DISPOSITIVOS DE CONTROLE SOCIAL E ORDENAMENTO URBANO: UMA ABORDAGEM CONTEMPORÂNEA DA SEGREGAÇÃO CARIOCA

June 23, 2017 | Autor: C. Werneck Pimentel | Categoria: Sociologia Urbana, Rio de Janeiro, Segregação Socioespacial, Unidade de Ordem Pública
Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

DISPOSITIVOS DE CONTROLE SOCIAL E ORDENAMENTO URBANO: UMA ABORDAGEM CONTEMPORÂNEA DA SEGREGAÇÃO CARIOCA

CONRADO WERNECK PIMENTEL

RIO DE JANEIRO 2013

CONRADO WERNECK PIMENTEL

DISPOSITIVOS DE CONTROLE SOCIAL E ORDENAMENTO URBANO: Uma abordagem contemporânea da segregação carioca

Monografia apresentada à Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Ciências Sociais.

Orientadora: Professora Dr. Lia de Rocha Mattos

Rio de Janeiro 2013

///verso

Pimentel, Conrado Werneck, 1988Dispositivos de controle social e ordenamento urbano: uma abordagem contemporânea da segregação carioca/ Conrado Werneck Pimentel. – 2013. 60f. 31cm Orientadora: Lia Rocha de Mattos Monografia (Graduação) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Curso de Ciências Sociais, 2013. 1. Sociologia Urbana. 2. Ordenamento do espaço urbano. 3. Controle Social. 4. Violência urbana. I. ROCHA, Lia de Mattos. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Curso de Ciências Sociais. III. Dispositivos de controle social e ordenamento urbano: uma abordagem contemporânea da segregação carioca.

CONRADO WERNECK PIMENTEL

Dispositivos de controle social e ordenamento urbano: uma abordagem contemporânea da segregação carioca

Monografia apresentada à Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Ciências Sociais.

Data de aprovação: ____/ ____/ _____

Banca Examinadora:

________________________________________________ Nome completo do 1º Examinador – Presidente da Banca Examinadora ________________________________________________ Nome completo do 2º Examinador ________________________________________________ Nome completo do 3º Examinador

Dedico este trabalho aos amigos de curso e os da vida em curso, pois sem o estímulo intelectual que me propiciaram, este trabalho não se realizaria.

AGRADECIMENTOS: “Aquilo que nós mesmos escolhemos é muito pouco; a vida e as circunstâncias fazem quase tudo”. (John Ronald Reuel Tolkien)

À minha família, os maiores agradecimentos, pois sem ela este curso de Ciências Sociais não poderia ser realizado; pela seu constante carinho, estímulo, paciência, suporte e compreensão em todos os âmbitos para que esta etapa fosse concluída; Aos amigos de curso e de vida, que se tornaram parte de minha família, pela constante

troca

de

afetos

e

efetivas

discussões

produtivas;

À Universidade do Estado do Rio de Janeiro e ao corpo docente do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e, em especial, à Lia Rocha, pela paciência e dedicação em orientar este trabalho. Por fim, aos encontros e desencontros desta vida que me propiciaram trilhar muitos caminhos em um e ser capaz de colocar um pouco de cada neste trabalho.

"Ah! Ser indiferente! É do alto do poder da sua indiferença Que os chefes dominam o mundo.

Ser alheio até a si mesmo! É do alto do sentir desse alheamento Que os mestres dos santos dominam o mundo.

Ser esquecido de que se existe! É do alto do pensar desse esquecer Que os deuses dos deuses dominam o mundo."

(Álvaro de Campos)

RESUMO

PIMENTEL, C. W. Dispositivos de controle social e ordenamento urbano: uma abordagem contemporânea da segregação carioca. XX f. Monografia (Graduação em Ciências Sociais) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2013.

Apresenta-se uma proposta de análise relativa ao ordenamento do espaço urbano através de órgãos municipais da Cidade do Rio de Janeiro e suas implicações na sociabilidade carioca, tais quais o Choque de Ordem e as Unidades de Ordem Pública em um contexto pré-megaeventos. Primeiramente, apresenta-se o objetivo e a hipótese deste trabalho – proposição de uma análise de tais políticas, seu discurso legitimador e suas implicações na cidade, e faz um breve levantamento histórico de projetos de urbanização da cidade e ordenamento do espaço urbano ao longo do século XX. Depois, há uma apresentação de diálogos teóricos referentes à questão a ser tratada – o urbanismo moderno, a violência urbana e as formas de sobrevivência do trabalhador informal. Segue-se com uma análise de material bruto de reportagens de jornais de bairro relativo ao espaço urbano de bairros da Zona Sul da cidade em questão e, depois, estabelece-se um diálogo com o Plano Estratégico, que seria o norte determinante do projeto de cidade em vias de fato.

Palavras-chave: Segurança pública. Espaço urbano. Controle social. Segregação. Violência. Direito à cidade. Megaeventos. Gestão democrática.

ABSTRACT

PIMENTEL, C. W. Dispositivos de controle social e ordenamento urbano: uma abordagem contemporânea da segregação carioca. XX f. Monografia (Graduação em Ciências Sociais) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2013.

Presents a proposal of analysis related to the urban space planning through the municipal organs of the Rio de Janeiro city and its implications on sociability in Rio, such as the Shock of Order and Public Order Units in a pre mega events context. First, it presents the purpose and the hypothesis of this work - proposal of an analysis of such policies, his speech validator and its implications in the city, and makes a brief historical survey of the city's urbanization projects and urban space planning throughout the 20th century. Then there is a presentation of theoretical dialogues concerning the matter to be treated - the modern urbanism, urban violence and ways of survival of the informal worker. Follows up with a raw material analysis of neighborhood newspapers reports on urban space of neighborhoods on the South side of the city in question and, then, establishes a dialogue with the Strategic Plan, which would be the determinant north of the city project indeed.

Keywords: Public Safety. Urban Space. Social Control. Segregation. Violence. Right to the city. Mega Events. Democratic Management.

SUMÁRIO

1. Introdução.............................................................................................................10

2. Convergência e interstício: A cidade como farsa, a cidade como tragédia......................................................14

3. Diálogos................................................................................................................22

4. Acerca do ordenamento do espaço urbano no Rio de Janeiro.......................33

5. Acerca do plano estratégico da cidade..............................................................44

6. À guisa de conclusão: Luta contra a cidade pausterizada, a favor da cidade democratizada................49

7.Referências bibliográficas ...................................................................................58

10 1. INTRODUÇÃO

OBJETIVO: Esta monografia tem como objetivo discutir as políticas de ordenamento do espaço público implementados pela Prefeitura do Cidade do Rio de Janeiro, através da Secretaria de Especial de Ordem Pública e da Unidade de Ordem Pública (UOP). A UOP, como mostra o site da Prefeitura do Rio, seria o “choque de ordem permanente1” em determinados bairros da cidade, com o intuito de inibir estabelecimentos e estacionamentos irregulares, contribuindo para uma maior organização da cidade. O Choque de Ordem tem como objetivo re-estabelecer os “bons princípios2” das ruas ao combater pequenos delitos em determinadas regiões, combatendo os camelôs, “mijões”, etc. Traço, também, um paralelo entre o ordenamento do espaço urbano e a gestão democrática da cidade, com um breve levantamento através do Conselho da Cidade do Rio de Janeiro e seu plano Planto Estratégico, que se inicia em 2009 e se extende até 2016. Tal paralelo se justifica em função do projeto de cidade que foi construído pelos conselheiros do Plano e sua efetiva implementação em curso, assim como a necessária (e por vezes, ausente), discussão que a cidade vem tratando nos últimos anos acerca da gestão da cidade - em especial, tendo em vista os megaeventos a serem realizados nos próximos anos (assim como os já realizados, como a Copa das Confederações, em junho, a Jornada Mundial da Juventude, em julho, e o Rock In Rio, em setembro) e suas reais consequências para toda a cidade, destacando a política de ordenamento do espaço público.

HIPÓTESE: Tendo como referência discussões acerca da violência urbana, segregação sócio-espacial, práticas urbanas e cidades securitárias (dentre outras) levantadas por diversos autores, tais quais Luiz Antônio Machado da Silva, Antonia dos Santos Garcia, Daniel Hirata e Carlos Vainer (entre outros), apresento a hipótese de que o capital investido, com o uso do discurso legitimador do progresso ou legado que os investimentos provenientes dos megaeventos trarão/deixarão para a cidade, na realidade, dificultaria o acesso ao espaço público, criando áreas privativas e, 1 2

Fonte: Prefeitura do Rio de Janeiro. http://www.rio.rj.gov.br/web/guest/exibeconteudo?article-id=87137 Idem.

11 inclusive, impedindo que o espaço urbano seja construído e utilizado de forma democrática e popular, com seus bens de uso público assegurados de forma comum, ou, em sua forma pública. Além disso, a influência direta sobre as formas de sobrevivência de diversos trabalhadores informais tenderia à desterritorialização dessas formas de sobrevivência informal, tendo um impacto direto naqueles que estão envolvidos no espaço urbano e comum. A Prefeitura e os órgãos públicos gerariam políticas públicas falaciosas, de curto alcance, no que concerne à resolução de problemas urbanos: a criação de uma Unidade de Ordem Pública, com o intuito de coibir a presença de ambulantes, contribuiria para o fim da desordem urbana e, consequentemente, a inibição da violência urbana. Contudo, tal política cria apenas mais um mecanismo de micro-gestão de uma população que é criminalizada – ou, que não é gestionada/tutelada pelo Estado. Tal política pode ter um paralelo com as UPP's – Unidade de Policia Pacificadora – uma vez que, segundo as autoridades, a presença de representantes da Prefeitura seria capaz de impedir que diversos tipos de violência e desordem se instalem na cidade. Existe uma clara referência à Teoria das Janelas Quebradas, teoria esta que defende basicamente que lugares abandonados são mais propícios à violência e à desordem. Em relação à gestão da cidade, defendo que o Conselho da Cidade assim como seu Plano Estratégico, não é representativo dos interesses da população no que concerne à participação popular nos processos de implementação de políticas públicas necessárias para a cidade. Ou seja, tal Conselho e projeto de cidade seria extremamente antidemocrático, o oposto do que é proposto pela resolução do Ministério das Cidades no que concerne na aplicação do Plano Diretor e do Conselho da Cidade, de caráter paritário e consultivo.3 Questiona-se: em um momento de grande atração de investimentos públicos e privados, nacionais e internacionais, potencialmente capazes de melhorar a qualidade de vida da população, por quê não há tal Conselho, uma vez que sua existência é crucial para a construção de uma cidade democrática? O discurso acerca do legado envolve os bens construídos ao longo dos anos 3

O funcionamento do Conselho da Cidade – instância de gestão democrática e órgão consultivo e deliberativo, criado pelo Decreto no 5.790, de 25 de maio de 2006 pelo Ministério das Cidades –, teria como intuito o planejamento estratégico da cidade. Uma de suas atribuições: “(...) emitir orientações e recomendações sobre a aplicação do Estatuto da Cidade e propor diretrizes para a formulação e implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano – PNDU, em consonância com o disposto no Estatuto e nas resoluções aprovadas pelas Conferências Nacionais das Cidades”.

12 para os jogos de 2014 e 2016, que serviriam para a população em geral e sua utilização no futuro. O discurso sustentado pela Prefeitura da Cidade usa a “desculpa fantástica”4 dos Jogos para implementar as políticas públicas necessárias para a realização dos megaeventos. Entretanto, um dossiê levantado pelo Comitê Pela Moradia Popular5 apresenta dados que não comprovam um efetivo legado para a sociedade. Perceber-se-ia, através das políticas públicas relativas ao ordenamento do espaço urbano – e da própria gestão da cidade - que o espaço público seria construído de cima para baixo, e a sociabilidade (em suas distintas formas de socialização, “em meios fragmentados, pluralidade e multiplicidades sociais”) (PORTO, 2010, p.25) seria forçada a se deslocar ou a se transformar, adequando-se às formas que o poder público impõe. Ao longo do século, a remoção de moradores de áreas de interesse imobiliário atingiu milhares de pessoas, tal qual a Cehab (Companhia Estadual de Habitação do Estado do Rio de Janeiro), no intuito de erradicar e/ou reurbanizar os espaços dos favelados6. Tais iniciativas seriam capazes de reforçar o deslocamento de diversos tipos de socialibilidade. Somente no Governo de Pereira Passos, cerca de 20 mil pessoas foram removidas; hoje, onde há a intenção de integrar esses espaços historicamente segregados com o restante da cidade (tal qual informa o Plano Diretor da Cidade, de 1992 – recentemente “atualizado” e sancionado pelo Prefeito Eduardo Paes7), o Comitê Popular da Copa tem a estimativa de 30 mil pessoas removidas. Ainda assim, nos subúrbios e no centro da cidade, as remoções continuam a se dar em nome dos megaeventos – dos Jogos Olímpicos, em especial, uma vez que o Rio de Janeiro é a única sede do evento. A política de ordenamento público adotada pelo Governo mostrar-se-ia, também, opressora no sentido da inibição da atuação livre e espontânea da coletividade nos espaços públicos em sua construção e significação – de acordo com seus direitos sociais e políticos - forçando inclusive a desapropriação de moradores das áreas em questão, rompendo com laços históricos e efetivos. 4

5

6 7

"Olimpíada é 'desculpa fantástica' para mudar o Rio, diz prefeito”, BBC Brasil, 09/03/2012. Disponível em http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/03/120308_eduardo_paes_entrevista_jc.shtml. Acessado em: 05/05/2013. A 2ª Edição do Dossiê “Megaeventos e Direitos Humanos no Rio de Janeiro” pode ser acessado através do link: http://comitepopulario.wordpress.com/2013/05/15/baixe-agora-dossie-megaeventos-e-violacoes-dedireitos-humanos-no-rio-de-janeiro-2a-edicao-revisada-e-atualizada/ Fonte: Companhia Estadual de Habitação do Estado do Rio de Janeiro. http://www.cehab.rj.gov.br/empresa/ Fonte: Prefeitura do Rio de Janeiro. http://www.rio.rj.gov.br/web/smu/exibeConteudo?article-id=138989

13 Como contribuição para as ciências sociais, este trabalho permite lançar um olhar sobre novas formas de apropriação do espaço urbano e de seu processo como tal, assim como as políticas públicas adotadas pela Secretaria Especial de Ordem Pública através das Unidades de Ordem Pública, órgão este que gerencia e fiscaliza o uso do espaço público de acordo com diretrizes próprias delimitadas pela atual gestão. Em um momento em que os megaeventos poderiam produzir benesses para a população em geral, a discussão acerca do Direito à Cidade é de extrema importância. Tal discussão permeia todo o processo de urbanização que a cidade atualmente enfrenta e seu consequente prestígio nacional, ansiado pela população, que, em sua maioria, não receberá tais benesses prometidas (ainda, de acordo com o Dossiê apresentado anteriormente). Poder-se-à perceber que a Secretaria Especial de Ordem Pública e seu braço armado, a Unidade de Ordem Pública, juntamente com a Unidade de Polícia Pacificadora, servem para realizar a manutenção da estrutura da cidade, uma vez que "os fundamentos racias e burgueses atuam, eficazmente, na sociedade, na produção de mecanismos de mercado e de Estado, produzindo e reproduzindo desigualdades sociais e raciais como mostram indicadores econômicos e sociais" (GARCIA, 2009, p. 441). O atual projeto de reforma urbana que acontece na cidade do Rio de Janeiro baseia-se na retirada de moradores de áreas de interesse de algumas frações de classes, em detrimento do interesse coletivo (Idem, p. 439), fazendo, assim, com que a classe dominante atinja um de seus objetivos, tal qual notado por Lefebvre: "a hegemonia da classe capitalista se renova através da segregação espacial e da intervenção espacial no espaço" (LEFEBVRE, 1979, apud GARCIA, 2009, p,439).

