em situagao de crise institucional mais seria, a reformulagao — ou proposta de reformulagao — do proprio tribunal. Esse poder de emenda (amending power) é apontado como urn elemento de "controle do controlador" que confere ao Legislativo a Ultima palavra sobre os assuntos e confli176

Discurso de Legitimidade da Jurisdigao Constitucional e as Mudangas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

tos constitucionais. Em face dele, a fiscalizagao jurisdicional de constitucionalidade se resumiria a analise da irregularidade do procedimento e a indicagao da forma, legislativa ou constitucional, que se deveria usar na edigao de uma norma, deixando a apreciagao politica a avaliagao de seu valor intrinseco (Eisenmann, 1986: 17). Nos Estados Unidos, ele tern sido usado corn relativa frequencia. A Emenda XI, por exemplo, visou limitar a jurisdigao dos tribunais federais, sensivelmente ampliada pela sentenga proferida em Chisholm v. Georgia; a Emenda XIV foi aprovada para impedir a prevalencia da decisao tomada em Dred Scott v. Stanfort (18 Howard 450 (1857)), em que se recusara a cidadania e certos direitos civis aos americanos descendentes de africanos, escravos ou livres, mesmo que nascidos em territorio norte-americano; a emenda XVI foi dirigida contra a doutrina de Pollock v. Farmer's Loan and Trust C. (157 U.S. 429 (1895)), que havia declarado inconstitucional o imposto sobre renda se nao houvesse repartigao entre os distintos Estados; e a Emenda XXVI, de 1971, visou anular a sentenga de Oregon v. Mitchell (400 U.S. 112 (1970)), que vedara o Congresso de fixar a idade de voto nas eleigoes estaduais (amending power). Nos casos de anulagao de algumas leis do New Deal, uma vez mais a Corte esteve sob a mira dos outros Poderes, especialmente do Executivo. A apresentagao de urn projeto de reforma da Corte, denominado de Court packing plan, que restringia a sua cornpetencia, ampliava de nove para quinze o marnero de juizes e previa a jubilagao compulsoria aos setenta anos de idade, fez corn que o posicionamento se invertesse. Em margo de 1937, reconheceu constitucional uma lei estadual sobre salarios minimos, similar a que havia anulado nova meses antes; em abril, declarou a constitucionalidade do National Labor Relation Act, de natureza analoga a disposigoes anteriores sobre temas trabalhistas e sindicais que haviam sido declaradas inconstitucioais por violagao do direito de propriedade e da clausula do devido processo legal. A chamada ala conservadora teve de deixar a Corte ou mudar de opiniao. Estimulado por uma lei que aumentava os beneficios da aposentadoria, o Juiz Van Devanter deixou 177

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei nQ 9.868/99

logo a Corte, sendo seguido por McReynolds, Sutherland, Harding, Butler, Owen Robert, de modo que, em 1941, apenas urn juiz pre-Roosevelt permanecia na ativa. A tese so é parcialmente aceitavel, pois nem todos os paises adotam o sistema de investidura vitalicia, nem é universal o sistema de escolha adotado nos Estados Unidos ou o poder de emenda para a superagao da jurisprudencia da corte. Nao se pode perder de vista, ainda, que a identidade entre posigaes dos juizes e orientagoes esperadas por quem os nomeou tern ficado apenas no piano das possibilidades. Conta-se, por exemplo, que Warren, politico conservador ligado ao Partido Republicano, teria sido nomeado por Eisenhower para acentuar o conservadorismo da Suprema Corte. 0 periodo em que esteve como Chief Justice, no entanto, foi marcado por profundo ativismo judicial, a ponto de se falar em "revolugao juridica" ou "judicial", levando Eisenhower, algum tempo depois, a considerar a nomeagao o maior erro de sua presidencia (Ely, 1980: 47). 5 Se nao ha a garantia desse entrelagamento ou da conespondencia entre o pensamento dominante e a jurisprudencia da corte, é mais prudente que se defenda apenas a fungao judiciaria de tutela das regras do jogo democratic°.

5. 0 respeito das regras do jogo democratico: garantia de urn processo politico adequado e protegan das minorias A existencia de uma Constituigao pluralista, que, de urn lado, refunda a sociedade sob urn novo patamar em um pactum societatis e, de outro, constitui cada potestade politica, por meio de urn novo pactum subjetionis, exige para Gustavo Zagrebelsky (1988) uma jurisdigao constitucional que corn sua imparcialidade, permita o livre desenvolvimento das forgas

5

178

Posner (1985: 31) registra em torn critic°, contudo, que "judgeships normally are rewards for political services".

Discurso de Legitimidade da Jurisdicao Constitucional e as Mudancas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

sociais e politicas. A inexistencia, sob tais condigoes, de urn poder dominante efetivo, como o do monarca ou de uma classe hegemonica ou de urn povo "ern si unido e concorde" impoe que cada decisao coletiva seja fruto de um contrato ou de urn compromisso plurilateral dos varios atores, como é a "Constituigao dos estados de partidos", uma "Constituigao sem soberano", cujo apelo ao povo nao passa de retorica, pois o povo é urn grupo de heterogeneidades, urn conjunto de diferengas, permeadas por pontos comuns. Ressaltam-se as diferengas para tornar a sociedade urn campo nao de lutas pela soberania, como nos periodos dualistas, mas "para meihorar a propria posigao no interior de urn contexto marcado pela presenga de muitas forgas, politicas, econamicas, culturais: tao numerosas que tornam irrealista a pretensao de uma, apenas uma, vencer todo o resto e reconstruir ern torno de si urn poder soberano como aquele em outros tempos". (p. 26) A Constituigao, repete-se, é "fruto de acordo entre numerosos sujeitos particulares" que visa proteger a propria identidade politica da comunidade, nunca, como no Antigo Regime, urn resultado de acomodagoes particulares dos interesses dos corpos sociais. De modo que o Direito Constitucional da vida a urn sistema aberto para a pluralidade de forgas, nao formando urn involucro fechado, nem instaurando uma "totalitaria tirania dos valores", que visa atingir a uma .determinada — e unica — configuragao social e politica. Por esse carater conflitual intrinseco e por uma perspectiva de compromisso de lealdade em torno das regras do jogo, e que a "Constituigao... realiza a condigao historico-concreta da justiga constitucional", de urn orgao imparcial que desempenha o papel neutro de defesa das condigoes do pluralismo, corn vistas "a sobrevivencia e a garantia reciproca de cada forga". Sobrevivencia e garantia que se revelam como armadura contra os riscos de ruptura dentro do sistema de coalizoes de forgas: 179

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei rill 9.868/99

A justiga constitucional nao é entao uma garantia, por assim dizer, isto é, dirigida defesa das condigoes fundamentais de existencia da Constituigao. E uma garantia 'secundaria' que, descontada a existencia da Constituigao, deve preocupar-se corn o seu funcionamento". (pp. 27-28) Numa linha tambern procedimental, tern-se afirmado que a conciliagao do constitucionalismo corn a democracia exige que se distribuam adequadamente as tarefas entre Legislativo e Judiciario, cabendo aquele, pela forga de seu poder representativo da maioria, identificar, sopesar e acomodar os valores fundamentals da comunidade e ao Judiciario, a missao de garantir o funcionamento do processo politico de maneira a permitir que seus canais estejam sempre abertos a todos. Essa é a linha sustentada do John Hart Ely: "Melhor do que ditar resultados substantivos, [o juiz] intervem somente quando o 'mercado', no nosso caso o mercado politico, estiver sistematicamente funcionando mal" (pp. 102-103). Para Ely, esse malfuncionamento poderia ser visto na restrigao aos canais de participagao politica, negando-se a voz ou o voto de alguns grupos ou pessoas, impedindo que haja alternancia no poder ou permitindo que sistematicamente uma maioria se sobreponha a uma minoria. "Juizes nomeados sao... outsiders em nosso sistema governamental e dificilmente precisam se preocupar corn a sua permanencia no cargo. Isso nao lhes dd o especial canal de comunicagao corn os genuinos valores do... povo... (Mas) os coloca em uma posigao objetiva para poder identificar... que, por obstruirem os canais de alternancia ou por agirem como instrumentos de uma tirania da maioria, nossos representantes eleitos, de fato, nao estao representando os interesses daqueles que o sistema pressupoe que eles estejam". (p. 103) 180

Discurso de Legitimidade da Jurisdigao Constitucional e as Mudangas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

Essa visao procedimental da tarefa judicial — de quebra, tambem da propria Constituigao — denominada por Ely de representation reinforcing approach, transforma o Judiciario, especialmente o juiz constitucional, num guardiao da lisura do processo democratic°, a permitir que identifique, pondere e reforce os valores substantivos da comunidade. 6 A sua intervengao torna-se imperiosa para assegurar a ampliagao e a efetividade do sufragio universal, exercendo urn fino controle sobre a definigao dos distritos eleitorais, distribuigao, representatividade e qualificageo dos eleitores, levando-se ern conta o fato de que o direito ao voto é essencial ao processo democratic° e que, por isso, nao pode ser deixado "aos nossos representantes eleitos, que tern urn obvio interesse na manutengao do statu quo." (p. 117). A transparencia do processo eleitoral e legislativo, a afirmaga° da responsabilidade dos representantes ern face dos representados, por meio da doutrina da nao delegageo, e a efetividade da democracia, ao fim, passam necessariamente pelo reforgo da liberdade de expressao e associagao, assim como pela garantia dos direitos processuais dos individuos: "Direitos como esses, expressamente declarados ou nao, devem, todavia, ser protegidos, energicamente, porque sao criticos para o funcionamento de urn processo democratic° aberto e efetivo" (pp. 105; 125; 172 et seq). Embora essa seja uma linha a que Ely se filie, "as cortes devem policiar restrigoes a expressao e a outras atividades politicas, porque nos nao podemos confiar ern nossos representantes eleitos [inteiramente]" (p. 106), ele levanta uma seria &wide quanto a efetividade da atuagao das cortes ou quanto a fianga aos parametros que utiliza: "As cortes tendem a ser varridas pela mesma sorte de temores que movem os legisladores e as autoridade executives, e a Primeira Emenda provavelmente resulta uma barreira apenas teorica" (p. 107)." No entanto, renova a esperanga numa protege° mais efetiva das liberdades de crenga e, especialmente, de expressao, como forma de "limpar os canais de mudangas politicas": -

6

Tambern Habermas (1996: 312 et seq), aderindo, interpreta, a sua maneira, a visao procedimentalista de Ely. E é muito parecido o entendimento de Haberle. 1978; 93 et seq. 181

