Discursos sobre as organizações ou organizações como discursos? Reflexões Iniciais sobre um Velho Conceito em um Outro Contexto

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Discursos sobre as organizações ou organizações como discursos? Reflexões Iniciais sobre um Velho Conceito em um Outro Contexto Gislene Feiten Haubrich1 Resumo A contemporaneidade é caracterizada pela diversidade. Múltiplos pontos de vista e possibilidades de manifestação desafiam trabalhadores e organizações à reorganização constante de conceitos e contextos. A economia criativa desponta neste percurso e instaura diferentes formas de pensar as práticas laborais e de interação dos sujeitos que discursivamente constituem as organizações. Este estudo, na condição de reflexão exploratória, visa compreender como as características de negócio emergentes do cenário da economia criativa oportunizam a atualização da noção de organização. Da análise do corpus composto por relatórios nacionais e internacionais, teses e dissertações, considera-se que a abordagem comunicacional seja profícua para reconhecer a relação dialógica de sujeitos e estruturas na constituição das organizações. Palavras-chave: Organizações; economia criativa; discursos; ‘Escola de Montreal’.

Parte I - Reflexões, apontamentos e percurso Discussões acerca das transformações culturais e econômicas que nos conduzem ao pósmoderno são múltiplas e refletem as peculiaridades deste tempo: a multiplicidade, frequentemente paradoxal e nem sempre dialogada, de pontos de vista. Embates entre ‘certo’ e/ou ‘errado’ polarizam discursos sobre melhores práticas para gestão empresarial e individual, por exemplo. Vagas de emprego são extintas e novas emergem. Sobrevive quem se adapta ou quem se antecipa? Àquele que tem [agora] permissão para gritar, dá-se voz? Ou seria dada voz em meio ao turbilhão? Dominam sobre a massa humana, as grandes corporações? O progresso é ainda um desejo ou apenas um lampejo? Questões, essas e tantas outras, que abarcam das problemáticas humanitárias globais às impiedosas soluções locais; do estresse e da oscilação emocional à constante busca pela qualidade de vida. O caos do pós-moderno (LYOTARD, 2013) abre espaços para que novas estruturas se desenvolvam. Elas são como estratégias que acenam aos sujeitos a possibilidade de se tornarem agentes de mudança e desenvolvimento da sociedade [há muito] movida pelo Doutoranda e mestra em Processos e Manifestações Culturais. Graduada em Comunicação Social – Relações Públicas. (Universidade Feevale) 1

capital em suas mais diversas variações. A relação tangível e imaterial alça voos singelos em seu status quo e o simbólico parece operar com ainda mais poder. Seria este um cenário ideal à abertura de diferentes frentes de produção? Acredita-se que sim. Se a criatividade é uma das habilidades mais requisitadas à superação da instabilidade monetária, justifica-se investir em uma economia centrada naquilo que pode ser simbólica/criativamente produzido e servido. Pode-se supor, então, que a busca pelo empreendedorismo criativo tenha vínculo com o desgaste de estruturas reguladoras e delimitadoras (modelo de organização tradicional) dos modos de fazer? Defende-se a validade desta questão ao passo que se aceita o ser humano enquanto corpo si2 na realização de sua atividade [também humana] laboral. Esta breve conjectura ancora o problema de pesquisa: como as características de negócio emergentes do cenário da economia criativa oportunizam a atualização da noção de organização? A compreensão de tal conjuntura se dá mediante a abordagem contextual e laboral presente em discursos sobre a temática e promove uma reflexão sobre tais aspectos no contexto brasileiro. Mapear e selecionar tais discursos teve como ponto de partida o banco de teses e dissertações da Capes, visto que desta base de dados, além da pesquisa e suas contribuições, também pode-se identificar outras fontes que contribuam com a abordagem pretendida. Salienta-se que a investigação exploratória ora investida não tem a pretensão de esgotar ou mesmo de englobar a totalidade de perspectivas para entender o cenário complexo que permeia as sociedades e seus múltiplos agentes, dentre eles as organizações. A motivação nevrálgica à realização do estudo está na caracterização [sabidamente provisória] do contexto experimentado pelas organizações, cujo senso comum [inclui-se aí reportagens e matérias jornalísticas] aponta para problemáticas diante da incompatibilidade entre interesses de CPFs e de CNPJs; de pessoas e o do coletivo que lhes impõe a convivência. Nesse sentido, o objetivo desta reflexão é compreender como a noção de organização pode ser atualizada mediante o cenário evidenciado em discursos sobre o panorama da economia criativa no Brasil. A pesquisa tem natureza Esta noção foi criada e vem sendo desenvolvida pelos estudos pluridisciplinares da Ergologia, que “abordando o trabalho no micronível, como se sob uma lupa, ou seja, a partir do que passamos a chamar de a atividade de trabalho, esse campo da experiência humana parecia especialmente propício à interrogação sobre a presença enigmática de uma pessoa, de uma singularidade viva no tratamento de situações a viver”. (SCHWARTZ, 2014, p. 260). Nesta perspectiva, o corpo-si se refere a essa singularidade que faz escolhas mediante as coerções do ambiente. 2

