Discurso sobre \"A sociedade do espetáculo\" de Guy Debord e as Redes Sociais

June 4, 2017 | Autor: Vinicius Rebelo | Categoria: Filosofía Política, Comunicacion Social, Ciencia Politica, Filosofía, Ciencias Sociales
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A sociedade do espetáculo e as Redes Sociais Por Vinicius Rebelo

Introdução O fenômeno das massas e a mídia social remetem-nos às suas origens mais profundas, a saber, a invenção da prensa no século 15 por Johannes Gutenberg. Com efeito, é neste momento da história que a distribuição de informação efervesce nas mais diversas camadas sociais. Entretanto, nossa discussão circunda no fato de que as mídias sociais se tornaram aparato de dominação, forma de poder total e mantenedora do sistema de dominação da classe proletária. Por conseguinte, Guy Debord nos traz uma perspicaz reflexão sobre o papel das mídias sociais que se consolidaram fortemente no século 20, lançando um olhar crítico sobre os meios de produção, as relações de poder existente e o espetáculo generalizado e ao mesmo tempo necessário no sistema capitalista. Guy Ernest Debord foi um filósofo, escritor e cineasta francês. Nasceu em 1931 e veio a se suicidar em 1994 na capital francesa. Foi um dos grandes pensadores da Internacional Situacionista. Teve grandes influências teóricas das obras de Karl Marx e Mikhail Bakunin, porém em sua obra encontramos muitas referências teóricas de

outros importantes pensadores

como:

Feuerbach, Lukács, Hegel entre outros importantes autores que embasam nossas atuais teorias Marxistas e Anarquistas. Debord teve seu ápice na Internacional Situacionista, que obteve como fruto a obra “A sociedade do espetáculo”, que veremos a seguir.

A Internacional Situacionista, em poucas palavras, é um movimento primordialmente artístico, tendo em vista em segundo plano, um projeto político. Seus militantes visavam a “criação de situações”, de caráter consciente, critico e criativo; rejeitavam qualquer forma instrumentalista de situação como são os meios urbanos, feitos para causar sensação de bem estar, sucesso, rapidez e felicidade, quando na verdade são um meio de exploração e consumo dos que ali habitam. Dando por suficiente os laços históricos que concerne o entendimento contextual do que se segue, nesta breve exposição pretenderei discorrer sobre a obra de Guy Debord, “A Sociedade do Espetáculo”: abordarei o espetáculo enquanto alienador das massas; como se dá a especialização do espetáculo através das redes sociais; e por fim, faremos uma leitura, no viés da obra de Debord, do que foram as manifestações pelo Brasil em 2013 e que, de certa forma, estendem-se até nossos dias. O que é a Sociedade do Espetáculo, em Guy Debord? Guy Debord dá ao espetáculo juízo qualitativo à sociedade capitalista, ou seja, ela é espetaculista. Na tese 14, já nos diz: “A sociedade que repousa sobre a indústria moderna não é fortuitamente ou superficialmente espetacular, ela é fundamentalmente espetaculista. No espetáculo da imagem da economia reinante, o fim não é nada, o desenvolvimento é tudo. O espetáculo não quer chegar a outra coisa senão a si mesmo.” A

sociedade

transformações

que

capitalista diferiu

a

nos

dois

sociedade

séculos capitalista

anteriores que

sofreu

concebemos

atualmente, porém, ambas almejam o mesmo fim explorador: a acumulação de capital. Segundo Debord, a acumulação de capital na forma mercadoria culminou em níveis exacerbados, que a mercadoria se consolidou imagem: já não é mais apenas coisa, mas é a coisa tornando-se imagem, um paradigma ideal da coisa. Embora esse movimento de abstração da mercadoria pareçanos simples negação da própria coisa no real, Debord demonstra que a imagem tomou o lugar da mercadoria no mundo do capital. O consumo é mais que mediado pelas imagens, é consumo da própria imagem da coisa. Muito mais afastadas do que estiveram antes, estão a mercadoria e a imagem, sendo em suma a imagem o total afastamento do real como escolha da sociedade, e desta forma representação das relações sociais. Em duas teses, Debord nos deixa as primeiras pistas do que pretende nesta obra. Primeiro, na tese 4 o autor nos diz: “O espetáculo não é o conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas mediada por imagens” E na tese 8, que nos explica sobre a prática social e política dentro do espetáculo: “Não é possível fazer uma oposição abstrata entre o espetáculo e a atividade social efetiva: esse desdobramento também é desdobrado. O espetáculo que inverte o real é efetivamente um produto. Ao mesmo tempo, a realidade vivida é materialmente invadida pela contemplação do espetáculo e retoma em si a ordem espetacular a qual adere de forma positiva. A realidade objetiva está presente dos dois lados. Assim estabelecida, cada noção só se fundamente em sua passagem para o oposto: a realidade surge no espetáculo,

