Dissertação de mestrado IUPERJ - UE entre a democracia e a eficiência - Prof. Oswaldo Dehon

May 24, 2017 | Autor: Oswaldo Dehon | Categoria: European Studies, European integration, Regionalism, Democracy
Share Embed


Descrição do Produto

INSTITUTO UNIVERSITÁRIO DE PESQUISAS DO RIO DE JANEIRO - IUPERJ

"UNIÃO EUROPÉIA: ENTRE A DEMOCRACIA E A EFICIÊNCIA"

DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO INSTITUTO UNIVERSITÁRIO DE PESQUISAS DO RIO DE JANEIRO COMO REQUISITO PARCIAL PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIA POLÍTICA

ALUNO: OSWALDO DEHON ROQUE REIS ORIENTADORA: MARIA REGINA SOARES DE LIMA

AGRADECIMENTOS Esta dissertação foi possível pelo apoio do programa de qualificação de docentes do Centro Universitário de Ciências Gerenciais da UNA. Em especial sou grato ao Dr. Honório Tomelin, ao Prof. Milton Jacques Collares e ao Prof. Mauro Rosa. A dedicação e carinho de minha esposa Valéria e de meus filhos, Bernardo e Isabella, foram cruciais para que este trabalho fosse produzido. Sou grato também aos meus familiares mais próximos, e sobretudo à minha mãe, Janete, por ter apostado em minha educação. Por fim, agradeço ao Departamento de Ciência Política da UFMG, onde cursei os créditos; ao IUPERJ, onde encontrei o ambiente acadêmico apropriado para o desenvolvimento desta dissertação, e à Profa. Maria Regina Soares de Lima, pela sua competência como orientadora e amiga.

Esta dissertação é dedicada a meu pai, Oswaldo Tôrres Reis e ao Prof. Olavo Brasil de Lima Júnior, cientista político de brilho raro, orientador deste trabalho até o final de sua vida e responsável por meu encontro com o IUPERJ.

Belo Horizonte, dezembro de 2000

2

ÍNDICE AGRADECIMENTOS: Pág. 2 INTRODUÇÃO: Pág. 5 CAPÍTULO I: DILEMAS DA INSTITUCIONALIDADE DA UNIÃO EUROPÉIA 1.1- A construção política das instituições da União Européia - Pág. 7 1.2- As instituições criadas pelos Tratados - Pág. 11 1.3"Power without accountability": Déficit institucional e constitucional da União Européia - Pág. 17 1.4- O déficit democrático - Pág. 18 1.5- O déficit constitucional - Pág. 20 CAPÍTULO II: EUROPEU

CRÍTICA ÀS TEORIAS DO PROCESSO DECISÓRIO

2.1 - A multiplicidade das abordagens teóricas - Pág. 22 2.2 - Institucionalismo e suas variantes - Pág. 22 2.3 - Intergovernamentalismo Liberal- Pág. 24 2.4 - Neo-funcionalismo - Pág. 25 2.5 - As Teorias de redes (Policy networks) - Pág. 25 2.6- Dimensões da governança Européia: a insuficiência das abordagens convencionais e a construção do modelo dinâmico "Multi-nível". Pág. 26 CAPÍTULO III: ENTRE A DEMOCRACIA E A EFICIÊNCIA 3.1 - União Européia: democracia parlamentar contemporânea? Pág. 34 3.2 - União Européia: democracia consensual? Pág. 44 3.3 - União Européia: São necessárias teorias exclusivas para sua explicação? Pág. 62 CAPÍTULO IV: FEDERALISMO E "AGÊNCIAS DE REGULAÇÃO": CAMINHOS PARA O DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL DA UNIÃO EUROPÉIA ? 4.1- Controle democrático, delegação e o modelo de "Quebra da representação". Pág. 67

3

4.2 - Trazendo os cidadãos europeus ao centro do debate: uma análise sobre as principais propostas para o desenvolvimento institucional da União Européia - Pág. 74 CONCLUSÃO: Pág. 88 BIBLIOGRAFIA: Pág. 90

4

INTRODUÇÃO: Esta dissertação pretende discutir os dilemas da democracia, das instituições e do processo de decisão político da União Européia. O esforço teórico central deste trabalho consiste em aproximar dois conjuntos de análise freqüentemente estudados de forma distinta no regionalismo: soberania e democracia. Assim, os problemas ligados à questão da soberania do arranjo Europeu, tais como a tensão entre o intergovernamentalismo e a supranacionalidade, ou a delegação política entre os diferentes níveis de poder serão analisados de forma articulada à dimensão do controle da Demos sobre o processo decisório regional. O propósito central desta dissertação, portanto, encontra-se em avaliar as possibilidades teóricas da democratização política e do aprofundamento da eficiência da governança da União Européia, entendendo os limites estabelecidos pelos processos de Integração Regional. Desta forma, as duas tradições podem estar ligadas, no plano normativo, ao debate sobre como pensar o desenvolvimento institucional da União Européia, com a finalidade de produção de eficiência e ampla democratização. O Capítulo I apresenta a construção política da organização institucional da União Européia; os Tratados, o processo decisório e as principais críticas aos déficits democrático e constitucional. O Capítulo II analisa as principais teorias do processo decisório e da governança Européias, buscando trabalhar a questão da soberania a partir do modelo "multi-nível", como abordagem alternativa ao dilema intergovernamentalismo x supranacionalidade. O Capítulo III discute dimensões cruciais da democracia no arranjo regional Europeu. Três pontos serão abordados: 1) O déficit democrático e sua relação ao formato Estado-nação em arranjos regionais. Neste ponto será discutido que a caracterização das estruturas políticas da União Européia como integrantes da tradição das democracias parlamentares contemporâneas (e não das estruturas produzidas por alianças regionais), consiste em uma interpretação equívoca e pode gerar sérios problemas teóricos. O uso de tais pressupostos é corrente em uma linha crítica às instituições e ao processo decisório da União Européia, que enfatiza os "déficits democrático e constitucional". 2) Será analisada, por outro viés, a aplicação do conceito de "democracia consensual", a partir dos estudos

5

de Lijphart, às estruturas políticas da União Européia. A hipótese defendida neste ponto é que a União Européia não deve ser caracterizada como uma democracia consensual ou consociacional, mas especialmente como um arranjo regional, com características majoritárias. 3) Apesar de sua singularidade, a União Européia pode ser melhor analisada se comparada a outros arranjos regionais e organizações internacionais. Em decorrência, as teorias explicativas de seu processo decisório ganham mais relevância se aplicáveis a articulações regionais semelhantes, campo da política comparada. O Capítulo IV apresenta o modelo de "Quebra de representação" como alternativa metodológica para análise sobre democracia e soberania em arranjos regionais, em especial a União Européia, e discute as mais importantes e atuais propostas para o seu desenvolvimento institucional: o Federalismo (nas variações Alemã e Americana) e o modelo de "Agências de regulação". Neste capítulo será analisado o formato do Federalismo Compartilhado Alemão, como uma hipótese potencialmente adequada à busca pela democratização e eficiência econômica do arranjo. Na conclusão serão articuladas as principais hipóteses defendidas nos quatro capítulos, no sentido de avaliar a pertinência de seus argumentos.

6

CAPÍTULO 1: DILEMAS DA INSTITUCIONALIDADE EUROPÉIA

DA UNIÃO

1.1 - A CONSTRUÇÃO POLÍTICA DAS INSTITUIÇÕES DA UNIÃO EUROPÉIA A idéia da criação de uma união permanente entre Estados europeus é histórica, e já se manifestara, sob diversas formas políticas, na busca por uma unidade hegemonizada por distintas nações. França, Alemanha, Inglaterra, buscaram, em diferentes épocas, assumir o protagonismo da proposta, quase sempre pela força.1 Apenas após a primeira Grande Guerra Mundial aconteceram esforços voluntários e pacíficos entre Estados Europeus. A criação dos Estados Unidos da América, em 1776, a unificação Suíça, em 1848, e a Fundação do Império Alemão, em 1871, serviram como estímulo para a articulação de movimentos "Pan-Europeus"2. Estes movimentos tiveram "fôlego curto", e somente após o declínio político e econômico da Europa, na seqüência dos dois grandes conflitos militares do século XX, foi possível uma nova compreensão de que estruturas nacionais concorrentes seriam fatais para a reconstrução e desenvolvimento de um continente marcado pela beligerância. Os Estados Unidos e a União Soviética possuíam, após a Segunda Grande Guerra, mais poder político e militar que os numerosos e frágeis estados Europeus. Assim, a necessidade de evitar novos conflitos bélicos, a rejeição ao Fascismo e ao Nazismo, e a busca por uma articulação entre Estados, com vistas a um planejamento regional compartilhado, criou condições para a superação de vários antagonismos políticos localizados. A reconstrução econômica da Europa, possível, em grande medida, através dos recursos disponibilizados pelo Plano Marshall, exigiu grande coordenação dos Estados europeus, tendo em vista a proposta de sua recuperação e autonomia econômico-financeira em apenas quatro anos (1948 a 1952). 1

Borchardt (1995 - Pág. 5) Mazey (1996 - Pág. 28). Os mais influentes membros do movimento "Pan-europeu" nos meados da década de 20 eram Léon Blum (Líder do Partido Socialista Francês), Paul Lobe (Presidente do "Reichstag" Alemão), Aristide Briand (Chanceler Francês), Gustave Stressemat (Chanceler Alemão) e C. Kalergi (Conde Austríaco). 2

7

O término do conflito bélico em 1945 permite a criação de várias organizações, em um quadro extremamente complexo. Para uma melhor compreensão do fenômeno, pode-se seccioná-lo em três vertentes relativamente distintas: a) Organizações Euro-atlânticas no campo da cooperação em políticas de defesa e segurança. A "administração" do Plano Marshall coube à recém-criada OECE (Organização Européia de Cooperação Econômica), instituição que mantinha fortes vínculos com os Estados Unidos. A OECE é sucedida em 1960, pela OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que expande sua abrangência às nações em desenvolvimento, com ingresso de Turquia, México, Coréia, dentre outros. A cooperação no campo da segurança é estabelecida com a vinculação da OECE a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), em 1949, que assegurou uma política de segurança entre os Estados Unidos e Canadá e os Estados Europeus. No campo militar os esforços de integração Européia são estreitados com a criação da União Européia Ocidental (UEO), em 1954. Esta organização nasce do Pacto de Bruxelas que já havia sido firmado entre Reino Unido, França, Bélgica, Luxemburgo, Holanda, Alemanha Ocidental e Itália. Entretanto, Portugal, Espanha e Grécia também aderem à UEO, em função das tentativas de estabelecer uma identidade européia no campo da política de segurança e de defesa. 3 b) Organizações de cooperação política, social e de direitos humanos A mais importante organização neste campo de cooperação entre Estados é o Conselho da Europa, fundado como organização política em 1949. Seus objetivos, apesar de amplos e vagos, se vinculavam ao estreitamento das relações entre seus Estados signatários, bem como promover o desenvolvimento econômico e social na região. O Conselho da Europa foi construído em bases intergovernamentais, não havendo em seus estatutos menções sobre transferência de soberania, o que eliminaria aspirações federalistas ou "unionistas". Seu organismo 3

Borchardt (1995 - Pág. 6)

8

decisório, denominado "Conselho de Ministros", deliberava sempre por unanimidade. As decisões deste organismo necessitavam de ratificações dos parlamentos nacionais, o que dava ao Conselho de Ministros características de instituição de cooperação ou concertação 4 internacional. Inicialmente, os Estados membros eram os seguintes: Reino Unido, França, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Itália, República da Irlanda, Dinamarca, Noruega e Suécia. O Conselho da Europa, após várias adesões, passou a contar com 25 Estados-membros, com o ingresso da Alemanha, Áustria, Hungria, Polônia e Espanha, dentre outros. Uma Assembléia Parlamentar foi criada, com finalidade exclusivamente consultiva, emitindo recomendações ao Conselho. Entretanto não havia, rigorosamente, "prestação de contas" do Conselho a Assembléia. Assim, recomendações emitidas majoritariamente, ou mesmo por consenso, pela Assembléia, podiam ser rejeitadas no conselho por apenas um voto contrário. Diversas convenções foram celebradas no âmbito do Conselho, envolvendo domínios econômicos, sociais, e do direito; porém sua mais significativa e conhecida deliberação foi a "Convenção Européia de Salvaguardas dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais", assinada em 1950. Esta convenção institui padrões mínimos de proteção e salvaguardas jurídicas para os direitos civis dos cidadãos Europeus. São criados o "Supremo Tribunal Europeu para os Direitos do Homem" e a "Comissão Européia para os Direitos do Homem", organismos concebidos para coibir violações aos direitos humanos. c) Organizações de cooperação econômica e energética O terceiro grupo de organizações Européias é composto pela Comunidade do Carvão e do Aço (CECA), Comunidade Européia de Energia Atômica (EURATOM) e Comunidade Econômica Européia (CEE). Estas três organizações, ainda existentes, possuem grande significado institucional, tendo em vista seus formatos supranacionais. A delegação de parte da soberania de seus Estados-membros permite que as decisões coletivas possam ser tomadas por uma "alta autoridade", com poderes que eliminam a exigência de ratificações legislativas por

4

Seitenfus (1997). Organizações de concertação possuem funções de regulação entre distintos Estados-nações.

