Discurso e Literatura Política. Época Medieval

July 6, 2017 | Autor: J. Gonçalves de F... | Categoria: History Of Political Thought (Political Science), Political history in the Middle Ages
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[Texto publicado em: Entre Portugal e a Galiza (Sécs. XI a XVIII). Um olhar peninsular sobre uma região histórica, coord. Luís Adão da Fonseca, Porto: Fronteira do Caos, 2014, pp. 437443]. Discurso e Literatura Política. Época Medieval. Judite Gonçalves de Freitas CEPESE /FCT /UP

Nos séculos finais da Idade Média são múltiplos os fatores que condicionam o aumento da produção de textos com conteúdo político. Por todo o Ocidente europeu a reflexão política multiplica-se na sequência da recuperação de princípios da doutrina aristotélica do poder (teoria dos regimes, formas de governo, origem e fundamentação do poder, legitimidade de exercício do governo, etc), da multiplicação das teses defensoras da autonomia do poder civil e da subsequente perda de superioridade do poder religioso sobre o poder temporal, do surto da ciência jurídica associada à invasão dos princípios do direito romano e o aumento do número de juristas nos setores da governação do Estado1. Paralelamente o incremento do arsenal concetual e especializado vem proporcionar o desenvolvimento de diferentes argumentos políticos sobre a monarquia como a melhor forma de governo2. Os textos políticos dos séculos XIV e XV, muito embora sendo de diferente pendor e perseguindo objetivos diversos (tratados ético-políticos, textos cronísticos, literários e pedagógicos), estão repletos de reflexões sobre os fundamentos ético-políticos da monarquia e questões relacionadas com as prerrogativas e o âmbito de ação político-institucional e territorial do poder régio3. A difusão e emprego, na literatura da época, de ideias políticas provenientes do direito romano, tais como: status regni (estado), publica utilitas (bem comum), utilitas regni, auctoritas, imperium ou potestas, justificam um superior intervencionismo régio sobre a comunidade de súbditos e a unidade política da res publica4. De acordo com os especialistas os séculos finais da Idade Média correspondem a um período de mudança política e social no sentido da centralização do poder e da afirmação da autoridade régia sobre o todo nacional. A evolução das estruturas políticas do Estado e as raízes da comunidade nacional estão intimamente associadas a esta mudança das mentalidades políticas no ocidente medieval dos séculos XIV e XV. A consciência política induz à consolidação da transição da realeza patrimonial para a realeza nacional. Portugal insere-se neste contexto evolutivo geral do Ocidente. As iniciativas régias e a atividade política suscitam comentários e promovem o desenvolvimento da literatura política. Por isso não estranhemos que o discurso político surja, o mais das vezes, conectado com a atividade política de governação, mormente quando apresenta soluções para problemas concretos e/ou fundamenta as opções do poder. O processo de construção da identidade nacional reinícola inscreve-se, para todos os reinos do ocidente cristão, numa conjuntura social e política específica, variando de reino para reino o conjunto de elementos retóricos adiantados, consoante a interpretação 1

GUENÉE, Bernard, 1971; KRYNEN, Jacques, 1994. ULLMANN, 1994. 3 CALAFATE, Pedro, 2005, pp. 4 GUENÉE, Bernard, 1971. 2