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei risi 9.868/99

"Talvez nos nao estejamos preparados, mas nos [devemos] aumentar as chances, presentes hoje, para construir barreiras de protegao em torno da livre expressao tao seguras quanto as palavras podem indicar". (p. 116) Urn terceiro elemento a requerer protegao especial no ambito do judicial review seria o da garantia de participagdo igualitaria dos grupos minoritarios no processo politico: "NOs temos visto... que o dever de representagdo que reside no coragao de nosso sistema requer mais do que uma voz e urn voto". A identificagao de grupos sociais total ou parcialmente excluidos deve ser buscada sempre por tras da legislagdo e das medidas administrativas como forma de afastar os atos da maioria que tendam a discrimina-los ou impedi-los de ativamente participar do processo politico, tarefa que complementa o exercicio de limpeza dos canais das mudangas politicas (pp. 135 et seq). Essa preocupagao exposta por Ely tern estimulado certas praticas institucionais tendentes a garantir uma participagao minima dos grupos sociais menos favorecidos na composigao dos tribunais. Imagina-se que a presenga de grupos minoritanos permitiria o desenvolvimento de uma sensibilidade mais agugada e de urn empenho muito maior na realizagao da tarefa de inclusao das minorias nos processos decisorios da sociedade. Lembremos, a proposito, que a Corte Suprema do Canada reserva urn tergo de seus lugares para juizes de Quebec e do movimento crescente nos Estados Unidos nesse sentido, que culminou corn as designagoes da Juiza O'Connor e de Marshall, Scalia e Thomas. Ainda que Ely nao se tenha ocupado mais detidamente da legitimidade de as cortes intervirem no ambito do proprio processo legislativo, de forma a resguardar os "direitos processuais democraticos" das vozes minoritarias no Congresso, nao parece exagero estender as suas conclusoes ate a esse ponto. E duvidoso, contudo, que chegasse a admitir o recurso das minorias politicamente representadas a questionar judicialmente as opgaes de valores feitas pela maioria, por suposto 182

Discurso de Legitimidade da Jurisdicao Constitucional e as Mudangas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

atentado aos valores substantivos da democracia ou da sociedade. A protegao ou compensagao da minoria se limitaria a assegurar-lhe direitos de igual participagao, de corregao procedimental e nao de prevalencia de suas opgaes valorativas. Mas ha quem leve a legitimidade de controle judicial ate esses dominios. A democracia, para eles, nao seria apenas o regime da maioria, mas tambern o respeito e protegao dos grupos sociais minoritarios, tanto daqueles que se apresentassem, como admitia Ely, numericamente menos expressivos, quanto daqueles, sob a discordia do professor de Stanford, que nao tivessem chances efetivas de acessar a cargos politicos, alcangando, em qualquer de seus sentidos, os que compusessem os corpos legislativos na mesma condigao de minoria. Em diversas situagoes, ficam evidentes os beneficios que gozam as minorias politicas pela intervengao do juiz constitucional. Do ponto de vista formal, elas tendem a ser tratadas como iguais e possuem iguais oportunidades de debater e defender suas teses e interesses, com maior probabilidade de exito, em face dos grupos majoritarios e do processo legislativo (Shapiro, 1966: 34 et seq). Os juizes, nesse sentido, estariam muito mais capacitados "a escutar as vozes dos excluidos" e, corn isso, a assegurar a presenga "das vozes ate agora ausentes dos distintos grupos sociais emergentes" (Michelman, 1988: 1.524 et seq). Alem do mais, o comportamento da maioria parlamentar tenderia a se pautar pela orientagao tracada pelo juiz constitucional; tanto assim que se se exceder em sua atuacao e softer corn isso o "desprestigio" de urn reconhecimento da ilegitimidade constitucional de seu proceder, sentirse a forgada a recuar embora nao se possa negar, por outro lado, que se os seus atos forem confirmados por uma decisao judicial, sua posigao estara mais consolidada, restando a minoria, enfim, resignar-se (Bickel, 1986: 31). Ainda ha de se acrescentar, muito alern da precariedade de urn regime parlamentar, acima discutido, embora dela tambern produto, a possibilidade de correcao dos excessos outros, cometidos pelo legislador. Deve-se perceber que essa intervengao se projeta muito alem do umbral de uma fiscalizagao do -

183

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei nQ 9.868/99

procedimento, pois se detern sobre o produto do trabalho legislativo e sobre a revisao da opgao valorativa realizada. Sob uma tal mirada, o grau de intervengdo sera tanto maior, quanto menor for o credit° no processo democratic°, que tern na formagao das leis urn desdobramento importante, a permitir a valoragao da oportunidade e conveniencia da atuagao legislativa, avangando sobre dominios muito mais complexos, tanto como instrumento de tutela de uma autonomia pessoal indevassavel as investidas de "leis perfeccionistas", destinadas a impor ideais da boa vida ou da virtude pessoal; quanto como protegao da "continuidade de uma pratica constitucional moralmente aceitavel" (Nino, 1990: 128; 131 et seq), que, em qualquer das duas hipoteses, dara auctoritas as cortes na ampliagdo do ato fundacional ao lembrar ao povo de suas origens, informando a compreensao de autogoverno sob o imperio da lei (Michelman, 1988: 1508). Pode, contudo, ser reduzido a urn mero juizo de imparcialidade da decisao legislativa tomada, concebido simplesmente como uma verificagao da exigencia de tratamento igualitario ou de uma igual consideragao de todos, que, embora recusando uma interpretagdo construtiva orientada por principios aos moldes de Dworkin, termina Ely reconhecendo como necessaria nos seus apelos a igualdade nos procedimentos democraticos (Habermas, 1996: 318; Gargarella, 1996: 157-158). Seja sob a formula ativista de uma revisdo ampla, seja sob uma aferigao de imparcialidade, a doutrina de controle da constitucionalidade material serve, ao menos, para denunciar o reducionismo da concepgao procedimentalista do tipo da de John Hart Ely. A afirmagao de uma "orientagao antitruste" para a tarefa judicial, destinada exclusivamente para assegurar as condigoes de competigao politica e insuficiente, pois se assenta numa ideia de democracia como barreira das imperfeigoes humanas ou como forma de evitar os abusos de uns grupos em relagao a outros (Sunstein, 1993: 144). Considera ainda, de forma equivocada, que as preferencias dos varios atores, anonimos ou nao, langadas na "roda viva" do processo politico, estao fora do sistema politico e, portanto, isentas — ou arbitrariamente isentas — de uma discussao 184

Discurso de Legitimidade da Jurisdicao Constitucional e as Mudangas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

sobre a sua veracidade e correcao no esparto de uma discussao piablica (Gargarella, 1996: 156-157; 1991: 198). Ainda que nao se possa afastar totalmente a possibilidade de urn "individualismo episternico", na base do qual se situa a reflexao individual como forma exclusiva de "conhecimento dos principios validos da moralidade social", havendo de the reconhecer o papel complementar de uma interagao comunicativa socialmente ampliada (Nino, 1991: 117 et seq), a submissao dos pontos de vista formulados a partir da reflexao solitaria ao discurso corn potencialmente todos os interlocutores sociais passa a ser exig8ncia inafastavel para uma pretensao universalizante, nao podendo ser, assim, exagena ao processo democratic° como pressupoe Ely. Por outro lado, nao se pode, como ja assinalamos, fazer do tribunal urn outro palanque para a revanche de uma luta politica perdida para a maioria no Parlamento. 0 acerto do presente argumento esta no relevo de uma instancia que, de certo modo, monitora o processo politico, podendo, entre uma e outra consulta ao eleitorado, intervir sempre que a ala majoritaria desrespeitar os direitos e prerrogativas das minorias. "Se existe urn forte poder judicial", escreve Wolfe, "sera natural que os 'perdedores' no processo politico ordinario (vale dizer, a legislatura) intentem buscar a simpatia do ramo judicial" (1991: 25). Jamais, contudo, sub-rogar-se, per se, nos interesses e razoes da minoria derrotada. Mas ha quem justifique a existencia de uma jurisdicao constitucional para alem da garantia das regras do jogo democratic° e dos direitos politicos, vendo-a como indispensavel protecao dos direitos fundamentais.

6. As declaragoes de direito e a necessidade de salvaguarda dos direitos fundamentais A crescente adocao das declaracoes de direito e o vertiginoso ganho de seu conteudo criaram, sobre as jurisdigoes de quase todo o mundo, uma extraordinaria demanda de 185

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei nra 9.868/99

protecao. Sem falar dos Estados Unidos, que possuem desde 1791 urn conjunto de emendas constitutivas do bill of rights corn valor de direito positivo e de remarcada influencia na jurisprudencia da Suprema Corte, bem como de varios 'Daises da civil law que, em maior ou menor escala, tambem vem o Judiciario como uma instancia de promocao e defesa dos direitos fundamentais, alguns paises da Common Law, mais acostumados corn a posicao soberana do legislador, passaram a admitir que os juizes realizassem relativo controle sobre os atos legislativos em face de tais direitos. A declaracao canadense de direitos de 1960, por exemplo, embora nao possua valor constitucional, nao pode ser violada por lei ordinaria, a menos que o Parlamento expressamente se manifeste nesse sentido; foi como decidiu, em 1969, a Corte Suprema daquele pais em The Queen v. Drybones. Na Australia, certos direitos fundamentais estao incorporados no texto da Constituicao e tern sido aplicados pelos juizes contra os legisladores inclusive. Assim tambem na Irlanda embora corn uma particularidade: desde 1937, a Constituicao criou urn sistema de controle de constitucionalidade das leis, inicialmente restrito a Alta Corte e a Suprema Corte Irlandesa. Apes Ryan v. Attorney General, esse poder foi reconhecido a todos os tribunais. E mesmo no Reino Unido, houve ensaios dessa tendencia, corn a sua adesao a Convencao europeia dos direitos do homem (Heuston. 1967: 205 et seq; Cappelletti. 1984: 615). 0 que tern de especial esses direitos para justificar tamanha expansao? Desde a sua veia jusnaturalista e ate em formulacaes positivistas, passou-se a considerar a protecao de certos direitos ditos "inalienaveis" ou "fundamentais" como indice de legitimidade do sistema constitucional, embora fosse denunciada sempre a imprecisao de seu conceito ou a manifestagao de sua fundamentalidade. Na verdade, as concepcOes teoricopraticas desses direitos se encontram marcadas pela ideologia ou corrente filosofica a que se filia o pensador, podendose, exemplificativamente, falar de uma linha kantiana, de Rawls (1993: 82) e Dworkin (1996: 131 et seq), corn os seus 186

Discurso de Legitimidade da Jurisdicao Constitucional e as Mudancas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

