Dispensação de substância experimental e sem registro na Anvisa: Fosfoetanolamina

June 7, 2017 | Autor: Ricardo Perlingeiro | Categoria: Saúde
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Agravo de Instrumento - Turma Espec. III - Administrativo e Cível Nº CNJ : 0001337-70.2016.4.02.0000 (2016.00.00.001337-6) RELATOR : Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO AGRAVANTE : GILMA CARVALHO DE MATTOS DOS SANTOS ADVOGADO : LEO GEHM E OUTRO AGRAVADO : UNIAO FEDERAL E OUTROS PROCURADOR : ADVOGADO DA UNIÃO E OUTROS ORIGEM : 05ª Vara Federal do Rio de Janeiro (00111556920164025101)     VOTO  

1. Conforme o art. 19-O, parágrafo único, da Lei nº 8.080/1990, o fornecimento de medicamentos depende: i) da adequação dos medicamentos ou dos produtos necessários nas diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à saúde; ii) de o medicamento, produto ou procedimento de primeira escolha não ter sido eficaz ou ter havido intolerância ou reação adversa relevante; iii) da avaliação quanto à eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade do medicamento requerido. 2. Em princípio e do ponto de vista dos direitos fundamentais, admite-se o controle judicial de atuações administrativas quanto a sua margem de discricionariedade e margem de apreciação, jurídica e fática, inclusive técnicocientífica. Porém, quanto a esta, também denominada “discricionariedade administrativa técnica”, a intensidade da sindicabilidade judicial será proporcional à capacidade cognitiva do judiciário para avaliar a prova correspondente, especialmente em comparação às próprias autoridades públicas quanto a sua aptidão em produzi-las; facultar-se-á um debate sobre a versão fática, somente quando viável a realização judicial da prova técnica. 3. Tratando-se de pleito baseado em tratamento experimental, precisaria ser verificado, junto a¿ Comissa¿o Nacional de E¿tica em Pesquisa (CONEP), se os interessados fazem parte de programa de pesquisa experimental, caso em que as instituic¿o¿es responsa¿veis devem assumir a continuidade do tratamento, conforme as normas do Conselho Nacional de Sau¿de (CNS) (Reunião EMARF, Conclusão 9. Disponível em: ). 4. Diante de controvérsia fática nos autos, a juntada de uma prescrição médica e de artigos da Internet é insuficiente para autorizar a concessão de medicamento experimental e não registrado na Anvisa, bem como sua incorporação indireta junto ao SUS, e, na ausência de base para uma decisão judicial acerca da eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade do medicamento, sobrepondo-se aos instrumentos procedimentais a cargo da Anvisa e Conitec, recai sobre o demandante o ônus probandi para evidenciar que está inscrito em programa de

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Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a RICARDO PERLINGEIRO MENDES DA SILVA.

QUESTÃO DE ORDEM. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. FOSFOETANOLAMINA. DISPENSAÇÃO DE SUBSTÂNCIA EXPERIMENTAL E SEM REGISTRO NA ANVISA. CONTROLE JUDICIAL DE DECISÃO ADMINISTRATIVA TÉCNICA.

