DISSERTAÇÃO DE MESTRADO: ESTUDO HISTÓRICO E ORGANOLÓGICO EM TORNO DO ÓRGÃO DE TUBOS DE LARANJEIRAS (SE)

June 13, 2017 | Autor: Thais Rabelo | Categoria: Musicology, Historic Pipe Organ, Musicologia
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE MÚSICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

ESTUDO HISTÓRICO E ORGANOLÓGICO EM TORNO DO ÓRGÃO DE TUBOS DE LARANJEIRAS (SE)

THAIS FERNANDA VICENTE RABELO

Salvador 2014

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THAIS FERNANDA VICENTE RABELO

ESTUDO HISTÓRICO E ORGANOLÓGICO EM TORNO DO ÓRGÃO DE TUBOS DE LARANJEIRAS (SE)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Música da Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Música. Área de concentração: Musicologia Orientador: Prof. Dr. Pablo Sotuyo Blanco Co-Orientador: Prof. Dr. Marco Aurelio Brescia

Salvador 2014

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FICHA CATALOGRÁFICA

Ficha catalográfica R114 Rabelo, Thais Fernanda Vicente Estudo histórico e organológico em torno do órgão de tubos de Laranjeiras (SE) / Thais Fernanda Vicente Rabelo. - Salvador, 2014. xiii, 148 f.: il.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música da Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Música.

Orientador: Prof. Dr. Pablo Sotuyo Blanco Co-Orientador: Prof. Dr. Marco Aurelio Brescia

1.Órgão – História - Laranjeiras 2. Musicologia I. Título.

CDD 786.5

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FOLHA DE APROVAÇÃO

iv

Dedicado Ao Sacro Coração de Jesus, paciente e de muita misericórdia. Ao meu amado pai, in memoriam. A minha mãe, pelo grande incentivo à busca do conhecimento.

v

AGRADECIMENTOS A realização desta dissertação foi possível graças àqueles que a mim se somaram, auxiliando-me neste caminho por vezes árduo e certamente encantador que é o da pesquisa. Por esse motivo, agradeço de modo todo especial: A Deus, Criador e Eterno Pai, que tudo tornou possível em Sua infinita bondade. Aos meus caros professores Dr. Pablo Sotuyo Blanco, por me introduzir no universo da musicologia e orientar-me com tanta competência e dinamismo e Dr. Marco Brescia pelo crescimento científico que me proporcionou e por aumentar em mim o interesse pelo patrimônio organístico. Ao CNPq, pelo apoio material a mim concedido por meio da bolsa de mestrado. A Jair, meu esposo e companheiro de todas as horas, pelo carinho e grande apoio. A Quitéria, minha mãe, pela formação humana e grande incentivo ao estudo da música e à pesquisa. À Comunidade das Irmãs de Nossa Senhora de Sion de Aracaju (SE), na pessoa da Ir. Iraildes e de Salvador (BA) de modo particular à Ir. Valdete e Ir. Judith, por me terem acolhido gentilmente durante todo o mestrado, de maneira tão fraternal. Ao organista Evandro Bispo, pela atenção dispensada para com essa pesquisa e pelo material concedido. Aos descendentes do Barão de Laranjeiras - de modo particular ao Sr. Felisberto Freire por partilharem comigo da história de sua família. Ao Programa de Pós Graduação em Música da UFBA na pessoa de sua atual coordenadora, a Profª. Drª. Diana Santiago. Aos meus professores de mestrado, em especial ao Prof. Dr. Manuel Veiga pelas importantes considerações feitas à dissertação. Ao pároco da Matriz Sagrado Coração de Jesus de Laranjeiras, padre Renato Gomes Lima. À Cúria Metropolitana de Aracaju (SE). Ao Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Ao maestro Me. Daniel Nery, ao Prof. Dr. Christian A. Lisboa e ao Prof. Daniel Teixeira por todo auxílio e apoio. Aos meus caros colegas: Wellington, Amarilis, Gustavo e Marcus. A todos os que, direta ou indiretamente, auxiliaram-me na realização desta pesquisa os meus sinceros agradecimentos.

vi

À margem esquerda do rio Cotinguiba existia uma laranjeira, debaixo da qual os primitivos habitantes, cantando ao som da viola os amores felizes ou infelizes, descansavam do rigor do sol aguardando a hora das viagens. Laranjeiras nasceu aos acordes da música e entre as flores. Philadelpho Oliveira (2005, p. 49)

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RESUMO A presente dissertação apresenta um estudo sobre o órgão de tubos da Igreja Matriz do Sagrado Coração de Jesus, da cidade de Laranjeiras (SE). O estudo abordou tanto os aspectos históricos do instrumento como os aspectos organológicos do mesmo. Está fundamentado nas Ciências Humanas, de modo específico na História, na Musicologia e na Ciência da Informação. O órgão em questão trata-se de um instrumento inglês, de manufatura Bryceson, construído na segunda metade do século XIX e permanece em funcionamento, com certas limitações. O instrumento foi doado à Matriz de Laranjeiras pelo Senhor de Engenho Felisberto de Oliveira Freire, posteriormente Barão de Laranjeiras. A cidade de Laranjeiras, situada na região do Vale do Cotinguiba, a 18 km da capital Aracaju e banhada pelo rio Cotinguiba, é caracterizada como cidade histórica do Estado de Sergipe por sua atmosfera colonial, ilustrada pelas construções arquitetônicas. A cidade, que fora no século XIX o centro político, econômico e cultural do Estado, tinha sua economia concentrada na produção de cana de açúcar e, como representantes da aristocracia local, os Senhores de Engenho. A pesquisa permitiu a observação do órgão enquanto símbolo de poder, fato também evidenciado pelas doações de outros dois órgãos de tubos na região do Vale do Cotinguiba durante o Segundo Reinado. Através disso foi possível perceber que o mecenato nessa região seguiu um padrão que certamente levara em consideração a figura do órgão de tubos como meio de ratificação de poder econômico e/ou político. Além disso, no que tange à funcionalidade do órgão de Laranjeiras, afirma-se tratar de um instrumento de uso litúrgico, acompanhando as solenidades da matriz. O nome da musicista Euphrázia Guimarães também está associado ao instrumento, sendo ela a responsável pela atividade musical da matriz na primeira metade do século XX. Foi apresentada uma parte do repertório composto para o órgão referente ao Novenário do Sagrado Coração de Jesus (solenidade que encontra-se associada à sonoridade sóbria do órgão de tubos) e através deste repertório foi constatada a utilização de obras compostas por músicos da própria Laranjeiras, como Manoel Bahiense e Euphrázia Guimarães. Trata-se, portanto, de um órgão mais do que centenário; instrumento histórico que simboliza a busca dos terratenentes do passado pela ascensão politica, a relevância da cidade de Laranjeiras no contexto regional na segunda metade do século XIX, e cuja presença musical permite conhecer aspectos da organaria britânica no período romântico. Palavras chave: órgão histórico; Laranjeiras; Musicologia.

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ABSTRACT

This dissertation presents a study of the pipe organ at the main church of the "Sagrado Coração de Jesus" parish, in Laranjeiras, Sergipe. The study addressed both the historical and organological aspects of the instrument. It's grounded in the Humanities, specifically History, Musicology and Information Science. The pipe organ in question is an English instrument of Bryceson manufacturing, built in the second half of the 19th century and remains operational, with certain limitations. The instrument was donated to Laranjeiras' parish church by the sugar mill owner (senhor de engenho) Felisberto de Oliveira Freire, later appointed and entitled as Baron of Laranjeiras. The city of Laranjeiras, located in the Cotinguiba Valley region, 18 km from the capital Aracaju and bathed by the Cotinguiba river, is characterized as one of Sergipe's historical cities, due to its colonial atmosphere, illustrated by its architectural constructions. The city, an important political, economic and cultural center of the State during the 19th century, had its economy centered on sugar cane production, and the sugar mill owners as its local aristocracy representatives. This research allowed the understanding of the pipe organ as a symbol of power, also made evident by the donations of two other pipe organs in the Cotinguiba Valley region during the second half of the 19th century. Thus, it was possible to observe that the patronage in this region followed a pattern certainly considered the pipe organ as a means of economic and/or political power acknowledgement. Furthermore, regarding the functionality of Laranjeiras' pipe organ, it is an instrument of liturgical use, always playing its part at the parish main church's solemn events. The name of the musician Euphrázia Guimarães is also associated with this instrument, having being the one responsible for the parish main church's musical activity in the first half of the 20th century. Concerning the organ repertoire related to the Novena do Sagrado Coração de Jesus (solemnity which is frequently associated to the sober sonority of this pipe organ), only a portion of it is included. Among this repertoire it was observed some works composed by Laranjeiras' local musicians, such as Manoel Bahiense and Euphrázia Guimarães. It is, therefore, a more than centenary pipe organ; a historical instrument that symbolizes the pursuit of the influent landowners of the past for political ascension, the relevance of Laranjeiras city in the regional context during the second half of 19thcentury, and which musical presence makes the understanding of certain aspects related to romantic British organ making possible. Keywords: historic pipe organs; Laranjeiras; Musicology.

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LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Recorte do Mapa de Sergipe: detalhe do Vale do Cotinguiba ............................................. 57 Figura 2 - Retrato de Zizinha Guimarães, organista da matriz..............................................................60 Figura 3 - Placa de um órgão Bryceson semelhante à do instrumento de Laranjeiras .......................... 66 Figura 4 - Órgão instalado na igreja de St. James, Menangle ............................................................... 66 Figura 5 - Órgão da Matriz de Laranjeiras (SE).....................................................................................66 Figura 6 - Cônsul alemão Otto Schramm, segunda metade do século XIX.. ........................................ 74 Figura 7 - Colônia alemã em Maruim, segunda metade do século XIX ............................................... 74 Figura 8 - COELLO, Claudio. La Sagrada Forma ............................................................................... 76 Figura 9 - Retrato do Barão de Laranjeiras ........................................................................................... 80 Figura 10 – Programa do Novenário do Sagrado Coração de Jesus para o ano de 1954 ...................... 86 Figura 11 - Programa do Novenário do Sagrado Coração de Jesus para o ano de 1955 ....................... 87 Figura 12 – Fachada da matriz enfeitada para o Novenário do Sagrado Coração de Jesus .................. 89 Figura 13 - Interior da matriz: Ato Penitencial ..................................................................................... 89 Figura 14 - Interior da matriz: assembléia ............................................................................................ 90 Figura 15 - Organista e coro durante o Novenário do Sagrado Coração de Jesus ................................ 90 Figura 16 - Ladainha do Coração de Jesus. Composição de Manoel Bahiense .................................... 92 Figura 17 - Ladainha do Coração de Jesus. Composição de Manoel Bahiense .................................... 93 Figura 18 - Perdoai-nos A. Composição atribuída a Manoel Bahiense ................................................ 94 Figura 19 - Perdoa-nos A (Redução). Composição atribuída a Manoel Bahiense ................................ 95 Figura 20 - Perdoa-nos B. Composição atribuída a Manoel Bahiense .................................................. 96 Figura 21 - Ação de Graças. Composição atribuída a Zizinha Guimarães ........................................... 97 Figura 22 - DEBRET, Jean Baptiste. Estudo para a Sagração de D. Pedro I ...................................... 98 Figura 23 - DEBRET Jean-Baptiste. Segundo Casamento de D. Pedro I ............................................. 99 Figura 24 - AMERICO, Pedro. Casamento da Princesa Isabel ......................................................... 100 Figura 25 - MEIRELLES, Victor. Casamento da Princesa Isabel e Gastão de Orléans ................... 101 Figura 26 - Fachada do órgão da Matriz de Laranjeiras...................................................................... 102 Figura 27 - Consola do órgão de Laranjeiras: teclado manual e puxadores de registro. ..................... 104 Figura 28 - Tubos de fachada .............................................................................................................. 105 Figura 29 - Bordões: parte posterior do órgão .................................................................................... 105

x

Figura 30 - Pedaleira e pedal de expressão ......................................................................................... 106 Figura 31 - Tuberia interna.................................................................................................................. 106 Figura 32 - Swell-box e Venezianas .................................................................................................... 107 Figura 33 - Antigo órgão de tubos no Coro da Matriz de Maruim...................................................... 108 Figura 34 - O órgão da Catedral de Aracaju. ...................................................................................... 109 Figura 35 - Detalhe da decoração do órgão na parte frontal superior do instrumento. ....................... 111 Figura 36 - Consola com teclado manual e registros. ......................................................................... 111 Figura 37 - Pédalier e tirasse. ............................................................................................................. 112 Figura 38 - Sistema de bombeamento de ar/Motor. ............................................................................ 112 Figura 39 - Tração de notas: mecânica suspensa. ............................................................................... 113 Figura 40 - Tubos da parte posterior do órgão .................................................................................... 113

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SUMÁRIO DEDICATÓRIA ........................................................................................................................ iv AGRADECIMENTOS ............................................................................................................... v EPÍGRAFE ................................................................................................................................ vi RESUMO ................................................................................................................................. vii ABSTRACT............................................................................................................................viii LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................... ix 1.

2.

ASPECTOS INICIAIS ...................................................................................................... 1 1.1.

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 1

1.2.

OBJETIVOS ................................................................................................................ 4

REVISÃO DE BIBLIOGRAFIA ............................................................................................. 6 2.1.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................... 6

2.1.1.

Ciência da Informação .......................................................................................... 6

2.1.1.1.

Revisão bibliográfica..................................................................................... 7

2.1.1.2.

Arquivística ................................................................................................... 8

2.1.1.3.

Diplomática ................................................................................................. 11

2.1.2.

Ciências Humanas .............................................................................................. 14

2.1.2.1.

História ........................................................................................................ 14

2.1.2.1.1. Micro-História .......................................................................................... 18 2.1.2.1.2. História Oral ............................................................................................. 21 2.1.2.2.

Musicologia ................................................................................................. 23

2.1.2.2.1. Organologia .............................................................................................. 25 2.1.2.2.2. Iconografia ................................................................................................ 28 2.2.

METODOLOGIA DE PESQUISA ........................................................................... 29

2.2.1.

Ciência da Informação ........................................................................................ 31

2.2.1.1.

Revisão Bibliográfica .................................................................................. 31

2.2.1.2.

Arquivística ................................................................................................. 32

2.2.1.3.

Diplomática ................................................................................................. 35

2.2.2.

Ciências Humanas .............................................................................................. 37

2.2.2.1.

Método Histórico......................................................................................... 38

2.2.2.1.1. Micro-História .......................................................................................... 40 2.2.2.1.2. História Oral ............................................................................................. 43

xii

2.2.2.2.

Musicologia ................................................................................................. 46

2.2.2.2.1. Organologia .............................................................................................. 46 2.2.2.2.2. Iconografia ................................................................................................ 51 2.3.

3.

CONTEXTO HISTÓRICO E MUSICAL ................................................................. 52

2.3.1.

Panorama histórico de Sergipe a partir do Segundo Reinado ............................ 52

2.3.2.

Laranjeiras e o Vale do Cotinguiba no Século XIX ........................................... 57

2.3.3.

A doação do órgão Bryceson de Laranjeiras por Felisberto de Oliveira Freire . 63

2.3.4.

O órgão romântico: breve histórico .................................................................... 68

2.3.5.

O órgão de tubos enquanto instrumento de representação de poder .................. 72

NOVAS ACHEGAS ................................................................................................................ 79 3.1.

FELISBERTO DE OLIVEIRA FREIRE (BARÃO DE LARANJEIRAS) ............... 79

3.2.

O ÓRGÃO NA MATRIZ DE LARANJEIRAS ........................................................ 81

3.2.1.

Funcionalidade do instrumento e os organistas .................................................. 82

3.2.2.

O Novenário do Sagrado Coração de Jesus: uso atual do órgão e repertório ..... 88

3.3. O ÓRGÃO DE TUBOS ENQUANTO INSTRUMENTO DE REPRESENTAÇÃO DE PODER NA TRADIÇÃO ICONOGRÁFICA NO BRASIL ......................................... 97 4.

ESTUDO ORGANOLÓGICO ............................................................................................. 102 4.1.

DESCRIÇÃO DO ÓRGÃO DE LARANJEIRAS ................................................... 102

4.2.

DESCRIÇÃO DO ÓRGÃO DE MARUIM ............................................................. 107

4.3.

DESCRIÇÃO DO ÓRGÃO DE ARACAJU ........................................................... 109

5.

DISCUSSÃO .......................................................................................................................... 114

6.

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 119

REFERÊNCIAS ................................................................................... Erro! Indicador não definido. APÊNDICE ....................................................................................................................................... 129 ANEXOS ........................................................................................................................................... 146

1

1. ASPECTOS INICIAIS

1.1.

INTRODUÇÃO

A presente dissertação se propõe a estudar o órgão de Laranjeiras em seu contexto histórico bem como sob o aspecto organológico. Trata-se de um órgão romântico, construído na segunda metade do século XIX e doado àquela cidade pelo Senhor de Engenho Felisberto de Oliveira Freire, posteriormente Barão de Laranjeiras, importante figura da aristocracia sergipana. A título de uma breve contextualização, podemos afirmar que as primeiras referências documentais ao órgão no Brasil remetem à chegada dos portugueses no território ultramarino luso-americano. Em 1559 o Alvará Régio criava o primeiro cargo de tangedor de órgão na Sé de Salvador-BA (DINIZ, 1986, p. 17). Brescia (2010, p. 35), a respeito de sua pesquisa sobre os órgãos ibéricos no Brasil em um período compreendido entre os séculos XVI e XVIII, ressalta a considerável predominância de órgãos provenientes da metrópole em consequência da carência de mestres organeiros na América Portuguesa. Segundo o autor, neste período tanto os órgãos importados de Portugal quanto os construídos em solo brasileiro em sua maioria “compunham-se de positivos ou de realejos [...] revestidos de caixas de tipo armário” (DINIZ, 1986, p. 26 apud BRESCIA, 2010, p. 35). Alguns destes instrumentos sobreviveram até os dias atuais. Através do trabalho de Brescia (2008) são destacados dezessete órgãos (ou caixas de órgãos) barrocos nos estados de Minas Gerais, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e Pará. Kerr (2011), em sua obra “Organistas, organeiros e órgãos” aborda aspectos relevantes acerca

do

patrimônio

organístico

no

e

do

Brasil.

A

autora

2

menciona a carência de fontes para o estudo da história dos organistas, tanto no Brasil quanto em Portugal (Kerr, 2011, p. 42). No século XIX, com a chegada da Família Real na colônia e a abertura dos portos às nações amigas em 1808, por ordem do príncipe regente D. João, o comércio exterior tornou-se mais dinâmico, o que contribuiu para com a importação de órgãos provenientes de outras localidades. Segundo Kerr (2011, p. 42), a importação de órgãos apenas se acentuaria na segunda metade do século XIX, sendo provenientes principalmente da Inglaterra, França, Alemanha e Itália. Durante muito tempo os órgãos desempenharam importante função, sobretudo no âmbito da Igreja Católica. Mesmo depois do Concílio Vaticano II, o órgão permanece como instrumento oficial da Igreja, conforme se afirma no Capítulo VI: “O órgão de tubos ocupa lugar de destaque na Igreja Latina como instrumento musical tradicional, cujo som dá um brilho particular às cerimônias da Igreja e ajuda a mente a se elevar a Deus” (VATICANO II, 2007, p. 171). Apesar disso, boa parte destes órgãos encontra-se negligenciada, quando não, sofrendo péssimos reparos por falta de profissionais qualificados para a ação, o que contribui ainda mais para sua deterioração e ruína definitiva. No que tange ao contexto histórico do órgão da Matriz do Sagrado Coração de Jesus, sabe-se que Laranjeiras, situada na região do Vale do Cotinguiba - Sergipe, foi na segunda metade do século XIX o centro político, econômico e cultural da província e tinha sua economia concentrada na produção de cana de açúcar. Os Senhores de Engenho eram a representação da aristocracia local. Nesse sentido, o instrumento, que permanece em funcionamento na mesma Igreja Matriz do Sagrado Coração de Jesus, além de ser um objeto de estudo do ponto de vista organológico, é também um testemunho do contexto histórico daquela região, marcada pela predominância da produção açucareira, pela busca de títulos nobiliárquicos e pela supremacia da Igreja Católica (apesar da forte presença de religiões afrobrasileiras no local). Nosso estudo fundamenta-se na Ciência da Informação (no que tange à Revisão de Bibliografia, Arquivística e Diplomática) e nas Ciências Humanas (compreendendo-se neste âmbito a História – Musicologia – Organologia, Iconografia). Ocupamo-nos, portanto, do estudo do órgão em seus elementos técnicos e de seu contexto histórico, procurando abordar os seguintes aspectos: procedência, relevância do ponto de vista social e político, os organistas da matriz – desde a instalação do órgão, na segunda metade do século XIX (incluindo-se parte do repertório nele executado) até os dias atuais – sem esquecermo-nos de sua utilização no Novenário do Sagrado Coração de Jesus.

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A estrutura desta dissertação divide-se basicamente em seis capítulos, complementados por um Apêndice e Anexos (cujos dados também encontram-se gravados em CD-ROM). O primeiro capítulo, além desta Introdução, apresenta os objetivos que a pesquisa aspirou alcançar. O segundo capítulo é referente à pesquisa realizada em fontes secundárias e inicialmente apresenta os aspectos epistemológicos e metodológicos das disciplinas fundamentais que embasaram nosso estudo. Em seguida tratamos propriamente do objeto em questão, o órgão de Laranjeiras, estudando-o sob uma perspectiva histórica e musical, abordando também o seu uso como símbolo de representação. Para tanto, traçamos um panorama histórico de Sergipe e do Vale do Cotinguiba na segunda metade do século XIX e de modo mais específico de Laranjeiras, tratando dos aspectos políticos, econômicos e religiosos, uma vez que o instrumento foi instalado na principal igreja daquela cidade. A questão referente à doação tem a ver diretamente com a concessão de títulos nobiliárquicos, largamente concedidos à aristocracia na época. O estudo contextualizado do instrumento nos possibilitou compreendê-lo enquanto instrumento de representação e/ou ratificação de poder. Esse aspecto pôde ser verificado em outros dois instrumentos doados em condições semelhantes ao de Laranjeiras. Em seguida apresentamos algumas considerações acerca dos órgãos românticos de manufatura inglesa, como forma de embasar as principais características do instrumento de Laranjeiras. O terceiro capítulo dedica-se às informações provenientes de fontes primárias, dentre as quais destacamos os documentos encontrados no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE), na Matriz de Laranjeiras e na Cúria Metropolitana de Aracaju. Incluímos também as informações da procedência do instrumento e seu doador assim como sobre o uso e função do órgão de Laranjeiras. Ainda pudemos detectar a participação ativa da organista e maestrina Euphrázia Guimarães no que tange às celebrações religiosas da matriz de Laranjeiras, na primeira metade do século XX. Tratamos também do Novenário do Sagrado Coração de Jesus realizado no mês de junho. Sendo a celebração mais importante no cenário católico laranjeirense e, na atualidade, a única solenidade na qual o instrumento é utilizado, de cujo repertório apresentamos algumas das obras localizadas. Ainda no terceiro capítulo realizamos um estudo iconográfico através de obras pertencentes à tradição iconográfica no Brasil no intuito de verificar o alcance do órgão como símbolo de representação de poder na época. O quarto capítulo é dedicado ao estudo organológico dos órgãos de Laranjeiras, Maruim e Aracaju. Procuramos descrever o atual estado dos instrumentos, apresentar suas características, bem como identificar os possíveis restauros realizados. O capítulo quinto

4

estabelece a discussão em torno das fontes consultadas no seu confronto com a bibliografia. Fechamos a presente dissertação com as considerações finais sobre esta pesquisa incluindo possíveis desenvolvimentos futuros. É mister destacar que durante este processo de pesquisa deparamo-nos com algumas questões e, em certo ponto, até mesmo problemas que em primeira instância vieram a dificultar nosso trabalho. O primeiro problema encontrado foi a escassez de fontes nos arquivos eclesiásticos bem como a dificuldade de acesso aos mesmos. Nosso estudo permitiunos perceber também a carência de estudos na área da historiografia de órgãos românticos no Brasil, bem como a ausência de pesquisas sobre o instrumento de Laranjeiras, sendo este trabalho o primeiro no assunto. Também encontramos poucos subsídios a respeito da firma Bryceson, responsável pela fabricação do instrumento de Laranjeiras. Assim sendo, esperamos que nosso trabalho venha a contribuir para com a bibliografia referente aos órgãos históricos no Brasil e, de modo mais específico, em Sergipe, bem como auxiliar no resgate e na valorização deste patrimônio que, em grande medida, encontra-se negligenciado, não apenas enquanto instrumento musical, mas também como testemunha de um contexto histórico de acentuada relevância.

1.2.

OBJETIVOS

A presente pesquisa teve como principal objetivo estudar o órgão de tubos da Matriz do Sagrado Coração de Jesus na cidade de Laranjeiras (SE), através de uma abordagem organológica e histórico musical. Para isso, teve como objetivos específicos: a)

Realizar um estudo organológico sobre o órgão de tubos da matriz de

Laranjeiras. b)

Investigar o contexto socioeconômico e cultural da cidade de Laranjeiras no

Segundo Reinado. c)

Refletir sobre a influência e o significado da doação de Felisberto O. Freire

para a cultura e a sociedade laranjeirense e realizar um levantamento biográfico sobre o mesmo, procurando compreender qual motivo o teria direcionado a doar um órgão de tubos à igreja matriz da cidade de seu título e de que forma teria adquirido o instrumento.

5

d)

Investigar o uso e função musical do órgão de tubos nos serviços religiosos da

matriz e quais os organistas responsáveis pelo instrumento desde o período da instalação do órgão até os dias atuais. Nesse sentido, fazer um levantamento do repertório tocado ao órgão de Laranjeiras também fora relevante para compreender o seu papel na igreja matriz de Laranjeiras nos séculos XIX, XX e na atualidade. e)

Compreender a relação entre o mecenato expressado nas doações de órgãos no

Vale do Cotinguiba e a ratificação de poder assim como realizar também um estudo organológico dos órgãos de tubos doados a Maruim e Aracaju. Ressaltamos que a estrutura da presente dissertação não segue a ordem apresentada nos objetivos específicos, mas se inicia com o estudo a respeito do contexto histórico e musical. O estudo organológico é posterior.

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2. REVISÃO DE BIBLIOGRAFIA

2.1.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Nossa pesquisa fundamentou-se basicamente na Ciência da Informação (Revisão de Bibliografia, Arquivistica e Diplomática), nas Ciências Humanas (notadamente História Micro História e História Oral, Musicologia - Organologia e Iconografia). Não é nosso objetivo primordial estabelecer um apanhado aprofundado de tais áreas, mas apresentar algumas considerações sobre os princípios fundamentais de cada uma delas.

2.1.1. Ciência da Informação

A Ciência da informação pode ser entendida como disciplina que investiga as propriedades e comportamentos da informação, as forças que regem o fluxo informacional e o sentido do seu processamento, com vista a um máximo de acessibilidade e uso. Compreende um conjunto de conhecimentos referentes à origem, coleção, organização, armazenamento, recuperação, interpretação, transmissão, transformação e uso de informação (BORKO, 1968 apud RABELLO, 2008, p. 8). Para Rabelo, a Ciência da Informação também deve ser caracterizada como sendo interdisciplinar por se valer de conceitos e métodos de outras áreas (2008, p. 30). Por encontrar-se ainda em processo de construção, apresenta falhas com relação à fundamentação científica, apesar de caracterizar-se por uma clara preocupação teóricodisciplinar. Esse fato nos remete à origem desta ciência em cuja gênese estaria o intuito de atender necessidades práticas e teóricas, já que não estava sendo pensada como um conhecimento científico propriamente dito. Assim, o autor explica que o impulso origina da Ciência da Informação provém de ordem prática, da necessidade de resolver um problema entre a Biblioteconomia tradicional e Biblioteconomia especializada. Esta última posteriormente se fragmentaria entre Biblioteconomia Especializada propriamente dita e Ciência da Informação. Esse processo teve início entre os séculos XIX e XX, começando pela França e se estendendo aos Estados Unidos (RABELLO, 2008, p. 19). Desse modo, a nova ciência surgira como uma necessidade prática para solucionar problemas de ordem profissional. Segundo Rabello, “a ciência da informação primeiramente foi pensada como

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disciplina e posteriormente seus pesquisadores se preocuparam em justificá-la histórica e epistemologicamente” (2008, p. 20). Miranda (2003, p. 174) apresenta outra justificativa para a origem da Ciência da Informação atribuindo-a ao fenômeno da “explosão da informação”, identificado após a 2ª Guerra Mundial em decorrência da dispersão e uso da informação, além do descontrole com o qual estava sendo propagada. Ainda de acordo com Miranda (2003, p. 174) o objeto de estudo desta ciência é a informação, porém há uma tendência de supervalorizar o documento em detrimento da própria informação. Le Coadic (1996, p. 5) define informação como “um conhecimento inscrito (gravado) sob forma escrita (impressa) oral ou audiovisual”. É válido ressaltar que o documento é fonte de informação e a maneira como será analisado é variável a depender da ciência a ele relacionada. Segundo Fonseca (2005, p. 27), a Ciência da Informação compreende algumas disciplinas, a saber: a Biblioteconomia, a Arquivologia, a Informática, o Jornalismo e a Comunicação. Todas ocupadas com a informação, seja com o intuito de preservá-la, organizá-la, ou viabilizar seu acesso. Em nosso estudo além da necessária Revisão Bibliográfica nos apoiamos na Arquivologia e na Diplomática.

2.1.1.1.

Revisão bibliográfica

A revisão bibliográfica1 consiste na localização, aquisição e pesquisa em livros e outras fontes que sejam profícuas para os intentos e desenvolvimento do estudo (SAMPIERI, COLLADO e LUCIO, 2006, p. 54). Sobre o papel fundamental da revisão bibliográfica, Alves (1992) afirma que uma acurada e atualizada revisão pode suprir o pesquisador com os dados essenciais que necessita em seu trabalho, além de evidenciar a sua gama de conhecimentos sobre o seu tema de estudo; levando-o, enfim, a resultados substanciais. O autor ressalta também que uma escolha equivocada ou descurada do material bibliográfico pode comprometer todo o estudo, pois que a revisão bibliográfica “não se constitui em uma seção isolada, mas, ao contrário, tem por objetivo iluminar o caminho a ser trilhado pelo pesquisador, desde a definição do problema até a interpretação dos resultados” (ALVES, 1992, p. 54).

1

Agradecemos ao colega Wellington Mendes por compartilhar conhecimento referente ao assunto, colaborando com a presente dissertação.

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De modo mais específico, no que se refere à revisão bibliográfica em música, a mais atual e reportada fonte é a obra de Vincent H. Duckles, Ida Reed, e Michael A Keller - Music reference and research materials: an annotated bibliography (1997), na qual os autores procuram categorizar a pesquisa em música por tipos de bibliografias específicas, buscando com isso promover uma busca mais organizada de materiais, relevando especialmente a espécie de dado possível de ser encontrado nas obras relacionadas a cada categoria. Em nossa pesquisa fizemos ampla utilização da revisão bibliográfica por meio das fontes secundárias consultadas. Ela nos conceituou e guiou desde a escolha do material que deveria ser pesquisado, até a interpretação relativa que fizemos das informações.

2.1.1.2.

Arquivística

O Dicionário brasileiro de terminologia arquivística define arquivologia como “a disciplina que estuda as funções do arquivo e os princípios e técnicas a serem observados na produção, organização, guarda, preservação e utilização dos arquivos. Também chamada arquivística” (BRASIL, 2005, p. 36). Acompanhando o texto de Bellotto que utiliza sempre o termo arquivística, utilizaremos aqui nesta dissertação o termo Arquivística. Existe certo embaraço quanto à classificação da Arquivística. Alguns a classificam como disciplina, outros como técnica e outros ainda como ciência. A discussão reside no fato da Arquivística apresentar características próprias de todas estas classificações, mas ao mesmo tempo, não se enquadrar completamente em nenhuma delas. Todavia, o Conselho Internacional de Arquivos considera a arquivística como disciplina (BELLOTTO, 2002, p. 5). O termo disciplina é mais abrangente que os demais. De acordo com o dicionário HOUAISS (2009, p. 692) pode significar, além de outras coisas: 1. Ciência, ramo do conhecimento, matéria escolar; 2. Comportamento, ordem, regulamento. Ou seja, a disciplina é um conhecimento organizado e com um método definido. Ao adotar o termo disciplina, Bellotto explica: “Assim, mesmo que possamos aceitá-la como ciência ou técnica, pois realmente contém elementos para isso, a conceituamos como disciplina que se ocupa da teoria, da metodologia e da prática relativa aos arquivos, assim como se ocupa da sua natureza, suas funções e da especificidade de seus documentos/informações” (2002, p. 5).

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Quanto ao objeto de estudo, pode-se dizer que a arquivística possui objetos intelectuais e objetos físicos. Sempre segundo Bellotto (2002, p. 5), o objeto intelectual é a informação. Os objetos físicos são três, a saber: • O arquivo: enquanto conjunto de documentos. • O documento: em sua individualidade, mas preocupando-se sempre com a natureza. É importante ressaltar que a Arquivística tem como foco o conjunto documental e não o documento isoladamente. Todavia, o estudo do documento individual é necessário para que se possa compreender o conjunto. • O arquivo enquanto entidade, instituição que utiliza metodologias próprias para administração de seus recursos (BELLOTTO, 2002, p. 5). Podemos afirmar então, que a Arquivística, enquanto disciplina, tem por objetos de estudo os arquivos, os documentos e a informação contida nestes. A finalidade da Arquivística é dar acesso à informação, disponibilizá-la. No que se refere ao significado do termo arquivo, Belloto afirma tratar-se de “conjuntos orgânicos de documentos produzidos/recebidos/acumulados por um órgão público, uma organização privada ou uma pessoa física” (BELLOTTO, 2002, p. 18). Ou ainda, que o arquivo é a “sedimentação documentária das atividades administrativas, cujos documentos estão ligados por um vínculo original, necessário e determinado” (LODOLINI, 1991, apud BELLOTTO, 2002, p.18). Um aspecto importante a se notar nas definições apresentadas é que a Arquivística se ocupa do conjunto documental. Os documentos contidos nos arquivos são organizados coletivamente a partir de uma série de elementos como a natureza e a funcionalidade dos mesmos. Além disso, esta disciplina dispõe de alguns princípios fundamentais. De acordo com Bellotto (2002, p. 20), são estes princípios que a distinguem das demais ciências documentais. Tais princípios são: • Proveniência: referente à origem e a produção do documento. Estabelece a identidade do documento a partir de seu produtor. • Organicidade: O princípio de organicidade afirma que o documento reflete as relações administrativas e orgânicas da entidade produtora. • Unicidade: os documentos de arquivos são únicos em função do contexto em que foram produzidos.

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• Indivisibilidade: deriva do princípio de proveniência e estabelece que um fundo arquivístico não deva sofrer nenhum tipo de alteração como mutilação, adição indevida, extração, etc. • Cumulatividade: o arquivo é uma formação progressiva. Vai se constituindo aos poucos. Um processo que se fundamenta na natureza e na organicidade documental. (BELLOTTO, 2002, p. 21).