9

parlamentos locais, típica de organismos intergovernamentais, como o Conselho da Europa. 5 Estas três dimensões possibilitam uma mais clara compreensão do processo que gera a instituição da "Comunidade Européia", agregação das comunidades criadas pelos Tratados de Paris, que em 1951 dá início a CECA, e o Tratado de Roma, assinado em 1957, originando a CEE e a EURATOM. A criação da Comunidade do Carvão e do Aço, apesar de sua visível tarefa em coordenar os esforços de geração e distribuição de energia para a reconstrução econômica, agregava um componente político, essencial para uma análise da supranacionalidade decisória. A França, em especial, secundada pela Holanda e Bélgica, imaginou a construção de um projeto político em que fosse possível diminuir o poder Alemão, em decorrência do domínio germânico da tecnologia industrial do aço e das grandes reservas de carvão mineral localizadas em seu território. A Alemanha já havia dado mostras de extraordinária recuperação econômica e militar, após a Primeira Grande Guerra, e temia-se nova ascensão. Estabelecer Conselhos dotados de autoridade supranacional, servia para garantir alguma articulação quanto ao planejamento econômico, porém dava elementos para atingir o principal alvo: mitigar o poder Alemão, diminuindo o risco de novos conflitos, porém permitindo sua inserção em uma comunidade européia fortemente organizada. Esta era a base conceitual do "Plano Schuman", concebido pelo Ministro de Relações Exteriores da França, Robert Schuman, e por Jean Monnet, economista que propôs o plano de reconstrução Francês. O "Plano Schuman" articulava ainda a criação de uma força militar Européia, proposta não encaminhada em função dos constantes vetos da França de De Gaulle. A CECA, decorrência do "Plano Schuman", a CEE, e a EURATOM, compõem a base jurídica das instituições de governo e cooperação da Comunidade Européia. Os Tratados de Paris e Roma são atualizados pelo Ato Único Europeu (1986), e pelos Tratados de Maastricht (1992) e Amsterdam (1997). 6

5

Seitenfus (1997) Os Tratados de Paris, Roma, Maastricht e Amsterdam, bem como o Ato Único Europeu podem ser obtidos através do "site": www.europa.eu.int 6

10

O Ato Único Europeu, que entra em vigor em 1987, permite a construção de um grande Mercado Comum Europeu, com progressiva desoneração tarifária e intensificação do comércio, rompendo o "europessimismo", típico dos anos 80. O "europessimismo" talvez tenha sido causado pelos efeitos da crise econômica mundial das décadas de 70 e 80, pelos debates pouco produtivos sobre soberania das instituições supranacionais, e por problemas frente aos encargos financeiros da integração. De acordo com Fontaine, no início dos anos 80 a impressão que se tinha era de estagnação do processo, apesar dos avanços econômicos conseguidos pela criação do sistema monetário Europeu. 7 A autodissolução Soviética de Dezembro de 1991, que por um lado, diminui o nível das tensões originadas pela "Guerra Fria", por outro dispara um amplo processo de redesenho da geopolítica Européia e mundial. As profundas transformações nas estruturas políticas e econômicas mundiais reforçam a idéia de integração Européia, debatidas em Maastricht, Holanda, em dezembro de 1991. O Tratado da União Européia (Maastricht), fixa um amplo programa de reformas na Comunidade: união monetária até 1999, novas políticas comuns, cidadania européia, política externa e de segurança comuns, segurança interna. Tendo em vista a conjuntura de constantes mudanças na Europa na década de 90, foi estabelecida uma cláusula de revisão do Tratado de Maastricht, que levou a negociação de um novo Tratado: Amsterdam, em outubro de 1997. O Tratado de Amsterdam serviu para adaptar e reforçar as políticas da União, nos domínios da cooperação judiciária, da circulação dos cidadãos, da política externa e da saúde pública. O Parlamento Europeu, instituição política da União Européia, ganha novos poderes, transformando-se em casa "co-legisladora", junto ao Conselho de Ministros, instância decisória.

1.2 - AS INSTITUIÇÕES CRIADAS PELOS TRATADOS Os Tratados de Paris, Roma, Maastricht e Amsterdam, criaram uma complexa engenharia institucional que define os marcos políticos e jurídicos para o governo da União Européia. Entender estas instituições, analisá-las e refletir sobre seus desdobramentos democráticos e governamentais, é a tarefa principal desta dissertação. 7

Fontaine (1998 - Pág. 7)

11

A União Européia caracteriza-se por um sistema institucional, único entre arranjos regionais, que a distingue das clássicas organizações internacionais, apesar de não ser, até o momento, um Estado soberano. 8

Os Estados-membros (designação dada para as quinze nações signatárias dos Tratados), são representados por instituições intergovernamentais e supranacionais (detentoras de "soberania comunitária").9 Estas instituições possuem vários elos que as complementam e conformam uma racionalidade exclusiva quanto a teoria do Regionalismo. 10 É comum a percepção de que a União Européia possui apenas instituições supranacionais, dotadas de poder decisório, mediante cessão de soberania dos Estados-membros. A estas instituições devem ser acrescidas instituições intergovernamentais e infranacionais para composição de um quadro de governança multi-nível. O Conselho da União Européia, ou Conselho de Ministros, é o organismo decisório da atual união monetária entre as quinze nações européias. O Conselho é composto por 15 ministros dos Estadosmembros ligados às áreas de interesse frente aos assuntos comunitários: negócios estrangeiros, indústria, agricultura, meioambiente, comércio, dentre outras. Em cada debate específico há uma representação dos ministros das áreas afins. O Conselho de Ministros, organismo tipicamente intergovernamental, atua por delegação dos Estados-membros. Sua principal missão é legislativa, construindo um ordenamento jurídico regional através da adoção de regulamentos, diretivas e decisões. Regulamentos são decisões obrigatórias para os Estados-membros, aplicáveis sem que sejam necessárias medidas nacionais de adequação. As diretivas fixam objetivos, mas cabe aos Estados-membros a escolha da forma e dos instrumentos nacionais para atingir os objetivos. As decisões dizem respeito a temas específicos, e são obrigatórias para um

8

Lijphardt (1999 - Pág. 39, mimeo). Para uma análise sobre intergovernamentalismo, supranacionalismo e infranacionalismo, ver Weiler, Haltern & Mayer (1995). 10 Hurrel (1995). Este artigo explora as inúmeras possibilidades teóricas do Regionalismo, buscando "dissecar" o fenômeno, não apenas pelo viés dos clássicos estudos sobre a União Européia, mas avaliando novas possibilidades no campo das relações internacionais. 9

12

determinado Estado-membro, ou a todos. As decisões podem ser relacionadas a nações, empresas ou mesmo a pessoas físicas. O Conselho de Ministros compartilha com o Parlamento Europeu a responsabilidade pela criação da peça orçamentária da comunidade, além de possuir a prerrogativa específica de concluir negociações de acordos internacionais, conduzidos em primeiro lugar pela Comissão Européia. O mecanismo de deliberação do Conselho da União Européia é freqüentemente consensual, porém em casos de impasses, é facultada a adoção de uma maioria qualificada. Em casos de menor importância é possível que as decisões sejam tomadas pelo método da maioria simples (50% mais um). Em decisões mediante o procedimento de maioria qualificada, o Conselho possui uma ponderação de votos, que se distribuem da seguinte forma: . . . . . .

Alemanha, França, Itália e Reino Unido: 10 votos; Espanha: 8 votos; Bélgica, Grécia, Portugal e Holanda: 5 votos; Áustria e Suécia: 4 votos; Dinamarca, Irlanda e Finlândia: 3 votos; Luxemburgo: 2 votos.

O total de votos é de 87 e, na maioria das disposições referentes ao Tratado de Maastricht, sua adoção requer o número de, ao menos, 62 votos para sua aprovação. 11 Cada Estado-membro exerce a Presidência do Conselho de Ministros por um período de seis meses, e a deliberações são preparadas por um comitê dos Representantes Permanentes dos Estados-membros, assistidos por quadros técnicos dos Ministérios nacionais. Há ainda uma Secretaria-geral do Conselho de Ministros, sediada em Bruxelas, na Bélgica, que possui a missão de preparar e dar encaminhamentos práticos às decisões. O Conselho Europeu reúne, regularmente, os Chefes de Estado e Governo da União Européia, tendo sido institucionalizado pelo Ato Único 11

Para uma compreensão mais detalhada sobre o funcionamento do processo decisório do Conselho de Ministros ver: "Como funcionam as instituições da União Européia?" Serviço de publicações oficiais das Comunidades Européias (1998).

13

Europeu, em 1987. As reuniões ocorrem duas vezes ao ano, com o intuito de debater grandes questões políticas internacionais e diplomáticas ou mesmo arbitrar temas que causaram impasses políticos no Conselho de Ministros. A política externa e a Política de Segurança Comum, portanto, são áreas privilegiadas para o debate no Conselho Europeu. O presidente da Comissão Européia participa de todos os encontros, e a presidência, em processo semelhante ao Conselho de Ministros, é conferida em sistema de rodízio, a cada seis meses. Expressa-se por meio de resoluções políticas gerais, freqüentemente dirigidas ao Conselho de Ministros. O Parlamento Europeu é a instituição de representação democrática da União Européia. É composto por 626 Eurodeputados, com mandatos de cinco anos, eleitos por sufrágio direto e universal. Os deputados são filiados a Partidos europeus, que concorrem a cadeiras com plataformas para toda a comunidade, apesar de que somente podem ser votados em seus Estados-membros de origem. O parlamento possui uma distribuição de cadeiras ponderada pela importância populacional e econômica de cada Estado-membro, assim, dos 626 assentos: . . . . . . . . .

99 87 64 31 25 22 21 16 15

são preenchidos por deputados provenientes da Alemanha; da França, Itália e Reino Unido; da Espanha; da Holanda; da Bélgica, Grécia e Portugal; da Suécia; da Áustria; da Dinamarca e Finlândia; da Irlanda e apenas 6 de Luxemburgo.

As sessões plenárias acontecem em Estrasburgo, na França. Porém as mais de 20 comissões reúnem-se em Bruxelas, e o seu Secretariadogeral, está instalado em Luxemburgo. A função legislativa, clássica nos Parlamentos, não é prerrogativa do Parlamento europeu. Esta missão é confiada ao Conselho de Ministros. Entretanto, após o Tratado de Maastricht, as tarefas do Parlamento Europeu foram substancialmente alteradas. Em função do grande debate público desenvolvido a partir do chamado "déficit democrático"12, o Sobre o assunto ver Bellamy & Castiglione (1996 - Pág. 121), Weiler, Haltern & Mayer (1995 - Cap. 1), e Scharpf (1996). 12

14

Parlamento Europeu assumiu um papel co-legislativo, participando na elaboração de diretivas e regulamentos, e pronunciando-se sobre propostas apresentadas pela Comissão Européia, de forma que esta pode ser instada a mudar sua posição, para que possa haver o processamento das orientações do Parlamento. Ao Parlamento cabe outras funções, típicas de casas legislativas, como aprovar o orçamento da comunidade, controlar a aplicação destes recursos, e permitir o debate público sobre as políticas da União Européia. O Parlamento ainda aprova a nomeação do presidente da Comissão Européia, podendo apresentar moção de censura, obrigando a demissão de todos os seus membros. A Comissão Européia é o organismo executivo da União Européia, dotado de poderes supranacionais, à medida do exercício, em monopólio, da iniciativa legislativa comunitária. A Comissão, portanto, controla a agenda do Conselho de Ministros, o que lhe garante grande poder frente ao processo de tomada de decisões. Possui a qualidade de "guardiã" dos Tratados, velando para que as decisões sejam cumpridas pelos Estados-membros. Como organismo executivo é responsável pela operacionalização das decisões do Conselho de Ministros, a gestão das políticas comunitárias, como a política agrícola comum, ciência e tecnologia, comércio, desenvolvimento regional, etc. Constrói a proposta orçamentária a ser apresentada ao Parlamento Europeu, além de executar um orçamento que em 1997 chegou a 82 bilhões de Euros. Possui 15.000 funcionários, em 25 direções gerais especializadas na gestão das políticas comunitárias, distribuídos pelas sedes em Bruxelas e Luxemburgo. A Comissão é composta por 20 membros, indicados pelos Estadosmembros. São dois membros Franceses, Alemães, Ingleses, Italianos e Espanhóis. Os demais países participam com apenas um membro. O "mandato" dos comissários é de cinco anos, e suas decisões prevêem consenso. O presidente da Comissão Européia talvez seja a principal figura da política da União Européia. Nas tradicionais instituições internacionais de cooperação a figura do organismo de secretariado ocuparia lugar apenas adjacente. A posição central deste tipo de organismo é característica da União Européia.