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TRF2 Fls 118

Conforme o art. 19-O, parágrafo único, da Lei nº 8.080/90, o fornecimento de medicamentos depende: i) da adequação dos medicamentos ou dos produtos necessários nas diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à saúde; ii) de o medicamento, produto ou procedimento de primeira escolha não ter sido eficaz ou ter havido intolerância ou reação adversa relevante; iii) da avaliação quanto à eficácia, segurança, efetividade e custoefetividade do medicamento requerido, que podem ser brevemente definidos da seguinte maneira (Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Área de Economia da Saúde e Desenvolvimento. Avaliação de tecnologias em saúde: ferramentas para a gestão do SUS / Ministério da Saúde, Secretaria-Executiva, Área de Economia da Saúde e Desenvolvimento. – Brasília : Editora do Ministério da Saúde, 2009, p. 29): Eficácia – probabilidade de que indivíduos de uma população definida obtenham um benefício da aplicação de uma tecnologia a um determinado problema em condições ideais de uso. Efetividade – a análise dos resultados efetivamente obtidos com a utilização de determinado insumo em ambiente real. Segurança – risco aceitável em uma situação específica. Custo-efetividade – é o estudo que busca analisar se houve ganho de saúde adicional com a utilização do insumo, ou seja, no caso de assistência farmacêutica do SUS, se o medicamento que pretende utilizar traz maiores benefícios do que aqueles já disponíveis no sistema, e, em caso afirmativo, se o benefício advindo justificaria o gasto financeiro a ser realizado. Anote-se, ainda, que o art. 19-T, II da mesma lei, dispõe que não pode haver "dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na Anvisa". Por sua vez, para o fim de registro junto à Anvisa, dispõe a Lei 6.360/76 que, mediante comprovação científica e de análise, o medicamento deve ser reconhecido como seguro e eficaz para o uso a que se propõe, e possuir a identidade, atividade, qualidade, pureza e inocuidade necessárias (Lei 6.360/76, art. 16, II). É interessante notar que há situações em que a Anvisa excepciona essa regra, como no caso de atividades exercidas por órgãos e instituições autorizados pela Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde com a estrita finalidade de desenvolver pesquisas e trabalhos médicos e científicos (Portaria nº 344/1998, art. 4º, parágrafo único), bem como de importação voltada à análise para fins de registro, testes de controle da qualidade, estudos de estabilidade, bioequivalência e equivalência farmacêutica ou ainda testes de equipamentos participantes do processo fabril ou laboratorial (Capítulo XXI da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária nº 81/2008). Por fim, registre-se ser possível, também, que o interessado requeira diretamente à ANVISA a importação de medicamentos sem registro no país para uso pessoal (mais informações a respeito, v. < http://bit.ly/1Twwf67 >. Acesso em 20 out 2015). Dessa forma, a procedência da pretensão a um medicamento não registrado ou não incorporado depende da presença dos requisitos acima, a serem atendidos, originariamente, no âmbito de procedimentos administrativos conduzidos pela Anvisa, para o fim de registro, e pelo Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias / Conitec, para o fim de incorporação no SUS. Ademais, tratando-se de pleito baseado em tratamento experimental, precisaria ser verificado, junto a¿ Comissa¿o Nacional de E¿tica em Pesquisa (CONEP), se os demandantes fazem parte de programa de pesquisa experimental, caso em que as instituic¿o¿es responsa¿veis devem assumir a continuidade do tratamento, conforme as normas do Conselho Nacional de Sau¿de (CNS) (Reunião EMARF, Conclusão 9). De fato, em princípio e do ponto de vista dos direitos fundamentais, admite-se o controle judicial de atuações administrativas quanto a sua margem de discricionariedade e margem de apreciação, jurídica e fática, inclusive técnico-científica. Porém, quanto a esta, também denominada “discricionariedade administrativa técnica”,

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tratamento experimental e que, a despeito da falta de registro na Anvisa, o medicamento atende aos requisitos do art. 19-O, parágrafo único, da Lei nº 8.080/1990, e que poderia ser entregue de forma segura. 5. Questão de ordem acolhida para negar o pedido de efeito suspensivo.     O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO PERLINGEIRO:   (RELATOR)

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RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal

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a intensidade da sindicabilidade judicial será proporcional à capacidade cognitiva do Judiciário para avaliar a prova correspondente, especialmente em comparação às próprias autoridades públicas quanto a sua aptidão em produzi-las; facultar-se-á um debate sobre a versão fática, somente quando viável a realização judicial da prova técnica. No caso, o fornecimento da substância fosfoetanolamina foi indeferido, pois "embora tenha obtido resultados positivos para algumas pessoas, não foi, ainda, aprovado o seu regular uso como medicamento destinado à finalidade postulada pela requerente, pois a ANVISA ainda não se pronunciou sobre a aprovação/registro da fosfoetanolamina, valendo acrescentar, pelo teor do que está acima transcrito, que a sua produção sequer foi pensada para distribuição coletiva ou em larga escala". A agravante, em seu recurso, apenas alega que a substância é eficaz no tratamento de sua doença e acosta aos autos prescrição médica do uso de fosfoetanolamina (fl. 45) e artigos da internet relatam os resultados positivos do insumo no combate ao câncer (fls. 50/53). Contudo, parece-me frágil que a referida prova autorize, em sede liminar, o uso de um medicamento experimental e não registrado, e também a sua incorporação indireta junto ao SUS. Realmente, sem base para uma decisão acerca da eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade do medicamento requerido, nos termos acima descritos, sobrepondo-se aos instrumentos procedimentais a cargo da Anvisa e da Conitec, recai sobre o demandante o ônus probandi de evidenciar que está inscrito em programa de tratamento experimental e que, a despeito da falta de registro na Anvisa, o medicamento atenderia aos requisitos do art. 19-O, parágrafo único, da Lei nº 8.080/1990, e que poderia ser entregue de forma segura. Em conclusão, deve ser negado o pedido de efeito suspensivo, mantendo-se a decisão agravada, sem prejuízo de nova apreciação judicial após a apresentação de outras provas referentes à observância dos requisitos legais para o fornecimento do remédio. Ante o exposto, NEGO O EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO. Comunique-se com urgência. Intime-se a agravada para contrarrazões e, após, ao MPF. É como voto.

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