Além da definição de “arquivística”, também as definições de “documento” e “informação” devem ser elucidadas, pois constituem a base desta disciplina e estão diretamente relacionadas. Segundo Bellotto (2002, p. 23), o documento de arquivo pode ser definido como suporte que contém uma informação arquivística, ou ainda, como um “suporte modificado por um texto a ele aderido, que surge como resultado de uma atividade administrativa e tem a finalidade de comunicar uma ordem, provar algo, ou transmitir uma informação útil para um trâmite” (VÁZQUEZ, s.d. apud BELLOTTO, 2002, p. 23). Em outros termos: o documento arquivístico é uma junção de elementos externos e elementos internos (suporte e informação). A informação, por sua vez, pode ser definida como ação de comunicar dados. Qualquer atributo do pensamento humano sobre a natureza e a sociedade desde que verbalizado ou registrado (LOPES, 1996 apud BELLOTTO, 2002, p. 22). Quando registrada a informação torna-se documento. Sempre segundo Bellotto (2004, p. 24) os documentos de arquivo passam por um ciclo vital constituído de três fases, ou idades. A primeira fase é a dos Arquivos Correntes, nesta os documentos encontram-se junto ao seu produtor e servem à finalidade à que foram propostos a priori. Podem permanecer nesta fase de 1 a 10 anos. Na segunda fase, a dos Arquivos Intermediários, os documentos já passaram do prazo de validade jurídicoadministrativo com relação à função para a qual foram produzidos, porém ainda podem servir ao produtor. Geralmente se estende até os 30 anos. Na última etapa, a dos Arquivos Permanentes, se encontram os arquivos mais antigos, de 30 anos em diante. Os documentos contidos nos Arquivos Permanentes possuem utilidade científica, social e cultural (BELLOTTO, 2002, p. 24). Para Bellotto (2004, p. 25) são os historiadores os que mais acorrem aos arquivos permanentes. Por isso a autora considera que esses arquivos são a matéria prima da História. A Arquivística enquanto área de conhecimento de caráter abrangente e multidisciplinar forneceu um importante aparato teórico para a presente pesquisa, que se dedicou em grande

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parte à pesquisa em arquivos. Realizar uma pesquisa arquivística pressupõe conhecer a estrutura do arquivo, o modo como concebe o significado de documento, bem como outros conceitos relevantes. Tratando-se de um estudo também histórico-musical, tivemos como uma das principais “matérias-primas” o documento. O conhecimento no âmbito arquivístico permitiu-nos compreender o documento em seus aspectos extrínsecos e intrínsecos, observando sua natureza, função para a que fora produzido, dentre outros aspectos, bem como conhecer o arquivo enquanto entidade, procurando entender a forma como está estruturado e organizado e de que modo disponibiliza a informação. Além disso, orientou-nos para um tratamento mais adequado dessas fontes de informação.

2.1.1.3.

Diplomática

A Diplomática teve sua origem no século XVII através de críticos que objetivavam avaliar a fidedignidade de diplomas medievais. “A questão girava em torno da cobiça de privilégios, bens e propriedades eclesiásticas de modo que tais direitos eram falsificados por meio de documentos forjados” (Bellotto, 2004. p. 45). Deste modo, a Diplomática surgira com o intuito de investigar a autenticidade dos documentos. Bellotto ressalta que, apesar disso, as fórmulas que em sua essência ainda permanecem ativas nos dias de hoje existem desde os primórdios do direito romano (2004, p. 45). Atualmente a atenção da Diplomática está voltada para a estrutura formal dos atos escritos de cunho jurídico-administrativo com o objetivo de avaliar a fidedignidade destes documentos. Compreendemos a expressão “estrutura formal” como sendo referente à redação, à disposição do texto no documento. Logo, a estrutura formal, como a própria expressão já aponta, é a forma como os atos são apresentados no texto. É importante ressaltar que os documentos diplomáticos já possuem estruturas pré-definidas que variam de acordo com a categoria dos mesmos (BELLOTTO, 2004, p. 46). A Diplomática se vale fundamentalmente do documento, para sua análise. Portanto, é imprescindível saber o que é o documento para a Diplomática. Belloto apresenta duas conceituações: a primeira delas possui embasamento no pensamento de Sickel (1868) que define o documento como “testemunho escrito e redigido segundo uma forma determinada, variável em relação ao lugar, à época, à pessoa e ao tema, sobre um fato de natureza jurídica” (2004, p. 46). Esta definição possui alguns elementos a serem destacados. Um deles é o

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condicionamento que afirma que para que o documento seja diplomático ele tem que ser escrito, ou seja, documento de nenhuma outra espécie seria válido. Outra restrição se refere à natureza do documento, esta tem que ser jurídico-administrativa. Mas o que mais chama a atenção nesta definição é a afirmação de que o documento diplomático possui forma determinada (BELLOTTO, 2004, p. 46). É justamente a forma o alvo da análise diplomática que estuda a disposição do texto documental. Segundo Bellotto a forma é variável conforme a época em que o documento foi produzido, o lugar, a finalidade para a qual se propõe. Ressaltamos ainda que a Diplomática estuda o documento a partir de sua gênese. Há que se considerar que, como disciplina pertencente à Arquivística, a Diplomática também se vale dos princípios da primeira, com relação ao documento. O outro conceito que Bellotto apresenta preconiza que “o documento diplomático é testemunho escrito de um fato de natureza jurídica, redigido de modo a observar certas formas estabelecidas, as quais se destinam a darlhe fé e força probatória” (PAOLI, 1942 apud BELLOTTO, 2004, p. 46). Este conceito, muito semelhante ao anterior, traz um elemento a mais, o objetivo da diplomática que é justamente o de provar a fidedignidade documental. Segundo Bellotto (2004, p. 48) o documento público, alvo da diplomática, é constituído essencialmente de actio (fato, ato documentado) e conscriptio (transferência do fato para um suporte semântica e juridicamente credível) e, portanto, está de acordo com os elementos básicos documentais: matéria-meio-conteúdo. Sempre segundo Bellotto, a matéria refere-se tanto ao suporte quanto ao fato nele apresentado. O meio, obsevado do ponto de vista físico é responsável pela diferenciação entre original e cópia e do ponto de vista funcional refere-se à tipologia do documento. Já o conteúdo é a manifestação do fato por meio do documento. A Diplomática apresenta ainda categorias documentais que variam de acordo com o conteúdo de representatividade jurídica do documento. Estas categorias podem ser divididas macroscopicamente em três tipos: 1) documentos dispositivos; 2) documentos testemunhais e 3) documentos informativos. Os documentos dispositivos são os que manifestam ordens, leis, ou seja, vontades definidas e que não estão sujeitas a interferências ou opiniões. Os documentos testemunhais informam o cumprimento dos dispositivos. Os documentos informativos, por sua vez, ampliam esta informação (BELLOTTO, 2004, p. 49). Outra forma de categorização apresentada por Bellotto, mais descritiva e específica que a anterior, mas que também está contida nela é a que divide os documentos em: 1) normativos: os de cumprimento obrigatório, que emanam do Poder Legislativo, tais como Leis, Estatutos, portarias, dentre outros; 2) enunciativos: possuem caráter opinativo, tais como pareceres,

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relatórios, etc.; 3) de assentamento: tratam de apontamentos sobre fatos ocorridos, a exemplo de atas e apostilas; 4) comprobatórios: comprovam os documentos de assentamento e podem ser exemplificados por certidões e atestados; 5) de ajuste: referentes a acordos administrativos como tratados, contratos, etc.; 6) de correspondência: geralmente derivam de atos normativos indicando a execução destes. São exemplos: alvarás, circulares, editais, dentre outros. A partir do exposto, podemos afirmar que a Diplomática é a disciplina que se ocupa da estrutura formal dos atos escritos de origem governamental e/ou notarial (BELLOTO, 2002, p. 13). Tem como objeto de estudo a unicidade arquivística elementar, analisada enquanto espécie documental. Deste modo, serve-se dos aspectos formais do documento para definir a natureza jurídica nele implicada, relativa à sua produção e ao seu efeito. Estes aspectos nortearam nossa pesquisa sobre o órgão de tubos de Laranjeiras, permitindo-nos observar os documentos não apenas através da mensagem claramente apresentada neles, mas servindo-nos também dos seus aspectos formais, nos proporcionando uma visão mais ampla e aprofundada dos mesmos e corroborando para com a análise crítica das fontes consultadas. É necessário ressaltar que apesar do que afirma Bellotto (2006, p. 17) sobre a natureza essencialmente jurídica e administrativa do documento diplomático, não nos limitamos unicamente a tais fontes. Lembramos que esta afirmação sobre a natureza do documento diplomático está diretamente relacionada com a preocupação original desta disciplina em torno da questão da autenticidade. No entanto, há ainda outro elemento que justifica esta afirmação: a estrutura formal destas fontes, que se mostra muito mais clara e objetiva quando se trata de documentos produzidos pelo Direito. Apesar disso, consideramos o documento em seu conceito mais amplo – em comunhão com o pensamento da Nova História do qual trataremos adiante – trabalhando não apenas com o que se afirma como documento diplomático, mas também com cartas pessoais, artigos de jornais, atas de livros de tombo, fontes musicais, dentre outros. Assim, o aspecto fundamental que relaciona a Diplomática com nossa pesquisa é a importância que esta dedica à unidade documental e sua estrutura formal do conteúdo que nela se apresenta. Desse modo, a Diplomática não se afasta de nossa pesquisa (que fez uso de outros documentos que não unicamente os tido como diplomáticos), mas complementa e corrobora, permitindo-nos uma análise mais ampla e ao mesmo tempo mais aprofundada dos documentos estudados, nos conduzindo a uma pesquisa mais coerente.

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2.1.2. Ciências Humanas

No âmbito das Ciências Humanas, nosso estudo se concentra na História – de modo especial na corrente da Nova História, surgida a partir dos Annales, na Micro-História e História Oral – e na Musicologia, de maneira mais específica, através da Organologia e da Iconografia.

2.1.2.1.

História

Aróstegui explica que o conceito de história não está relacionado com uma realidade material, pois a história não se constitui em “coisa”, mas sim na qualidade das coisas (2001, p. 22). O autor distingue o significado dos termos: história e historiografia apontando a história como entidade ontológica do histórico e a historiografia como sendo o ato de escrever a história, desvinculando os sentidos errôneos conferidos a esta última enquanto ato de “refletir sobre a história”, ou como “história da história”. Janotti, de modo mais simples, se refere à história como sendo “uma série de acontecimentos e a historiografia como a narrativa destes” (apud PINSKY, 2011, p. 10). Segundo Aróstegui, o surgimento da historiografia enquanto atividade intelectual autônoma, com suas próprias normas, data do século XIX, concentrando-se na Alemanha, em paralelo com a instituição da Economia Política e da Sociologia (2001, p. 60). O momento crucial da mudança de paradigmas históricos é marcado a partir da grande guerra de 1914, com destaque para as escolas francesa e alemã. Este é o primeiro grande passo para o estabelecimento da historiografia enquanto disciplina com caráter crítico-analítico. Mas é na década de 1920 que se pode estabelecer uma ruptura entre o que hoje se entende por história tradicional e nova história. Deste modo, o autor apresenta o desenvolvimento da construção da historiografia através de três fases. A primeira fase, simbolizada pela publicação do texto de Leopold Von Ranke, em 1824, História de los pueblos românicos e germânicos, obra que marcaria o início de uma concepção crítica na historiografia. A segunda fase é simbolizada pela publicação da revista Revue Historique, nascida do pensamento inovador de Gabriel Monod. Segundo Aróstegui, esta fase teve como principal característica a fundamentação sistemática de uma ciência da história. Porém, ainda em semelhança com os ideais

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positivistas, buscou um método específico para a historiografia, o que lhe conduziu a uma aproximação com as demais Ciências Sociais, mas por outro lado, provocou um distanciamento das mesmas por não se interessar em teorizar seu objeto de estudo (2001, p. 79). A terceira fase, simbolizada pela École des Annales, rompeu com o positivismo e estabeleceu uma nova perspectiva historiográfica por meio de algumas ideias, tais como a ampliação no conceito de fontes históricas e a atribuição do caráter interdisciplinar da História. Esta fase começaria a entrar em crise a partir dos anos 1970. A corrente historiográfica “Nova História” surgiu na França na segunda década do século XX. A expressão Nova História ficou popularizada pelos historiadores Jacques Le Goff e Pierre Nora em seu livro La nouvelle histoire (1978). Segundo Peter Burke (2010, p. 9) uma boa parte da Nova História é produto de um pequeno grupo associado à revista Annales, criada em 1929 que teve como precursores Lucien Febvre e Marc Bloch. Apesar de ter ficado conhecida como École des Annales, Burke a compreendeu melhor como um movimento e justificou sua opinião pelo argumento de que esta continha diferentes fases e ideias nem sempre similares. Assim, os Annales caracterizaram-se como um movimento que se desenvolveu na intenção de desprender a História de seus paradigmas antigos, que estavam atrelados à narrativa dos “grandes feitos”, a uma História Política, vista sempre do ponto de vista aristocrático. Segundo Burke, o movimento francês estabeleceu-se sobre alguns princípios básicos, a saber: 1) substituição da tradicional narrativa de acontecimentos por uma história-problema; 2) história de todas as atividades humanas e não apenas história política; 3) colaboração com outras disciplinas, tais como: Geografia, Sociologia, Psicologia, Economia, dentre outras. Em cada um dos princípios citados está implícito um conceito importante para esta nova proposta historiográfica. No que concerne à substituição da narrativa tem-se a expressão: história-problema, tão utilizada por Febvre, que de modo particular focalizava o problema e não o evento ou o sujeito em si, tomando “o problema como alicerce da pesquisa” (BRAUDEL, 1949, apud, BURKE, 2010, p. 57). A história problema diferencia-se da história política tradicional por buscar as fontes a partir das hipóteses propostas pelo historiador, ou seja, não se atém a fatos superficiais e politicamente importantes, mas se orienta a partir do problema, da hipótese, do questionamento do historiador sobre algo (JANOTTI, 2011, p.1213 apud PINSKY, 2011, p. 12-13). O segundo princípio contém a expressão história total, que segundo Peruzzo (2009, p. 24) começara a se esboçar na primeira geração dos Annales, mas só viria a se consolidar na geração seguinte, com Braudel. Consistia na busca de estudar o homem (e não a nação, como ocorria antes) nas diversas categorias que compreendem sua

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ação, evocando a diversidade da ação humana. O terceiro princípio indicado por Burke apresenta claramente a ideia de interdisciplinaridade. Esta relação entre a História e outras disciplinas pode ser apontada como bastante característica dos Annales, sendo percebida desde o início do movimento francês. Outros termos como história comparada, história de longa duração, história quantitativa e história serial estão inclusos nesta nova perspectiva. A história comparada, por exemplo, fora utilizada por Bloch tendo como objetivo primordial a constatação das diferenças, podendo ser empregada para localidades diferentes num mesmo espaço de tempo ou numa mesma localidade e diferentes épocas. A história serial por muitas vezes é confundida com a quantitativa sendo que a primeira consiste na serialização de fontes para análise de um problema específico, geralmente envolvendo a história de longa duração, enquanto que a quantitativa faz uso de dados numéricos e estatísticos sendo mais utilizada inicialmente nos trabalhos voltados à história econômica e populacional. Ainda segundo Burke (2010, p. 131) a Nova História é compreendida também como a história vista de baixo, ao se preocupar com o estudo do cotidiano, de pessoas comuns, sua interferência no meio, na estrutura social, econômica, etc. O que teria conduzido para a ampliação das fontes de pesquisa que anteriormente estavam concentradas na documentação escrita e oficial. É importante ressaltar que com a École des Annales os documentos não perderam sua importância enquanto fontes fundamentais na pesquisa histórica. Seu conceito, porém, foi ampliado, adaptando-se às ideias propostas pela nova abordagem. De acordo com Le Goff (2003, p. 536) o termo “documento” deriva do latim docere significando “ensinar” e teve atribuído a si o significado de prova. Tal significado permeara todo o pensamento positivista que entendia o documento oficial como prova de autenticidade do fato histórico, como testemunha escrita. Todavia, a partir do século XX esta concepção se modificou e o conteúdo do termo foi ampliado de modo que a Nova História não concebia mais o documento como mero registro escrito e a questão da oficialidade deste já não era o que realmente importava. Gradualmente o documento deixa de ser entendido como um testemunho escrito, uma prova, mas sim como uma fonte de informação. A história vista de baixo poderia, por exemplo, recorrer aos registros paroquiais, cartas, prosas, etc. e não apenas documentos de origem governamental. Bacellar (apud PINSKY, 2011, p. 25) explica esta mudança no pensamento histórico a respeito das fontes documentais como sendo um processo que passou pelos que “viam nos documentos fontes de verdade, seguindo pelos historiadores que os compreendiam como testemunhos neutros do passado, até chegar aos que analisam seus discursos, reconhecem seus vieses, desconstroem seu conteúdo e contextualizam suas

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visões”. Deste modo, as fontes documentais, matéria-prima dos historiadores, tornaram-se amplas a partir do movimento Annales, abarcando, por exemplo, arquivos do Poder Executivo como correspondências: ofícios e requerimentos, listas nominativas, documentos sobre terra, documentos de polícia, dentre outros; Arquivos do Poder Legislativo a exemplo de atas e registros; Arquivos do Poder Judiciário: inventários, processos cíveis, processos crimes; Arquivos cartoriais, como notas e registro civil; Arquivos eclesiásticos: registros paroquiais, processos, correspondência; Arquivos Privados, a exemplo de documentos particulares de indivíduos, famílias, etc. (BACELLAR apud PINSKY, 2011, p. 26). Estes são exemplos de documentos utilizados pelos historiadores na atualidade e consistem em ricas fontes de informação. Além destes, há que se destacarem outros tipos de fontes, a exemplo das fontes impressas. Estas fontes encontram-se envolvidas em um debate que de um lado questiona sua objetividade e de outro ressalta a importância de suas informações e riqueza de detalhes. É fato que os jornais constituem importantes fontes históricas. No Brasil, o precursor desta prática de pesquisa histórica foi o historiador Gilberto Freyre que ao examinar anúncios de jornais “estudou diferentes aspectos da sociedade brasileira do século XIX” (LUCA apud PINSKY, 2011, p. 119). Todavia, o caráter tendencioso das informações contidas nos jornais deve ser motivo de cautela. Dessa forma, um historiador, ao dirigir-se a este tipo de fonte não deve compreendê-la como fonte neutra. Por outro lado, conferir aos jornais um caráter unicamente tendencioso e em virtude disto descartá-los como fonte histórica implica na afirmação de que as outras fontes históricas, a exemplo dos documentos manuscritos de natureza administrativa, estão livres de subjetividade e juízo de valor, o que não seria correto. De acordo com Luca (apud PINSKY, 2011, p.116) os jornais são importantes fontes históricas, mas nunca devem ser utilizadas com ingenuidade. Nesta mesma perspectiva podem-se inserir as fontes audiovisuais e musicais. Com a ampliação no conceito de “documento” e com o desenvolvimento tecnológico o cinema, a televisão, os registros sonoros e vídeos, etc. tornaram-se também matéria-prima do historiador. Porém, o desacordo entre a visão objetivista e a subjetivista também se aplica a tais fontes. Napolitano (apud PINSKY, 2011, p. 236) opondo-se ao pensamento errôneo de alguns que negligenciam as fontes audiovisuais por julgarem ser demasiadamente subjetivas afirma que ao fazer uso das mesmas o historiador deve se ater as “suas estruturas internas de linguagem e seus mecanismos de representação da realidade, a partir de seus códigos internos”. Esta ampliação do conceito de documento decorre das transformações trazidas pela Nova História que passa a compreender como documento tudo o que evoca a ação do homem. “Logo, para esses

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historiadores o acontecer histórico se faz a partir dos homens. Daí o documento histórico se produzir com tudo o que, pertencendo ao homem, depende do homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem” (VIEIRA, PEIXOTO E KHOURY, 1995: 14-15 apud SÁ-SILVA et al, 2009, p. 7). Nesta dissertação tratamos de um objeto que fora analisado sob o aspecto da temporalidade (ao lado de todo o significado musicológico que também conduziu nosso estudo). Optamos por embasarmos nosso discurso na Nova História primeiramente por compreendermos o documento em seu significado mais amplo (como já mencionado na Diplomática). Além disso, o aspecto interdisciplinar da História – característico do movimento dos Annales, motivou-nos a fundamentar esta pesquisa na Nova História, uma vez que estabelecemos uma relação direta entre a pesquisa histórica e a musicológica. Outro ponto que nos insere nessa corrente historiográfica é a proposta da história problema. Nosso estudo sobre o órgão de Laranjeiras partiu de um questionamento, objetivou responder um problema específico e lançou hipóteses sobre este objeto. Ademais, a Nova História também embasa nosso discurso por não defender o documento como prova de veracidade da informação, mas sim como uma fonte de informação que precisa ser estudada sob o olhar crítico do pesquisador. Neste ponto o conhecimento arquivístico e diplomático sobre a estrutura da espécie documental, suas características e princípios são de fundamental importância para uma melhor análise destas fontes. Em concordância com essa proposta, não utilizamos as fontes documentais como portadoras da verdade única, mas como fontes de informação que necessitam ser analisadas e confrontadas com outras fontes.

2.1.2.1.1.

A

Micro-História

Micro-História

pode

ser

definida

como

uma

abordagem

historiográfica

(MONTEIRO, 2008. p. 1). Burke, por sua vez, a chama de “gênero histórico” (2005, p. 60). Podemos dizer que a Micro-História consiste em uma abordagem histórica que se fundamenta no estudo do indivíduo ou de determinado grupo restrito para, a partir deste, obter uma compreensão mais ampla. Monteiro (2008, p. 3) explica que a Micro-História torna possível uma abordagem diferente ao acompanhar o fio de um destino particular (seja de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos) e com ele a multiplicidade dos espaços e dos tempos no meio das relações das quais ele se inscreve. Neste sentido, Burke explica que a proposta micro-

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histórica consiste em analisar o macro por meio do micro, de forma que ao investigar um elemento específico e comum se possa ter uma melhor percepção da sociedade de uma maneira mais ampla. Segundo Levi (apud MONTEIRO 2008, p. 2) a abordagem microhistórica enriquece a análise social por torná-la mais complexa, levando em conta os diferentes aspectos inspirados e incertos. Ainda segundo Levi, a micro-análise consegue captar o funcionamento de mecanismos que o nível macro não consegue (apud MONTEIRO 2008, p. 2). Lima (2006, p. 25) afirma que a Micro-História nasceu em meio a uma época marcada pela crise de paradigmas, vivenciada tanto pela História quanto por outras ciências humanas. Segundo o autor, o debate surge na década de 1970 através da revista Quaderni Storici, publicações italianas caracterizadas pela abertura à interdisciplinaridade e por um perfil pouco acadêmico, ocupando posição importante dentre as publicações italianas. Apesar de estar cercada por outros debates historiográficos, quando de seu surgimento, a Micro-História não deve ser compreendida como um deles, mas sim como resposta a estes. Tratava-se na verdade de uma articulação destes debates. A redução na escala de análise é a proposta fundamental da Micro-História. Em vez de se deter nos intervalos de longa duração e os largos espaços geográficos, privilegiou o estudo intenso das comunidades, grupos familiares e indivíduos. Essa proposta se reflete no uso das fontes. No que se refere às fontes seriais – características da História Econômica, como registro de compra e venda, registro de débito e crédito, testamentos, inventários, também denominadas fontes notariais (tão discutidas na École des Annales), estas deveriam ser combinadas entre si ao invés de serem consideradas isoladamente, com o intuito de revelar o concreto das relações sociais, enquanto que as fontes paroquiais e notariais deveriam ser confrontadas (LIMA, 2006, p. 62-67). Outras propostas apontadas pelo autor são a construção da memória do debate e a proposta de um projeto de pesquisa. Foi na década de 1970, período de surgimento da Micro-História, que se acentuaram as críticas às ideias globalizantes de história (disseminadas, inclusive, pela École des Annales) e que nesta época (1970 a 1980) já estavam entrando em crise. Seria justamente uma resposta a esta crise, relacionada à proposta dos historiadores sociais de compreenderem a realidade de forma global e muito abrangente. Foi também uma reação contra certo tipo de História Social que, em semelhança com a História Econômica, empregava métodos quantitativos de forma deliberada e se detinha na descrição generalizada sem voltar a atenção para especificidades da cultura local. Além disso, caracteriza-se também como uma reação à narrativa dos grandes feitos (já em decadência

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desde o movimento francês dos Annales) e abre espaço para reflexões de ordem cultural na História (BURKE, 2005, p. 61). A Micro-História consiste, então, em uma abordagem histórica que volta a atenção para o indivíduo em suas relações com outros indivíduos (MONTEIRO, 2008, p. 3). Por meio destas relações se podem compreender aspectos do todo. Lima (2006, p. 63) faz uma definição do que fora a Micro-História desde seu início: “trata-se de uma tentativa de reconstituição biográfica ‘coletiva’ que, com um diferente sentido político, tentava colocar no plano central as ações e pontos de vista das chamadas classes subalternas”. Esta definição recorda a ideia da história vista de baixo, proposta pelos Annales. Todavia, o objetivo principal da Micro-História não é possibilitar a abordagem das classes comuns, marginalizadas pela história tradicional e política, mas sim proporcionar um saber histórico que parta de uma análise mais detalhada e intensa, através da redução da escala de observação. O século XXI agregou novas questões à Micro-História sem abrir mão dos elementos fundamentais, articuladores do projeto Micro-histórico, a saber: o empenho em interpretar a realidade social a partir dos seus próprios termos, questionar as fronteiras ambíguas da contextualização sociocultural e promover a discussão histórica acerca das diferentes escalas de observação (LIMA, 2006, p. 386). É válido destacar que a inovação trazida pela MicroHistória não reside em um novo fazer ou pensar história, mas sim por tornar evidentes questões anteriormente negligenciadas pela historiografia e pela capacidade de expressar uma consciência teórica mais aprofundada sobre tais questões (LIMA, 2006, p. 388). Em concordância com a proposta da Micro-História (que também concorda com a Nova História por afastar-se da visão macro e superficial do contexto e observar uma história a partir de suas estruturas inferiores), nossa pesquisa buscou estudar um objeto específico e a partir deste compreender seu contexto histórico. Não se tratou de analisar a sociedade laranjeirense como um todo e dentro deste contexto amplo observar o órgão de tubos da matriz de Laranjeiras. Partimos do órgão, ou seja, de um pequeno ponto que, ao lado de outros (como, por exemplo, o doador, sua inserção social, sua ascensão política), compõem o cenário histórico laranjeirense. Dois elementos se destacam na abordagem Micro-histórica: cultura e sociedade. Também nesse aspecto essa abordagem colaborou com nossa pesquisa que teve como objeto de estudo um instrumento musical e seu contexto. Através da redução da escala de análise foi-nos possível constatar a relevância desse instrumento para a sociedade laranjeirense (e, por extensão para toda a região do Vale do Cotinguiba, confirmada por casos

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semelhantes em Maruim e Aracaju) na segunda metade do século XIX e como a cultura organística se deu na matriz daquela cidade.

2.1.2.1.2.

História Oral

Segundo Thompson, para haver História Oral é necessária a existência de uma proposta social explícita (2000, p. 3). Por outro lado, foi justamente a proposta social uma das motivações para a História Oral uma vez que esta privilegia as experiências e expressões de indivíduos comuns e ultrapassa os limites da documentação escrita convencional, possibilitando uma nova visão da sociedade, estando também de acordo com a história vista de baixo, presente na École des Annales. Deste modo, Thompson (2000, p. 3) destaca como vantagens dessa abordagem histórica oral a ampliação do campo da historiografia, além da possibilidade de escolher precisamente quem entrevistar (de acordo com os objetivos da pesquisa) e quais questionamentos são apropriados, conferindo-lhe uma reconstrução mais realista do passado (2000, p. 7). Delgado (2010, p. 15) define a História Oral como um procedimento metodológico que objetiva registrar versões e interpretações da História em suas múltiplas dimensões (factuais, temporais, espaciais, dentre outras), por meio da construção de fontes e documentos produzidos a partir de narrativas induzidas e estimuladas. Trata-se, portanto, do registro de depoimentos sobre histórias vividas. É um caminho para a obtenção de conhecimento histórico. De acordo com Delgado (2010, p. 16), uma das características da História Oral é a interdisciplinaridade uma vez que pode utilizar literatura, documentação, sociologia, música, dentre outros, no processo. Existe certa divergência quanto à sua definição. Há os que a classificam como método, os que a compreendem como técnica e os que a veem como disciplina. Todavia, destaca-se o caráter prático, atribuindo-lhe sempre a ideia de conjunto de procedimentos que auxiliam na compreensão da História. Thompson (2000, p. 133) afirma que a História Oral se refere a um tipo de fonte produzida pelo próprio historiador ao trabalhar com os testemunhos orais. Estas fontes são provenientes das entrevistas, instrumento básico de seu método. Segundo Albert, essa abordagem histórica consiste no estudo dos acontecimentos históricos, instituições, grupos sociais, categorias profissionais, movimentos, conjunturas, etc. à luz de depoimentos de pessoas que deles participaram ou os testemunharam (2005, p. 18). É válido ressaltar que apesar de produzir sua própria

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documentação (através da memória individual), a História Oral não exclui a utilização de documentos arquivísticos. A História Oral possui dois elementos fundamentais, a saber: temporalidade e memória. Segundo Delgado a memória é a principal fonte de depoimentos orais, enquanto que o tempo é fundamental neste processo, pois “orienta perspectivas e visões sobre o passado, avaliações sobre o presente e projeções sobre o futuro” (2010, p. 16). Ambos os elementos estão intimamente ligados e embora sejam distintos não se anulam, mas, ao contrário, se completam. Neste aspecto, de modo especial, a História Oral veio a contribuir e fundamentar nossa pesquisa que, embasada na temporalidade, também buscou servir-se da memória individual daqueles que usam ou usufruem do instrumento e sua música, uma vez que o órgão de tubos de Laranjeiras – instrumento mais que centenário – permanece em funcionamento. Além disso, seu contexto histórico permanece na memória daquela comunidade. É importante ressaltar que a memória se modifica com o tempo, com as experiências adquiridas, situações às quais o sujeito foi exposto durante seu curso de vida. Logo, relatos de um determinado fato passado estão sujeitos à subjetividade e esta é uma questão que expõe a História Oral à crítica que se dirige ao grau de confiabilidade do método. Todavia, Delgado explica que a História, em si mesma, é resultado da interpretação humana e, portanto, carregada de subjetividade (2008, p. 38). Por outro lado Augras (1997, p. 27 apud AUTUORI, 2011, p. 3) afirma que a subjetividade presente na História Oral é justamente um ganho por abarcar uma série de valores e impressões sendo produto de um testemunho vivo. Assim, estas impressões também norteiam a informação e devem ser levadas em consideração como demonstrativo do pensamento de alguém que viveu em determinado momento. Outras características da História Oral devem ser apontadas, a saber: 1) não trabalha com tempos muito distantes, uma vez que o indivíduo precisa ter na memória os fatos, as situações. Portanto, refere-se a um tempo presente, não comportando referências de um passado longínquo; 2) possui o testemunho oral como base da pesquisa; 3) possibilita o afloramento de várias versões da História, contribuindo para com a construção da consciência histórica individual e coletiva (DELGADO, 2010, p. 52). Ao lado da temporalidade e da memória há também outro elemento importante para a História Oral: a narrativa. Segundo Delgado, “a narrativa contém em si força ímpar, visto ser também instrumento de retenção do passado e, por consequência, suporte do poder do olhar e das vozes da memória” (2010, p. 44). É importante explicar que a narrativa à qual a História Oral se refere é unicamente a narrativa histórica cujo tempo e espaço correspondem ao real, não comportando histórias

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inventadas ou fantasiosas. Relaciona-se também à Nova História e à Micro-História por afastar-se da ideologia de uma história dos grandes feitos. Partindo da memória de determinados indivíduos de uma determinada comunidade, a História Oral também pode ser compreendida como uma abordagem que visa compreender as estruturas mais íntimas que formam o contexto, através da memória.

2.1.2.2.

Musicologia

Musicologia enquanto área de conhecimento pode ser definida como “ciência que investiga/estuda a arte da música enquanto fenômeno físico, psicológico, estético e cultural” (JOURNAL OF THE AMERICAN MUSICOLOGICAL SOCIETY, viii, p. 135 apud DUCKLES, 1980, p. 836). O desenvolvimento da Musicologia enquanto ciência remonta ao século XIX e tem na figura de Friedrich Chrysander (1826-1901) seu predecessor. Chrysander foi o primeiro a pensar a Musicologia enquanto uma ciência em pé de igualdade com as demais (CASTAGNA, 2008, p. 11). Ele também propôs uma metodologia para a Musicologia. Esta, no entanto, não consistia (de início) em um método próprio da ciência em questão, servindo-se da metodologia de outras áreas afins, como História, Sociologia, Filosofia, ou até mesmo das Ciências Naturais. O trabalho musicológico de Chrysander centrava-se na edição musical. Em 1902 defendeu uma linha de conservação do texto original sem modificações. Seu trabalho consistia na busca pela integridade da edição de modo que a atividade do editor deveria conservar a ideia original do autor, prezando pela exatidão, sem acrescentar outros elementos que não tivessem sido escritos pelo compositor da obra original. Esta prática, hoje conhecida como “Edição Urtext”, tem sido alvo de críticas uma vez que hoje não se aceita mais a ideia de uma total neutralidade por parte do editor (DUCKLES, 1980, p. 836). Há também que se destacar outros dois musicólogos de fundamental relevância para o desenvolvimento da Musicologia enquanto ciência: Hanslick e Spitta. Hanslick (1825-1904) desenvolveu atividade de músico e crítico musical. De acordo com Sams (1980, p. 153), Hanslick foi o primeiro grande profissional da crítica musical, contribuindo para com a estética da música, sendo também o pioneiro na apreciação musical. De um modo geral, Hanslick critica o pensamento predominante em sua época de que o belo musical consistia na representação de sentimentos. É válido ressaltar que tal pensamento norteou a música por

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muito tempo. O ocidente conheceu a Teoria do Ethos na Grécia Antiga, a Teoria dos Afetos na Renascença e no Barroco e a explosão de sentimentos do período romântico. Não é por simples acaso que Hanslick considera a música do período Clássico como sendo o mais alto estágio da História da Música, mas, sobretudo por se tratar de uma música de métrica firme e harmonia clara. O Classicismo musical se detém na clareza e determinação das formas, a exemplo da forma sonata, da sinfonia e do concerto (GROUT; PALISCA, 1994, p. 486). De acordo com Hanslick é possível afirmar que “o único e exclusivo conteúdo e objeto da música são formas sonoras em movimento” e ainda, que “a música consiste em séries sonoras, de formas sonoras, que não têm nenhum outro conteúdo a não ser elas próprias (2011, p. 112)”. Em continuação ao desenvolvimento da Musicologia enquanto disciplina, Julius August Philipp Spitta (1841 – 1894) desenvolveu atividade no âmbito da historiografia musical na Alemanha. O trabalho de Spitta estava centrado na biografia de compositores. Uma biografia que refletia o “conceito tradicional de história da arte como a história de indivíduos artistas, mas temperada com uma ênfase forte no contexto histórico” (Wolff, 1980, p. 8). Como exemplo pode-se destacar a biografia que escrevera sobre J. S. Bach, na qual os capítulos introdutórios apresentam um estudo detalhado sobre o coral germânico e da música para teclado no século XVII. Segundo Wolff (1980, p. 9), Spitta desenvolveu interesse sobre um amplo período da História da Música abarcando desde a música da Idade Média até a sua contemporaneidade. Mas foi a ênfase dedicada ao trabalho biográfico que caracterizou a atividade musicológica do historiador germânico. De fato, sua ideia era resgatar a história de vida (e obras) de personagens que julgava terem sido relevantes, como fizera com J. S. Bach, procurando sempre unir biografia e contexto. De acordo com o Duckles, o termo Musikwissenschaft (Musicologia) só entrou em uso no século XIX, mais precisamente no ano de 1827, no título de um trabalho do educador germânico Johan Bernhard Logier e se estabeleceu na década de 1860. Ainda, segundo Duckles, a aceitação do termo pode ser conferida através de sua utilização no título do jornal Vierteljahrsschrift für Musikwissenschaft (1885) e do termo Musikforschung (pesquisa em música), intitulando a Sociedade de Pesquisa em Música (do alemão: Gesellschaft für Musikforschung) em 1868. O termo Musikologie fora utilizado em 1885, equivalente à Etnomusicologia (DUCKLES, 1980, p. 837). A sistematização da Musicologia só viria a ser estabelecida por Guido Adler (18551941). De acordo com Duckles (1980, p. 838) Adler codificou a divisão entre os dois ramos da Musicologia: histórico e sistemático, estabelecendo seu conteúdo e método. Assim: o ramo

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histórico (a História da Música organizada por épocas, pessoas, impérios, países, províncias, cidades, escolas, artistas), compreende: a. Paleografia musical (notações); b. Categorias históricas básicas (agrupamentos de formas musicais); c. Leis - consagrados nas composições de cada época; como concebido e ensinado pelos teóricos; como elas aparecem na prática artística – d. Instrumentos Musicais. O ramo sistemático (que consiste na classificação das principais leis aplicáveis aos vários ramos da música) divide-se em: a) Investigação e justificação dessas leis em harmonia (tonal), ritmo (temporal) e melodia (correlação entre tonal e temporal); b) Estética e psicologia da música; c) Educação Musical; e d) Etnomusicologia (estudo investigativo e comparativo em etnografia e folclore) (DUCKLES, 1980, p. 838). Adler estabelece também uma lista com as disciplinas auxiliares da Musicologia, que contém - no âmbito histórico: História Geral, Paleografia, Cronologia, Diplomática, Bibliografia, Arquivística, História Literária e linguagens, História Litúrgica, História da Mímica e Dança, Biografia, Estatísticas das associações, instituições e performances e, no âmbito sistemático: Acústica e Matemática, Psicologia (sensação aural percepção aural, julgamentos, sentimentos), Lógica, Gramática, Métrica e Poética, Educação, e Estética (DUCKLES, 1980, p. 838). Nesse sentido, considerando a divisão estabelecida por Adler, nosso estudo enquadra-se na Musicologia Histórica uma vez que se propõe estudar um instrumento musical considerando o aspecto temporal do mesmo (abarcando o processo histórico que no qual está compreendido, desde sua fabricação até os dias atuais e considerando, neste histórico, elementos como uso, função e repertório, dentre outros).