aplicada, cunho exploratório e abordagem qualitativa. Fundamenta-se em pesquisa bibliográfica e coleta de dados em documentos disponíveis na internet acerca da temática “economia criativa no Brasil”. A coleta de dados se constitui de duas etapas, a começar pelo acesso ao banco de teses e dissertações da Capes. A avaliação destes textos, em um primeiro momento, embasa-se na leitura dos resumos, o que permitiu a seleção dos estudos mais próximos ao enfoque deste levantamento. Esta abordagem inicial, de pronto, permite diagnosticar a incipiência dos estudos na área, manifesta tanto pelo restrito volume de pesquisas já produzidas quanto pela sua divulgação recente, a partir de 2011. Desse modo, além destes documentos, inclui-se ao corpus de análise três relatórios, sendo uma publicação internacional e duas nacionais: 1) Creative Economy Report, pela UNESCO em 2013; 2) Panorama da Economia Criativa no Brasil, pelo IPEA em 2013; 3) Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil, da FIRJAN em 2014. A inclusão destes documentos tem a finalidade de propiciar amplitude ao olhar investido à análise do cenário brasileiro da economia criativa. Para dar conta da proposta, divide-se o artigo em três partes, sendo as duas primeiras com enfoque expositivo mediante a retomada das noções e a terceira direcionada ao tecer de conexões. Parte II - Economia Criativa: quais leituras permite o contexto brasileiro? As investigações sobre o campo da economia criativa, em suas mais diversas faces, são recentes, com pouco mais de vinte anos. O termo “indústria cultural”, na concepção contemporânea3, foi publicado pela primeira vez na Austrália, no relatório Creative nation: commonwealth cultural policy, de 1994 (OLIVEIRA et al., 2013). Posteriormente, o termo foi incorporado e ampliado pela Força Tarefa de Indústrias Criativas do Reino Unido, em 1997, cujo objetivo foi a disseminação do conceito para fomento de oportunidades de trabalho e de produção de capital (FIRJAN, 2014). Emerge, neste cenário, a concepção de “Economia Criativa”, elaborada pelo estudioso britânico John Kowkins (UNDP/UNESCO, 2013). Desde então, diversos países tem agregado e reconhecido a relevância das práticas da economia criativa para o Conforme o Creative Report 2013 (p. 20, tradução livre): “Assim, na década de 1980 o termo indústria cultural deixa de ser utilizado com as conotações pejorativas do termo antigo [relativo à Escola de Frankfurt] e começa a ser aplicado no meio acadêmico e nos círculos de decisão política como uma indicação positiva”. 3