2. CONVERGÊNCIAS E INTERSTÍCIO:

14 A CIDADE COMO TRAGÉDIA, A CIDADE COMO FARSA

A cidade do Rio de Janeiro está em um momento único em sua história. Pelo menos, é o que a imprensa noticia e o que o Governador do Estado do Rio de Janeiro Sérgio Cabral e o Prefeito da Cidade, Eduardo Paes dizem aos quatro ventos, e que o senso comum internaliza; de que nunca se teve uma oportunidade como a que está batendo à porta do cidadão carioca, a promessa de que não só haverá desenvolvimento, mas um legado para a cidade: é o progresso a todo vapor. Entretanto, o poder público não tem levado em conta a capacidade de mobilização das populações que são diretamente atingidas pelas remoções ou "reurbanizações" em curso, e é isto que difere este momento histórico de outro, bem mais longíquo: o processo de urbanização que a cidade sofreu com Pereira Passos e Carlos Sampaio, a partir de 1902, e, quando dos desmontes do Morro do Castelo em 1921 e, posteriormente, na década de 50, do Morro de Santo Antônio. A remoção de comunidades que estão a impedir que o projeto de cidade para que os megaeventos se concretizem tem um paralelo com as remoções do início do século passado, tendo como ponto de vista o afastamento das populações menos favorecidas para regiões mais distantes do centro urbano. Na época, a parcela da população que ainda não ocupava a região central da cidade viu-se obrigada a se incorporar à malha urbana após a Guerra de Canudos. Diz-nos Garcia: "Os soldados que participaram do massacre em Canudos, voltando à capital Federal e não recebendo as casas prometidas, fazem seus barracos no morro da Providência, conhecido, desde essa época, como Morro da Favela." (GARCIA, 2009, p.145)

À época, a parcela da população que mais sofria com a urbanização da cidade nos moldes urbanísticos estrangeiros, com alargamento de vias e remoções de moradias e a necessidade de afastamento dos núcleos comerciais, próximos às suas moradias, era removida, com pouca ou nenhuma garantia, tendo em vista interesses de classes (ou de frações das classes) dominantes (idem, p.144). Garcia ainda explica: "Tal processo tem em sua origem a influiência da especulação imobiliária e a necessidade de expansão urbana, que cresceu vertiginosamente nos últimos cem anos, sob o comando do capital imobiliário e do Estado, despreocupados com a integreção dos negros e pobres." (ibidem).

15 Dessa forma, percebe-se a influência que os governantes da época tiveram de projetos urbanísticos europeus, e para qual fim se dirigiam. Scevcenko, em “Literatura como missão”, escreve: “Era preciso, pois, findar com a imagem da cidade insalubre e insegura, com uma enorme população de gente rude plantada bem no seu âmago, vivendo no maior desconforto, imundície e promiscuidade, pronta para armar em barricadas as vielas estreitas do Centro ao som do primeiro grito de motim."(SCEVCENKO, 2003, p.41)

Tal qual nota Engels (1979, p.21, apud GARCIA, 2009, p. 144) em seus estudos nas cidades europeias, o avanço do capitalismo industrial afetava imensamente os bairros insalubres, produzindo diversas epidemias (cólera, febre amarela, vaírola). Conforme nos diz Garcia, a Capital Federal – a maior cidade do Brasil, "era uma cidade com ruelas estreitas, sujas, cheia de cortiços, onde se amontoava a massa trabalhadora, tal como nas cidades europeias no início da Revolução Industrial. As condições precaríssimsa da população em geral, e da massa de ex-escravos recém-libertados em particular, morando em cortiços, resultou em focos de epidemias, principalmente a febre amarela, a varíola e a peste" (GARCIA, 2009, pp.144-145).

Em nome do progresso, as políticas públicas higienistas e urbanas implementadas a partir de Pereira Passos contribuíram decisivamente na integração da cidade, entre suas zonas Norte, Central e Sul, com o alargamento de vias centrais, destruição de mangues e com o desmonte dos morros supracitados, permitindo maior fluidez do trânsito na cidade com grandes vias de circulação, aterros e túneis, assim como atender às demandas do mercado imobiliário. João do Rio, jornalista, já relatava o que acontecia ainda no fim do século XIX, acerca do desenvolvimento da cidade: “Com a abertura das avenidas, os apetites, as ambições, os vícios jorraram. Há homens que querem furiosamente enriquecer [...] faz-se uma sociedade e constituem-se capitais com violência. É uma mistura convulsionada, em que uns vindo do nada trabalham, exploram, roubam para conquistar com o 8 dinheiro o primeiro lugar ou para pelas posições conquistar o dinheiro.”

Já no início do século XX, deu-se, então, a permissão de investimentos 8

João DO RIO, A profissão de Jacques Pedreira, Apud: SEVCENKO, Nicolau. A capital irradiante: Técnicas, ritmos e ritos do Rio, p. 545.

16 internacionais do capital, com trocas econômicas e políticas, sendo possível assim que o prefeito Pereira Passos, nomeado pelo então Presidente da República, pudesse reorganizar a cidade, tendo como influência a reforma urbana da França, a qual teve praticamente as mesmas consequências: afastamento de populações para o subúrbio e dos núcleos comerciais já instituídos. Entretanto, a crise de moradia já instalada na cidade conforma aquilo que Engels denominou como "um produto da forma social burguesa": "Uma sociedade não pode existir sem problemas de habitação quando a grande massa de trabalhadores dispõe apenas do seu salário, isto é, da soma e dos meios indispensáveis à sua susbsistência e à sua reprodução; quando os melhoramentos mecânicos deixam massas de operários sem trabalho; quando violentas e cíclicas crises industriais determinam, por um lado, um grande exército de reserva de desempregados, e por outro lado, atiram periodicamente à rua volumosa massa de trabalhadores; quando os proletários se amontoam nas grandes cidades, e isso se dá num ritmo mais rápido que a construção de habitações nas condições atuais, e se encontram sempre inquilinos para a mais infecta das pocilgas; quando, enfim, o proprietário de uma casa, na sua qualidade de capitalista, tem não só o direito mas também, em certa medida, graças à concorrência, o dever de exigir, sem escrúpulos, aluguéis elevados". (ENGELS, 1979, p.24, apud GARCIA, 2009, p. 156)

Ao longo do processo de urbanização, o mercado imobiliário especulativo, (representado, na época, por pequenos grileiros locais), comprometido em dar uso aos espaços antes tomados por moradores que outrora foram utilizados, majoritariamente, para mão de obra da região central, tomou conta desses espaços com a especulação imobiliária, e, assim, com o encarecimento do custo de vida, os moradores foram forçados a se deslocarem para áreas com uma menor qualidade dos serviços públicos oferecidos. Luis César Ribeiro de Queiroz apresenta os três grandes estágios da relação entre o Capital e o território: "No primeiro, a moradia circula como mercadoria sob o controle das relações de propriedade da terra, configurando uma forma de produção que denominamos rentista; posteriormente, uma produção simples se estabelece, sob controle de pequenos capitais imobiliários também rentistas, que exploram os imóveis através do aluguel a que denominamos pequeno-burguesa; num terceiro momento emerge a incorporação imobiliária que promove a construção como forma de apropriação de um sobrelucro de localização." (RIBEIRO, 1997, apud GARCIA, 2009, p. 143)

Este trecho demonstra a evolução na relação entre capital e território e, por fim, como o Estado, impedido pela política liberal, sem políticas públicas de alocação

17 dos removidos, permite que tanto o mercado de trabalho quanto o imobiliário influenciem tais políticas de habitação, inclusive com o incentivo de criação de vilas operárias através de industriários (VALLADARES, 2000, p. 19), o que nos leva à suposição de que o mito da escolha do local de moradia foi criado (idem, p. 11), quando, na verdade, esta escolha não há: o déficit de política habitacional do Estado força que o mercado opere tal lógica, como, por exemplo, baixando os salários sem haver a necessidade do deslocamento de sua necessária mão de obra. Entretanto, nem o Estado nem o mercado conseguiram resolver o déficit de moradias na cidade. O processo conhecido como “gentrificação” - ou, o enobrecimento de algumas partes da cidade - já era instituído através do poder público e dos interesses privados, processo este caracterizado pelo aumento do custo de vida destas áreas admitidas (ou, re-admitidas) pelo poder público como área de desenvolvimento via investimento do Estado: seja este através das PPP9 (forma como é instituída contemporaneamente via contratos e/ou licitações), seja através de políticas adotadas pelo Estado com outros atores, funcionários e instituições buscando controlar a formação dos interesses dos mercados com equipamentos urbanos e bens de cidadania10, ou através dos pequenos industriários que seguiam, no século passado, exemplos e diretrizes de países do primeiro mundo, sempre com a promessa da melhoria da qualidade de vida através do chamado “progresso”. Na época, e ainda hoje, a "prosperidade", o "progresso", a possibilidade do "legado" e a melhoria na qualidade de vida – ou, o pleno Estado de Bem Estar Social – estão intrinsecamente ligados à economia.11 "A história se repete, na primeira vez, como tragédia, e na segunda, como

9

10 11

A Parceria Público-Privada é uma forma colaborativa de implementar políticas públicas na cidade com a disponibilização de verbas através do setor privado que, em contrapartida, recebe, através do Estado, remunerações periódicas de acordo com o desempenho no período estipulado. MACHADO, “A política nas favelas”, 1967. Giorgio Agamben, em artigo intitulado “O que é um dispositivo” (2005, apud AGAMBEN, 2009) destrincha o sentido teológico da oikonomia (a “administração da casa”) e sua contribuição para a sociedade ocidental: “A ação (a economia, mas também a política) não tem nenhum fundamento no ser: esta é a esquizofrenia que a doutrina teológica da oikonomia deixa como herança à cultura ocidental” (p. 37). Ou seja: o fundamento da economia – da política - está desligado do ser. Os recursos geridos seriam os materiais.”. O mesmo fica explicitado no seguinte trecho de Marx: “O trabalho é externo ao trabalhador, não pertence ao seu ser, que ele não afirma, portanto, em seu trabalho, mas nega-se nele, que não se sente bem, mas infeliz, que não desenvolve nenhuma energia física e espiritual livre, mas mortifica sua physis e arruína o seu espírito… O trabalho não é a satisfação de uma carência, mas somente um meio para satisfazer necessidades fora dele. ”Karl Marx no Quadrante Sudoeste”. Carta Capital, 23/09/2013. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/blogs/outras-palavras/karl-marx-no-quadrante-sudoeste4765.html. Acessado em: 23/09/2013.

18 farsa12". O discurso de legitimação das remoções do século XX e das políticas de “ordenamento público” do século XXI tem a mesma finalidade: a imposição de uma organização espacial da cidade sem a consulta a população, gerando segregação sócio-espacial e excluindo/limitando a participação na construção dos espaços públicos e seu democrático usufruto. A política urbanista de Pereira Passos teve sucesso em atender aos interesses de sua elite: Garcia explica que tal política "foi feita para abrir espaço para a reprodução do capital imobiliário, num momento de crescimento econômico do país em que o capital exigia padrões urbanos condizentes com as pretenções de suas elites de figurarem entre as nações civilizadas e modernas" (p. 146). O projeto de "Cidade Maravilhosa" criada em 1906 pelo Presidente Afonso Pena, juntamente com a Exposição Nacional de 1908, com o intuito de comemorar o centenário da abertura dos portos do país ao comércio estrangeiro, elevando a cidade ao prestígio de metrópole internacional (e, depois, com Carlos Sampaio, através da Exposição Internacional do Centenário da Independência, em 1922) – mostram o sucesso da política/reforma urbanística de Pereira Passos (e depois com Carlos Sampaio) – a finalidade de mostrar ao mundo, em forma de vitrine, o quão desenvolvido era o país e a cidade, esta, em especial, com seus jardins bucólicos parisienses numa sociedade que recentemente abolira a escravidão, mas que não

12

MARX, Karl. “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”, 1851. Analogia à famosa frase em que Marx complementa Hegel: “Hegel faz notar algures que todos os grandes acontecimentos e personagens históricos se repetem por assim dizer uma segunda vez. Esqueceu-se de acrescentar: da primeira vez como tragédia, da segunda como farsa.” (MARX, op. cit., p. 17). Com esta analogia, não "rejeito", ou não deixo de levar em conta o crescente poder de luta dos movimentos sociais ao longo do século e suas conquistas, avanços e suas consequências no curso das políticas ao longo do último século; o que denoto na analogia é como, apesar dos direitos conquistados, a situação da classe continua a mesma - sendo explorada em todos os âmbitos de sua vida. Entretanto, ela o é em outros moldes, que atendem aos "interesses da modernidade": desde a flexibilização das leis para aplicação das políticas públicas, passando pelas leis trabalhistas, até o remanejamento das influências, tanto da política quanto do mercado externos no contexto internacional. No primeiro momento, a história da urbanização da cidade se deu como tragédia por ter gerado tacanha desigualdade social, manifestamente reconhecida tanto pelos países mais ricos quanto os mais pobres. Agora, o processo repete-se como farsa, como uma tentativa de reparação dos erros do passado, melhorando a qualidade de vida dos que historicamente foram/são excluídos, através de políticas assistencialistas. Todavia, não passa de uma farsa frente ao projeto político implementado. A maior diferença, no caso, entre a tragédia e a farsa é que aquela não tinha "prazo de validade", enquanto esta, conscientemente, tem um prazo de validade: os megaeventos. Estes podem ser observados também como o que Michael Foucault caracteriza como “dispositivo: “tem natureza essencialmente estratégica, que se trata, como consequência, de uma certa manipulação de relações de força, de uma intervenção racional e combinada nas relações de força, seja para orientá-la em certa direção, seja para bloqueá-las ou para fixálas e utilizá-las. […] Assim, o dispositivo é: um conjunto de estratégias de relações de força que condicionam certos tipos de saber e por ele são condicionados”. (FOUCAULT, 1977, apud AGAMBEN, 2009, p. 28).

19 incluira socialmente seus ex escravos.13 Acerca da Exposição Nacional de 1908, a qual continha uma exposição de produtos nacionais em face à comemoração do centenário da Abertura dos Portos às Nações Amigas (1808), a cidade, reurbanizada por Pereira Passos, apresentavase, enfim. Diz Scevcenko: “Assistia-se à transformação do espaço público, do modo de vida e da mentalidade carioca, segundo padrões totalmente originais; e não havia quem pudesse se opor a ela. Quatro princípios fundamentais regeram o transcurso dessa metamorfose, conforme veremos adiante: a condenação dos hábitos e costumes ligados pela memória à sociedade tradicional; a negação de todo e qualquer elemento de cultura popular que pudesse macular a imagem civilizada da sociedade dominante; uma política rigorosa de expulsão dos grupos populares da área central da cidade, que será praticamente isolada para o desfrute exclusivo das camadas aburguesadas; e um cosmopolitismo agressivo, profundamente identificado com a vida parisiense." (SCEVCENKO, 2003, p.43)

Maior ou igual relevância tem o governo de Carlos Sampaio (1918-1922), uma vez que sua reforma urbanística – a primeira com um Plano Diretor encomendado – apresenta os moldes de tal reforma em sua urgência em ser realizada. Nos diz Abreu: "A administração Carlos Sampaio [1918-1922] teve como objetivo principal preparar o Rio para as comemorações do 1o Centenário da Independência do Brasil. Neste sentido, era preciso lutar contra o tempo para que a cidade pudesse acolher o grande número de turistas, personalidades nacionais e estrangeiras que a ela acorreriam para participar dos festejos (...)" (ABREU, 2008, p. 76).

A nova "Paris das Américas" ganha, hoje, outro contorno em sua forma de gerenciamento do espaço e sua funcionalidade, servindo como caso, em especial, o Porto Maravilha. A última ideia do prefeito reeleito, Eduardo Paes, é destruir parte da Avenida Rio Branco, uma de maiores circulações do centro da cidade – centro este econômico - transformando-a na Boulervard Rio Branco para pedestres, apenas14. O

13

14

“A abolição não dotou os ex-escravos de patrimônio fundiário, para possuírem moradia independente, fazendo que o afluxo de ex-colonos do café, ou de ex-moradores da cultura de cana-de-açúcar e demais atividades agropecuárias, em direção às grandes cidades fosse tal como ocorreu. Ou seja, sem recursos econômicos que permitissem aos migrantes entrarem no mercado imobiliário de moradias, ou mesmo de aluguéis, só lhes restou ocupar áreas degradadas para a construção de suas precárias moradias”. (Garcia, p. 158) “Rio Branco para pedestres”, Jornal O Globo, 27/01/2013. Disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/riobranco-para-pedestres-7406691#ixzz2JKBMXZr1. Acessado em: 27/01/2013.

20 bucolismo da era financeira, que o Rio de Janeiro apresenta para o futuro, é o novo maior investimento do capital internacional, seguindo o ritmo dos novos tempos, assim como as reformas implementadas a partir de Pereira Passos, passando pelo Plano Agache15, por Carlos Sampaio16 e o Plano Doxiadis, por Negrão de Lima.17 Assim como no início do século, a guerra contra quiosques, ambulantes, moradias e estabelecimentos irregulares se dava em nome da “higienização”, da circulação pública e da “beleza” dos espaços públicos (Benchimol, 1990, pp. 280-5), nada muito diferente do que ocorre hoje através do “Choque de Ordem permanente" – as UOPS – da Secretaria Especial de Ordem Pública.18 E, assim como se davam as remoções em nome do progresso, atualmente, as mesmas remoções e revitalizações, em nome do legado dos Jogos Olímpicos, já ultrapassou os feitos de Pereira Passos e Carlos Lacerda, somente no período entre 2008 e 2012.