e o espetáculo é real. Essa alienação recíproca é a essência e a base da sociedade existente.” Com efeito, a separação total entre mercadoria e imagem desencadeia um efeito nos meios de produção, nas lutas de classes e, portanto, na concepção do materialismo histórico de realidade. Neste sentido, há uma separação total entre real e o não-real, uma relação de ilusão entre ambos, fetichista, autoritária e imperceptível. Como vimos, quando há o intento de surgir como efetiva realidade dentro do movimento espetacular, já é antes espetáculo. Desta forma, se analisarmos em linhas e fatos históricos, são as espantosas condições atuais dos meios de produção que proporcionam o movimento espetacular, como algo nunca visto no passado. Por meio da exploração e da acumulação de mercadorias, o homem, que não se reconhece como

produtor,

fascinado,

contempla

alienadamente

a

explosão

de

mercadorias com desejo e consumo desenfreado de quem não conhece suas causas e origens. Debord, sintetiza em sua tese 34: “O espetáculo é o capital em tal grau de acumulação que se torna imagem.” É assim o espetáculo: de um lado os espectadores, de outro lado o espetáculo. Debord refere-se às relações humanas que são constantemente mediadas pela imagem, pelo espetáculo, nas quais os grandes protagonistas são as mídias sociais: Televisão, Rádio e a Mídia impressa (jornais, revistas etc). Em geral, são a publicidade e a propaganda capazes de fazer necessário o consumo, a produção e a alienação que enriquecem as oligárquicas forças

dominantes. A publicidade por incutir o desejo das mais variadas mercadorias, e a venda desenfreada imposta por um desprendimento dos meios de produção, ou seja, o fetiche pelas mercadorias. A propaganda atua na área politica, tornando as figuras políticas produtos a serem consumidos, afastando dos reais intentos do poder político. O espetáculo não é, neste sentido, um movimento de forças ocultas manipuladoras que se valem para dominar as grandes massas, mas, é um movimento cadenciado dos meios de produção e da acumulação de capitalmercadoria. Seria simplório pensarmos que os dominantes escolheram as mídias sociais para manipular as sociedades, mas é mais tangível admitirmos que a circulação de mercadorias e a manutenção do sistema são reféns do espetáculo, pois sem ele, que é a alma locomotora desta economia, sem o espetáculo,

o

colapso

total

do

capitalismo



teria

se

consumado

apoditicamente. Na sua tese 21, Debord nos diz: “À medida que a necessidade se encontra socialmente sonhada, o sonho se torna necessário. O espetáculo é o sonho mau da sociedade moderna aprisionada, que só expressa afinal o seu desejo de dormir. O espetáculo é o guarda desse sono.” Com base no que foi demonstrado até agora, podemos tirar nossas primeiras conclusões sobre a análise crítica de Debord: 

Chamamos de sociedade do espetáculo pelo fato de estar na totalidade do mundo capitalista, isto é, onde vigora o capital, vigora necessariamente o espetáculo. Nas nossas sociedades contemporâneas, tanto nos polos ocidentais quanto nos orientais,

a divisão entre a vida real e a ilusão está presente, assim, a representação moderna política, que não busca a emancipação auto-gestora dos agentes responsáveis pelos meios de produção, e quando buscam, estão dentro do movimento espetacular que engole qualquer tentativa de revanche, pois está inserida no espetáculo. 

A representação politica é por excelência espetacular, pois é a negação das classes e dos movimentos sociais, por conseguinte, não são os trabalhadores que aparecem reivindicando sua atuação na sociedade, mas um poder separado e espetacular. Então, neste caso somos meros espectadores do espectro político que se compõe neste cenário mundial.



O espetáculo é ao mesmo tempo ilusão e realidade, pois se considerarmos

que

o

espetáculo

é

mera

ilusão,

então,

negaríamos toda realidade material contida nos meios de produção, na efetiva luta de classes e na história, assim Debord nos diz na tese 37: “O mundo presente e ausente que o espetáculo faz ver é o mundo da mercadoria dominando tudo o que é vivido. E o mundo da mercadoria é assim mostrado como ele é, pois seu movimento é idêntico ao afastamento dos homens entre si e em sua relação a tudo que produzem.” E na tese 134: “Refletir sobre a história é, inseparavelmente, refletir sobre o poder [...]” 