"direitos basicos" de igual consideragao e respeito; ao lado de uma linha lockeana, de Nozick (1979: 11 et seq) e, de certa forma, Epstein (1985), corn a reducao da lista de direitos ao direito de propriedade; entremeadas corn outra socialista ou materialista de Fiss (1979), Chopper (1980), que realca os direitos de grupos desfavorecidos. Essa variedade de concepgoes se projeta tambem nas justificativas apresentadas para a realizacao ou "otimizacao" desses direitos por atuacao do juiz constitucional. Sob uma perspectiva liberal, por exemplo, tais direitos devem ser protegidos como forma de impedir que argumentos de policy, de politicas publicas, de "razao do Estado" ou de interesse coletivo se sobreponham a esfera de autonomia dos individuos: os direitos individuais, como "cartas de trunfo", devem se protegidos mesmo as custas do interesse geral (Dworkin, 1996: 146). Uma leitura jusnaturalista, diria, mais aristotelica, em Perry, remete-nos a ideia de direitos que promanam de uma objetividade suprapositiva, quer dizer, de existencia independente "do que a maioria [do povo]... acredita [ou reconhece], seja no curso prazo, seja no longo prazo", fazendo imperiosa a atuacao firme da Corte em sua revelagao e afirmacao, mesmo em face de decisoes parla mentares. Apenas assim se poderiam conciliar as exigencias de urn compromisso social democratico, fundado no controle do eleitorado sobre as decisaes politicas de seus representantes, corn a "compreensao religiosa" da comunidade, a desafiar incessantemente a visao prospectiva e superadora das "imperfeicoes da moral convencional prevalecente": a Corte deve avaliar as escolhas politicas sob o prisma da moral politica, aceitando-as ou rejeitando-as, se houver o atendimento, ou nao, das exigencias "religiosas" dos direitos humanos (1991: 21, 22). Essa compreensao dos direitos é apresentada por alguns como urn "fundamentalismo equivocado": os direitos nao devem ser protegidos por serem resultado de brilhantes reflexoes de urn filosofo ou juiz, ou por serem apenas "cartas de trunfo", asseguradas pelo Judiciario contra decisaes legislativas da maioria, mas porque sao a expressao de uma vontade 187

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei nil 9.868/99

popular de nivel superior e, portanto, expressao maior da democracia. Nesse sentido, os direitos nao seriam, em si, valores supremos ou substantivos, mas tecnicas instrumentals de abertura do sistema constitucional ao tempo e aos valores pluralistas (1-laberle, 1978: 93 et seq). Mas a quem caberia modular essa abertura? Pelo menos tres respostas podem ser dadas: apenas ao juiz constitucional, ao legislador apenas ou a ambos. E dificil a defesa da exclusividade do juiz constitucional na atividade de promogdo dos direitos fundamentais, sendo mais correntes teses que falam do seu melhor preparo ou da sua posigao privilegiada para exercer essa tarefa, tema que sera tratado mais adiante. Para muitos autores, a fungao seria comum a todos os atores constitucionais, embora se encontrem variagoes de acordo com a resposta que se de a pergunta: pode o juiz constitucional revelar direitos nao escritos? Se, para uns, o sim nao se revela tao problematic° (cfr. Rossinelli, 1987; Panthoreau, 1994); para outros, a definigao de direitos basicos nao expressos estaria a cargo do legislador e nao do juiz (Grey, 1991: 37)." E ha quem recuse a ligagao necessaria entre protegao dos direitos e Judiciario. Para Theodore Becker (1970: 226), por exemplo, paises como Inglaterra e Suiga dao conta de que "uma cultura pode simultaneamente prescindir do controle judicial e assegurar a seus cidadaos uma importante quota de liberdade individual". Assim tambem, Peter Haberle (1991: 340-341) indaga se o ativismo judicial em materia de direitos fundamentais nao traria como conseqiiencia certo descuido da "cultura democratica de debate" (Streitkultur), indispensavel arena politica, inclusive o descuido, por parte do legislador, da propria missao de configuragao legislativa desses direitos. Sera mais dificil, sem diavida, definir um papel ativo da jurisdigao constitucional na revelagdo de direitos nao escritos do que na protegao dos direitos expressamente declarados. Mas sera que ambas as fungoes nao podem ser justificada pela privilegiada posigao do juiz constitucional? 188

Discurso de Legitimidade da Jurisdicao Constitucional e as Mudangas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

7. A posigao privilegiada do juiz: da imparcialidade A sabedoria 0 distanciamento do juiz das causas politicas, do choque de opini6es, das tendencias das faccoes dao-lhe os atributos necessarios para a defesa imparcial das normas constitucionais. Esse era o pensamento de dois grandes teoricos politicos norte-americanos, Madison e Hamilton. Ficava patente para Madison (1961b: 316) que urn estatuto que conduzisse ao afastamento dos juizes, das paix6es populaces, cultivaria urn senso de responsabilidade e a virtude do born exercicio da defesa constitucional: "[os juizes], pela forma como sao nomeados, assim como pela natureza e permanencia nos cargos, estao muito distantes do povo para compartilhar as suas simpatias". Parecia claro para Madison que nem a minoria nem a maioria poderia ser confiada a missao de definir a liberdade uma da outra, restando o recurso a Suprema Corte a quern caberia desenvolver uma teoria de arbitragem, constitucionalmente fundada. De modo mais expresso, Hamilton (1961b: 469) ressaltava a independencia judicial como "necessaria para proteger a Constituicao e os direitos individuais dos maus humores que as artes dos homens calculistas ou a influencia de conjunturas especiais disseminam entre o povo..." A "integridade e a moderagao do Judiciario" levariam a uma defesa mais efetiva contra as leis que violassem direitos, contra as leis injustas e parciais: 'Aqui tambern a firmeza da magistratura judicial é de suma importancia para mitigar a severidade e limitar a aplicagao de tais leis" (p. 470). Seria racional supor que as cortes fossem concebidas como urn "corpo intermediario entre o povo e a legislatura, corn vista a, dentre outras coisas, manter esta ultima dentro dos limites assinalados para a sua autoridade" (p. 467). Pela natureza de suas fungoes e pelo fato de o Judiciario nao dispor de forga para executar os seus comandos ("neither FORCE nor WILL") , seria "sempre o menos perigoso para os direitos politicos [assegurados] pela Constituicao". (p. 464). A 189

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei na 9.868/99

tarefa judicial, por outro lado, impunha o exercicio de controle de constitucionalidade das leis: "A interpretagdo das leis é competencia propria e peculiar das cortes. Uma Constituigao é, corn efeito, e deve ser considerada pelos juizes, uma lei fundamental, pertencendo a eles, portanto, precisar o seu significado tanto quanto o significado de qualquer ato particular advindo do corpo legislativo. Se acontecer de haver urn desacordo inconciliavel entre eles, aquele que tiver validade e obrigagao superior deve, por &via, ser preferido; ou, em outras palavras, a Constituigao deve ser preferida a lei, a intengdo do povo a intengao de seus agentes". (p. 467) Hamilton procurava afastar o argumento de que essa cornpreensao pressupunha a superioridade do Judiciario sobre o Legislativo, contramajoritariamente: lelaj pressup6e apenas que o poder do povo é superior a ambos [Legislativo e Judiciario];" ou que os juizes devem ser governados pela Constituigao antes que pelas leis, que "devem regular suas decis6es pelas leis fundamentais antes do que por aquelas que nao sao fundamentals" (p. 468). E essa construgao nao derivava de nenhuma lei positiva, apenas "da natureza e razao das coisas". (p. 468) Tambem para o Ruy Barbosa, escolado em Pomeroy, o Judiciario seria a fonte indispensavel de garantia da Constituigao, por permitir, feito arbitro, que os conflitos de competencia dos outros poderes nao se reproduzissem aminde e, quando ocorrentes, fossem resolvidos pacificamente: "0 papel dessa autoridade é de suprema vantagem para a ordem constitucional, impossivel, neste regimen, desde que um poder estranho aos interesses politicos e as suas influencias dissolventes nao constitua o lago de mediagao e harmonia juridica entre as forgas que se defrontam no systema, amparando, ao mesmo tempo, corn a sua soberania moral 190

Discurso de Legitimidade da Jurisdigao Constitucional e as Mudancas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

o direito, no individuo, na Uniao e nos estados, em seus frequentes conflictos". (1933: 405-406) Mais recentemente, Alexander Bickel voltou a falar que os juizes tern ou devem ter o tempo, o treinamento e o isolamento necessarios, bem assim a cultura propria e o costume institutional para perseguir mais objetivamente o interesse publico: "Seu isolamento e o maravilhoso misterio do tempo dao as cortes a capacidade de apelar para a melhor natureza dos homens, para extrair suas aspiracoes..." Como bastiao da moralidade e integridade, da "voz da razdo", terminam tendo o papel decisivo de uma instituicao de educagao para o povo, para o legislador e administradores, para os proprios juizes. A funcao quase mistica da-lhes, em especial a Suprema Corte, a tarefa indeclinavel de "concretizar o simbolo da Constituicao", vale dizer, da "nacionalidade, da continuidade, da unidade e do objetivo comum" (1986: 25-26, 27, 31). Para Dworkin, tambem aos juizes é reservado urn papel de fundamental importancia para a comunidade. Mas para cornpreendermos melhor suas afirmacoes, é preciso indicar o significado de "integridade" de que o consagrado autor fala. Para ele, a integridade seria urn pre-requisito da civilizacao e se expressaria num coerente corpo de principios que vincularia "agentes morais" e que permitiria a cada urn reconhecer nos atos dos outros uma concepgao de lealdade ou justica ou decencia, mesmo quando rid° estivesse de acordo corn as suas proprias concepcoes. Essa demanda de integridade conteria dois principios praticos: urn, denominado de "principio da integridade da legislagao", a exigir do legislador o respeito aquela coerencia de conjunto, especialmente aos direitos basicos, morais e politicos, dos individuos e ao requerimento de "igual respeito e consideragao"; outro, "principio da integridade da adjudicagao", tambem a requerer do juiz uma decisao que parta daquela coerencia, daquele sentido de justica e igual consideracao para reforga-los ao final (1991:166-167, 219, 221), apos uma operagao complexa e dificil: "0 Direito como integridade... requer que urn juiz teste a sua interpretacao em cada 191

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei risi 9.868/99

uma parte da imensa rede das decisoes e estruturas politicos de sua comunidade, indagando se ela forma parte de uma teoria coerente que justifique aquela rede como urn todo". Por essa razao é que ele imagina "urn juiz herculeo corn talentos superhumanos e sem limitagao de tempo" (p. 245). Embora, seja esse urn modelo de aproximagao, langa para o juiz uma tarefa de extrema delicadeza e o coloca no centro de gravidade daquela rede como uma especie de filtro ou de oraculo de sua moralidade ou coerencia; ainda mais se se tratar de uma questao de natureza constitucional e se, entao, subir ao Olimpo da Suprema Corte. Hercules continuara a usar o mesmo procedimento descrito, mas corn especial particularidade: a Constituigao é o fundamento de outras leis, de modo que a interpretagao que Hercules the der sera igualmente fundamental e tanto mais quanto revisar a atividade legislativa: "Quando ele intervern no processo de governo para declarar alguma norma ou ato de governo inconstitucional, ele o faz em um julgamento consciente sobre o que a democracia realmente é e sobre o que a Constituigao, mae e guardia da democracia, realmente significa" (p. 399). A posigao privilegiada do juiz de distanciamento dos interesses politicos concretos e o amparo de uma tradigao institucional fornecem as bases da confianga no sucesso de urn tal Hercules (1996: 85, 87). 7 Ao menos no que tange aos doffs primeiros autores, podemos, corn Freeman (1980: 124), identificar naquelas posigaes urn certo tributo ao pensamento elitista que, desde Platao, passando por Locke e Burke, sempre desconfiou da capacidade do povo para escolher o proprio destino. Apenas uma camada ou estrato de sabios, de filosofos para Platao, teria pleno discernimento para gerir o destino da coletividade. Assim como parecia para Locke que as "verdades primeiras" escapavam da percepgao da maioria ou, como em Burke, a razao lhes fugisse por inteiro, para Hamilton e para Madison nao seria o povo capaz de identificar os reais interesses da Naga°, tendendo a maioria, 7 A ideia de urn juiz arbitro tambem aparece em Ely. 1980: 103.