2.1.2.2.1.

Organologia

Organologia pode ser definida como “a ciência dos instrumentos sonoros” (DEVALE, 1990 apud JOHNSTON 2008, p. 31). No entanto, DeVale defende a ideia de que atribuir à Organologia apenas a tarefa de classificar e descrever os instrumentos musicais é torná-la limitada e estática. Além disso, a Organologia também deveria auxiliar a explicar os aspectos sociais e culturais (DEVALE, 1990 apud JOHNSTON 2008, p. 31). Por sua vez, Libin a define como o estudo descritivo e analítico dos instrumentos musicais, devendo abarcar a classificação analítica dos instrumentos musicais de diferentes épocas e culturas, seu desenvolvimento histórico e prática musical (1980 p. 784).

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O termo teria vindo à tona no campo da Musicologia em 1940, sendo utilizado por Nicholas Bessaraboff em Ancient European Musical Instruments (MORGAN, 2008, p. 4). A Organologia, de forma geral, está relacionada com a classificação e categorização de espécies sendo proveniente das Ciências Biológicas. No que se refere à música, a Organologia é considerada um ramo da Musicologia. Ainda segundo a autora o termo remonta ao Syntagma Musicum, importante tratado escrito por Praetorius, compositor e organista germânico que no século XVI, abordando práticas musicais da época, bem como instrumentos musicais de forma detalhada (MORGAN, 2008, p. 4). Segundo Oliveira Pinto (2001, p. 266), Victor Charles Mahillon foi o primeiro a tentar desenvolver uma classificação de instrumentos musicais almejando, em 1880, uma utilidade universal. De acordo com o autor:

Mahillon foi curador da coleção de instrumentos musicais do conservatório real de música em Bruxelas. Nos seus catálogos de instrumentos musicais, Mahillon baseou-se nos conceitos dos antigos gregos, utilizando, como os teóricos europeus da Idade Média, um diagrama em forma de árvore para exemplificar as ramificações dos instrumentos musicais dentro de sua respectiva categoria. Mahillon avaliou os instrumentos de acordo com o tipo de vibração do material, responsável pela produção do som (OLIVEIRA PINTO, 2001, p. 266).

O sistema, no entanto, apresentava lacunas notadas na ausência de alguns instrumentos europeus e em algumas incoerências como na descrição de instrumentos de teclado e de instrumentos mecânicos. Sempre segundo Oliveira Pinto (2001, p. 266), em 1932 Schaffner propôs um modelo de classificação que diferenciava duas classes de instrumentos, sendo a primeira a dos instrumentos compostos por substâncias fixas que vibram e a segunda os constituídos por colunas de ar vibratórias. Ou seja, a primeira classe era constituída pelos instrumentos cujo som era produzido pela vibração do ar no corpo do instrumento e a outra classe seria constituída pelos instrumentos nos quais a vibração do material produzia o som. Morgan (2008, p. 5) questiona a Organologia tradicional por seu caráter estático ao centrar na classificação e descrição dos instrumentos musicais, negligenciando, por vezes, sua relação com o contexto no qual está inserido. Ao longo da história da Organologia podem ser destacados nesta perspectiva analítico-descritiva alguns sistemas organológicos, tais como: Hornbostel-Sachs, Bessaraboff e Schaffner. Quanto à sua divisão a Organologia fragmenta-se em três áreas de estudo, a saber: classificatória, analítica e aplicada (DEVALE 1990 apud

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JOHNSTON 2008, p. 31; MORGAN 2008, p. 6). Para Johnston (2008, p. 31) esta divisão abarca tanto a categorização, ou seja, a organização instrumental, agrupando-a e classificando-a segundo suas características físicas, o pensamento disciplinar e científico e o caráter pedagógico, uma vez que a organização e classificação de elementos são úteis no processo pedagógico. Morgan (2008, p. 4) denomina Organologia Tradicional ao estudo dos instrumentos musicais que se limita à classificação e tipologia das características físicas dos mesmos. Segundo Morgan, o estudo a repeito da função social dos instrumentos musicais tem ficado unicamente a cargo da Etnomusicologia. De acordo com Dawe e DeVale, no que tange ao estudo do instrumento e seu contexto cultural, “a divisão ideológica entre as abordagens científica e cultural para o estudo dos instrumentos musicais tem visto um crescimento recentemente, como contribuição de perspectivas etnográficas e da cultura material, começando a penetrar a tradição secular da organologia classificatória” (2003; 1990 apud MORGAN, 2004, p. 4). DeVale e Dawe podem ser entendidos como representantes desta nova abordagem organológica que além da classificação e descrição instrumental também se ocupa do estudo dos instrumentos musicais em seu contexto. De acordo com Dawe (2003, p. 274) os instrumentos musicais estão diretamente relacionados com a sociedade, a cultura, a economia e se modificam com eles. Logo, os instrumentos se modificam não comportando um estudo estático. Para Dawe a Organologia deve englobar Etnomusicologia, Antropologia quando estuda o físico e o biológico e enquanto bem material acompanha a mudança das mentalidades. Ainda segundo Dawe: “Tem que ser, se quisermos obter uma melhor compreensão da presença dos instrumentos musicais no fazer musical humano e das formas em que eles (e seus criadores e artistas) ajudam a moldar sociedades e culturas, e vice-versa” (DAWE, 2003, p. 275, tradução nossa)2. Com base no exposto acima compreendemos que a Organologia é um ramo da Musicologia que tem como objeto de estudo os instrumentos musicais. Um estudo que tem como base a classificação e descrição dos instrumentos, que não se detém apenas na análise física, isolada, mas também no estudo dos instrumentos enquanto elementos que fazem parte de um contexto sociocultural e histórico que, como fruto das mentalidades humanas, não é estático e se modifica, tornando a Organologia uma ciência em constante movimento. Esse pensamento está totalmente relacionado com a presente pesquisa que buscou estudar o órgão

2

Texto original: It has to be, if we are to gain a better understanding of the affecting presence of musical instruments in human music making and of the ways in which they (and their makers and performers) help to shape societies and cultures, and vice versa.

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não apenas do ponto de vista descritivo e classificatório, mas também sob o aspecto contextual histórico.

2.1.2.2.2.

Iconografia

A Iconografia pode ser definida como “ramo da história da arte que trata do tema ou mensagem das obras de arte em contraposição à sua forma” (PANOFSKY, 1976, p. 47). Destacam-se nesta definição dois elementos fundamentais que se articulam gerando um significado: mensagem e forma. Para que seja possível conjecturar um determinado significado é necessário, portanto, que haja um tema e uma forma que, contrapostos, conduzirão a uma ideia. De acordo com Panofsky (1976, p. 48) outros dois elementos são necessários à iconografia: objeto e acontecimento. A observação do objeto e do acontecimento conduz o observador a níveis de análise (também denominados de significado), desde a mais superficial à mais aprofundada. De acordo com o autor, o significado factual “é apreendido pela simples identificação de certas formas visíveis com certos objetos já conhecidos por experiência prática e pela identificação da mudança de suas relações com certas ações ou fatos” (PANOFSKY, 1976, p. 48). Essa observação, que em primeira instância gera um significado factual, também acarreta, em consequência, uma reação emocional no observador, que será capaz de notar os sentimentos contidos em determinada obra, gerando assim o significado expressional. Quando a observação está fundamentada em um conhecimento contextual, a exemplo de costumes, elementos históricos e culturais, entra em ação a interpretação sobre determinado fato expresso em determinada obra. Neste caso, não ocorre apenas uma reação sensorial, mas uma interpretação que gera um significado inteligível, consciente da ação prática à qual está veiculado. Em último estágio encontra-se o significado intrínseco ou conteúdo que consiste no estágio no qual também a experiência de vida e a personalidade do observador se manifestam na formação do significado (PANOFSKY, 1976, p. 48). Sempre de acordo com Panofsky, a descrição iconográfica (considerando o tema ou significado de uma obra de arte) está dividida em três níveis. O primeiro é o que denomina de Tema primário ou natural que consiste na identificação das formas puras, ou seja, concentrase nos aspectos materiais da obra, a exemplo de cores, materiais utilizados, contornos. Inserese também neste contexto a observação do acontecimento apresentado na obra e a relação

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entre objeto e acontecimento. Ainda nesse estágio devem ser observados os aspectos expressionais da obra. Também pode ser entendida como descrição pré-iconográfica de uma obra de arte (PANOFSKY, 1976, p. 50). O segundo nível de descrição é denominado Tema secundário ou convencional que ocorre quando se relaciona os motivos artísticos e as combinações de motivos artísticos (composições) com assuntos e conceitos. Sempre segundo Panofsky “motivos reconhecidos como portadores de um significado secundário ou convencional podem chamar-se imagens, sendo que combinações de imagens são o que os antigos teóricos de arte chamavam de invenzione; também denominadas estórias ou alegorias”. A iconografia seria justamente a identificação de tais imagens. O terceiro nível é denominado Significado intrínseco ou conteúdo. De acordo com Panofsky, o significado intrínseco é apreendido pela determinação dos princípios subjacentes reveladores da atitude básica de uma nação, de um período, de uma classe social, crença religiosa ou filosófica. Ou seja, dos elementos contextuais nos quais a obra está inserida (PANOFSKY, 1976, p. 52). Nesse sentido, o conhecimento dos aspectos históricos e artísticos promove uma interpretação aprofundada da obra que em alguns casos ultrapassa a própria intenção do artista. Segundo o autor: “A descoberta e interpretação desses valores ‘simbólicos’ (que, muitas vezes, são desconhecidos pelo próprio artista e podem, até, diferir enfaticamente do que ele conscientemente tentou expressar) é o objeto do que ele poderia designar por ‘iconologia’ em oposição à ‘iconografia’” (PANOFSKY, 1976, p. 53). A iconografia auxiliou-nos na construção do discurso a respeito do aspecto simbólico do órgão enquanto instrumento de representação de poder na tradição iconográfica ibérica e brasileira, que adiante será discutido. A pesquisa conduziu-nos a uma compreensão mais ampla do instrumento estudado que não unicamente e sua acepção física-material, mas como um objeto cujo caráter simbólico muito revela sobre a sociedade sergipana (de modo especial no Vale do Continguiba).

2.2.

METODOLOGIA DE PESQUISA

De acordo com Severino (2007, p. 102), o método científico é fundamental a qualquer processo de conhecimento. “Trata-se de um conjunto de procedimentos lógicos e de técnicas operacionais que permitem o acesso às relações causais constantes entre os fenômenos” (SEVERINO, 2007, p. 102). Aróstegui compreende a metodologia como sendo “a arte de

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aprender a descobrir e analisar os pressupostos e procedimentos lógicos em que se embasa implicitamente a investigação” (2001, p. 329) e enfatiza que o método é sempre precedido da definição do problema de pesquisa, pois não há como se traçar o caminho (metodologia) se não se sabe aonde quer chegar. Logo, o problema é o ponto de partida para a metodologia de pesquisa de um modo geral, independente da área a que esta investigação pertença. É válido ressaltar que a definição apresentada por Aróstegui concorda com o pensamento da Nova História ao partir de um problema de pesquisa. Ainda segundo Aróstegui, só pode haver método a partir de algumas condições, a saber: 1) que o método parte de alguns pressupostos teóricos que o estabelecem, delimitam e o mantém ligado aos objetivos da pesquisa. Deste modo, percebe-se que a metodologia está diretamente relacionada aos objetivos específicos estabelecidos no início da pesquisa. Trata-se de procedimentos que delimitados pelos pressupostos teóricos visam conduzir ao que se pretende saber; 2) que toda investigação científica surge da definição de um problema; 3) que o método não se reduz à um catálogo de práticas para descrição ou classificação de algo, mas deve ser capaz de estabelecer procedimentos que conduzam ao conhecimento; 4) que uma prática científica correta é definida pelos princípios metodológicos fundamentais e pelas fases operativas de um método (ARÓSTEGUI, 2001, p. 331). O autor destaca também duas alternativas metodológicas básicas: o método indutivo – procedimento pelo qual o pesquisador parte do particular para o geral, por meio da análise da multiplicação/repetição de ocorrências particulares para provar sua validade de forma generalizada – e o método dedutivo – ao contrário do anterior procede do geral ao particular considerando premissas universais para chegar às conclusões específicas. Uma vez que já apresentamos os princípios epistemológicos das disciplinas que embasaram nossa pesquisa, ressaltamos aqui também os métodos destas disciplinas, métodos que foram utilizados ao longo de nosso estudo, a saber: a metodologia da Ciência da Informação, compreendendo a Revisão de Bibliografia, a Arquivística (e Diplomática), o método histórico – abordando também a metodologia da História Oral e da Micro-História; o método organológico e iconográfico – inseridos no âmbito da Musicologia.

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2.2.1. Ciência da Informação

A metodologia da Ciência da Informação preocupa-se com a análise, coleta, classificação, manipulação, armazenamento, recuperação e disseminação da informação. Em nossa pesquisa histórica nos deparamos com o material documental constantemente, havendo necessidade de conhecer seu tratamento, a maneira como está organizado um arquivo, como fazer uma transcrição diplomática, dentre outros aspectos referentes à Ciência da Informação. Além disso, a pesquisa em fontes secundárias também consistiu em procedimento fundamental para a realização desta pesquisa.

2.2.1.1.

Revisão Bibliográfica

A atividade fundamental da revisão bibliográfica é a pesquisa em fontes de domínio científico. De acordo com Oliveira (2010, p. 69), “a principal finalidade da pesquisa bibliográfica é levar o pesquisador (a) a entrar em contato direto com obras, artigos [...] que tratem do tema em estudo”. Por sua vez Booth (et al 2005, p. 87) explica que a revisão bibliográfica abarca a pesquisa em enciclopédias gerais e especializadas, dicionários, livros, artigos científicos, dissertações, teses, periódicos, dentre outros. O autor ressalta a necessidade de analisar criticamente as fontes pesquisadas, sendo a segunda etapa de uma Revisão Bibliográfica, a seleção do material encontrado através de uma breve leitura e conseguinte escolha das fontes mais relevantes a respeito do tema em questão (BOOTH et al 2005, p. 87). A leitura integral e analítica das fontes selecionadas é fundamental para que se possa concordar ou discordar do que se lê, bem como contrapor fontes e argumentos para tornar o discurso consistente, quando necessário. Severino (2007, p. 134) afirma que a bibliografia enquanto técnica tem por objetivo a descrição e a classificação dos livros e documentos similares segundo critérios, tais como autor, gênero literário, conteúdo temático, data, dentre outros, sendo a técnica principal para a elaboração de uma bibliografia especial (escolha criteriosa das obras específicas) referente ao tema que se pretende abordar (SEVERINO, 2007, p. 134). Buscamos, em nossa pesquisa, consultar um amplo número de fontes bibliográficas que tanto nos auxiliaram no direcionamento de nosso estudo, quanto o embasaram. Para tanto, também selecionamos, por meio da leitura crítica das fontes, as que

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fundamentariam nosso trabalho e procuramos confrontar algumas das informações presentes em tais fontes como meio de melhor discutir o temo abordado.

2.2.1.2.

Arquivística

O método arquivístico abarca as atividades de identificação, classificação, avaliação, arranjo, descrição, preservação, transferência e recolhimento, arquivamento e disseminação da informação. A prioridade da arquivística não é a informação em si. A informação para a arquivística é uma consequência. O que de fato interessa é o documento enquanto evidência do que este comprova. Deste modo, podem ser apontados alguns valores documentais que lhes conferem suas especificidades, a saber: valor administrativo, valor fiscal, valor legal, valor probatório. Deve-se ressaltar ainda que a arquivística também se ocupa da preservação do documento (NEGREIROS et al, 2008, p. 4). Os princípios arquivísticos de proveniência, organicidade, unicidade, indivisibilidade, integridade são importantes à sua metodologia, bem como a ideia de idades documentais que se fragmentam em três: 1) arquivos correntes; 2) arquivos intermediários e 3) arquivos permanentes, uma vez que a maneira de tratar o documento dependerá do estágio no qual ele se encontra e levará em conta os princípios arquivísticos, como se pode observar a seguir, através das etapas nas quais se divide o método arquivístico: Identificação: Segundo Negreiros (et al, 2008, p.7) esta etapa ocorre na primeira idade do documento, quando ele ainda se encontra nos arquivos correntes, junto ao seu produtor e serve à finalidade para a qual foi produzido. Procura-se saber para qual função o documento em questão se propõe, “a quem ou a que órgãos cabem o trâmite, que legislação regula sua vida ativa, que informação essencial contém e qual seu papel na teia orgânica da administração à qual o arquivo serve” (BELLOTTO, 1991, p. 10 apud NEGREIROS et al, p. 7). Negreiros aponta como instrumentos utilizados nesta etapa: os organogramas, os quadros de fluxo de informação, as normas que estabelecem as atividades de cada setor ou órgão (et al, 2008, p. 7). Classificação: este processo pode ocorrer tanto na fase de arquivos correntes quanto na de arquivos permanentes. É este procedimento o responsável por definir a organização do arquivo com base em elementos como estrutura, funções, atividades e tipologias documentais.

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Sempre segundo Negreiros (et al, 2008, p. 8), para a Arquivística a classificação está vinculada, em sua conclusão, à codificação, podendo significar a organização dos documentos de arquivo através de códigos de classificação, ou a análise e identificação do conteúdo dos documentos, ou ainda, atribuição de graus de sigilo aos mesmos. Avaliação: decorrente do acúmulo de documentos nos arquivos. Assim, surgiu a necessidade de avaliar, por meio de técnicas e instrumentos adequados, aqueles documentos ditos permanentes e descartar aqueles documentos que não são vistos como tão importantes. Portanto, o objetivo deste processo é a redução da massa documental e a qualidade da conservação dos arquivos permanentes. Este processo ocorre na fase dos arquivos intermediários (NEGREIROS et al, 2008, p. 10). Tabela de Temporalidade: instrumento fundamental do processo de avaliação. Define o ciclo de vida do documento, separando os que pertencem aos arquivos intermediários dos que pertencem aos arquivos permanentes, sendo utilizada nas fases corrente e intermediária. É válido ressaltar que com o desenvolvimento tecnológico esta tabela de temporalidade sofreu modificações, como se pode notar a seguir:

Com o surgimento dos documentos arquivísticos produzidos em meio eletrônico, a tabela de temporalidade ganhou, além de seus dados básicos (órgão, setor, espécie e assunto do documento, prazos de guarda, destinação, etc.), outros complementares, que dizem respeito à obsolescência tecnológica, ou seja, algumas observações a respeito da migração de suportes e transferências de mídias (NEGREIROS et al, 2008, p. 9).

Ou seja, a tabela de temporalidade é quem define em qual idade se encontra o documento, a partir da análise de seus elementos. Com a tecnologia a tabela aponta o prazo de guarda documental, que estará sujeito ao parecer do administrador do sistema. Arranjo: consiste na análise do documento a partir de sua origem, forma e conteúdo com o intuito de organizar tais documentos. Descrição: processo por meio do qual são elaborados os catálogos de pesquisa, a partir de elementos formais e de conteúdo. Preservação: de acordo com Conway (2001, apud NEGREIROS et al, 2008, p. 14) a preservação consiste na “aquisição, organização e distribuição de recursos a fim de que

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venham a impedir posterior deterioração ou renovar a possibilidade de utilização de um seleto grupo de materiais”. Transferência e Recolhimento: transferência é a passagem dos documentos do arquivo corrente para o arquivo intermediário. Enquanto que Recolhimento é a passagem dos documentos do arquivo intermediário para o arquivo permanente. Objetivando o aproveitamento do espaço físico e a preservação documental (NEGREIROS et al, 2008, p. 15). Arquivamento: o processo de arquivamento consiste na guarda dos documentos obedecendo a um padrão de organização. Segundo Negreiros (et al, 2008, p. 15) este processo é referente à guarda física dos documentos nas estantes, fichários, etc. Este procedimento obedece a um método de arquivamento que poderá ser básico (alfabético, geográfico, etc.) ou padronizado (automático, mneumonico, etc.). Atividades de Referência ou Disseminação da Informação: processo que possibilita o acesso e o uso dos documentos. Sempre segundo Negreiros, isso pode acontecer em todas as idades documentais. Ocorrendo nas idades corrente e intermediária, cabe ao produtor do documento realizar o processo. Já na idade permanente fica a cargo de políticas de uso e acesso decidirem o que deve ou não ser disponibilizado, a partir de uma série de critérios. Dessa forma, compreendemos que a metodologia arquivística abarca processos de seleção, guarda, organização e disponibilização do documento. O método arquivístico trabalha com o documento enquanto suporte material (objetivando o tratamento adequado deste material) e enquanto informação (objetivando sua disponibilização). Nosso estudo concentrou-se nos documentos permanentes. Nesse sentido, conhecer o arquivo, sua estrutura e como disponibiliza a informação auxiliou-nos no processo de pesquisa. No caso específico da pesquisa sobre o órgão de tubos de Laranjeiras, fora preciso examinar os catálogos – instrumentos de pesquisa de alguns arquivos visitados – antes de solicitar o documento. O registro fotográfico também foi procedimento necessário para nossa pesquisa, tanto por questão de praticidade quanto pelo próprio registro da informação que muitas vezes precisara ser consultada ao longo da pesquisa.

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2.2.1.3.

Diplomática

De acordo com Belloto “a metodologia da Diplomática gira em torno do verídico quanto à estrutura e a finalidade do ato jurídico” (2002, p. 21). O método diplomático concentra-se no âmbito jurídico-administrativo para a análise documental, valendo-se para tanto dos elementos externos e internos do documento. Os elementos externos referem-se ao suporte do documento enquanto os internos ao conteúdo, à informação. A Diplomática tem a estrutura formal do documento por objeto, desta forma, a construção semântica do discurso do documento deve corresponder à problemática jurídica do mesmo (BELLOTO, 2002, p. 18). A autora estabelece uma sequência de procedimentos para a realização da identificação diplomática considerando a estrutura formal do documento, a saber: 1) busca pela autenticidade relativa à espécie, ao conteúdo e à finalidade; 2) reconhecimento da datação tópica e cronológica; 3) estabelecimento da origem/proveniência; 4) reconhecimento da transmissão e da fixação do texto (BELLOTO, 2002, p. 21). Como exposto anteriormente, a análise diplomática do documento observa os elementos externos e internos, sendo os elementos extrínsecos referentes à estrutura física do documento, ou seja, com a sua forma de apresentação. Como exemplos, podemos citar o espaço e volume que o documento ocupa, o tipo de suporte, o formato (característica do suporte: caderno, folha avulsa, livro) e a forma (estágio de preparação e transmissão de um documento: original, cópia), o gênero (se textual, sonoro, etc.), a linguagem, a forma de escrita que determinados autores consideram como sendo intermediários (BELLOTO, 2002, p . 23-24). No que concerne aos elementos internos, estes são referentes ao conteúdo propriamente dito, bem como sua natureza e função. São considerados elementos intrínsecos: a proveniência (que instituição ou indivíduo é responsável pela produção e guarda do documento), as funções (motivos de sua produção) – considerando-se, neste estágio, as atividades e os trâmites pelos quais o documento passou, o conteúdo (assunto de que trata) e as datas que podem ser cronológicas (ano, mês, dia) e tópica (a localização de onde ele está datado). Esses elementos são essenciais para análise diplomática (BELLOTO, 2002, p. 27). Segundo Bellotto, se tomados de forma ortodoxa, os documentos diplomáticos consistem unicamente nos documentos de “natureza jurídica, que refletem atos políticos, sociais, legais e administrativos entre Estado e cidadãos” (2002, p. 35). A razão para isso reside na organização formal do documento, uma vez que o documento de natureza jurídica é

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“redigido em observância a fórmulas estabelecidas que se destinam a dar-lhe fé e força de prova” (NUÑEZ CONTRERAS, 1981 apud BELLOTTO, 2002, p. 36). É a estrutura formal, para a diplomática, que juntamente com a análise do conteúdo (mensagem), auxilia no entendimento do mesmo. Segundo a autora:

Todo documento tem um autor ou autores, é dirigido a um indivíduo ou a uma coletividade, sua gênese está datada de um lugar (data tópica) e de um tempo (data cronológica) e se produz por alguma razão contida em seu texto. Há condições de aplicação e de sanção que dele também constam. A tramitação do documento, da sua origem à sua aplicação, depende da estrutura burocrática da época, do país e do direito que ali comanda a sociedade (BELLOTTO, 2002, p. 36).

No que tange à aplicação da análise diplomática, podemos afirmar que ela tem por finalidade decodificar as partes do documento diplomático. O texto diplomático se divide em três partes: 1) protocolo inicial; 2) texto e 3) protocolo final. Tais elementos são descritos da seguinte forma (BELLOTO, 2002, p. 39-40): •

Protocoloco Inicial: fragmentado em quatro partes, a) Invocacio/Invocação, b)

Intitulatio/Titulação - consta do nome próprio e título da autoridade da qual emana o ato, c) Inscriptiu/direção ou endereço - referente a quem o ato se dirige e d) Salutatiu/Saudação parte final do protocolo. •

Texto: a) Prologus/Preâmbulo – no qual se justifica a criação do ato; b) Notificatio/

Notificação;

c)

Naratio/

Exposição



explicação

sobre

as

causa

do

ato;

d)

Dispositio/Dispositivo – o assunto de que trata o ato, sua substância; e) Sanctio/Sansão – na qual são assinaladas as penalidades no caso do não cumprimento do dispositivo; f) Valoratio/Clausulas finais – na qual se assegura a execução do dispositivo. •

Protocolo Final: a) Subscriptio/Subscrição – assinatura do emissor ou autor do

documento; b) Datatio/Datação – cronológica e tópica; c) Aprecatio/Precação – onde se reitera a legalidade do documento. O conhecimento dessas partes colabora com o trabalho do pesquisador que ciente das características de cada uma delas pode estudar o documento de maneira mais clara e segura. Este saber diplomático também auxilia a atividade arquivística no que se refere à descrição e classificação documental. Ainda sob o ponto de vista metodológico, a Diplomática orientounos na elaboração do que denominamos “Transcrição Diplomática”, por ter como objetivo

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reproduzir o conteúdo apresentado no documento respeitando o texto original e sua disposição formal. Em caráter prático, a observação das seções documentais (Protocolo Inicial, Texto e Protocolo Final) permitiu-nos realizar uma transcrição melhor fundamentada e uma análise mais precisa do texto – que diversas vezes mostrava-se ilegível, fosse por conta de rasuras ou desgaste do papel, fosse por conta de uma grafia ilegível.

2.2.2. Ciências Humanas

De acordo com Aróstegui a metodologia nas Ciências Humanas apresenta algumas dificuldades que podem ser sintetizadas como: a dificuldade de se estabelecer uma observação neutra, considerando que sempre há interferências de conhecimentos e ideologias prévias por parte do observador, mesmo que inconscientes; a dificuldade de descobrir leis na ciência social que derivem do processo de explicação e contrastação. Deste modo, a pesquisa científica, que de forma geral deve prezar sempre pela objetividade, finda por adquirir, no âmbito da Ciência Social, um caráter subjetivo por se tratar de uma análise autorreferencial, ou seja, na qual o homem estuda o próprio homem seja através de uma análise social, seja através de uma análise temporal. No que diz respeito à lógica das operações formais do método científico social o autor as divide em quatro fases: 1)

hipóteses prévias - trata-se do fundamento de origem de uma investigação onde

os problemas de pesquisa e as primeiras tentativas de investigação são fixados. 2)

observação e descrição sistemática - trata-se do estágio de análise, classificação

e definição de um determinado campo de estudo. 3)

validação/contrastação - fase na qual as hipóteses previamente sugeridas são

colocadas em prova para confirmar sua validade por meio da contrastação de hipóteses. 4)

explicação - uma vez contrastadas e validadas as hipóteses deve-se explicar os

resultados, estabelecendo leis ou teorias. Trata-se, portanto, do estágio final da pesquisa (ARÓSTEGUI, 2001, p. 339). A seguir abordaremos o método histórico, bem como a metodologia da Micro-História, da História Oral e da Musicologia – Organologia e Iconografia cujos métodos nos auxiliaram ao alcance de nosso objetivo.

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2.2.2.1.

Método Histórico

Aróstegui (2011, p. 353) apresenta uma visão do método histórico em duas dimensões: a do nível geral (que se assemelha às demais Ciências Sociais) e a do nível específico (referente à Historiografia) que está diretamente ligada à natureza das fontes históricas. O autor ressalta a dificuldade em se alcançar um empirismo totalmente objetivo por meio do método histórico, pois a subjetividade é característica dos estudos no âmbito das Ciências Humanas. Sempre segundo Aróstegui, o aspecto que distingue a historiografia das demais disciplinas sociais é o fato de voltar-se para a temporalidade, ou seja, por estudar o homem e a ação humana em seu aspecto temporal (2001, p. 354). Neste sentido, o autor cita dois procedimentos metodológicos característicos do método historiográfico: a)

A análise documental - a História tem o documento como fonte de investigação

fundamental. O documento deve ser analisado de forma crítica, porém não é permitido ao pesquisador modificar o conteúdo das fontes. Criticar o documento não implica em deturpar sua mensagem. No método histórico tradicional constavam dois níveis de crítica documental: a crítica externa – referente ao material, ao suporte do documento, e a crítica interna – referente à informação contida no documento. O desenvolvimento da historiografia, que teve seu impulso na École des Annales, ampliou o conceito de fontes. Todavia, não dispensa a ideia tradicional de análise. A diferença é que antes do movimento historiográfico francês, a crítica objetivava apenas validar a autenticidade e veracidade documental e a partir do Annales o objetivo da crítica documental se ampliou. Aróstegui (2001, p. 396) toma dois conceitos como bases para o processo de crítica documental: a análise de confiabilidade (que busca analisar elementos como fidedignidade, contextualização, depuração das fontes de informação) e a análise de adequação (definição das fontes, recompilação documental e seleção das fontes em função das hipóteses. É o processo de adequação que visa responder às perguntas do pesquisador. b)

História Comparada - faz uso da comparação para chegar à compreensão

de

uma determinada realidade (problema). Este procedimento se divide em dois tipos. O primeiro deles é a comparação simultânea – que ocorre em âmbitos diferentes – e o segundo, a comparação sucessiva – que ocorre em tempos diferentes. O procedimento comparativo é de fundamental importância para o método histórico e deve ter sempre como base a diacronia, para que não se caia no erro de tentar compreender situações do passado tomando como base

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a mentalidade atual. Além disso, é necessário definir previamente o que é comparável, entender os conceitos de cada âmbito correspondente ao que se quer comparar e estabelecer um controle constante da comparação (ARÓSTEGUI, 2001, p. 357). A investigação histórica deve responder a um plano que naturalmente, ao longo do processo, será modificado. Este plano sustenta-se nos seguintes tópicos: 1) o que se quer conhecer; 2) como conhecer e 3) comparação do conhecimento. Sobre estes níveis são determinadas duas operações básicas no Método Histórico: a construção de hipóteses e a explicação. Segundo Aróstegui (2001, p. 368), toda investigação parte de perguntas e são estas perguntas que conduzirão às hipóteses que, apesar de serem fundamentais no início do processo, vão se modificando naturalmente ao longo do percurso, em virtude do surgimento de descobertas. A fase das hipóteses corresponde à investigação da pesquisa histórica, que se inicia com as suposições e segue com a seleção e análise documental e os demais procedimentos adequados à investigação em questão. Esta fase irá sucumbir no processo de explicação que é constituído dos seguintes elementos: relato, argumentos, generalização e explicação. A explicação se caracteriza, portanto, na descrição dos dados obtidos ao longo da pesquisa. Estes dados devem ser discutidos procurando estabelecer uma argumentação. O autor destaca que o relato é elemento característico na historiografia, porém não deve existir isoladamente, pois apenas apresenta o fato, mas não o discute nem o justifica. Deste modo, a descrição/relato se articula com a explicação/argumentação, pois é justamente “a argumentação que diferencia o discurso do relato” (2001, p. 376). Logo, ambos os elementos estão interligados no método histórico uma vez que não se pode descrever sem argumentar e nem o inverso. Nosso estudo, em concordância com o método histórico apresentado por Aróstegui, partiu de um problema de pesquisa (nosso objetivo geral) e a partir desse problema surgiram questionamentos que deveriam ser respondidos também ao longo do processo que corroboravam e auxiliavam na compreensão do problema principal (os objetivos específicos). Através desses questionamentos surgiram as hipóteses que procuramos afirmar ou refutar. É válido ressaltar que, apesar de consistirem no impulso inicial da pesquisa, outros problemas e hipóteses também sugiram ao longo do processo. O método histórico, em nosso estudo, foi também auxiliado pela metodologia arquivística e diplomática, já apresentadas nesta dissertação. Apesar de não nos concentrarmos apenas nos documentos diplomáticos (do ponto de vista ortodoxo), uma vez que, em concordância com a Nova História, utilizamos outros documentos que não unicamente os de natureza jurídico-administrativa, tais metodologias

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embasaram nossa pesquisa em arquivos, corroborando para com um melhor tratamento e compreensão de documento e uma abordagem melhor fundamentada das informações neles contidas.

2.2.2.1.1.