19

Tendo em vista que o processo pelo qual a cidade passou desde o meado do século XIX – cidade esta com o maior número de escravos em ambiente urbano da América Latina (KARASH, 2000, apud GARCIA, 2009, p. 138) – perpassa todo o momento atual da cidade, os diálogos que exponho na próxima sessão permitem que a análise seja feita a partir de pontos de vista teórico. A implementação de uma

15

16

17

18

19

O teor do Plano Agache, essencialmente higienista, se resume numa explicação do “problema favela” pelo próprio urbanista: “Construídas contra todos os preceitos da hygiene, sem canalisações d’agua, sem exgottos, sem serviço de limpeza publica, sem ordem, com material heteroclito, as favellas constituem um perigo permanente d’incendio e infecções epidemicas para todos os bairros atravez dos quaes se infiltram. A sua lepra suja a vizinhança das praias e os bairros mais graciosamente dotados pela natureza, despe os morros do seu enfeite verdejante e corroe até as margens da matta na encosta das serras.” Agache (1930, p. 190), apud Valladares, 2000. Carlos Sampaio (1918 – 1922), foi prefeito da Cidade, responsável por requisitar um novo plano urbanístico para cidade, o Plano Agache, concluído em 1930. De acordo com a página oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro sobre os planos urbanísticos, o Plano “introduziu no cenário nacional algumas questões típicas da cidade industrial, tais como o planejamento do transporte de massas e do abastecimento de águas, a habitação operária e o crescimento das favelas. Além disso, com discussões emergentes que iam desde a necessidade de um zoneamento para a cidade até a delimitação de áreas verdes, ultrapassou os limites do Academicismo das intervenções predecessoras de Pereira Passos e Paulo de Frontin”. Negrão de Lima (1965 – 1971), foi prefeito da Cidade no período da Ditadura Militar. Implementou o Plano Doxiadis para a criação de um novo “distrito central de negócios” CBD (Central Business District), realizando obras na área de Sepetiba e Santa Cruz. “Plano Piloto para a urbanização da baixada compreendida entre Barra da Tijuca, o Pontal de Sernambetiba e Jacarepaguá.” Lucio Costa, 1969. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.116/3375 O mesmo ocorre nos dias de hoje com o ordenamento da orla, onde guardas municipais atuam na apreensão de produtos de ambulantes, regulam as “altinhas”, dentre outras questões. Além disso, há a revitalização dos quiosques da orla, em especial, no bairro de Copacabana, transformando-os em espaços reservados (em determinadas áreas, até mesmo impedindo a passagem de banhistas). Com a obra, há também o encarecimento dos produtos que são vendidos e uma possível segregação onde comumente se chamou de “o lugar mais democrático da cidade” - as praias. “Informe do Dia: O Rio que Remove”, Jornal O Dia, 24/05/2013. Disponível em: http://odia.ig.com.br/noticia/rio/2013-05-24/informe-do-dia-o-rio-que-remove.html. Acessado em: 24/05/2013.

21 cidade de exceção com leis flexibilizadas permite à Prefeitura a micro-gestão de determinadas populações, assim como o controle do uso do espaço através de agentes urbanos coibindo trabalhadores informais – e consequentemente, realizando um certo expurgo dos mesmos – e, teoricamente (pelo menos para a Prefeitura), coibindo o crescimento da violência urbana (intimamente ligado à ordem pública) podendo assim denotar/reforçar um caráter econômico, turístico e imobiliário de determinadas regiões da cidade.

22

3. DIÁLOGOS

Carlos Vainer em seu artigo "Cidade de exceção: reflexões a partir do Rio de Janeiro" (2011), demonstra como o processo de urbanização tomou os moldes no qual se encontra nos dias de hoje, explicitando a imposição da democracia direta do Capital na estrutura da sociedade, utilizando-se de um ligeiro20 estado de exceção no “urbanismo ad hoc”. Esta é a forma na qual o neoliberalismo instala uma nova forma de planejamento urbano para suprir as demandas da “cidade em crise 21”, tendo em vista que a modernidade é caracterizada “pela incerteza e pela multiplicação/fragmentação de atores sociais e interesses, [...] vindo a corroer as bases do antes inquestionável 'interesse comum" (VAINER, 2011, p. 4). Ascher explica que “O Neo-urbanismo privilegia a negociação e o compromisso em detrimento da aplicação da regra majoritária, o contrato em detrimento da lei, a solução ad hoc em detrimento da norma.” (Ascher, 2001, apud VAINER, 2011). Tal forma de aplicação do urbanismo moderno através do estado de exceção nada mais é do que uma crise política22. Vainer demonstra que, na construção dessa nova estrutura, ocorre um processo dirigido por “oportunidades” em uma “era de competição e globalização” para determinados setores da sociedade, em especial, para aqueles que detém “prestígio” e são “representativas na sociedade”23 . O neoliberalismo permite que ocorra a “expansão de redes de poder e correias de transmissão paralelas que se cruzam e vinculam diferentes ramos e centros. Isso produz grande centralização do poder político e multiplica seus pontos de aplicação no Estado. Tudo isso serve para reorganizar a hegemonia, para neutralizar as divisões internas e para procurar curto-circuitos em resistências internas, além de assegurar a flexibilidade em face da inércia burocrática”. (Jessop, 2009, apud VAINER, 2011, p. 9)

Tal rede poderia ser atentada a partir da análise do grupo de conselheiros do 20

21 22

23

O termo “ligeiro”, atribuído por mim, em um sentido de que ele tem uma finalidade com prazo de validade e, talvez, pragmático. Aqui, vale ressaltar o conceito foucaultiano de “dispositivo”, explicitado na nota 11. Ou, para “aproveitar as oportunidades de negócios” (VAINER, 2011, p. 5). “Apenas um tipo de crise política produz uma forma excepcional de Estado” (JESSOP, 2009, apud VAINER, 2011, p. 9). Vide o site do Conselho da Cidade do Rio de Janeiro: www.conselhodacidade.com/conselheiros.

23 Conselho da Cidade do Rio de Janeiro, na qual, em sua maior parte, empresários compõem o mesmo, numa clara alusão à cidade de exceção como o lugar de excelência da democracia direta do capital (VAINER, p. 11) na qual “poderes são transferidos a grupos de interesse empresarial”, ao colocar “a cidade, de maneira direta e sem mediações na esfera política, a serviço do interesse privado de diferentes grupos de interesse.” (idem, p. 11). Desta forma, percebe-se como o poder do Estado vem perdendo sua hegemonia frente à expansão do neoliberalismo (JESSOP, 2009, apud VAINER, 2011, p. 9) e em sua função política na cidade: torna-se uma “cidade flexível” nos moldes empresariais, uma vez que o Estado tem de dividir sua autonomia com os interesses do mercado. Assim, percebe-se como o ideário de uma cidade vem sendo construído, uma vez que as intervenções realizadas no espaço urbano não têm a participação da sociedade civil no processo de construção de tal ideário: elas são de cunho pragmático, tendo fins a atingir, previamente estipulados por quem têm seus interesses representados politicamente, na qual “o setor privado deve assumir a direção das estratégias economias locais".24 De acordo com o Artigo 32 do Estatuto da Cidade, parágrafo primeiro, “Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.” (VAINER, 2011, p. 6)

Entretanto, esta “operação urbana”, nos moldes do “urbanismo pós-moderno”, corrói o interesse comum em nome do capital privado, uma vez que o Estado tem que dividir sua autonomia com o mercado, gerando um Estado de Exceção: as leis de flexibilização legitimam a operação urbana ao bel prazer do mercado, uma vez que autoriza e consolida a prática de exceção legal.25 Tal flexibilização permite que um novo módulo de investimento em planejamento urbano seja criado, “amigável ao mercado (market friendly)” e "orientado pelo e para o mercado (market oriented)” 24 25

Urban Parnership & The TWU Urban Division, 1998. Percebe-se esta “exceção legal” no que toca à “Operação Urbana Consorciada da Área de Especial Interesse Urbanístico da Região Portuária do Rio de Janeiro”, operação esta criada por Lei Municipal de 2009. A Prefeitura criou uma empresa – a Cdurp – para gerir o projeto, que tem a atribuição de “articulação entre os demais órgãos públicos e privados e a Concessionária Porto Novo“. Ou seja: a Prefeitura delega à uma empresa a gestão de um espaço público, terceirizando serviços públicos em uma área privada, tais quais segurança e limpeza.

24 (VAINER, 2011, p. 3). Ainda de acordo com o Artigo 32, parágrafo segundo, "Poderão ser previstas nas operações urbanas consorciadas, entre outras medidas: I - a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edifícios, considerando o impacto ambientas delas decorrente; II - a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente”. (idem, pp. 6 e 7)

Tais diretrizes, que deveriam ser em prol da construção de um planejamento do uso do solo urbano, democrático, servindo de exceção à regra para suas devidas implementações de acordo com o interesse público, servem a interesses privados. Ao longo do tempo houve uma crescente necessidade de delegação de autonomia ao mercado por parte do Estado, ao longo das crises do século XX. Além da constante flexibilização da Lei, a mesma tornou-se instrumento para concretizar a exceção à regra e instituir sua normalização, usando referências análogas à guerras e crises (ibidem), tais quais “Ordem”, "Operação", “Choque” e o uso da "Tropa" demonstram a militarização das políticas adotadas, assim podendo legitimar as ações durante o Estado de Exceção, tendo em vista o bem comum, ou, no caso, na garantia do legado ou a manutenção da ordem para a cidade. O acionamento de tais metáforas evidenciam um inimigo em comum para a sociedade, seja ele a desordem, a violência, a possibilidade de retaliação de populações menos favorecidas, ou, a impossibilidade de concretizar o legado. Percebe-se que tal estado de guerra, ao fazer uso de jargões militares em tempos de crise, legitima “a eliminação física não só dos adversários políticos, mas também de categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer razão, pareçam não integráveis ao sistema político”26 (AGAMBEN, 2004, apud VAINER, 2011, p. 7). Em suma, a gestão da cidade modificar-se-ia numa “gestão da pobreza” através do totalitarismo moderno adotado pelas políticas públicas, reformulando a exclusão de uma parcela da população que não tem seus direitos de cidadania garantidos pelo Estado. Entretanto, as vitórias alcançadas pelos movimentos sociais para que direitos 26

Ênfase do autor. No Rio de Janeiro, aqueles que são cooptados pelo PMDB, partido do prefeito da Cidade e do governador do Estado, seriam “integráveis” - “UPPs: partidos políticos disputam espaço nas comunidades pacificadas do Rio”, Jornal O Extra, 15/03/2013. Disponível em: http://armabranca.blogspot.com.br/2013/03/upps-partidos-politicos-disputam-espaco.html. Acessado em: 20/03/2013.

25 fossem assegurados e distribuídos, tanto os políticos quanto os sociais, durante a redemocratização dos anos 80, depois de reinstaurados foram, aos poucos, sendo tolhidos pelo totalitarismo moderno instituído na política da cidade através do capital. Fóruns e conselhos que foram criados para formalizarem políticas públicas que se adequassem às demandas da população e que conseguiram lograr avanços, hoje, demonstram estar em crise. O artigo de Cristina Vital da Cunha, A cidade para os civilizados: Significados da ordem pública em contextos de violência urbana (2011), demonstra como a questão da ordem pública é acionada por alguns setores da sociedade como questões referentes à violência urbana e ao sentimento de insegurança. Contextualiza a criação de fóruns e conselhos comunitários, atentando à episódios de violência na década de 90 atribuídos como uma guerra na cidade para legitimar ações do poder público na contenção desta. Entretanto, a criação dos Conselhos Comunitários de Segurança Pública e a integração proposta pelo secretário de Segurança Pública da época, Luiz Eduardo Soares (1999), das polícias Civil e Militar, tinham o intuito de combater a violência urbana. Nestes, percebe-se o tom "condominesco" das elites, quando não denegridor, por parte das autoridades, das ânsias de moradores de favelas que apresentavam ao Conselho demandas diferentes daquelas dos moradores do "asfalto". Tal discurso impede uma visão mais abrangentes dos elementos que compõem a segurança pública, fazendo com o que os problemas abordados apenas sejam amenizados e/ou deslocados para outros bairros. O uso pelo poder público de jargões técnicos nesses espaços de discussão com a sociedade civil servem para denotar suas ações com um caráter profissional, ao atender aos anseios das elites no que concerne ao ordenamento do espaço público, espaço este que é visto como lócus de violência e, entremente, de resolução das desigualdades sociais, uma vez que abarca não só o convívio de seus iguais, mas a obrigatoriedade de se conviver com aqueles que se consideram diferentes, ou, que não partilham dos mesmos valores e de um habitus.27 Adota-se, inclusive, o vigilantismo em áreas que são consideradas, pelos próprios moradores, como "merecedoras de atenção especial" em função de sua tradição na história da

27

De acordo com Bourdieu, habitus são “esquemas estruturados de percepção, pensamento, ação, formados a partir dos modos de viver e de pensar das diferentes classes sociais, e que se traduzem por predisposições ou disposições duráveis em direção à ação”. (Nogueira, 1989).

26 cidade (CUNHA, 2011, p. 218). Observa-se que o discurso de moradores das altas camadas desses bairros, com destaque para Copacabana e Ipanema, tange à criminalização daqueles que os mesmos considerariam como "diferentes", "desviantes", ou, outsiders28, por não ser possível a previsibilidade de suas ações, o que impediria um maior sentimento de segurança (idem, p. 218). A ordem pública seria o meio pelo qual as elites poderiam atingir o ápice de seu projeto de civilidade, como forma de solucionar as questões de desigualdade "mediante a conquista de um espaço urbano ordenado" (ibidem), ordem esta, com o controle do uso do espaço público e da mobilidade29 destes considerados outsiders para estas áreas (através de transporte alternativo e expansão de linhas de metrô, por exemplo). A expansão do transporte público geraria desordem e incivilidade, diferentes dos padrões do bairro (idem, p. 221), logo, sendo rejeitadas por uma significativa parcela da população, fomentando a segregação social da cidade. Este projeto de civilidade - ou, de uma cidade pacificada - se daria através do combate à desordem, à favelização,

e

à

marginalização

-

todas

associadas

como

propícias

ao

desenvolvimento da criminalidade, que seriam combatidos através das UPP's e das UOP's. Para tal, o acionamento do poder público através da Guarda Municipal e da Polícia Militar, nos projetos de Unidade de Ordem Pública e de Unidade de Polícia Pacificadora, servem para o controle de parcelas da população que não são consideradas integrantes do bairro. O atual papel de tais órgãos refere-se à ordem e 28

Os “outsiders” são o oposto dos “grupos mais poderosos, na totalidade desses casos, vêem-se como pessoas 'melhores', dotadas de uma espécie de carisma grupal, de uma virtude específica que é compartilhada por todos os seus membros e que falta aos outros. Mais ainda, em todos esses casos, os indivíduos 'superiores' podem fazer com que os próprios indivíduos inferiores se sintam, eles mesmos, carentes de virtudes , julgando-se humanamente inferiores.” (ELIAS, 1994, p.20). Aqui, parece ser justo relembrar do levantamento histórico do termo civilização que Norbert Elias faz na primeira parte d'”O Processo Civilizador”, pois que ainda pode ser muito bem usado para identificar as classes sociais que deteriam o grau de civilidade necessário para a sociedade. “Ele [o termo civilidade] absorve muito do que sempre fez a corte acreditar ser - em comparação com os que vivem de maneira mais simples, mais incivilizada ou mais bárbara - um tipo mais elevado de sociedade: a ideia de um padrão de moral e costumes, isto e, tato social, consideração pelo próximo, e numerosos complexos semeIhantes. Nas mãos da classe media em ascensão, na boca dos membros do movimento reformista, e ampliada a ideia sobre o que é necessário para tornar civilizada uma sociedade. O processo de civilização do Estado, a Constituição, a educação e, por conseguinte, os segmentos mais numerosos da população, a eliminação de tudo o que era ainda bárbaro ou irracional nas condições vigentes, fossem as penalidades legais, as restrições de classe à burguesia ou as barreiras que impediam o desenvolvimento do comércio - este processo civilizador devia seguir-se ao refinamento de maneiras e à pacificação interna do pais pelos reis.” (1990, p. 62). Detalhe para a presença de palavra “pacificação”, inerente à atual política de segurança pública do Estado. 29 "Prefeitura do Rio começa a regulamentar transporte alternativo". Jornal do Brasil, 29/01/2013. Disponível em: http://www.jb.com.br/rio/noticias/2013/01/29/prefeitura-do-rio-comeca-a-regulamentar-transportealternativo/. Acessado em: 25/05/2013.