15

O Tribunal de Justiça das Comunidades Européias é a instituição responsável pela interpretação e aplicação dos Tratados. Assim, o Tribunal de Justiça pode verificar se há, ou não, o cumprimento dos Tratados pelos Estados-membros, além de avaliar a legalidade dos atos das demais instituições da União Européia. Julga controvérsias comercias entre os Estados-membros, com acionamentos freqüentes para a interpretação dos acordos da Política Comercial Comum (PCC). O Tribunal não é uma instituição "ad-hoc", como vários de seus congêneres em outros arranjos regionais, e é composto por 15 juízes indicados pelos Estados-membros, para um mandato de seis anos, renovável. O Tribunal é auxiliado pelo Tribunal de Primeira Instância, que é competente para julgar ações de indivíduos e empresas frente a União e de funcionários frente às instituições comunitárias.13 Banco Central Europeu é a instituição responsável pela política monetária da zona do Euro, moeda única da região composta por 11 países da União Européia. Reino Unido, Grécia, Suécia e Dinamarca são os Estados-membros da União Européia que não estão inclusos na zona do Euro. 14 Ao Banco Central é confiada a missão de controlar os dados macroeconômicos, e de defender a moeda criada em janeiro de 1999. Sua sede em Frankfurt indica a importância da Alemanha na gestão das políticas monetárias da comunidade. O Banco Central Europeu, a partir de 1999, sucede o Instituto Monetário Europeu, instituição criada em 1994, para monitoramento e controle dos "critérios de convergência". Estes critérios (inflação, déficit fiscal, dívida pública, taxas de juros e estabilidade das moedas nacionais) vinculados ao desempenho econômico de cada Estado-membro, foram estritamente acompanhados durante um período de quatro anos, de 1995 a 1998, no intuito de assegurar maior estabilidade para o Euro. 15 O Tribunal de Contas da União Européia: Criado em 1975, é composto por 15 juizes nomeados pelos Estados-membros, após consulta ao Parlamento Europeu. Compete ao Tribunal de Contas examinar a legalidade e regularidade das contas da Comunidade, assim 13

Para uma avaliação sobre os vários formatos atuais de solução de controvérsias em processos de integração regional ver Baptista (1998). 14 Reino Unido, Suécia e Dinamarca optaram pela não inclusão na zona do Euro, mesmo que atendessem as rígidas regras impostas pelas autoridades econômicas da União Européia. Grécia não atendeu os mesmos critérios, notadamente em questões relacionadas a sua dívida pública. Ver "The Economist" - 11 Abril 1998. Os dados são referentes a agosto/2000. 15 Os critérios de convergências são apresentados detalhadamente em Fontaine (1998)

16

como garantir uma boa gestão financeira. O Tribunal de Contas também responde pelo controle de fraudes e prevalência de interesses privados frente a gestão dos recursos comunitários. O Comitê Econômico e Social possui por objetivo assistir ao Conselho de Ministros e à Comissão Européia em assuntos ligados a Comunidade Econômica e a Euratom. É um organismo consultivo composto por 222 membros, para um "mandato" de 4 anos, que representam setores empresariais, sindicais, e de atividades específicas, em três grupos distintos. Nestes grupos há uma grande variedade de setores da sociedade civil, em áreas como agricultura, meio ambiente, defesa dos consumidores, cooperativas, pequenas e médias empresas. A composição do Conselho Econômico e Social possui a seguinte distribuição: Alemanha, França, Itália e Reino Unido, 24 membros cada. Espanha, 21; Bélgica, Grécia, Holanda, Áustria, Portugal e Suécia, 12 membros cada. Dinamarca, Irlanda e Finlândia, 9 cada, e finalmente Luxemburgo com seis membros. O Comitê é acionado pela Comissão Européia ou pelo Conselho de Ministros, que solicitam pareceres sobre assuntos variados. O próprio Comitê pode emitir pareceres por sua própria iniciativa, no sentido de analisar politicamente determinado assunto e interferir no debate de outras organizações Européias. O Comitê das Regiões, criado pelo Tratado de Maastricht, representa os poderes regionais e locais dos quinze Estados-membros. Também é composto por 222 membros, em proporções nacionais idênticas ao Comitê Econômico e Social, com o mesmo período de mandato. O acionamento deste Comitê é realizado pela Comissão Européia ou pelo Conselho de Ministros, em assuntos pertinentes às várias regiões Européias. Tendo em vista o mosaico político e cultural encontrado em sociedades plurais, caso da Espanha, do Reino Unido, da Itália, Bélgica, por exemplo, a representação das regiões é essencial para o "balanceamento" político entre as dimensões nacionais e infra-nacionais.

17

1.3 - "POWER WITHOUT ACCOUNTABILITY": O DÉFICIT DEMOCRÁTICO E CONSTITUCIONAL DA UNIÃO EUROPÉIA A expressão utilizada por Goodman "power without accountability" traduz um difuso, porém intenso movimento de idéias que busca avaliar criticamente as instituições e o processo democrático na União Européia, notadamente após Maastricht. As instituições e o processo de elaboração das políticas comunitárias, como apresentados no capítulo III, se não se encontram em crise, ao menos ensejam um amplo debate sobre legitimidade e design constitucional para arranjos econômicos e políticos regionais. 16 As principais críticas ao processo de integração da União Européia têm assumido dois aspectos centrais: a crítica ao processo político (representação, processo decisório, mecanismos de controle democrático), genericamente designada por "déficit democrático", e a crítica a inexistência de aparato constitucional que suporte um ordenamento jurídico-formal que legitime as decisões tomadas em âmbito comunitário. Os problemas e imperfeições do processo democrático da União Européia têm sido analisados por vários autores que oferecem um diagnóstico tão completo quanto necessário ao estudo da questão. 17 Quanto ao "déficit constitucional" a "literatura" não é menos extensa. 18

1.4

- O DÉFICIT DEMOCRÁTICO

Segundo Pollack (2000), o processo político na União Européia: "... is dominated by unelected officials from the European Comission and member government, negotiating in a process that is closed and distant from European electorates, and in which the directly elected European Parliament plays only a secondary role" 19.

O debate sobre a qualidade da democracia na União Européia atinge uma ampla "esfera de deficiências", observadas na representação, Goodman (1997) Pág. 171. Weiler, Haltern & Mayer (1995), Majone (1996), Eriksen (1999), Eriksen & Fossum (1999), Moravcsik (2000) e Pollack (2000) 18 Bankowski & Scott (1996), Ferrajoli (1996) e Majone (2000) 19 Pollack (2000) 16 17

18

controle democrático, transparência e legitimidade das instituições supranacionais. Complementando o quadro, Fossum & Eriksen argumentam que: "... decisions are further removed from the citizens, due to the greatly increased size of the entity, the added layer of governance, the lenghtened chain of representation, etc. In general terms, internationalization entails extending further the powers and prerogatives of the executive, that is the national officials - burocrats and experts - who are the main actors in international cooperation. The intergovernamental bodies of the EU, the European Council and the Council, are not properly checked by a system of constitutional controls. These institutions have a weaker popular basis than do ordinary states. There are no real European political parties that can act a vital intermediaries between the general populaces and the central institutions at the EU level. 20

A União Européia, observada por seus críticos, processa decisões legislativas estratégicas através de executivos/representantes não eleitos em reuniões sem caráter público. O mecanismo de decisão utilizado (maioria qualificada) permite a promoção de interesses não majoritários entre os Estados-membros, em função de seus pesos específicos. Assim a participação de experts e Eurocrats é intensa e central na esfera do processo decisório, compondo um quadro de decisões tomadas em um "remoto", "secreto", "inintelegível" e "unaccountable" processo.21 Avaliações mais agudas questionam a existência da demos Européia, e da própria noção de comunidade política (polity).22 Estas seriam características encontradas apenas no plano nacional, dos Estadosmembros. Não seria possível observar com clareza a existência de uma comunidade política européia, ao mesmo tempo que não existiriam traços culturais e sócio-políticos que configurassem a noção de demos Européia. Há, aparentemente, consenso relativo ao baixo controle político dos "cidadãos europeus" sobre as instituições comunitárias, resultando em níveis insuficientes de controle democrático. Consideráveis evidências na opinião pública européia indicariam, segundo Schmitter, que indivíduos e grupos tem consciência que as decisões e mecanismos de regulação da União Européia afetam diretamente suas vidas e oportunidades, porém, 20 21 22

Fossum & Eriksen (1999). Pág. 4. Schmitter (2000). Pág. 1 Weiler, Haltern & Mayer (1995). Pág. 1 19

certamente, não há compreensão sobre o processo e a forma de seu controle democrático. 23 A relação entre os eleitores e o processo decisório é frágil, em função da debilidade dos partidos políticos europeus, que apenas elegem quadros para o Parlamento Europeu, instituição com poder mitigado pelo Conselho de Ministros e pela Comissão Européia. Mesmo os dois maiores partidos políticos europeus, o Partido Popular Europeu (DemocrataCristão) e o Partido Socialista Europeu não possuem elevados índices de identificação popular. Havia, recentemente, segundo Franklin, altas taxas de abstenção eleitoral e declínio significativo na identificação partidária: "In the circumstance it is perhaps not surprising that many citizens of the EU fail to take these elections seriously, and turnout is generally low - often even lower than at regional and local election which everywhere are less important than national elections. The low levels of public participation in european elections in turn raises questions in some minds about the legitimacy of the EU". 24

1.5 - O "DÉFICIT CONSTITUCIONAL" A crítica possui fundamentos na legislação comunitária composta por Tratados e regulamentos que não podem ser considerados como as "higher law", fonte última de direitos fundamentais do cidadão europeu, em função de seu processo limitado de discussão e elaboração. Neste ponto, Ferrajoli explicita o que entende por "irracionalidade da estrutura decisória da União Européia: "Nowadays, because of the irrationality of its institutional structure, the European Union in particular is a political actor that operates without a constitution. It possesses a Parliament with consultative and controlling, but no legislative functions, a Council of Ministers with normative functions, but which is free from Parliament control; a Comission with adminitrative functions, but which are largely independent from those of the Council; and a Court of Justice with many, but largely irrelevant competencies".25

Apesar da aprovação dos Tratados centrais da União Européia (Roma, Single European Act, Maastricht e Amsterdam) pelos parlamentos 23 24 25

Schmitter (2000). Pág. 2 Franklin (1996). Pág. 187 Ferrajoli (1996). Pág. 157 20

nacionais, ou seja, apesar da existência do que Bankowski e Scott designam por "sistema legal", não há, a rigor, um consenso sobre a legitimidade formal de suas instituições. 26 Esta dúvida foi reforçada por duas decisões das supremas côrtes da Alemanha e da França, tomadas em meados da década de 90. Na Alemanha a Corte Constitucional decidiu que a soberania do povo alemão não poderia ser superada pela força das decisões das instituições da comunidade, como a Corte Européia de Justiça. Já o "Conseil Constitutionnel" francês decidiu que a soberania constitucional só poderia ser delegada através de uma emenda prévia à Constituição, ratificada através de um "referendum". A idéia de constitucionalização da União Européia tem sido mais intensamente discutida após a ratificação do Tratado de Maastricht. Este tratado define a noção de união política dos Estados-membros, assunto até então, tratado retoricamente. Maastricht reforça a integração Européia ao valorizar o papel legislativo do Parlamento europeu, ao criar o Comitê de Regiões (notoriamente para atender as "Länders" alemãs), e dar concretude a união monetária. Porém Maastricht ao criar três pilares de sustentação da União Européia - Comunidade Européia, Justiça e Assuntos Domésticos, Política Externa e Segurança, dispara um intenso debate sobre constitucionalismo, em grande parte motivado pelas questões relacionadas a soberania e ao federalismo. Os dois novos pilares, domínio da Justiça e Assuntos Domésticos e Política Externa e Segurança, foram constituídos em áreas sensíveis à questão da soberania supranacional. Com forte oposição da França e do Reino Unido os dois novos pilares possuem processos de decisão intergovernamentais, o que gerou uma série de críticas e novas demandas pela discussão de regras constitucionais permanentes.

26

Bankowski & Scott (1996). Pág. 80 21

CAPÍTULO II : CRÍTICA ÀS TEORIAS DO PROCESSO DECISÓRIO EUROPEU A caracterização das instituições da União Européia, isoladamente, não permite uma compreensão mais abrangente que satisfaça a realização dos objetivos centrais desta dissertação. É necessário entender não apenas suas estruturas, mas sob quais padrões as decisões regionais são tomadas, sua intensidade, desempenho, e os resultados concretos para o processo político. As teorias mais importantes para a explicação do processo decisório buscam fornecer instrumental necessário para compreensão das condições situacionais e institucionais, preferências e estratégias dos atores envolvidos no processo de tomada de decisões comunitário. 2.1 - A MULTIPLICIDADE DAS ABORDAGENS TEÓRICAS: As abordagens correntes compreendem o Institucionalismo, e suas variantes, Escolha Racional, histórico, sociológico e "Novo Institucionalismo", o Intergovernamentalismo Liberal, o Neofuncionalismo e as Teorias de redes (Networks). 2.2 - O INSTITUCIONALISMO E SUAS VARIANTES: Apesar de uma mesma base conceitual, as abordagens do Institucionalismo possuem significativas diferenças. A abordagem da "Escolha Racional" focaliza a ação intencional, motivada por interesses e busca fazer generalizações ou predições sobre o que atores racionais farão dado um conjunto de opções, visto como uma estrutura de incentivos. O Institucionalismo Histórico se concentra nas próprias origens e desenvolvimento das instituições européias, vistas como estruturas institucionais e processos que são explicados pelos resultados de escolhas intencionais e condições únicas dadas historicamente. Já o Institucionalismo Sociológico trabalha com a noção de ações culturalmente construídas, idéias e identidades que seguem regras e normas específicas derivadas da cultura Européia. As abordagens Institucionalistas possuem, segundo Schmidt, três padrões diferentes de avaliação: a explicação Sociológica se refere a "lógica da apropriação", a abordagem histórica a "lógica pathdependence" e a abordagem racional a "lógica do interesse".27