Micro-História

O método da Micro-História consiste, fundamentalmente, em reduzir a escala de observação com o objetivo de compreender detalhes, de analisar aquilo que a Macro-História engloba em um todo generalizante. Desta forma, Lima (2006, p. 366) explica que apesar de possuir uma proposta metodológica comum, a Micro-História não deve ser compreendida como homogênea, uma vez que abarca uma série de problemáticas, tanto de cunho cultural, quanto social. Neste sentido, Lima discorre sobre a dualidade da proposta Micro-histórica a partir do pensamento de Edoardo Grendi (1994) que analisa seus precursores: Levi e Ginzburg e conclui que de um lado havia uma preocupação com a História Social, tendo como interesse o estudo das relações interpessoais na investigação histórica e de outro, a Micro-histórica Cultural, tomando como objeto de análise a relação sujeito-cultura. Segundo Lima (2006, p. 369) seria justamente o método o elemento unificador da Micro-História. Um método que fosse caracterizado pela interdisciplinaridade e pelo aspecto experimental. A redução de escala pode ser compreendida como construção experimental do objeto de investigação que possibilita ao pesquisador ver relações e sentidos que permaneceriam ocultos à Macro-História (LIMA, 2006, p. 369). De acordo com Burke “a Micro-História como uma prática é essencialmente baseada na redução da escala da observação, em uma análise microscópica e em um estudo intensivo do material documental” (2011, p. 138). Ao reduzir a escala o observador pode compreender determinadas situações, as quais se propõe investigar com maior intensidade. Em decorrência disto, surgem, ao longo da pesquisa, algumas problemáticas, alguns elementos e evidências que podem gerar ainda mais perguntas ao pesquisador, evidências que destoam da hipótese lançada e dos elementos comuns já levantados. Mas estas evidências devem ser estudadas com atenção, pois ao observar determinada época, determinado contexto de modo mais intenso, como propõe a Micro-História, o observador não pode descartar aquilo que destoa do esperado, não pode generalizar, como faz a Macro-História. O intuito do método micro-histórico é justamente proporcionar uma análise mais complexa e detalhada da realidade. Pode-se perceber tal

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afirmação a partir da citação a seguir, sobre o pensamento de Levi a respeito desta microanálise, onde ele escreve: "A redução de escala é uma operação experimental [...] porque presume que as delineações do contexto e sua coerência são aparentes, e revela aquelas contradições que só aparecem quando a escala de referência é alterada” (LEVI, s.d. apud LIMA, 2006, p. 370). Ressaltamos que não se trata apenas de reduzir a escala. A MicroHistória não objetiva unicamente reduzir seu campo de análise, mas compreender detalhadamente seu objeto. Neste sentido, também é importante a manipulação da escala. Saber quando é necessário ampliá-la e quando é preciso reduzi-la e para qual dimensão reduzir. Sobre isso Monteiro explica que a Micro-História “pretende modificar a dimensão dos objetos conhecidos, apresentando-os sob diversos ângulos até mesmo contraditórios, assim faz da escala, e mais precisamente, do jogo entre as escalas de análise, um dos conceitos centrais para a prática histórica” (2008, p. 2). E ainda, ao se utilizar da escala reduzida, a Micro-História permite reconstituir uma realidade que não foi possível em outro tipo de historiografia (GINZBURG, 1991 apud MONTEIRO, 2008, p. 2). Ou seja, apesar de fundamentar-se na redução de escala, o método micro-histórico parte da Macro-História e deve, a depender da necessidade, observar seu objeto de estudo e analisá-lo de diversas formas a permitir uma análise mais apurada do mesmo. Burke explica que a redução da escala não é neutra e que provém do interesse do pesquisador, com propósitos experimentais (2011, p. 141). Segundo Oliveira (s.d., p. 5) “o método da Micro-História consiste principalmente na redução da escala de análise da investigação para, em seguida, estabelecer um jogo entre a dimensão detalhada do enfoque de pesquisa e a escala ampliada do contexto social que lhe atribui sentido e que é enriquecido com as novidades provenientes da microanálise”. Essa informação consiste em uma discussão presente, inclusive entre os precursores da MicroHistória. O mentor desta ideia do jogo de escalas foi Levi que justificou tal procedimento explicando que o que se observa em um microscópio é uma realidade macro, apenas está sendo analisada minuciosamente. Deste modo, o método micro-histórico de análise surge a partir de uma realidade que será analisada num processo que vai do geral para o particular e esta relação permanece durante todo o processo de estudo. Podemos afirmar, portanto, que o método micro-histórico tem a escala de observação como instrumento fundamental. O foco proposto para a dimensão escalar não é neutro, mas, ao contrário, segue ao interesse do pesquisador a partir do seu objeto de estudo. Trata-se de uma abordagem historiográfica desenvolvida em meio a várias outras discussões, tanto de cunho histórico, quanto de cunho social e que por esta razão não deve ser entendida como

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homogênea, uma vez que consiste em uma resposta a tais discussões. Deste modo, sua prática abarca duas propostas, a social (o homem e o meio do ponto de vista histórico) e a cultural (o homem e a cultura do ponto de vista histórico). Sua metodologia caracteriza-se pela interdisciplinaridade. De acordo com Levi muitos historiadores que aderem à Micro-História têm-se envolvido em contínuos intercâmbios com as Ciências Sociais (apud BURKE, 2011, p. 35). É experimental, pois por meio da escala, mais precisamente da redução da escala de observação, analisa determinada realidade visando conhecer com mais profundidade as relações que nela estão contidas, podendo também contrapor os resultados desta análise com a realidade vista sob a análise macro da qual partira. Com relação à nossa pesquisa, ressaltamos que a redução de escala se observa justamente no estudo do órgão de Laranjeiras. Não se tratou unicamente de reduzir a escala de observação, partindo do estudo do órgão, mas de compreendê-lo de diversas maneiras (do ponto de vista histórico, musical e também social. A metodologia micro-histórica articula-se em nossa pesquisa a respeito do órgão de Laranjeiras pelo fato de centralizarmos nosso estudo em um elemento que compõe um cenário maior: Laranjeiras no Vale do Cotinguiba. Consistiu em um estudo no qual objeto e contexto estavam relacionados, salientando que o interesse não se concentrou unicamente no instrumento, mas na sua relação com aquela sociedade no aspecto histórico e musical. A utilização desse método apresentou-nos uma realidade pouco conhecida e até mesmo não esperada. Nosso objetivo de estudar o órgão tinha como contexto a cidade de Laranjeiras. No entanto, esta micro-análise conduziu-nos a um contexto mais amplo, o Vale do Cotinguiba, mostrando-nos um fato ocorrido naquela região de caráter político e econômico e a partir deste foi possível estudar o contexto histórico de uma forma mais aprofundada. Além disso, a comparação entre os resultados obtidos com a MicroHistória e contrapostos com a realidade comumente apresentada sobre Laranjeiras como centro cultural e local que tem por característica as manifestações folclóricas nos apresentou uma Laranjeiras pouco conhecida. Quando nos referimos à cidade, o primeiro pensamento remonta aos diversos grupos folclóricos que nela se concentram, a exemplo do reisado, Lambe-sujo, Taieiras, samba de coco, dentre outros. No entanto, poucos conhecem o contexto histórico da cidade marcado pela forte presença da Igreja Católica e dos Senhores de Engenho, da luta pelo poder político econômico e do órgão de tubos instalado no coro da matriz que representa esses aspectos hoje esquecidos pela macro-análise.

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2.2.2.1.2.

História Oral

A História Oral pode ser entendida como método de investigação, fonte de pesquisa, técnica de produção e tratamento de depoimentos de entrevista gravados. Estes três aspectos encontram-se interligados (ALBERT, 2005, p. 17). A partir desta colocação entende-se que se trata de um método que produz fontes de consulta para outros estudos. Estas fontes podem ser reunidas em um acervo aberto a pesquisadores. Delgado afirma que o método da História Oral consiste na produção de documentos por meio de entrevistas ou depoimentos.

O ponto comum que inscreve as referidas produções de documentos no campo da história oral encontra-se no fato de fazerem da memória e da narrativa dois elementos centrais para a reconstituição de épocas e acontecimentos que tiveram importância para a vida de comunidades, instituições e movimentos aos quais os depoentes estiveram ou ainda estão vinculados (2010, p. 21).

Portanto, a História Oral tem um instrumento de pesquisa fundamental, a entrevista, por meio da qual o pesquisador toma conhecimento do fato e produz, após uma análise do discurso, os documentos. Severino (2007, p. 124) define entrevista como “técnica de coleta de informações sobre um determinado assunto, diretamente solicitada aos sujeitos pesquisados”. E acrescenta que por meio dela “o pesquisador visa apreender o que os sujeitos pensam, sabem, representam, fazem e argumentam”. Delgado apresenta três tipos de entrevista no que se refere à História Oral, a saber: 1) depoimentos de história de vida; 2) entrevista temática, 3) entrevista de trajetória de vida. Segundo Delgado, o depoimento de história de vida possui caráter mais profundo e pode ser orientado por roteiros abertos, semiestruturados ou estruturados e tem por objetivo reconstituir a trajetória de vida de um indivíduo (2010, p. 21). Ainda segundo a autora, o tempo gasto com esse tipo de depoimento tende a ser mais prolongado, porém, a duração depende das características do narrador, de sua condição emocional, de sua disponibilidade, dentre outros fatores. Por se tratar de uma busca mais aprofundada, o depoimento de história de vida “pode captar com detalhes o substrato de um tempo” (2010, p. 22). A entrevista temática se refere às situações ou experiências vivenciadas pelo entrevistado. Pode ser endereçada a indivíduos importantes em determinado contexto, ou a temas específicos, como movimentos culturais, prática de ensino, dentre outros (DELGADO,

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2010, p. 22). A entrevista de trajetória de vida, por sua vez, pode ser entendida como uma espécie de “depoimento de história de vida” mais superficial, sem se ater a detalhes em demasia. Severino (2007, p. 125) aponta ainda dois tipos de entrevistas que estão presentes, intrinsecamente, nas entrevistas citadas anteriormente. Trata-se da 1) Entrevista Não-Diretiva: por meio da qual o entrevistador colhe informações através do discurso livre do entrevistado, sem determinar questionamentos. 2) Entrevista Estruturada: cujas questões são direcionadas e previamente estabelecidas, com determinada articulação interna. Albert (2005, p. 23) apresenta algumas especificidades próprias do método da História Oral. A primeira delas estabelece que este método deve ser empregado apenas em pesquisas sobre temas recentes, que a memória dos entrevistados alcance. A segunda especificidade diz respeito à documentação, afirmando que o trabalho com a História Oral constitui uma produção intencional de documentos históricos, pois o pesquisador é o responsável pela construção da documentação necessária, de acordo com a necessidade da pesquisa. Outra especificidade é o fato de o pesquisador participar diretamente na produção do documento. Além destas especificidades há também a questão da possibilidade de recuperar dados que não se encontram em documentos de outra natureza, a exemplo de: experiências pessoais, impressões particulares, dentre outros. Mas, para a autora, há uma questão que denota maior importância no método da História Oral. Trata-se do fato de este método proporcionar a recuperação do vivido a partir da concepção de quem viveu, adquirindo, para tanto, uma postura histórica e sociocultural. Segundo Delgado (2010, p. 30) a utilização da metodologia da História Oral está cercada de desafios de diferentes naturezas. Tais desafios referem-se à interdisciplinaridade que ainda não foi totalmente assimilada pela comunidade acadêmica. Também dizem respeito às limitações da pesquisa histórica do tempo presente, cheia de subjetividade, que pode ser percebida pelas emoções e possíveis omissões no discurso do relator. Outro desafio é o cuidado que o pesquisador deve ter ao analisar um depoimento, sem se deixar envolver completamente com a narrativa. O pesquisador deve manter a distância necessária para análise. Considerando que o método da História Oral consiste em recolher depoimentos pessoais referentes a processos históricos, Thompson (1992, apud DELGADO, 2010, p. 19) apresenta algumas das potencialidades metodológicas e cognitivas desse método: 1) a revelação de novos campos e temas para pesquisa; 2) apresentação de novas hipóteses e versões sobre processos já analisados e conhecidos; 3) possibilidade de associação entre acontecimentos da

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vida pública e da vida privada através de narrativas individuais. No que se refere à dinâmica de entrevista em História Oral, Delgado aponta algumas qualidades necessárias ao entrevistador para uma melhor aplicação, tais como: 1) habilidades no falar e no ouvir; 2) respeito e ética para com o entrevistado; 3) domínio do assunto pesquisado, do vocabulário e das terminologias a ele relacionados (2010, p. 23). Algumas etapas são necessárias para a aplicação da entrevista, compreendendo um processo de preparação, realização, encerramento, transcrição e socialização (DELGADO, 2010, p. 23). É válido ressaltar que a escolha do objeto pode ser auxiliada pela pesquisa documental. Deste modo, há, no método da História Oral, uma estreita relação com a pesquisa documental. Essa relação pode ser considerada como bidirecional por haver uma troca entre tais métodos, pois ao mesmo tempo em que os documentos fornecem subsídios à História Oral, esta também é responsável pela produção de documentos – a partir das entrevistas. A segunda etapa consiste na preparação da entrevista, ou depoimento. Deve-se iniciar pela escolha de critérios para definição de quem realmente deve ser entrevistado e por qual motivo. Com base na definição dos critérios, deve-se dar preferência aos entrevistados mais idosos. O número de entrevistados precisa ser suficiente para que seja possível realizar comparações, podendo também contribuir para com a construção de evidências (DELGADO, 2010, p. 25). A terceira etapa deste processo é a preparação dos roteiros de entrevista. Estes devem conter a síntese das questões levantadas durante a pesquisa documental e informações recolhidas no primeiro contato com o futuro entrevistado (DELGADO, 2010, p. 26). Em seguida realiza-se a entrevista, etapa crucial neste processo. Após esta etapa ocorre o processamento e análise das entrevistas que consiste em: 1) transcrição das entrevistas (primeira versão escrita dos documentos). Deve prezar pela fidelidade ao discurso oral; 2) conferência de fidelidade (ou seja, o ato de ouvir a gravação simultaneamente à leitura da transcrição com o objetivo de corrigir possíveis falhas); 3) análise das entrevistas, compreendendo o estudo destas, no intuito de observar os objetivos previamente propostos na pesquisa. Esta é a fase da interpretação. Deste modo, o método da História Oral consiste em um processo de pesquisa que tem início com a escolha do problema e se estende até a análise da narrativa. Tem como técnica fundamental a entrevista ou depoimento. Tal técnica fornecerá as informações necessárias que deverão ser transcritas, corrigidas e analisadas até que se constituam em documentos escritos. Trata-se de um método ativo, que possibilita o conhecimento histórico, mantendo viva a memória de determinada comunidade.

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Em concordância com a Nova História, a aplicação da História Oral em nossa pesquisa possibilitou-nos a utilização de outras fontes que não apenas as escritas. O fato de, através de entrevista, ser possível criar nossas próprias fontes, comunga com o pensamento de ampliação no conceito de fontes característico dos Annales. O método da História Oral nos orientou na elaboração da entrevista (realizada com o organista em atividade na matriz de Laranjeiras, desde a década de 1990), assim como na transcrição e interpretação da mesma.

2.2.2.2.

Musicologia

De acordo com Duckles (1980, p. 836), “descrever a Musicologia como um método implica em dizer que ela procede de acordo com princípios lógicos”. A Musicologia enquanto método caracteriza-se pela ênfase na pesquisa, sempre prezando pela precisão e rigor. O método fundamental da Musicologia Histórica é o método histórico, já apresentado anteriormente neste trabalho. De um modo mais amplo, a Musicologia é constituída de disciplinas que apresentam cada qual, seu próprio método. São elas: Método Histórico, Método Teórico e Analítico, Crítica Textual, Pesquisa Arquivística, Lexicografia e Terminologia, Organologia e Iconografia, Prática Performática, Crítica e estética, Dança e História (DUCKLES, 1980, p. 839-846). Em nosso trabalho, alem do método histórico, fundamentamos nossa pesquisa na Organologia e na Iconografia, cujos métodos serão apresentados a seguir.

2.2.2.2.1.

Organologia

De acordo com Oliveira Pinto (2001, p. 265) a Organologia é a ciência dos instrumentos musicais e consiste na classificação e na sistemática de todos os instrumentos, tanto no que se refere aos aspectos relacionados à construção do instrumento, ao tipo de material que o constitui e a forma do instrumento, quanto no que se refere à nomenclatura e classificação. Isto é importante para entender que o método organológico compreende um todo e não apenas o objeto isoladamente fora de um contexto. Deste modo:

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O objetivo essencial da organologia passou a ser a enumeração, descrição, localização e história de instrumentos musicais de todas as culturas e de todos os períodos, mesmo que só produzissem alguns tons ou que fossem utilizados apenas para fins puramente estéticos ou em contextos religiosos, de magia ou finalidades práticas (SCHAFFNER, 1932 apud OLIVEIRA PINTO, 2001, p. 265).

A Organologia também pode ser compreendida como o estudo contemporâneo de instrumentos musicais ocupando-se da terminologia, classificação, construção, formas e técnicas de uso considerando também a sua produção musical, fatores socioculturais, dentre outros. Há que se mencionar também o ramo da Musicologia que se preocupa com a perspectiva estética do instrumento e o que se ocupa dos aspectos arqueológicos dos instrumentos musicais (OLIVEIRA PINTO, 2001, p. 265). Todas estas ramificações são igualmente

importantes.

De

um

modo

geral,

o

método

organológico

consiste

fundamentalmente em analisar a maneira como o som é produzido e através disso classificá-lo em sistemas de classificação instrumental. Assim, um instrumento cujo som é produzido por meio de uma corda em vibração estará em uma classe distinta de um instrumento cujo som é produzido através da coluna de ar em vibração, por exemplo. Em seu tratado Perì Musikês, Aristides Quintilianus apresenta o sistema de classificação grego (que remonta ao século III d.C.), no qual os instrumentos musicais estão organizados em famílias (PIRES FILHO, 2009, p. 17). Neste mesmo tratado são apresentados dois esquemas de classificação. O primeiro esquema tem como critério a forma de produção do som, classificando os instrumentos em duas classes, a dos instrumentos de corda e dos instrumentos de sopro. Já o segundo sistema se baseava na morfologia humana classificando os instrumentos em masculino, feminino ou misto tendo em conta o princípio da influência que os instrumentos musicais poderiam causar nas emoções humanas. Ainda segundo Pires Filho (2009, p. 17) esta classificação conforme a morfologia humana se dava da seguinte forma: 1) Cordas – homem; 2) Cordas – misto; 3) Cordas – mulher; 4) Sopro – homem; 5) Sopro – Misto; 6) Sopro – mulher; 7) Percussão – homem; 8) Percussão – mista; 9) Percussão – mulher. A sistemática organológica estabelecida por Erich Von Hornbostel (1877-1935) e Curt Sachs (1881-1959), apresentada em 1914, merece destaque, pois, de acordo com Oliveira Pinto, foi e continua sendo de grande importância no campo organológico, influenciando classificações posteriores (2001, p. 270). O trabalho de Hornbostel e Sachs não foi intitulado

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com o termo classificação, mas sistemática e tem como base a ordenação dos elementos existentes de um conjunto de grandezas relacionadas, estabelecendo os critérios em que se encaixam estes elementos. A partir desta ordenação os instrumentos foram divididos da seguinte forma, de acordo com Oliveira Pinto (2001, p. 271-274): 1. Idiofones - instrumentos cujo som é produzido através do próprio material do instrumento, a exemplo de marimbas e sinos. Possui basicamente as seguintes subdivisões: 11 Idiofones de percussão 111 Idiofones de percussão direta 111.1 Idiofones de entrechoque ou matracas (clave, castanhetas, pratos) 111.2 Idiofones percutidos (triângulo, xilofone, trocano, gongos, sinos) 112 Idiofones de percussão indireta 112.1 Idiofones de agitar ou chocalhos 112.2 Idiofones raspados (raspador, reco-reco) 112.3 Idiofones rasgados ou puxados (arco de caboclinho) 12 Idiofones dedilhados 121 Inserido em aro 122 Em forma de tablado ou pente 13 Idiofones de fricção 131 Bastões de fricção 132 Placa de fricção 133 Recipiente de fricção (idiofone globular de fricção) 14 Idiofones aeólicos (soprados) 141 Bastões aeólicos 142 Placas aeólicas

2. 2 Membranofones: instrumentos que contém uma membrana que entra em vibração e pela qual o som é produzido. Um exemplo de membranofone são os tambores cobertos com pele. Os membranofones estão subdivididos em: 21 Tambores de percussão 211 Tambores percutidos diretamente 211.1 Tímpanos (em forma de tacho) 211.2 Tambores tubulares 211.21 Tambor cilíndrico (crivador, cupiúba, macaco, ilú) 211.22 Tambores em forma de barrica (atabaque, batá) 211.23 Tambores em forma de cone duplo 211.24 Tambores em forma de ampulheta 211.25 Tambores em forma de cone (timbal) 211.26 Tambores em forma de taça (darabuka) 211.3 Tambores de pele emoldurada (caixa, pandeiro, adufe) 212 Tambor de chocalho 22 Tambores dedilhados ou rasgados 23 Tambores de fricção

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24 Mirlitons (tambores cantados)

3. Cordofones: seção que compreende os instrumentos de corda. Instrumentos de corda dedilhada (como a harpa), percutidas (como o piano) ou colocadas em vibração através de um arco (a exemplo do violino). 31 Cordofones simples, ou cítaras 311 Cítaras de bastão 311.1 Arcos musicais (berimbau de barriga, urucungo) 311.2 Bastões musicais 312 Cítaras tubulares (Madagascar) 313 Cítaras compostas (vários tubos) 314 Cítaras retas ou em tablado 315 Cítaras de gamela ou abauladas 316 Cítaras de moldura 32 Cordofones compostos (com caixa de ressonância) 321 Alaúdes (o nível da cordas mantém-se paralelo à caixa de ressonância) 321.1 Alaúde de arco (nsambi) 321.2 Lira (as cordas são mantidas por dois braços no mesmo nível da caixa de ressonância) 321.3 Alaúdes de cabo, bastão ou de braço (saz, ud, viola, violino) 322 Harpas (as cordas estão dispostas de forma perpendicular à caixa de ressonância) 323 Alaúdes-harpa (cora) (as cordas estão dispostas de forma perpendicular à caixa de ressonância, ao mesmo tempo a configuração do instrumento corresponde ao alaúde)

4. Aerofones: seção onde se inserem os instrumentos de sopro, seja uma flauta seja um órgão de centenas de tubos.

41 Aerofones independentes (livres) 411 Aerofones de desvio (chicote) 412 Aerofones de interrupção (corrente de ar é interrompida periodicamente) 412.1 Aerofones de interrupção auto-soantes ou lingüetas (gaita de boca) 412.2 Aerofones de interrupção não auto-soantes (zunidor) 413 Aerofones explosivos 42 Instrumentos de sopro (aerofones propriamente dito) 421 Aerofones de gume ou flautas 421.1 Flautas sem aeroduto (flauta transversal, ocarina, ney, Turquia) 421.2 Flautas de bisel, ou com aeroduto (pequena fenda conduz o ar de encontro com um gume, que faz o ar entrar em vibração dentro do corpo da flauta) 421.21 Flautas com aeroduto externo (uruá, Xingu) 421.22 Flautas com aeroduto interno (flauta doce) 422 Palhetas

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422.1 Oboés (corrente de ar passa por palheta dupla) 422.2 Clarinetas (corrente de ar passa por palheta simples) 423 Trompetes (corrente de ar entra em vibração através dos lábios do tocador) 423.1 Trompetes naturais (talumbeta, Moçambique) 423.2 Trompetes cromáticos (trompa, trombone, piston).

É válido ressaltar que o esquema exposto anteriormente é uma apresentação sucinta da sistemática de Hornbostel e Sachs que consiste em algo mais complexo e detalhado. Ainda segundo Oliveira Pinto (2001, p. 274), atualmente o sistema Hornbostel e Sachs é o mais usual. Além do sistema de Hornbostel e Sachs, Pires Filho (2001, p. 20) cita o sistema de Andre Schaffner exposto em 1932 em seu trabalho D’une nouvelle classification méthodique des instruments de musique A forma como Schaffner organizou e classificou os instrumentos musicais é mais abrangente que as demais e caracteriza-se pela divisão dos instrumentos musicais em duas amplas classes, a dos instrumentos cujo som advém da vibração de materiais sólidos, denominados gaiafones e a dos instrumentos cujo som é produzido através da vibração do ar em materiais gasosos denominados aerofones. Segundo Pires Filho “Este método apresenta vantagens em relação aos demais, por exemplo, ao evitar as possíveis confusões com instrumentos que se encontram no limite entre instrumentos de corda e de percussão (como piano); neste esquema as categorias são enquadradas na mesma classe” (2009, p. 20). O modelo feito por Pires da classificação de Schaffner se divide da seguinte maneira: 1)

Gaiafones - 1.1 não tensionáveis (como, por exemplo, o xilofone); 1.2 flexíveis

/ conjunto ao qual pertencem os linguafones (kalimba, por exemplo); 1.3 tensionáveis / constituído pelos cordofones (a exemplo do violino e do piano). 2)

Aerofones - 2.1 som produzido com ar ambiente (acordeão, dentre outros); 2.2

cavidades livres (tambores); som produzido através de uma coluna de ar (por exemplo, a flauta).

Podemos afirmar, portanto, que o método organológico consiste na classificação e sistematização dos instrumentos musicais, analisando não apenas seus aspectos físicos, mas também o contexto sociocultural no qual estão inseridos. Além disso, destacamos também que ao longo da história da Organologia diversos sistemas de classificação instrumental foram desenvolvidos, cada qual com sua peculiaridade. A partir do exposto ressaltamos que a

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presente pesquisa encontra-se inserida no âmbito organológico uma vez que possui como objeto central o órgão de tubos da Matriz de Laranjeiras. Trata-se de um instrumento histórico que deverá ser estudado tanto a partir de uma análise físico-material (e neste sentido visando compreender aspectos de sua construção, classificação, forma), quanto de uma análise contextual, procurando compreender o instrumento em questão em seus aspectos histórico, social e cultural.

2.2.2.2.2.

Iconografia

O método iconográfico consiste na descrição e classificação das imagens. A partir dessa descrição e classificação é possível compreender a relação entre motivos específicos e temas específicos (PANOFSKY, 1976, p. 53). A análise iconográfica concentra-se, portanto, em uma linguagem simbólica através da qual se decodifica determinada ideia expressa em um ou mais elementos presentes na imagem. Seu método também auxilia no estudo histórico pois é capaz de “estabelecer elementos como datas, origens e autenticidade” podendo ser utilizada como método auxiliar em estudos de outras disciplinas como história, psicologia, dentre outros. Em nosso estudo, de um modo particular, utilizamos a iconografia como forma de complementar e corroborar com nosso estudo histórico musical e organológico a respeito do órgão de tubos enquanto instrumento de representação de poder. Nesse sentido, apresentamos determinadas obras, descrevemos e analisamos, procurando fundamentar nossa hipótese por meio das fontes iconográficas. Há que se fazer uma ressalva quanto à diferença entre iconografia e iconologia. De acordo com Panofsky, a iconografia (como aponta seu sufixo grafia) concentra-se, como já fora dito, na descrição e classificação da imagem através dos elementos nela representados. Em contrapartida, a iconologia (como denota o sufixo logia) dedica-se ao estudo, ou melhor, à síntese desta descrição com o objetivo de interpretar a imagem. Assim, a interpretação iconológica pode ser entendida como terceiro e último estágio do estudo iconográfico – que consiste na interpretação da obra, precedido da descrição pré-iconográfica – que se detém na descrição dos motivos, temas e formas de uma obra – e da análise iconográfica – que não somente descreve tais elementos, mas os estuda embasada no conhecimento de “temas específicos ou conceitos, tal como são transmitidos através de fontes literárias, quer obtidos por leitura deliberada ou tradição oral” (PANOFSKY, 1976, p. 55-58). A interpretação

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iconológica necessita conhecer conceitos ou temas específicos e compará-los com fontes históricas e literárias. É necessário também a compreensão da história dos sintomas culturais, ou simbologia. Ou seja, compreender o que não está explícito na obra, ao que Panofsky denomina significado intrínseco. Nesse sentido, pode-se afirmar que o método iconográfico está divido em três níveis (descrição, análise, interpretação) que não são isolados, mas estão diretamente relacionados (PANOFSKY, 1976, p. 63). Em nosso estudo, por meio do método iconográfico contatamos o aspecto simbólico do órgão de tubos no contexto do Vale do Cotinguiba. Através da descrição, classificação e análise de determinadas pinturas foi possível interpretar a mensagem contida nas mesmas de forma a sustentar nosso discurso, conferindo uma análise mais aprofundada do órgão de Laranjeiras.

2.3.

CONTEXTO HISTÓRICO E MUSICAL

2.3.1. Panorama histórico de Sergipe a partir do Segundo Reinado

Na segunda metade do século XIX Sergipe centrava sua economia na pecuária, na produção açucareira e no plantio do algodão. De acordo com Nunes, a criação de gado fora pioneira na província e manteve sua importância ao longo dos séculos, desde o período da colonização. O historiador sergipano Felisbello Freire sintetizou o desenvolvimento econômico de Sergipe através de sua conhecida afirmação “Antes do Sergipano ser lavrador, foi pastor” (FREIRE, 2013, p. 214). Segundo Dantas o desenvolvimento socioeconômico sergipano se deve à criação de gado, desde a divisão das sesmarias. As primeiras fazendas de Sergipe Del Rey surgiram com os colonos que começavam a se instalar no sertão (1980, p. 18). A pecuária teria largo desenvolvimento em Sergipe até o início do século XIX quando a produção açucareira começou a ganhar impulso. O crescimento no número de engenhos de açúcar começa a ser notado a partir de 1856, período em que a província contava com 756 engenhos, tendo o número ampliado para 840 no ano de 1889 quando o regime imperial brasileiro teve fim (NUNES, 2006, p. 45). De acordo com Nunes as transformações sociais ocorridas em Sergipe durante o Segundo Reinado foram notáveis, o que, em boa parte, se deve ao aumento da produção do açúcar que viria a acarretar o crescimento demográfico e a valorização da vida urbana (NUNES, 2006, p. 45). Nunes destaca a figura do Senhor de

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Engenho, que neste período representou a aristocracia sergipana. Todavia, com o fortalecimento do mercado cafeeiro o comércio do açúcar enfraqueceu, vindo a beneficiar o Império que objetivava ter “maior controle sobre o individualismo dos Senhores de Engenho, que com a crise passaram a precisar da sua proteção” (2006, p. 45). É neste momento que a concessão de títulos e honrarias se torna mais acentuada como forma de agradar aos proprietários de terra, preocupados com sua posição social, de forma que “a restrição ao exercício do poder dos potentados provinciais, à medida que se consolidava a centralização do poder central, as autoridades imperiais buscavam compensar apelando para sua vaidade pessoal através da concessão de títulos oligárquicos e condecorações” (NUNES, 2006, p. 50). Entre os anos de 1848 e 1872 vários títulos foram concedidos a proprietários de engenho em Sergipe pelo então Imperador D. Pedro II, a exemplo de João Gomes de Melo – Barão de Maruim (1848), Bento de Melo Pereira – Barão da Cotinguiba (1849), Coronel Domingos Dias Coelho e Mello – Barão de Propriá (1860), José Inácio Accioli – Barão de Aracaju (1872), Felisberto de Oliveira Freire – Barão de Laranjeiras (1872). Também vários membros do clero eram proprietários de engenho e constituíam a “espinha dorsal do sistema dominante, possuidores de engenhos, fazendas e escravos” (NUNES, 2006, p. 50-51). Com relação ao cenário político sergipano no período em questão pode-se dizer que a situação não se distinguia da do restante do país. De acordo com Nunes (2006, p. 77), “a coroa nomeava o gabinete, este escolhia os presidentes (das províncias) [...]. As eleições não significavam a vontade do povo e os partidos não possuíam raízes populares”. Eram os proprietários rurais que dominavam na política sergipana, concentrando também o poder político. A tendência progressista que ocorria no império não teve tanta ênfase na província de Sergipe. No entanto, acarretou a elaboração de projetos por parte dos deputados para melhoramentos da indústria açucareira, estabelecimentos de indústrias, dentre outras medidas. Além disso, foram criadas várias freguesias, vilas e cidades na tentativa de atender às transformações socioeconômicas da Província (NUNES, 2006, p. 81). Em Sergipe os partidos políticos começaram a se formar no período regencial. O primeiro a ser criado era formado pelos proprietários de terra. Nessa época dois partidos disputavam o poder: o partido legal (ou rapina) e o partido liberal (também intitulado camondongo), ambos compostos por personalidades aristocratas e segundo afirmou Felisbello Freire tratavam-se de “dois bandos, sem a coesão de uma ideia, e, em luta contínua, contra os interesses da nação e a favor dos interesses dos seus chefes e de seus adeptos” (NUNES, 2006, p. 86). A figura de maior destaque no cenário político sergipano neste período fora o Barão de Maruim – Ten. Cel. João

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Gomes de Mello, que apesar de haver sido eleito pela primeira vez pelo partido camondongo, rompeu com seus aliados e criou um novo partido: o bagaceira. Não obtendo sucesso com esta articulação, retornou a seu partido de origem, através do qual conseguiu ser eleito por três mandatos consecutivos e no ano de 1862 foi escolhido como senador pelo Imperador. Nas eleições de 1852 os partidos rapina e camondongo (criados em 1837) desapareceram e foram substituídos pelos partidos liberal e conservador. Este último seria liderado pelo Barão de Maruim (NUNES, 2006, p. 87). Sempre segundo Nunes: “Sergipe continuou dividida em campos opostos digladiando-se para assegurar o poder, sem programas de governo, sem princípios. Liberais e conservadores se aliavam quando os interesses estavam ameaçados por alguma medida do poder central” (2006, p. 90). Os ideais republicanos só viriam a ser divulgados em Sergipe a partir de 1880, por meio dos jornais O Horizonte, o Laranjeirense e o Republicano (NUNES, 2006, p. 93). O movimento se concentrou, sobretudo, em Estância e Laranjeiras. A região do Vale do Cotinguiba concentrava o maior crescimento econômico, político e cultural da província, no século XIX. Além da pecuária e dos engenhos de açúcar também o plantio do algodão movimentava a economia sergipana. O crescimento da exportação do algodão é notado a partir de 1860 se estendendo, sobretudo, pela região do São Francisco e matas de Itabaiana, graças à fertilidade do solo que permitia duas safras anuais. As máquinas a vapor de descaroçar algodão muito contribuíram para o seu elevado crescimento. A casa Schramm & Cia, localizada em Maruim, possuía a mais avançada destas máquinas. É importante ressaltar que Sergipe obteve independência da Bahia em 1820. Apesar disso, o comércio sergipano realizou-se através do porto de Salvador até o ano de 1854 (NUNES, 2006, p. 30). Dentre as cidades de maior desenvolvimento econômico na Região do Cotinguiba destacavam-se Laranjeiras (centro político, e cultural), Maruim (empório Sergipano no qual se concentrava o comércio da Província) e Aracaju (fundada para ser a segunda capital de Sergipe). De acordo com Nunes com o crescimento urbano de Sergipe no século XIX, algumas povoações prósperas começaram a “centralizar as atividades mercantis de exportação e importação impostas pela economia regional, a exemplo de Laranjeiras, Estância, Maruim, Capela, Itaporanga, dentre outras” (2006, p. 219). Até o ano de 1855 a capital da província era São Cristóvão. No que se refere a Maruim, sua elevação da crescente povoação à categoria de Vila ocorreu no ano de 1833, tornando-se cidade no ano de 1854. De acordo com Nunes:

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A localização geográfica tornaria Maruim um dos mais importantes núcleos urbanos da Província de Sergipe na segunda metade do século XIX. O porto situado às margens do rio Ganhamoroba, afluente do rio Sergipe, tornou-se o centro de convergência da produção açucareira da região do Cotinguiba (2006, p. 229).