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dada às tensões e clivagens internas e aos problemas e necessidades de afirmação externa. No caso vertente, interessa-nos analisar de que forma o discurso político pode constituir uma expressão historiográfica das mudanças ocorridas na sociedade política portuguesa nos séculos finais da Idade Média, séculos marcados por uma conjuntura política de afrimação reinícola no contexto peninsular. Consideramos para o efeito os momentos paradigmáticos de análise dos vetores de afirmação do poder régio frente às forças adversárias (internas e externas), respetivamente, a mudança dinástica de 1383/85, a crise política de 1438/40, a guerra civil de 1449 e, finalmente, o regimento de 1481. Trata-se de observar o desenvolvimento da relação rei – súbditos e a evolução da consciência política no processo de afirmação da comunidade nacional em momentos de conflito, tensão ou crise, e de saber em que medida aquela contribuí para a construção da identidade nacional, conforme têm notado vários autores5. Tratando-se de uma abordagem do discurso político, os pressupostos de análise que nos interessam são ético-políticos e ideológicos. As questões que de momento nos preocupam, são, nomeadamente, a questão da soberania / identidade nacional, da transmissão do poder, da legitimação do novo modelo de realeza eletiva por contraposição ao modelo hereditário tradicional em 1383/85 e o efeito duradouro que teve na mitificação da dinastia de Avis e na formação da identidade nacional reinícola. Esta questão remete, especificamente, para o domínio da ideologia do poder, que abordaremos. Tendo em vista o alcance do nosso principal desiderato, de todos os tipos de textos disponíveis, iremos conferir especial ênfase às crónicas régias pelo potencial narrativo que encerram e pelo papel político que desempenharam na afirmação da legitimidade da monarquia portuguesa. Em complemento da narrativa cronística que, nomeadamente quanto ao primeiro dos fenómenos (mudança dinástica de 1383/85) assume um papel político de primacial importância, apoiar-nos-emos, na restante literatura política (tratados pedagógicos e políticos, homenagens e regimentos). Para a maioria dos especialistas, a dinastia de Avis inaugurou um novo período para a historiografia nacional com a elaboração das crónicas gerais e o aparecimento em força de obras com perfil pedagógico e ético-político destinadas a senhores e príncipes. Fernão Lopes, figura maior da nova historiografia nacional, foi designado cronista geral do reino pelo rei D. Duarte em 1434 que o incumbiu de redigir as crónicas gerais dos reis de Portugal6, tarefa que o cronista ultimou nas décadas seguintes. A missão que lhe é confiada tem vincados objetivos políticos e ideológicos, designadamente a legitimação da dinastia de Avis. Conforme salienta Luís A. da Fonseca “D. Duarte é o responsável pelo início do processo de construção ideológica do modelo de exemplaridade da família real portuguesa”7; impulsionando a produção literária que visa a legitimação da dinastia de Avis e a função emblemática da monarquia portuguesa a partir do protagonismo político de D. João I, Mestre de Avis. A narrativa encerra a descrição da realidade social e política vista na perspetiva do relator e da ideia que pretende veicular em consonância com os desígnios do 5

REBELO, 1983; MONTEIRO,1988; FONSECA, 2003 entre outros. Da atividade do cronista chegaram aos nossos dias as crónicas de D. Pedro I, de D. Fernando e D. João I (1ª e 2ª partes). 7 FONSECA, 2003, p. 56. 6

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monarca. É, no entanto, difícil precisar a influência do monarca na redação das crónicas de Lopes. O que temos por certo são os confirmados fenómenos de contaminação ideológica do pensamento político de D. Duarte, designadamente no Leal Conselheiro, e do Infante D. Pedro, na Virtuosa Benfeitoria, na cronística de F. Lopes8. Luís Rebelo salienta a este respeito a coincidência dos ideais do cronista e do duque de Coimbra quanto ao “amor da terra”, entendido como espírito de comunidade (sentimento comum) entre pessoas com origem no mesmo território (a naturalidade, como menciona repetidamente F. Lopes), bem como quanto à forte personalidade carismática do Mestre de Avis que recebe por “honra do regno” o regimento, em 1383. “E desta guisa foi o Meestre tomado por Regedor e Defensor do regno; no qual regimento e deffensom que fez, bem se mostrou depois sua virtuosa ardileza”9. F. Lopes adianta as principais razões da eleição do mestre de Avis como rei de Portugal, em 1385: por haver amor aos súbditos e para defender a terra destes reinos da sujeição dos seus principais inimigos (Castela)10. Um e outro defendem que compete ao príncipe proceder à imposição de uma ordem que zele pela defesa da terra e das gentes (pátria) e pelo interesse comum (“prol comunal”). Em contexto de legitimação política da nova dinastia de Avis e progressivo reforço dos poderes da realeza, as crónicas apontam os signos de afirmação da identidade portuguesa e configuram cenários políticos de um passado recente e possibilidades de reprodução no provir. João Gouveia Monteiro assevera que a trilogia do cronista, especialmente a 1ª parte da Crónica de D. João I, “reconta os acontecimentos de 1383-85 com a manifesta esperança de que os seus feitos e ensinamentos possam, meio século mais tarde [altura em que F. Lopes redige], moldar a construção do futuro (…). Para o cronista, relatar os episódios da revolução dos finais do século XIV em termos de inevitável projeção futura era, portanto, assegurar a exequibilidade do seu próprio presente.”11. De facto, a atividade de redação das crónicas não se encerra na recompilação histórica, mas perpassa a crise de 1438/40, e não será simples coincidência o afastamento da rainha D. Leonor de Aragão, a designação e o acolhimento geral do Infante D. Pedro como regente nas cortes de Lisboa de 143912. A assembleia de cortes, reunindo os representantes da nação, legalizou uma situação de facto13 concedendo a responsabilidade de reger e defender o reino in solidum ao duque de Coimbra durante a menor idade de Afonso V. Coincidentemente, o golpe político de 1439 apoiou-se nas cortes e nos homens do governo da cidade de Lisboa. Vingou de novo a ideologia do consenso popular com que o poder monárquico se justifica14. De igual modo, Fernão Lopes ressalta a tese da soberania popular, sustentada na ideia comum à data de que o povo pode eleger o príncipe “em conformidade com os secretos