27

Schmidt (2000). Pág. 1 22

A abordagem racional pode auxiliar analiticamente, identificando situações onde interesses e motivações podem ser presumidos de atores racionais. Ao prever resultados, os atores "calculam" seu comportamento mediante incentivos institucionais, buscando maximizálos. Pelo caráter dedutivo, e por ser algo estático, em decorrência de presumir situações de equilíbrio, ou mesmo por partir de uma concepção de atitudes humanas basicamente motivadas pelo interesse próprio, este enfoque tem sofrido severas críticas, sendo freqüentemente associado a um determinismo econômico pouco produtivo. O Institucionalismo racional, presumivelmente, possui pouca capacidade explicativa quanto aos fenômenos motivados pela cooperação entre aparatos burocráticos e políticos. Ao trabalhar com macro-estruturas, o Institucionalismo Histórico contrasta a abordagem racional, por enfatizar "seqüências" do desenvolvimento institucional e etapas relacionadas às mudanças políticas. Apesar de ser menos universalista em suas predições e análises, o Institucionalismo histórico busca se afastar do episódico, do factual, focando estruturas e processos. A racionalidade não é, freqüentemente, avaliada no plano individual, e a crítica mais comum se concentra no mecanicismo (foco na continuidade e análises rotadependentes) e na ausência de micro-fundamentos para a ação. A abordagem sociológica conta com uma lógica mais indutiva que dedutiva, ao utilizar em sua essência as normas, regras e razões que são culturalmente exclusivas a determinados processos. As generalizações podem ocorrer em função da coincidência de identidades entre Estados-membros, no caso de análises específicas a União Européia. Naturalmente por envolver um contexto para as ações racionais/individuais, a explicação sociológica possui menor raio, sendo mais apropriada para ser utilizada "within national" do que "across national". O "Novo Institucionalismo" tem sido uma das mais utilizadas abordagens em recentes estudos comparativos. Bulmer, Pollack, March & Olsen, dentre outros, têm se utilizado de uma explicação que possui duas novidades, em relação as três abordagens anteriores. Em primeiro lugar, uma nova compreensão das instituições. As instituições não são compreendidas somente em seu aspecto formal-legal, governamental. Há, neste ponto, um diálogo com a compreensão de redes, reconhecendo uma interface entre as organizações do Estado e atores "with an expertise and interest in a given policy area"28 28

Bulmer (1997). Pág. 4 23

O segundo ponto ocupa-se das crenças, paradigmas, códigos, cultura e conhecimento incrustados nas instituições. O "Novo Institucionalismo" defende que o contexto normativo não pode ser isolado do contexto das regras institucionais, já que é muito improvável conhecer o funcionamento das instituições Européias apenas lendo seus Tratados. De acordo com Pollack, o "Novo Institucionalismo" seria uma espécie de combinação das teorias do Intergovernamentalismo e Neofuncionalismo: "The primary virtue of institucionalism as a theoretical approache, I argue, is that is accepts the fundamental intergovernamentalism insight about the initial primacy and continuing centrality of members governments in the creations and amendment of EC institutions, and then works directly from this assumption to determine how, and under what conditions, EC institutions, once created, serve to structure the individual and collective choices faced by members governments, and thereby influence policy choices in ways that cannot be predicted from the preferences and relative power of the members states alone. EC institutions, in other words, serve as an intervening variable between the power and preferences of EC members government on the one hand, and subsequent choices about both institutional change and policymaking on other"29

2.3 - O INTERGOVERNAMENTALISMO LIBERAL: A abordagem Liberal-Intergovernamental caracteriza-se pela centralidade dada aos governos no processo decisório. Assim, os governos, como os atores que tomam decisões em última instância, definem o processo de integração, seus limites e mudanças. Não por acaso que o foco das análises concentra-se em avaliar momentos específicos da integração Européia, tais como as assinaturas dos Tratados. O conceito "Liberal Intergovernamental" é derivado dos estudos de Moravcsik, que entende que o uso da "Escolha Racional" é adequado para explicar o comportamento dos Estados-membros, que buscam seus próprios interesses no processo de integração. Moravcsik acredita que o processo de integração fortalece os Estados, ao contrário dos neo-funcionalistas. A explicação é relativamente simples: o processo de integração teria o papel de "internacionalizar os assuntos domésticos", pelo fato de que os representantes executivos dos Estados-membros (executive officials) levariam os assuntos internos para a esfera intergovernamental, onde a barganha política é justificada com contínuas referências a "valores

29

Pollack (1996). Pag. 430 24

gerais", mesmo que o processo seja dirigido por Estados "egoístas racionais", perseguindo interesses próprios.30 2.4 - O NEO-FUNCIONALISMO: Neo-funcionalistas enfatizam a importância do processo, não dos Estados ou governos, entendendo que, ao integrar-se, a União Européia dispara um processo onde atores políticos, em diversos Estados, são persuadidos a deslocarem suas expectativas, lealdades e atividades políticas para um novo e ampliado centro, pelo qual as instituições possuem ou demandem jurisdição, para além dos Estados nacionais. A abordagem neo-funcional trabalha com a idéia de integração Européia auto-sustentada, mesmo que não a taxas constantes. Na definição de Wallace: "Integration is the creation and maintenance of intense and diversified patterns of interaction among previously autonomous units. These patterns may be partly economic in character, partly social, partly political; definitions of political integration all imply accompanying high level of economic and social interaction"31.

2.5 - AS TEORIAS DE REDES (POLICY NETWORKS): A abordagem "Policy Network" busca explicar as conexões entre as organizações formais do Estado, desde comunidades e grupos de atores a redes de políticas transnacionais, por meio de vários canais de articulação. A preocupação central está relacionada a participação dos atores no nível local, posto sua crítica a grande centralização política da União Européia em Bruxelas. A integração seria aprofundada, portanto, pela participação local e regional. A descentralização ofereceria maior facilidade para processar os interesses difusos, que em estruturas altamente centralizadas teriam escassas chances de serem incorporados. A proposta "Policy network", ao criticar a centralização, fortalece a idéia de "Europa das Regiões", que responderia aos limites atuais de legitimidade democrática, ao aproximar as instituições decisórias a população. A natural sugestão de reforma nas instituições Européias passa por dotar o Conselho das Regiões de maior poder, ganhando "status" semelhante ao Parlamento e ao Conselho de Ministros.

30 31

Moravcsik (1998) Wallace (1990). Pág. 9 25

2.6 DIMENSÕES DA GOVERNANÇA EUROPÉIA: INSUFICIÊNCIA DAS ABORDAGENS CONVENCIONAIS E CONSTRUÇÃO DO MODELO DINÂMICO "MULTI-NÍVEL".

A A

A freqüente caracterização da União Européia como uma instituição “suigeneris” pode refletir as dificuldades teóricas estabelecidas pelo debate sobre qual o melhor modelo analítico e normativo apropriado aos estudos da "Governança" e do processo decisório Europeu.32 Segundo Jachtenfuchs a razão para tais dificuldades deve ser creditada a noção de que modernas sociedades apenas se organizam sob o formato “Estado-nação”. 33 Nos Estudos Europeus, construídos não apenas na Ciência Política, mas na Sociologia e Economia, é comum a uso de tal concepção. Por esta visão o Estado é organizado internamente por uma hierarquia de poderes e no plano externo em um sistema anárquico. Assim, os sistemas políticos nacionais tomam a forma de um competente e universal Estado, dotado de poderoso organismo central, por um lado, e por outro, as relações internacionais, caracterizadas pela ausência de uma autoridade central. No campo da economia, teríamos por um lado, a racionalidade das políticas econômicas, por outro o mercado. Controvérsias jurídicas teriam leis ancoradas por um sistema público nacional, em um lado, e as leis internacionais privadas (ligadas ao campo das empresas, especialmente), por outro. No campo da Política Internacional, o Realismo como uma de suas mais importantes expressões teóricas, permitiria explicar este modelo. Esta concepção, porém, pode levar a sérias imprecisões se aplicada a análise normativa do atual formato institucional da União Européia. Caso a União Européia seja considerada como dois sistemas políticos distintos, representados pelos Estados-membros em permanente oposição à União política e monetária, o debate teórico seria concentrado na análise de tipos ideais de alianças: o Estado Federal ou as organizações internacionais. Por esta perspectiva o processo decisório Europeu seria marcado por uma intensa disputa entre dois pólos, com seus respectivos atores, buscando direcionar a integração Européia para uma destas duas opções. Esta disputa poderia produzir, freqüentemente, um jogo de soma-zero, que paralisaria o aprofundamento do processo integrador. Desde o Governança deve ser entendida aqui como um processo de alocação "autoritativa" de decisões. 33 Jachtenfuchs (1997 – Pág. 1) 32

26

Tratado de Roma, em 1957, uma das características centrais da União Européia é o dinamismo de seu processo institucional. Contínuas mudanças não impediram o avanço institucional, desde a confirmação da Área de livre-comércio, a União aduaneira, o Mercado comum e a cooperação monetária, após o Ato Único Europeu e Maastricht. A barganha intergovernamental, típica das organizações internacionais, tem sido superada por procedimentos institucionais que apontam para uma "polity" onde as decisões são processadas em vários níveis. Os pilares da política externa/segurança e justiça/assuntos internos processam decisões em âmbito intergovernamental. Em contrapartida, o pilar que contêm as comunidades econômicas, do carvão e aço e atômica utilizam mecanismos supranacionais e intergovernamentais. Ao mesmo tempo os sistemas nacionais continuam a operar suas decisões. Tal sistema decisório, dinâmico pelo seu constante processo de mudança, e operado em vários níveis superpostos pode ser denominado por "sistema dinâmico multi-nível". Esta abordagem permite analisar a União Européia por meio da atenção a sua ampla estrutura institucional, intergovernamental, em parte, supranacional, em parte. A União Européia seria um "Estado" em permanente transição, dotada de um processo de variável "geometria", onde o desenho institucional abrigaria possibilidades distintas de participação e de controle democrático. Desta forma, determinadas esferas seriam mais outras menos democraticamente controláveis, variando de acordo ao domínio envolvido ao processo decisório. O domínio intergovernamental, por representar a soma dos interesses dos Estados-membros, seria mais próximo ao eleitor europeu. Não obstante, o domínio supranacional por representar a "soma das diferenças" dos estados-membros seria a esfera da união, portanto mais sensível a demanda dos Estados. A abordagem de "sistema multi-nível" pode produzir estudos mais sofisticados pelo fato de que se apropria da análise institucional, da racionalidade e interação entre os atores. Permite desagregar características econômicas, políticas ou mesmo relacionadas a "governança" Européia modeladas, em parte, pela sua estrutura institucional cambiante e heterogênea. De acordo com Tsebelis: "If we look closer at the concept of "strategies" we wil see that it depends on the sequence of moves that define the game, on the set of choices and information that each player has at the moment that is called upon the move. These parameters are determined by the intitutional structure of the situation. Formal institutions specify that legislations starts with the introduction of a draft of a directive or a 27

regulation by the Comission to the Parliament, and ends by the approval by the Council. Formal institutions specify what is permited what is not..." 34

Se a União Européia é interpretada como um arranjo multi-nível dinâmico é possível estudar os problemas centrais do processo de integração por diferentes ângulos, buscando analisá-los de forma comparada, mesmo entendendo o bloco monetário como um "sui generis" formato de sistema político. Esta abordagem mantém distância da tradicional interpretação de Estado-nação, ou mesmo do formato de organização internacional, porém permite que as instituições políticas Européias possam ser analisadas em comparação a instituições semelhantes existentes em Estados soberanos, como por exemplo, o Parlamento Europeu e Parlamentos nacionais, europeus ou não. No domínio intergovernamental é possível a comparação entre o Conselho de Ministros e o Conselho do Mercado Comum, do Mercosul, ou mesmo o Encontro de Ministros da Associação de países do Sudeste Asiático (ASEAN), instituições decisórias em outras experiências de regionalismo. A abordagem multi-nível permite visualizar a heterogeneidade na institucionalização do processo integrador da União Européia. Admitindo tais desigualdades é possível aclarar as diferenças existentes frente aos formatos tradicionais. A DESIGUAL "INTEGRAÇÃO EUROPÉIA" ENTRE A ECONOMIA E POLÍTICA: A economia é o sistema funcional mais avançado e institucionalizado da aliança entre os quinze Estados-membros. As transações econômicas e comerciais são processadas com o mínimo de constrangimento pelos Governos nacionais. Há grande liberdade para movimentos de capitais, mercadorias e serviços. 35 O nível de integração da área econômica e comercial não encontra paralelo nos sistemas político, jurídico ou mesmo social. Talvez a institucionalização econômica tenha sido motivada pelos avanços na conformação de um sistema de regulamentos (obrigatórios para todos os Estados-membros) e decisões econômicas da União Européia. O Plano Werner (primeiro projeto de união monetária), a "Serpente monetária", ou o antigo sistema europeu de câmbio, o Sistema Monetário Europeu (SME), de 1978, o Ato Único Europeu e o Tratado de Maastricht são fortes fundamentos econômicos que teriam possibilitado tal avanço.

34 35

Tsebelis (1999). Pág. 1 Jachtenfuchs (1997). Pág. 4 28

Uma segunda explicação plausível encontra-se nos próprios desdobramentos da integração econômica. As aparentes conseqüências positivas do processo, como o sentimento de bem-estar produzido pelo alargamento do mercado e pela liberalização econômica permitiram sucessivos avanços, que legitimaram o ordenamento jurídico da esfera econômica da União Européia. Os sistemas político e social possuem visíveis contradições frente ao ordenamento econômico. Como já discutido, a cultura política, as identidades partidárias, as estruturas sociais e as demandas da sociedade organizada são trabalhadas no âmbito nacional. A complexidade e a tecnificação do espaço decisório comunitário aliado a baixa institucionalização dos canais de representação tradicionais (partidos, movimentos sociais europeus, etc.) mantêm a esfera política articulada especialmente aos Estados-membros, ou melhor, a seus Governos. A presença de especialistas, "lobbistas", e representantes de grandes empresas multinacionais nas discussões articuladas pela Comissão Européia completa o quadro de distanciamento das instituições decisórias do âmbito comunitário. Segundo Schmitter: "The EU system on the whole is, on this reading, occupied by the special interests of the big business and the ideology of free markets". 36

A PERMANENTE MUDANÇA INSTITUCIONAL: Governos e processos decisórios nas democracias políticas contemporâneas necessitam de estáveis ambientes institucionais. As instituições formais como constituições, parlamentos, partidos, eleições, e outras informais como o relacionamento entre os poderes e o relacionamento entre governantes e governados podem produzir melhores resultados caso existam em ambientes notadamente estáveis.37 Crises políticas ou reformas institucionais profundas tem o poder de quebrar tal estabilidade. Nas democracias centrais do capitalismo tais regras são alteradas em situações muito especiais. Na Bélgica o processo de federalização foi um exemplo de reforma intencional. Na Espanha e em Portugal a ruptura com o passado autoritário. Na Irlanda do Norte o longo processo de negociações com o Reino Unido, que culminou recentemente em uma ampla mudança das instituições políticas locais.