Esse crescimento comercial, através do trapiche, atraiu muitos imigrantes europeus de modo especial na segunda metade do século XIX. A imigração também contribuiu para o rápido desenvolvimento da cidade. De acordo com Nunes, a existência de vários consulados com sede em Maruim, a exemplo dos consulados alemão, português, inglês e suecodinamarquês evidencia sua importância econômica. Segundo Aguiar (2004, p. 55), a imprensa também mostrou-se pródiga em Maruim, que teve vários jornais, a exemplo de A Justiça (1863), O Maroinense (1886/1894), O Clarim (1888), a Revista Literária (1890/1892) e O Progresso (1895/1901). Aguiar também destaca o desenvolvimento intelectual que se notava entre os maruinenses. A fundação do Gabinete de Leitura foi uma mostra desse fato. Fundado em 1877, o Gabinete reunia em sua essência o ideal do progresso. Dotado de investimentos literários, fora também o centro de discussão dos pensadores da época de modo que “em apenas dois anos de instalação já contava com 677 obras em 1076 volumes” (AGUIAR, 2004, p. 93). Aracaju, por sua vez, fora criada intencionalmente para substituir São Cristóvão na qualidade de capital de Sergipe. Idealizada pelo então presidente provincial Inácio Joaquim Barbosa, a nova cidade não obteve grande desenvolvimento nos primeiros anos após sua fundação em 1855. Segundo Nunes, possuía apenas 1.484 habitantes. No entanto, no final do regime Imperial Aracaju avançaria em seu processo de desenvolvimento, tornando-se o centro de gravitação da vida econômica e cultural de Sergipe (2006, p. 236). Seu crescimento econômico propiciado pela acentuada atividade mercantil viria a trazer o declínio das cidades promissoras que lhe rodeavam, a exemplo de Maruim e Laranjeiras. A paisagem aracajuana pode ser visualizada a partir da seguinte descrição:

Situada à margem direita do rio Sergipe, “de elegante e pitoresca vista”, abrigava uma sociedade escravocrata, hierarquizada e desigual; uma cidade onde famílias de senhores de engenho, magistrados, engenheiros, médicos, farmacêuticos, industriais, comerciantes, negociantes, eclesiásticos, professores, escrivães, solicitadores dividiam as mesmas ruas que tinham nomes das localidades do interior, com pessoas de camadas inferiores, negros escravos e libertos (NUNES, 2006, p.238).

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Tratava-se, portanto, do mais novo centro urbano de Sergipe que começara a crescer de fato a partir da década de 1870. Além do comércio, também os aspectos culturais e educacionais mostravam-se prósperos na jovem capital, o que se pode observar através da criação de importantes centros educacionais como o Atheneu Sergipense no ano de 1870 dedicado aos meninos que almejavam chegar às Academias do Império e da Escola Normal para as moças que aspiravam tornarem-se professoras; a instalação dos teatros Sociedade União e Teatro Particular São Salvador e o Gabinete Literário Sergipano em 1866 (NUNES, 2006, p. 238). Deste modo, ao contrário de São Cristóvão que permanecera estática em nível de desenvolvimento econômico e social, a nova capital não só viria a crescer acentuadamente com sua localização geográfica favorável, mas viria também a propiciar o declínio dos antigos núcleos promissores vizinhos a ela. A título de uma melhor visualização geográfica dos aspectos até então abordados, apresentamos a seguir o recorte de um mapa histórico da província que nos permite observar a região do Vale do Cotinguiba (Figura 1). Apesar de não estar datado, acreditamos que seja posterior ao ano de 1855, uma vez que já mostra a cidade de Aracaju.

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Figura 1 - Recorte do Mapa de Sergipe: detalhe do Vale do Cotinguiba

Fonte: (http://eraofepidemics.squarespace.com/storage/Sergipe.jpg)

2.3.2. Laranjeiras e o Vale do Cotinguiba no Século XIX

A povoação laranjeirense começou a se formar na segunda metade do século XVIII. Em 1832 Laranjeiras foi elevada à categoria de vila e em 1848 se tornou cidade através da Resolução n. 209 (NUNES, 2006, p. 222). Devido à sua localização geográfica, à margem esquerda do rio Cotinguiba, o comércio foi favorecido. Nos primeiros anos de sua formação Laranjeiras contou com um número significativo de imigrantes europeus, que mais tarde se tornariam importantes Senhores de Engenho. A cidade apresentava-se como centro comercial, o que viria a influenciar o seu desenvolvimento econômico e político. Paralelamente à crescente ascensão econômica e política a desigualdade social se acentuava de forma que de

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um lado estavam os senhores de terra (ricos e influentes) e de outro lado grande número de pessoas (principalmente negros e mestiços) vivendo em condições extremamente precárias.

Na época em que a capitania de Sergipe adquiriu autonomia política, Laranjeiras se impunha como centro principal do comércio importador, mantendo comunicação direta com a Europa, Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro através de brigues, bergantins, patachos, sumacas, “cutterz”. Rica, opulenta, com mais de 850 fogos e sua população excedendo a 3.000 habitantes (NUNES, 2006, p. 221).

O desenvolvimento econômico também repercutiu na vida cultural laranjeirense. Entre os anos de 1830 e 1860 foram fundadas duas escolas femininas, sendo uma pública e outra particular. Também neste período foi criado o Colégio do Coração de Jesus (onde eram ministradas aulas de Gramática Latina, Francês, Filosofia, Retórica) e o internato masculino (pelo qual passavam os filhos da aristocracia rural, com o objetivo de ingressarem no curso Superior do Império). A comunicação impressa também se destacou. Entre 1841 e 1880 onze jornais laranjeirenses circulavam. Entre eles: Monarquista Constitucional (1841), O Trinfo (1844), Pedro II (1844), O Telégrafo (1848), O Observador (1851-1853), O Horizonte, O Laranjeirense, O Republicano (na década de 1880) (NUNES, 2006, p. 222-223). Sempre segundo Nunes (2006, p. 222), alguns nomes alcançaram destaque no cenário cultural laranjeirense na segunda metade do século XIX, a exemplo do artista plástico Horácio Hora (1853-1890) – nome mais expressivo da pintura sergipana e de Manoel Bahiense (1851/1919) – maestro e compositor que teve destaque com sua atuação na Lira Carlos Gomes. Havia frequente realização de espetáculos com artistas locais e nacionais de renome. De acordo com Prado Sampaio (2012, p. 63), ao abordar o cenário cultural de Laranjeiras:

Rival de Estancia, Laranjeiras é um centro notavel de grandes talentos. É patria de poetas como Bittencourt Sampaio, Pedro Moreira e João Ribeiro: d’alli se partiu o maior pintor sergipano, Horacio Hora, que morreu nimbado de justa reputação europeia; e é, finalmente, o berço de musicos dignos de figurar entre os mais distintos do Brasil, taes como Manoel do Carmo, que improvisava ao seu trombone antigo as symphonias que mais tarde fixava no papel, Manoel Bahiense e o seu discipulo Francisco Avelino, João Belizário Junqueira, compositor, violinista e cantor emerito; Samuel de Oliveira e

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Francisco Hora, irmão de Horacio Hora e outros inspirados musicistas, pianistas os dois ultimos inscriptos e principalmente flautista o segundo.

Manoel Vicente de Santa Cruz Bahiense nasceu em 14 de junho de 1841 e faleceu em 29 de dezembro de 1919. Destacou-se tanto como professor quanto como mestre (GUARANA, 1925, p. 222). Ressaltamos que a data de nascimento de Bahiense difere nas fontes consultadas; Nunes apresenta o ano de 1851, enquanto Guaraná afirma ser em 1841. De acordo com Guaraná, Bahiense teve como instrumento principal o violino e teria feito seus estudos musicais com o padre Cypriano Chaves (1925, p. 222). É válido ressaltar o Concurso para o Hino da República ocorrido no Rio de Janeiro em 1889, sendo Manoel Bahiense o terceiro colocado dentre os compositores de todo o Brasil. São algumas de suas composições: Ave Maria – para órgão e violino (1885), duas Missas, Tantum Ergo; o hino O céu; Hymno Larangeirense; Hymno Republicano (1889); Marcha Carlos Gomes – oferecida ao Estado de São Paulo (1896); Scena de amor - opereta (1901); O Carnaval ou o Conde Zamour – melodrama em dois atos; Dous marcos de luz em Larangeiras (1902); Pio IX – marcha fúnebre (GUARANÁ, 1925, p. 222). Ainda no que tange ao já mencionado músico Manoel Bahiense, Nunes afirma seu desenvolvimento enquanto professor, compositor, instrumentista e regente na segunda metade do século XIX. Assim:

Manuel Bahiense (1851/1919), autodidata, professor de música, sempre viveu em Laranjeiras, sua terra natal, onde compôs grande variedade de peças, como Noite de Carnaval, Viva São João (de grande popularidade), Ave Maria, Dores e Flores, 52 hinos, várias músicas sacras, dobrados, valsas, marchas, fantasias (NUNES, 2006, p. 296).

No que se refere à grafia do músico observada nas diferentes fontes consultadas, adotamos a grafia mais frequentemente encontrada: Manoel Bahiense, uma vez que, até o momento, não tivemos acesso a um possível autógrafo do mesmo. Ainda no campo musical laranjeirense há que se mencionar o nome da musicista e discípula de Bahiense, Eufrozina Guimarães, ou, mais singelamente, conhecida como Zizinha Guimarães.

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Figura 2 - Retrato de Zizinha Guimarães, organista da matriz

Fonte: FONTES [198?].

Fontes menciona a função de organista da Matriz desenvolvida por Zizinha Guimarães e destaca também suas habilidades para o teatro e sua atividade como professora que cativava a admiração dos pais, do povo laranjeirense e a admiração de seus alunos. Segundo o autor, a professora fundou a Escola Laranjeirense. “Um feito desafiador para uma mulher, na época, que além de negra era também de família humilde” (198?, [p. 5]) e complementa:

Exímia organista, não raro eram as tardes em que D. Zizinha, ao órgão da catedral, seus dedos leves, preguiçosamente escolhia entre as muitas teclas aquelas que à magia de sua arte quedavam em êxtase a sinfonia da cidade. Ao ângelus, já agora irrequietos, aqueles mesmos dedos saltitavam sobre o teclado de austero piano arrancando carinhosas melodias que mimavam a sonolenta natureza até que as pálpebras da noite a envolviam na escuridão do sono (FONTES, 198?, s.p.).

De acordo com Andrade (apud FONTES et al, 198?, [p. 15]) Eufrozina Amélia Guimarães nasceu em 1872, em Laranjeiras, estudou no “Colégio Inglês”, também em Laranjeiras, sob a direção de Miss Carol, de quem ela falava com grandes elogios. Segundo Franco, Zizinha Guimarães “Aprendeu música, sendo tocadora do órgão da Igreja Matriz de Laranjeiras. Aprendeu Português, Aritmética, Geografia, História do Brasil e Geral, Francês, Esperanto, Teatro e Piano, e ensinava aos seus alunos” (apud FONTES et al, 198?). Zizinha

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Guimarães fora aluna do maestro Bahiense, de quem herdara sua pedagogia musical. “Devotava grande atenção à música sacra, executando ao órgão da matriz composições do maestro Manuel Bahiense, deixando a assembleia contrita, emocionada pelas mensagens de fé e amor ao Coração de Jesus” (NASCIMENTO apud FONTES et al, 198?). Ainda segundo Nascimento “Várias das composições e dos arranjos da professora Zizinha deixavam de levar seu nome”. Dentre o repertório sacro executado pela organista, destaca-se a Missa de Angelis – em Ré Maior; a Missa Rezada de Frei Basílio Rower OFM, opus 4 – em Sol Maior; Hino a Santo Antônio n. 225; Oh! Ditoso mês, em Sol Maior – de autoria da própria Zizinha; Missa para órgão – em Fá Maior, de P. Pathman, op. 63; Tantum Ergo – em Sol Maior, de Haydn”; Pequena Missa Solene – composição da própria Zizinha; Oh! Dia Feliz! – hino sacro, também escrito pela organista e sempre executado nas grandes solenidades e os arranjos, também de Zizinha, Muito Lindo é o céu; Queremos a Maria; Oh, Maria toda pura!; No céu existe; Inflamei meu coração, dentre outros (NASCIMENTO apud FONTES et al, 198?). Também as construções arquitetônicas urbanas, que resistiram ao tempo, demonstram o progresso laranjeirense nos últimos anos do Império, através de seus sobrados e igrejas (NUNES, 2006, p. 223). A cidade que prosperava, sobretudo por sua localização geográfica favorável e sustentada pela economia açucareira, apresentou notável desenvolvimento em vários setores: educacional, político, econômico e cultural. Laranjeiras também foi marcada pela desigualdade social e pela supremacia dos proprietários de terra que disputavam a mais alta posição no poder. Ao apresentar um panorama histórico de Laranjeiras a partir da perspectiva da igreja católica, Oliveira (1981, p. 51) afirma que foi entre os anos de 1835 e 1840 que a cidade organizou sua vida judiciária, religiosa, política e social, criando a Comarca, a Paróquia, a Irmandade, o Hospital do Senhor do Bomfim e usando dos direitos eleitorais. Segundo Oliveira (1981), no ano de 1835 Laranjeiras alcançou a emancipação religiosa, com a criação da Paróquia do Sagrado Coração, tendo como primeiro vigário o cônego Antônio José Gonçalves de Figueiredo. É importante destacar que fora Laranjeiras a sede do primeiro templo erigido em honra ao Sagrado Coração a nível nacional (OLIVEIRA, 1981, p. 37). De acordo com Luiz Gonzaga Cabral:

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Coube a Laranjeiras a glória insigne de se antecipar à própria metrópole, a qual só mais tarde havia de erigir em Lisboa a primeira Basilica nacional ao Coração de Jesus. Ao celebre Jesuita Padre Bonucci, zeloso missionário do Brasil e do vosso Sergipe, coube a glória de fazer dedicar ao Sagrado Coração de Jesus a Matriz de Laranjeiras e de fazer mudar o orago do Colégio de São Cristóvão, dando-lhe por titular o Coração de Jesus (apud OLIVEIRA, 1981, p. 37).

Até então a vida religiosa laranjeirense era dependente da freguesia de Nossa Senhora do Socorro. A aprovação do compromisso da Irmandade do Senhor do Bomfim foi outro fato relevante. Constituída, de um modo geral, pelos grandes proprietários de terra da região, a irmandade inaugurou o Hospital do Senhor do Bomfim em 1837 (OLIVEIRA, 1981, p. 56). Já na década de 1840, por intermédio de Sebastião d’Almeida Boto, fora instalada a Alfândega em Laranjeiras, por ser o ponto mais conveniente e cujo porto era frequentado por muitas navegações (OLIVEIRA, 1981, p. 56). Em 1842 foi aprovado o compromisso da Irmandade do Sagrado Coração de Jesus. De acordo com Oliveira, Laranjeiras foi forte candidata a tornar-se a capital da Província quando o então Presidente Inacio Barbosa decidiu mudar a capital, até então São Cristóvão.

Laranjeiras foi objeto de cogitações do Presidente Ignacio Barboza para sede da capital da Provincia, o que não realizou-se por motivos políticos e talvez por causa do celebre brinde no banquete no engenho Jesus, Maria Jose, quando o major Botucudo saudando o presidente declarou bem conhecer toda a sua família composta de honrados e dignos mistiços. O presidente retirou-se precipitadamente deixando desiludida uma noiva, desfeito um noivado e morto o brilhante futuro de Laranjeiras como capital de Sergipe (OLIVEIRA, 1981, p. 80).

Entre os anos de 1865 e 1877 Laranjeiras firmou-se como um importante empório comercial de Sergipe. Neste período a cidade teve como vigário o padre Manoel Ribeiro Pontes. Em 1864 foi instalada a Santa Casa de Misericórdia. Também está registrada na obra de Oliveira a primeira vez que o órgão foi tocado na Igreja Matriz de Laranjeiras, em 1869, sendo doação do Sr. Felisberto de Oliveira Freire, posteriormente Barão de Laranjeiras. Após a mudança da capital para Aracaju, a cidade inicia sua fase de decadência. Segundo Oliveira (1981, p. 161) nos aspectos intelectual, social e comercial, os anos de 1904 e 1942 representaram a decadência de Laranjeiras em virtude de muitos habitantes deixarem a cidade para desfrutar dos recursos da nova capital. No entanto, do ponto de vista industrial, material

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e religioso caracterizou-se por um período de progresso no qual ocorreram ótimas produções de açúcar e sal, aumentando o arrecadamento estadual, instalação de uma estrada de ferro, luz elétrica, telefone e a remodelação da matriz. No calendário litúrgico, Oliveira (2005, p. 154) destaca as duas celebrações mais importantes de Laranjeiras: o mês Doloroso (setembro) e a festa do padroeiro, o Sagrado Coração de Jesus que tem lugar em junho. A visita do Arcebispo da Bahia D. Jerônimo Tomé da Silva se deu no ano de 1897. A criação da diocese de Aracaju só aconteceria no ano de 1910, desmembrando o território da arquidiocese de São Salvador da Bahia. O primeiro bispo de Aracaju, D. José Thomás Gomes da Silva, fez uma visita apostólica à cidade de Laranjeiras no ano de 1913. É válido ressaltar a supremacia da Igreja Católica sobre Laranjeiras, desde sua formação (com a chegada dos jesuítas que nesse território construíram a igreja do Retiroe da própria matriz, segundo algumas fontes atestam) até o início do século XX. No entanto, apesar da forte tradição católica, a acentuada presença de negros escravos (em razão da cultura açucareira) acarretou o fortalecimento das religiões afrobrasileiras na cidade.

2.3.3. A doação do órgão Bryceson de Laranjeiras por Felisberto de Oliveira Freire

Em meio aos avanços econômicos, ao crescimento demográfico, ou seja, em um cenário promissor e agitado, chega à cidade um instrumento musical distinto dos que ali havia. Fruto da doação de Felisberto de Oliveira Freire, que dedicou à Matriz de Laranjeiras a sua doação. De acordo com Oliveira, o instrumento foi tocado pela primeira vez no ano de 1869.

Aos vinte e quatro dias do mês de Março do ano de mil oitocentos e sessenta e nove, pela vez primeira tocou na Matriz do Sagrado Coração de Jesus o grande Órgão, dádiva do Tel. Cel. Felisberto de Oliveira Freire, depois, Barão de Laranjeiras em virtude do Decreto Imperial de vinte e nove de Fevereiro de Mil oitocentos e setenta e dois. O Sagrado Coração de Jesus abençoe o doador [...] (OLIVEIRA, 1981, p. 115).

Oliveira (1981, p.162) faz ainda outra menção ao órgão quando aborda a Festa de Remodelação da Matriz de Laranjeiras, no dia dez de setembro de 1905. Segundo o autor: “[...] O harmonioso órgão fazendo ouvir em a nave a sua voz austera anunciava que ia começar a Missa em ação de graças. Angelical e sublime côro encheu o templo de harmoniosos sons”.

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O órgão de tubos de Laranjeiras consiste em um instrumento inglês, fabricado pela firma Bryceson, construído na segunda metade do século XIX. No que tange ao organeiro inglês Henry Bryceson, sabemos que foi batizado no ano de 1775 na cidade de Perth (Escócia) e morreu na cidade de Brampton, em 1870, local onde mantinha vários contatos e onde sua empresa construiu vários órgãos. Segundo Boeringer (1983, p. 93) Bryceson se estabeleceu como organeiro em 1796, mas sua atividade na área só viria a se efetivar em 1810. De acordo com Tindall (2004, p. 17), “o senhor Henry era ‘organeiro’, enquanto seu filho Henry ainda era um ‘aprendiz de organeiro’, mas em 1850 seus filhos Henry (nascido em 1832) e John (nascido em 1839) começaram a ser ativos na firma, ocasionando uma série de mudanças”. Sabe-se que, até o final de 1859 preservou-se o nome “Bryceson & Son’s Organ Factory” e no ano seguinte ja se escreveria “Bryceson & Fincham”. John Fincham era construtor de tubos com quem Henry estabelecera acordo. O nome Bryceson & Son’s perdurou até 1865. O nome familiar “Bryceson Brothers foi inicialmente mencionado no início da década” (TINDALL, 2004, p. 17). Ainda segundo o autor, a década de 1860 foi muito promissora para os Brycesons, deixando de serem apenas artífices para tornarem-se importantes construtores no mercado.

Em 1867 eles participaram da Exposição Universal de Paris e lá adquiriram os direitos britânicos para patentes de ação elétrica de Barker: uma série de instrumentos mais ou menos bem sucedidos seguido em locais de destaque, como o Theatre Royal, Drury Lane (1868); St. Michael’s Cornhill (1868), e Rugby School (1872). A repercussão na imprensa foi grande: a palestra de Henry para a Society of Arts em 1868 foi amplamente divulgada, e em 1876 ele dirigiu o curso de organistas em ‘Organaria Moderna' (TINDALL, 2004, p. 17) 3.

De acordo com Audsley, a firma Bryceson teria introduzido o sistema elétricopneumático na Inglaterra. O autor descreve: “Esses distintos construtores estavam de início insatisfeitos com o caráter um tanto complicado e primitivo do sistema do Sr. Barker e em

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Texto original: In 1867 they exhibited at the Exposition Universelle in Paris and there acquired the British rights to Barker’s electric action patents: a series of more-or-less successful instruments followed at prominent locations such as the Theatre Royal, Drury Lane (1868); St Michael’s, Cornhill (1868); and Rugby School (1872). Press comment was extensive: Henry’s lecture to the Society of Arts in 1868 was widely reported, and in 1876 he addressed the College of Organists on ‘Modern Organ Construction’.

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abril do mesmo ano eles obtiveram a patente para fazer determinadas melhorias radicais”4 (1965, p. 42, 2 v, tradução nossa). Audsley apresenta também, no segundo volume de seu livro The Art of Organ Building (1965, p. 42), um estudo sobre a mecânica elétricopneumática desenvolvida pela firma britânica. Através de nossa pesquisa notamos que, apesar da importância da firma Bryceson no contexto inglês de organaria, há uma carência de estudos referentes à firma e sua produção. Devemos ressaltar a pesquisa de Hemsley (2004), intitulada “Henry Bryceson (1832-1909) organ-builder and early work in the application of electricity to organ actions” que aborda a atividade de organaria da firma, com maior atenção à ação elétrica dos órgãos produzidos pela Bryceson. Não encontramos informações satisfatórias acerca da data exata da fabricação do instrumento de Laranjeiras, nem de quando, exatamente, teria chegado à matriz. Quanto à fabricação do mesmo, uma pequena placa anexa ao órgão apresenta “Bryceson & C. London”. De acordo com o National Pipe Organ Register (NPOR), a firma Bryceson teria seu título modificado, ao longo de sua atividade, entre 1796 a 1910, conforme se observa a seguir 5:

Henry Bryceson ................................. 1796-1865D H. Bryceson & Son............................ 1856 Henry Bryceson & Son...................... 1859-1865 Bryceson & Sons............................... 1859 Bryceson Brothers............................. 1862-1873 Bryceson Brothers & Morten............ 1873-1877 Bryceson Brothers & Ellis................. 1878D-1881 Bryceson Brothers............................. 1882-1910D

O nome da firma impresso na placa do órgão de Laranjeiras não se encontra na lista anterior, estabelecida pelo NPOR. Podemos suspeitar que a lista não estivesse completa ou correta. A placa de outro órgão Bryceson (Figura 3), localizado na igreja St James the Greater, em Melsonby (North Yorkshire), idêntica à que está anexa ao órgão de Laranjeiras, aponta na mesma direção sobre a falta de informações mais precisas sobre a firma britânica.

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Texto original: These distinguished builders were at the outset dissatisfied with the somewhat cumbersome and primitive character of Mr. Barker’s system, and in April of the same year took out a patent for certain radical improvements. 5 Disponível em: http://www.npor.rcm.ac.uk/xnpor_search_builder.shtml - Nacional Pipe Organ Register. Acesso em 04 de fevereiro de 2014.

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Figura 3 - Placa de um órgão Bryceson semelhante à do instrumento de Laranjeiras

Fonte: (http://www.flickr.com/photos/davewebster14/sets/72157605118406445/detail/?page=10)

Ainda, no que tange à produção da firma Bryceson, localizamos um instrumento muito semelhante ao de Laranjeiras. O órgão apresentado na figura 4 consiste em um instrumento de manufatura Bryceson e atualmente se encontra instalado na igreja anglicana St. James, no povoado de Menangle, na região de New South Wales, Australia6·. Podemos comparar sua semelhança ao instrumento instalado na Matriz de Laranjeiras (figura 5).

Figura 4 - Órgão da igreja de St. James

Fonte: Site da Igreja St. James7

Figura 5 – Órgão da matriz de Laranjeiras

Fotógrafa: Thais Rabelo (2013)

Com relação ao doador do órgão de Laranjeiras, pode-se afirmar que Felisberto de Oliveira Freire (1819-1889) herdara as terras de seu pai, o Ten. Cel. Luís Francisco Freire, localizadas em Itaporanga d’Ajuda (SE). Dantas atribui a Luís Francisco Freire a posse dos 6 7

Disponível em: . Acesso em: 04/03/2014. Disponível em: Ibdem

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engenhos Roma, Jerusalém e Belém (1980, p.127). Segundo Loureiro, Felisberto residia no Engenho Belém. Até hoje residem na propriedade alguns descendentes do Barão de Laranjeiras. A propriedade do Belém está ligada à Família Freire há seis gerações. Felisberto de Oliveira Freire faria parte da terceira geração de usineiros da família (LOUREIRO, 1999, p. 30). Em nível nacional, de acordo com Albuquerque “a história da nobreza brasileira confunde-se com a própria gestação do Brasil Império. D. João VI trouxe consigo toda pompa ritualística e simbólica comum à casa de Bragança, incluindo também a concessão de títulos nobiliárquicos” (2002, p. 106). Em sua permanência no Brasil, D. João teria nomeado 254 titulares, dentre os quais: duques, marqueses, condes, viscondes e barões. O rei pagaria favores com títulos e honras (SCHWARCZ, 1998, p. 246). Já nos tempos do Império, a Constituição de 1824, em seu artigo 102 garantia entre as competências do imperador “o direito de conceder títulos, honras, ordens militares e distinções como recompensa dos serviços feitos ao Estado” (SCHWARCZ, 1998, p. 247). A nobreza brasileira diferenciava-se da europeia, principalmente pelo fato de seus títulos não serem hereditários, sendo válidos apenas para as pessoas que os recebiam. Ainda segundo Schwarcz (1998, p. 268) as mercês honoríficas, que se tornaram muito mais frequentes no Segundo Reinado, eram classificadas da seguinte forma: 1) títulos de duque, marquês, conde, visconde e barão; 2) títulos de conselho e os tratamentos de Excelência e Senhoria; 3) empregos da Casa Imperial: maiores e menores; 4) condecorações das várias Ordens do Império e 5) graduações militares honorárias. É válido ressaltar que a primeira categoria receberia como símbolo uma coroa, cujos detalhes tornavam-se mais apurados quanto mais elevado o título. Não havia critérios definidos para tais classificações, que muitas vezes eram concedidas aos mais próximos da corte imperial, ou a importantes proprietários agrários e até mesmo a jovens bacharéis (de modo particular no Segundo Reinado). Quem recorria à titulação nobiliárquica (já, muitas vezes, detentores do poder econômico) almejava, sobretudo, a ostentação, reafirmar seu poderio econômico, bem como fazer parte da corte imperial e gozar da proteção do Imperador. De acordo com Schwarcz, com o tempo a solicitação de títulos nobiliárquicos tornou-se cada vez mais dispendiosa. O decreto de 1879 estabelecia que:

As cartas de mercês para títulos de tratamento custavam pequenas fortunas: para usufruir o título de duque, deveriam ser pagos 2:450$000 (dois contos e quatrocentos e cinqüenta mil-réis); de marquês, 2:020$000; conde, visconde e barão com grandeza, l:575$000; visconde, l:025$000; barão, 750$000.

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Uma carta de brasão de armas custava 170$000. Também se pagava pelo título de Conselho e pelos tratamentos de Excelência e Senhoria (1998, p. 267).

No contexto sergipano pode-se afirmar que a aristocracia estava concentrada nos Senhores de Engenho. Estes proprietários de terras exerciam sobre aquela localidade toda a sua autoridade. Todavia, ambicionando maior poder político, visibilidade na província e na corte (junto à eventual proteção do Imperador), muitos destes proprietários de terras buscaram alcançar os títulos de nobreza. De acordo com Nunes, o então imperador D. Pedro II objetivava consolidar a política de centralização que encontraria na crise do comércio açucareiro através da concessão de títulos nobiliárquicos. Por meio da concessão, o Imperador tinha a possibilidade de controlar o individualismo dos Senhores de Engenho. Desta maneira haveria uma troca de favores: o proprietário prestava serviço ao Estado e em troca alcançaria maior visibilidade e promoção política através dos títulos concedidos (NUNES, 2006, p. 49). Dentre os treze títulos de baronato concedidos aos sergipanos apenas três possuíam grandeza: José Gomes de Mello (Barão de Maruim), José da Trindade Prado (Barão de Propriá) e Antônio Dias Coelho (Barão de Estância) (NASCIMENTO, 2006, p. 113).

2.3.4. O órgão romântico: breve histórico

Cabem aqui algumas considerações a respeito do órgão romântico, de modo a melhor contextualizar o instrumento de Laranjeiras e sua doação. De acordo com o Audsley (1965, p. 39) até chegar ao século XIX, o órgão passou por muitas mudanças e sofreu vários avanços, tornando-se um instrumento de estrutura cada vez mais complexa.

O órgão moderno é uma evolução do que se pode ser chamado, a título de comparação, um moneron musical – em outras palavras, da primeira simples flauta de cana oca ou apito soado pela respiração do homem. Na ordem natural das coisas a descoberta seguiria rapidamente os canos ou apitos de diferentes dimensões que resultaram na produção de sons musicais de diferentes alturas. A mente imaginativa pode facilmente acompanhar a lenta aplicação dessa descoberta, até a syrinx, ou também chamada “Flauta de Pan”, formada por um número de tubos de diferentes tamanhos, fechados em uma das extremidades, e unidos, e produzindo, quando se sopra na extremidade aberta, uma série de sons mais ou menos regular, tornando-se o primeiro órgão de boca e o princípio da evolução do Órgão moderno, através de várias progressivas etapas, até a atual elevada posição de Rei dos

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Instrumentos, e uma das maiores realizações da engenhosidade e habilidade humana (AUDSLEY, 1965, p. 1, tradução nossa) 8.

Quanto sua estrutura básica, pode-se dizer que:

O órgão é um instrumento de sopro e teclas, essencialmente formado por tubos que soam sob a ação de ar comprimido que lhes é enviado; cada tecla no teclado corresponde a um ou a vários tubos, e fazem, em princípio, ouvir um som determinado. Tubos e vento de um lado, teclas ou teclados de outro não são suficientes para fazer o órgão soar: o intermediário que conecta essas diferentes partes é o someiro, caixa retangular fechada, no qual o tubo é encaixado e dentro do qual se interligam a válvula e a tecla; o someiro recebe o vento enviado por um ou mais foles. O fole acionado à parte, e o ar sendo enviado pelo conduto porta-vento à arca de ventos do someiro, para que o órgão soe, é necessário que sejam abertos, simultaneamente, o registro correspondente ao jogo de tubos e a válvula correspondente à tecla do teclado. (DUFOURCQ, 1935 apud BRESCIA, 2008, p.14, tradução nossa) 9.

Segundo Audsley, a manufatura do instrumento ficaria concentrada no âmbito da Igreja até meados do século XVIII, quando a música começaria a se expandir para as salas de concerto, alcançando um público mais amplo. Sua introdução na igreja ocorrera no século XIV, época que o autor destaca como sendo de importantes avanços na organaria. Neste período a construção de órgãos concentrou-se nos mosteiros, que abrigaram muitos destes instrumentos. Até então os órgãos consistiam em modelos de realejos e órgãos portáteis, o que justificaria, posteriormente, a dificuldade de comportar grandes órgãos em igrejas medievais. Os órgãos portáteis também foram muito correntes ao longo do século XV e início do século XVI. Ainda segundo Audsley, o órgão assumiu sua forma básica no século XV, apresentando

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Texto original: The modern Organ is an evolution from what may be called, by way of comparison, a musical moneron – in other words, from the first single hollow reed pipe or whistle sounded by the breath of man. In the natural order of things the discovery would quickly follow that reeds or whistles of different dimensions yielded musical sounds of different pitches. The imaginative mind can easily follow the slow application of this discovery, until the syrinx, or so called “Pipe of Pan”, formed of a number of hollow reeds of different lengths, stopped and one end, and bound together, and yielding, when blown across their open ends, a more or less regular series of musical sounds, became the first mouth organ and the germ from which the modern Organ has grown, through a thousand progressive stages, to its present lofty position as the King of Instruments, and one of the greatest achievements of human ingenuity and skill. 9 Texto original: L’orgue est un instrument à vent et à touches, essentiellement formé de tuyaux qui parlent sous l’action de l’air comprimé qui leur est envoyé ; chacune des touches du clavier correspond à un ou plusieurs tuyaux, et fait, en principe, entendre un son déterminé. Tuyaux et vent d’une part, touches ou claviers de l’autre ne suffisent pas à faire parler un orgue : l’intermédiaire qui relie ces différentes parties est le sommier, boîte rectangulaire hermétiquement fermée, sur laquelle est fixé le tuyau et à l’intérieur de laquelle se trouve la soupape solidaire de la touche ; le sommier reçoit le vent que lui envoient un ou plusieurs soufflets. Le soufflet mis à part, et l’air étant envoyé par le porte-vent à la laye du sommier, pour qu’un orgue parle, il faut que soient ouverts, simultanément, le registre correspondant au jeu de tuyaux et la soupape correspondante à la touche du clavier.

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vários teclados e someiros, a combinação de registros e pedal (inventado nesse mesmo século). Nenhuma modificação essencial ocorrerá nos séculos seguintes (AUDSLEY, 1965, p. 29). Brescia apresenta a divisão da História do Órgão em três períodos: o primeiro consiste no órgão clássico, compreendido entre os séculos XIV e XVIII. Em seguida o órgão romântico que se desenvolveu durante o século XIX. No terceiro período (século XX) desenvolveu-se o órgão neoclássico que consiste em um aperfeiçoamento da junção entre os dois anteriores (DUFOURCQ, 1935, apud BRESCIA, 2008, p. 12). No que tange à construção de órgãos, Audsley afirma que até o início do século XIX a supremacia da organaria europeia se concentrou na Alemanha, que era líder nesta arte e ciência. A organaria germânica preocupava-se com a magnitude dos instrumentos de modo que os maiores órgãos estavam na Alemanha. Seus avanços nesta área possibilitaram o desenvolvimento do compartimento de pedal, que viria a trazer avanços à técnica do instrumento (AUDSLEY, 1965, p. 186). A partir da década de 1830 a Inglaterra passou a ocupar posição de destaque na construção de órgãos. A invenção do Swell-Organ em 1712, pelos Jordans, possibilitou-lhe grande avanço. O swell permitiria à música organística uma variação de dinâmica que antes não era possível. No entanto, ainda nesta época a organaria alemã exercia influência sobre a organaria inglesa (AUDSLEY, 1965, p. 81). A partir destas considerações, Audsley, fiel a um contexto da época que via a organaria barroca sob um prisma de certa estanqueidade evolutiva, afirma que o órgão chegou ao século XIX como um instrumento desajeitado e pouco eficiente em seus aspectos mecânicos. Seu desenvolvimento foi pouco notado até as três primeiras décadas do século XIX. Até a década de 1830 o órgão passou por pequeno desenvolvimento. Porém, depois começou a desenvolver-se de maneira gradual e bastante notável, destacando-se os órgãos ingleses e americanos (1965, p. 85). No século XIX, portanto, os avanços na organaria se fizeram notar na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos da América. Neste período os órgãos já não se concentravam apenas nas igrejas, ou câmaras. As salas de concerto também passaram a comportar o instrumento que apresentava características particulares a depender do local que o abrigaria. O órgão romântico tinha proporções cada vez maiores. Quanto a suas características externas (caixa) Audsley destaca dois métodos distintos que predominavam no período entre arquitetos e organeiros: o método arquitetônico e o método moderno. O método arquitetônico fundamentava-se unicamente na prática antiga da organaria e possibilitava maior proteção ao instrumento contra agentes externos como poeira e mudanças de temperatura. O método

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consistia em construir uma caixa maior, de grandes dimensões e de caráter demasiadamente ornamentado, agregando dignidade e beleza ao instrumento. O método moderno, por conseguinte, mais despojado, caracterizava-se como menos dispendioso e possibilitava maior facilidade no tratamento do desenho, sendo também mais favorável para a sonoridade do instrumento (1965, p. 125). Ainda no que se refere ao segundo método, o autor explica:

Diferentes opiniões surgem entre arquitetos e construtores de órgãos, respeitando o caráter desejável da caixa do órgão, alguns defendendo uma caixa elaboradamente ornamentada, estendendo-se a uma altura tão grande como a natureza e a localização do instrumento permitirá, e outros afirmando que pouco, ou nenhum, trabalho na caixa deveria ser introduzido acima do nível do someiro do Grande Órgão, apenas padrões com barras fixas ou filas de tubos de madeira ou de ferro sendo colocados onde necessário para apoiar (ou aparentar apoiar) a tubaria exposta (AUDSLEY, 1965, p. 125, tradução nossa) 10.