192

Discurso de Legitimidade da Jurisdicao Constitucional e as Mudancas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

bem ao contrario, a se deixar levar pelas "opinioes, sentimentos e interesses" que a desviariam da rota, 8 de modo que quanto mais numerosa fosse a assembleia mais a paixao sobrepujaria a razao 8 e mais facciosa se tornaria. 10 Certamente se impunha uma protegao da minoria como reclame democratic° e urn sistema de freios e contrapesos parecia ser a formula mais bem bolada para dar conta dessa exigencia. E preciso notar que, para os dois, a minoria era identificada corn aqueles "ricos e bem nascidos", e que, portanto, o equilibrio entre as "porgoes" contra o risco de "opressoes mdtuas" se deveria dar como uma reconciliagao entre "os direitos das pessoas e os direitos de propriedade" (Farrand, 1937: 288, 299; Dahl, 1956: 31; Regan Jr., 1985: 1.123). Nessa reconciliagao, eleigoes indiretas e distritos eleitorais bastante amplos, aliados a requisitos de idade e uma quantidade minima de recursos pareciam reservar a Presidencia a representagao daquela fragao minoritaria, assim como urn corpo de fieis funcionarios pnblicos, distanciados do calor das ruas e dotados de urn virtuosismo implacavel, cornpletayam o seu quadro institucional. Criticas a tal entendimento elitista e antidemocratic° se somam a desconfianga em relagao ao juiz, corn raizes nos processos revolucionarios da Era Moderna. Para Robespierre, "se os magistrados pudessem substituir a lei pela sua propria vontade, converter-se-iam em legisladores". Fazia-se necessario, entao, estabelecer uma vigilancia legislativa que mantivesse os tribunais dentro dos principios da legislagao. Nem diferente era a opiniao de urn constituinte frances de 1789, Deputado Bergasse: "0 Poder Judiciario estard (...) mal organizado se o juiz gozar do privilegio perigoso de interpretar a lei ou de acrescentar algo a suas disposigoes." 11 Para Thomas Jefferson (1984:121-122), o Poder Judiciario nao passaria de um poder anti-republicano e de "um bando de escavadores (sappers) permanentemente traba8 Hamilton. 1961a: 454 et seq, 456. 9 Madison. 1961c: 356 et seq, 360. 10 Madison. 1961a: 77-78. 11 Citados por Gargarella. 1996: 98-99. 193

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei na 9.868/99

lhando para socavar os direitos independentes dos Estados", moldando a Constituigao como se fosse urn objeto de cera. Em nossas fronteiras, é recorrente a frase de Joao Mangabeira de ter sido o Judiciario, especialmente o Supremo Tribunal Federal, o Poder que mais falhou na Republica, 12 em grande medida pelo desvio funcional e oportunista de uma "Justiga [que] esteve sempre a favor das forgas dominantes", motivando a "instabilidade politica" (Rodrigues. 1965: 125, 14). Em linhas gerais essa critica se abate sobre Bickel e Dworkin. 0 juiz super-homem de Dworkin, elevado a Hercules no Olimpo, deu ensejo a reparos a sua doutrina, disparados por diversas frentes. John Hart Ely vai denunciar a concepgao elitista e antidemocratica que ha por detras dessa teoria, pois o dominio dos principios conduz ao alargamento do espago de discricionariedade judicial, permitindo que terminem por prevalecer os valores dos profissionais da classe media alta, a que juizes, advogados e a maioria dos filosofos morais pertencem. "Nossa sociedade nao tomou a decisao constitucional de urn sufragio quase universal para... serem as decisOes populares submetidas a valores dos juristas de primeira classe" (1980: 56, 59). Para Frank Michelman (1986), em igual sentido, a teoria de Dworkin desconhece a ideia de pluralismo e do dialogo: , "Hercules, o mitico juiz de Dworkin, é urn solitario. E demasiado heroico. Suas narragoes construtivas sao monologos. Ele nao conversa corn ninguern, a nao ser corn os seus livros. Nao tern nenhum enfrentamento. Nao se encontra corn ninguem. Nada o comove. Nenhum interlocutor viola o inevitavel isolamento de sua experiencia e de sua visaa Hercules é urn homem, apesar de tudo. Nao é a totalidade da comunidade. Nenhum homem ou mulher pode se-lo". (p. 76)

12 Citado por Boechat Rodrigues. 1965: 5. Nao é diferente a posicao, nos Estados Unidos, de Jackson (1941: x): "time has proved that [the Supreme Court's] judgment was wrong on the most outstanding issues upon which it chose to challenge the popular branches". 194

Discurso de Legitimidade da Jurisdigao Constitucional e as Mudangas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

A crenga numa capacitagao especial do juiz, excepcionalmente em Bickel e, de maneira arraigada, em Dworkin nao consegue vencer uma critica mais profunda sobre a religagao entre o trabalho judicial e o principio democratic° que pressupoe um consenso inclusive em torno das premissas do discurso, nao apenas quando a decisao é tomada por um voto de desempate apenas, mas ate se nove, onze, quinze, a unanimidade dos juizes resolvem pensar diferente do Legislativo. Essa "dificuldade contra-majoritaria" fora reconhecida por Bickel (1986: 16 et seq), e se nao o convencera, nao tern sido desconsiderada nem pela direita, nem pela esquerda, em suas versOes populistas, jacobinas ou marxistas, langando do mesmo lado Jefferson (121), Washington (1970), Nixon, Reagan, Robespierre, Miterrand, Jospin 13 e Schmitt (1983), Lambert (1921), Vedel (1988), Campos (1942), Berger (1997), Bork (1990) e Grey (1991). Nos dois extremos, nao se pode esquecer da supremacia do Partido na experiencia do socialismo real, que negava a possibilidade de uma "verdadeira jurisdigao constitucional" (cf. Enterria, 1994: 166-167); nem da critica de Schmitt, no seu embate corn Kelsen, a politizagdo dos tribunais, decorrente do reconhecimento de seu poder para controlar a constitucionalidade das leis. Urn tal poder transformaria a Constituigao em urn contrato ou instrumento de compromissos, o suposto processo constitucional em "legislagao judicialiforme (justizformig)" (1983: 88, 121 et seq; Leite Sampaio. 1997: 20 et seq) e o Tribunal Constitucional, em uma instancia legislative ou numa especie Camara Alta, violando-se a constituigao politica do principio democratico: "Mediante a concentragao de todos os litigios constitucionais em urn so Tribunal constituido por funcionarios profissionais inamoviveis e independentes se criaria uma Segunda Camara, cujos membros seriam funcionarios profissionais. Nenhum formalismo judicial poderia encobrir o fato de que semelhan13 Cf. Rapin. 1994: 24 et seq.

195

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei /IQ 9.868/99

to Tribunal de Justiga Politica ou Constitucional viria a ser uma instancia politica suprema corn atribuigoes para formular preceitos constitucionais. Isso significaria algo apenas inimaginavel desde o ponto de vista democratico: trasladar tais fungoes a aristocracia de toga." (Schmitt, 1983: 245). Nessa mesma linha, aparece, entre nos, o pensamento de Francisco Campos, direcionada a combater o elitismo e a tendoncia de preservagao do statu quo, patrocinados pelo controle jurisdicional de constitucionalidade. Ao grande arquiteto juridico do Estado Novo, esse controle nascia de uma "ideologia conservadora" corn a finalidade exclusiva de "protegao dos interesses criados ou da ordem de coisas estabelecida contra as veleidades de iniciativa dos poderes representativos". Seria, portanto, urn artificio, por meio do qual "a politica de uma democracia, a qual, como toda politica democratica, é eminentemente ativa e dinamica, era transferida dos orgaos de delegagao popular para urn cenaculo de notaveis... impermeavel as mudangas operadas no sentimento publico ou na concepgao da vida dos seus contemporaneos"; fazendo use de urn controle "tanto mais obscuro quanto insusceptivel de inteligibilidade publica, coerce da aparelhagem tecnica e dialetica que o torna inaccessivel a compreensao comum". (1942: 357-358) Alguns doutrinadores duvidam ate mesmo da tao propalada posigao e capacitagdo privilegiadas dos juizes, que sustenta o Hercules dworkiano. Bern ao contrario, falam de urn despreparo judicial, por exemplo, para enfrentar questaes de natureza tecnica, cuja complexidade escapa ao entendimento de profissionais do Direito, exigindo, portanto, a presenga de especialistas e de informagoes que apenas o legislador ou a burocracia poderiam dispor mais adequadamente nos seus processos decisorios. Nao bastasse isso, suspeitam das "virtudes judiciais", decorrentes de sua formagao e independencia: "nao ha razoes convincentes para acreditar que os juizes sao melhores em deliberagao moral e politica do que sao os membros de outros ramos de governo", escreve Cass Sunstein (1996: 177). 196

Discurso de Legitimidade da Jurisdigao Constitucional e as Mudangas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

Para o Justice Brennan, na linha do pensamento de Blackstone (1765: 269), "juizes nao sao guardiOes platonicos nomeados para exercer a sua competencia de acordo corn as predilegoes morais proprias"; 14 nem "sao oraculos, indiferentes as paixoes de seu tempo" (Berger, 1997: 384). Por essa razao é que nao se pode esperar nada de muito previsivel na construcao jurisprudencial, senao "retorica, sentimento, raiva ou preconceito" (Bickel, 1978: 87). E mais: a afirmagao judicial de valores fundamentais da comunidade nao passaria da imposigao dos valores de uma determinada classe social, especialmente, da classe media branca, ao restante da sociedade (Regan Jr., 1985: 1.130; Ely, 1980:56). 15 Mesmo alguns ativistas, como Owen Fiss (1979 e 1999) e Mark Thshnet (1991: 101), pelo menos no ponto, concordam corn a corrente minimalista ou contraria a jurisdigao constitucional, de que "a substituigao do sentido individual de justiga... poderia par fim ao Estado de Direito (rule of law)" (Cardozo, 1921: 136). Nao faltam criticas ainda a mitologia do constitucionalismo ou a sua contaminagao teologica, dizendo-se, por exemplo, que, nos Estados Unidos, a Constituigao é considerada urn texto inspirado por Deus, que os "pais fundadores" sao os santos e os juizes da Suprema Corte sac) os sarcedotes que cuidam do culto ao texto sagrado no Marbel Palace, extraindo daquele texto pouco menos que a infalibilidade (Miller, 1978: 14 at seq). Sunstein recorre a urn dos motivos que levou Hamilton a falar em "ramo menos perigoso do governo", para denunciar a falta de efetividade das decisoes judiciais, sobretudo em reformas sociais. Analisando a politica de integragao racial da Suprema Corte dos Estados Unidos, vai afirmar que essa integragao so comegou "depois de os ramos democraticos — 14 Citado por Berger. 1997: 384. 15 As criticas podem ser ainda mais asperas. Para Dershowitz (1980: 9), por exemplo, a Suprema Corte norte-americana era composta por nova homens "who are generally mediocre lawyers, often former politicians ... almost always selected on the basis of political considerations". Posner (1985: 42) afirma, em sentido analogo, que "few judge, in our history are thought to have performed with distinction".