36 37

Schmitter (1995) Jachtenfuchs (1997). Pág. 4 29

Por outro lado, na União Européia, as instituições centrais estão em um longo processo de mudança. Mas não apenas no plano supranacional, no âmbito intergovernamental as mudanças tem sido freqüentes. No plano da União Européia as instituições criadas pelo Tratado de Roma (1957) foram profundamente reformadas. O Parlamento Europeu, que não possuía atribuições legislativas quando de sua criação, é um exemplo de intensas mutações. De parlamentares indicados a eleitos diretamente, de câmara consultiva a instituição de co-decisão junto ao Conselho de Ministros, o Parlamento possui sua "geometria" constantemente alterada. A criação dos Comitês Econômico-social e das Regiões, a ponderação dos votos dos estados-membros no Conselho de Ministros, as várias interpretações sobre o poder de veto dos Estados-membros, as alterações no número de cadeiras do Parlamento (motivadas pelas contínuas ampliações do número Estados-membros), as mudanças na relação da Comissão Européia e o Parlamento são exemplos adicionais do dinamismo institucional da União Européia. No âmbito intergovernamental as mudanças institucionais são processadas em um ambiente de semelhante dinamismo. Dada a magnitude e a profundidade da experiência Européia, a tomada de decisões acontece continuamente. Numerosas decisões técnicas, altamente especializadas, demandam que os Estados-membros reorientem seus formatos institucionais internos, com vistas a interferirem de forma eficiente na agenda comunitária. De acordo com Wright, é possível avaliar a efetividade institucional dos Estadosmembros mediante as seguintes características: a) Capacidade de antecipar novas legislações comunitárias e seus impactos para o nível nacional; b) Capacidade de interferência na agenda decisória e de buscar recursos disponíveis em Bruxelas; c) Capacidade de promover com precisão e rapidez a adequação da legislação Européia às leis nacionais; d) Capacidade de implementar e monitorar a legislação Européia assegurando significado no plano local aos cidadãos comuns. A capacidade de coordenação entre o nível nacional e o nível comunitário demanda vários atributos, especialmente a congruência entre a "acquis communautaire" e as constituições nacionais, a existência de grupos sociais organizados (grupos de interesse) e alianças entre os partidos políticos europeus e partidos nacionais. Os conflitos de interesses verificam-se com freqüência não apenas entre

30

percepções distintas sobre o fortalecimento ou fragilização dos estadosmembros, mas na análise sobre as pressões trazidas pelo dinamismo do sistema político Europeu nas instituições tradicionais dos Estadosmembros: o Estado de bem-estar, as relações de trabalho, a democracia política. CONTROLE DEMOCRÁTICO E LEGITIMIDADE NA UNIÃO EUROPÉIA: É possível que não haja um único formato de democracia não suscetível a críticas; porém, na União Européia o tom crítico ao modelo institucional assume características endêmicas, segundo Majone. 38

Em um quadro sinótico do problema podemos destacar três grupos de críticas principais: aos padrões de justiça social e bem-estar, aos padrões de legitimidade democrática dos estados-membros e aos padrões baseados na analogia às instituições construídas pelo formato estado-nação. O primeiro grupo de críticas seria derivado da avaliação que a União Européia não possui uma agenda social, ou mesmo que possui uma agenda social em total descompasso com os Estados-membros. Esta questão foi debatida no ponto anterior sobre a heterogeneidade entre a institucionalização econômica, política e social. As críticas à legitimidade democrática do arranjo regional compõem o quadro relativo ao "déficit constitucional". As principais questões estão ligadas a inexistência de um ordenamento constitucional que possa fundar as decisões, tratados e regulamentos construídos desde 1957. O terceiro grupo busca tratar por semelhantes as instituições Européias e as instituições nacionais, ou mesmo entender que o modelo das democracias parlamentares contemporâneas deve servir como parâmetro às instituições nacionais. Este deve ser o foco para a avaliação sobre o tipo de abordagem mais apropriado para o estudo da União Européia. A demanda por democracia na União Européia pode ser entendida como a demanda por institucionalização de procedimentos de controle ao processo decisório, que assegure a participação de todos os cidadãos europeus na adoção de decisões coletivas obrigatórias. Assim, no plano normativo, a democracia não é exclusivamente praticada no campo das 38

Majone (2000). Pág. 1 31

democracias parlamentares contemporâneas, a despeito do formato envolvente e majoritário entre os modelos democráticos. Recentes propostas de democratização da União Européia tomam duas rotas distintas: a primeira pelo aprofundamento tecnocrático e não majoritário dado às instituições. Propostas com estas características têm sido construídas por autores como Majone e Andersen & Burns.39 A segunda pela tentativa de parlamentarização da União Européia, ou mesmo pela construção de duas câmaras legislativas. Uma delas representaria o cidadão europeu, a segunda os Estados-membros. Tais hipóteses possuem duas principais ordens de problemas: entendem que o processo político pode ser substancialmente modificado por meio de atos jurídicos, mesmo que constitucionais; e apostam em alterações significativas na representatividade dos partidos políticos europeus (base da parlamentarização ou da câmara dupla), hipótese remota, atualmente. É plausível a hipótese de que ambientes institucionais democráticos possibilitem formatos de "governança" democráticos. Porém o aprofundamento da democracia na União Européia não será possível apenas por meio de intervenção nas instituições políticas ou jurídicas do bloco. Há pré-condições sociais a serem atendidas, especialmente a existência de uma identidade política coletiva européia, bem como uma estrutura política intermediária, que articule os interesses difusos europeus ao centro do processo decisório, atributos inexistentes no plano comunitário, neste momento. A avaliação das principais propostas para o desenvolvimento institucional da União Européia é realizada no Capítulo IV. A intenção deste ponto consistiu em demonstrar que as tradicionais abordagens do processo decisório Europeu não atendem a complexidade atual do formato da União Européia. A abordagem multi-nível permite que se observe as características peculiares de sua dinâmica institucional: a) A velocidade heterogênea da democratização em suas esferas econômica, política e social; b) A presença de elementos supranacionais e intergovernamentais na construção do processo decisório e na definição da soberania do arranjo regional; 39

Majone (1996), Andersen & Burns (1996) 32

c) A interação e interdependência entre as esferas supranacionais e nacionais (intergovernamentais) como definidores de uma dinâmica institucional "sui generis"; d) A ausência de atributos políticos e sociais europeus que permitam a existência de uma "polity" federal distinta do âmbito nacional.

33

CAPÍTULO III: UNIÃO EUROPÉIA: EFICIÊNCIA

ENTRE A DEMOCRACIA E A

A intenção deste capítulo é estabelecer argumentos que permitam demonstrar que: . A análise que articula a União Européia como derivada das democracias parlamentares contemporâneas têm produzido estudos de pouca relevância teórica para os estudos sobre Regionalismo; . Apesar da situação "sui generis" as teorias políticas derivadas dos "Estudos Europeus" necessitam serem validadas em comparação a outros processos políticos/integração similares para ganharem robustez teórica; . Para arranjos multi-níveis, como a União Européia, os estudos de política comparada possuem relevância teórica se articulados a organizações internacionais com algum grau de soberania delegada e não ao formato Estado-nação contemporâneo.

3.1 UNIÃO EUROPÉIA: CONTEMPORÂNEA ?

DEMOCRACIA

PARLAMENTAR

Há um aparente consenso entre autores ligados aos "Estudos Europeus" que a União Européia possui um arranjo político-institucional e um processo de integração singulares. Marks, Caporaso, Moravcsik e Pollack, autores que representam tradições distintas em "Estudos Europeus" concordam que a União Européia representa "an n of 1", um sistema político único. 40 A explicação para tal concordância encontra seu fulcro no fato de que o processo de Integração Europeu é qualitativamente diferenciado de outros processos de integração, constituindo uma base de pesquisa altamente especializada.41 Tal consideração traz uma série de problemas para o campo teórico, pois se a União Européia representa um arranjo singular, as abordagens normativas e analíticas da política e de seu processo decisório poderiam requerer concepções também exclusivas. Porém, as tradições mais 40 41

ECSA Review. Vol. X. n. 3 (Fall 1997) Caporaso (1997). Pág. 1 34

centrais do pensamento político, da sociologia e da economia negam tal compreensão, ao se valerem dos conceitos tradicionais do Estado-nação contemporâneo como base para estudos comparados que envolvam a União Européia. 42 A abordagem "Europa dos estados-nacionais", encontra grande apoio em alguns de seus Estados-membros, especialmente a França, onde também é chamada de "Europa Gaullista", em nítida referência a De Gaulle, que buscava defender os interesses Franceses dentro das incipientes instituições da então "Comunidade Européia". Tal tradição é herdeira do Realismo, que na Teoria das relações Internacionais enfoca a importância dos Estados na manutenção da ordem doméstica e internacional. 43 Na visão dos defensores da "Europa dos Estados-nacionais", o Estado é organizado internamente através da hierarquia, e no plano internacional como um sistema anárquico. Por esta razão, existem sistemas políticos nacionais que tomam a forma de um universal e competente Estado como um organismo com poder central. Por outro lado, as relações internacionais se estabelecem na ausência de uma autoridade central. Pelo lado econômico há a alocação de instrumentos que organizam a economia nacional, por um lado, e o mercado por "organizador" no plano internacional. Esta abordagem é analítica e normativamente geradora de inconsistentes e pouco produtivos debates teóricos. Como exemplo pode ser citada a interpretação que entende que as instituições supranacionais e intergovernamentais da União Européia estão em constante e dramática disputa, e que o resultado da esfera de "policymaking" está ligado à força situacional de cada uma destas instâncias. Os mesmos impasses podem ser produzidos pelos normativos modelos que compreendem a União Européia por uma escala ideal entre "Federal state" e "international organization". Debates mais sofisticados e atuais podem ser derivados desta mesma tradição. A referência obrigatória situa-se na discussão se o processo de integração fortalece ou dilui os Estados-membros da União Européia. Moravcsik compreende que a integração tem fortalecido (strenghted) os Estados, e Haas o contrário. 44

Talvez o menos fértil debate propiciado por esta tradição seja aquele relacionado ao chamado "déficit democrático". Não por óbvias razões 42 43 44

Jachtenfuchs (1997). Pág. 2 Goodman (1997). Pág. 178 Moravcsik (1994), Jachtenfuchs (1997) e Haas (1964) 35

que buscam promover maior democracia e controle democrático ao sistema. Muito menos por buscar fundamentos para a legitimidade do processo de construção das políticas da "comunidade" regional. O problema reside na consideração de parâmetros democráticos e de "prestação de contas" baseados na interpretação da União Européia como um Estado federal. Este padrão explicativo busca aplicar às instituições Européias (como à Comissão e ao Conselho de Ministros), os mesmos "desenhos" institucionais das democracias parlamentares européias contemporâneas. A hipótese levantada neste ponto é que a existência de esferas técnicas envolvidas no processo decisório, as limitações quanto ao controle democrático e a tendência a autonomia da esfera econômica são desafios comuns em arranjos regionais (não federais). Devem ser analisados em função da manutenção da soberania dos Estadosnacionais envolvidos e da obtenção de eficiência de suas políticas de médio e longo prazo. Tais limitações não prescindem de controles democráticos, porém adequados a dupla tarefa de processar interesses dos cidadãos e dos Estados articulados em arranjos regionais. O desafio, portanto, se coloca em como articular arranjos regionais tão democráticos quanto possível, mesmo reconhecendo a tensão natural imposta ao processo pelos níveis nacionais e regional/supranacional. Aparentemente há poucas dúvidas sobre se a União Européia pode ser concebida como um Estado. Muitas características centrais ao Estadonação contemporâneo não podem ser observadas na atual União monetária européia: não há fronteiras territoriais, nem forças armadas para defesa, não há impostos ou base tributária própria, e há sérias dúvidas se haveria a existência de uma "demos" Europeía.45 A União Européia é um arranjo de "governança multi-nível", que envolve múltiplos atores em estruturas políticas supranacionais, ao mesmo tempo em que estruturas internacionais (intergovernamentais), nacionais, locais e regionais continuam a desenvolver seus tradicionais papéis em conformidade ao "desenho" do estado-nação contemporâneo. O majoritário apoio político de longo prazo dado a União Européia talvez seja resultado dos consistentes resultados positivos da aliança em termos econômicos e comerciais. Tal êxito configura o que Moravcsik define por "output legitimacy", em contraste a "input legitimacy", que estaria ligado a esfera de "accountability" das instituições, da

45

Ericksen (1999). Pág. 5 36

democracia do processo decisório e da direcionalidade das políticas de bem-estar comunitárias.46 De acordo com dados do Eurobarômetro (1997), a maioria da população Européia rejeita a criação de uma estrutura federal em substituição a ordem intergovernamental/supranacional em curso.47 Esta avaliação já havia sido explicitada pela Declaração dos Chefes de Estado e Governo da União Européia, em Birmingham, Inglaterra, em outubro de 1992: "Cabe a cada Estado-membro decidir o modo como deve exercer o poder a nível interno. A Comunidade só poderá atuar quando os Estadosmembros lhe tiverem atribuído poderes para tal nos Tratados".48