A decoração do instrumento é outro elemento a ser destacado. Esta, de modo mais sucinto, compreende tanto o trabalho na madeira (entalhamento) como a pintura. Audsley sugere algumas regras básicas para a decoração dos órgãos, porém esclarece não ser possível estabelecer normas universais. Neste sentido, era necessário considerar para qual ambiente o instrumento seria destinado, para uma melhor adequação. Sua decoração devia levar em conta o material com o qual fora construído, a exemplo do tipo de madeira e o material utilizado para os tubos (1965, p. 175). Quanto à pintura, o órgão de câmara possuía maior liberdade. O uso de várias cores sobre o tom de dourado, detalhamento na madeira nobre e pintura delicada nos tubos seriam adequados. Já os órgãos de salas de concerto deviam ser ornados em concordância com a decoração da própria sala. A decoração do órgão de igreja acompanharia o estilo da mesma. A utilização de figuras angelicais, a associação de personagens bíblicos ou de santos a instrumentos musicais, a exemplo do rei Davi com a harpa e de Santa Cecília com o órgão, era usual em muitas pinturas neste contexto (AUDSLEY, 1965, p. 179-181). O órgão de igreja inglês sofreu, ainda no século XIX, influência da organaria alemã. Até então os órgãos germânicos superavam os ingleses quanto à composição do instrumento. A introdução do compartimento de pedal nos órgãos ingleses foi uma marca desta influência. A 10

Texto original: Different opinions obtain among architects and organ builders respecting the desirable character of the organ-case; some advocating a close-fitting and elaborately ornamented case, extending to as great a height as the nature and locality of the instrument will permit; and others maintaining that little, if any, case-work should be introduced above the level of the Great Organ wind-chest, only standards with stay-bars or pipe-rails of wood or iron being placed where necessary to support (or appear to support) the external or displayed pipe-work.

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estrutura básica do órgão inglês pode ser exemplificada no exemplo apresentado na citação a seguir: Esse instrumento, construído por T. J. Robson, em 1847, é projetado sobre o princípio germânico, com referência especial à exigência de um órgão destinado ao acompanhamento e apoio do canto congregacional. Ele consiste em três manuais, nomeadamente Swell box, Great, e Choir, junto com um Pedal Organ independente. Os manuais são seções convencionais, de Dó1, ascendendo para o sol3 em agudíssimo, com 56 notas. A pedaleira, na qual se dispõe o Pedal Organ, se estende do Do0 ao Fa2, com 30 notas, sendo o primeiro Pedal Organ erigido em Londres, dessa maneira (HOPKINS apud AUDSLEY, 1965, p. 189) 11.

O instrumento descrito anteriormente apresenta para a época a novidade do Pedal Organ. O acréscimo do pédalier (no caso com 30 teclas) para um órgão de igreja, utilizado para acompanhar o canto da congregação denota a influência germânica. Desta maneira, além da composição básica de Great e Choir e da caixa de expressão possibilitando as mudanças de dinâmica, a adição do pédalier tornou o órgão ainda maior pela adição de registros ao Pedal Organ. Audsley define o órgão de igreja como sendo fundamentalmente um instrumento de acompanhamento. Um instrumento utilizado para acompanhar o canto do coro e da congregação, podendo ser também utilizado para a performance de algum voluntary. Possuía uma entonação mais ou menos potente em proporções exatas para com as dimensões internas e as propriedades acústicas e tinha como principais características a grandiosidade combinada com a possibilidade de refinamento da entonação. Um instrumento que se fazia notar nas igrejas, mas também em ambientes particulares e em salas de concerto (AUDSLEY, 1965, p. 195).

2.3.5. O órgão de tubos enquanto instrumento de representação de poder

A doação do órgão de tubos de Laranjeiras não foi única na região no Segundo Reinado. Há também que se destacar o órgão de tubos de Maruim, doado à Igreja Matriz do Senhor dos 11

This instrument, built by T. J. Robson, in 1847, is designed upon the German principle, with special reference to the requirement of an Organ intended for the accompaniment and support of congregational singing. It consists of three manual Organs, viz., Swell, Great, and Choir, together with an independent Pedal Organ. The manuals are the orthodox range, from CC, ascending from thence to g3 in altissimo, 56 notes. The pedal board, with the Pedal Organ running throughout, extends from CCC to tenor F, 30 notes, being the first Pedal Organ erected in London of this complete compass.

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Passos pelo Cônsul Otto Schramm (Figura 6), comerciante alemão então residente naquele local. Esta doação está diretamente relacionada à imigração alemã na Província de Sergipe. De acordo com Nascimento (2006, p. 160), os primeiros imigrantes alemães chegaram nesta província no ano de 1839 e fixaram-se na região do Cotinguiba. Em Maruim, os Schramm “ganharam maior visibilidade após a criação da casa A. Schramm & Co., dedicada à exportação de açúcar e importadora de mercadorias industriais e outros manufaturados” (PASSOS Sobrinho, 2000 apud NASCIMENTO, 2006, p. 160). O poderio econômico possibilitado pelo êxito nos negócios faria dos Schramm importantes figuras públicas no cenário maruinense (Figura 7). Segundo Nascimento:

O poderio econômico dos Schramm colocou a família no centro de tomada de decisões do poder político local, chegando um deles a ocupar a função de Cônsul da Alemanha em Sergipe. Essa inserção social era alimentada pela reputação de mecenas que obteve Otto Schramm e que deixou marcas em benfeitorias como a doação do relógio e do órgão de tubos da Igreja matriz maruinense, ambos procedentes de Hamburgo (2006, p. 162).

O mecenas alemão seria apontado também por alguns historiadores como o criador do Gabinete de Leitura de Maruim. Segundo consta no Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros (1869), Otto Schramm ingressou no corpo consular estrangeiro a 13 de fevereiro de 1862. Sua imagem de benfeitor permearia a sociedade maruinense até a atualidade. Segundo o memorialista Joel Aguiar “os Schramm exerceram em Maruim benéfica influência e a opulência do seu viver, como também a generosidade dos seus gestos ainda hoje são conhecidos. O cônsul Otto Schramm foi para Maruim um símbolo de rara cultura e um edificante exemplo de que o trabalho tudo vence” (AGUIAR, 2004, p. 27).

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Figura 6 - Cônsul alemão Otto Schramm, segunda metade do século XIX

Fonte: Aguiar (2004, p. 153).

Figura 7 - Colônia alemã em Maruim, segunda metade do século XIX

Fonte: Cruz e Silva (1994, p. 95).

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Com relação à doação de órgãos de tubos, pode-se dizer que remonta à Alta Idade Média. Os órgãos enviados de Constantinopla aos imperadores merovíngios e carolíngios evidenciam que esta prática viera de longa data. Em seu célebre tratado L’Art du Facteur d’orgues (1776-1778) Dom François Bedos de Celles menciona o órgão com o qual o imperador Constantino Copronimo presenteou o rei Pepino, o Breve, em torno do ano 757. Menciona também outro órgão que Constantino Curopalata enviara a Carlos Magno em 812. No contexto lusitano podemos citar também os órgãos enviados pelos reis de Portugal aos governantes das regiões onde almejavam estabelecer entrepostos comerciais. De acordo com Azevedo:

Quando contatos com novos mundos eram abertos pelos navegantes portugueses, os órgãos não eram esquecidos e o cronista Gaspar Correia quando descreve a embaixada especial de Dom Rodrigo de Lima ao Imperador da Etiópia em 1519, menciona um Manuel de Éguas que teria levado um ou mais órgãos como um presente. Em 1519 um presente semelhante foi dado ao rei de Vishnayagar, vizinho de Goa (1972, p. 7, 12 tradução nossa) .

Acreditamos que o mecenato observado no Vale do Cotinguiba esteja relacionado a esta antiga prática. Compreendemos, portanto, a partir das doações ocorridas no Vale do Cotinguiba, que o órgão de tubos apresentava um valor simbólico para aquela comunidade, representava a ideia do poder. Esta ideia também pode ser respaldada no órgão de prata de Felipe II da Espanha, representado na pintura de Claudio Coello (1642-1693), La Sagrada Forma. Esta obra faz parte do arsenal iconográfico da Real Basílica del Monasterio de San Lorenzo de El Escorial (Figura 8).

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Texto original: When contacts with new worlds were opened up by Portuguese navigators, the organs were not forgotten and the chronicler Gaspar Correia when describing the special embassy of Dom Rodrigo de Lima to the Emperor of Ethiopia in 1519, mentions on Manuel de Mares who had carried one or more organs as a present. In 1522 a similar gift was made to the king of Vishnayagar, neighbour of Goa.

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Figura 8 – La Sagrada Forma

COELLO (1685-90). EL ESCORIAL, Sacristia do Mosteiro de San Lorenzo.

O Mosteiro do Escorial, construído entre 1563 e 1584, consiste em um notável complexo arquitetônico que abarca os seguintes compartimentos: palácio, convento, basílica, panteão, biblioteca e colégio. O grandioso mosteiro idealizado pelo então rei Felipe II da Espanha teve como arquitetos Juan Bautista de Toledo e Juan de Herrera. A ideia de poder é claramente expressa através da arquitetura do mosteiro. No caso, o poder do rei se impunha e reafirmava por meio da grandiosa construção. Esta ideia seria concernente ao “poder absoluto, exercido por direito divino, em íntima união mística com a divindade” (PIMENTEL apud

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BRESCIA, 2013, p. 246). A pintura faz alusão ao milagre de Gorkum. Segundo conta a tradição, alguns protestantes teriam entrado em um templo católico de Gorkum, Holanda, com o intuito de saqueá-lo. Um dos integrantes do grupo, em sinal de desprezo, teria pisoteado, com sua bota de pregos, uma hóstia consagrada. A hóstia, ferida pela marca da bota, apresentava três furos que imediatamente teriam começado a sangrar13. No ano de 1594 a relíquia foi entregue a Felipe II que a custodiou ao Mosteiro de San Lorenzo. A obra de Claudio Coello retrata justamente a inauguração do tabernáculo que o rei Carlos II mandou confeccionar com a finalidade de guardar a preciosa relíquia. O quadro, portanto, como tentativa de retratar um acontecimento com fidelidade ao fato, tem como cenário a própria sacristia. Em La Sagrada Forma observa-se a figura de Carlos II, ajoelhado, em atitude devocional ante o que se lhe apresentam as mãos do então prior do Mosteiro: a Sagrada Forma. Nobres e membros da comunidade religiosa também compõem a cena14. No entanto, o objeto que se apresenta no centro da pintura é o órgão de prata de Felipe II, bisavó de Carlos II. O órgão encontra-se cercado pelos poder Político e pelo poder Eclesiástico e ocupa um lugar de destaque na pintura. De acordo com Samuel Rubio (1971, p. 88), o órgão retratado na pintura de Coello foi o oitavo instrumento de um conjunto que compreendia ainda outros sete órgãos, todos construídos pelo famoso organeiro Gilles Brebos junto a seus filhos, a pedido de Felipe II. Com relação aos instrumentos da Basílica, Samuel Rubio afirma que “Felipe II dotou o monastério de nove órgãos: oito de tubos e um de sinos. Dizemos que ao mosteiro, e não especificamente à basílica porque não estiveram todos nesta no início, mas todos foram destinados ao serviço do culto divino” (1971, p. 87, tradução nossa)15. Dentre os órgãos construídos por Brebos para o mosteiro real, o primeiro foi instalado na primeira capela construída, antes mesmo da basílica, que ficaria denominada por iglesia vieja. Os outros seis instrumentos foram instalados na basílica real: dois, os maiores, instalados nas extremidades do cruzeiro; outros dois, de médio porte, situados no coro e os dois menores – realejos – ficavam acima de dois altares. O oitavo instrumento consistia em um órgão portátil, de prata. Era guardado na sacristia e utilizado nas procissões do Santíssimo Sacramento (RUBIO, 1971, p. 87). Ainda segundo Rubio este órgão era composto por tubos de prata, teclado 13

Disponível em:< http://www.therealpresence.org/eucharst/mir/portuguese_pdf/PORTU-gorkum.pdf>. Acesso em: 10 de novembro de 2013. 14 Disponível em:. Acesso em: 10 de novembro de 2013. 15 Texto original: Felipe II dotó al monasterio de nueve órganos: ocho de tubos y uno de campanas. Decimos al monasterio, y no concretamente a la basílica porque no estuvieron todos en ésta al princípio, si bien todos fueron destinados al servicio del culto divino.

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revestido por lâminas de prata, caixa de prata banhada a ouro cravejada de granadas e foles revestidos de cetim encarnado e placas de prata trabalhadas à mourisca. Com base na descrição física percebe-se claramente que se tratava de um instrumento luxuoso, construído com materiais preciosos: um autêntico símbolo do poder econômico e político do rei.

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3.

3.1.

NOVAS ACHEGAS

FELISBERTO DE OLIVEIRA FREIRE (BARÃO DE LARANJEIRAS)

Segundo consta no Ato do Governo Imperial, preservado no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, Felisberto de O. Freire foi nomeado chefe do Estado Maior do Comando Superior da Guarda Nacional da capital, Municípios e Armas da Província de Sergipe em 1870. Assim consta no documento:

Dom Pedro por Graça de Deus Unanime Aclamação dos Povos. // Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brasil Faço saber aos que esta Minha Carta Patente virem Que / Ha por bem Nomear a Felisberto de Oliveira Freire para o posto de Tenente Coronel Chefe do Estado Maior / do Comando Superior da Guarda Nacional dos Municípios da Capital e armas da Província de Sergipe, e como tal gozará de todas as honras, pri- / vilégios, liberdades, isenções e franquezas que direitamente lhe pertencerem: Pelo que Mando á Authoridade competente que lhe / de pofse depois de prestar o devido juramento; o deixe servir e exercer o dito Posto; aos Officiais superiores que o tenhais e / reconheção por tal honrem e estimem, e a todos os seus subalternos que lhe obedeção e guardem suas ordens, no que tocar ao / serviço Nacional e Imperial tão fielmente como devem, e são obrigados. Em firmeza do que lhe Mandei passar a presente Carta / por Mim assignada, que se cumprirá como a Élla se contem depois de sellada com o sello grande das Armas di Imperio. // Dada no Palácio do Rio de Janeiro em deseseis de Novembro de mil oito- / centos e setenta [ilegível] [rasurado] [ilegível] da Independencia e do Imperio. // [assinatura ilegível] // Barão das Três Barras (ATO DO GOVERNO IMPERIAL, 1870).

O título de Barão só seria concedido no ano de 1872, segundo consta no Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e da Capital da Província do Rio de Janeiro, do ano de 1873 e no documento também encontrado no IHGSE, sobre a genealogia Freire:

Cel. Felisberto de Oliveira Freire, Barão de Laran- / jeiras, título criado por decreto de 29 de janeiro / de 1872. Casou-se com D. Maria Cândida de Souza / Bastos, filha do Capitão Francisco Manuel de Souza / Bastos e D. Joaquina Perpétua do Amor Divino, / do engenho Camuculé. O Barão de Laranjeiras fale- / ceu em 20 de janeiro de 1889. Teve, extra casamen- / to, em D. Inês das Virgens Freire // (NOTAS GENEALÓGICAS, IHGSE).

A comparação das informações contidas nesta documentação com as fontes bibliográficas estudadas corrobora a hipótese da relação direta entre a doação do órgão de Laranjeiras e a nomeação e posterior titulação nobiliárquica de Felisberto Freire, uma vez que fica claro que a doação precedeu a concessão do título. Ainda com relação a esse fato, é

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válido voltar a atenção para o que está escrito na plaqueta anexa ao instrumento. A placa afirma ter sido o Barão de Laranjeiras o doador do instrumento. No entanto, é importante observar que a placa foi colocada posteriormente ao título do baronato, uma vez que Felisberto Freire (Figura 9) ainda não o tinha recebido quando da doação.

Figura 9 - Retrato do Barão de Laranjeiras

Fonte: Acervo pessoal da família Freire, Fazenda Belém, Itaporanga d’Ajuda (SE).

Outra informação relacionada a Felisberto Freire merece ser considerada nesse contexto. Trata-se da Carta do Barão de Laranjeiras a João Dantas Martins dos Reis, datada de 24 de fevereiro de 1885, solicitando o apoio para a criação de uma cadeira de Francês e outra de Música na Escola Normal. Chamamos a atenção para uma possível preocupação do já então Barão com o ensino da música no principal centro de estudo da província, assim como uma eventual relação entre esta preocupação e a doação de um instrumento à matriz. A falta de maiores informações a respeito de Felisberto de Oliveira Freire não nos permite afirmar até que ponto sua relação com a música teria influenciado na doação do órgão de Laranjeiras. No entanto, o fato de solicitar apoio para a implantação da cadeira de música em tão importante centro educacional de Sergipe sugere que de fato houvesse uma preocupação do Barão com a cultura musical da província. Nesse sentido, a doação do órgão de Laranjeiras poderia ser apontada como sendo a primeira na região, o que de modo algum exclui a associação do instrumento à ideia de representação de poder ou à busca pelo título de nobreza, mas se somaria a essas. Ainda no que tange ao motivo da doação do órgão a Laranjeiras

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mencionamos também o fato de uma possível promessa feita ao Sagrado Coração de Jesus, por Felisberto de Oliveira Freire, que sendo atendido teria realizado a doação (BISPO, 2013, p. 12). Esta justificativa, porém, não pode ser corroborada com nenhuma outra informação até o momento, sendo apenas mencionada pelo organista em função da Matriz de Laranjeiras, conforme se pode ler na entrevista apresentada ao final dessa dissertação. É válido ressaltar que além da doação de Felisberto de Oliveira Freire à Matriz de Laranjeiras, observamos ainda outra doação de órgãos de tubos no Vale do Cotinguiba, na segunda metade do século XIX: o órgão de Maruim. Além do que já fora informado a respeito do instrumento de Maruim, acrescentamos ainda que em recente visita à Matriz Nosso Senhor dos Passos, constatamos que o instrumento não se encontrava mais no local. Segundo algumas fontes o mesmo fora destruído antes mesmo do restauro da igreja que ocorreu no ano de 2006, por falta de cuidados adequados. Além dessas duas doações, foi possível detectar outra na catedral de Aracaju. Desse caso a única informação que possuímos se encontra na placa de doação do instrumento que atribui a doação a José Inácio Accioli do Prado, conforme se encontra impresso na parte frontal do órgão: “Anno 1881. Donativo do Barão de Aracajú à Igreja Matriz de Aracajú”. A informação sobre título de baronato de José Accioli encontra-se mencionada tanto no Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e da Capital da Província do Rio de Janeiro (1873, p. 56) quanto no Archivo Nobiliarchico Brasileiro. Neste último consta: “ARACAJÚ. (Barão de) José Ignacio Accioli do Prado. Falleceu na Provincia de Sergipe, em 28 de Março de 1904, com 80 annos de idade. Era fazendeiro e criador abastado, na Provincia de Sergipe. CREAÇÃO DO TITULO: Barão por decreto de 28 de Agosto de 1872” (1917, p. 50). O órgão de Aracaju permanece instalado no coro da catedral e encontra-se em condições precárias.

3.2.

O ÓRGÃO NA MATRIZ DE LARANJEIRAS

Nesse capítulo pretendemos abordar a atividade de alguns dos organistas que desempenharam suas funções na Matriz de Laranjeiras. Trataremos também da utilização do instrumento nas celebrações religiosas, desde o final do século XIX, até os dias atuais.

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3.2.1. Funcionalidade do instrumento e os organistas

Tratando-se, funcionalmente, de um órgão de igreja esperávamos inicialmente encontrar, na documentação paroquial, alusões ao instrumento através de registros de pagamentos a eventuais organistas, despesas com reparos, ou até mesmo relatos de alguma celebração em concreto. As duas primeiras alusões não foram encontradas na documentação estudada. No entanto, observamos algumas menções à atividade musical desenvolvida nos ritos religiosos da matriz, dentre as quais também encontramos referência ao órgão. Algumas menções são feitas à professora, organista e maestrina Eufrozina Guimarães, já mencionada no segundo capítulo desta dissertação. Ressaltamos que há uma divergência quanto ao nome da organista. Nas fontes secundárias consultadas e nos programas do Novenário do Sagrado Coração de Jesus que serão apresentados a seguir (fig. 10 e 11) encontra-se o nome Eufrozina, mas no Livro de Tombo escreve-se Euphrázia. O apelido carinhoso, porém, professora Zizinha Guimarães, mantém-se igual em todas as fontes consultadas. O Livro de Tombo, cujas atas estão compreendidas entre os anos 1897 a 1968, não faz referências frequentes ao instrumento. São mencionadas bandas filarmônicas e algumas vezes são feitas referências a atividades musicais através das quais se deduz uma eventual participação do instrumento. Observa-se no fragmento da ata a seguir a participação de uma banda de música na festa de comemoração do restauro da Matriz de Laranjeiras, na qual o órgão também poderia ter sido utilizado16.

Festa da Restauração da / Matriz de / Laranjeiras, Sergipe // Aos dez dias do mez de Setembro de 1905 reali- / zou-se nesta cidade a grande festa da / inauguração das obras de sua Matriz prece- / dida de grandes festas populares em regozijo / por tão insigne graça do Altissimo [...] // A festa começou as 11 horas / da manhã sendo celebrante o Vigario da / freguezia Pe. Philadelpho Jonathas d’Oliveira, bem / como Vigario João Florencio, subdiacono Pe. José / Victor, pregador Dr. Pe. João de Mattos, [ilegível]- / tes Vigarios Vicente, Marinho, Diogo, [ilegível] / quale, Estanilau, comitiva Presidencial, quatro / muzicos, a orchestra de moças, uma guarda / de Honra 16

Como já mencionado na revisão de bibliografia, Oliveira (1941, p.166) ao relatar este mesmo acontecimento, menciona em seu livro – que também tomou como base o Livro de Tombo da Matriz de Laranjeiras – que o órgão de tubos tocara nessa ocasião. Ressaltamos que o padre Oliveira já era pároco da Matriz de Laranjeiras quando da Festa da Restauração da Matriz (que em seu livro intitula de “Remodelação da Matriz”). A dificuldade de acesso a outros documentos do arquivo da matriz dificultou nossa compreensão sobre a ausência de tal informação no Livro de Tombo.

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de cem praças e uma multidão i- / mensa. Depois da festa teve a inauguração / da Praça Josino e á tarde uma procissão / de 12:000 pessoas no recolher pregou o Vi- / gário Philadelpho Jonathas d’Oliveira seguin- / do-se o Te Deum em acção de graças / E para constar sempre fiz este termo que / assigno: // Vigario Philadelpho Jonatha d’Oliveira // (LIVRO DE TOMBO, 1897-1968, f. 4v).

Mais adiante encontramos, dentre as atividades correspondentes a 1912, outra referência à Orquestra de Moças, sem indicar regente nem organista.

Consagração da Freguezia / De / Laranjeiras ao Sagrado Coração de Jesus / Acta // Aos dez dias do mez de Março de mil novecentos e doze, / realisou se com grande solennidade segundo as pres- / cripções da Carta Pastoral de S. Excia. Reverendo o Sr. Bispo / Diocesano, a Consagração da Freguezia de Laran- / jeiras ao Sagrado Coração de Jesús. A solennidade / foi precedida de um Triduo, praticas e Benção / do S.S. Sacramento. No dia dez, as dez e meia do / dia começou a festa na qual a Orchestra das / Moças executou linda Missa e o Vigario fez o / sermão sobre as bellesas da devoção ao Sagrado / Coração de Jesus; / sendo destribuidas 329 commu- / nhões. [...]. A tarde teve logar a / procissão das imagens, Coração de Jesus e Cora- / ção de Maria, com os competentes estandartes. / Encerraram-se as festividades com a Benção do / S.S. Sacramento. Em todos os actos tocou a Musi- / ca S. Cruz // (LIVRO DE TOMBO, 1897-1968, f. 15r).

A primeira vez em que é mencionado o nome da professora Euphrázia Guimarães (embora estivesse também à frente da Orquestra de Moças, dessa vez junto com outra musicista – Maria Oliveira) data de 1919. Por ser organista, acreditamos que a professora tenha desempenhado esta função na dita celebração, segundo a descrição:

Festa de Nossa Senhora das Dôres // Aos cinco dias do mez de Outubro do anno de / mil novecentos e desenove realizou-se a / grande festa a Nossa Senhora das Dôres feita pelo / Dr. Luiz Fereira do Nascimento em cumprimento / de um voto sagrado. [...] Ás 10 horas realizou-se a missa solenne sendo / Celebrante o Monsenhor Adalberto Sobral, Governa- / dor do Bispado, diacono Vigario Constantino [ilegível]- / Greman e subdiacono Vigario Philadelpho Jonathas de / Oliveira. A evangelho fez o sermão o conego Edu- / -ardo Fontes. A orchestra foi confiada ás dignas / musicistas D. Maria Oliveira e Zizinha Guimarães. / Á tarde houve uma bem organizada procissão / tocando duas bandas de musica – União Laran / jeirense e a do 41° Batalhão de Caçadores de / Aracajú // (LIVRO DE TOMBO, 1897-1968, f. 32v).

A seguinte referência, relativa à Festa de Cristo Rei não possui data. No entanto, podemos afirmar que é posterior ao ano de 1925, uma vez que a solenidade fora instituída

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pelo Papa Pio XI, em 11 de dezembro de 1925, pela encíclica Quas Primas17. Nossa afirmação se confirma também através da ata que antecede a ata sobre a Festa de Cristo Rei e da Ata que a sucede. Ambas datam do ano de 1928.

Festa de Christo Rei, // Hora Santa: [...] // Ás 7 horas da noite foi inaugurada / aqui a Hora Santa comparecendo á / elite laranjeirense, tomando parte na / adoração todos os homens da alta so- / ciedade desta cidade. Os actos foram lidos / pelo Dr. Juiz de Direito Manoel Dias / Lima, os hynnos foram cantados pelo / harmonioso córo sob a regencia de D. / Zizinha Guimarães e o sermão foi feito / pelo Vigario Pe. Philadelpho Jonathas / Oliveira. Foi uma acto que impressionou / muito bem o povo crente desta cidade, / havendo real e posisitvo resultado es- / piritual de tão sublime festividade // (LIVRO DE TOMBO, 1887-1968, f. 61v).

A contínua atividade musical desenvolvida pela organista Euphrázia Guimarães desde 1919, também se faz notar na Ata da comemoração do centenário de criação da paróquia Sagrado Coração de Jesus, no período de três a seis de fevereiro de 1935.

Milhares de pessoas de varios pontos de Estado / compareceram aos actos liturgicos / presididos por S. Excia Revrem. Sr. D. José Thomaz / Gomes da Silva e abrilhantadas por grandioso / conjunto orpheonico de mais trinta senhorinhas / da nossa melhor sociedade e por applaudito / dueto pela eximia organista Euphrasia Guima- / rães e pelo excellente violinista conterraneo / Dr. Antonio Tavares de Bragança. Durante o Con- / gresso occuparam a tribuna varios oradores / da elite intellectual de Sergipe. / Houve grande [missa] Pontifical, e bellissima pro- / cissão encerrando-se tudo com o Te Deum / em acção de graças // (LIVRO DE TOMBO, 1897-1968, f. 87r).

A citação informa da missa pontifical que, como é comum neste tipo de eventos litúrgicos, contou com grande pompa (quase um concerto), com destaque para o duo composto pela prof. Zizinha Guimarães (órgão) e o Dr. Antonio Tavares de Bragança (violino). Com base no texto pode-se supor que o órgão pudesse ter sido utilizado para uma função distinta da de acompanhamento, talvez um possível recital inserido nos eventos festivos, podendo igualmente se pensar em que, como de costume, o instrumento houvesse sido utilizado na função de acompanhamento litúrgico da celebração, que contava ainda com o violino e um grupo orfeônico.

17

SS. PP. Pio XI, Carta Encíclica Quas primas, Roma, 11/12/1925. Disponível . Acesso em: 09/03/2014.

em

:

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Várias menções são feitas à professora Zizinha enquanto maestrina da orquestra. Já o órgão só viria a ser aludido de forma direta no referido livro, na ata sobre a primeira visita do Bispo da Diocese de Aracaju, Dom Fernando Gomes, acontecida em 1949.

Sr. D. Fernando em Laranjeiras // Pela vez primeira o Sr. Bispo D. Fernando esteve / nesta cidade aos dezoito de junho de mil nove- / -centos e quarenta e nove para oficiar nas exe- / =quias do [Tenente] Cel. João Valença [Monteiro], morto no desastre de / Gericinó, no Rio de Janeiro. Sua Excia fez uma alocução / consernente ao fato, exaltando o heroismo do soldado / brasileiro. Tocou durante a missa a musica do Exer- / =cito acompanhando tambem o Orgão com marchas / funebres – Sua Excia dignou-se visitar o Vigario em / sua casa paroquial, assim como o Posto de Puericultu= / -ra e o Hospital em construção deixando otima im- / pressão a todos os laranjeirenses // (LIVRO DE TOMBO, 1897-1968, f. 129v).

A partir das atas estudadas, percebe-se a contínua utilização da música (seja com a participação de bandas ou no órgão mais especificamente) nas cerimônias em questão. De modo especial, na maioria das vezes a música foi executada sob a regência da professora Euphrázia Guimarães, responsável pela orquestra e pelo grupo orfeônico de moças. Euphrázia também é apresentada nos relatos na qualidade de organista, o que nos permite afirmar, portanto, que seja a organista responsável pelo instrumento desde, pelo menos, 1919 e até meados do século XX. A participação da organista também se faz notar nos panfletos com a programação do Novenário do Sagrado Coração de Jesus para os anos de 1954 e 1955, encontrados no Arquivo Eclesiástico da Cúria Metropolitana de Aracaju (fig. 10 e fig. 11).

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Figura 10 – Programa do Novenário do Sagrado Coração de Jesus para o ano de 1954

l Fonte: Arquivo da Cúria Metropolitana de Aracaju.

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Figura 11 - Programa do Novenário do Sagrado Coração de Jesus para o ano de 1955

Fonte: Arquivo da Cúria Metropolitana de Aracaju.

Segundo informou em entrevista Evandro de Jesus Bispo, atual organista da Matriz de Laranjeiras, a igreja em questão contou com cinco organistas. O primeiro a desempenhar tal função foi o compositor e maestro Manoel Bahiense (1841-1919), desde a chegada do órgão, até 1918 ou 1919. A Professora Zizinha Guimarães sucedeu Manoel Bahiense, assumindo a

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função de organista, maestrina, professora de música e compositora, muito provavelmente próximo ao ano da morte do anterior (1918-1919). A Sra. Edmunda Lobão, que havia sido aluna de Zizinha Guimarães assumiu, depois da morte de Zizinha em 1964, a função de organista. Após algum tempo, esta atividade musical seria também desempenhada por Sandro Luiz Luzarte, quando da ausência de Edmunda Lobão. Em 1993, sucedendo a Edmunda como organista da Matriz de Laranjeiras, Evandro de Jesus Bispo assumiria a função que já desempenha há vinte anos (BISPO, 2013, p. 13). Quanto à função do órgão nos atos religiosos da matriz, observa-se a partir da leitura das atas do Livro de Tombo que sua utilização nos atos solenes é constante e o relator das atas, segundo a presente interpretação, deixa transparecer a suntuosidade conferida pelo instrumento aos mesmos. O órgão da matriz consistia em um instrumento de acompanhamento. O mesmo era utilizado para acompanhar os ritos, possivelmente com o coro e ainda com a orquestra de moças. Não nos é possível concluir que o instrumento não fosse tocado nas missas dominicais, por exemplo.

3.2.2. O Novenário do Sagrado Coração de Jesus: uso atual do órgão e repertório

Com relação à utilização atual do órgão na matriz, de acordo com Bispo (2013), o instrumento é tocado apenas como acompanhamento litúrgico em celebrações religiosas. O mesmo teria sido utilizado como instrumento solo em recitais apenas nos primeiros anos que se seguiram ao ano de 1986, quando passou por reparos. Tanto por problemas técnicos quanto por opção da administração da paróquia, o uso do instrumento tem se limitado à festa do padroeiro: o Novenário do Sagrado Coração de Jesus. Ainda que esporadicamente o órgão seja tocado no “Mês Doloroso” – setembro – em honra à Nossa Senhora das Dores, cuja devoção é igualmente tradicional na cidade. No entanto, sua imagem está atualmente relacionada diretamente ao Novenário do Sagrado Coração de Jesus. Ainda segundo o organista, em anos anteriores, por opção do pároco, o novenário fora realizado sem a participação do órgão, o que gerou grande descontentamento entre os fiéis devotos, sobretudo os mais antigos, que alegaram que a festa do padroeiro teria perdido seu caráter solene sem a utilização do instrumento. Por esta razão o órgão voltou a acompanhar os ritos.

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Figura 12 - Fachada da igreja matriz enfeitada para o novenário

Fotografia de Thais Rabelo.

Figura 13 - Interior da matriz: Ato Penitencial

. Fotografia de Thais Rabelo.

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Figura 14 - Interior da matriz: assembleia

Fotografia de Thais Rabelo.

Figura 15 - Organista e coro durante o Novenário do Sagrado Coração de Jesus

Fotografia de Thais Rabelo.

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O Novenário do Sagrado Coração de Jesus em Laranjeiras tem início na última semana do mês de maio, culminando na primeira sexta-feira do mês de junho. É a festa mais importante da cidade, pois celebra seu padroeiro. Na novena do ano de 2013, em razão da realização do nosso estudo, fizemo-nos presentes em algumas noites de celebração. É evidente a grande participação da comunidade, estando a igreja matriz lotada nas noites do novenário. A participação dos patrocinadores de cada noite compreende grupos pastorais da própria paróquia como o Apostolado da Oração, a Cruzada Eucarística, a Ordem Franciscana Secular e o Terço dos Homens, além de incluir representantes do poder político como a Câmara e a Prefeitura Municipal, bem como fazendeiros, comerciantes, motoristas (taxistas e caminhoneiros), a Banda Filarmônica Coração de Jesus, grupos folclóricos, dentre outros. Neste ano o órgão acompanhou todas as noites do novenário juntamente com o coro (exceto uma noite, por motivos particulares). Dentre o repertório utilizado observamos hinos compostos por Manoel Bahiense e Euphrázia Guimarães, dentre os quais se incluem uma Ladainha, dois Atos Penitenciais, um Cordeiro, um Santo e um Te Deum. Segundo Evandro Bispo, tais obras são tradicionais no novenário. Ainda segundo o organista algumas das partituras utilizadas atualmente foram descartadas e posteriormente encontradas no lixo, por ele. Muito do material se perdeu por falta de cuidados, por vezes, dos próprios familiares. Algumas contêm apenas a parte instrumental, sem letra, enquanto que outras foram sendo transmitidas pela tradição de um organista a outro, algumas vezes apenas pela oralidade. Segundo Bispo (2013), há de sua parte a preocupação em manter viva a tradição religiosa e musical de Laranjeiras. Para tanto, procura executar obras sacras de compositores laranjeirenses responsáveis pela música na matriz no passado. Além disso, as celebrações contam também com a participação de alguns dos antigos coristas da matriz, a exemplo das senhoras Nadja Pacheco e Maria Antônia Pinho Lira, que foram também alunas de Zizinha Guimarães. A Ladainha do Coração de Jesus fora composta por Manoel Bahiense. A obra é geralmente executada antes da missa. Apresentamos, a seguir, duas cópias da mesma obra. Não foi possível identificar o(s) copista(s). De acordo com Bispo (2013), não se trata de autógrafos, mas de cópias de alunos de Zizinha Guimarães. Os manuscritos abaixo não apresentam letra, porém atribuem-se a Manoel Bahiense tanto a letra quanto a música. Os manuscritos aqui apresentados foram escritos em notação moderna. Em breve análise pode-se dizer que estão na mesma tonalidade: Dó maior. Consideramos que apesar de não possuir letra o caráter da escrita sugere uma composição coral com acompanhamento de

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um instrumento harmônico que dobraria as vozes, ou garantiria o acompanhamento harmônico, estando a melodia na linha superior da clave de sol. Não há mudança de tonalidade, mas sim de compasso: quaternário no início e logo ternário (a partir do compasso 16). A única diferença percebida entre os dois manuscritos é que o segundo apresenta indicações de mudança de andamento e são colocados nomes sobre algumas notas, como que para esclarecimento de possíveis dúvidas decorrentes de uma grafia pouco clara.

