Discurso de Paraninfo da Turma de Física da UERJ

June 30, 2017 | Autor: Francisco Caruso | Categoria: Discourse
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DISCURSO DE PARANINFO

Prezados formandos, parentes, professores, amigos aqui presente, boa noite! Hoje é um dia muito feliz e muito especial para todos nós. Inevitavelmente a cerimônia de formatura nos convida a fazermos um retrospecto, mas, sobretudo, a olhar para frente. O cansaço da caminhada transforma-se hoje em momento de superação e antecipa um futuro de sonhos. Hoje é, portanto, dia de compartilhar com esses jovens este momento único na vida de cada um. Queridos afilhados, eu gostaria de começar lhes falando da alegria que me deram com o convite para ser paraninfo dessa turma tão especial. Quero que saibam que a empatia que os motivaram nessa escolha é recíproca e sincera. É a terceira vez em meus 34 anos de carreira que tenho essa honra. Confesso que, com a idade, as desilusões às vezes nos tornam mais céticos ou amargos e até mesmo menos motivados para a luta do quotidiano. Entretanto, são momentos como este aqui que renovam nossas esperanças e aguçam nossa vontade de combater por uma Educação e uma Ciência melhores. Foi isso que aconteceu comigo. A maioria da turma fez comigo o curso de Estrutura da Matéria e outra parte, Filosofia da Física, sendo que alguns cursaram ambos (coitados). Gosto sempre de brincar com os alunos no primeiro dia de aula dizendo-lhes que estes são os únicos cursos durante a Graduação que os fazem pensar. Na verdade, parece uma brincadeira, mas não é. A introdução à Física Moderna é quando o aluno, já no terceiro ano, mas ainda sem maturidade, passa a ter um contato sistemático com o que é “fazer ciência”, com o erro. Assim, tenho orgulho de ter ensinado tudo errado a vocês. Ops! Claro que não é isso que quero dizer; o que pensariam a respeito disso os familiares, amigos e colegas? Entretanto, tudo que eu ensinei nesta disciplina, era, na realidade, uma “verdade provisória”. Sim, e é apenas dessas verdades que a Ciência é feita, ou assim deveria ser. A propósito, o grande físico Max Born, em seu discurso quando recebeu o Prêmio Nobel, nos dá a seguinte lição: “Eu creio que ideias como certeza absoluta, precisão absoluta, verdade final, etc., sejam ficções da imaginação que não deveriam ser admitidas em nenhum campo da ciência. De outro lado, toda afirmação probabilística é correta ou errada segundo o ponto de vista da teoria sobre a qual se baseia. Essa fluência de pensamento me parece o maior presente que a ciência moderna nos deu. Porque, acreditar na existência de uma verdade única e crer ser seu proprietário são as raízes de todo o mal que há no mundo.” Aliás, mal no Mundo e, em particular, no Brasil, é o que não falta. Mas buscar sempre a Verdade (com V maiúsculo), mesmo sabendo que não será encontrada é o exercício intelectual ao qual o físico e o filósofo devem se dedicar. E nessa busca é sempre bom se lembrar da máxima de Sócrates: “eu sei que nada sei”. A arrogância intelectual é uma tentação que deve ser evitada. Fico contente em ver uma turma “tão grande” concluir o curso de Física. A perspectiva de que a Ciência ainda pode atrair o interesse dos jovens é acalentadora. Vocês, ao abraçarem a Física, estão assumindo publicamente um compromisso com os valores da Ciência. Acreditem

sempre no valor transformador da Ciência. Ela é – e deve continuar sendo – um terreno fecundo para o prevalecimento da razão, e aqueles que a ela se dedicam devem sempre renovar seu compromisso de contribuir para que o obscurantismo e o irracionalismo nunca triunfem. Alguns de vocês optaram por serem professores enquanto outros serão pesquisadores. Mas, na visão do saudoso Cesar Lattes, todo pesquisador é também no fundo um professor. De qualquer forma, não há profissão mais nobre, mesmo que tudo o que se fale e se faça em nosso país, na área de Educação, não demonstre qualquer reconhecimento implícito e explícito de seu valor. E ainda temos que ouvir que o Brasil é a “Pátria Educadora”. Quem foi que viu a Educação ser colocada claramente na mesa como prioridade para uma solução de longo prazo para o país? Mas não há dúvida de que tudo passa pela Educação. É preciso resistir. Meu querido amigo e mestre José Leite Lopes, era otimista, e dizia que “um dia este clima de desesperança e desestímulo vai acabar”. Precisamos acreditar nisso e fazer nosso trabalho de resistência, como um trabalho de formiga. Cada um dando sua contribuição e passando a seus alunos os valores em que acredita. Sim, pois ensinar é também um ato de compartilhar valores. Afinal, quantos alunos de ensino médio passam pela mão de um professor ao longo de sua carreira? E, toda vez que vocês desanimarem, basta lembrar o que nos ensina o grande antropólogo Darcy Ribeiro:

“Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”. Escolher o lado que nos deixa em paz com nossa consciência e com nossos valores “não tem preço”. Tenho absoluta certeza de que todos vocês estão preparados para enfrentar as dificuldades da vida profissional e continuar estudando, pois um físico nunca para de estudar. Sei que o caminho ainda será longo para muitos. Ao percorrê-lo, no entanto, é preciso não ceder às pressões do meio acadêmico ou do CNPq ou da CAPES. Façam sempre aquilo que lhes dá prazer intelectual, pesquisem aquilo para o que estão motivados e nunca traiam sua curiosidade e seu caráter. Essas são aquelas “pequenas coisas” que farão vocês chegarem ao final da caminhada de cabeça erguida e, eventualmente, “detestando estar no lugar de quem (eventualmente) lhe venceu”. Felicidade a todos vocês e contem sempre comigo! Francisco Caruso

Rio de Janeiro, 23 de setembro de 2015

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