Mais recentemente, Majone confirma esta avaliação e acrescenta que os eleitores europeus continuam a defender a não federalização, mas apoiam majoritariamente o aprofundamento da integração econômica.49 Posto desta forma, o problema político-institucional básico da União Européia está relacionado a como assegurar eficiência governamental, legitimidade e controle democrático ao arranjo regional. Uma resposta possível ao dilema, fundada na tradição liberalintergovernamental, é utilizar o Constitucionalismo, ou a "Engenharia Constitucional" por recurso. Segundo Preuss: "Constitutionalism encompasses institutional devices and procedures which determine the formation, structure and orderly functioning of government, and it embodies the basic ideas, principles and values of a polity which aspires to give its members a share in the government". 50

Assim, o fundamento do pensamento constitucional se dá pela limitação do Governo, pela defesa das liberdades individuais, e pela própria regulação do inerente conflito social e econômico derivado da vida em uma comunidade política. Desta forma, as Constituições possuem o dever de assegurar que os interesses de longo prazo prevaleçam frente aos interesses imediatos, mesmo que circunstancialmente majoritários. Assim, há uma série de instituições, em democracias contemporâneas, que se caracterizam por contornos não-majoritários, como o caso das Cortes de Justiça, Diplomacia, Forças militares, Bancos Centrais, 46 47 48 49 50

Moravcsik (2000). Pág. 1 Eurobarômetro n. 47.1 - 1997 Comisão Européia (1998). Pág. 21 Majone (2000). Pág. 1 Preuss (1996). Pág. 12 37

organismos de gestão de Comércio Exterior ou agências técnicas de regulação que seriam justificáveis, constitucionalmente, como menos sensíveis ao controle da Demos, ou com algum grau de distanciamento dos grupos, partidos políticos e interesses difusos da sociedade civil. Estas instituições, porém, somente poderiam ser legitimadas se oferecerem um aumento na eficiência e competência técnica às políticas governamentais, ou se garantirem direitos políticos, culturais ou sócioeconômicos que processos majoritários não assegurariam. Imperfeições na estrutura política representativa majoritária poderiam significar ameaças a grupos menos organizados ou que não estivessem formalmente articulados em defesa de interesses difusos, em oposição a interesses particularíssimos com grande eficiência na ação política. O modelo "regulatory state", construído pela busca da eficiência governamental, estabelece uma discussão sobre consistência e efetividade temporal das políticas da União Européia. Tendo por fulcro estudos de Linz sobre temporalidade e democracia, Giandomenico Majone propõe uma comunidade política que articule instituições majoritárias controladas democraticamente e instituições nãomajoritárias reguladoras, independentes da esfera da barganha política. Linz argumenta que as limitações temporais dos governos, ou grandes segmentações em curtos períodos, criam negativas consequências para problemas que requerem soluções de longo prazo.51 O dilema de credibilidade da esfera das decisões públicas seria solucionado por agências regulatórias independentes, orientadas pela eficiência e compostas por especialistas. A proposta não secciona economia e política, pois sugere que as falhas do mercado devem ser "corrigidas" pelo poder supranacional, ainda que em limitados setores. Majone distingue a arena regulatória da esfera redistributiva, ao entender que apenas a segunda necessitaria de estrita legitimação democrática. Entendidas como propostas que se originam do conceito de "Estadonação", os modelos analisados articulam a importância do formato nãomajoritário para a compreensão e eventual justificação do "déficit democrático" da União Européia. Em democracias liberais contemporâneas a existência de esferas de competências técnicas dotadas de certo distanciamento da influência dos corpos políticos representativos pode ser freqüentemente justificável pela necessidade de eficiência de longo prazo quanto as suas políticas. Juristas, "Constitutionals designers" (como Lijphart), e cientistas 51

Linz (1995) 38

políticos compreendem que há processos de representação e controle democrático que demandam controles mais rígidos (some tighter) e outros menos (some looser), em complexos arranjos democráticos. 52 Talvez este ponto explicite as tensões mais centrais da democracia representativa, aparentemente resolvidas pela divisão de poderes no formato Estado-nação. Porém em arranjos regionais o problema é agravado pela existência de múltiplas e superpostas demandas por controles democráticos. A utilização do formato Estado-nação como parâmetro comparativo para a União Européia, especialmente no âmbito do desenvolvimento institucional e dos controles democráticos, tem gerado estudos de escassa relevância teórica e debates pouco produtivos, como já exposto. As propostas para mitigação do "déficit democrático" derivadas desta abordagem não escapam a uma aparente previsibilidade: aumento do poder do Parlamento Europeu, conferindo-lhe total poder legislativo, prerrogativas de "voto de desconfiança" e exclusiva escolha do Presidente da Comissão Européia pelo Parlamento, eleição de juízes do Tribunal de Justiça por voto direto, diminuição de poder da Comissão Européia, ou mesmo supressão, na esfera intergovernamental, do poder do Conselho de Ministros. Para os "Eurofederalistas" apenas o aumento do controle democrático poderia evitar o "colapso" da União Européia. Social-democratas propõem um amplo programa social europeu, como forma de diluir os efeitos deletérios da abertura comercial e da rígida disciplina monetária imposta. A direita européia e os "eurocéticos", mais numerosos na Itália, Grã-bretanha, França e Áustria, em aliança com alguns partidos de esquerda, temem a criação de um "Super-estado" em Bruxelas, dotado de um amplo controle burocrático sobre os recortes regionais/nacionais. "Verdes" retomam a idéia da "Europa das regiões", articulada por um poder não-hierarquizado baseado na cooperação, sem um centro territorial definido. A legitimação se daria, na forma de estrutura aberta, pela ampla participação, e não pelo mecanismo tradicional das eleições.53 A ausência de consenso sobre as implicações ligadas ao "déficit democrático" aparentemente explicitam uma série de imprecisões sobre o diagnóstico político-institucional da União Européia. Uma análise mais rigorosa indicaria que tais imprecisões são derivadas de equívocas interpretações de pontos cruciais: a) A União Européia é uma estrutura frágil e dependente dos Estadosmembros. Ao contrário do que pensam "eurocéticos", a União Européia 52 53

Moravcsik (2000). Pág. 2 Jachtenfuchs (1997). Pág. 11 39

está muito distante de ser um "Super-estado". Inúmeros parâmetros podem ser utilizados para comprovação. Em primeiro lugar o modesto orçamento controlado, aproximadamente 2,4 % dos orçamentos públicos nacionais. O orçamento é composto por uma pequena base tributária, constituída pelas receitas dos direitos aduaneiros de mercadorias que ingressam na região, direitos sobre produtos agrícolas importados, uma contribuição com base nas receitas do Imposto de Varejo Agregado (IVA) de todos os Estados-membros (42% dos recursos próprios). Em 1997, o orçamento comunitário, de aproximadamente 82 bilhões de Euros, foi executado assegurando 50% do todo em subsídios à Política Agrícola Comum. A execução orçamentária é fortemente fiscalizada pelos Estados-membros, pelo Tribunal de Contas e pelo Parlamento Europeu. O número de "officials", pequeno. Atualmente funcionários, que são trabalho pública de uma

funcionários das instituições Européias, é muito a União Européia possui apenas 15.000 equivalentes, aproximadamente, a força de média cidade européia.

b) A União Européia não dispõe de forças armadas, não coordena alianças militares, e apesar do novo pilar da Segurança Comum e da Política externa, implementado após Maastricht, não existem grandes programas que possam caracterizar a priorização da área. b) O poder normalmente imputado aos funcionários das instituições Européias é superdimensionado. A possibilidade de definição de políticas baseadas nos interesses dos funcionários supranacionais é mínima, pelo fato de que o processo decisório impõe "filtros" a este tipo de ação. De acordo com Moravcsik: "Passing legislation in the EU is thus, mathematically speaking, more difficult than passing a constitutional amendment in the US system. Once legislation is in place, moreover, EU officials enjoy relatively little formal autonomy in its implementation a generalization with few exceptions" 54

Os funcionários supranacionais possuem um papel pouco relevante para a maior parte das políticas comunitárias que são implementadas nos Estados-membros. Sua maior relevância está ligada a definição de normas, o monitoramento dos Estados-membros e o desenvolvimento de novas proposições para as comissões ligadas às instituições supranacionais mais relevantes. Assim, a noção de amplos poderes e de sua centralidade no processo decisório (Comitologia) pode ser colocada 54

Moravcsik (2000) Pág. 2 40

em dúvida. Com raríssimas exceções (políticas monetárias e alguns Fundos de fomento e desenvolvimento regionais) o cotidiano da política Européia é dominado por funcionários nacionais e juízes. d) As instituições da União Européia estão sob direto ou indireto controle democrático. A idéia de que a União Européia funciona sem um suporte democrático tem levado a vários equívocos relacionados ao chamado "déficit democrático". O Parlamento Europeu é composto por "Eurodeputados" eleitos, com mandatos de 5 anos. O Conselho de Ministros é composto por Ministros dos Estados-membros, indicados por governantes eleitos ou escolhidos por seus legítimos parlamentos. O Conselho Europeu é composto pelos legítimos chefes de estado e governo dos Estados-membros. Os Comitês Econômico-social e das Regiões representam os setores sociais institucionalizados, como Centrais Sindicais Européias ou mesmo Organismos de Defesa dos Consumidores Europeus, no primeiro e representantes das Administrações regionais e locais, eleitos, no segundo. Mesmo os Comissários e os Juízes são indicados diretamente por governos nacionais eleitos. A existência de algum tipo de controle democrático sobre as instituições européias não significa, porém, que não se possa expandi-lo ou aprofundá-lo. e) Imperfeições e limitações quanto ao controle democrático e ao processo decisório têm sido verificadas inclusive em contemporâneas democracias parlamentares. Neste ponto não há interesse em estabelecer dicotomias entre eficiência e democracia. O ponto crucial está ligado ao fato de que mesmo em arranjos democráticos majoritários (eventualmente em consensuais), é comum a existência de esferas não majoritárias no processo decisório. A discussão neste ponto deve ser realizada com o amparo conceitual do Constitucionalismo e do Federalismo. O primeiro ponto, já discutido anteriormente, encerra uma discussão sobre Governo limitado, divisão de poder e a "rule of law". Esta dimensão funda a legitimidade das instituições, no caso da União Européia, a ratificação pelos Estadosmembros dos Tratados, de Roma a Amsterdam. A relação entre Constitucionalismo e democracia tem sido umas das principais causas de equívocos sobre o "Déficit democrático". Democracia refere-se ao exercício do poder, e não sobre os fundamentos de sua limitação, em governos constitucionais. Partindo deste ponto podemos concluir que as instituições da União Européia possuem legitimidade constitucional, o que não implica que a parcela

41

não majoritária possua controles democráticos semelhantes instituições das democracias parlamentares contemporâneas.

às

A discussão que envolve o Federalismo, ao contrário, relaciona-se com o exercício do poder, com a democracia e a questão da soberania. Federalismo pode ser entendido por uma estrutura de Estado com múltiplos níveis decisórios, que são interdependentes e freqüentemente tomam decisões ao mesmo tempo.55 O federalismo requer um sistema dinâmico, onde a cooperação Federal-regional possa assumir diferentes fases em seus estágios de desenvolvimento e consolidação.56 Exemplo clássico são as Länders e o sistema Federal Alemão. Constantemente as Länders buscam fortalecer sua posição vis-a-vis o governo Federal, como recentemente no caso da incorporação da Alemanha Oriental e da assinatura do Tratado de Maastricht. 57 A União Européia não possui as características de um Estado Federal soberano. Alguns estudiosos chegam a duvidar da existência de uma comunidade política (polity); porém é majoritária a caracterização dessa comunidade como uma formação pré-federal, uma "polity" em transição, ou mesmo uma "mixed polity". 58 Se este entendimento é pertinente, podemos compará-la a arranjos federais. E em arranjos federais, ou mesmo em regionais, há bons motivos para se acreditar em uma provável redução do controle democrático sobre o processo decisório. Imaginemos três Estados independentes, três democracias constitucionais representativas. Cada governo possui seu poder, digamos, no campo da educação, tributação, comércio exterior e defesa. Em relação a cada uma destas quatro funções os eleitores exercem influência mediante seus representantes eleitos. Políticas de ensino mais adequadas, níveis de tributação, abertura comercial ou protecionismo, a composição, dispêndios e política de defesa, são decisões correntes, nas três "polities". Por uma série de motivos estas comunidades políticas decidem se integrar, e dividir suas soberanias, no campo da tributação, comércio exterior e defesa. Caso esta decisão tenha sido democraticamente processada em cada uma "polity", tal comunidade política integrada terá legitimidade formal. Por definição, a correspondência do interesse político na relação eleitores/comunidade será menor que nos três Estados independentes. Imaginemos que a maioria política da comunidade "A" exerça, 55 56 57 58

Maintz, citado por Schupert (1995). Pág. 330 Schupert (1995). Pág. 330 Hesse (1995). Pág. 15 Schupert (1995). Pág. 330 e Bellamy & Castiglioni (1996). Pág. 120 42

previamente a integração, grande influência sobre o nível de tributação, a natureza do comércio exterior, e a postura de suas forças de defesa. Na composição, suponhamos que esta grande maioria de "A" seja derrotada eleitoralmente pelos eleitores de "B" e "C". Esta situação teria ocorrido em um processo perfeitamente democrático em plano federal. A nova comunidade política não seria não-democrática. Porém haveria menor controle líquido de cada eleitor de "A", "B" e "C" sobre a nova "polity". Apesar desta ocorrência, os eleitores das antigas comunidades (especialmente em "A"), poderiam continuar a ter elevadas taxas de adesão ao novo modelo, pelo fato de que a agregação de recursos poderia resultar em maior bem-estar líquido para cada eleitor. Seja na política de defesa, no comércio, ou na tributação. Processos de integração, mesmo orientados democraticamente, freqüentemente resultam em redução individual líquida de controle democrático sobre o processo decisório, pois outros atores passam a ser centrais: os Estados e as instituições de monitoramento e operação dos compromissos regionais assumidos.59 Democracia pode ser genericamente mensurada pela proximidade, responsabilidade, representatividade e possibilidade de controle democrático dos governantes pelos governados, em uma dada comunidade política. Em um arranjo regional, onde a motivação seja econômica, comercial ou política, estes critérios sofrem importantes mutações. Assim, uma das propostas correntes que aparentemente resultaria em um antídoto para o "déficit democrático": o fortalecimento do papel do Parlamento europeu, pode ser entendida como uma forma de diminuição do controle democrático dos Parlamentos nacionais sobre o Conselho de Ministros, não resultando em solução para o problema, em caso de não federalização da União Européia. A conclusão relativa ao problema democrático e constitucional é evitar tratar a União Européia como uma ideal democracia parlamentar contemporânea, derivada do moderno Estado-nação, mas sim como um limitado modelo de comunidade política multi-nível em formação.