197

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei na 9.868/99

Congresso e o Presidente — se terem envolvido. Talvez o envolvimento dos ramos democraticos tenha sido resultado [das decisoes da Corte], embora haja pouca evidencia disso" (1996: 176). Essa assungao, para ele, empirica conduz a uma generalizagao: "Mesmo quando os juizes reconhecem direitos que mereciam ser reconhecidos, e mesmo quando os juizes dispOem que tais direitos devem ser protegidos, a sociedade pode se postar de maneira firme ou rebelde, nao podendo, assim, os direitos vir a ser fruidos no mundo real". (idem) Urn outro argumento favoravel ao papel da jurisdigao constitucional pode ser formulado a partir da fundamentagao discursiva das sentengas proferidas pelos tribunais.

8. A argumentagdo como legitimidade Embora carega de base eleitoral, o juiz constitucional goza de uma legitimidade obtida de sua propria praxis decisional. Podemos obter, assim, uma legitimidade pelo resultado, tanto ligada ao processo argumentativo e a promogao ou ao reforgo do consenso, quanto as conseqiiencias sociais da decisao. Falamos, no primeiro caso, da forga simbolica ou de integragao, de solidificagao do pacto social; enquanto, no segundo, imaginamos o efeito material que ela provoca. Cuidaremos neste topic° apenas daquele primeiro caso, deixando para o seguinte o exame do outro. Podemos distinguir, sob o angulo da legitimidade pelo consenso, uma teoria forte e outra fraca, conforme seja, respectivamente, forte ou fraca a compreensao que dispensamos palavra consenso. Uma teoria fraca se conforma com os dados estatisticos que indiquem uma aceitagao social do resultado da Corte. A questao se resume portanto a um escrutinio que revele a vontade concreta da comunidade ou a coincidencia entre os valores assegurados pela decisao e aqueles que, de fato, 198

Discurso de Legitimidade da Jurisdigao Constitucional e as Mudancas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

sejam considerados como relevantes para uma dada sociedade em urn determinado tempo. Uma teoria forte nao se limita a quantificar o acordo, ambicionando a formagao de urn consenso amplo, de fundo, sobre os pontos discutidos, que envolve urn processo decisorio "socialmente orientado" e urn dispositivo discursivamente fudamentado, que passam por uma dupla exigencia de argumentagdo:

• internamente: de coerencia discursiva, guardando pertinencia corn o direito vigente, de modo a reforear a certeza do Direito; e • extemamente: de se apresentar racionalmente apta a aceitabilidade dos co-associados, sobretudo se passar em urn teste de transcendencia do caso concreto. 16 Na realizacao dos exigentes pressupostos enunciados, o juiz constitucional deve estar em sintonia corn a opiniao publica politica, nao no sentido de uma empirica coincidencia, mas de inter-relacao constante que permita a construed° de urn consenso informado. Nao é por mero acaso que os juizes constitucionais publicam o teor de suas decisaes, inclusive as motvacoes que levaram a conviccao firmada, de forma muito mais constante e transparente do que o fazem Executivo e Legislativo, sujeitando-se, de certa forma, ao controle da opiniao piablica e buscando tambern ali a base de sua legitimidade (Mitchell, 361-362; cf. Cappelletti, 1984: 625; Cox, 1971: 21-22; Rousseau, 1994: 418). Habermas, no plano de uma interpretacao discursiva, insiste "no fato de que a formacao democratica da vontade nao tira preliminarmente forca legitimante da convergencia harmonica de convicgoes eticas herdadas". Antes, estaria firmada, para ele, nos pressupostos comunicativos e procedimentais 16

"11 problema della razionalita giurisdizionale dipende dun que da come 1'applicazione d' un diritto contingenternente formatosi possa essere internamente intrapresa in maniera compatibile ed esternamente motivata in maniera razionale, si da garantire simultaneamentecertezza giuridica e giustszza". Habermas. 1996: 237.

199

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei na 9.868/99

que permitiriam o ingresso, nos processos deliberativos, dos melhores argumentos, nao reservando aos modos da politica deliberativa apenas a urn estado de exceed°. "[A] Corte constitucional nao precisa 'superar' o seu credit() de legitimidade. Nem deve mais ultrapassar a normal compet8ncia de aplicaedo juridica claramente definida sob o piano da logica da argumentagdo, uma vez que o processo democratic° que deve zelar nao seja descrito como uma situagao de emergencia". (1996: 332) E nessa linha que se aplaude o esforgo de alguns tribunais constitucionais no sentido de estimular o debate public° sobre questoes, importantes ou rotineiras, que sao submetidas a sua apreciagao. Assim, o Tribunal Constitucional Federal alemao criou "as jornadas do Tribunal", durante as quais varios assuntos sao publicamente discutidos ou mais precisamente informados a populagdo (Schlaich, 1984:190-191). Alain desse apelo urn tanto popular, o Tribunal alemao prey& no curso do processo constitucional, a possibilidade de oitivas de diversas personalidades politicas e tecnicas antes de serem tomadas certas decis6es, numa nitida preocupagdo nao apenas corn o acerto das deliberaeoes, mas sobretudo corn uma afinidade maior corn a opiniao juridica e politica reinante sobre o terra, reduzindo os riscos de ruptura ou desprestigio (p. 190). Essa preocupagdo da Corte, em certa medida, atende a urn dos reclames de muitos teoreticos que veem na sensibilidade dos juizes aos clamores populares e a influencia da opiniao publica politica (Habermas, 1996: 266 et seq), de modo a estabelecer urn dialogs° em torno da Constituicao e fomentar uma "sociedade aberta de interpretes da Constituicao" (Haberle, 1978: 79 et seq) a fonte necessaria de legitimidade que lhes faltava (Levinson, 1992: 406-407; cf. Perry, 1993: 201). Ha, por firn, de se registrar as duras criticas daqueles que veem no modelo argumentativo urn recurso puramente a retorica, como forma de ocultar a prevalencia de urn especialista 200

Discurso de Legitimidade da Jurisdicao Constitucional e as Mudancas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

judicante, posto em urn altar de moderador dos poderes constitucionais, corn todas as idiossincrasias e valores pessoais sublimados em urn discurso pretensamente legitimo (Felipe, 1989; Saitta, 1996; Daniels, 1997; Ranciere, 1996: 105 et seq). Se a simples argumentagao parece ser insuficiente para justificar a atuagao dos tribunais da jurisdicao constitucional, alguns autores recorrem ao resultado pratico e social dessa atuagao.

9. A legitimidade extraida do statu quo e dos efeitos produzidos: do pragmatismo ao paternalismo judicial Ha uma justificativa da jurisdicao constitucional extraida da sua pratica na dinamica constitucional, sem preocupagao em fornecer uma total e acabada teoria da adjudicagao. Partese da observacao da atuagao das cortes para concluir no sentido de que a jurisdicao constitucional se justifica porque tern dado certo ou porque tern contribuido para aperfeicoamento das instancias sociais, dos processos de integragao e de consenso politicos e sociais ou porque tern permitido, acima das brigas, das tendencias ou dos conchavos politicos, uma atualizacao dos valores fundamentais da comunidade. Para Michael Perry, por exemplo, as cortes, na jurisdicao constitucional, representam a comunidade politica ao testarem as varias politicas e praticas do governo em face das diretivas morais e politicas fundamentais da comunidade, especificando essas diretivas em contextos nos quais elas nao apenas se mostram relevantes, como indeterminadas. Sendo assim, a adjudicacao constitucional é uma das "primeiras institucionalizagoes da racionalidade autocritica" da comunidade politica, revelando-se urn forum institucional para desenvolvimento de argumentos narrativos sobre como ela deve viver, "isto é, dando a concepgao tradicional da virtude humana, seus compromissos corn certo padrao de julgamento politico-moral, corn certos principios constitucionais". Nao fundamenta suas assertivas, 201

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei nci 9.868/99

nao da a compreensao do que seja "tradicional virtude humana", nem porque as cortes se mostram como forum proprio de revelagao. Para Perry, nao seria exato falar em propriedade do forum, mas de "principal matriz institucional para o desenvolvimento da tradigao politico-constitucional". A jurisdigao constitucional cumpriria dupla fungao: ajudando a comunidade politica a manter fidelidade a tradigao politica indeterminada, atuaria como uma guardia das tradigoes e do conservadorismo; participando do desenvolvimento da tradigao, revelaria seu lado criativo e constitutivo (1994: 203-204). Esse posicionamento, como parece evidente, muito se aproxima do pensamento elitista, podendo-se ate falar de urn desdobramento deste. 17 Todavia, as cortes ou os juizes nao sao bons porque sao especialmente dotados de uma hercUlea capacidade de discernimento, mas porque conseguem, corn a sua pratica, sabe-se le em razao de que conjungao astral, reafirmar criticamente uma vaga e indeterminada tradigao politico-constitucional. A polernica disjungao entre "lei ou politica" em torno da atividade da jurisdicao constitucional seria urn equivoco, por obscurecer "o fato de que a adjudicagao constitucional... é ambas lei e politica. E ambas autoritaria e pragmatica, ambas visao do passado e visao orientada para o presente e para o futuro" (p. 204). E, porque tern sido: "A revisao judicial (judicial review) atende-nos bem — nao perfeitamente, mas bem — como urn mecanismo de protegao da Constituigao... as alternativas obvias parecem palpavelmente inferiores; e a menos que identifiquemos e estabelegamos urn melhor mecanismo, devemos continuar a apoiar a pratica antes de nos opormos a ela". (p. 21)

17 Para Habermas (1996: 206), cuida-se de uma perspectiva materialista da Constituicao, que confunde norma e valor, reportando-se, em parte, a discussao que fizemos especialmente nos itens II, VI e VII precedentes.