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FONSECA, Luís Adão da 2003, p. 55. LOPES, F. ( ) Crónica de D. João I, 1ª parte, p. 54. 10 LOPES, F. ( ) – Crónica de D. João I, 1ª parte, p. 420. 11 MONTEIRO, João Gouveia,1988, p. 120. 12 O Infante D. Pedro temendo uma invasão de Castela instigada por Afonso V de Aragão, irmão da rainha, teve que justificar a situação política portuguesa aos conselheiros de Barcelona. Ver por todos, MORENO, Humberto Baquero,1973, pp. 266-272. 13 PINA, Rui, cap. XLIX, pp. ; MORENO, Humberto Baquero, 1974, pp. 55 e ss. e SERRÃO, Joaquim Veríssimo, 1985, III, pp. 15-17. 14 REBELO, 1983, p. 18. 9

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desígnios da providência”15. A tese da soberania eletiva, assente na vontade popular, traduz uma inovação prática na transmissão do poder quebrando pela primeira vez o princípio da hereditariedade do senhorio. O Dr. João das Regras, nas cortes de Coimbra de 1385, encarregou-se de provar juridicamente a impossibilidade da transmissão por via hereditária16. A solução política avançada colheu o apoio da comunidade de súbditos e colocou nas assembleias populares a fonte da soberania. F. Lopes não se cansa de reiterar que a aclamação e eleição do Mestre de Avis, feita nas cortes de 1385, onde se encontrava representado o corpo político da nação (clero, nobreza e procuradores das cidades representantes do povo) legitima a ascensão do supremo representante da nova dinastia. De igual modo, o Infante D. Pedro, na Virtuosa Benfeitoria, muito embora não se reportando ao processo eletivo de D. João I, procede à análise crítica do mecanismo de eleição considerando-o o segundo processo de investidura dos reis, em que as comunidades recebem os eleitos por suas cabeças17. Esta ideia virá a associar-se à noção de que o exercício do poder não repousa de forma incondicional sobre a vontade do seu titular. A ideia de que o exercício do poder depende do consenso geral (comunidade política). Conforme refere o Dr. João do Sem, em 1439, nas palavras de Rui de Pina, o rei e as gentes do reino “huua sustância e hua coraçom da Republica de Portugal”18. É res publica porque o senhorio do reino pertence a todos conjuntamente. Por outro lado, o Mestre de Avis, nomeado regedor e defensor do reino, revelou especiais capacidades de liderança, proporcionando o incremento do processo identitário “dos naturais da terra” frente às ambições de Castela19. De igual modo, em 1439 os procuradores às cortes de Lisboa negam competência ao rei falecido (D. Duarte) para escolher a regência que governará o reino. Para eles devem ser as cortes a decidir. Na crise política de 1438/40 também prevaleceu a teoria da soberania popular frente à ideia do perigo que representava a rainha D. Leonor de Aragão numa eventual aproximação a Aragão e a Castela. Na sequência da vitoriosa guerra da independência – Aljubarrota (1385) reafirma a unidade político-territorial da monarquia portuguesa no todo peninsular – abrindo um novo ciclo cuja expressão mais forte é a expansão além-mar, na sequência da qual a perceção do espaço político se amplia. Conforme refere o Infante D. Pedro na Virtuosa Benfeitoria: “somos theudos aa terra da nossa natureza, nom somente aaquella de que somos naturaaes, mas aynda aa