Figura 16 - Ladainha do Coração de Jesus

Composição de Manoel Bahiense. Copista não identificado. Fonte: Acervo pessoal de Evandro de Jesus Bispo.

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Figura 17 - Ladainha do Coração de Jesus

Composição de Manoel Bahiense. Copista não identificado. Fonte: Acervo pessoal de Evandro de Jesus Bispo.

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Os Atos Penitenciais, intitulados Perdoai-nos também são atribuídos a Manoel Bahiense. Existem dois Perdoai-nos com a mesma letra, porém melodias diferentes. De acordo com o organista em função o Perdoai-nos A18 fora originalmente escrito em Dó Maior e posteriormente foi escrita uma versão em Ré Maior, com a mesma melodia. O Perdoai-nos B escrito originalmente em Ré menor também contou com uma versão, em Dó menor. As duas melodias (A e B) se alternam a cada dia do novenário. O manuscrito abaixo está na tonalidade de Dó Maior. Não apresenta indicação de compasso, embora acreditemos estar escrito em tempo binário, a escrita mostra-se confusa com ausência de alguns elementos como pausas e figuras de notas que completariam o tempo de compasso. Tal fato pode significar erro do copista. Observa-se ainda uma linha melódica no final da folha, a terminação da novena, possivelmente uma jaculatória.

Figura 18 - Perdoai-nos A.

Composição atribuída a Manoel Bahiense. Fonte: Acervo pessoal de Evandro de Jesus Bispo.

18

Para melhor compreensão adotaremos a nomenclatura: Perdoai-nos A e Perdoai-nos B. As cópias são de Antônia Almeida Lobão, que fora aluna de Zizinha Guimarães.

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A redução do Perdoai-nos A em Dó Maior é apresentada a seguir. Não foi possível identificar o copista. A partitura apresenta tanto a redução do Perdoai-nos A, quanto a harmonia para a jaculatória escrita na parte inferior da folha.

Figura 19 - Perdoa-nos A (Redução)

Composição atribuída a Manoel Bahiense. Copista não identificado. Fonte: Acervo pessoal de Evandro de Jesus Bispo.

A cópia a seguir se trata do Perdoai-nos B na versão original em Ré menor. Nesta podese ver o signo de compasso ternário. A estrutura da obra evidencia uma escrita coral para quatro vozes.

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Figura 20 - Perdoa-nos B

Composição atribuída a Manoel Bahiense. Cópia de Antônia Almeida Lobão. Fonte: Acervo pessoal de Evandro de Jesus Bispo.

A última obra aqui apresentada é a Ação de Graças, também utilizada durante o novenário. A obra fora atribuída a Zizinha Guimarães. Trata-se da parte vocal. A harmonia é improvisada, segundo a tradição herdada pelos organistas que se sucederam à professora. A partir da observação dessas obras podemos considerar que os musicistas Manoel Bahiense e Euphrázia Guimarães desenvolviam atividade na matriz, não apenas como instrumentistas ou regentes, mas também como compositores. As obras aqui apresentadas consistem em repertório eminentemente religioso e atualmente são utilizados no Novenário do Sagrado Coração de Jesus. Acreditamos que essas obras foram inicialmente tocadas no órgão e também cantadas pelo coro.

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Figura 21 - Ação de Graças

Composição atribuída a Zizinha Guimarães. Fonte: Acervo pessoal de Evandro de Jesus Bispo.

3.3.

O ÓRGÃO DE TUBOS ENQUANTO INSTRUMENTO DE REPRESENTAÇÃO DE

PODER NA TRADIÇÃO ICONOGRÁFICA NO BRASIL

A ideia do órgão de tubos enquanto instrumento de representação de poder também pode ser corroborada através da análise iconográfica de algumas obras que retratam o Brasil Império. Em todas as pinturas estudadas o órgão de tubos ocupa posição central na cena apresentada. A primeira obra por nós observada fora o quadro do pintor francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848), intitulado Estudo para a Sagração de D. Pedro I. É importante ressaltar que além desta versão (que aqui se apresenta), há ainda outra, com 380 x 636 cm, que se encontra no Palácio do Itamaraty, em Brasília. Utilizaremos a versão na qual o órgão encontra-se em maior evidência.

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Figura 22 - Estudo para a Sagração de D. Pedro I

Debret - RIO DE JANEIRO, Museu Nacional de Belas Artes.

Em Estudo para a Sagração de D. Pedro I, Debret retrata um evento da mais alta importância no contexto imperial brasileiro. Através da análise da obra observamos a associação do órgão de tubos à ideia de poder. A cerimônia ocorre na antiga Capela Real do Rio de Janeiro, capela do Convento do Carmo, fundado no século XVI. Na segunda metade do século XVIII, a antiga capela deu lugar à atual igreja, obra que teve como mestre Manuel Alves Setúbal. Com a vinda da Família Real Portuguesa ao Brasil a igreja do Carmo foi designada pelo príncipe regente D. João, como Capela Real Portuguesa e após a sagração de D. Pedro I, Capela Imperial, a qual seria abolida com o advento da República e transformada em Catedral do Rio de Janeiro no umbral do século XX. Nesse acontecimento da mais alta transcendência política o órgão de tubos, instalado no coro, divide espaço com o poder político, econômico e eclesiástico e não por acaso ocupa posição central. O instrumento, portanto, compõe o cenário nobre, colaborando com a ideia de poderio expressa na pintura. Outras três obras retratam eventos da corte imperial, tendo como cenário o interior da mesma Capela Imperial. Em Segundo Casamento de D. Pedro I, Debret mais uma vez associa a figura do órgão de tubos à ideia de poder. Novamente o órgão divide espaço com figuras da

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nobreza e é representado de forma bastante visível, somando-se à figura do imperador, maior ícone do poder político brasileiro, na época, e a membros do poder Eclesiástico.

Figura 23 - Segundo Casamento de D. Pedro I

Debret (1829).

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Figura 24 - Casamento da Princesa Isabel

Americo (1864) - PETRÓPOLIS, Museu Imperial.

As telas de Pedro Américo (1843-1905) e de Victor Meirelles (1832-1903), ambas ilustrando o casamento da Princesa Isabel com o Conde d’Eu (Dom Luís Filipe Maria Fernando Gastão de Orléans), também na Capela Imperial, apresentam o órgão ao fundo, assim vinculando-o ao poder econômico, político e eclesiástico.

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Figura 25 - Casamento da Princesa Isabel e Gastão de Orléans

Meirelles (1864) - Coleção Privada.

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4. ESTUDO ORGANOLÓGICO

Este capítulo está dedicado ao estudo das características físicas/materiais dos órgãos de Laranjeiras, bem como de Maruim e Aracaju. Não é nosso objetivo, no entanto, realizar um estudo organológico exaustivo, mas apresentar as principais características dos mesmos, abordando aspectos como estrutura externa da caixa, elementos da consola como composição e teclados, pedaleira, mecânica, além de possíveis restauros.

4.1.

DESCRIÇÃO DO ÓRGÃO DE LARANJEIRAS

Figura 26 - Fachada do órgão da Matriz de Laranjeiras

Fotografia: Thais Rabelo (2012).

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a) A caixa Trata-se de um instrumento de pequeno porte. A caixa é simples, não apresentando elementos decorativos. Os quinze tubos da entonação ficam expostos na parte frontal do órgão (Fig. 28). Encontra-se instalado no coro da Igreja Matriz do Sagrado Coração de Jesus, de frente para o altar. Os bordões, tubos tapados de madeira, implantam-se na parte posterior e o restante dos tubos encontra-se no interior da caixa do instrumento (Fig. 29 e 31). b) Composição O instrumento possui cinco registros dispostos horizontalmente sobre o espelho do teclado manual (Fig. 27). O primeiro registro – da esquerda para a direita – ativa o someiro, na parte posterior do órgão, onde se situam os bordões, correspondentes à primeira oitava do manual e pedal. O segundo registro faz soar os tubos de fachada. Todos os registros são referentes ao teclado manual. Não há indicação nos tirantes, motivo pelo qual não é possível afirmar com exatidão qual a composição do instrumento, o que exigiria um estudo organológico em profundidade que ultrapassa os limites do presente trabalho. Todavia, através da análise comparativa com instrumentos semelhantes catalogados no National Pipe Organ Register (NPOR) foi possível conjecturar sua composição. Além disso, encontramos um instrumento muito semelhante ao de Laranjeiras (já mencionado nesta dissertação), instalado na Igreja Anglicana St. James, em Menangle Road.19 O órgão de Menangle Road apresenta a seguinte composição: Manual Bourdon Open Diapason Violin Diapason Open Bass Dulciana Principal

16’ (13 tubos) 8’ (42 tubos) 8’ (12 tubos) 8’ (12 tubos) 8’ (54 tubos) 4’ (54 tubos)

Desse modo, pode-se sugerir que a composição do instrumento de Laranjeiras também seja semelhante. Apenas com a diferença de um registro a menos. c) Mecanismo: Consola: situada na parte frontal do instrumento (Fig. 27).

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Disponível em: . Acessado em 30/01/2014.

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Teclados: Possui dois teclados sendo um manual e um de pedal. O manual apresenta a extensão de C-f’’’, totalizando 54 teclas (Fig. 27). O pédalier possui 25 teclas e uma extensão que vai do C-c’ (Fig. 30). Há um pedal de expressão logo acima do pédalier, que controla o movimento das venezianas que abrem e fecham gradualmente o swell-box. O órgão de Laranjeiras é, portanto, todo ele um swell-box (excluindo-se apenas os bordões e os tubos da entonação, que estão fora da caixa expressiva) cuja dinâmica é controlada pelo pedal de expressão. Transmissão: totalmente mecânica. A tração do teclado é mecânica suspensa.

d) Restauração e/ou reparos: o órgão de Laranjeiras nunca foi restaurado. No entanto, passou por reparos no ano de 1986, feitos pelo organeiro José Carlos Rigatto.

Figura 27 - Consola do órgão de Laranjeiras

Teclado manual e puxadores de registro. Fotografia de Thais Rabelo (2012).

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Figura 28 - Tubos de fachada

Fotografia de Thais Rabelo (2012).

Figura 29 - Bordões: parte posterior do órgão

Fotografia de Thais Rabelo (2012).

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Figura 30 - Pedaleira e pedal de expressão

Fotografia de Thais Rabelo (2012).

Atualmente o órgão funciona através de um motor elétrico que substitui o antigo sistema de alimentação de ar. Figura 31 - Tuberia interna

Fotografia de Evandro Bispo (2013).

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Figura 32 - Swell-box e Venezianas

Fotografia de Evandro Bispo (2013).

4.2.

DESCRIÇÃO DO ÓRGÃO DE MARUIM

Não é possível realizar uma análise organológica do instrumento de Maruim uma vez que, como já explicado anteriormente, o instrumento já não subsiste há mais de uma década e até o momento não possuímos nenhuma informação que torne possível esta tarefa, face à ausência da própria fonte organológica. Nesse sentido, uma fotografia do antigo instrumento ainda no coro da igreja não nos permite ir mais além do estabelecimento da envergadura do órgão, como se observa a seguir:

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Figura 33 - Antigo órgão de tubos no Coro da Matriz de Maruim

Fonte: Cruz e Silva (1994, p. 95).

Trata-se, portanto, de um instrumento de médio porte, instalado no coro da igreja, de frente para o altar. Parte da tubaria ficava exposta através de pequenos campos situados na região frontal do instrumento (lado esquerdo, centro e lado direito). Certamente a consola ficava também na parte fronteira do órgão. Há um ornamento ao centro. Segundo alguns depoimentos de pessoas da própria paróquia (que optaram por não serem identificadas) o órgão de Maruim era muito semelhante ao da Catedral de Aracaju, o que a estrutura arquitetônica da caixa com base ao que se pode perceber pela fotografia em questão, confirma. Sabemos que ambos os instrumentos provinham de Hamburgo devendo, com toda probabilidade, corresponder à mesma fatura.

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Não temos informação concreta sobre possíveis reparos no instrumento. No entanto, aventamos a hipótese de uma provável intervenção inadequada no mesmo que teria sido desmontado aos poucos, para suprir o instrumento de Aracaju.

4.3.

DESCRIÇÃO DO ÓRGÃO DE ARACAJU

Figura 34 - O órgão da Catedral de Aracaju

Fotografia: Thais Rabelo (2013).

a) A caixa Trata-se de um instrumento de médio porte. Permanece instalado no coro da catedral e fica de frente para o altar. Na parte frontal apresentam-se 25 tubos da entonação distribuídos em três campos (dois campos menores, ao lado esquerdo e ao lado direito, cada uma comportando

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cinco tubos e um campo central composto de quinze tubos). O restante da tubaria está encerrada no interior do instrumento. A caixa do órgão, muitíssimo mais refinada que a do órgão de Laranjeiras, tanto ao nível da estruturação arquitetônica como da decoração, apresenta alguns ornamentos, como a lira dourada que se encontra na parte frontal superior da mesma e outros elementos decorativos – capitéis, volutas, guirlandas, festões, arremates tubulares superiores, frisos dentados, triglifos, dentre outros -, que lhe ornam a parte superior em tons de dourado. Acima de cada campo existem três pequenos crucifixos (Fig. 35). b) Composição Possui oito registros. Os puxadores de registros estão dispostos verticalmente ao lado esquerdo e direito do instrumentista (Fig. 36). A composição do órgão é: Principal 8’, Gedackt 8’, Octava 4’, Octava 2’, Mixtur de três filas, Hautbois 4’, Gamba 8’. Um dos puxadores está quebrado, não sendo possível identificar a que registro corresponde.

c) Mecanismo: Consola: situada na parte frontal do instrumento. No espelho do tecado manual pode-se ler o nome do fabricante e a data de fabricação do instrumento: Ch. H. Wolfsteller, Hamburg / 1881. Teclado: apresenta dois teclados sendo um manual e uma pedaleira. O manual tem extensão de C-f’’’, totalizando 54 teclas. O de pedal apresenta tessitura de C-e’’, com 27 teclas. Há um pequeno pedal sobre o pédalier, que poderia bem se tratar de uma tirasse, permitindo o acoplamento do manual ao pedal. Diferentemente do órgão de Laranjeiras, tal pedal não corresponde à abertura ou fechamento gradual de um swell box (Fig. 37). Transmissão: totalmente mecânica. A tração do teclado é mecânica suspensa (Fig. 39).

d) Restauração e/ou reparos: Não constatada. O Livro de Tombos examinado não apresentou nenhuma referência direta ao instrumento, muito menos a algum restauro ou reparo que pudesse ter sido realizado entre os anos de 1911 e 1922. Apesar disso, é possível visualizar intervenções de aparência demasiadamente amadora no instrumento. O órgão de Aracaju ainda possui o fole, instalado

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na lateral do instrumento. Todavia, funciona através de um sistema elétrico de bombeamento de ar semelhante ao de Laranjeiras.

Figura 35 - Detalhe da decoração do órgão na parte frontal superior do instrumento.

Fotografia: Thais Rabelo (2013).

Figura 36 - Consola com teclado manual e registros

Fotografia: Thais Rabelo (2013).

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Figura 37 - Pédalier e tirasse.

Fotografia: Thais Rabelo (2013).

Figura 38 - Sistema de bombeamento de ar/Motor

Fotografia: Thais Rabelo (2013).

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Figura 39 - Tração de notas: mecânica suspensa.

Fotografia: Thais Rabelo (2013)

Figura 40 - Tubos da parte posterior do órgão, sobre as quais se detectaram intervenções de cariz amador.

Fotografia: Thais Rabelo (2013).

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5. DISCUSSÃO

O diálogo entre as diversas informações presentes nas fontes estudadas nos possibilitou compreender o órgão de tubos da Matriz de Laranjeiras em seus aspectos técnicos, musicais e contextuais. No que tange à procedência do instrumento sabemos que se trata de um órgão inglês, fabricado pela firma Bryceson. A carência de subsídios referentes à firma Bryceson e, sobretudo, ao instrumento de Laranjeiras não nos permitiu encontrar a data de sua fabricação. Trata-se de um instrumento de pequeno porte, um órgão de igreja utilizado para acompanhamento nos serviços litúrgicos. Quanto à sua manutenção, observamos que o mesmo não se apresenta nas adequadas condições. De acordo com a entrevista realizada com o organista em funções o órgão passou por manutenção apenas uma vez (em 1986), desde que fora instalado na matriz. A madeira do instrumento encontra-se desgastada em alguns pontos, a própria chave que trancava a consola do órgão já não existe. Apesar disso, o órgão de Laranjeiras continua sendo utilizado em situações esporádicas e anualmente durante o Novenário do Sagrado Coração de Jesus. Desse modo, observamos que as características técnicas do órgão de Laranjeiras apresentam relação direta com sua utilização na matriz. A pesquisa bibliográfica fundamenta nossa afirmação ao tratar do órgão inglês. De modo especial o órgão de igreja. Audsley aborda o órgão destinado ao acompanhamento do canto congregacional. Esse órgão já apresentava o compartimento pedal (que só teria sido incorporado à organaria inglesa no século XIX, por influência alemã). Em concordância a este tipo de instrumento está o órgão de Laranjeiras. Um instrumento de pequeno porte, se comparado aos grandes órgãos construídos no período romântico, mas que já apresenta um compartimento pedal que contribui para o melhor funcionamento do mesmo como instrumento de acompanhamento do canto nas celebrações e também possui o swell-box, que lhe possibilita uma maior expressividade sonora. No que se refere à utilização do órgão na Matriz de Laranjeiras, constatamos, através da análise das atas contidas no Livro de Tombo da matriz, que o órgão desempenhara (na primeira metade do século XX) função de instrumento litúrgico, acompanhando as celebrações, estando em concordância com a função primacial do órgão romântico de igreja, apontada em fonte bibliográfica. A professora Euphrázia Guimarães é mencionada no Livro de Tombo como organista e responsável pelas atividades musicais da matriz. Além disso, foi relevante notar que dentre os relatos, a participação do órgão se dava nas celebrações solenes, não sendo possível afirmar que também fosse utilizado em outras ocasiões. O Novenário do

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Sagrado Coração de Jesus, celebração mais importante da matriz é, atualmente, a única ocasião na qual o instrumento ainda é tocado e cuja utilização é, ademais, exigida. O repertório executado durante o novenário também manifesta a utilização constante do órgão da matriz ao longo do tempo. As composições, em maioria de Manoel Bahiense e Euphrázia Guimarães (músicos importantes no cenário musical laranjeirense), afirmaram a utilização do órgão. A natureza litúrgica das obras apresentadas anteriormente confirma que a mesmas (apesar de não apresentarem uma escrita idiomática para órgão, sendo passíveis de serem tocadas em outros instrumentos de teclado) foram compostas para o instrumento, litúrgico por antonomásia. Deste modo consideramos que a funcionalidade do instrumento no passado associava-o à imagem de poder uma vez que era utilizado, ao que tudo aponta, exclusivamente nas solenidades da matriz. É possível afirmar também que este mesmo instrumento que outrora era visto como grandioso encontra-se hoje quase que negligenciado, não fosse a atuação de alguns laranjeirenses que impulsionados pela memória e pela tradição exigem a utilização do mesmo durante o Novenário do Sagrado Coração de Jesus. Este estudo também conduz à relação do instrumento com o repertório musical, composto na época de seu apogeu e ainda utilizado durante o novenário. A pesquisa bibliográfica nos possibilitou compreender o contexto histórico de Laranjeiras na segunda metade do século XIX, enquanto importante centro político, econômico e cultural da província. Além disso, foi possível perceber também que Laranjeiras estava inserida em uma região economicamente promissora, marcada pela cultura açucareira: o Vale do Cotinguiba. A relevância dessa região foi reafirmada pela pesquisa de campo e documental que nos permitiu observar o mecenato de órgãos de tubos nela realizado. Com relação ao mecenas de Laranjeiras, a pesquisa bibliográfica apresentou-nos a figura de Felisberto de Oliveira Freire enquanto importante Senhor de Engenho, proprietário de vastas terras situadas no município de Itaporanga d’Ajuda. A comparação entre as informações obtidas por meio das fontes primárias e as fontes secundárias confirmou-nos os dados referentes à titulação de Felisberto. De um modo geral as fontes estudadas remeteram a dois aspectos intimamente relacionados: o poderio econômico de um aristocrata que conseguira um título de nobreza e uma doação cujo significado mais provável seria a própria busca pelo título. No entanto, um documento chamou-nos a atenção, pois evocava um elemento até então não associado a Felisberto de Oliveira Freire: a própria música. A carta (enviada pelo Barão de Laranjeiras solicitando as cadeiras de francês e de música na Escola Normal) trazia a tona o elemento artístico relacionado diretamente ao Barão de Laranjeiras,

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pela segunda vez. Infelizmente, a escassez de subsídios não nos permite observar mais amplamente até que ponto a música estava presente na vida desse mecenas e como teria influenciado a doação do órgão de tubos de Laranjeiras. Ao procurarmos compreender a doação de Felisberto O. Freire para Laranjeiras surgiunos a hipótese do órgão enquanto mecanismo de ascensão política e ratificação do poder econômico. A placa de doação anexa ao instrumento atribui o mecenato ao Barão de Laranjeiras. Em um primeiro instante a situação aparenta mostrar apenas o gesto de um nobre como forma de expressar “filantropicamente” seu poder econômico. No entanto, o relato do padre Philadelpho Oliveira (1981) menciona que o instrumento fora tocado pela primeira vez no ano de 1869. O que nos sugere que o instrumento tenha sido instalado na matriz entre os anos de 1868 e 1869. Essa relação entre o mecenato e o título de Barão nos remete à já mencionada titulação nobiliárquica, tão característica do Segundo Reinado. O título de baronato de Felisberto de Oliveira, como já mencionado anteriormente, tanto nas fontes bibliográficas quanto documentais, só viria a ser concedido no ano de 1872. A confirmação da hipótese fora reforçada ainda pelo fato de Felisberto de Oliveira Freire não residir e nem ser proveniente de Laranjeiras. O questionamento volta-se, portanto, à escolha da cidade para a realização de seu mecenato. Nesse sentido, o fato de já conhecermos a relevância política de Laranjeiras no período que fora realizada a doação, através das fontes primárias, reafirmou essa hipótese. Ainda ao longo da pesquisa surgiu-nos a hipótese do órgão de tubos enquanto instrumento de representação de poder, que fora corroborada com a identificação de outros dois órgãos de tubos doados no Vale do Cotinguiba. Observamos que naquela região o mecenato apresentou um padrão particular. Além da mesma escolha do instrumento, os mecenas do Vale do Cotinguiba consistiam em personalidades da aristocracia sergipana, o que evidencia o aspecto simbólico do órgão enquanto instrumento de representação de poder. Os já mencionados órgãos doados pelos imperadores Constantino Copronimo e Constantino Curopalate, segundo relata Bedos de Celles (1776-1778), reforçam essa ideia. Desse modo, a própria doação torna o órgão de Laranjeiras um testemunho, que reflete por sua vez, a sociedade à época de sua instalação, estando estes elementos intimamente ligados. Esse significado simbólico do órgão foi reafirmado através da análise iconográfica. Por meio da tradição iconográfica no Brasil e na Espanha foi possível observar o órgão como elemento relevante no cenário que se pretendeu retratar: o requinte do instrumento enaltecendo a relevância do acontecimento, dos elementos e personalidades nele retratados. É válido

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obsevar as obras de Pedro Américo e Victor Meirelles que retratam um mesmo acontecimento, o casamento da princesa Isabel. Apesar de apresentarem colocações distintas – o que pode sugerir que se esteja retratando momentos diferentes da celebração – ambas as obras apresentam o mesmo ângulo. Desse modo, a partir da técnica de construção imagética que apresenta o órgão no mesmo ponto de perspectiva (ao centro superior), pode-se compreender a sua carga simbólica enquanto instrumento de representação de poder. A carência de fontes referentes ao órgão de tubos de Laranjeiras representou um obstáculo considerável para o desenvolvimento desta pesquisa. Por se tratar de um instrumento de igreja esperávamos encontrar no arquivo paroquial informações sobre prováveis recibos de pagamentos a músicos ou gastos com eventuais reparos, ou até mesmo alguma referência direta à funcionalidade do instrumento em alguma celebração. No entanto, a escassez de fontes deixou alguns questionamentos por esclarecer, como, por exemplo, a respeito de possíveis restauros ou reparos anteriores ao que ocorrera em 1986, da data exata da instalação do instrumento na matriz, ou até mesmo referências aos nomes de outros organistas. No que tange ao arquivo da Matriz de Laranjeiras é válido mencionar também que não nos foram disponibilizadas outras fontes que não dois Livros de Batistério, Livros de Óbito (esses documentos foram consultados, mas não apresentaram nenhuma informação em relação à nossa pesquisa) e do Livro de Tombo, que compreende relatos desde o ano de 1897 a 1968. A informação que nos fora dada pela atual administração da Igreja Matriz de Laranjeiras foi de que não há mais nenhum Livro de Tombo anterior ao que consultamos. É importante mencionar também a dificuldade de comunicação com o atual pároco do Matriz de Laranjeiras, sobretudo por razão de agendas diferentes. A escassez das fontes primárias pode denotar ainda a falta de cuidados que ainda persiste em muitos arquivos. Porém, apesar de consistir um obstáculo, a falta de subsídios não consistiu um empecilho para o pleno desenvolvimento da pesquisa e não impediu o bom andamento da mesma, uma vez que procuramos valer-nos da interpretação e confrontação das informações contidas nas fontes disponíveis. As atas do Livro de Tombo mencionaram o instrumento apenas uma vez. Todas as demais menções relacionadas à música referiam-se diretamente à orquestra de moças e a atuação de Euphrázia Guimarães (que como sabemos, através de fontes secundárias e do próprio Livro de Tombo, era também organista). A falta de subsídios ocasionou o quase total silêncio quanto à utilização do instrumento entre os anos de 1960 a 1990 (quando o organista em função Evandro Bispo, assumiria o posto). A carência de subsídios sobre a historiografia do órgão romântico no Brasil também deve ser destacada como algo que talvez aponte para

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um desinteresse dos estudiosos sobre o tema, da mesma maneira que alude para a necessidade de investimentos na área. O desaparecimento do órgão de Maruim também impossibilitou por completo o estudo organológico do mesmo. Porém através da fotografia apresentada no livro de Cruz e Silva (1994) que na década de 1990 já alertava para o estado de abandono no qual se encontrava o instrumento, foi possível visualizar algumas características do instrumento ainda que em aspectos externos. Por fim, dentre os problemas encontrados ao longo do processo, há que se destacar também a dificuldade (por diversas razões) em construir um discurso com base na História Oral, limitando-nos a uma única entrevista que acabou por consistir em única fonte sobre determinados pontos, corroborando com a interpretação de pontos relevantes na pesquisa.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos afirmar que a presente pesquisa partiu de um ponto menor e mais circunscrito de observação e ao longo de seu desenvolvimento tornou-se mais abrangente a nível contextual. Recordamos, portanto, que inicialmente partimos da hipótese de que o órgão de tubos de Laranjeiras era importante para a sociedade laranjeirense. Nesse sentido, propusemos um estudo do instrumento e seu contexto histórico e musical, bem como de suas características organológicas, considerando apenas a cidade de Laranjeiras, hoje muito enaltecida no cenário sergipano por suas manifestações folclóricas. No entanto, no decorrer da pesquisa observamos que o referido instrumento estava inserido em um contexto mais amplo que não apenas o municipal, mas também regional. Assim sendo, o órgão estava, quando de sua instalação na matriz, envolvido em um cenário repleto de engenhos de açúcar onde os terratenentes ocupavam a posição de aristocracia e de poder local. O fato de ter sido fruto de uma doação também contribuiu para com uma reflexão mais voltada para a relação dessa aristocracia, a ascensão política através da concessão de títulos nobiliárquicos e o poder que a Igreja Católica possuía na época, naquela região. Concluímos esta dissertação com a afirmação de que nossa hipótese inicial, que propunha o órgão de Laranjeiras como elemento importante para a sociedade laranjeirense fora não apenas comprovada, mas reforçada através das informações novas que foram surgindo no percurso. Os questionamentos referentes aos objetivos aos quais nos propomos estudar no início da pesquisa foram em grande parte respondidos. As hipóteses posteriores sobre a relação do instrumento com a ideia de poder tiveram nas informações encontradas sobre as doações de órgãos de tubos no promissor Vale do Cotinguiba a sua confirmação. Desta maneira, podemos afirmar que o órgão de tubos de Laranjeiras consistiu, durante a segunda metade século XIX e a primeira metade do século XX, em um instrumento de relevada importância. Atualmente a imagem do instrumento está diretamente relacionada ao Novenário do Sagrado Coração de Jesus, por exigência dos próprios fiéis que guardam em sua memória a imagem de poder e de devoção católica que o mesmo evocava. O instrumento, apesar da falta de cuidados adequados, permanece em funcionamento e resiste ao desgaste natural do tempo. Não nos propomos por meio deste trabalho apresentar um estudo conclusivo acerca do órgão de Laranjeiras, mas sim os resultados de uma pesquisa que buscou examinar o maior

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número de fontes possível com o intuito de responder aos questionamentos propostos no início e ao longo da pesquisa. Um estudo que não se encerra nesta dissertação, mas que deve dar lugar a futuros desmembramentos. Também não rejeitamos a ideia de que outras fontes referentes ao instrumento de Laranjeiras, ou até mesmo aos órgãos de Aracaju e Maruim, sejam encontradas futuramente. Permanecem, no entanto, alguns questionamentos sobre o futuro do órgão de Laranjeiras. Estaria fadado a um esquecimento futuro e possível destruição, como ocorrera ao órgão de Maruim? Sua funcionalidade deveria permanecer restrita ao Noverário do Sagrado Coração de Jesus? O que de fato esse instrumento representa para Laranjeiras e para Sergipe na atualidade? Qual a relação entre o órgão de tubos da matriz e as manifestações culturais (sempre referentes ao folclore local), hoje tão características na cidade como patrimônio cultural de Laranjeiras? Seria também o órgão visto como patrimônio cultural para esta comunidade e, sobretudo, pelas autoridades locais? Esperamos que a presente dissertação venha a contribuir para com os estudos na área e para com a valorização do órgão histórico no Brasil, constituindo-se em fonte relevante de subsídios para a realização de futuras pesquisas. Seria válido recomendar, a partir deste estudo, um levantamento organológico mais aprofundado no que tange aos órgãos do Vale do Cotinguiba, bem como uma pesquisa mais ampla sobre a possível existência de outros órgãos no Estado de Sergipe. Quanto ao instrumento de Laranjeiras, auguramos que este bem cultural de grande valor histórico e artístico continue soando por longos anos no templo dedicado ao Sagrado Coração de Jesus.

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APÊNDICE

APÊNDICE A – ENTREVISTA COM O ATUAL ORGANISTA DA MATRIZ

• Dados do Entrevistador Nome completo: Thais Fernanda Vicente Rabelo Data de nascimento: 02/03/1990 Nome do Projeto: O órgão de tubos da Matriz de Laranjeiras-SE. Um estudo organológico historicamente contextualizado. Data da entrevista: 08/02/2013 • Dados do Entrevistado Nome completo: Evandro de Jesus Bispo Data de nascimento: 23/02/1976 Endereço atual: Av. Maria Pastora, Cond. Morada do Sol, Bloco 5, ap.203, N. 210. Bairro Farolândia. Cidade: Aracaju

1) Partindo do fato de que você é o atual organista da Matriz do S. Coração, de Laranjeiras, como você caracteriza sua função? Quais as suas obrigações? Quais os benefícios e contrapartidas?

EB: Na verdade a atuação como organista na Matriz do Sagrado Coração de Jesus atualmente tem sido bem diferente do que era no passado. Cada padre vê... eh... a atuação do organista de uma maneira diferente. Por ocasião de alguns padres no passado esta atuação era bem mais necessária, os padres gostavam mais do órgão, os padres faziam mais questão de que aos domingos a missa sempre fosse executada ao som do órgão. Atualmente, não só por conta dos problemas técnicos que o órgão apresenta, mas por conta até mesmo de uma outra visão... eh... do padre atual, o órgão tem se limitado apenas à festa do padroeiro, ou uma outra solenidade assim..algo raro,

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por ocasião do calendário litúrgico. Atualmente mesmo, só por ocasião da festa do padroeiro é que o órgão tem sido utilizado. TR: Junho, né? EB: É. É uma festa nova, geralmente eh... O novenário tem se iniciado na quarta-feira que antecede a festa de Corpus Christi, e o novenário, uma semana depois de Corpus Christi acontece a Festa do Padroeiro, dia do Coração de Jesus. Nessas outras missas a gente tem utilizado mais um teclado, tem outros grupos na Paróquia que tocam nas missas, teclado, guitarra, uma outra formação musical e... há uma escala, né... pra esses grupos musicais, de acordo com o grupo da paróquia que estão ligados eles tem se revezado nas missas. Eu tenho tocado também sempre nos primeiros domingos de cada mês e por ocasião da Festa do Coração de Jesus. Eh... Em relação às obrigações como organista, sempre a gente tem a preocupação de por ocasião da festa do padroeiro, convidar os cantores que tradicionalmente cantam no novenário, montar um pequeno coro, eh... em vista, justamente, da Festa do Coração de Jesus. Apesar de a paróquia ter um coral que é regido pelo Marcos, mas por ocasião da Festa do Padroeiro a gente procura fazer um trabalho mais amplo. Além dos coralistas desse coral da paróquia, a gente convida alguns cantores antigos que tocavam/cantavam na época da professora Zizinha Guimarães, que não fazem parte do coro da paróquia, mas que tomam parte no canto por ocasião da Festa do padroeiro. Então como organista tenho esta função de cuidar destes ensaios, que antecedem a festa do... TR: tanto do coro quanto do... Também dos ensaios do coro, então... EB: Sim, sim. Eh... Ultimamente eu tenho tido uma preocupação, não só eu, mas também os outros músicos que atuam na paróquia de Laranjeiras, a gente tem uma preocupação com a chamada “hermenêutica da continuidade”, a reforma da reforma proposta pelo Papa Bento XVI que é justamente a gente aplicar isso na área musical na nossa paróquia. Seria manter uma continuidade com esses cantos tradicionais do passado. Fazer o possível para que não haja na verdade uma ruptura, manter a tradição musical de Laranjeiras. Laranjeiras teve bons compositores no passado, a professora Zizinha Guimarães, que foi organista da paróquia durante muitos anos. Então a gente tem a proposta de manter isso vivo. É na verdade, eh... ver as nossas liturgias como uma continuidade das liturgias que foram celebradas na nossa paróquia no passado, manter vivo aquilo que é próprio da identidade musical da paróquia de laranjeiras. É

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uma luta porque tiveram padres que queriam acabar completamente com estes cantos de compositores locais, não queriam de jeito nenhum, mas a gente tem conseguido ainda manter vivos ainda muitos destes cantos. Então como organista é também um trabalho a que a gente se propõe: manter vivos, sendo executados esses cantos de compositores locais.