202

Discurso de Legitimidade da Jurisdigao Constitucional e as Mudangas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

Paul Brest extrai tambem a legitimidade nao do consentimento do povo, "mas da sua competencia, na especial contribuigao que fazem para a qualidade de nossa vida social". 18 ParJesChop,ultadscnroejildtos individuais e o fomento das metas da democracia, pelo menos nos Estados Unidos, dao a cabal demonstragao de sua necessidade e conveniencia, considerando que as decisoes ruins, como Dred Scott, alem de episodicas, sao suplantadas pela pressao da historia (1980: 127). Garcia de Enterria afirma que a jurisdigao constitucional ja foi julgada pelo "Tribunal da Historia, perante o qual nao apenas foi absolvida de tao graves encargos, como que foi afiangada definitivamente como uma tecnica quintessenciada do governo humano" (1994: 175). Todavia sua legitimidade precisa ser confirmada cotidianamente, numa especie de "plebiscito diario": "nenhum outro orgaos constitucional... joga literalmente sua vida dia a dia como este sobre o acerto de sua fungao e, concretamente, de sua fungao precisamente judicial" (p. 185). Parece oportuno lembrar as frase de Bork ao criticar o povo americano por tarn'Dem ser tentado a ver na Corte Suprema daquele Pais o centro de decisao politica, no lugar de urn tribunal judiciario, apenas porque os resultados parecem bons, por the ter sido dito nao se sabe por quern "que a escolha é entre uma logica fria e impessoal, de urn lado, e, de outro, a moralidade e compaixdo" (1971: 1-2). Tambern quando indaga se "urn comite de nove juristas" poderia ser considerado, inclusive pelos cidadaos comuns, como "o nnico agente de mudanga" (1990:144). Ou pensar corn Berger, ao infirmar a crenga de Edmond Cahan de que seria muito tarde para levantar a questa° da legitimidade da jurisdigao constitucional, "pelo contrario, nao e nunca muito tarde para desafiar a usurpagao de poder" (1997: 369), adotando o seu pensamento, senao in totum, pelo torn radical, pelo menos no ponto ern que argumenta contra a inercia, como o faz Leonard Levy, ern relagao a afirmagao de Charles Black de que 18 Brest. 1991: 226; Berger. 1997: 391.

203

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei n2 9.868/99

a judicial review tinha sido "legitimada pela aquiescencia popular", dada "na tanica forma que [o povo] poderia dar aprovagao a uma instituicao — deixando-a em paz", pois "o simples fato é que em nenhum momento na... historia o povo americano fez julgamento, pro ou contra, sobre o merito da revise() judicial [dos atos] do Congresso" (1967: 30-31). E findar na indagagdo de Christopher Wolfe (1991: 472 et seq): os resultados da Corte teriam sido bons para quern? Sob que ponto de vista? As respostas nos levam, em parte, a privilegiada posicao ou capacidade dos juizes, agora remetidas a sua insergao nos contextos sociais e sob o olhar da realidade e de sua pratica. Os juizes, nesse sentido, se defrontam em seus afazeres nao com problemas abstratos e gerais, como o fazem os legisladores, mas corn situagaes concretas e vivenciadas pelo homem concreto, de came e osso, ficando bem mais proximos dos problemas reais e agudos do cotidiano dos cidadaos e da sociedade (Bickel, 1986: 25-26). Muito alem dos riscos e dificuldades proprios da profissao (Pound, 1959) e da lentidao do processo formativo, os juizes sao mais sensiveis aos clamores que vem da rua e, portanto, estao mais habilitados a engendrar urn direito mais proximo da realidade, rompendo corn "momentos inerciais" de distanciamento entre norma e realidade. E como anota Cappelletti: "Naturalmente, é certo que a elaboragao judicial das leis conduz a urn 'desenvolvimento do direito' no que muitas outras pessoas, alem das partes do processo, se encontram implicadas. Nesse sentido, a legislagao judicial' se funda sobre una 'audiencia' incompleta dos interesses em questao. Sem embargo, nao é menos certo que, devido precisamente natureza do procedimento judicial, a elaboragao do direto pelos tribunais é gradual, experimental e lenta; a contribuicao dos tribunais ao desenvolvimento da lei é, tipicamente, uma contribuicao por 'pedagos e fragmentos' e por 'experimentos'. Os interesses aos que hoje nao se tern prestado atencao serao escutados amanha, e urn juiz razoavel estard 204

Discurso de Legitimidade da Jurisdigao Constitucional e as Mudangas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

em situacao de corrigir, melhorar e 'formar' uma 'lei' jamais inteiramente 'acabada'". (1984: 630-631) Mesmo que admitissemos uma resposta puramente pragmatica a questao de legitimidade da jurisdicao constitucional, ainda remanesceriam as criticas da "etica construtivista", que exigem, para fundamentagao de sistemas normativos, a reconstrucao fatica e critica de sua genese, de acordo corn o principio da razao e da moral (Lorenzen e Schwemmer, 1973: 193). Nao Basta que tais sistemas produzam efeitos significativamente positivos para que se tenham por "corretos" do ponto de vista etico. Exige-se sempre que a sua elaboragao ou producao se tenha dado sob "condicOes sociais racionais", segundo uma interpretagao critica do sistema cultural, que leva em conta aqueles principios (p. 212). Essas criticas, portanto, revelam a fragilidade do recurso aos argumentos puramente empiricos e pragmaticos, requisitando a consideragao, no piano deontologico, de outras boas razoes justificantes.

10. Justificativa (de)ontologica: Constituigdo como norma A construcao doutrinaria de Kelsen (1981, 1990 e 1995) pressupunha a Constituigao como norma, sob a qual se estruturava todo o ordenamento juridico. A jurisdicao constitucional se mostrava entao urn instrumento indispensavel para garantia dessa dupla pressuposicao (1981: 12; 1995: 239 et seq). Por certo, a supremacia constitucional so teria sentido pratico se se pudessem sancionar possiveis desacertos ou incompatibilidades das normas de escalao hierarquicamente inferior corn as normas-parametro presentes no texto constitucional. Essa licao de Kelsen foi bem reproduzida por Themistocles Cavalcanti e por Garcia de Enterria. Apoiado em Castro Nunes e Kelsen, para Themistocles Cavalcanti, a fundamentagao da jurisdicao constitucional, 205

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei na 9.868/99

especialmente do controle judicial da constitucionalidade "ha de se encontrar... na propria definigao de Constituigao como norma suprema, colocada na hierarquia das normas como urn conjunto de preceitos institucionais que servem de base a organizagao politica, social e econornica do Estado" (1966:10). Sobressaem-se dois principios essenciais nesse controle: a "necessidade de uma norma constitucional, isto é, a propria existencia de uma Constituigao;" e, depois, a %dela de que existe uma hierarquia de atos e normas, a menor na escala hierarquica se subordinando a maior"; restando o exame da inconstitucionalidade, "uma solugao tecnica para resolver o problema [dessa] supremacia sobre aquelas normas que transgridem os principios fundamentais [da Constituigao]" (pp. 10,14). De acordo com Garcia de Enterria, todo o problema da justiga constitucional estaria enraizado numa questao de principio: "Se se convern ou nao reconhecer a Constituigao o carater de norma juridica". Uma resposta negativa implicaria uma sane de conseqUencias: "Uma Constituigao sera concebida como um compromisso ocasional de grupos politicos, substituivel em qualquer momento em que o equilibrio destes chegue a urn resultado diverso; o qual se traduz em urn incitagao positiva a mudanga constitucional, pela via da qual cada grupo tentara melhorar suas posigOes e, se resulta possivel, eliminar seus competidores" . (1994:175) Por outro lado, uma resposta afirmativa importa langar norma juridica constitucional a presidencia do processo politico e da vida coletiva da comunidade. 'A Constituigao sera considerada nao ja como urn simples mecanismo de articulagao mais ou menos ocasional de grupos politicos... mas como o estatuto basic() da vida comum" (pp. 175-176). Significa dizer que a sua definigao de esferas de atuagao — publica ou privada; das relagoes dos poderes constituidos horizontal e verticalmente — como norma juridica demandara, para ter eficacia, de protegao juris206

Discurso de Legitimidade da Jurisdicao Constitucional e as Mudangas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

dicional: "Uma Constituicao sem urn Tribunal Constitucional... é uma Constituicao ferida de morte, que liga sua sorte a do partido no poder... A Constituicao passa a ser instrumentalizada politicamente por uns grupos ou partidos frente a outros" (p. 186). Ern face desse fundamental papel, o Tribunal pode e deve ser visto como "urn verdadeiro comissionado do poder constituinte para protegdo de sua obra, a Constituicao, e para que mantenha a todos os poderes constitucionais em sua qualidade estrita de poderes constituidos" (p. 198). Se uma das garantias da normatividade da Constituigao é a jurisdicao constitucional, nao parece acertado, para alguns, que essa garantia seja vista como imica, sob pena de se levar a sociedade politica a condicao de refem das instancias judiciarias, e, para alem das criticas do elitismo e do carater contramajoritario das cortes, de se comprometer a propria rigidez constitucional: "Ou a Constituicao... é lei, o que significa que seus principios sao conhecidos e controlam os juizes, ou ela nao passa de urn texto flexivel que os juizes podem reescrever" (Bork, 1990: 2). Citando Graglia, para quem o ativismo judicial usurparia os direitos dos cidadaos ao autogoverno, Berger (1997: 393) fala da "arrogancia judicial" de a operagao do tribunal da jurisdicao constitucional funcionar como uma "convened° constitucional permanente". Sem adentrarmos ao problema da rigidez levantado, podemos questionar: sera a Constituicao norma, porque existe uma jurisdicao constitucional ou existira uma jurisdicao constitucional, porque a Constituicao é normativa? As duas respostas afirmativas nao sao incompativeis e estarao mais isentas de criticas se houver previsao constitucional expressa do controle jurisdicional de constitucionalidade.

11. Justificativa dogrnatica: a previsao constitucional expressa Em paises, como o Brasil, em que o texto constitucional nao deixa nenhuma margem a dUvidas sobre a competencia de as Cortes realizarem o controle de constitucionalidade das leis, a dis207

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei 1-12 9.868/99

cussao estabelecida ate aqui pareceria uma importagao desafortunada. "0 argumento jacobino... nao é so claramente sofistico", assinala Garcia de Enterria, "mas tambem negador do conceito mesmo de Constituigao. Esta é a obra do poder constituinte e como tal superior ao poder legislativo ordinario, que so pode organizar-se como tal em virtude da Constituigao mesma" (p. 189). A legitimidade da jurisdigao constitucional estaria assentada, portanto, na sua instituigao pelo poder constituinte, de modo que o amplo debate que se trava sobretudo nos Estados Unidos teria sua explicagao na ambigUidade da Constituigao norte-americana a esse respeito, sem justificar, portanto, sua presenea tambem no Brasil. Ainda que sob um olhar positivista, a tese dogmatica descrita do paragrafo anterior deve sofrer algum remendo. A opgao constituinte poe-sea critica da doutrina, pois é uma das suas tune 6 - es a de fornecer os elementos teoricos necessarios ao aperfeigoamento do sistema juridico, sendo-lhe mais que apropriado, indispensavel avaliar a corregao, do ponto de vista dogmatic°, das °pc 6- es feitas. E mesmo sob o angulo do direito constitucional positivo, nao podemos esquecer de que tambem aos outros ramos de poder foi atribuido o poder-dever de protegao da Constituigao. Quando o artigo 102 fala de uma competencia precipua do Supremo Tribunal Federal de guarda da Constituigao nao este. a precluir, antes, pelo contrario, pressup5e a sua defesa pelos demais poderes. De lege data, toda a argumentagao sobre a legitimagao do controle de constitucionalidade se langa, entao, para o seu alcance e grau de intervengao do tribunal, exigindo uma renovagao cotidiana nao da sua legalidade, mas da propria legitimidade da jurisdicao constitucional, sob as ressalvas da critica populista do carater contramajoritario da Corte e as benesses de uma intervened° equilibrada, que reforce o pacto fundamental da comunidade.