desenvolvimento econômico e laboral das regiões e países. A incipiência e os desafios, no entanto, são notórios, mesmo no acelerado tempo pós-moderno. O campo teórico também demanda diversas lacunas, visto a necessidade de ampliação do tecer reflexivo à compreensão do quadro cotidiano e conjuntural que tal campo cria e recria. A avaliação dos textos-corpus selecionados para a produção deste artigo destaca como referencia básica aos estudos nacionais da economia criativa, o documento produzido pela United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD), de 2010. O relatório da UNCTAD (2012) considera a multiplicidade de modelos à caracterização e classificação dos negócios da economia criativa, e destaca quatro4, a saber: a) modelo britânico; b) modelo texto-simbólico; c) modelo dos círculos concêntricos; d) modelo de direitos autorais (OMPI). Ainda conforme este relatório, a proposta da UNCTAD (2012, p.7) se apoia em ampliar o conceito de “criatividade”, passando-o de atividades que possuem um sólido componente artístico para qualquer atividade econômica que produza produtos simbólicos intensamente dependentes da propriedade intelectual, visando o maior mercado possível.

Nesse sentido, a UNCTAD (2012) apresenta também um modelo, o qual é adotado pelos relatórios nacionais para a análise do cenário brasileiro e utilizado/ mencionado nos materiais que compõe o presente corpus. Quanto aos conceitos centrais para a construção destes modelos, o Creative Economy Report (UNDP/ UNESCO, 2013) referencia quatro, os quais são apresentados sinteticamente na Figura 1.

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Como este texto não se propõe a discutir proposições teóricas sobre os modelos institucionalizados do saber da economia criativa, mas apresentar um breve cenário do campo. Mais detalhes sobre os modelos podem ser obtidos no relatório UNCTAD (2012) e em Oliveira (et al., 2013).

Figura 1 – Economia Criativa: conceitos centrais Fonte: elaborado pela autora com base na conceituação da UNDP/ UNESCO (tradução livre)

A Figura 1, além de retratar concepções centrais, apresenta a trajetória de construção do campo, que tem como ponto de partida as indústrias culturais e, posteriormente, as indústrias criativas. A noção de economia criativa abarca a ambas; desenvolve-se na inter-relação entre criatividade e economia e implica a inovação em bens, serviços e processos. Essa base conceitual, além dos dados mercadológicos apresentados na sequência, sustentam a discussão ora proposta e desenvolvida no decorrer deste texto. Interessa mencionar que tanto o relatório do Ipea quanto o da Firjan tem por base a categorização do setor da economia criativa proposta pela UNCTAD. Os dados depreendidos por Oliveira (et al., 2013), divulgados pelo Ipea, atestam que, em 2010, a contribuição do campo formal da economia criativa esteve entre 1,2% e 2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e aproximadamente 2% da mão de obra e 2,5% da massa salarial formal. Ainda conforme este relatório, entre 2006 e 2010 foram criados 67.353 postos de trabalho no setor, o que representa a inclusão formal de 169.081 trabalhadores nas atividades típicas de economia criativa, dentro e fora do setor. O relatório da Firjan5 (2013) estima que em 2013 a indústria criativa brasileira tenha gerado um PIB equivalente a R$ 126 bilhões, ou 2,6% do total nacional. Em comparação com o índice de 2010 (OLIVEIRA, et al., 2013), reconhece-se uma Além de adotar a divisão elaborada pela UNCTAD (atividades upstream – ligadas especialmente as artes tradicionais e downstream- que contemplam atividades criativas ligadas ao mercado), a Firjan ainda propõe mais subdivisões para o detalhamento do cenário brasileiro. Para este órgão, quatro são as áreas criativas: consumo, cultura, mídias e tecnologia. A partir delas estabelecem-se ainda outras subdivisões que podem ser consultadas no relatório, conforme consta em referencias. 5