27 segurança do espaço urbano (ibidem), tal qual uma tutela da pobreza – a "ação coercitiva para reprimir ações não ajustadas ao padrão de civilidade" (idem, p.217) gerenciada pelo próprio Estado e seus interesses. A necessidade de se tirar de vista aqueles que não partilham dos mesmos valores e ethos é premente para que haja a identificação do morador com o bairro - e, ao que se percebe, com a própria cidade, pacificada e organizada, de acordo com as políticas adotadas, tendo em vista os megaeventos dos próximos anos (inclusive o do atual ano).30 Tal ordenamento do espaço público proposto pela Secretaria Especial de Ordem Pública tem como fim, então, o controle/reapropriação de tais espaços denotando-lhes funções que atendam às demandas da elite e/ou moradores da região, reprimindo a transição e o uso do espaço por esses outsiders, propensos à violência urbana, "mediante a conquista de um espaço urbano ordenado" (idem, p.218), como sendo "a principal demanda para a resolução dos mais variados problemas da cidade" (ibidem). Por conta disso, a contenção dessas populações em bairros considerados nobres ou com potenciais turísticos seriam de suma importância para o controle tanto da criminalidade quanto do uso do espaço público, uma vez que serviriam de anteposto ao determinado uso de tais espaços, impedindo que os mesmos sejam usados e construídos de forma coletiva e democrática. Fica evidente, de acordo com o artigo da autora, como o acionamento do discurso da ordem pública é variado, de acordo com o seu locutor: para aqueles que são considerados "à margem" da sociedade, que não compartilham do ethos das classes altas e médias, tal acionamento se dá tendo em vista "a garantia de direitos que viabilizem o espaço público" (idem, p.228), enquanto que, quando usado pelas elites, ela denota a pacificação da cidade, via ordem pública (tal qual apresentada acima) para conter a violência urbana no espaço público que seria propenso à criminalidade e queda no sentimento de segurança (ibidem). Percebe-se um deslocamento no tratamento por parte do Estado com as populações que estão à margem do que seria considerado como o padrão civilizatório, ou, propensas à criminalidade: a desqualificação dos estigmatizados não se encerra mais na 30

Da mesma forma em que é gerida a percepção do turista em relação à cidade, pacificada e pasteurizada. Vide as “Barreiras Acústicas” instaladas na Linha Vermelha, em 2010, que encobrem (em sua denominação) a real intenção da gestão municipal, em esconder as desigualdades sociais da cidade: no caso, nas vias de acesso ao Aeroporto do Galeão. “Prefeitura instala primeiras barreiras acústicas na Linha Vermelha, no Caju”. Disponível em: http://oglobo.globo.com/transito/prefeitura-instala-primeiras-barreiras-acusticas-nalinha-vermelha-no-caju-3043761 Acessado em: 07/07/2013.

28 degradação física ou espacial de outrora. Torna-se uma população que sofre degradação moral (VALADARES, 2000, p. 12), uma vez que suas relações seriam, de acordo com o ponto de vista dos "civilizados", mediadas por afinidade, parentesco, dependência ou cumplicidade com a criminalidade (MACHADO, 2008, apud CUNHA, 2011, p.218). A metáfora da guerra encerra o estigma dos “vadios” e “vagabundos” e reintroduz a classe dos “inimigos”, “criminosos” e “perigosos”, tal qual a referência que Malaguti faz das “fantasmagorias urbanas”31 - o ato de trazer à tona fantasmas que um dia assombraram o passado da sociedade brasileira, como a revolta de escravos. Para tal, a legitimidade conferida à aplicação de ações militares no espaço urbano, além do acionamento da metáfora da guerra (VAINER, 2011, p. 7), permite o "uso intensivo e extensivo da força militar como instrumento governamental privilegiado de intervenção no meio urbano" (HIRATA, 2012). No texto A produção das cidades securitárias: polícia e política32, Daniel Hirata demonstra como a Polícia Militar vem, ao longo do tempo, sendo incrementada por novos elementos em sua cultura, em especial, em relação a sua função social. Para além de tutelar a pobreza, gerenciada pelo Estado - como explicitado acima - a polícia, com um perfil mais técnico em suas ações, angariaria maior flexibilização em relação às suas atribuições, articuladas juntamente com a política adotada pelo atual governo. Além disso, o autor demonstra como, frente a tais ações e atribuições flexíveis, poucas chances têm os trabalhadores pobres em se articular e defender seus interesses no contexto das grandes metrópoles, onde o norteamento das políticas de intervenção do espaço urbano estão definidas essencialmente por um caráter de defesa do potencial econômico de determinadas áreas da cidade (HIRATA, 2012). Neste ínterim, percebe-se a forma como tal política de ação policial e ordenamento público é aplicada através da crescente militarização da fiscalização do comércio ambulante e seu consequente controle coercitivo. A intervenção no meio urbano via forças de segurança – Polícia Militar e a Guarda Municipal – vem se tornando regra, uma vez que, em espaços com potencial econômico, o que prevalece é a valorização da técnica aplicada para atingir os fins propostos. Fins estes que, em detrimento de uma política que seja construída democraticamente, 31

32

Conceito de Vera Malaguti, presente no documentário “Distopia 021”, disponível em: http://vimeo.com/39915322. Nas palavras da autora, seria o medo de que “a favela vá descer”, impulsionado pelos meios de comunicação que “imbecilizaram a população carioca”. Le Monde Diplomatique Brasil, 2011. Disponível em: http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1123.

29 impedem uma maior democratização da cidade em seus espaços urbanos. Esta seria uma estratégia técnica de produzir mercados ou disputá-los, com consequências econômicas e eleitorais expressivas (HIRATA, 2012) atendendo a demanda de populações de alta expressão na sociedade. Desta forma, fica evidente a militarização na gestão das populações que não são consideradas expressivas em termos econômicos e que são inconvenientes do ponto de vista social para as elites, como explicitado anteriormente. A aproximação entre a ordem pública e a segurança urbana, então, tornar-seia perniciosa (HIRATA, 2012), uma vez que tal aproximação pode gerar um controle de caráter coercitivo, além do desrespeito à separação dos poderes presentes na Constituição, em uma confusão das atribuições de cada órgão, na qual “os oficiais controlam o planejamento, a operacionalização e a avaliação dos resultados das operações; por baixo, os praças têm seu poder ampliado por meio de uma legislação de exceção, que lhes confere plenos poderes discricionários na execução cotidiana dessas operações” (HIRATA, 2012), além de tratar uma questão de ordem gestionária sob o ponto de vista militar e repressora. A agilidade e eficácia do controle são o norte de tal política, em um rumo para a Lei de Tolerância Zero instituída, inicialmente, na cidade Chicago e, depois, em Nova York, na década de 90, com a chamada “Teoria das Janelas Quebradas”. Tal teoria teria como função explicar atos de vandalismo e degradação do espaço urbano, atribuindo suas causas a fatores psicológicos. Tal manutenção da ordem seria uma tentativa de controlar aqueles que causam a desordem internamente – os “forasteiros” ou “excluídos” (KELLING, 1982, apud CARVALHO; COUTINHO, 2011), ou, ainda, os outsiders, reforçando a teoria da ênfase dada à ordem do espaço urbano ligado ao controle e/ou inibição das desigualdades sociais estabelecidas historicamente. A manutenção da ordem pública para conter a violência urbana, relacionandoa com a degradação do espaço público, pode ser entendida na seguinte frase de Loïc Wacquant: "Quem rouba um ovo, rouba um boi" (WACQUANT, 2001, apud CARVALHO; COUTINHO, 2011). Ou seja: enquanto um pequeno infrator não for tratado como um criminoso, maiores infratores sentir-se-ão à vontade para cometer delitos na região. Enquanto uma janela quebrada não for consertada, outras serão quebradas. Esta é a lógica que norteia as ações da Secrearia Especial de Ordem Pública e com as Unidades de Ordem Pública, "o choque de ordem constante".

30 A manutenção de um corredor turístico, tendo em vista os megaeventos de 2014 e 2016, focalizando, por exemplo, o bairro de Copacabana, tem o intuito de afirmar a vocação comercial e turística do bairro atendendo aos turistas que tradicionalmente visitam o bairro. Entretanto, tal forma de administração da cidade impede a articulação de resistência desses trabalhadores informais frente a tais políticas e uma participação enfática da população nas decisões relativas à cidade, realizando uma centralização do poder (HIRATA, 2012). Entretanto, tendo em vista que esse tipo de controle do espaço urbano vem se dando ao longo da última década, existem formas com as quais a população, que vem sendo constantemente reprimida ao uso (e trânsito) desses espaços, lida com a opressão que lhes é dirigida. Trata-se de um necessário equilíbrio entre as práticas do cotidiano, entre as fronteiras (não necessariamente físicas) do legal e do ilegal. Vera da Silva Telles, em parceria com Daniel Hirata, no artigo "Cidade e práticas urbanas: nas fronteiras incertas entre o ilegal, o informal e o ilícito" (2007) demonstra como há uma intersecção do legal com o ilegal, e como se pode analisar, em suas fronteiras, a dinâmica de tal prática urbana. Os indivíduos que se veem obrigados a habitar a fronteira do legal e do ilegal acionariam dispositivos de contorno às mesmas para que possam transitar e fazer usufruto dos espaços que lhes são mais bem quistos em questões de ordem econômica. A interconectividade entre diferentes redes sociais, para que a informalidade tome seu contorno atual, é uma parte constituinte de tais práticas, sejam elas novas ou antigas. Tais práticas acionadas no mercado informal serveriam para amenizar as atribulações de uma vida que cada vez torna-se mais dispendiosa - em um contexto de trabalho precarizado - construídas e articuladas nos limites da cidade, permitem que sejam acopladas ao tecido urbano, de acordo com as interações com a população local e com a história do próprio bairro (constituindo-as, inclusive). O "bazar metropolitano" (RUGGIERO; SOUTH, 1997, apud TELLES, 2007), ou, o embaralhamento entre o legal e o ilegal, ilustra tais práticas. Práticas estas que vêm sendo alvo das políticas de ordenamento do espaço público, genericamente tratados como questão de "violência urbana" e controle social, em contraposição à complexidade de suas dinâmicas e de suas influências tanto na sociabilidade local quanto no uso e na construção do espaço público, porquanto haja a coexistência de uma cidade formal com uma informal. Percebe-se uma banalização das desigualdades sociais, restringindo-as à

31 esfera do uso, da ordem e do controle do espaço urbano, no qual reunir-se-iam todas e quaisquer mazelas da cidade. A questão do Direito à Cidade é de extrema importância, uma vez que a democratização dos espaços urbanos poderia ser capaz de por fim às políticas de ordenamento espacial de caráter segregatório, além de diminuir as desigualdades sócio-espaciais eternizadas por políticas urbanas de interesses individuais (no passado) e corporativos (hoje) – ambos, pertencentes às classes dominantes. A trivialização dos problemas sociais existentes, resumindo-os à gestão de micropopulações (seja através das UOP's ou UPP's) e do uso que fazem do espaço urbano, demonstra uma incapacidade (ou uma má fé) do Estado em realizar a democratização da cidade: não se observa tentativas do poder público em aumentar a disponibilidade e o acesso ao espaço público (com todas a infraestrutura de bens públicos) para a população. Pelo contrário: há um encolhimento e um encarecimento desses espaços. A constante presença - ou, a constante evocação - das "fantasmagorias urbanas", de Vera Malaguti, assim como a presença de mitos urbanos tais quais o "crime organizado", servem para legitimar ações do poder público para o controle social ou para a criminalização da pobreza e seu afastamento dos centros urbanos, ou áreas com potenciais turísticos (no caso, áreas de interesse do capital, no contexto apresentado anteriormente), inclusive com o uso das gramáticas da guerra e a militarização dos espaços urbanos, assim como, e em especial, para atender à "governamentalidade gestionária" destes "dispositivos de exceção" (TELLES, 2007, p. 24), ou seja: criar a micro-gestão de populações consideradas propensas aos "riscos sociais" que se entranham no tecido urbano de formas que não atendem aos padrões das cidades globais33 - ou, na separação entre a cidade legal e a cidade real34 - nem ao projeto de cidade que é instituído sem o aval da própria população 33

34

Para Milton Santos, as cidades (ou metrópoles) globais são aquelas que podem exercer algum tipo de influência sobre outras, "capazes de exercer um papel de comando efetivo [...] sobre o que se faz nas outras cidades e no resto do mundo". Ainda de acordo com Santos, ''o processo atual de modernização leva a que todos os lugares se globalizem graças à difusão generalizada das técnicas e da informação. Criam-se, assim, lugares globais simples e lugares globais complexos. Estes são, geralmente, as metrópoles, em que um grande número de variáveis típicas de nossa época se combina. Mas as metrópoles se caracterizam não apenas por esse lado moderno da sua realidade atual, mas também pelo fato de que guardam numerosos aspectos herdados de épocas anteriores, em virtude da resistência da paisagem metropolitana às mudanças gerais. É um equívoco considerar as metrópoles como se fossem inteiramente modernizadas e globalizadas. Aliás, o seu cosmopolitismo apenas é garantido pelo fato de que esses lugares complexos contém elementos com diversas origens e idades que lhes asseguram [...] possibilidade de abrigar os mais diversos tipos de capital, trabalho e cultura." (SANTOS, 1997). A dicotomia entre cidade legal e cidade real, talvez, seja ilusória. Como cidade legal, entende-se aquela que é amparada legislativamente, com investimentos públicos, geralmente com ampla infra-estrutura e que é

32 que, no futuro, irá desfrutar das consequências de tais políticas. Desta forma, conforma-se um Estado autocrático, em um momento de Estado de Exceção, seja através das flexibilizações legislativas, da destinação das verbas públicas ou através da demanda do próprio mercado, que compõe quase que integralmente os investimentos realizados neste atual contexto. A administração da exceção (OLIVEIRA, 2003, apud TELLES, 2007, p. 25) constitui hoje um ponto chave para a compreensão da aplicação das políticas públicas em parceria com o capital privado no que concerne à imperiosa racionalidade de tais investimentos.

passível de sofrer intervenções de cunho legais ou oficiais; como cidade real, aquela que é construída espontaneamente, precária, com pouco ou nenhum investimento público. (BURKT, FUJIMOTO, 2009). O tratamento que o Poder Público dirige para uma e outra é diferente: o argumento de "risco ambiental" para a cidade real não serviria para a cidade legal, por exemplo. Esta dicotomia entre os tipos de cidade seria aplicável somente no que concerne às fronteiras de uma e de outra, uma vez que as práticas sociais, em especial, as do mercado informal, perpassa tanto uma quanto outra (TELLES, 2009). Para um futuro trabalho, caberia o estudo para confirmar a hipótese de uma tentativa, por parte do Poder Público, de reordenar tais práticas, no sentido de realocá-las até os limites do interesse do capital.

33

4. ACERCA DA ORDEM PÚBLICA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

A Unidade de Ordem Pública (UOP) foi criada em 2011 a partir do projeto Rio em Ordem35 e possibilitou a reformulação da “atuação da Guarda Municipal com novos treinamentos e procedimentos operacionais padrão”. A UOP implementada no bairro previamente definido gera um aumento do número de guardas ostensivos com patrulhamento 24h e combatendo irregularidades, tais quais “estacionamento irregular, excesso de mesas e cadeiras nas calçadas, ambulantes sem licença, entre outras que venham a ferir o Código de Posturas e a Legislação do Município”36 A área de atuação da UOP confere aos bairros em que está instalada um ambiente “mais organizado, limpo e seguro” (Prefeitura do Rio de Janeiro)37, de acordo com diretrizes da SEOP, dando segurança aos principais corredores da cidade, sejam eles turísticos, culturais, gastronômicos ou econômicos. A SEOP pode, também, flexibilizar suas próprias diretrizes – caso específico da Praça Vanhargem, na Tijuca, onde determinados bares e restaurantes em seu entorno puderam aumentar o número de cadeiras em calçadas38. Em contrapartida, pequenos estabelecimentos comerciais foram combatidos e taxados como irregulares, uma vez que não circundavam uma área de potencial econômico tal qual a dita praça. Isto denota o privilégio previamente dado à alguns poucos estabelecimentos em função de sua posição espacial no atual contexto da cidade do Rio de Janeiro. Demonstra-se claramente as intenções em não apenas regulamentar o espaço urbano, mas também de diminuir a degradação do espaço público, uma vez que este seria visto, pela própria prefeitura, como ambiente propício à criminalidade quando não ordenado – gerado por moradores de rua, camelôs e estacionamentos irregulares, de acordo com panfleto oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro. Em outras palavras, “A UOP é o Choque de Ordem permanente nos bairros,

35

Em decreto oficial da Prefeitura, (nº33.657) acerca da criação do projeto, há a justificativa (dentre outras), da Guarda Municipal “agir de forma proativa na construção da ordem pública e na coerção de ações individuais e coletivas que venham a violar os direitos de outros indivíduos e o interesse público”. Grifo do autor. 36 Informação do panfleto oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro sobre a UOP de Copacabana. 37 Fonte: Prefeitura do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/seop/exibeconteudo?article-id=94564. 38 Informação do panfleto oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro sobre a UOP da Tijuca.