12. A pretexto de uma conclusao contextualizada A discussao apresentada no texto nao prescinde de seu enquadramento em realidades e contextos especificos, de modo 208

Discurso de Legitimidade da Jurisdigao Constitucional e as Mudangas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

a melhor refletir as suas peculiaridades. Argumentos empiriconormativos (I, II, III) e idealista-elitistas (VII) sao mais facilmente aceitos em sistema de common law, enquanto no civil law parece mais palatavel urn argumento dogmatic° (XI) ou mesmo deontologico (IX). Em sistemas parlamentaristas sao mais fortes os argumentos empiricos de entrelagamento entre maioria legislativa e a corte da jurisdigao constitucional (IV) do que os argumentos normativo-democraticos (VI). Mas esse é urn quadro de mera aproximagao, pois dentro de uma mesma familia juridica ou de urn sistema politico comum, podemos encontrar particularidades hist6rico-sociais que influenciam visoes de mundo diferentes e diferentes sistemas juridico e politico. Parece fora de dilvidas, nesse sentido, que transplantes acriticos de modelos bem sucedidos ern outros paises atraem alto grau de incerteza quanto ao seu destino e sucesso, pois desconsideram que a sociedade, bem como o homem, sao entidades ou seres hermeneuticos, portadores do sentido de sua tradigao e historia (Gadamer, 1960; Wittgenstein, 1993; Leite Sampaio, 1998: 498). Aqui reside urn dos varios nos trazidos pelas Leis no 9.868 e 9.882/1999: ern que grau a "germanizagao" do nosso sistema constitucional viola o sentido de identidade comunitaria ou sociopolitica? Ou nao faz sentido falar do sentido de nossa identidade como nagao nesse contexto? Se respondermos afirmativamente a esta ultima interrogagao, poderemos ser chamados a prestar contas em face das consequencias produzidas pelas mudangas: delas resultarao ganhos de racionalidade tecnica e sistemica? Nao é hora de fazermos urn exame apurado, especialmente de natureza prospectiva, da colcha de retalhos em que se compos o nosso regime de fiscalizagao de constitucionalidade, corn as inovagoes trazidas pelas duas leis, mas apenas de tentarmos situa-las no centro do debate da legitimidade da jurisdigao constitucional, que reformula as interrogagoes apresentadas no paragrafo anterior. As dlavidas que nos assaltam apontarn para dois distintos horizontes. Urn de natureza formal: a Constituigao permite que o legislador ordinario remodele, como fez, o sistema de controle de constitucionalidade? Outro, mais grave, insiste ern enxergar, para alem dos expedientes promis209

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei n4 9.868/99

sores do amicus curiae e da interlocugao corn os peritos (juridicos e nao juridicos, judiciais e nao judiciais — arts. 92, §§ 12 e 22, e 20, §§ 12 e 22, da Lei ri2 9.868/1999 e art. 62, § 12 da Lei n2 9.882/1999), uma inquietagdo do espirito — talvez pessimista: nao estaremos perdendo, uma vez mais, o fio condutor de nossa — como de qualquer — identidade coletiva: a criagao ou ampliagao do consenso social? Ilido porque as leis e as mudangas introduzidas foram produto monologico de uma inteligencia, talvez brilhante, mas talvez, imperceptivelmente, autocratica. Mesmo urn debate parlamentar rico — supostamente fonte unica da legitimidade legal — nao preclui o senso comum, nem a critica dialogica, pelo menos, de uma comunidade de pensadores, para nao correr o risco de sucumbir, de per se, a urn amargo deficit pratico de legitimidade, pelo descumprimento do "dever constitucional de adogao de uma metodologia otima de legislagao", do proprio respeito as regras do jogo democratco, da garantia de urn processo politico adequado, da protegao das minorias, politicas inclusive, e da promogao dos direitos fundamentais, tendencialmente muito mais realizavel no controle jurisdicional de constitucionalidade difuso ou mesmo "misto", a moda antiga, do que na figura disforme que ora nos revela o sistema brasileiro. Poderemos admitir o argumento de que o legislador em grande escala apenas reconheceu as regras do controle de constitucionalidade desenvolvidas e aplicadas pela jurisprudencia do Supremo Tribunal Federal. Mas o argumento cai num simples discurso de autoridade que nao suporta a dupla inquietagao manifestada acima: nem é certo que o Supremo Tribunal possa construir o proprio modelo de fiscalizagao de constitucionalidade, nem con-etc que o faga solipcisticamente, como se fossem os ministros artifices e interpretes de suas proprias fungoes, fazeres e destino. Alem do mais, as inovagoes legais ultrapassaram em muito o perfil do sistema de controle de constitucionalidade desenvolvido pelo Tribunal, por exemplo, corn o reforgo da presungao de legitimidade constitucional da lei (art. 10 da Lei n2 9.868/1999 e art. 42, § 22, da Lei n2 9.882/1999) e corn a extensao sem fronteiras do poder de modulagao dos efei210

Discurso de Legitimidade da Jurisdicao Constitucional e as Mudang as Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

tos ablativos da declaragao de inconstitucionalidade (art. 27 da Lei ri2 9.868/1999 e art. 11 da Lei rig 9.882/1999). E paradoxal concluirmos, a essa altura, que a anica saida para a reafirmagao do papel de garante constitucional do Supremo Tribunal Federal seja o reconhecimento da inconstitucionalidade das mudangas legislativas. Mas o paradoxo parece insolavel: ou bem o Tribunal reconhecera a ilegitimidade constitucional, reduzindo, em parte, o seu poder ou bem as declarard legitimas e, entao, prestigiard o quadro de desvalia constitucional apresentado. Neste ultimo cenario, as criticas ao elitismo estarao mais vivas do que nunca, nao sobrando, ao fundo, sequer a resposta dogrnatica de previsao constitucional expressa. Teremos de nos escorar, entao, sob o peso das criticas do construtivismo etico e da teoria da genese critica dos sistemas normativos, na legitimidade extraida da praxis do Tribunal. Haver& motivos bastantes para otimismo?

13. Referencias Bibliograficas ACKERMAN, Bruce. (1994). "La Democratie dualiste", in 1789 et l'Invention de la Constitution. Troper, Michel e Jaume, Lucien (dir.). Bruxelas: Bruylant e Paris: LGDJ. ACKERMAN, Bruce. (1998). We the People. 1. Foundation. 5th Printing. Cambridge-London: Harvard University Press. ACKERMAN, Bruce. (1984). "The stor lectures: Discovering the Constitution, in Yale Law Review, XCIII, pp. 1.013-1.072. BARBOSA, Rui. (1933). Comentarios a Constituicao Brasileira. Coligidos e ordenados por Homero Pires. Sao Paulo: Saraiva, vol. IV. BECKER, Theodore. (1970). Comparative judicial politics. Chicago: Rand McNally. BERGER, Raoul. (1997). Government by judiciary. The transformation of the fourteenth amendment. 2a ed. Indianapolis: Liberty Fund. BICKEL, Alexander M. (1978). The Supreme Court and the idea of progress. N. York: Harper & Row. 211

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei no 9.868/99

BICKEL, Alexander M. (1986). The least dangeous branch. The Supreme Court at the bar of politics. 2A ed. New HavenLondon: Yale University Press. BLACKSTONE, Sir William. (1769). Commentaries on the Laws of England. Oxford: Clarendon Press. Tomo I. BOBBIO, Norberto. (1987). 0 futuro da democracia. Uma defesa das regras do jogo. 32 ed. Sdo Paulo: Paz e Terra. BOCKERNFORDE, Ernst-Wolfgang. (1991). Recht, Staat, Freiheit: Studien zur Rechtsphilosophie, Staatstheorie and Verfassungsgeschichte. Frankfurt am Main: Suhrkamp. BOECHAT RODRIGUES, Leda. (1965). Historia do Supremo Tribunal Federal. Defesa das liberdades civis (1891-1898). Rio de Janeiro: Civilizagdo Brasileira, vol. I BORK, Robert H. (1971). "Neutral principles and some first amendment problems", in Indiana Law Journal, vol. 47, pp. 1-11 BORK, Robert H. (1990). The tempting of America: The political seduction of the law. New York: Free Press. BREST, Paul. (1991). "The misconceived quest for the original understanding", in Modern constitutional theory. A reader. Garvey, John H. e Aleinikoff, T Alexander. Saint Paul. CAMPOS, Francisco. (1942). Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense. CAPPELLETTI, Mauro. (1984). "Necesidad y legitimidad de la justicia constitucional", in Ribunales Constitucionales europeus y derechos fundamentales". Favoreu, Louis (dir.). Trad. Luis Aguiar de Luque e Maria Gracia Rubio de Casas. Madri: Centro de Estudios Constitucionales. CARDOZO, Benjamin N. (1921). The nature of the judicial process. New Haven: Yale University Press. CAVALCANTI, Themistocles Branddo. (1966). Do controle da constitucionalidade. Rio de Janeiro: Forense. COX, Archibald. (1971). The Warren Court. Constitutional decision as an instrument of reform. Cambridge: Harvard University Press. 212

Discurso de Legitimidade da Jurisdicao Constitucional e as Mudancas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

CHOPPER, Jesse. (1980). Judicial review in the national political process: a functional reconsideration of the role of the Supreme Court. Chicago: University of Chicago Press. DAHL, Robert A. (1956). A preface to democratic theory. Chicago: The University of Chicago Press. DANIELS, Norman (1997). Justice and justification. Reflective equilibrium in theory and practice. Cambridge-N.York. Cambridge University Press. DELPEREE, Francis.(1996). "Crise du juge et contentieux constitutionnel en Droit Beige", in La crise du juge. LENOBLE, J. (ed.). Bruxelas: Bruylant e Paris: LGDJ. DENNINGER, Erhard. (1990). Der gebandigte Leviathan. Baden-Baden: Nomos. DERSHOWITZ, Alan M. (1980). Book review. New York Times Book Review, sec. 7. November 2. DWORKIN, Ronald. (1996). Taking rights seriously. 8a impressao. London: Duckworth. DWORKIN, Ronald. (1991). Law's empire. London: Fontana Press. EISENMANN, Charles. (1986). La justice constitutionnelle et la Haute Cour Constitutionnelle d'Austriche. Paris: Economica. ELY, John Hart. (1980). Democracy and distrust. A theory of judicial review. Cambridge: Harvard University Press. ENTERRIA, Eduardo Garcia de. (1994). La Constitucion como norma e el Tribunal Constitucional. 3a ed. Madri: Civitas. EPSTEIN, Richard A. (1985). Takings private property and the power of eminent Domain. Cambridge: Harvard University Press. FARRAND, Max (ed.). (1937). The records of the federal convention of 1787. New Haven: Yale University Press. Tomo I. FELIPE, Miguel Beltran de. (1989). Originalismo e interpretation. Dworkin V. Bork: Una polemica constitucional. Madri: Civitas. FISS, Owen M. (1979). The Supreme Court. 1978 Term. "Harvard Law Review", nQ1, pp. 1-56. FISS, Owen M. (1999) A community of equals: The constitutional protection of new americans. Boston: Beacon Press. 213