margem de crescimento entre 0,6% e 1,4% em três anos. A Firjan (2013, p. 4) ressalta ainda que “o PIB da Indústria Criativa avançou 69,8% em termos reais, acima do avanço de 36,4% do PIB brasileiro”, considerando o período 2004-2013. O Quadro 1 sintetiza a avaliação qualitativa dos dados da economia criativa brasileira divulgados nos três relatórios que compõem o corpus do estudo. Quadro 1 – Síntese do comparativo qualitativo: IPEA, FIRJAN e UNDP/UNESCO IPEA (Oliveira et al.) a) quando comparado com outros países, considera-se baixa a intensidade criativa brasileira; b) a economia criativa tem apresentado acrescimento superior do que o restante da conjuntura econômica nacional; c) os trabalhadores apresentam mais escolaridade e recebem salários mais altos do que a média tradicional; d) ampliação da rotatividade empregatícia; e) aponta-se a necessidade de pesquisas específicas: - para mensuração do mercado informal da economia criativa, já que se acredita que ela seja mais expressiva mediante a natureza da economia criativa no Brasil; para entender a rotatividade. Fonte: elaborado pela autora.

FIRJAN a) a classe de trabalhadores criativos cresceu 90% em 10 anos, representando, em 2013, 1,8% do total de trabalhadores brasileiros; b) São Paulo e Rio de Janeiro se destacam no mercado de trabalho criativo; c) a diferença entre a remuneração média brasileira de R$ 2.073 e a remuneração da classe criativa varia de R$ 2.853 no CE a até R$ 8.682 no RJ; d) sobre as áreas criativas: consumo é a mais numerosa e dobrou entre 2004-2013; tecnologia é destaque em remuneração; cultura é a menor na economia formal, mas avançou 50% entre 2004-2013.

UNDP/ UNESCO - 2004: o Brasil impulsiona o campo da economia criativa a partir de 2004; -2009: economia criativa passa a ser um dos cinco eixos que sustentam as conferências municipais e estaduais sobre cultura; - 2010: realização da conferência nacional; -2012: estabelece-se a secretaria de economia criativa vinculada ao MinC. O planejamento 20122014 tinha como princípios de trabalho: diversidade cultural, sustentabilidade, inovação e inclusão social; - destacam-se duas ações pontuais: programa Rio Criativo, criação da “House of the Creative Economy” (MG).

Ainda conforme o relatório da UNDP/UNESCO (2013, p. 26, tradução livre), nos países em desenvolvimento, uma característica central acerca da economia criativa é a informalidade, responsável por formatar políticas econômicas, “particularmente mediante a capacidade limitada dos governos desses países na elaboração de subsídios e regulamentação”. Assim, a partir dos dados coletados nos relatórios analisados, esboçase um cenário acerca dos movimentos, oportunidades e debilidades decorrentes das transformações contemporâneas na economia, cujo cume está na valoração da criatividade, na produção simbólica e de conhecimento. Esta contextualização inicial é complementada por de dados oriundos do banco de teses e dissertações da Capes. Embora a etapa de coleta de dados tenha partido desta fonte, a opção pela apresentação de forma complementar deve-se a especificidade dos resultados encontrados, que abarcam enfoques diversos. Diante do pequeno volume de resultados

emergentes da busca com o termo “economia criativa no Brasil”6, optou-se por realizar a coleta com o termo “economia criativa”7. A avaliação preliminar, ancorada nos resumos e na relação com o recorte proposto8, implicou a seleção de seis dissertações: três disponíveis em formato completo (C) e as demais restritas as informações contidas nos resumos (R). Interessa mencionar que estes estudos contemplam realidades dos estados do nordeste (Ceará, Pernambuco e Bahia), sudeste (Rio de Janeiro) e sul (Paraná). O Quadro 2 sintetiza os resultados advindos da análise dos textos disponíveis. Quadro 2 – Dissertações: síntese acerca de elementos da economia criativa