34 que marca o início de uma nova fase no combate à desordem na cidade.”39 Ou seja: é a materialização da manutenção da ordem via agentes públicos, com o intuito de incutir tal cultura de manutenção imposta, que poderia vir a solucionar (ou amenizar) o problema da violência urbana. Para Luiz Antônio Machado da Silva, em "Violência urbana, sociabilidade violenta e agenda pública", a violência urbana "é a categoria construída para identificar – e tomar posição a respeito de – um complexo de práticas do qual a força é um princípio de coordenação, responsável por sua articulação e relativa permanência ao longo do tempo" (2008, p.37). Ao percebermos o tratamento dado pela Secretaria Especial de Ordem Pública aos seus alvos – os mijões, flanelinhas, ambulantes e demais comerciantes informais – que, de certa forma, criminaliza-os, fica claro a tentativa de justificar a militarização de tais políticas, ao aproximar a violência e a desordem urbana. Fica explícita, mais uma vez, a banalização da existência das desigualdades sociais, quando ela é tratada como um caso de polícia, ou, "na melhor das hipóteses", como uma "política securitária" que visa o bem comum. A militarização dos cargos na Administração Pública demonstra como, cada vez mais, as políticas estão se voltando para a gestão de populações consideradas perigosas ou que simplesmente deturpam a ordem estabelecida. O comando da Guarda Municipal do Rio de Janeiro ("a maior guarda 'desarmada'40 do Brasil") está nas mãos do capitão da Polícia Militar Leandro Matieli Gonçalves 41. Seu antecessor, ex-chefe de Relações Públicas da Polícia Militar, Cel. Lima Castro, em entrevista, demonstra a militarização da Guarda Municipal: "O coronel Almeida Neto, como chefe de gabinete, é a certeza de organização estrutural. O coronel Carlos Rodrigues é o corregedor. O tenente-coronel Hugo Freire, como diretor de Ordem Pública, é quem está à frente das UOPs. O tenente-coronel Luiz Cláudio é o chefe de recursos humanos. E o major Martins, como sub-diretor operacional, vai tocar a

39

40

41

Fonte: Prefeitura do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/gmrio/exibeconteudo?article-id=2431379. O uso das aspas em “desarmada” explica-se da seguinte forma: pode considerar-se como “armados” o porte do cacetete, utilizado pelos Guardas Municipais, por ser seu 'instrumento de trabalho'; entretanto, o uso de tasers, mesmo que em menor escala, é considerado como arma não letal. Logo, o termo “desarmada” é dúbio. Entretanto, no site da Prefeitura do Rio de Janeiro, em sua seção sobre a criação da Guarda Municipal, há um tópico sobre sua “desmilitarização”, que teria ocorrido através da mudança da cor de uniformes e viaturas, além da realocação da Sede, de Botafogo para São Cristóvão. Tal desmilitarização não leva em conta a gestão da GM.

35 guarda independente das UOPs."

42

Percebe-se, através da entrevista, o uso de alcunhas militares na gestão da cidade – tal qual "choque", "estratégia", "operação", "ordem" – tendo em vista um inimigo em comum – a desordem urbana, a mesma que geraria a violência, além da própria militarização dos cargos públicos. O acionamento das metáforas de guerra (LEITE, 2001, apud CUNHA, 2011, p.219), tal qual em um estado de exceção (VAINER, 2011, p.7), legitimaria as ações desta Secretaria (e outras, como a de Desenvolvimento Social, que, ultimamente, tem realizado o recolhimento forçado de usuários de crack e moradores de rua),43 criando assim seu pressuposto de legitimação do ordenamento público para conter a criminalidade, em nome de uma civilidade padronizada pelos moldes internacionais das cidades globais que estão em voga ultimamente, em especial, em função dos jogos de 2014 e 2016. Afinal de contas, para Daniel Hirata, “a tecnologia securitária como modo de gestão do espaço urbano é uma técnica contemporânea eficaz. […] parece ser uma maneira muito eficiente de produzir mercados ou disputá-los” (HIRATA, 2012). A produção desta cidade securitária (idem, 2012), no entrelaçar da polícia com a política, permite um “uso intensivo e extensivo da força militar como instrumento governamental privilegiado de intervenção no meio urbano” (ibidem). Como instrumento desta técnica securitária, as Unidades de Ordem Pública, estão localizadas nas seguintes regiões: Leblon, Ipanema, Copacabana, FlamengoCatete-Glória, Porto Maravilha, Centro, Tijuca e Méier. As quatro primeiras compõem um espaço de alto valor agregado, seja pelo mercado imobiliário, seja pelo potencial turístico explorado; a área do Porto Maravilha caracteriza-se por um dos maiores canteiros de obra da cidade, que sofre o impacto de revitalização através de Parcerias Público-Privadas e que, em breve, ganhará o maior centro corporativo do Brasil44; Centro, Tijuca e Méier poderia se justificar em função de serem corredores de transporte e de grandes aglomerados populacionais. As iniciativas de tais políticas teriam como principal motivação a manutenção

42

43

44

“O novo xerife”, Jornal do Brasil, 25/04/2011. Disponível em: http://www.jb.com.br/jbpremium/noticias/2011/04/25/entrevista-coronel-lima-castro-o-novo-xerife/. Acessado em: 18/04/2013. "Prefeitura faz internação involuntária de 29 adultos usuários de crack no RJ”, G1, 19/02/2013. Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/02/prefeitura-faz-internacao-compulsoria-de-adultosusuarios-de-crack-no-rio.html. Acessado em: 23/05/2013. "Donald Trump anuncia construção do maior conjunto comercial do país”. UOL Economia, 18/12/12. Disponível em: http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2012/12/18/donald-trump-anuncia-no-rioconstrucao-do-maior-conjunto comercial-do-pais.htm. Acessado em: 23/05/2013.

36 de espaços com potencial para a atividade econômica e turística: o ordenamento do espaço urbano com o intuito de coibir a criminalidade se expressa no seguinte trecho: “A desordem urbana é o grande catalisador da sensação de insegurança pública e a geradora das condições propiciadoras à prática de crimes, de forma geral. Como uma coisa leva a outra, essas situações banem as pessoas e os bons princípios das ruas, contribuindo para a degeneração, desocupação desses logradouros e a redução das atividades econômicas" 45 (Prefeitura do Rio de Janeiro) .

Entretanto, nos diz Machado: "a conduta criminosa é explicada pelo seu baixo custo de oportunidade, em um tipo de interpretação no qual a formação dos comportamentos é vista como uma adaptação mecânica a condições contextuais, de modo que os criminosos seriam meros aproveitadores circunstanciais da desorganização do sistema de administração da justiça" (2008, p. 39).

Tal explicação serve de base para as ações da Prefeitura no ordenamento urbano, em coibir "ações individuais" ou coletivas (tal qual justificativa para o projeto Rio em Ordem), pois a desordem seria a "geradora das condições propiciadoras da prática de crimes" nesses espaços. Entretanto, tal explicação para as condutas consideradas como "criminosas" demonstra-se falha, uma vez que recairia ou sobre a ineficácia dos agentes públicos ou da justiça. Nos diz Machado que "supõe-se que as condutas criminais poderiam ser canceladas, inviabilizadas ou ao menos reduzidas a proporções toleráveis pela manipulação de variáveis e/ou pelo desenvolvimento de iniciativas 'civilizadoras' que reduzam os riscos de opção pela carreira criminal. O funcionamento interno dos aparelhos estatais (e seus braços civis, como é o caso de algumas ONGs) de controle social, portanto, fica reforçado como objeto privilegiado da atenção, o que acaba fechando o círculo, mantendo na obscuridade, como uma espécie de caixa-preta, o conhecimento das próprias práticas que deram origem a toda a reflexão" (idem, p. 40).

Uma dessas variáveis passíveis de serem manipuladas seria o ordenamento do espaço urbano. O enfoque dado pela Prefeitura à ordem pública, ligando-a à violência urbana, na tentativa de civilizar o espaço e as práticas nela realizadas, mostra-se falaciosa uma vez que moradores de rua e vendedores ambulantes representariam, às vistas das autoridades, um risco à "integridade física e garantia 45

Fonte: Prefeitura do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/seop/exibeconteudo?article-id=1851209.

37 patrimonial" (idem, p. 36); entretanto, não é isto que aponta um estudo do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro em relação aos moradores de rua: "dos 1.247 entrevistados em 32 abrigos públicos e privados, 62% não usam drogas; 65% não bebem; e só 13% são analfabetos" 46. O estudo já é um contra-atestado para a relação entre moradores de rua, dependentes químicos e criminalidade apregoado e executado pela Prefeitura, tendo à frente Eduardo Paes e, em seguida, na Secretaria de Desenvolvimento Social, Rodrigo Bethlem 47 e, em determinada medida, uma demanda de uma parcela da população. Uma análise de jornais de bairros, em especial, do bairro de Copacabana, demonstram tal demanda, já que é um dos temas mais recorrentes. Tanto a sessão de "Cartas de Leitores" quanto as matérias sobre as reuniões do Conselho de Segurança abordam o tema da ordem pública e do sentimento de insegurança em relação a moradores de rua e camelôs. Numa das cartas48, um leitor denuncia o aumento do número de mendigos no bairro e diz que "(são) fingidos e cheios de truques para comover as pessoas" e que "alguém tem que fazer alguma coisa", e questiona, "como pode uma cidade que vai apresentar uma olimpíada num dos bairros mais famosos do mundo ter pessoas assim?". Em edição da primeira quinzena do mês de fevereiro, do mesmo jornal, na sessão sobre o Conselho Comunitário de Segurança Pública do bairro (que abrange o bairro do Leme), o jornal relata a preocupação de alguns moradores com ambulantes que podem ferir pessoas com as "brasas" de churrasquinho. O periódico SATI – Sociedade de Amigos da Terceira Idade -, também de Copacabana, em editorial, diz que "seria muito oportuno e útil" uma mobilização para o "cancelamento das feiras ditas de 'artesanato'", como a da Praça do Lido e da calçada central da Avenida Atlântica, na altura do Posto 5, pois seriam "fontes de grande insegurança para os moradores e enorme poluição visual (verdadeiras favelas)". Esta breve nota acerca dos ambulantes, da ordem e do sentimento de segurança demonstram a relação que tanto os moradores quanto o poder público, em suas ações, fazem do 46

47

48

Censo mostra que maioria da população de rua não bebe ou usa drogas”, Jornal O Dia, 16/05/2013. Disponível em: http://odia.ig.com.br/noticia/rio/2013-05-16/censo-mostra-que-maioria-da-populacao-de-ruanao-bebe-ou-usa-drogas.html. Acessado em: 17/05/2013. Vale o adendo de que tal prática da Prefeitura, encabeçada pelo Secretário Municipal, Rodrigo Bethlem, está sendo alvo de processo pelo Ministério Público, assim como o Prefeito Eduardo Paes. “MP-RJ entra com ação contra Paes por violência contra moradores”. O Globo, 11/04/2013. Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/04/mp-rj-entra-com-acao-contra-paes-por-violencia-contramoradores-de-rua.html. Acessado em: 17/05/2013. Jornal Posto 6, Edição 355 – fevereiro de 2013 – segunda quinzena.

38 ordenamento do espaço urbano e a potencialidade de ali a criminalidade se desenvolver. A referida favelização, no editorial, é de cunho depreciativo, uma vez que o espaço favelado seria um espaço de desordem ou ausência de leis, regras e costumes que são compartilhados por todo o restante da sociedade. Ainda sobre os problemas de "desordem", aparecem reclamações relativas ao uso da Praça São Salvador, no bairro do Flamengo. Um jornal do bairro, em reportagem sobre reunião do Conselho de Segurança do bairro (que abrange os bairros de Botafogo, Largo do Machado, Catete e Glória), relata a "algazarra" que ocorre na praça durante as noites dos fins de semana, além da presença de moradores de rua. Uma inspetora da Guarda Municipal diz que "não podemos retirar os moradores de rua, mas podemos incomodar".49 Quanto à reclamação sobre as "festas" que acontecem na praça, quando moradores (não necessariamente do bairro) se reúnem para eventos socioculturais, agentes do Grupamento de Ações Especiais (GAE)50 da Guarda Municipal disseram que iriam visitar a praça São Salvador: "Nossa função é reprimir esses eventos". Para o ex Coordenador Geral de Polícia Pacificadora51, coronel Rogério Seabra, em entrevista para o Jornal Zona Sul52 em coluna institucional, "o emprego formal reduz a oportunidade das pessoas de encontrarem no crime a solução para a desigualdade social", referindo-se à parceria da UPP com a FIRJAN e o SEBRAE. A fala do ex-comandante, de certa forma, desqualifica o trabalho de milhares de pessoas, no sentido de enquadrá-las como potenciais criminosos. Entretanto, para

49

50

51

52

Aqui, somente a prática do “incômodo” seria possível para coagir os moradores de rua em função do Termo de Ajustamento de Conduta assinado entre o MPE e a prefeitura. Fica a pergunta: que prática seria esta de “incomodar” os moradores de rua? De acordo com o site da Prefeitura do Rio de Janeiro, “o efetivo do GAE é o único que, além de ocupar o espaço urbano, atua como força de controle de distúrbios provocados por manifestantes. Para as ações de controle urbano que são desenvolvidas em todo território do município, o grupamento atua com guardas divididos em Patrulha Avançada de Controle (PAC), visando ordenar o espaço público, coibindo a ocupação irregular do solo e assim combatendo o crescimento desordenado do comércio ilegal, entre outras.” Os trechos estão destacados pois são fonte de análise deste trabalho, uma vez que apontam para a ilegalidade do comércio desordenado – ambulantes, em especial – e sobre a relação entre a população e o espaço urbano; o sentido de irregularidade está aquém da presença de ambulantes: diz respeito, também, ao uso que se faz do espaço através de eventos socioculturais, tais quais o famoso churrasquinho, as rodas de choro, rap, etc. Vale ressaltar que a “não-oficialidade” da venda de determinados produtos são vistos como passíveis de apreensão: seria a criminalização de estratégias de sobrevivência (Palestra sobre Estado Penal e Estado de Direito – Vera MALAGUTI, 2013). No dia 08 de Julho de 2013, o Coronel Paulo Frederico Borges Caldas foi empossado como novo Coordenador Geral. Antes, era Coordenador de Comunicação Social e porta-voz da PM. A troca é significativa, uma vez que ultimamente tem-se tornado necessário maior poder de interlocução da Instituição com a sociedade. Fonte: http://www.policiamilitar.rj.gov.br/news_full.php?cat=1&ver=5488&usu=70. Jornal Zona Sul – Junho de 2012.

39 Vera Silva Telles, "é justamente nas fronteiras porosas entre o legal e o ilegal, o formal e informal que transitam, de forma descontínua e intermitente, as figuras modernas do trabalhador urbano, lançando mão de oportunidades legais e ilegais que coexistem e se superpõem nos mercados de trabalho". (TELLES, 2007, p. 6)

É este "expediente de sobrevivência" (idem, 2007) que mantém o sustento de famílias inteiras, provendo às vezes o mínimo necessário para a sobrevivência em uma cidade com um custo de vida cada vez maior. Faz-se necessário perceber que são estas "recomposições do ilícito em suas interações com as dinâmicas urbanas atuais" (cf. Kokoreff, 2007, apud TELLES, 2007, p. 8) que, já escrustadas no tecido social, se multiplicam e se firmam como práticas cotidianas e que fazem parte da paisagem urbana. Faz-se necessário, também, compreender que a cidade não é algo estático – pelo contrário, está em constante mutação, de acordo com "as continuidades, descontinuidades e metamorfoses de seus tipos sociais e a reprodução ampliada de seus mercados ilícitos [e lícitos]" (MISSE, 2006a, apud TELLES, 2007, p. 7). Em outra edição do Jornal Posto Seis53, na sessão da Carta dos Leitores, um deles diz que a Praça Sarah Kubitschek é um "abrigo permanente de mendigos e marginais de toda espécie" e ainda diz pressentir "que haverá uma guerra armada entre moradores e marginais". Na mesma edição, em reportagem sobre a reunião mensal do Conselho de Segurança do bairro, para Horácio Magalhães – presidente do Conselho e da Sociedade Amigos de Copacabana -, a UOP foi um grande ganho, entretanto, "antigos problemas continuam sendo um desafio para a manutenção da ordem pública". Em reportagem sobre reunião da Região Administrativa, que teve como pauta a "forte presença de população de rua, que tem levado insegurança e medo para muitos copacabanenses", o mesmo lamenta que policiais militares não possam mais participar de investidas de acolhimento de moradores de rua – novamente, em função de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado pelo Ministério Público Estadual e a Prefeitura da cidade -, pois "não possibilita saber se o morador é um foragido da justiça", além de "levar perigo para o assistente social". Ele ainda chama atenção para a presença de bandidos "que se utilizam dessa condição [de morador de rua] para cometer pequenos furtos". Além de atribuir 53

Jornal Posto 6 – Edição 358 – março de 2013 – segunda quinzena.