2) Há quanto tempo desempenha a função de organista, lá em Laranjeiras?

EB: Vinte anos... Vinte anos.

3) Qual a sua formação? Com quem aprendeu a tocar órgão? Em qual instrumento estudava ou praticava?

EB: Bom, eu comecei estudando música na Escola de Música Municipal da Filarmônica de Laranjeiras: Filarmônica Coração de Jesus. O meu instrumento inicial foi o bombardino, o eufone, que é o instrumento que eu toco até hoje na Banda de Música do Corpo de Bombeiros de Aracaju. Mas, como eu era coroinha da paróquia, o órgão de tubos no ano de 86, se eu não me engano, passou por uma restauração e... eh... eu assistia o trabalho da organista Edmunda, Dona Edmunda, que após a morte da professora Zizinha Guimarães ficou como organista da paróquia. Eh... as dificuldades daquela época... eu já não mais morava aqui em Laranjeiras, morava em Aracaju e ela tinha o desejo de que alguém, em Laranjeiras, se interessasse pelo órgão. Sandro Luiz Luzarte, que foi meu professor de música na Escola da Filarmônica, da escola de música, tocava o órgão nas ausências de Edmunda, quando ela não podia se fazer presente. Ele tocava o orgão, mas ele não era um organista né... ele era um saxofonista, mas que fazia o possível pra que o órgão não ficasse em silêncio nas ausências de Dona Edmunda. Então um dia, Sandro que era meu professor de música me entregou a chave do órgão e disse: “Estude! Estude porque eu não tenho tempo de tocar, Dona Edmunda nem sempre tem condições e disponibilidade de estar presente. Está aqui a chave do órgão da paróquia, venha, vá estudando, procure... você lê partituras, procure algum método de órgão, alguma coisa e procure... vá começando a tocar nas missas porque vai chegar um momento que você é quem vai ter que assumir aí.” Pronto, foi o que eu fiz. É... eu comprei um teclado, na época, comprei um teclado

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eletrônico e comecei a estudar algumas coisas em casa e ia sempre praticar no órgão, principalmente por conta da questão da pedaleira. Eh... não tive um professor de órgão, eu tive foi acesso à alguns métodos, é... tive acesso a um método de harmônio, do padre João Batista e foi esse método de harmônio que eu apliquei no estudo do...do órgão de tubos. Havia diferença porque no método de harmônio não tinha nada pra pedal, né? Mas, em relação também ao repertório da paróquia, não havia nada de partituras quando eu iniciei. Eh... eu lembro que uma vez eu tive que ir gravar dona Edmunda tocando os cantos tradicionais, enquanto ela tocava lá na igreja eu tava gravando, após a missa pedia que ela gravasse alguns trechos específicos do órgão e eu tentei reproduzir isso de ouvido. Eh... fiz algumas anotações, algumas partituras mas os cantos, principalmente os do novenário do Coração de Jesus, nem a professora Edmunda tinha notícia de onde essas partituras haviam parado. Ela mesma me disse que não teve interesse em guardar essas partituras porque embora tivesse sido aluna de Zizinha Guimarães... mas ela disse que preferia tocar de ouvido, não tinha muita paciência de guardar as partituras e não teve interesse de guardar essas partituras. Mas ela lembrava que a professora Zizinha Guimarães tinha todo esse repertório da festa do padroeiro, do mês de Maria que era celebrado com grandes festividades em Laranjeiras, até do mês de setembro, mês doloroso, ela disse que tinha, a professora Zizinha Guimarães tinha todo esse material. Mas ela não se interessou em guardar. E disse ela que um... também aluno da professora Zizinha Guimarães, o Paulo Nascimento que era pianista mas que já morava no Estado vizinho, já morava na Bahia talvez tivesse essas partituras. O fato é que eu comecei a tocar o órgão na Matriz de Laranjeiras... eh... sem ter nada escrito desse repertório tradicional. Inicialmente eu tive que utilizar o ouvido mesmo. Pronto! Logo de imediato já me apareceu... eu ainda não me sentia nem preparado mas por ocasião de alguns problemas de dona Edmunda ela não pode se fazer presente e eu fui encarregado de tocar a novena do Coração de Jesus, assim, em poucos dias que tava... eh... tentando executar os cânticos do novenário. Eu lembro que no primeiro dia que eu fui tocar todos os cantores desceram do coro [risos], não confiaram em cantar comigo, apenas uma cantora ficou executando os cantos, mas no segundo dia deu pra fazer razoavelmente bem, no segundo dia o coro já estava completo lá, no primeiro dia não confiaram muito no organista né? Mas tempos depois eu descobri as partituras do novenário. Descobri uma grande parte dessas partituras jogadas no lixo. Havia falecido uma pianista que

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tinha sido aluna de Zizinha Guimarães e os familiares dela resolveram se desfazer de alguns pertences dela e eu vou passando numa das ruas lá em Laranjeiras e encontro na calçada um saco de lixo com algumas cópias, não partituras originais, mas cópias do novenário do Coração de Jesus. São as cópias que nós temos: do hino do padroeiro, eh... um novenário composto pelo professor Manuel Bahiense e algumas outras composições utilizadas por ocasião do novenário. TR: essas partituras você tem? EB: Sim! Tempos depois eu consegui com o Paulo Nascimento, que foi aluno da professora Zizinha Guimarães, um caderno manuscrito da professora Zizinha Guimarães, com apontamentos musicais dela de músicas que ela também utilizava por ocasião do novenário. Alguns Tantum Ergo, é... Ladainhas, Ave-Marias. Eu também tenho esse caderno ainda que pertenceu à professora Zizinha Guimarães comigo.

4) Você é apenas organista ou também compõe?

EB: Faço algumas, tenho algumas composições, mas, é pra coral e mais pra banda de música, né? Minhas composições são poucas. Tenho muitos arranjos pra banda de música, pra banda filarmônica. A minha atuação maior mesmo como músico foi músico de banda filarmônica, depois terminei me tornando regente da Filarmônica de Laranjeiras, fui regente duas vezes lá e... sempre procurando por ocasião do período que estava como regente fiz muitas composições ligadas à música sacra, principalmente porque a banda toma, também tomava parte de muitos eventos da paróquia. Então tenho alguns arranjos e composições neste sentido.

5) Você costuma improvisar ao órgão, ou não? Segue estritamente aquilo que foi escrito?

EB: Não, costumo improvisar. Costumo fazer alguns improvisos. Agora... eh... quando encontrei as partituras do novenário do padroeiro, é...analisando com o que eu tinha gravado com dona Edmunda, que foi a organista que me antecedeu, eu percebi que apesar de ela tocar de ouvido, mas o que ela tocava era quase que em sua totalidade fiel ao que tinha escrito nas partituras. Tinha um ouvido muito bom! Ela aprendeu ouvindo Zizinha Guimarães tocar e executava de ouvido, mas com uma

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grande fidelidade ao que tinha nas partituras. Isso em relação aos cantos do novenário. Em relação ao hino do padroeiro eu percebi que ela... eh... tocava de ouvido e improvisava. Criou/criou o arranjo dela do hino do padroeiro. Mas quando eu tive acesso a essas partituras do hino do padroeiro, que é uma composição de Francisco Braga, o mesmo autor do hino da bandeira, é...eu vi que diferia um bocado. Deu um certo trabalho mas eu me esforcei em executar fielmente o que tava escrito na partitura. Eh... em relação ao novenário, praticamente já era o que eu já executava de ouvido, apenas fiz alguns ajustes. Mas esses cantos tradicionais de compositores locais eu executo o que tá na partitura. Algumas outras composições que tá mais recente, que tá mais... hum... na moda né? [risos] Que tá em vigor atualmente nas paróquia, esse/esse tipo de repertório geralmente eu improviso, ou acompanho as vezes até de ouvido quando falta partitura.

6) Qual o repertório executado neste órgão? Poderia descrever que tipo de gêneros inclui em seus diversos repertórios (litúrgico, religioso, outros)? No caso do repertório eminentemente organístico, a nível estilístico, trata-se de música especialmente concebida para as características técnico-estéticas do instrumento, ou, igualmente, executam-se outros repertórios anteriores e/ou contemporâneos?

EB: Bom, o repertório como eu já lhe disse, o órgão na Matriz de Laranjeiras atualmente ele é utilizado, quase que exclusivamente para a festa do padroeiro. Então as composições são do professor Manuel Vicente da Santa Cruz Bahiense. Foi um músico que viveu no século XIX e morreu no início do século XX e são composições simples, mas que ele fez pra um pequeno... eh... pra coro, eh... há indícios de que ele usava, as vezes, alguns instrumentos de corda, não é? As pessoas antigas me diziam que lembram de... eh... tive a oportunidade de conversar com algumas pessoas já falecidas mas que lembravam de acompanhamento de violino, de violoncelo, eh... também auxiliavam o órgão nesse sentido, mas a gente não tem partitura, o que temos é apenas é um registro de partituras pra órgão de tubos. É um repertório bastante pequeno. A gente tem alguns cânticos penitenciais, chamados de perdoai-nos, né? A ladainha do Coração de Jesus, algumas jaculatórias dedicadas ao Sagrado Coração de Jesus, tantum ergo, tem alguns tantum ergo que era comum no novenário do Coração de Jesus em tempos passados. A cada dia se executava um tantum ergo diferente de

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compositores locais. Então eu ainda tenho o tantum ergo de Santa, da professora Santa, o tantu ergo de Maria Abreu o tantum ergo da professora Zizinha Guimarães. Eh, e... pra órgão mesmo foram executados algumas vezes alguns concertos... eh... de peças de órgão, mas eu mesmo me propus a fazer há muito tempo com... até por conta de alguns problemas técnicos que o órgão começou a apresentar, né? Eh... logo que eu comecei a... a me dedicar ao órgão de tubos de Laranjeiras eu ainda fiz algumas apresentações... eh... inclusive com alguns músicos da Filarmônica. A gente preparou alguns concertos instrumentais e aí eu levei em conta algumas partituras no... no... que constavam no método específico de harmônio do padre João Baptista. Tem algumas peças pra órgão de outros compositores que ele publicou nesse método de harmônio dele. Então a gente fez alguns concertos nesse sentido. No mais... eh... além disso, quando eu tava a frente do coral da paróquia a gente executava algumas missas tradicionais compostas para coro e o órgão, tipo a Missa Solene de César Franck e aí um repertório tipo: Panis Angelicus, a gente já executou também, é...o Ave Verum de Mozart, a... o Órgão de Coro, algumas peças nesse sentido. O nosso órgão é um órgão bastante limitado e por conta disso, justamente, a gente não tinha condições de fazer muita coisa, até porque os problemas técnicos dele vinham se acumulando cada vez mais. Eu não era o único organista logo que comecei havia outros organistas que tinham acesso ao órgão além do Sandro Luiz Luzarte, o Messias Pinheiro e eventualmente algum organista, até não mesmo de Laranjeiras mas, por exemplo: o Davi, é... David Menezes, se eu não me engano, que era da Igreja Presbiteriana, chegou a fazer algumas apresentações no órgão de Laranjeiras, o professor Valdir, Valdir dos Anjos, se não me engano, que é organista também, chegou a fazer alguns concertos por ocasião de encontros culturais de Laranjeiras. Então sempre em alguns eventos culturais alguns organistas... eh... faziam apresentações lá na Paróquia e sempre procurando adequar o repertório àquilo que o órgão tinha condições de fazer. É um órgão de apenas um manual... e assim... bastante limitado em termo de registros, então era um repertório bastante simples. – TR: Mas então... além de repertório litúrgico também já foram executados repertórios... EB: Sim. Sim. Inclusive peças folclóricas... o professor David... o professor Valdir certa vez, eu lembro que apresentou um só sobre composições nacionais, inclusive umas até de caráter folclórico. Ele junto com o flautista Cleverson Chevel, na época.

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7) Quais as suas fontes de partituras mais frequentes?

EB: Bem, minhas fontes de partituras mais frequentes... [pensativo] ultimamente tem sido... eh... como ultimamente eu tenho me dedicado muito ao canto gregoriano as minhas fontes de partitura mais frequentes tem sido os livros tradicionais de música da Igreja: o Liber Usualis, o Liber Cantualis e o Gradual. São peças de... de canto gregoriano, né? Eh... esses livros receberam algumas publicações com harmonizações para o canto gregoriano pra órgão. Eu chamava: nova harmonização para o Gradual. Eu tenho vários volumes, é o que eu tenho, nesse sentido, me dedicado ultimamente. Mas em geral as minhas fontes de partitura tem sido o reper... música tradicional da Igreja: alguns motetos, eh... como eu já lhe disse... é Ave Verum, algumas antífonas marianas, alguns arranjos pra coral, tem algumas peças do padre José Maurício Nunes Garcia que também executava lá no coral da paróquia e alguns compositores locais mesmo.

8) Em quais ocasiões o órgão é tocado? E dentro do contexto da própria liturgia, o instrumento é usado exclusivamente para acompanhamento vocal da comunidade ou há intervenções de órgão solo e/ou órgão e outras formações instrumentais? Nesse caso, em que momentos precisos? Realizam-se concertos?

EB: Como eu lhe disse os concertos aconteceram principalmente logo após... nos anos que se seguiram... logo após [gaguejo] à ultima reforma dele. Depois, por conta dos problemas que se seguiram, o órgão não está em condições de oferecer um concerto. O órgão conta com problemas de afinações sérios, né? E... o ideal é que um órgão de tubos passe por uma manutenção a cada dois anos. O nosso foi restaurado, na ultima vez, em 1986 e de lá pra cá não recebeu nenhuma manutenção. Então vários problemas se acumularam nele... problemas... eh... Quando ele foi restaurado foi substituído o fole manual foi colocado um ventilador, um motor elétrico que bombeia ar para dentro do órgão e voltou a apresentar problemas, não tá oferecendo ar suficiente para o órgão. Então de maneira que concertos... eh... ocorreram logo após esta última restauração dele em oitenta e seis. Bem, o órgão tem sido, como eu já lhe... como eu disse, tocado exclusivamente na festa do padroeiro. Alguns eventos da cidade, como Emancipação Política da

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cidade, ou às vezes... eh... tem algumas festas tradicionais da cidade, tipo: “Mês Doloroso”, Laranjeiras é ainda uma cidade que tem muitos devotos dedicados à...tem muitos devotos de Nossa Senhora das Dores. É no dia 15 de setembro celebrada uma missa festiva em honra à Nossa Senhora das Dores, as vezes o órgão é executado por ocasião... eh... de... algum evento da cidade, como alguma comemoração tipo: aniversário da cidade... TR: sempre dentro de uma celebração litúrgica... EB: Isso! Eh... na [gaguejo] liturgia, além de ele ser utilizado acompanhando o coro, ele é executado também, as vezes, de maneira eminentemente instrumental. Tem algumas composições que eu costumo utilizar para entrada, ou durante o ofertório, ou a comunhão. Algumas peças exclusivamente instrumentais. TR: certo. Quando você... eh... EB: Sim. Enquanto eu era regente da Filarmônica às vezes eu costumava preparar alguns arranjos para os instrumentos da Filarmônica e durante o novenário, não em todas as noites, mas principalmente na noite que era patrocinada pela Filarmônica, a gente tocava juntos: o órgão e alguns instrumentos da banda de música. Chegamos a fazer algumas apresentações, a tocar em algumas missas do novenário dessa forma.

9) Como você descreve o atual funcionamento técnico instrumental deste órgão?

EB: Bom... eh... O órgão passou por alguns problemas. No... durante o período no qual o padre Genival Lívio foi pároco de Laranjeiras ele não gostava muito do órgão. TR: mais ou menos quando assim... ano... mais ou menos? EB: há mais ou menos uns... catorze anos atrás. E o padre Genival Lívio não só não gostava do órgão como me proibiu de tocar órgão, eu fiquei proibido de tocar o órgão durante uns seis meses, mais ou menos... Nesse período o órgão apareceu com um rasgão no fole... corte mesmo, como se fosse de tesoura, de maneira que o órgão parou de funcionar. Fiz umas emendas lá... dei um jeito de fazer uns emendos depois, ele funcionou, voltou a funcionar, mas com certa deficiência. Alguns tubos do órgão, misteriosamente, foram trocados de lugar: eu tocava a nota fá, a tecla da nota fá soava si bemol, ou lá. Simplesmente trocaram alguns tubos. Isso eu pude refazer. Ouvindo... pude recolocar esses tubos nos lugares. Então, houve, não sei se por conta do padre, não vi, não sei teve anuência do padre... mas o padre dizia que o som do órgão era um

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agouro, dizia que o som do órgão era um agouro e que preferia que o novenário fosse executado ao som da guitarra, da bateria, aos atabaques... não queria mais o órgão. O fato é que nesse período em que eu estive proibido de... de... me aproximar até do órgão (o coro ficou fechado durante um tempão, ele não liberava as chaves, quando eu tive acesso novamente ao órgão o órgão estava com uma série de problemas. Parece que piorou consideravelmente. Mas na base da insistência mesmo eu liguei para o organeiro que tinha feito a ultima restauração nele, Rigatto, apresentando alguns problemas e se teria como ele me dar alguma indicação de como poderia amenizar... então conversei com Rigatto várias vezes... e... de maneira que ele ficou funcionando, mas o problema atual dele é... ele tem uma série de peças que precisam ser repostas. Peças que com o passar do tempo até o desgaste natural... tem muita coisa de cortiça, tem muita coisa que é de metal e muito frágil, metal [gaguejo] que muitas vezes termina quebrando, madeira mesmo, problema na madeira. A Igreja Matriz de Laranjeiras está... no... atualmente sofrendo uma epidemia de cupins, tem cupins por tudo quanto é canto. Então ele tá com problema na madeira, atualmente, problemas de afinação... No ano de 2004 um dos filhos de Rigatto, que foi o ultimo organeiro a fazer restauração nele, teve lá em Laranjeiras, fez um orçamento. Na época pra deixar ele em boas condições o orçamento custava R$ 69.000 na época. A paróquia alegava que não tinha condições e não foi feito serviço nenhum. Então, de lá pra cá os problemas se agravaram. Não só problemas com a madeira... eh... TR: o pedal funciona? A pedaleira funciona normal? EB: a pedaleira... funciona. Só que acontece o seguinte, né? Começo a tocar e de repente a pedaleira, um pedal para de tocar. Depois eu tenho que ir lá... justamente, abrir o órgão, recolocar novamente porque são muitas pecinhas de encaixe. Estão se largando justamente porque precisam ser repostas... já estão gastas e... assim... a cada, cada vez que eu vou tocar no órgão eu já toco com um teclado montado do lado porque a qualquer momento ele pode parar. Às vezes começa a tocar sozinho, dispara uma tecla lá e começa a tocar sozinho e tem que descobrir qual é o problema e consertar na hora. TR: ele funciona então... eh... à energia? EB: Sim. Atualmente é energia porque o fole manual foi removido. Conversando com Rigatto por telefone, Rigatto disse que havendo o interesse, se ele for novamente fazer uma restauração no órgão, ele pode recolocar esse fole manual. Uma alavanca que

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tinha... alguém, enquanto o organista ficava tocando ficava alguém bombeando ar pra o órgão no... através do fole. TR: Então foi proposital mesmo né? Tiraram pra facilitar o processo. EB: Sim, sim.

10) Há algum tipo de cuidado de manutenção deste instrumento? Caso afirmativo, qual?

EB: Bom, o cuidado de manu... com relação a manutenção dele seria algo que... o que Rigatto me passou por telefone era mais questão de limpeza mesmo. Questão de limpeza do órgão. Elem quando fez a manutenção, deixou uma caixa, uma caixa de sapato, escondida dentro do órgão com algum... alguns... pedacinhos de cortiça, feltro, é... que seriam pra servir de calce e ajustes para algumas engrenagens internas lá do órgão, né? Então, alguns, algumas varetinhas de madeira, que, caso alguma se rompesse ou quebrasse e pudesse substituir. Então, todo material que tinha foi gasto. Tudo que ele deixou já foi gasto... Eh... eu mesmo tentei repor algumas dessas peças, mas assim, a situação atual é de que ele precisa... a situação atual do órgão, só alguma restauração feita por alguém especializado mesmo no órgão de tubos, um organeiro. Ele tá numa situação que pode parar em qualquer momento. Às vezes a gente liga o órgão e basta apertar o botão lá do motor... ele já começa a tocar sozinho...começa a tocar sozinho. E aí a gente tem que descobrir onde é que tá o problema, às vezes dispara alguma tecla... Os registros já estão funcionando de maneira bem precária, alguns tubos não tocam mais, principalmente os tubos de madeira, os maiores, que ficam à altura do órgão. Estes, logo quando Rigatto fez a restauração, ele isolou algumas janelas que ficavam por traz do órgão pra que o sol, os raios do sol não incidissem sobre o orgão. Mas aí esse padre que passou por lá, o padre Genival Lívio disse que não queria aquilo não: foi lá e abriu todas as janelas, de modo que o sol, a tarde, bate bem em cima do órgão. Rigatto disse que isso atrapalha e muito na afinação do órgão e até a questão da madeira do próprio órgão... o sol, é... poderia ressecar a madeira e até rachar a madeira. Então, pouco tempo depois esses tubos pararam de tocar. Um ou outro é que ainda toca. Não sei se o problema é da madeira do tubo ou... Eu percebi também que esse motor que foi colocado substituindo o fole, ele perdeu

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muito da potência. O órgão perdeu muito do volume. Talvez ele não tenha ar pra fazer esses tubos de madeira tocar já que são justamente os maiores tubos que o órgão tem.

11) Houve algum reparo ou intervenção técnica em algum momento do passado do instrumento que o senhor tenha sabido?

EB: Bom, o último reparo foi por volta de oitenta e seis, eu tinha dez anos de idade, era coroinha na paróquia e... muito curioso na época, eh... eu lembro quando Rigatto desmontou o órgão todinho ocupando o andar superior da igreja, e quando ele tava montando o órgão muitas vezes ele me chamava e dizia: “aperte aqui” e eu ficava apertando uma tecla enquanto ele fazia os ajustes lá. Então, desde esse período que eu comecei a me interessar pelo órgão né? Ainda com dez anos de idade, mas só vim tocar mesmo o órgão com quinze, dezesseis anos de idade. Eh... essa foi a última restauração. A última restauração, inclusive nessa restauração o órgão foi modificado de posição. Ele quando foi montado, foi montado em uma determinada posição no coro e em oitenta e seis Rigatto deu um giro nele e deixou ele na posição que ele se encontra atualmente. Ele foi desmontado completamente e montado numa outra posição, pra que, justamente, os tubos frontais do órgão pudessem ser visíveis de quem estivesse na nave central da Igreja. Depois dessa restauração feita por Rigatto o órgão não passou por nenhuma outra manutenção. TR: Rigatto é de onde? EB: Rigatto é de São Paulo, ele tem... ele tem uma empresa: “Família Artesã Rigatto”. Ele não só fabrica órgãos de tubo, como presta manutenção a órgãos. TR: antes dessa restauração você não tem notícia de nenhuma outra, né? EB: Não, de nenhuma outra. Lembro que antes dessa restauração ele esteve parado por cerca de uns quinze anos. Durante esse período se utilizava um órgão eletrônico na... durante novenário, mas que não caiu no gosto do povo e apesar de durante muitos anos ser utilizado o órgão eletrônico o povo sempre reclamava que preferia o som do órgão de tubos. Eh... havia até um certo saudosismo em relação ao som do órgão e foi o que fez com que na época o Coronel Silvino, que era filho de Laranjeiras e que era secretário da Casa Civil do Governo do Estado conseguiu, com o governo do Estado, que trouxessem o Rigatto pra fazer o serviço de restauração do órgão.

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12) O que você conhece sobre este instrumento do ponto de vista do processo histórico? Sobretudo no que diz respeito a organistas, compositores, doador (dentre outros protagonistas possíveis), celebrações e demais acontecimentos relevantes até os dias atuais.

EB: A informação que eu tenho é que o órgão de tubos de Laranjeiras foi trocado por sacos de feijão. Ele foi comprado por sacos de feijão. O Barão de Laranjeiras... eh... teria enviado sacos de feijão para a Inglaterra, onde o órgão foi fabricado, e eles lá enviaram o órgão. O órgão veio no navio, foi desembarcado no porto da Bahia, levado em carros de boi até Laranjeiras. Lá ele foi montado e o organeiro (essas informações eu tenho do próprio Rigatto, né? Rigatto estudou...procurou fazer uma pesquisa histórica sobre o órgão) e Rigatto disse que lá em Laranjeiras o organeiro, veio um organeiro de Salvador pra montar o órgão. Segundo Rigatto, quando o órgão foi montado o organeiro ficou um pouco em dúvida sobre o mecanismo dele, não montou ele em cem por cento da sua capacidade. Não conseguiu montar. Então uma parte do órgão, um dos registros ficou sem funcionar. Segundo Rigato, quando ele veio em oitenta e seis quando ele fez a instalação foi que ele descobriu esse problema e resolveu esse problema. Em virtude cada órgão de tubos ter um projeto próprio do seu construtor. Então o órgão... eh... segundo Rigatto, ele foi fabricado na Inglaterra por volta de 1816, em 1816, mas só em meados de 1860 ele toca na Matriz de Laranjeiras, mais ou menos nesse período. Inclusive há uma igreja anglicana na Inglaterra que tem um órgão muito semelhante ao de Laranjeiras. Assim... eu diria que são irmãos gêmeos. A diferença é que ele tem mais registros, se eu não me engano um ou dois registros a mais, mas é mantido numa catedral... numa igreja anglicana. Então esse órgão em Laranjeiras foi executado, a princípio a gente tem informações de que o organista da paróquia era o professor Manuel Bahiense, que foi regente da banda, da Filarmônica Santa Cruz. Um músico bastante conhecido, inclusive com composições que na época era executada no Brasil inteiro. Até recentemente vendo umas monografias que constam na... no arquivo da Biblioteca Nacional sobre o repertório litúrgico no Rio de Janeiro nos finais do século XIX e início do século XX, encontrei lá uma relação das músicas executadas naquela época, nas igrejas do Rio, encontrei algumas composições do professor Manuel Bahiense, constam lá. Então ele foi organista durante esse período, depois foi substituído por Zizinha Guimarães, que

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segundo alguns, teria sido aluna de música dele. Depois de Zizinha Guimarães, Zizinha Guimarães veio a falecer, eh... início dos anos setenta, mas mesmo antes dela falecer ela já não tinha mais condições de executar o órgão e uma de suas ex alunas, a professora Edmunda Lobão Linhares se tornou organista da paróquia. Depois de Edmunda veio Sandro Luiz Luzarte Messias Pinheiro, né? E depois eu apareci substituindo Sandro que foi meu professor de música. A professora Zizinha Guimarães, ela... sempre executava... havia, havia um harmônio na igreja matriz que era utilizado nas missas... eh... destituídas de maior solenidade, então sempre se executava no harmônio e outras organistas na paróquia executavam nesse harmônio, mas a professora executava somente, tocava apenas no órgão de tubos e fazia questão de que as cantoras do coro, dirigido por ela, fossem todas virgens. Era um coro de virgens... eh... que inclusive há registros de... nos livros de tombo da paróquia em algumas solenidades ela sempre fazia questão de que esse coro se fizesse presente e algumas composições que ela fez pra alguns momentos históricos da paróquia, por exemplo: por ocasião da implantação do Apostolado da Oração, ela compôs pra ser executado nesse órgão e pelo coro uma música chamada “Oh dia feliz!”, né? Tem algumas outras composições dela que ela gostava de executar nos dias festivos, por encerramento das grandes solenidades. Muita coisa da professora Zizinha Guimarães se perdeu. As partituras de “Oh dia Feliz” mesmo... estão perdidas, mas ainda o canto está na memória dos laranjeirenses,ainda executado de ouvido porque se perderam as partituras, né? Mas ainda se executa o canto. TR: a razão pela qual o Barão teria doado o órgão não se sabe, né? EB: Hum... Não. Na verdade, alguns dizem que havia uma certa disputa... eh... de poder, de ostentação de poder do Barão de Laranjeiras e o Barão de Maruim. É... sabese que o Barão de Laranjeiras após ter doado o órgão de tubos para a Matriz, o Barão de Maruim sabendo disso se encarregou de providenciar também um órgão de tubos pra igreja de Maruim. Esse órgão, infelizmente não existe mais hoje em dia, por problema na madeira, o cupim comeu a madeira, não guardaram as partes metálicas do órgão e jogaram fora, foi jogado no lixo o órgão de tubos da Matriz de Maruim. Mas... eh ... os motivos porque o Barão doou o órgão de tubos a gente não tem como provar nada. Seu Timão, que foi sacristão na Matriz de Laranjeiras, eu tive a oportunidade de conhecer o seu Timão, aprendi a tocar sinos com Seu Timão, era o sineiro da paróquia, tinha uma memória incrível. Seu Timão dizia que tinha ouvido do pai dele – Seu

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Timão conheceu, na infância e ainda com quatro, cinco anos de idade, lembrava do, do, do organista, o professor Manuel Bahiense, né? E o Seu Timão me disse que ouviu certa vez do pai dele que o órgão foi doado como cumprimento de um voto, uma promessa, um voto feito à Deus pelo Barão de Laranjeiras, tendo sido atendido ele doou o órgão à matriz. TR: interessante porque o Barão não era de Laranjeiras né? Ele era de Itaporanga EB: pois é. TR: Fico tentando entender... EB: Teria sido o título dele, né? Há, inclusive, uma placa no órgão “o Barão de Laranjeiras oferece à matriz da cidade de seu título” o título dele era Barão de Laranjeiras e segundo seu Timão teria sido uma promessa feita ao Coração de Jesus que é o orago, o padroeiro da igreja. TR: Eh... porque o título só veio depois... Alguma celebração que você tenha em mente de importância para o órgão, ou não? EB: Não.

13) Na sua opinião, qual a importância deste órgão de tubos para a matriz e para a cidade de Laranjeiras? Ou, ainda, num contexto mais abrangente, dentro do patrimônio dos órgãos históricos do Brasil?

EB: O órgão de tubos é ainda o instrumento, por excelência, da liturgia católica. Eh... na verdade existem concessões para os outros instrumentos. O órgão ainda reina absoluto dentro da... toda documentação da igreja que trata da questão de liturgia. Eh... só por esse motivo já seria... assim... já estaria justificado a necessidade de se preservar um órgão de tubos, um instrumento tão raro no nosso Brasil, né? Por conta da questão da liturgia católica. É um instrumento que se encontra em um templo católico. Mas além disso, Laranjeiras é uma cidade que é Patrimônio Nacional. É uma cidade que era tida no passado como a “Atenas Sergipana”, aquilo que a cidade de Atenas, na Grécia, significou para a cultura Ocidental, o berço de toda cultura Ocidental, Laranjeiras foi pra o Estado de Sergipe. Eh... era um centro comercial e cultural do nosso Estado. Então, eh... toda a vida cultura do Estado de Sergipe...início do século XIX até quando a capital é transferida para Aracaju toda vida cultural estava centrada em Laranjeiras. Apesar de ser um pequeno órgão de tubos, mas ele era, é

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ainda muito querido pelo povo laranjeirense. Os acordes do órgão de tubos criam um... toda uma áurea de sacralidade dentro do templo de Laranjeiras. Então, eh... é um órgão que tem uma grande importância, eu diria que até afetiva para o povo da cidade de Laranjeiras, além da sua importância histórica, pois, pois... dado que, como eu já disse, Laranjeiras também é... é o templo onde esse órgão se encontra, o primeiro templo no Brasil, dedicado ao Sagrado Coração de Jesus, primeira igreja no Brasil dedicada ao Sagrado Coração de Jesus, onde... de onde também a devoção ao Sagrado Coração de Jesus se espalhou, através do trabalho dos jesuítas, por toda essa nossa região. A ponto de D. Távora, quando foi bispo do Estado de Sergipe, pensar em transformar a Matriz do Sagrado Coração de Jesus em um Santuário nacional dedicado ao Sagrado Coração de Jesus. Então, por conta disso eu vejo esse órgão como um patrimônio que precisa ser preservado, necessita ser... necessita de maior atenção por parte das... autoridades não só religiosas, né? O pároco, a diocese mesmo, como também por conta daqueles que trabalha como agentes culturais, nível local, município e até a nível nacional já que, como disse, a cidade é patrimônio histórico Nacional. Infelizmente apesar dos apelos que eu já fiz, né? Eu já conversei com alguns prefeitos anteriores, já conversei com o padre, os padres que por lá passaram, mas o órgão continua nessa situação. É, infelizmente, é... eu percebo que por conta da Igreja, as vezes falta a mentalidade de que é necessário essa preservação da tradição musical católica, da igreja católica. Se tem investido muito mais na... nas formações musicais modernas, no grupo... no ministério de música, na bateria, no teclado, na guitarra que eu acho que tem até o seu espaço, mas que o órgão merecia uma maior atenção porque a própria história de Laranjeiras... eh... tem como fundo musical o órgão de tubos da matriz. O órgão de tubos da matriz que sempre era tocado nas posses dos intendentes municipais, o órgão que era tocado por ocasião dos casamentos, por ocasião dos novenários, do mês de maio, do mês doloroso. Então, um órgão que, eh... fez a música de fundo de vários acontecimentos históricos na cidade. Merecia uma maior atenção por parte da... das autoridades, inclusive, eh... atualmente na cidade já tá, já reina a preocupação de que ele possa parar a qualquer momento. Os últimos dois anos, nos dois últimos novenários teve dias em que eu comecei tocando no órgão e tive que terminar o novenário tocando no teclado, por conta justamente desses problemas. TR: Está certo Evandro. Você conhece alguém que tenha na memória aquele órgão tocando, que tenha conhecido algum organista?

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EB: a gente encontra ainda na cidade algumas pessoas que cantaram no coro da professora Zizinha Guimarães. A dona Edmunda, eh... deu continuidade e então muitos cantores que cantavam ainda na época da professora Zizinha Guimarães continuaram cantando com dona Edmunda e alguns permaneceram ainda cantando comigo no coral. Em dona Nadja, que inclusive fez algumas aulas de iniciação ao piano com a professora Zizinha, Nadja Pacheco, né? Tem dona Maria Antônia Pinho Lira, que é considerada em Laranjeiras a maior cantora que a paróquia já teve. Até hoje, tá com a idade bastante avançada, mas por ocasião do falecimento de dona Edmunda eu fiquei encarregado de tocar numa missa, eh... em memória de dona Edmunda e consegui levá-la pro coro dona Maria Antonia. Mesmo com a idade bastante avançada, mas quando dona Maria Antonia abre a boca pra cantar emociona toda cidade. Os laranjeirenses... não há quem tenha ouvido dona Maria Antonia cantando nos novenários ao som do órgão no passado, que não teça excelente comentários que até não se emocione só mesmo em lembrar... eh... a voz de dona Maria Antonia executando os cantos sacros. Uma voz muito bonita. TR: interessante! E essas pessoas ainda moram em Laranjeiras? EB: Moram em Laranjeiras. Dona Nadja ainda canta no novenário, ainda consegue. Tá com a voz bastante cansada mas eu faço questão de sempre convidá-la, de sempre tê-la, ainda que ela não cante como cantava mais no passado né? Mas eu faço sempre questão de que ela cante sempre uma ou outra música. Sempre que eu convido, ela se faz presente. Dona Maria Antonia já por conta... ela tem dificuldade até de subir no coro da igreja mas até uns dois anos atrás ela inda foi e assim... deixou a igreja bastante emocionada, quando ela canta. TR: Certo. Bem Evandro, da minha parte podemos encerrar a entrevista e agradeço muito pela sua colaboração.

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ANEXOS

ANEXO A

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ANEXO B

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Os demais Anexos encontram-se gravados em CD-ROM.

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