Economia Criativa

Economia Criativa no Brasil

TC

6

Tipo

Ano

Tema

R

2011

Economia criativa e desenvolvimento

R

2012

Inserção internacional do Brasil por meio da economia criativa

C

2012

Análise da produção de software

C

2012

Análise do capital social em empresas de games

Resultados - necessidade de desenvolvimento de políticas e investimento de valores destinados ao combate a pirataria devem ser revertidos para esse fim; - buscar novos modelos de administração da propriedade intelectual; - adaptar modelo da UNCTAD; - desafios: falta de investimento, falta de informação e insuficiência de mão de obra. O resumo não apresenta resultados - defende-se a existência de um novo perfil de trabalhador: que conjuga manual e intelectual, que mobiliza sua subjetividade e o conjunto de valores da experiência, além da autogestão; - O trabalhador da área de software percebe a qualificação como diferencial que lhe garante sucesso e permanência no mercado. Ele também valoriza: autodidatismo, atualização do conhecimento, multifuncionalidade, engajamento, valorizam o risco, a inovação e a adaptação e tem resistência com os movimentos sindicais, além de produzirem “novas formas de solidariedade”. - o estudo avaliou a opinião de empreendedores (donos do negócio); - relata a importância de uma agenda governamental para a construção de políticas públicas que reconheçam e aprimorem o setor; - menciona a falta de mão de obra qualificada em Pernambuco; - a produção de capital social é limitada devido às restrições de alguns empreendedores quanto à produção conjunta (no cluster); - novos estudos: investigar a mobilidade profissional (empresas, estados, países), compreender a relação

7

O resultado apontou dez trabalhos, sendo uma tese e nove dissertações. O resultado apontou dezesseis trabalhos, sendo os dez encontrados anteriormente e mais seis dissertações.

8

Refletir sobre a noção de organizações perante o cenário da economia criativa.

C

2012

Institucionalização da economia criativa Humor

R

2011

Território e economia criativa

entre a cultura organizacional e a inovação acerca da produção de artifícios que estimulam a criatividade. - no Ceará o humor se configura como um relevante campo da economia e cultura local; - força de mercado é indicada como fator de mobilização da inovação no campo do humor; - o campo do humor no Ceará está em uma fase intermediária do seu processo de institucionalização complicadores: processo de comunicação (contato restrito entre os atores das redes interorganizacionais); - alguns dos entrevistados acreditam que os desafios atuais do campo do humor são: profissionalização e formação dos humoristas; criação de novos textos; resgatar o público para os shows; desenvolvimento de políticas públicas. - aproximação das noções relativas à Território Criativo ao Plano de Reabilitação Participativo do Centro Antigo de Salvador (desenvolvido em parceria do governo com a UNESCO); - o propósito é indicar perspectivas e sugerir ações como incrementar o desenvolvimento socioeconômico do Centro Antigo de Salvador.

Fonte: elaborado pela autora.

Um olhar rápido aos dados do Quadro 2 já permite identificar aproximações e divergências em relação aos dados anteriores. Ao passo que os relatórios do Ipea e da Firjan apontam a qualificação dos trabalhadores criativos como elemento positivo em relação às demais instancias do mercado, dois estudos de dissertação destacam a falta de mão de obra qualificada. Pondera-se a generalização aferida na primeira fonte enquanto a segunda refere um ponto geográfico específico, a região nordeste (Bahia e Pernambuco). Outros elementos que podem ser destacados na correlação entre relatórios e dissertações como a mobilidade dos profissionais e a informalidade, ambos enquanto aspectos instigados para estudos futuros. Menciona-se, ainda, que, embora o relatório da UNDP/ UNESCO aprecie diversas ações realizadas pelo governo brasileiro, entre 2009 e 2013, para o fomento do campo da economia criativa, os estudos de dissertação apontam para a emergência de criação de políticas públicas para investimento nas áreas criativas. Os dados apresentados inspiram ainda mais apontamentos. Entretanto, acredita-se que neste ponto do texto se reconheça a relevância da reflexão acerca dos desafios às organizações no contexto da economia criativa, tanto no campo em si como em atividades criativas inseridas na indústria tradicional. Nesse sentido, sem a pretensão de esgotar a reflexão, promove-se a argumentação sobre esses desafios a partir da