40 equivocadamente uma função judiciária/penal/punitiva para a Polícia Militar, neste trecho, fica claro a criminalização da pobreza engendrada e legitimada por setores da sociedade que tem determinado status quanto à sua participação política e como referência comunitária.54 A preocupação com a imagem que os turistas levam da cidade também é foco de atenção dos moradores. Um participante da reunião diz que, ao fazer passeios pela orla, "meu único adereço é meu Golden Retriever", pois o aumento do número de moradores de rua na faixa de areia, na altura do Posto 2, diminui seu sentimento de segurança: "copacabanenses sentem-se ameaçados pela presença dessas pessoas e turistas levam na bagagem uma imagem negativa do bairro".55 Por mais que seja um fato que a presença de turistas e a exploração de recursos do bairro movimente a economia da cidade e de diversos comerciantes, a preocupação principal dos moradores é em como mantê-la, e não como erradicar ou minimizar a questão da desigualdade social que incomoda tantos copacabanenses e que persiste em toda cidade do Rio de Janeiro e demais cidades do país. As demandas relativas ao sentimento de segurança para com o Poder Público, por parte da sociedade, seria uma ânsia por uma gestão das ilegalidades (TELLES, 2007), uma vez que, em especial, os ambulantes, que estariam localizados na "porosidade entre o legal e o ilegal, e as fronteiras borradas entre o trabalho, expediente de sobrevivência e práticas ilícitas" (idem), deveriam ser legalizados (ou civilizados) ou, que agissem de acordo com as normas estipuladas pela sociedade: a presença de moradores de rua, de ambulantes e a "favelização" de feiras artesanais, todas ligadas ao sentimento de segurança da sociedade. Contudo, Daniel Hirata explicita:

"A aprovação aberta ou velada de parte da sociedade comprova que a troca de liberdades civis por uma demanda de ordem e segurança é um caminho que pode ser trilhado politicamente, ou seja, que pode ter resultados econômicos e eleitorais expressivos" (HIRATA, 2012).

54

55

Em pesquisa in loco, realizada durante pesquisa feita para o LAV/UERJ – Laboratório de Análise da Violência – foi percebido como está incutido na sociedade a gramática da exceção - no sentido de identificação de um inimigo a ser combatido: de forma genérica, a desordem. Entretanto, não parece haver a necessidade do mesmo respeito para com bolivianos, por exemplo, que migram da Bolívia para o Rio de Janeiro, especificamente, para trabalhar, já que a cidade é a que mais recebe turistas no país. Para um colunista do jornal O Globo, garçonetes de um café no Parque da Cidade, localizado no bairro da Gávea, “parecem que foram trazidas de um ponto remoto da Bolívia para ir lá servir as mesas”, ao reclamar do serviço oferecido.

41

O apoio que as políticas de ordenamento do espaço urbano têm por parte de determinada parcela da sociedade permitiria a manutenção e expansão de tais resultados econômicos e eleitorais, quando em determinados momentos, utilizam-se de instrumentos e cargos governamentais como trampolim político e interesses pessoais.56 Entretanto, põe-se em dúvida se haverá a capacidade de articulação de "trabalhadores pobres e com pouca participação política conseguirão se manter atuantes em lugares cujo potencial econômico é muito grande" (idem, 2012), uma vez que o próprio processo de construção e/ou manutenção dos espaços públicos indica uma exclusão social na participação deste processo. Na edição 361 do jornal Posto Seis57 , um morador faz uma reclamação acerca do número de vans em Copacabana e Leme que trazem moradores de outras áreas da cidade. A clara tentativa de realizar (ou manter) uma separação entre moradores e os outsiders, também é percebida no caso da construção de mais uma estação de metrô no bairro de Ipanema, havendo reclamação por parte dos moradores, que justificaram sua oposição à estação dizendo que a mesma iria prejudicar o bairro, inclusive, na segurança pública.58 O temor da sociedade frente à uma violência urbana que seria passível de maior desenvoltura em ambientes desordenados (ou, degradados), tal qual nos diz a Teoria das Janelas Quebradas já citada, porquanto não haja ações "enérgicas" do poder público, permite que determinados estratos sociais e suas práticas sejam explorados, especialmente em sua forma midiática. Nos diz Telles:

"Imagens que banalizam a criminalização da pobreza e alimentam a obsessão securitária que combina repressão aberta e sem pudor (a gramática da guerra, combate ao 'inimigo') e a gestão dos supostos riscos da pobreza pelas vias de dispositivos gestionários voltados às ditas 'populações em risco' (expressão hoje moeda corrente, e não por acaso), a rigor, o biopoder de que fala Foucault (2004); quer dizer: gestão das populações, gestão das vidas e, nesses tempos em que a exceção se tornou regra, a administração de suas urgências para tornar os 'indivíduos governáveis' sob a égide da racionalidade triunfante do mercado". (TELLES, 56

57 58

Este seria o caso do próprio prefeito da cidade, Eduardo Paes, e de Rafael Gattas. Este, administrador regional dos bairros de Copacabana e Leme, candidatou-se a vereador no ano passado (e já retomou as funções de administrador regional); aquele, foi subprefeito da Zona Oeste, entre 1993 e 1996. Jornal Posto Seis – maio de 2013 – primeira quinzena. “No Rio de Janeiro, o horror à gente diferenciada volta a atacar”. Rede Brasil Atual, 20/10/2011. Disponível em: http://www.redebrasilatual.com.br/blogs/desafiosurbanos/2011/no-rio-de-janeiro-o-horror-a-gentediferenciada-volta-a-atacar. Acessado em: 10/08/2013.

42 2007, p. 23)

São essas e outras práticas acionadas tanto pelo Poder Público, quanto por parte da sociedade civil e aparelhos midiáticos que permitem o fomento de novas formas de controle social, que são erigidas sob "uma gestão dos riscos, riscos sociais, pautando programas sociais e também os hoje celebrados projetos de revalorização de espaços urbanos, populares ou centrais" (idem, p. 24). Fica evidente que as ações dos órgãos públicos, por mais que. por vezes. possam ser caracterizados como arbitrários ou até mesmo autoritários, têm um tipo de ressonância "positiva" na sociedade, a que majoritariamente se representa "trocando liberdades civis por uma demanda de ordem e segurança", (HIRATA, 2012) - pois tais políticas não poderiam ser implementadas se não houvesse apoio da mesma: o controle e toda micro-gestão de populações em curso não poderia ser implementada. O acompanhamento feito por mim em campo nos Conselhos de Segurança dos bairros da Zona Sul da cidade me permitiu tal percepção (o que no Conselho de outros bairros, fosse percepctível – ou não – de outra forma). Deve-se atentar para o fato de que, geralmente, este apoio e legitimação ao poder público é dado por camadas mais abastadas da sociedade, que são as que interessam ao Estado e ao Capital – as que detêm o capital cultural e econômico59. São raros os casos em que camadas mais desfavorecidas conseguem se opôr frente a determinados projetos que os atingem diretamente. Seriam os casos da Ocupação Quilombo das Guerreiras60, e da Vila Autódromo61 que, recentemente, conseguiram 59

60

61

Em entrevista ao Sul21, o sociólogo David Cattani afirma que a riqueza na mãos de poucos é subestimada: “Desigualdades na posse da riqueza existem há muitos e muitos séculos e, com raras exceções, a concentração da riqueza sempre esteve associada ao exercício do poder político. O sistema capitalista redefiniu as formas de extração e de uso da riqueza como capital segundo a lógica da acumulação permanente. Distinto de outras formas de dominação de cunho religioso ou tradicional, o capitalismo extrai parte da sua legitimidade em autoproclamadas virtudes de frugalidade, competência e eficiência.”. “Riqueza nas mãos de poucos está subestimada, diz cientista social”. Sul 21, 18/09/2013. Disponível em: http://www.sul21.com.br/jornal/todas-as-noticias/politica/riqueza-nas-maos-de-poucos-esta-subestimadadiz-sociologo/. Acessado em: 23/09/2013. Há mais de 7 anos existe tal ocupação, com mais de 100 famílias, em um trecho da Avenida Francisco Bicalho, na região central do Rio de Janeiro. A remoção (ou, a “reintegração de posse”), antes autorizada pela Presidente Dilma Roussef (em 15/09/2013), foi suspensa por no mínimo 120 dias. No local, serão construída as Trump Towers, do magnata Donald Trump, já citado. Fonte: http://pelamoradia.wordpress.com/2013/09/19/quilombo-das-guerreiras-garante-vitoria-parcial-ereintegracao-e-suspensa-por-120-dias-rj/ Para o Poder Público, a Vila Autódromo, localizada no bairro de Jacarépaguá, impediria que fosse construído o Parque Olímpico, principal complexo esportivo para 2016. Em um tacanho rompimento de responsabilidade do Estado (uma vez que o mesmo deu títulos de posse válidos por 99 anos), a Prefeitura insistia com o plano, e a remoção completa estava prevista para 2014. Entretanto, um plano popular alternativo de urbanização da região foi construído coletivamente e apresentado à Prefeitura, que voltou

43 vitórias consideráveis frente ao processo de remoção estipulado pelo Capital. Portanto, a análise do Plano Estratégico da cidade torna-se de suma importância para a compreensão do projeto de cidade em vias de fato; por mais antidemocrático que este seja, como será observado a seguir, o mesmo representa o interesse de determinada parcela da população – a minoria que, entretanto, é aquela de maior poder aquisitivo e de maior influência social e política na cidade – de "destacada posição na Sociedade, seja por seu conhecimento das questões de nosso município, seja por sua contribuição pessoal ou profissional para a evolução de nossa cidade.”62 Seria este mesmo plano que possibilitaria "abrir alas" ao Capital, permitindo que tal projeto e a efetividade do legado se concretizem.

62

atrás e não irá mais realizar a remoção. Fonte: http://comunidadevilaautodromo.blogspot.com.br/2013/08/avila-autodromo-vive_9.html Fonte: http://www.conselhodacidade.com

44

5. ACERCA DO PLANO ESTRATÉGICO DA CIDADE

Uma gestão da cidade que embase seu trabalho de forma democrática deveria fazer com que a cidade e a propriedade exerçam sua função social estipuladas pela Constituição Federal de 1988. Fruto da articulação dos movimentos sociais pela Reforma Urbana, o Plano Diretor seria, de acordo com o artigo nº 40 do Plano Diretor “o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana"63 para os municípios com mais de 20.000 habitatantes. Cabe ao poder público a responsabilidade em cumpri-la, tendo em vista a “inclusão territorial e a diminuição das desigualdades, expressas na maioria das cidades brasileiras por meio das irregularidades fundiárias, da segregação sócio-espacial e da degradação ambiental.” (SANTOS JUNIOR, 2011 p.14) assim como a melhora na oferta de serviços públicos e, por fim, assegurar uma melhor qualidade de vida para sua população. Tratar do tema da gestão democrática da cidade – ou, da falta dela – de acordo com o Plano Diretor (inclusive dos espaços públicos), requer uma breve pincelada sobre o tema dos Conselhos Municipais. O Conselho da Cidade, por exemplo, como instância de gestão democrática e órgão consultivo e deliberativo, criado pelo Decreto no 5.790, de 25 de maio de 2006 pelo Ministério das Cidades –, teria como parte de suas atribuições: “(...) emitir orientações e recomendações sobre a aplicação do Estatuto da Cidade e propor diretrizes para a formulação e implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano – PNDU, em consonância com o disposto no Estatuto e nas resoluções aprovadas pelas Conferências Nacionais das Cidades”. (idem)

Tais conselhos são espaços públicos relativos à aplicação de políticas públicas no município. É um espaço efetivo de participação popular, dando oportunidade à sociedade civil de gerir, juntamente ao Estado e às iniciativas 63

Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm

45 privadas, as políticas públicas em curso. De acordo com o Portal da Transparência do Governo Federal, "O controle social pode ser feito individualmente, por qualquer cidadão, ou por um grupo de pessoas. Os conselhos gestores de políticas públicas são canais efetivos de participação, que permitem estabelecer uma sociedade na qual a cidadania deixe de ser apenas um direito, mas uma realidade. A importância dos conselhos está no seu papel de fortalecimento da participação democrática da população na formulação e implementação de políticas públicas. Os conselhos são espaços públicos de composição plural e paritária entre Estado e sociedade civil, de natureza deliberativa e consultiva, cuja função é formular e controlar a execução das políticas públicas setoriais. Os conselhos são o principal canal de participação popular encontrada nas três 64 instâncias de governo (federal, estadual e municipal).”

Este é o modelo ideal de Conselho da Cidade, representativo, democrático, consultivo e deliberativo, que é realidade em diversas cidades do Estado. Entretanto, não é este o modelo no Rio de Janeiro. Em um contexto de macicos investimentos nacionais e internacionais, onde a cidade é a que mais os atrai, não há uma gestão democrática da cidade, onde a população possa participar e construir o projeto de cidade. As reuniões não são abertas ao público, são de caráter consultivo e os membros

foram

"convidados

Estratégico da Casa Civil.”

65

pela

equipe

de

Planejamento

(todavia, o Prefeito Eduardo Paes defende que o

Conselho "é uma forma de transparência na administração e de estabelecermos uma ponte com a cidade."66). De acordo com o site oficial do Conselho da Cidade do Rio de Janeiro, o mesmo conta com 150 integrantes. São alguns deles: Roberto Dinamite, presidente do Vasco, Patrícia Amorim, ex presidente do Flamengo, Ricardo Teixeira, ex presidente da CBF, Ricardo Vieiralves, reitor da UERJ, Pedro Buarque de Hollanda, sócio-presidente da Conspiração Filmes, Mariano Beltrame, Secretário de Segurança Pública do Estado, Roberta Medina, produtora de eventos e vicepresidente da empresa ligada ao Rock in Rio de Janeiro, Guilherme Laager , Diretor Da Jbs-Friboi, Hélcio Tokeshi, diretor-geral da Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP),67 Vik Muniz, artista plástico, Philip Carruthers, diretor64

65 66 67

Fonte: Portal da Transparência. http://www.portaldatransparencia.gov.br/controleSocial/ConselhosMunicipaiseControleSocial.asp Informações repassadas a mim via e-mail através de uma assistente da Secretaria Municipal da Casa Civil. Fonte: Prefeitura do Rio de Janeiro. http://www.rio.rj.gov.br/web/guest/exibeconteudo?article-id=3678506 Segundo site da própria empresa, Tokeshi “trabalhou em instituições como Banco Mundial, em Washington, Ministério da Fazenda e a consultoria empresarial McKinsey & Company, onde chegou a ser sócio

46 superintendente do Copacabana Palace e mais alto executivo da Orient-Express no Brasil, Ricardo Cravo Albin, musicólogo, Pedro de Lamare, presidente do SindRio (Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro), José Isaac Peres, sócio fundador da Multiplan ("a Multiplan é uma das líderes em faturamento e receitas no setor de shopping centers"), Luiz Erlanger, diretor Central Globo de Comunicação, José Marcio Camargo (professor do Depto. de Economia da PUC/Rio e economista da Opus Gestão de Recursos