A criação de instituições de controle e operação é comum em arranjos regionais. Exemplos podem ser dados no Mercosul (Comissão de Comércio, Grupo do Mercado Comum, etc ) e na União Européia (Comissão Européia, Tribunal de Justiça e de Contas, dentre outras.) 59

43

3.2 - UNIÃO EUROPÉIA: DEMOCRACIA CONSENSUAL ? No ponto anterior discutimos as várias teorias do processo decisório da União Européia, refutamos sua caracterização como uma contemporânea democracia parlamentar, bem como discutimos sua grande semelhança com os formatos decisórios multi-nível, possíveis em arranjos regionais não federais, com alguma delegação de soberania. Porém uma importante discussão para o campo da democracia européia, apresentada por Lijphart, necessita de uma reflexão específica: a caracterização de seu formato de democracia como consensual ou consociacional. A hipótese levantada por este ponto é que a caracterização de Lijphart não atende às demandas para uma análise teórica sobre o arranjo regional Europeu. Em primeiro lugar pois, ao contrário do que Lijphart sugere, as instituições Européias pouco se aproximam do formato consensual, sendo seu centro decisório fortemente majoritário. Em segundo lugar, pela discussão que as análises que caracterizam os arranjos regionais não federais como estruturas derivadas da tradição das modernas democracias parlamentares possuem muito pouca consistência teórica. Em "Democracies II: Forms of governments and governments performance in thirty-six countries" Arend Lijphart estabelece dez distintas variáveis que, de acordo com os atributos dos Estados analisados, indicariam que as regras institucionais destas "modernas democracias" assumem um formato majoritário ou consensual. Lijphart analisa em 36 Estados soberanos, onde há clara distinção de poder e competências, o papel do executivo, do legislativo, do poder judiciário e das autoridades monetárias. Estas características permitem uma classificação destas democracias em uma escala Majoritarismo Consenso, mesmo com grandes distinções institucionais. Estados Presidenciais ou Parlamentares, Federais ou Unitários, Repúblicas ou Monarquias, constituem matizes próprios que não são impedimentos para a construção da escala, posto as diferentes esferas de competências entre os poderes. Porém, ao usar o exemplo da União Européia, Lijphart faz ressalvas quanto à condição (ainda) não soberana do bloco econômico, apesar de sua institucionalidade supranacional. 60 Sobre a divisão de poder Lijphart compara as instituições da União Européia aos Estados que adotam a forma de governo Parlamentarista: 60

Lijphart, Pág. 39. 44

" This is especially true for the European Council, which consists of the heads of government of the fifteen member states, meeting at least twice a year; its authority is informal and political rather than formal and legal, but it can exert great political influence and most of the major steps in the development of the European Community and, since 1993, of the European Union have been initiated by the European Council. Of the others institutions, the European Comission serves as the executive of the EU and can be compared to a cabinet; the European Parliament is the lower house of the legislature; and the Council of the European Union can be regarded as the upper house. The responsabilities of the European Court of Justice and the European Monetary Institute are clear from their names." 61

Por se tratar de uma instituição de “governança multi-nível”, a divisão de poderes na União Européia não segue a lógica tradicional dos Estados soberanos modernos, havendo uma dispersão de responsabilidades em várias esferas de poder. Assim é possível encontrar traços característicos do poder legislativo, tanto na Conselho de Ministros, quanto no Parlamento Europeu, ou até mesmo na Comissão Européia, pelo atributo em iniciar o processo legislativo, ou mesmo controlar sua agenda. Autores como Weiler, Haltern & Meyer, e Jachtenfuchs, argumentam que com relação a dimensão de governo a União Européia possui duas ou mesmo três esferas que “pervertem” a relação entre Executivo e Legislativo nos Estados democráticos modernos. Segundo Weiler, Haltern & Meyer o processo de decisão da União Européia, por seu volume, complexidade e rapidez, torna o controle parlamentar "mais uma ilusão que uma realidade".62 Após o Tratado de Maastricht, a União Européia se estabeleceu sobre três “pilares” ou domínios, da política externa e de segurança comum, das relações comunitárias (que envolvem os Tratados), e da cooperação em justiça e assuntos internos. O domínio da política externa e de segurança comum tem por característica o intergovernamentalismo, típico das instituições de cooperação internacionais. O domínio das relações comunitárias envolve a Comunidade Econômica, a Comunidade Atômica e a Comunidade do Carvão e do Aço, possuindo um caráter, quanto ao processo decisório, tipicamente supranacional (ou da soberania comunitária). O terceiro “pilar”, por sua vez, diz respeito aos assuntos internos da União Européia (saúde, comércio externo, políticas de harmonização em vários setores, telecomunicações, transportes, dentre outros), está relacionado ao nível das políticas comunitárias, em 61 62

Lijphart, Pág. 49. Weiler, Haltern & Meyer, Pág. 2. 45

processo denominado infranacionalismo. Neste nível o processo político ganha diferentes feições e se aproxima da racionalidade administrativa, com baixo nível de controle democrático em negociações pouco transparentes entre comitês, em organismos comunitários, como os que estão sob a responsabilidade da Comissão Européia. Um processo decisório “multi-nível”, em parte supranacional, em parte intergovernamental, ou mesmo infranacional, resulta em uma “engenharia institucional” distinta e aparentemente contraditória a compreensão “Parlamentar” de Lijphart sobre as instituições de governo da União Européia. Lijphart, ao considerar o Parlamento Europeu como “Câmara baixa” e o Conselho de Ministros como “upper house”, entende que a assimetria entre as duas instituições se refere aos distintos papéis desempenhados no processo Legislativo. Neste ponto Lijphart não atenta para o fato que as duas instituições são representações de arenas decisórias distintas e não necessariamente complementares, vinculadas ao formato supranacional (Parlamento) e intergovernamental (Conselho de Ministros). Assim, o uso de algumas variáveis que permitem a composição de um quadro majoritário ou consensual de democracia perde força explicativa, à medida que importantes características sofrem prejuízos: o balanço de poder entre executivo e legislativo, a idéia de Federalismo e governo descentralizado, bem como um forte bicameralismo.

1- A DIVISÃO DE PODER NO EXECUTIVO EM GABINETES COM AMPLA COALIZÃO. O Poder executivo da União Européia é bem caracterizado através da Comissão Européia. A Comissão é composta por 20 membros, indicados pelos 15 Estados-membros, sendo que as grandes economias indicam dois Comissários (Reino Unido, França, Itália, Alemanha e Espanha) e as demais apenas um. O Presidente é escolhido através de negociações pelos chefes de Estado e de governo, reunidos através do Conselho Europeu. O Parlamento Europeu possui o direito ao voto de aprovação de toda a Comissão. Lijphart trabalha com a noção de que, tendo em vista uma composição que permite a inclusão da gama esquerda – direita, a Comissão seria um espaço político de coalizão, permitindo uma real divisão do poder

46

comunitário. Esta percepção é obviamente correta, porém entende a divisão de poder apenas por um aspecto. A dispersão quanto à orientação ideológica dos “Comissários”, em um eixo esquerda – direita, deve ser observada não apenas internamente aos Estados-membros, mas entre os distintos Estados-membros, ou seja, na política Européia. Assim, é de se esperar que a orientação do eleitorado Europeu, por exemplo, nas recentes eleições para o Parlamento europeu, guarde alguma proporção com a composição política da Comissão. Esta proporção é nitidamente distorcida, em função de que 11 Estadosmembros indicam apenas um Comissário, invariavelmente ligado a coalizão situacionista. Nas demais Nações existem distorções de representação, como no caso atual Alemão, onde o Partido mais votado nas recentes eleições ao Parlamento Europeu (Partido Popular Europeu), que conseguiu 47 em 99 cadeiras, não conseguiu indicação de um de seus membros para compor a Comissão Européia. Um partido minoritário, com apenas 12 cadeiras, conseguiu indicar a atual Comissária do orçamento da União Européia, a “Verde” Michaele Schneyer. Um problema adicional para a afirmação da adequada distribuição de vagas da Comissão entre os Partidos, em uma ampla coalizão, está relacionado ao fato de que há um mandato de cinco anos para os Comissários, revogável, apenas em situações extremas, através de moção de censura pelo Parlamento. O longo mandato contradita com o dinamismo político em vários Estados Europeus, onde oscilações eleitorais no eixo esquerda - direita não são infreqüentes, característica de seus sistemas parlamentaristas de governo. As mudanças de orientação não ocasionam alterações na Comissão, gerando um distanciamento na representação político-eleitoral entre Estadosmembros/Comissários. Este distanciamento suporta a noção de supranacionalidade, caracterizada como uma dimensão institucional soberana, porosa, porém que guarda certa autonomia aos Estados-membros. Na Comissão Européia, portanto, o processo de escolha de políticas não é, exatamente, a soma dos interesses dos Governos e partidos, sejam eles nacionais ou Europeus. Assim, a Comissão Européia, como poder executivo, não se caracteriza como um espaço de representação dos diferentes focos de identidade política da comunidade. Também não representa os Governos dos Estados-membros, muito menos os partidos políticos Europeus. Talvez represente os maiores partidos governistas nacionais, porém apenas no

47

período de sua composição, não compreendendo as mudanças de orientação política do eleitorado europeu. 2- BALANÇO DE PODER LEGISLATIVO/EXECUTIVO Após os Tratados de Maastricht e Amsterdam o Parlamento Europeu assume novas funções, através dos procedimentos co-legislativos (em conjunto com o Conselho de Ministros) e do poder de veto em muitas matérias. Estas atribuições são acrescidas às tradicionais tarefas: controle e fiscalização da Comissão Européia, bem como aprovação do orçamento da União. Não obstante as novas responsabilidades, o Parlamento não é a casa legislativa Européia, esta missão é confiada ao Conselho de Ministros. Assim, para uma avaliação quanto às relações legislativo/executivo, deve-se considerar além do Parlamento, o Conselho de Ministros e a Comissão Européia Lijphart entende que a Comissão Européia não possui poderes predominantes sobre o Conselho de Ministros. Talvez a assimetria seja inversa. O Conselho de Ministros é a principal instituição da União Européia. Representa os Governos, em um arranjo tipicamente intergovernamental. A Comissão Européia e o Parlamento Europeu são expressões da supranacionalidade. A Comissão Européia por suas características constitutivas se aproxima ao formato de um organismo tecnocrático, com baixo controle democrático e transparência. As críticas quanto ao "déficit democrático" da União Européia estão concentradas em sua grande independência, frente aos Estados-membros ou a pressão popular. Cristiansen avalia que o principal problema está ligado a sua abstrata representação comunitária: "Its allegiance it less to the specific interests of either member states or the 'people', but rather to the much more abstract acquis communautaire. Together with the Court of justice, the Comission produces legislation and supervises its implementation, independent of member state interests or popular pressure"63 Cristiansen. Pág. 8 (1997). "Acquis communautaire" significa o conjunto de direitos e obrigações comuns que os Estados-membros estão obrigados a cumprir na União Européia. Fundado pelo Tratado de Roma e pelos instrumentos jurídicos subsequentes (Ato Único Europeu, Maastricht), se desenvolveu através da legislação secundária referente às políticas comunitárias comuns. 63

48

Certamente a Comissão não predomina nas relações com o Conselho de Ministros, porém controla sua pauta. A exclusiva competência da iniciativa legislativa permite à Comissão o controle da agenda decisória Européia, pois apesar de não definir diretamente a agenda do Parlamento, o faz em relação à agenda do Conselho de Ministros, que por sua vez aciona o Parlamento. Um outro problema diz respeito à ausência de controles democráticos frente aos trabalhos da Comissão Européia. Na prática, apesar de não decidir a legislação comunitária, a Comissão possui grande liberdade em implementá-las. 3- SISTEMA MULTIPARTIDÁRIO Os 626 Euro-deputados atualmente estão filiados a oito Partidos políticos Europeus. Há trinta e oito deputados avulsos, não filiados. Apenas dois partidos possuem mais que 10% das cadeiras: o majoritário PPE (Partido Popular Europeu), de centro, com fortes vínculos aos Partidos democrata-cristãos europeus, com 224 cadeiras (35,8%) e o PSE (Partido Socialista Europeu), com 28,7%, ou 180 cadeiras. O terceiro maior partido é o Partido Europeu dos Liberais, Democratas e Reformistas (ELDR), com apenas 43 cadeiras, ou 6,9%. Os outros cinco partidos, juntos, somam 142 cadeiras (22,6%), porém nenhum deles possui mais que 6,1%. Apesar de uma clara polarização entre o Partido Popular Europeu e o Partido Socialista Europeu, o que é amplificado com as constantes alianças entre Partidos de centro-esquerda, por um lado, e os de centro e centro direita, por outro, o modelo Europeu é claramente multipartidário, conforme comprova a tabela a seguir: Tabela 1: Partidos parlamentares efetivos, representação no Parlamento e fracionalização na União Européia (1994/1999) Eleição/ano

Nº de Partidos parlamentares efetivos

Nº de Partidos representados no parlamento

Nº Partidos com acima de 5% das cadeiras

Índice de fracionalização de Rae.