concepção de que as organizações são discursos (FAIRHUST; PUTNAM, 2010; PUTNAM; NICOTERA, 2009). No rumo desta digressão, prossegue o artigo. Parte III - Organizações: um conceito constituído pela comunicação? Diversas teorias das organizações emergiram e desenvolveram-se ao longo do século XX. Conforme Chiavenato (2010) pode-se mapear nove9 diferentes facetas acionadas para atender a caracterização e reconhecimento das realidades organizacionais. Nesse sentido, esse autor sinaliza que o olhar investido às organizações é influenciado por distintas ciências, dentre as quais, na atualidade: a física quântica, as teorias da relatividade, do caos e da complexidade. Os aspectos reportados por Chiavenato (2010) privilegiam, em consonância com as diferentes reflexões sobre o pós-moderno, a relevância das informações, do conhecimento e do capital intelectual, que implicam um cenário ainda mais desafiador à gestão e ao engajamento dos indivíduos às corporações. A consideração destas implicações vem ao encontro dos dados apresentados na primeira etapa deste estudo como, por exemplo, a mobilidade laboral encenada pelos profissionais da economia criativa, que pode encontrar respaldo na multiplicação de papeis aos quais o sujeito pode se vincular. Tais aspectos também se justificam pelo afrouxamento de vínculos institucionais, posto que o sujeito ao experimentar tal mudança, toma gosto por ela e transforma-a numa constante. As reflexões embasadas em Hall (2006), quanto ao enfraquecimento da noção de identidade nacional, e em Lyotard (2013), acerca da descrença nas metanarrativas do moderno, instigam para a urgência de uma reinterpretação da categoria analítica compreendida pela noção de “organizações”. Este cenário impele a busca por percursos que apoiem e orientem a reinterpretação pretendida. Depara-se, assim, com o postulado da chamada ‘Escola de Montreal’: “a organização emerge da comunicação” (TAYLOR; CASALI, 2010, p. 70). Para os estudiosos dessa escola, a comunição é a amarra que mantém conectados sujeitos, tecnologias, edifícios e objetos. A base dessas discussões está na dinâmica texto9

Diante do enfoque, da multiplicidade de obras que abordam essa temática e da restrição deste espaço, opta-se por mencionar as diferentes teorias sem um aprofundamento descritivo. Em caso de interesse do leitor, sugere-se consulta a referenciada obra de Chiavenato. As nove perspectivas são: 1) científica; 2) clássica; 3) humanística; 4) neoclássica; 5) estruturalista; 6) comportamental; 7) sistêmica; 8) contingencial; 9) atual.

conversação. O texto é imputado pela ação desempenhada por meio da linguagem em situações contextualizadas, enquanto a conversação se refere às interações geradas nas conversas cotidianas (TAYLOR; CASALI, 2010). Conforme Putnam, Nicotera e McPhee (2009, p. 4, tradução nossa) a “constituição comunicativa presumidamente incorpora o material (composição ou elementos), a forma (enquadramento ou formação) e as causas de eficiência (princípios ou regras para gestão) que trazem a organização à existência”. Tal debate contribui para a reflexão proposta por Fairhust e Putnam (2010, p.105) acerca das organizações enquanto “construções discursivas porque o discurso é a real fundação sobre a qual a vida organizacional é construída”. Nesse sentido, salienta-se a conexão entre discurso e comunicação. Entretanto, ao privilegiar as manifestações linguageiras, o primeiro diferencia-se da segunda, que é mais ampla e inclui “as redes de relacionamento, o processamento de informações e o fluxo de mensagens, além do discurso” (FAIRHUST; PUTNAM, 2010, p. 109). Além desta distinção, essas autoras ainda enfatizam a distinção entre os termos discursos, “meio para a interação social”, e Discursos, “sistemas genéricos e duradouros de pensamento” (FAIRHUST; PUTNAM, 2010, p. 110). O interesse linguageiro no qual se assenta o olhar investido nesse estudo impulsiona o aprofundamento dessa perspectiva, que elucida a atualização da noção de organização a partir do cenário da economia criativa no Brasil. Nesse caso, antes de fazer breves considerações sobre a problemática proposta, importa mencionar alguns elementos dessa abordagem. Destacam-se as três interpretações oriundas da aproximação entre discurso e organização, a partir das observações de Fairhust e Putnam (2010). Essas autoras ressaltam que as três orientações, apresentadas na sequência, precisam ser usadas em tensão entre si, o que possibilita um olhar complexo a realidade constituída discursivamente. Os estudiosos vinculados à orientação das organizações como objeto consideram que a organização é algo anterior ao discurso, visto o foco nos Discursos e a abordagem de cima para baixo. Já na concepção daqueles que entendem as organizações como permanente estado de constituição destacam-se os processos dinâmicos do discurso: criação, manutenção e transformação. Implica a relação entre discursos e Discursos