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REBELO; 1983, p. 55. LOPES, F. ( ), capítulos 184-187, pp. 393-407. 17 O primeiro é a “comyssom devynal”; o segundo, conforme adiantamos é a eleição e o terceiro é o recebimento da coroa por herança (REBELO, 1983, p. 41). 18 PINA, Rui de – Chronica do Senhor Rey D. Duarte, cap. XXXIX, p. 557. 19 António José SARAIVA considera que F. Lopes inovou no que toca à consignação de dois direitos: o direito de naturalidade e o direito de nacionalidade. Os acontecimentos sociais e políticos de 1383 opuseram claramente “o direito de naturalidade com o nome de Portugal e o direito senhorial com o nome de Castela”. Ganhou o direito de naturalidade que, segundo o autor, não é mera convenção, assenta na comunidade de afetos e daí que alguns fidalgos lhe tenham sido sensíveis ingressando no partido do Mestre de Avis e o próprio Nuno Álvares Pereira tenha enfrentado os irmãos, “que seguiram o partido da legitimidade dinástica”. O direito de nacionalidade foi defendido juridicamente pelo Dr. João das Regras, nas cortes de Coimbra, provando a ilegitimidade dos herdeiros dinásticos (SARAIVA, 1998, p. 169 e 175-76). 16

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en que proporemos de fazer toda nossa vivenda. E mais nos obriga o seu gradecimento que o porque somos theudos aos nossos geradores”20. Na pluralidade dos objetivos da expansão quatrocentista, como certificou V.M. Godinho, um dos motivos foi a defesa do reino, protegendo-o das ambições de Castela e das ameaças do Magrebe.

Por meados do século XV, no contexto de uma grave crise política que irá conduzir à guerra civil em 1449, algumas ideias exprimem a realidade político-territorial da monarquia portuguesa. Numa altura em que a corte régia constituí o centro nevrálgico da sociedade política portuguesa Durante o conflito civil que opôs as forças políticas do duque de Coimbra ao partido de Afonso V O regimento de 1481 traduz a afirmação incontestável da autoridade régia. A reconstrução da autoridade superior do rei nas cortes de 1481/82, defendendo um modelo de exercício do poder: controlo dos abusos senhoriais e dos fidalgos Legitimação da autoridade da monarquia. No contexto da evolução social e política do reino de Portugal nos séculos XIV e XV, algumas ideias de carácter mais ou menos inovador, exprimem a realidade políticoterritorial da monarquia e patenteiam uma maior consciência política, designadamente dos grupos culturalmente mais esclarecidos e próximos do poder, mas também, e convém salientá-lo, uma maior consciência social da comunidade de súbditos interessados em conhecer e participar das decisões políticas do reino, v.g. o ato de aclamação de D. João I e de aceitação do Infante D. Pedro em cortes. - poder político e realeza – modelo de realeza – realeza patrimonial à realeza soberana Exaltação da realeza joanina por meio do elenco das suas qualidades governativas face aos concorrentes. - Argumentos éticos: justiça (suprema das virtudes) e bem comum (“interesse comunal”, “prol comunal”, - princípios éticos. - Argumentos sociais: relação monarquia-nobreza: tensões do Mestre de Avis com o clero e a nobreza o enaltecimento da dinastia de Avis, mitificação da dinastia de Avis - 7ª idade. Pedro Calafate “nas páginas das suas crónicas encontramos momentos decisivos de afirmação do pensamento político português dos finais da Idade Média”. Como refere B. Guenée, os séculos XIV e XV são um tempo de “diálogo entre o Príncipe e o País”, diálogo muitas pautado por… 20

Infante D. Pedro, L. V, cap. VII, p. 238.