- "Gestão personalizada

para pessoas físicas de alta renda, pessoas jurídicas e investidores institucionais"), Alfredo Lopes (“o Soldado da Hotelaria Carioca”, como se autodenomina), Presidente da ABIH / RJ — Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Estado do Rio de Janeiro, Antônio Dias Leite, criador do Multicanal, (que se transformou na NET, depois da venda às Organizações Globo) e do Shoptime,68 Alberto Sicupira, (10o homem mais rico do Brasil, dono da 3G Capital, dona da Inbev, Heinz, Burger King, entre outros)69, André Eppighaus, um dos criadores da empresa de marketing político "Prole" - "Influênciar a opinião pública é a razão de ser da Prole" (chamada da empresa), Felipe Goes, Secretário de desenvolvimento da cidade do Rio De Janeiro70, dentre outros.71 De acordo com o site do ConCidade do Rio de Janeiro, esses integrantes seriam de “destacada posição na Sociedade, seja por seu conhecimento das questões de nosso município, seja por sua contribuição pessoal ou profissional para

associado, antes de assumir a diretoria-geral da Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP). Na McKinsey, Helcio se especializou em estratégia regulatória e setores de infraestrutura, com foco em energia.” A McKinsey & Company, juntamente com a Casa Civil e o Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG), foi quem fez a conclusão dos dados recolhidos em pesquisa encomendada ao IBOPE para incorporar o Plano Estratégico da cidade. Tais dados podem ser acessados através da página http://www.rio.rj.gov.br/web/guest/exibeconteudo?article-id=2384740. 68 “Os frutos da Macal”, Isto É Dinheiro. Disponível em: http://www.terra.com.br/istoedinheirotemp/166/negocios/neg_frutos_macal.htm. Acessado em: 14/08/2013. 69 Fonte: Forbes. Disponível em: http://www.forbes.com/profile/carlos-alberto-sicupira/. 70 “Felipe Góes iniciou sua trajetória na equipe do Prefeito Eduardo Paes em janeiro de 2009, acumulando os cargos de Presidente do Instituto Pereira Passos, do Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico (COMUDES)e de Secretário de Desenvolvimento do Rio. Sua área de atuação é atração de investimentos para a cidade, particularmente na atração e retenção de investimentos da iniciativa privada na cidade. Um exemplo de projeto sob sua responsabilidade é o Porto Maravilha. Formado em Administração de Empresas pela PUC/RJ (1995), tem MBA pela Universidade de Michigan, nos EUA (1999). Desde então, atuou primeiro como consultor, depois como sócio da empresa de consultoria McKinsey, ficando na empresa até dezembro de 2008. Ali, seu foco de atuação foi em planejamento estratégico no Brasil, Europa e EUA, fixando-se em particular nos setores financeiro e de telecomunicações. Também fez projetos na área de desenvolvimento econômico.” Fonte: http://www.corpevents.com.br/congressocorporativo/index.php?option=com_content&view=article&id=45:f elipe-goes&catid=5 71

A lista completa dos 150 conselheiros está disponível em http://www.conselhodacidade.com/conselheiros

47 a evolução de nossa cidade”72. Entre acadêmicos, profissionais liberais e artistas da maior emissora de TV do país, encontra-se, na listagem, o nome de empresários ligados a grandes corporações, mas não de lideranças comunitárias.73 Porém, como já dito anteriormente, as reuniões no Conselho não são abertas ao público, e seus membros não foram eleitos democraticamente, e sim, convidados pela Casa Civil. O delineamento de tal Conselho, construído como um projeto de cidade, com metas a atingir até 2016, aponta para o que Luis Cesar de Queiroz Ribeiro e Orlando Alves dos Santos Junior, no artigo "Desafios da Questão Urbana na Perspectiva do Direito à Cidade" (2011), chamam de "empresariamento urbano", numa conjugação de interesses tais como "empresas de consultoria (em projetos, pesquisas e arquitetura), empresas de produção e consumo dos serviços turísticos, empresas bancárias e financeiras especializadas no crédito imobiliário, empresas de promoção de eventos, entre outros" (p. 14) – interesses, estes, todos representados na figura dos conselheiros convidados. Tal lógica seria "impulsionada pelo surgimento do complexo circuito internacional de acumulação e dos agentes econômicos e políticos organizados em torno da transformação das cidades em projetos especulativos fundados na parceria público-privado, conforme descreveu David Harvey" (idem) – projeto, este, em vias de fato na cidade. Ainda nos diz Luis Cesar e Orlando: "Essa lógica lidera e hegemoniza a nova coalizão urbana, integrada também por parcelas das demais lógicas, o clientelismo, o patrimonialismo e corporativismo, resultando em um padrão de governança urbana bastante peculiar, onde o planejamento, a regulação e a rotina das ações são substituídos por um padrão de intervenção por exceção, com os órgãos da administração pública e canais institucionais de participação crescentemente fragilizados". (pp.14 e 15).

A análise dos autores joga luz sobre as sombras que parecem envolver todo o projeto de cidade que está sendo implementado à revelia da população. Ao que tudo indica, apenas interesses privados e corporativos estão sendo defendidos neste Conselho. Se fosse feito um levantamento mais extenso do perfil dos conselheiros, perceber-se-ia que grande parte da iniciativa privada faz parte da lógica apontada por Luis César e Orlando Alves, que causaria uma sobreposição dos mecanismos de participação popular; aparentemente, no que concerne à sociedade civil, apenas cidadãos ligados à arte e cultura, tal qual o futebol, além de intelectuais liberais, 72 73

Fonte: http://www.conselhodacidade.com/ Talvez, com exceção de José Júnior, idealizador do Afro Reggae.

48 fariam parte de interesses coletivos. Quais seriam as contribuições de Fernanda Montenegro, por exemplo, na construção do projeto de cidade – para além da participação de um comercial sobre o Rock In Rio, desenvolvida pela Artplan, de Roberto Medina?74 Qual é a relevância da presença dos presidentes (e ex presidentes) dos 4 maiores clubes de futebol do Rio de Janeiro no Conselho para o mesmo projeto? Qual é a contribuição no processo de democratização do espaço e dos bens públicos de promoters de festas e dos formadores de opinião da maior rede de televisão, rádio e revista do país? A partir desta análise, pode-se supor que na cidade do Rio de Janeiro, em tese, não há uma gestão democrática e participativa, tendo em vista o cunho extremamente antidemocrático e quais interesses estão aí sendo representados, consultados e defendidos à revelia dos interesses da população 75. Configura-se como um dos maiores entraves ao efetivo Direito à Cidade e seus três princípios: "o exercício pleno da cidadania, a gestão democrática da cidade e a função social da propriedade privada" (BUONFIGLIO, 2007, p.270).

74

75

“Fernanda Montenegro: estrela do Rock In Rio”. Veja, 08/06/2013. Disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/gps/musica/fernanda-montenegro-estrela-do-rock-in-rio/. Acessado em: 14/08/2013. O COMPUR – Conselho Municipal de Planejamento Urbano - é o que há de mais próximo de uma construção democrática de políticas públicas referentes à cidade. Foi criado em 2005 e através de decreto de 2011 designa a seguinte nova composição. As entidades que fazem parte do COMPUR são: i) Entidades afins do Planejamento urbano: Sindicato dos Engenheiros do Estado do Rio de Janeiro – SENGE, Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB-RJ, Sociedade dos Engenheiros e Arquitetos do Estado do Rio de Janeiro – SEAERJ, Associação dos Escritórios de Arquitetura do Rio de Janeiro – ASBEA, Clube de Engenharia; ii) Entidades comunitárias: Conselho de Moradores de Loteamento – CML-RJ, Federação das Associações de Moradores do Município do Rio de Janeiro – FAMRIO, Federação das Associações das Favelas – FAFERJ; iii) Câmara Municipal do Rio de Janeiro: Titular: Vereador Chiquinho Brazão e Suplente: Vereador Carlo Caiado; iv) Órgãos municipais: praticamente todas as secretarias da Prefeitura, como Obras, Urbanismo, Cultura, Transporte, Meio Ambiente, etc. Todas as informações foram retiradas do site da Prefeitura. Fonte: http://www2.rio.rj.gov.br/smu/compur/compur.html

49

6. À GUISA DE CONCLUSÃO: LUTA CONTRA A CIDADE PASTEURIZADA, A FAVOR DA CIDADE DEMOCRATIZADA.

Os problemas sociais que encontramos no Brasil são frutos de desigualdades históricas. Sucessivos governos que não tiveram a capacidade de formular políticas públicas adequadas ao povo e ao território, de forma com que pudesse diminuir a concentração de renda e/ou ampliar e distribuir direitos fazendo um uso justo do território urbano. Esta é uma questão histórica, logo, deve ser compreendida de forma retrospectiva para compreendermos o presente. Isto significa perceber, antes de tudo, que os que participaram da vida política à época eram homens de seu tempo, adequados em sua contemporaneidade de acordo com suas possibilidades e perspectivas, tanto objetivas quanto subjetivas. Sendo assim, para tratar das problemáticas da questão urbana do Brasil contemporâneo, seria necessária uma visão transversal, em sentido duplo: 1) a partir dos indivíduos em sua participação cotidiana, 2) das redes sociais que se estabelecem, se fortalecem, se rompem e se renovam; 3) da forma como essas redes dialogam com as instituições (e vice-versa); 4) como se comportam as relações de poder, até seu efeito retroativo sobre os indivíduos, atingindo sua percepção sobre o mesmo. Para compreender o país no contexto internacional, tornar-se-ia necessário dar conta das relações de poder que estão movimentando as reformas pelas quais a cidade do Rio de Janeiro e, em diferentes níveis, todo o Estado, estão passando. O dinheiro como um novo Deus76, como nos diz Agamben, está acima de tudo e de todos. Tal qual a epígrafe do heterônimo de Fernando Pessoa, pode ser 76

Fonte: http://blogdaboitempo.com.br/2012/08/31/deus-nao-morreu-ele-tornou-se-dinheiro-entrevista-comgiorgio-agamben/

50 comparado a um dos “deuses dos deuses”

que regem toda a indiferença e o

esquecimento (ou, toda a falsidade) de governos que se dizem democráticos. A política democrática, em sua forma atual, nada mais é do que um Estado de Exceção, prolongado já há décadas. A constante crise que enfrentamos – não só financeira, mas a política, social e ambiental – é um claro sinal de que as formas de poder que conhecemos não mais dão conta da realidade em que nos encontramos. O mundo transformou-se – as formas como os homens se relacionam entre si e as instituições se transformaram. Para além dos valores que estão em voga ou os que estão sendo impostos, o colapso em que a política democrática liberal mostra-se iminente, de diferentes formas, em diversos países. O Rio de Janeiro é um dos mais claros exemplos da atual política não só brasileira, mas também um retrato da derrocada do sistema político democrático, pelo menos como pensávamos conhecê-lo em terra brasillis (já que tivemos Estados de Exceção Militares por quase metade do século passado). A gestão democrática da cidade mostra-se frágil, enquanto as políticas públicas adotadas sofrem maior represália da sociedade civil. A constante violação de direitos humanos, a guerra ao tráfico, que é perniciosa para toda a sociedade e a criminalização da pobreza estão intrincadas em uma lógica onde o imperativo é englobar a tudo, a qualquer preço, esquecendo-se de uma população de mais de 16,03 milhões de pessoas no Estado – pois as políticas aqui adotadas afetam a todo o Estado, em função de sua projeção nacional (e internacional) e recepção de investimentos maciços. Nesta lógica predomina a manutenção da fossa social que separa ricos de pobres; separa os que podem desfrutar de espaços públicos com segurança e de bens públicos de qualidade e aqueles que ali não podem simplesmente estar. Aumenta a distância entre os que poderiam usufruir de tais espaços (espaços estes turísticos ou históricos) – mas não o fazem em função de um custo de vida 77 cada vez mais caro para esta parcela da população (que carece de políticas urbanas e sociais), e aqueles que são privilegiados ao acesso e usufruto desses espaços. Percebe-se nas redes sociais uma ebulição de denúncias contra as políticas urbanas adotadas pelas gestões do Prefeito da Cidade e do Governador do Estado. “Se os homens definem 77

A lógica do custo benefício às vezes não sai em conta. Entretanto, o Guia Planet, famoso guia internacional, aponta o Rio de Janeiro em 2013 como “o ano” para visitar “praias e simbólicos pontos turísticos”. Rio de Janeiro é eleito destino turístico com melhor custo benefício em 2013. BBC Brasil, 24/10/12. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/10/121022_lonelyplanet_pai.shtml. Acessado em: 07/06/2013.

51 situações como reais, elas são reais em suas consequências”. Esta frase de William Thomas serve como um pano de fundo para todas as denúncias apontadas tanto nas redes sociais como em Dossiês realizados pela própria população – à exemplo do Direito à Moradia, das Remoções, etc, que apontam efeitos perversos sobre a população e levanta uma questão que tem sido amplamente discutida em ambiente acadêmico (e que precisa chegar à sociedade): “Legado para quem?”. Mas, pensar o legado é pensar pós-2016. Que cidade teremos em 2017, quando todas as câmeras da imprensa internacional se afastarem? A ordem – expressão de cunho militar, emergencial, entre várias outras – tratada neste trabalho é um dos legados que a Prefeitura quer deixar para a população78: quanto maior o controle sobre o espaço público, maior o controle da violência urbana. Entretanto, este controle é dado de forma que vem a coibir uma subsistência complementar (ou, o “expediente de sobrevivência” dito por Vera da Silva Telles) de pessoas que veem-se frente ao mercado informal. Esta prática com um peso e duas medidas – tanto em sua aplicação geográfica, quanto ao seu alvo – serve apenas para reforçar a fossa social entre os que podem frequentar determinados espaços, que os utilizam para explorar seus potenciais econômicos e turísticos, inclusive artísticos79, e aqueles que são coagidos e até mesmo impedidos de fazerem o mesmo. A repressão por parte da Prefeitura através do órgão da Secretaria Especial de Ordem Pública à uma parcela da população que trabalha nas ruas diariamente80 seria uma prática de higienização social, já que demonstra certa arbitrariedade da Secretaria com os alvos que sofrem com tais políticas de controle do espaço urbano e que, inclusive, como demonstrado na análise dos jornais de bairro, é apoiada e ansiada por parte da sociedade civil organizada. 78

79

80

Durante a apresentação do projeto das Unidades de Ordem Público, o Prefeito Eduardo Paes disse que os megaeventos “permite avançar em direção a novos padrões de comportamento tanto da população quanto do poder público.” Como se pode perceber, há uma tentativa impositiva de incutir uma determinada cultura civilizada. Fonte: Prefeitura do Rio de Janeiro, 2011. Acessível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/gmrio/exibeconteudo?article-id=1456169 A Coca Cola foi patrocinadora oficial da Copa das Confederações deste ano, que se realizou no Rio de Janeiro, e também da Copa do Mundo de 2014. Uma das estratégias utilizadas pela empresa foi disponibilizar em seu site um stencil para “Colorir sua rua”. Entretanto, as intervenções urbanas populares através de grafittis são estigmatizados e criminalizados. “Prefeitura manda apagar obra de arte em parede de viaduto na Zona Sul do Rio”. Correio do Brasil, 28/05/2013. Disponível em: http://correiodobrasil.com.br/destaque-do-dia/prefeitura-manda-apagar-obra-de-arte-em-parede-de-viadutona-zona-sul-do-rio/613939/. Acessado em: 07/06/2013. Muitas vezes, sem poder voltar para casa, dormem nas ruas. “No mundo da rua”, Isto É Independente, 10/01/13. Disponível em http://www.istoe.com.br/reportagens/22244_NO+MUNDO+DA+RUA. Acessado em: 07/06/13.

52 Para além disso, a gestão democrática da cidade é posta em xeque quando os membros do Conselho da Cidade parecem não representar a parcela mais interessada em construir uma cidade democrática: a própria sociedade civil, que usufrui, produz e altera a função do espaço urbano de acordo com o desenvolvimento das sociabilidades. A ideia de Direito à Cidade, cunhada por Henri Lefebvre81, trata-se de “uma dinâmica que permite lidar com uma perspectiva histórica e filosófica do lugar social da cidade: obra humana” (LEFEBVRE, 2004, apud BUONFIGLIO, 2007, p.267). Ou seja: seria a capacidade de se construir uma cidade nascida da obra humana em seu sentido cotidiano, fomentando um diálogo com as propostas de gestão da cidade (idem, p. 268). Leda Velloso Buonfiglio, no artigo “O 'direito à cidade' apropriado: da utopia dos sem-teto ao modelo de gestão do Estado” introduz uma pergunta cabal à compreensão dos limites da cidade capitalista: “Mas que direito é este que surge na contramão da História senão uma necessidade humana radical (CARLOS, 2005)? Até onde poderá o Estado gerir um direito que esbarre na propriedade privada, pilar da sociedade capitalista? Como explicita RODRIGUES (2006): qual é o direito à cidade no mundo capitalista?” (BUONFIGLIO, 2007, p. 268).

Preferencialmente, para David Harvey, este Direito à Cidade “…é o direito de mudar a cidade mais de acordo com o desejo de nossos corações (…) A questão do tipo de cidade que desejamos é inseparável da questão do tipo de pessoas que desejamos nos tornar. A liberdade de fazer e refazer a nós mesmo e a nossas cidades dessa maneira é, sustento, um 82 dos mais preciosos de todos os direitos humanos.”