numa abordagem de baixo para cima. Por fim, o entendimento da organização alicerçada da ação tem seu enfoque no equilíbrio entre ação e estrutura, mas privilegia a linguagem em uso mediante os Discursos. Essa abordagem se baliza na confluência entre conversação, adesão dos indivíduos as regras e protocolos de interação, e texto, estruturas que orientam a ação (FAIRHUST; PUTNAM, 2010). Assim, considera-se que o ponto de vista comunicacional, priorizado pela Escola de Montreal, seja mais adequado à compreensão das organizações no contexto pósmoderno, marcado por paradoxos procedentes do enfraquecimento dos paradigmas que instituem as culturas nas sociedades. A heterogeneidade, a diversidade e a singularidade dos sujeitos, enquanto forças centrífugas encontram seu espaço frente à intenção centrípeta de determinar identidades e homogeneizar comportamentos. O tempo pósmoderno tem intrínseco o conflito e a divergência, e compele o diálogo como alternativa para convivência e aceitação do movimento permanente de estruturas, da constância das incertezas. Nesse caso, a faceta comunicacional, expressa pelo discurso na relação com Discurso, parece acionar e atribuir voz para a manifestação dos atores sociais.

Parte IV - Contextos em diálogo: tensões e projeções A etapa inicial desta reflexão exploratória sobre a noção de organizações mediante o contexto da economia criativa contemplou o delineamento sintético do que mobiliza esse modelo de negócio. Dos aspectos apresentados, pode-se abstrair que, apesar da inevitável influencia das amarras mercadológicas e das práticas capitalistas, o acento da economia criativa está na possibilidade de transgredir as imposições advindas da burocracia, da formalização e, também, da competitividade. Ela “difere de outros setores em suas formas organizacionais e no mercado de risco associado com produtos novos”, além do que “atividades criativas informais requerem um tipo diferente de política de pensamento”. (UNDP/ UNESCO, 2013, p. 25; p.28). O crescimento da economia criativa no Brasil, além de apontar para um caminho diferente em meio ao conturbado cenário financeiro do país, permite a leitura de dois deslocamentos que envolvem o profissional brasileiro. Por um lado, o fechamento de postos de trabalho ocasionado pelo alto custo do vínculo formal às organizações, ou

mesmo pela automatização de processos, obriga os sujeitos a buscarem alternativas para seu sustento. Por outro lado, os diversos movimentos da sociedade, como a globalização e o afrouxamento dos vínculos institucionais, por exemplo, também impulsionam os trabalhadores a buscar oportunidades que atendam aos seus valores, como o equilíbrio entre competição e cooperação, a qualidade de vida, o desenvolvimento intelectual e cultural, dentre outros. Em ambos os casos, estabelece-se a informalidade. Em suma, pode-se considerar como fio condutor da economia criativa a forma distinta de encarar a produção de bens e serviços, ancorada em pilares intangíveis como o conteúdo simbólico. Ele se conecta com a produção de conhecimento e implica a tensão entre pontos de vista que tendem a promover a inclusão social, a diversidade cultural e o desenvolvimento humano, além de contribuir para a geração de renda. Sustenta-se aí a proposição e a seleção da perspectiva comunicacional da ‘Escola de Montreal’ para apontar caminhos e reinterpretar a concepção das organizações, posto que diversos movimentos, para além da economia criativa, tem instigado outra relação entre sujeitos, ideologias e instituições. Embora se faça a opção pela utilização de uma proposta estrangeira, tal qual ocorre com delineamentos da economia criativa, faz-se necessário aprofundar o entendimento da realidade brasileira da economia criativa para, então, perceber pontos de conversão e de refusão para o êxito desta reflexão em fase inicial tanto cá como lá. O entendimento preliminar emergente da análise dos corpora selecionados e disponíveis para a condução desse estudo se mostra insuficiente para afirmações contundentes de pontos de vista que atendam as demandas dessa forma de produção econômica. No entanto, permite os apontamentos ora realizados tanto na convergência entre os dados quanto na projeção de situações que justifiquem a relevância de investir outros saberes no entendimento das organizações. Sobretudo, as manifestações que concernem à economia criativa permitem um olhar diferenciado às organizações, pois seu centro está numa modificação da relação que o sujeito tem com o seu fazer, a sua atividade laboral, forma de expressão que se considera indispensável para os estudos organizacionais fundamentados nas interações cotidianas e nas suas implicações aos agregados coletivos historicamente situados. Sob esse panorama, defende-se que uma outra forma de perceber as organizações somente