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As leis como expressão da vontade soberana e do intervencionismo régio sobre uma dada realidade territorial. Esta expansão conceptual exprime-se, nomeadamente, na distinção e uso concreto de expressões para designar o reino, o estado do reino, a coroa e o conjunto de súbditos, denotando-se uma maior precisão na distinção jurídica entre o poder político e a pessoa que o exerce, bem como entre governante e governados. Tais factos relevam de um mais alto grau de consciência política na consolidação da transição da realeza patrimonial para a realeza nacional. Os autores ao tempo – filósofos, teólogos, publicistas, príncipes e cronistas – têm ideias perfeitamente definidas e elaboradas sobre a realeza portuguesa e as funções políticas, jurídicas e legislativas associadas. De entre todos os autores daremos especial ênfase ao discurso dos cronistas régios (mormente de Fernão Lopes) pelo potencial narrativo que encerram e pelo papel político que desempenharam na afirmação da legitimidade da monarquia portuguesa. O discurso que não está isento de manipulações e mensagens ideológicas, pretendendo argumentar e persuadir os leitores – dimensão propagandística das crónicas. Por seu lado, o discurso dos príncipes, a que daremos pontualmente alguma atenção, não apenas por serem aqueles que estão mais próximo do raio de ação do poder, criticando-o, reproduzindo-o ou reafirmando-o, mas também por espelharem uma visão pessoal…Tratando-se de uma abordagem do discurso político, os pressupostos de leitura que mais nos interessam são ético-políticos e ideológicos. As crónicas régias apresentam-se como uma expressão da vontade coletiva, falando muitas vezes em nome dos interesses da comunidade. As páginas das crónicas de Fernão Lopes são uma expressão do pensamento político português da Idade Média final, nomeadamente na reflexão a que procede sobre governança, poder, soberania, senhorio, justiça, muito embora toda e qualquer reflexão seja tributária da dinâmica política da monarquia. Em Portugal a teoria da soberania popular teve a sua atualidade em 1383 e 1449. Segundo João das Regas à falta de sucessor legítimo, a soberania reverte para o povo a quem compete eleger em cortes o sucessor. A defesa do interesse comunal garante a legitimidade da autoridade do chefe político. O consenso político dos súbditos – “gente dos reinos” em acordo relativamente à tomada de decisões. Vantagens da eleição do Mestre de Avis, fundador da nova dinastia de Avis – assenta num discurso ideológico. Passagem da fase carismática à fase institucional da realeza medieval. Argumentos políticos – sentimento nacional contra Castela (dos “naturais da terra”) dos grupos mercantis e mesteirais de Lisboa – golpe de força – revolução de Lisboa de 6 de Dezembro de 1383. Por seu lado, a experiência política da regência de Leonor Teles é retratada como o pior dos regimes, quando suportada num governo de tipo oligárquico, que favorecia os interesses dos poderosos, esquecendo o principal suporte do poder político: o zelo de justiça e o “bem comunal”. Por seu turno, o Mestre de Avis assumiu o compromisso de defesa do bem comum.

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Sem colocar em causa a monarquia, o melhor dos regimes, comprova que a regência de Leonor Teles se transformou numa forma de governo perniciosa, dado que a rainha conferiu demasiados poderes ao conselho assemelhando-se ao exercício oligárquico do poder, de acordo com F. Lopes esta era também uma distorção constitucional que havia que corrigir. Binómio rei – reino (corpo político), comunidade de súbditos Soberano – senhor dos senhores – carisma e competência essenciais ao governante Regimento do reino e prol do povo (p. 36). - direito de naturalidade - patriotismo - espírito de solidariedade entre pessoas que tenham interesses comuns, e que com ânimo se entregam à defesa desses interesses (a mesma comunidade de sonhos), o sentimento de amor e devoção à pátria, aos seus símbolos (bandeira, hino, brasão). Através de atitudes de devoção para com a sua pátria, pode-se identificar um patriota O patriotismo e a sua relação com o alargamento de novos horizontes espaciais na Península e além-mar. O patriotismo é o amor da terra. Na Virtuosa Benfeitoria, L. V, cap. II, p. 238. “somos theudos aa terra da nossa natureza, nom somente aaquela de que somos naturaes, mas aynda aa que propoemos da fazer toda nossa vivenda”. Por um lado, sublinha a necessidade de subtrair o território nacional a qualquer sujeição estrangeira, por outro assinala o espectro das conquistas portuguesas de além-mar. Vd. Biografia de Afonso V – Alfarrobeira e o senhorialismo Rui de Pina – crónicas Lealdades políticas oferecem diferentes perspetivas Salienta também que o Infante D. Pedro procede de acordo com a forma expositiva apresenta um conceito e define-o, com base nos livros e autores lidos. Por seu turno D. Duarte coloca muita matéria pessoal e experiência subjetiva na obra (p. 220). A sociedade da Virtuosa Benfeitoria era uma pirâmide hierárquica em que as diferenças estavam destinadas a um fim. A benfeitoria ou benefício é o elo que sustenta a sociedade. A cadeia do ser, garante da ordem social: “Deus(…) ligou espiritualmente a natureza dos príncipes e a obediência daqueles que os hão-de servir como doce e forçosa cadeia de benfeitoria”. O Infante constrói uma teoria da sociedade em torno do benefício. Dentro dela concebe o Infante a teoria do governo um pouco baralhada dadas a inúmeras controvérsias a respeito. A doutrina dos santos padres defendia que todo o poder vem de Deus, havia, por outro lado, o direito feudal, que impunha limites ao poder régio, havia também a tradição da

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Antiguidade, teorizada por Aristóteles que colocava nas assembleias populares a fonte da soberania. S. Tomás de Aquino tentou conciliar estas duas correntes. Mas o Infante não se debruça sobre a legitimidade do poder e a origem da soberania.

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