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei na 9.868/99

FREEMAN, Michael. (1980). Burke and the critique of political radicalism. Oxford: Blackwell. GADAMER, Hans-Georg. (1960). Wahrheit und Methode. Grundzuge einer philosphischen Hermeutik. Tubingen: Mohr. GARGARELLA, Roberto. (1991). "La revision judicial y la dificil relacion democracia-derechos", in Flindamentos y alcances del control judicial de constitucionalidad. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales GARGARELLA, Roberto. (1996). La Justicia frente al gobierno. Sobre el caracter contramayoritaria del Poder Judicial. Barcelona: Ariel. GREY, Thomas C. (1991). "Do we have an unwritten Constitution?", in Modern constitutional theory. A reader. Garvey, John H. e Aleinikoff, T Alexander. Saint Paul. HABERLE, Peter. (1991). "La jurisprudencia constitucional de los derechos fundamentales. Fuerga normativa e interpretacion de los derechos fundamentales. Efectividad de los derechos fundamentales. — en particular en relacion corn el ejercicio del Poder Legislativo", in La garantia de los derechos fundamentales. Pina, Antonio Lopez. Madri: Civitas. HABERLE, Peter.(1978). Verfassung als offentlicher Prozess: Materialien zu e. Verfassungstheorie der offenen Gesellschaft. Berlin : Duncker und Humblot HABERMAS, JUrgen.(1996). Fatti e norme. Contributi a una teoria discorsiva del diritto e della democrazia. A cura di Leonardo Ceppa. Guerini e Associati HAMILTON, Alexander. (1961a). "Papers n2 76", in The federalist papers. HAMILTON, Alexander, MADISON, James e JAY, John. N. York: Peguin Books Ltd. HAMILTON, Alexander. (1961b). "Papers n2 78", in The federalist papers. HAMILTON, Alexander, MADISON, James e JAY, John. N. York: Peguin Books Ltd. HEUSTON, R.F.V. (1967). Personal rights under the Irish Constitution. The Irish Jurist, vol. 11, pp. 205-220. 214

Discurso de Legitimidade da Jurisdigao Constitucional e as Mudangas Legais do Regime de Constitucionalidade no'Brasil

JACKSON, Robert H. (1941). The struggle for judicial supremacy. A study of a crisis in american political power. N. York: Knopf. JEFFERSON, Thomas. (1984). The writings of Thomas Jefferson. N. York: NY Literary Classis of the U.S. KELSEN, Hans. (1990). Quien deve ser el defensor de la Constitution? Traci. Roberto J. Brie. Madri: Tecnos. KELSEN, Hans. (1990). Teoria geral do Direito e do Estado. Trad. Luis Carlos Borges. Sao Paulo-Brasilia: Martins Fontes e Editora Universidade de Brasilia KELSEN, Hans. (1981). La giustizia costituzionale. A cura di C. Geraci. Milao: Giuffre. KOOPMANS, T (1978). "Legislature and judiciary present trends", in Cappelletti, Mauro. Nuevas perspectives de un derecho comon europeu. Leyde, Bruxelas, Stuttgart, Florence: Sijthoff, Bruylant, Klett-Cotta, Le Monnier. KUTLER, Stanley I. (1979). Raoul Berger's fourteenth amendment: A history or Ahisstorical. Hastings Constitutional Law Quarterly ng 6, pp. 511-523. LAMBERT, Eduard. (1921). Le gouvernement des juges. Paris. LEITE SAMPAIO, Jose Adercio. (1997). Der Huter der Verfassung. Belo Horizonte: UFMG (monog.). LEITE SAMPAIO, Jose Adercio. (1998). Direito a intimidade e a vida privada. Uma visa° juridica da sexualidade, da familia, da comunicagao e informagoes pessoais, da vida e da morte. Belo Horizonte: Del Rey. LEVY, Leonard Williams. (1967). Judicial review and the Supreme Court; Selected Essays. New York, Harper & Row. LORENZEN, Paul e SCHWEMMER, Oswald. (1973). Konstruktive Logik, Ethik and Wissenschaftstheorie. Mannheim, Wien e ZUrich: Bibligraphisches Institut. LOVELAND, Ian. (1996). Constituional law. A critical introduction. London, Dublin & Edinburgh: Butterworths. MADISON, James. (1961a). "Federalist papers 122 10", in The federalist papers. Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John. N. York: Peguin Books Ltd. 215

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei nsa 9.868/99

MADISON, James. (1961b). "Federalist papers nsi 49", in The federalist papers. Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John. N. York: Peguin Books Ltd. MADISON, James. (1961c). "Federalist papers nsi 56", in The federalist papers. Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John. N. York: Peguin Books Ltd. MAUS, Ingeborg. (1992). Zur Aufklarung der Democratietheorie. Rechts-und demokratietheoretische. Uberlegungen im Anschluss an Kant. Frankfurt am Main: Suhrkamp. MICHELMAN, Frank I. (1988). "Law's republic", in The Yale Law Journal, ns218, pp. 1.493-1.597. MICHELMAN, Frank I.(1986). "The Supreme Court 1985 Term Foreword. paces of self-government", in Havard Law Review, nQ 4, pp. 4-77. MILLER, Arthur S. (1978). The Supreme Court. Myth and reality. Westport: Greenwood Press. MORTATI, Costantino. (1960). Istituzioni di Diritto Pubblico. 5A ed. Padova: Cedam. NOZICK, R. (1974). Anarchy, state and utopia. Oxford: Blackwell. PANTHOREAU, Marie-Claire. (1994). La reconnaissance des droits non-ecrits par les cours constitutionnelles italienne et frangais. Essai sur le pouvoir createur du juge constitutionnel. Paris: Economica. PERRY, Michael J. (1994). The Constitution in the courts. Law or politics? N. York: Oxford University Press. PERRY, Michael J.(1991). "Noninterpretive review in human rights cases: a funcional justification", in Modern Constitutional Theory. A reader. Garvey, John H. e Aleinikoff, T Alexander. Saint Paul. POSNER, Richard. (1985).The Federal Courts: Crisis and reforms. Cambridge: Harvard University Press. POUND, Roscoe. (1959). Jurisprudence. St. Paul: West Pub. Co. RANCIERE, Jacques. (1996). 0 Desentendimento. Politica e Filosofia. Trad. Angela Leite Lopes. Sao Paulo: Ed. 34. RAWLS, John. (1993). Teon'a de la Justicia. Trad. Maria Dolorez Gonzalez. Mexico: Fondo de Cultura Econ6mica, 1993. 216

Discurso de Legitimidade da Jurisdigao Constitucional e as Mudangas Legais do Regime de Constitucionalidade no Brasil

REGAN, JR., Milton C. (1985). "Community and justice in constitutional theory", in Wisconsin Law Review, ns2 5, pp. 1.073-1.133. RODRIGUES, Jose Hon6rio. (1965). Conciliagao e reforma no Brasil. Urn desafio historico-politico. Rio de Janeiro: Civilizagdo Brasileira. ROSSINELLI, M. (1987). Les libertes non ecrits. Contribution a

l'etude du pouvoir createur du juge constitutionnel. Lausanne: Payot. SAITTA, Antonio. (1996). Logica e retorica nella motivazione delle decisioni della Corte Costituzionale. Milao: Giuffre. SCHLAICH, Klaus. (1984). "El Tribunal Constitucional Federal aleman", in Tribunales Constitucionales europeus y derechos fundamentales. Favoreu, Louis (dir.). Trad. Luis Aguiar de Luque e Maria Gracia Rubio de Casas. Madri: Centro de Estudios Constitucionales. SCHMITT, Carl. (1983). La defensa de la Constitucion. Estudios acerca de las diversas Especies y posibilidades de salvaguardia de la Constitucion. Trad. Manuel Sanchez Sarto. Madri: Tecnos. SHAPIRO, M. (1966). Freedom of speech: The Supreme Court and Judicial Review. Enflewood Cliffs, Prentice Hall, 1966. SUSTEIN, Cass R. (1990). After the Rights Revolution. Cambridge: Harvard University Press. SUSTEIN, Cass R. (1993). The partial Constitution. Cambridge: Harvard University Press. SUSTEIN, Cass R. (1996). Legal reasoning and political conflict. N. York: Oxford University Press. TURPIN, Dominique. (1994). Contentieux constitutionnel. 2A ed. Paris: PUF. TUSHNET, Mark V. (1991). Following the rules laid down: A critique of interpretivism and neutral principles, in Garvey, John H. e Aleinikoff, T. Alexander. Modern constitutional theory. A reader. Saint Paul. VEDEL, Georges. (1988). "Le Conseil Constitutionnel, gardien du droit positif ou defenseur de la transcedance des droits de lhHomme", in Pouvoir 112 45, p. 149. 217

0 Controle de Constitucionalidade e a Lei nsi 9.868/99

WALDRON, Jeremy. (1993). Book review. Journal of Philosophy, ri2 90, pp. 149-153. WASHINGTON, George. (1970). The writings of George Washington From the Original Manuscript Sources. Westport: Greenwood Press. WITTGENSTEIN, Ludwig. (1993). Ractatus logico-philosophicus. Trad. L. H. Lopes dos Santos. Sao Paulo: EDUSP WOLFE, Christopher. (1991). La transformacion de la Interpretacion Constitucional. Trad. Maria Gracia Rubio e Sonsoles Valcarel. Madri: Civitas. ZAGREBELSKY, Gustavo. (1994). "Su tre aspetti della ragionevolezza", in 11 principio della ragionevolezza nella giurisprudenza della Corte Costituzionale. Riferimenti comparatistici. Atti del Seminario Svoltosi in Roma Palazzo della Consulta nei Giorni 13 e 14 Ottobre 1992. Milao: Giuffre. ZAGREBELSKY, Gustavo, (1988). La giustizia costituzionale. 2A ed. Bolonha: II Mulino.

218

O Controle de e a Lei 9.868/99

presente coletânea reúne artigos doutrinários relativos ao controle de constitucionalidade das leis, enfocando especialmente as mudanças no sistema pátrio promovidas pelo legislador através da Lei riQ 9.868, de 10/11/1999, que regulamentou o processo da Ação Direta de Inconstitucionalidade e da Ação Declarató ria de Constitucionalidade.

A

www.lumen .uris.com.br

ISBN 85-7387-206-3 11 7 11

78586

392062

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.