A publicidade e a propaganda estão presentes nos mais diversos programas da sociedade. Elas são a reificação da concepção de

espetáculo,

pois

tornam

todos

os

setores

da

vida

em

monumentais negócios e empreendimentos: desde os programas educacionais positivistas, o cientificismo, a religião, os valores morais, as instituições públicas e entre outros, são imagensmercadorias e detêm a força ideológica total da sociedade. Posto isto, avançarei a exposição de meu trabalho para um tocante que mais evidencia o espetáculo em nosso século que são as redes sociais. Visto a complexidade do termo, recortarei em três importantes redes sociais: Facebook, Twiter e Instagram, que são primordialmente objeto de minha investigação. Não rejeito o fato de os blogs e sites serem importantes, mas acredito que neste montante de ideias convulsionadas na internet, as redes sociais, aqui tratadas, são protagonistas de importantes fatos da nossa atualidade como: a primavera árabe, que cursou para o fatídico fim de ditaduras, como ocorreu no Egito e na Tunísia, e as grandes guerras civis na Síria e na Líbia. Já aqui no Brasil, as convulsões dentro das redes sociais culminaram nas manifestações históricas de junho de 2013, que a meu ver, estendem-se até hoje estranhamente. Para melhor expressar a síntese entre a obra “A sociedade do espetáculo” de Guy Debord e as redes sociais faço um breve recorte da minha dissertação: “Fica manifesto o espetáculo com mais evidência nas redes sociais, que em nossos dias tornam-se cada vez mais o espaço da vida real. São nessas redes que se perdem de vista toda tentativa de restauração da vida real para se viver o ilusório, elas são a imagem no nível mais abstrato, ratificando-se

como realidade, são a pratica da não pratica, são a hegemonização da política da classe dominante, são o “mundo realmente invertido”, em que “a verdade é um momento do que é falso”³. Por meio de uma grande acumulação de imagens, as redes sociais são o auge do espetáculo em nossa atualidade, que com grande fluidez propaga-se em todas as camadas e classes da sociedade, tomando pra si todas as opiniões, todas as teorias, todos os sentimentos e todas as razões, separando-se em agradáveis confrarias que rejeitam o confronto e a dialética. As redes sociais ganham um alto nível de complexidade, diferentes das mídias sociais tradicionais, como o rádio, televisão e jornal, que são unilaterais por sua estrutura (Alguém escreve e outro lê ou alguém produz e outro assiste), as redes sociais se fazem por diversos agentes, e ao passo que produzem,

também consomem os produtos alheios. É a

expressão

contemporânea da democratização dos meios de comunicação e espaço das manifestações ideológicas. Todavia, Debord de alguma forma já nos dizia algo sobre o assunto: “As falsas lutas espetaculares das formas rivais do poder separado são ao mesmo tempo reais, na medida em que expressam o desenvolvimento desigual e conflitante do sistema, os interesses relativamente contraditórios das classes ou das subdivisões de classes que integram o sistema, e definem sua própria participação no poder do sistema.” E conclui que “na condição real de setores particulares, a verdade de sua particularidade reside no sistema universal que as contém: no movimento único que transformou o planeta em seu campo, o capitalismo”. (O trecho referido é parte da sua tese 56 no capítulo Unidade e Divisão da Aparência).

Ora, as redes sociais são imagem-espaço do conflito, das divisões de classes, dos interesses que são falsos por estarem contidos na imagem, e são reais por participarem da manutenção dos meios de produção vigente, ou seja, conformam-se em meros processos de imagens que aparecem como revolucionários e como luta efetiva entre as classes. As redes sociais concretizam o caráter ideológico próprio do espetáculo, escondem as contradições existentes e ao mesmo tempo querem eliminar qualquer possibilidade de revanche. Um dos triunfos da rede social é o fato de ela ser herdeira das mídias sociais tradicionais em seus aspectos particulares: ela é o rádio, a televisão e a mídia escrita fundidos em uma única mídia. É a unificação das mídias em uma e a separação das mesmas como apreensão do real. Neste aspecto, a rede social também é unilateral, pois, tem em si toda dinâmica que estava contida nos meios de comunicação tradicional: foto, vídeo, escrita, fala, em suma, o poder simbólico concentrado num só. Ainda que muito nova e dependente da internet para se consolidar definitivamente, as redes sociais fizeram-se primeiro objeto dos dominantes e não dos dominados, por isso dizemos que é o mais eficiente aparato de dominação que se conhece. Já perdemos a fé nas mídias tradicionais para efetivarmos a revolução, agora apostamos na rede social como forma de mobilização.” É importante ressaltar, que as redes sociais são a pura realização fetichista que podemos conceber como retrato do conceito, pois, ao acreditarmos que há uma efetiva relação social nas redes sociais, como algo que pretende transformar os meios de produção, caímos na armadilha que nós mesmo armamos, como diria Debord em sua tese 2:

“As imagens fluem desligadas de cada aspecto da vida e fundem-se num curso comum, de forma que a unidade da vida não mais pode ser restabelecida. A realidade considerada parcialmente reflete em sua própria unidade geral um pseudo mundo à parte, objeto de pura contemplação. A especialização das imagens do mundo acaba numa imagem autonomizada, onde o mentiroso mente a si próprio. O espetáculo em geral, como inversão concreta da vida, é o movimento autônomo do não-vivo.” Ora, criamos afetos reais com algo incapaz de ser real, que é espetacular e fetichista por sua própria construção histórica. As redes sociais é espetáculo e resguarda consigo todo projeto, é uma ferramenta política da não politica, é uma ferramenta social da não relação social, é uma ferramenta jurídica da não justiça; outrossim, é a negação da realidade: anônima, mas condenada a ser não sendo, arma da mais cruel da burguesia. O proletariado usuário das redes sociais afasta-se cada vez mais da sua condição proletária, o explorado afasta-se tacitamente de levantar-se contra seu explorador e o dominado por possuir um botão virtual chamado “publicar”, considera-se o dominante e detentor da justiça, da política, da verdade e da moral. As manifestações de julho de 2013, convocadas pelas redes sociais, são prioritariamente espetaculares. Exponho aqui sistematicamente os motivos que me levaram a esta conclusão com base na teoria de Debord: 1. As manifestações apesar de terem a primeira pauta legítima, que é a redução ou isenção da tarifa dos transportes públicos, consolidaram-se através da imagem: por um lado temos a figura quase sindical do Movimento Passe Livre, e por outro lado temos as próprias redes sociais. Já sabemos que a representação separada, como foram feitas

nas negociações posteriores, é espetacular, e como acabamos de expor

anteriormente,

as

redes

sociais

são

esse

incongruente

massificado. 2. As massas convocadas para as manifestações corroboraram um fio inconsciente. No momento que o Movimento Passe Livre precisasse, não saberíamos em qual disposição as maiorias se dirigiriam. Assim como diversos movimentos sociais pretendem criar consciência, o Movimento Passe Livre neste intento seria desarticulado com a mesma cadência que outros movimentos sociais, pois não protagonizam o interesse da burguesia ou do Estado Burguês, mas de uma classe onerada e desprovida de qualquer aparato de dominação. 3. A negação política e democrática, que é um caráter peremptório da sociedade do espetáculo. Vislumbravam um simples momento de isenção e redução de tarifa de transporte público, que é um momento espetacular. Neste interim, as manifestações apareceriam como um objeto de desejo da maioria, confirmariam uma imagem que almejavam produzir do que foram os movimentos, e acabariam por manter com mais vigor a repressão capitalista contra o trabalhador: porque o que estava em questão neste momento não era a mobilidade dos cidadãos que utilizam o espaço publico, mas quem vai pagar as contas dessas grandes empresas que visam os lucros. 4. Os mesmos movimentos que traziam esta pauta serena, já anunciavam o ódio que vemos hoje na polarização política. Já nestes meados, nascia o que chamamos hoje “Fora Dilma” ou “Fora PT”, que

diagnostica toda falência da economia do país nas reformas pálidas e tímidas a favor da classe proletária. 5. Por último, modero que as manifestações tiveram amplo apoio das mídias

tradicionais:

grandes

jornais,

documentários

televisivos,

manchetes em horários nobres etc. Evidentemente, as manifestações galgaram suas bases no espetáculo, o que destinou no sucesso e na decadência do mesmo fato.

Enfim, chego a algumas conclusões sobre o que posso dizer de um trabalho que está em andamento, e faço das palavras de Debord em sua ultima tese, a 221, minhas palavras finais: “Emancipar-se das bases materiais da verdade invertida, eis no que consiste a auto-emancipação de nossa época. Nem o individuo isolado nem a multidão atomizada e sujeita à manipulação podem realizar essa “missão histórica de instaurar a verdade no mundo”, tarefa que cabe ainda e sempre à classe que é capaz de ser a dissolução de todas as classes ao resumir todo o poder na forma desalienante da democracia realizada, o Conselho, no qual a teoria prática controla a si mesma e vê sua ação. Somente ali os indivíduos estão “diretamente ligados à história universal”; somente ali o diálogo se armou para tornar vitoriosas suas próprias condições.”

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