pode advir de uma outra forma de se olhar para o trabalho. A opção que se considera adequada procede de estudos anteriores10 e diz respeito à Ergologia. Desse modo, entende-se que a contribuição de tal proposição resida na elucidação do trabalho enquanto a atividade humana, que promove o debate entre normas e culmina em renormalizações. A singularidade do corpo-si é percebida na potência de interpretação de uma prescrição que implica as experiências, o momento e as expectativas do indivíduo em relação ao que faz. Do mesmo modo, considera-se que o entendimento da inter-relação texto-conversação possa ser desenvolvido mediante a abordagem bakhtiniana da filosofia da linguagem. Ao considerar a possibilidade de responsividade do corpo-si no interior das forças centrípetas, reconhece-se que forças centrífugas implicam o movimento permanente e dialógico para atualização dos contextos e modificação de pontos de vista. Assim, entende-se que os elementos passíveis de observação e compreensão no contexto da economia criativa sejam privilegiados para o discernimento proposto, no que tange as organizações. Num tempo em que o problematizar tem evidência, considera-se latente a reflexão simbólica de como se constituem as organizações. Qual o destino dessa navegação? Do destino pouco se sabe, mas do percurso se pode anunciar: inquieto o mar será.

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Conforme dissertação de mestrado “*”, defendida na Universidade *, em *. Texto disponível em: . Ps. Dados omitidos nesta versão sem identificação de autoria. Na versão para anais os dados estão completos. 10

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. LYOTARD, Jean-François. A Condição Pós-Moderna. 15ed., RJ: José Olimpo, 2013. OLIVEIRA; J. M. de; ARAUJO; B. C. de; SILVA, L. V. S. Panorama da Economia Criativa no Brasil. Brasília/ Rio de Janeiro: Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2013. Disponível em: . Acesso em: 21 fev. 2016. PUTNAM, Linda L.; NICOTERA, Anne M.; McPHEE. Introduction: communication constitutes organization. In: PUTNAM, Linda L.; NICOTERA, Anne M. (org.). Building Theories of Organizations: the constitutive role of communication. New York: Library of Congress, 2009. p.1-19. PUTNAM, Linda L.; NICOTERA, Anne M. (org.). Building Theories of Organizations: the constitutive role of communication. New York: Library of Congress, 2009. SCHWARTZ, Yves. Motivações do conceito de corpo-si: corpo-si, atividade, experiência. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 49, n. 3, p. 259-274, jul.-set. 2014. TAYLOR, James R.; CASALI, Adriana Machado. Comunicação: o olhar da ‘Escola de Montreal’ sobre o fenômeno organizacional. In: MARCHIORI, Marlene. (org.). Comunicação e Organização: reflexões, processos e práticas. São Caetano do Sul: Difusão Editora, 2010. p.69-82. UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME (UNDP); UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION (UNESCO). Creative Economy Report 2013: Special Edition. Disponível em: . Acesso em: 11 fev. 2016. UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT (UNCTAD). Relatório de economia criativa 2010: economia criativa uma, opção de desenvolvimento. Brasília: Secretaria da Economia Criativa/Minc, São Paulo: Itaú Cultural, 2012.

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