Entretanto, a gestão da cidade do Rio de Janeiro sob a análise da instância do Plano Estretégico criado pelo Conselho da Cidade demonstram que ele tem as condições necessárias para assegurar “a dominação organizada e duradoura da metrópole” (BUNFLOGIO, 2007, p.269): o modelo de gestão urbana baseado no urbanismo ad hoc, ou, o urbanismo moderno, com a flexibilização das leis83, concomitantemente com a divisão da hegemonia do Estado com o Capital, o que 81 82

83

Presente no original, lançado em 1968, como “Le droit à la ville”, pela Anthropos, em Paris. Trecho do artigo de David Harvey para o livro “Cidades Rebeldes”, de 2013, por conta das chamadas “Jornadas de Junho” no Brasil. Fonte: http://www.boitempoeditorial.com.br/livro_completo.php?isbn=97885-7559-341-7 Assim como a “Lei Geral da Copa”. O Ministério Público Federal considera a Lei institucional. “Ministério Público diz ser inconstitucional e tenta derrubar Lei Geral da Copa”. Portal UOL, 10/07/2013. Disponível em: http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2013/07/10/ministerio-publico-diz-serinconstitucional-e-tenta-derrubar-lei-geral-da-copa.htm. Acessado em: 14/08/2013.

53 geraria uma Democracia Direta do Capital, (VAINER, 2012) sem haver a defesa dos direitos que há séculos estão na pauta de diversas classes sociais do país e, contemporaneamente,

na

pauta

de

diversos

movimentos

sociais.

A

representatividade dos membros de tal conselho através de um “interesse particular e uma definição arbitrária do dever-ser da metrópole” (MARTINS, 2006, apud BUONFLIGIO, 2007, p.269) fazem parte do corpo de domínio das políticas públicas, em função “da constelação de poder (composições e alianças de partidos políticos e organizações da sociedade civil) que influencia predominantemente a ação do Estado” (SOUZA, 2004, apud BUONFLIGIO, 2007, p.273). O conteúdo social da agenda dos gestores da cidade do Rio de Janeiro, logo, seriam conservadoras, no sentido de não seguir rumos referentes à democratização, seja da política, seja dos espaços públicos tal qual demonstra esta monografia. O Direito à Cidade, independente da apropriação do seu discurso pelos movimentos sociais ou pelo poder público, é o cerne da questão relativa à gestão democrática das metrópoles e de todas as lutas que englobam a contraposição às políticas públicas que não visam o bem comum. O Direito à Cidade atrai pra si mesma direitos humanos, sociais e políticos – ou, um direito humano universal, protocolado pela Carta Mundial do Direito à Cidade84, sendo o espaço urbano, por excelência, o lócus para realizar a práxis democrática, ou, a obra do homem (LEFEBVRE, 2004, apud BUONFIGLIO, 2007, p.267). Segundo Martins,

O 'direito à cidade' e à cidadania é concebido como direito fundamental e concerne à participação dos habitantes das cidades na definição legítima do destino que estas devem seguir. Inclui o direito à terra, aos meios de subsistência, à moradia, ao saneamento ambiental, à saúde, à educação, ao transporte público, à alimentação, ao trabalho, ao lazer e à informação. Abrange ainda o respeito ás minorias, a pluralidade étnica, sexual e cultural e o usufruto de um espaço culturalmente rico e diversificado, sem distinções de gênero, etnia, raça, linguagem e crenças. (MARTINS: 2006, apud BUONFLIGIO, 2007, p. 273)

Sendo assim, toda a discussão realizada neste trabalho acerca do ordenamento do espaço urbano, a micro-gestão de populações e a própria 84

“O documento basicamente defende o direito de todas as pessoas a uma cidade sem discriminação de gênero, idade, raça, etnia e orientação política. Mas também garante aos cidadãos a participação, de forma direta e representativa, na elaboração, definição e fiscalização da implementação das políticas públicas e do orçamento municipal.” “Brasil adere à Carta Mundial das Cidades”. Carta Maior, 29/01/2005. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=10987. Acessado em: 11/08/2013.

54 implementação de um Estado de Exceção85 que usa de jargões militares em épocas de crise desemboca, consequentemente, na discussão sobre o Direito à Cidade. As perguntas “quem gere a cidade?”, “esta cidade é para quem?”, assim como “qual é o meu papel na cidade?”, são de suma importância para a compreensão do processo que tem se desenvolvido ao longo dos últimos anos (no caso, em nome dos megaeventos), assim como a percepção do lugar dos atores sociais em instâncias políticas na participação efetiva na construção da cidade. Para Manuel Castells, em artigo de 1989, “as reformas urbanas deverão ser aprofundadas até a superação da lógica estrutural da cidade capitalista” (CASTELLS, 1989, apud BUONFLIGIO, 2007, p.274). Isso significa que seria a reforma urbana que possibilitaria a superação da lógica capitalista, (que encontra entraves em seus pilares, tal qual a propriedade privada); seria o principal instrumento de participação popular (e de transformação social e, quiçá, de emancipação do homem), mas não sem antes expandir as lutas pela expansão e democratização de direitos. Então, como efetivar a reforma urbana e consequentemente a superação da lógica capitalista dentro da cidade? Uma hipótese que levanto, para possíveis futuros trabalhos, seria tal superação através da democratização à rede mundial de computadores, e sua institucionalização em forma de participação popular política. Mas, sem uma confusão entre técnica e capacidade: pois o mero acesso democratizado às redes (em sua materialidade) não possibilitaria uma participação política e horizontal na construção de políticas públicas, em sua forma democrática; o que conformaria a efetividade da participação política numa democracia 2.0 perpassaria, para além de uma educação crescentemente interdisciplinar, uma real democratização de direitos e experiências sócio-cognitivas para ação e interpretação do mundo e em sua efetiva consequência na sociedade. O sociólogo Pierre Levy, em seu livro Cibercultura, de 1997, já apresentava 85

Em meio a diversas denúncias internacionais referentes à programas de espionagem ao redor do mundo, o Governador do Estado, Sérgio Cabral, criou um decreto para a criação de uma Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas – o CEIV. Diante da péssima repercussão, houve alteração do decreto, entretanto, o perigo de se instalar um vigilantismo sobre cidadãos continua presente. “Governo do Rio altera decreto de criação da CEIV”. Revista Exame, 26/07/2013. Disponível em: http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/governo-do-rio-altera-decreto-de-criacao-da-ceiv. Acessado em: 11/08/2013.

55 esta alternativa para a participação popular na construção da cidade. Para o autor, o ciberespaço seria “um sistema aberto de autocartografia dinâmica do real, de expressão das singularidades, de elaboração dos problemas, de confecção do laço social pela aprendizagem recíproca, e de livre navegação nos saberes” (LEVY, 1997, pp. 200-201). O acesso a tal ferramenta somente seria eficaz se se o mesmo fosse ligado aos processos de inteligência coletiva, referenciando-se ao sistema supracitado. Vale lembrar que o mero acesso ao meio não seria capaz de realizar uma mudança na participação efetiva da sociedade. O autor ainda sugere que “uma nova orientação das políticas de planejamento do território nas grandes metrópoles poderia apoiar-se nas potencialidades do ciberespaço a fim de encorajar as dinâmicas de reconstituição do laço social, desburocratizar as administrações, otimizar em tempo real os recursos e equipamentos da cidade, experimentar novas práticas democráticas”. (LEVY, 1997, p.190)

Tal potencialidade das redes, na construção coletiva da sociedade civil, governos e iniciativas privadas, poderia fomentar novas formas gestionárias de políticas públicas. Diz ainda Levy que

“A verdadeira democracia eletrônica consiste em encorajar, tanto quanto possível […], a expressão e a elaboração dos problemas das cidades pelos próprios

cidadãos, a

auto-organização das

comunidades

locais, a

participação nas deliberações por parte dos grupos diretamente afetados pelas decisões, a transparência das políticas públicas e sua avaliação pelos cidadão”. (idem)

Isso significa que há uma diferença entre o simples acesso à rede durante eleições, com chances mínimas de atenderem a milhares de pedidos via correio eletrônico de um candidato, ou votar em uma enquete do partido político, e a real efetividade da participação popular no processo democrático como dita acima pelo sociólogo. A relação entre a cidade e o ciberespaço está cada dia mais evidente, em termos de participação popular das recentes manifestações e o “choque” do Governo dos Estados Unidos e das grandes corporações com o impacto do vazamento de dados na rede, feitos por Julian Assange, Bradley Manning e Edward Snowden. Tratar-se-ia, essencialmente, de se utilizar das redes de comunicação para a

56

“reconstituição da sociabilidade urbana, à autogestão da cidade por seus habitantes e ao controle em tempo real dos equipamentos coletivos, em vez de substituir a diversidade concentrada, as aproximações físicas e os encontros humanos diretos que constituem, mais do que nunca, a principal atração das cidades”. (idem, p. 195).

Sendo assim, há a premente necessidade de se pensar a cidade em termos que se adequem ao movimento sociopolítico em que nos encontramos e que nos apresenta como uma alternativa, com uma necessária análise crítica do sistema representativo atual e do que nos é possível. Realizar a ruptura/processo da democracia representativa para a democracia direta pode vir a ser a forma pela qual a sociedade possa de fato participar ativamente da política, praticando-a diariamente em espaços legítimos – tanto fisicamente quanto virtualmente. Pois a dicotomia real versus virtual está por cair à terra, uma vez que torna-se cada vez mais incontestável a interrelação entre os dois âmbitos, que formam e conformam um ao outro. A sensibilização popular no tocante à empatia, por exemplo, durante as manifestações de Junho no país inteiro, foi fomentada graças a relatos diversos – ou, às multinarrativas – feitos na rede referentes aos acontecimentos, após a demonstração da violência e arbitrariedade das forças do Estado (atingindo, inclusive, repórteres da grande mídia, o que fomentou o processo e que tem diversas implicações e criando uma imaginária "democratização da violência"86). Mais uma vez, a discussão acerca do Direito à Cidade e à gestão democrática da cidade servem como pano de fundo para as recentes manifestações no país: a 86

O mote cunhado durante as Manifestações de Junho (e que se perpetuaram) de “A polícia que reprime no asfalto é a mesma que mata na favela” serve de reflexão para a imaginária “democratização da violência” (Estatal) – ou seja, ela seria imaginária, pois a repressão sentida durante as Manifestações não é a mesma que diariamente é sentida por milhares de pessoas. Aqui, vale uma ressalva acerca do Estado de Exceção em voga: este, da forma com a qual estamos acostumados a interpretar, é não-institucionalizado, e perceber isto é imprescindível para a contextualização e interpretação do mesmo, assim como para sua afirmação (ou não). Não é levado em conta os termos em entrelinhas do Estado de Exceção – que seria o mesmo presente no campo simbólico e subjetivo. No Brasil, não existem mais decretos, tal qual o da recente Ditadura Militar, mas sim, ajustes às Leis, que permitem que um sentimento de perda de direitos (até então garantidos apenas teoricamente por Constituição) seja sentido coletivamente. Por mais que os direitos não sejam retirados coletivamente em uma forma institucional, ele tem se dado, em primeiro lugar, através das camadas que são vistas como indesejadas na sociedade, quando não agem de acordo com leis civilizatórias; por conseguinte, agem dispositivamente em questões relacionadas à direitos humanos fundamentas – tal qual a presunção de inocência, a igualdade de direitos. Temas em voga como o vigilantismo na Internet e sua necessária neutralidade e anonimato para a garantia de direitos, a impossibilidade de se trajar máscara em manifestações, o vigilantismo já presente com a dita Comissão Especial de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas (CEIV) e a constante quebra de direitos sociais e políticos seriam uma forma "amenizada", porém, não menos pior, de um real Estado de Exceção.

57 necessidade de garantias à participação popular na formulação das políticas públicas e respeito aos direitos humanos, e, especificamente, ao direito à cidade estão mais em voga do que nunca. Afinal de contas, são destes direitos, defendidos pelo Brasil na Carta do Direito à Cidade, que o Brasil é signatário da ONU e que deveria manter-se fiel ao que, em nome da sociedade brasileira, se propôs à comunidade internacional, e, antes e acima disso, da responsabilidade que tem com os que representa. Para quem e onde não há justiça, não há lei para os órgãos competentes à ordem na cidade do Rio de Janeiro.87 Ela segue à risca um dos pilares do capitalismo: o direito à propriedade privada; entretanto, sua sugestão para a questão seria sua democratização, e não sua privatização, tal qual ocorre no Rio de Janeiro e em outras cidades do país, em especial, as que serão anfitriãs da Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Porquanto não haja a descentralização do poder - seja da mídia, dos órgãos de segurança pública, do direito à terra, dos direitos humanos, sociais e políticos -, haverá supressão de direitos, pois os órgãos do poder público e da representação política não o carregam consigo. Agem de acordo com leis dispositivas – isto é, aquelas que servem de “ambivalente” nas relações de poder, aplicadas para atingir determinado fim: no que se refere a esta monografia, demonstra que servem para a manutenção de uma ordem, em seu sentido de processo civilizatório e excludente, perpetuados desde o fim do século XIX, no Brasil, senão de muitos séculos atrás e, especificamente, para os megaeventos.

87

“Não há direitos humanos em favelas e tribos indígenas do Brasil, diz Anistia”, BBC Brasil, 10/08/2013. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/08/130810_anistia_favelas_dg.shtml?ocid=socialflow_faceb ook_brasil. Acessado em: 11/0/2013.

58

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Santa Catarina, Ed. Argos, 2009.

BENCHIMOL, J. Pereira Passos: um Haussmann Tropical. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1990.

BUONFIGLIO, Leda Velloso. O 'direito à cidade' apropriado: da utopia dos sem teto ao modelo de gestão do Estado. Anais do II Seminário nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia. 2007.

BURKT, L. G. ; FUJIMOTO, N. S. V. M. . A Cidade real supera a cidade legal? Um estudo sobre a bacia hidrográfica do arroio do Salso, Porto Alegre/RS. In: 12o Encontro de Geógrafos da Mérica Latina, 2009, Montevideo. 12o Encontro de Geógrafos da América Latina. Montevideo, 2009.

CUNHA, Christina Vital da. A cidade para os civilizados: Significados da ordem pública em contextos de violência urbana. Revista Dilemas, vol. 5 – nº2 – Abril, maio, junho – 2012.

ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1993.

______. e John Scotson, Estabelecidos e Outsiders, 1994, Ed. Zahar.

GARCIA, Antônia dos Santos. Desigualdades raciais e segregação urbana em antigas capitais: Salvador, cidade D'Oxum e Rio de Janeiro, cidade de Ogum. Rio de Janeiro : Garamond, 2009.

59

HIRATA, Daniel. A produção das cidades securitárias: polícia e política. Le Monde Diplomatique Brasil, 2011. Disponível em http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1123.

LEVY, Pierre. Cibercultura. Trad.: Carlos Irineu da Costa. São Paulo, Editora 34, 2011.

MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. (Org.): Vida sob cerco: Violência e Rotina nas favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2008. NOGUEIRA, M. A. Apresentação ao artigo “A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura, de Pierre Bourdieu”. Educação em Revista, Belo Horizonte, dez. 1989, no 10.

PORTO, Maria Stella Grossi, Sociologia da Violência, Verbena Editora. 2010.

CARVALHO, Edward Rocha de. COUTNHO, Jacinto Nelson de Miranda. Teoria das Janelas Quebradas: E se a pedra vem de dentro? Portal de e-governo, inclusão digital e sociedade do conhecimento, UFSC, 2011. Disponível em: http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/11716-11716-1-PB.htm

SANTOS JUNIOR, Orlando Alves. Os planos diretores municipais pós-estatudo da cidade: balanço crítico e perspectivas / Orlando Alves dos Santos Junior, Daniel Todtmann Montandon (orgs.). – Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Cidades: IPPUR/UFRJ, 2011.

______ . RIBEIRO, Luis Cesar de Queiroz. Desafios da Questão Urbana na Perspectiva do Direito à Cidade. Le Monde Diplomatique Brasil, abril de 2011.

TELLES, Vera da Silva. HIRATA, Daniel. Cidades e práticas urbanas: nas fronteiras incertas entre o ilegal, o informal e o ilícito. 31º Encontro Anual da ANPOCS, outubro de 2007.

SANTOS, Milton. A Cidade Global. Folha de S. Paulo, 13 de abril de 1997.

SEVCENKO, Nicolau. Literatura como Missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. 2ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. VAINER, Carlos. Cidade de Exceção: reflexões a partir do Rio de Janeiro. XIV

60 ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR . Maio de 2011.

VALLADARES, Licia. A gênese da favela carioca. A produção anterior às ciências sociais, in RBCS Vol. 15 no 44 outubro/2000

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.