1994

4,2

9

5

0,76

1999

4,3

9

5

0,77

49

As alianças frequentes são, à esquerda: Socialistas Europeus (PSE), Verdes(V), Esquerda Unida Européia/Esquerda Nórdica Verde (GUE/NGL) e Aliança Radical Européia (ARE). Ao centro: Partido Popular Europeu (PPE), Partido Europeu dos Liberais, Democratas e Reformistas (ELDR), Grupo para a Europa das Nações (I-EdN), e União para a Europa (fusão dos antigos grupos “Forza Europa” e Aliança Democrática Européia). O grupo “NI”, diz respeito a deputados não-inscritos (sem filiação). A Tabela 2 também indica o número de 37 cadeiras ainda sem definição, em Junho/99. A distribuição partidária, após as eleições para o Parlamento, em Junho de 1999, é demonstrada a seguir: Tabela 2: Distribuição de cadeiras por Partido Político Europeu (Junho/99) PSE PPE 38

35

13

21

18

ELDR

37

17

UPE

43

GUE/NGL V 180

ARE I-Edn NI

224

?

LEGENDA: PSE: Partido Socialista Europeu PPE: Partido Popular Europeu ELDR: Partido Europeu dos Liberais, Democratas e Reformistas UPE: União para a Europa GUE/NGL: Esquerda Unida Européia/Esquerda Nórdica Verde V: Verdes ARE: Aliança Radical Européia I-Edn: Grupo para a Europa das Nações NI: Não inscritos ?: Sem filiação

50

O conjunto de deputados articulados na aliança de centro esquerda, que agregava 296 parlamentares em 1994, atualmente foi reduzido para 266. Os partidos de centro, ou centro-direita, saltaram de 292 em 1994, para 305 em 1999. Existem ainda 18 deputados não filiados (38 em 1994), que ocasionalmente se aliam ao bloco de centro. Não havia definição partidária de 37 deputados, conforme resultados do Parlamento Europeu, em junho de 1999.64 Esta constante articulação, na prática, polariza o sistema partidário Europeu. Porém, sob o critério do número de partidos parlamentares, ou mesmo da avaliação do número de partidos representados no Parlamento, há uma nítida característica multipartidária (9 partidos disputam as 626 cadeiras), com mediana fragmentação/dispersão (N= 4,2/4,3). Se utilizarmos outra classificação, como a proposta por Blondel, a União Européia estará próxima da caracterização de Sistema Multipartidário com Partido Predominante, onde a soma dos dois maiores partidos aproxima-se de 70% do total (66% em 1994), e a participação do maior partido está próxima a 40% dos votos. 65

4- REPRESENTAÇÃO PROPORCIONAL Entre as instituições Européias, a única que prevê mecanismos eletivos diretos é o Parlamento Europeu. O Conselho de Ministros, núcleo decisório de poder, a Comissão Européia, organismo executivo, e o Tribunal de Justiça possuem mecanismos distintos de composição. A representatividade política da Comissão Européia, conforme análise realizada na Pág. 14, comporta um elevado grau de desproporcionalidade, frente aos Partidos Europeus, aos Partidos políticos nacionais, ou mesmo em relação à dimensão populacional dos Estados-membros. A Alemanha, com 60 milhões de eleitores (99), indica apenas o dobro de Comissários (2) do que o minúsculo Luxemburgo, que possui apenas 210 mil eleitores. A supranacionalidade da Comissão justificaria a assimetria. Dados do Servidor do Parlamento Europeu (Jun/99) Blondel (1990). Obs: Na tabela 5. 1(Pág. 385) de Lijphart (1999), há um dado que indica que a classificação pode assumir o formato multipartidário indicado, porém com a variante de não possuir partido dominante. Em sua escala, adaptada de Blondel, um número efetivo de partidos próximo a 4,5 indica a ausência de predominância partidária. Em Nicolau (1996, Pág. 31), porém o dado de concentração (em torno de 40% dos votos) indicaria sistema multipartidário com partido dominante. 64 65

51

Porém, a representação política no Parlamento Europeu sugere um exame mais detalhado. As eleições parlamentares não seguem uma lógica única nos quinze Estados-membros. Há importantes variações de conduta, o que permite, por exemplo, que existam eleições não simultâneas, em dias e períodos diferentes. Sem acordo, as eleições são conduzidas por diferentes sistemas eleitorais. Nas Ilhas Britânicas o sistema é majoritário, com distritos de magnitude igual a 1. Nos demais estados-membros há a utilização do sistema proporcional, porém com grandes variações em relação a magnitude dos distritos eleitorais nacionais. Assim, na França, Grécia, Portugal, Dinamarca e Espanha, por exemplo, existe apenas um distrito por país, o que proporciona uma magnitude de 87, 25, 25, 16 e 64, respectivamente. Em campanhas nacionais é possível inferir que existam benefícios para os maiores partidos. No Reino Unido é possível a ocorrência de um alto índice de desproporcionalidade, podendo chegar a 49%, teoricamente. Na Alemanha há cláusulas de barreira para que um partido político atinja o mínimo necessário para ter direito a uma cadeira, 5%. Na Bélgica o voto é obrigatório, o que lhe dá o maior percentual de comparecimento Europeu (91% em 1999). Nos demais, onde o voto é facultativo, há índices próximos aos 25% apenas, tal como ocorreu no Reino Unido nas últimas eleições de junho de 1999. Esta assimetria permite importante desproporcionalidade no resultado agregado das preferências eleitorais da população européia. Inicialmente se tomamos por referência a proporção de eleitores como indicador de distribuição de cadeiras entre os Estados-membros (Tabela 3), concluise que há um elevado índice de distorção, que beneficia os menores Estados-membros, destaque para Luxemburgo, Irlanda, Dinamarca e Finlândia, e retira inúmeras cadeiras dos Estados-membros mais populosos, como a Alemanha, Itália e Reino Unido. Exceção para a França, com uma proporção exata entre população e cadeiras proporcionais no Parlamento Europeu. A hipótese a ser testada, neste ponto, é de que a distorção não apenas beneficia os menores Estadosmembros, mas também os menores partidos políticos, alterando a possibilidade de uma menor fragmentação.

52

Tabela 3: Proporção entre eleitores e cadeiras por Estadomembro no Parlamento Europeu. Estado membro

Alemanha Áustria Bélgica Dinamarca Espanha Finlândia França Grécia Holanda Irlanda Itália Luxemburgo Portugal Reino Unido Suécia Total

Número de Número Eleitores cadeiras no proporcional inscritos (1999) Parlamento de cadeiras

60.473.927 5.800.377 7.211.311 3.994.200 31.558.724 4.108.703 39.044.441 8.459.636 11.620.300 2.631.575 47.489.843 224.031 8.565.822 43.443.944 6.449.882 281.076.716

Balanço/c Distoradeiras ção %

99 21 25 16 64 16 87 25 31 15 87 6 31 87 22

134 13 16 9 70 9 87 19 26 6 106 1 19 97 14

- 35 +8 +9 +7 -6 +7 0 +6 +5 +9 - 19 +5 + 12 - 10 +8

- 35,5 62,0 56,2 78,0 - 9,1 78,0 0 31,6 19,2 150,0 - 21,8 500,0 63.2 - 11,5 57,1

626

626

-

-

Obs: Dados referentes ao eleitorado: Parlamento Europeu

As eleições européias de junho de 1999 modificaram o perfil político do Parlamento Europeu, até então majoritariamente de centro-esquerda. Apesar do crescimento dos Verdes, que saltou de 27 para 38 cadeiras, o Partido Socialista Europeu decresceu quase 20%, perdendo 34 cadeiras. O Partido Popular Europeu, democrata-cristão, foi o partido que colheu a maior vitória política, crescendo mais que 10%, passando a ser o maior partido Europeu. Os resultados gerais estão presentes na Tabela 4, a seguir:

53

Tabela 4: Resultados das eleições para o Parlamento Europeu (Junho/1999) Estadomembro/ Partido

Alemanha Áustria Bélgica Dinamarca Espanha Finlândia França Grécia Holanda Irlanda Itália Luxemburgo Portugal Reino Unido Suécia TOTAL

PSE

PPE ELDR UPE

33 53 7 7 5 6 3 1 24 29 3 5 22 15 9 9 6 9 1 4 17 32 2 2 12 9 30 36 6 7 180 224

5 6 2 5 8 1 1 1 10 4 43

6 9 2 17

GUE/ NGL

V

6 1 4 1 6 5 1 6 2 3 35

7 2 5 2 9 4 2 2 1 2 2 38

ARE I-EdN NI

2 2 7 2 13

4 13 3 1 21

5 2 5 5 1 18

?

Total

1 3 17 2 1 8 5 37

99 21 25 16 64 16 87 25 31 15 87 6 25 87 22 626

Em uma simulação onde mantêm-se a proporção idêntica de votação nos partidos Europeus nas eleições de junho/99, alterando-se a distorção no número de cadeiras por Estado-membro, teríamos a seguinte configuração política:

54

Tabela 5: Simulação de resultados eleitorais para o Parlamento Europeu, com correção de distorções através da proporcionalidade por número de eleitores em 1999. Estadomembro/ Partido

Alemanha Áustria Bélgica Dinamarca Espanha Finlândia França Grécia Holanda Irlanda Itália Luxemburgo Portugal Reino Unido Suécia TOTAL

PSE

PPE ELDR UPE

45 72 5 4 3 4 2 1 26 32 2 3 22 15 7 7 5 7 1 2 21 39 1 9 7 34 40 4 5 186 239

3 3 2 3 7 1 11 2 32

2 11 1 14

GUE/ NGL

V

8 1 5 6 4 1 7 2 2 36

9 1 4 1 9 3 1 2 2 1 33

ARE I-EdN NI

1 2 9 2 14

2 13 3 1 19

3 1 5 6 1 16

?

Total

3 17 1 10 6 37

134 13 16 9 70 9 87 19 26 6 106 1 19 97 14 626

O exercício realizado, aparentemente, confirma a hipótese apresentada na Pág. 51. Caso seja somado o número de cadeiras obtidas pelos Partidos Socialista e Popular nas eleições de 1999, chega-se a 404, o que percentualmente eqüivale a 64,5% do total de cadeiras. Utilizando a Tabela 5 o número cresce para 425, equivalente a 68%. O somatório de cadeiras "adicionais" ocupadas por partidos que possuem 5% ou menos da representação do eleitorado chega a vinte e uma. As cadeiras "adicionais" demonstram que as distorções apontadas no sistema eleitoral Europeu resultam em uma maior fragmentação parlamentar, em claro benefício aos menores partidos. Assim, o princípio da representação proporcional não é atendido plenamente na União Européia, seja na Comissão, no Conselho de Ministros, ou mesmo no Parlamento Europeu, enfraquecendo a tese de Lijphart, que caracteriza o bloco como uma democracia consensual.

55

5- GRUPOS DE INTERESSE Um dos atributos mais importantes na caracterização de uma democracia de consenso é o grau de institucionalização em que os grupos de interesse da sociedade se relacionam com o poder político. No sistema majoritário tradicional os grupos de interesse atuam de forma independente, não coordenada, em um pluralismo aberto sem centralização da representação. Para Lijphart a idéia de Democracia consensual estaria mais próxima ao arranjo Corporativista, ou ao “Corporativismo democrático”. Segundo Schmitter, o Corporativismo teria duas características centrais: a) Grupos de interesse abrangentes e relativamente grandes em tamanho, porém relativamente pequenos em número; e b) Coordenação nacional em fortes organizações.66 Estes pontos não são facilmente identificáveis nas estruturas políticas e de representação Européias. Tal qual a aparente ausência de fortes Partidos políticos que apresentem e defendam temas Europeus na “polity” comunitária, as articulações de trabalhadores, empresários, ou mesmo consumidores em âmbito Europeu não se consolidaram em um arranjo corporativo. O processo decisório ainda é centralizado nos governos dos Estados-membros, através do Conselho de Ministros, porém há uma importante inovação. Após Maastricht ganha novas funções o Conselho Econômico e Social, espaço político consultivo onde 222 lideranças dos quinze Estados-membros se reúnem e emitem pareceres sobre assuntos pautados na Comissão ou no Conselho de Ministros. O Conselho, após 1992, passa a emitir pareceres por sua própria iniciativa, sem necessidade de acionamento pela comissão ou Conselho de Ministros. Algo em torno de 15% de seus pareceres são realizados por motivações internas. O Conselho é composto por setores organizados em grandes grupos relativamente homogêneos: patronal, trabalhadores e atividades específicas. Na prática, porém, o Conselho emite pareceres apenas sobre um número limitado de questões, não possui caráter deliberativo, e seus membros são indicados pelos Governos, com um "mandato" de quatro anos. De acordo com Cristiansen os interesses empresarias mais fortes na União Européia não se fazem presentes no Conselho Econômico Social, mas sim na Comissão Européia. Os comissários adotam um comportamento típico de empresários (entrepreneurs), o que resulta em 66

Schmitter (1989) 56

uma organização tecnocrática e de baixo controle democrático. A questão é ainda agravada pelo excesso de comitês criados pela Comissão, onde os interesses privados se articulam mais facilmente em esferas "técnicas" altamente especializadas em assuntos como comércio, agricultura, tecnologia, dentre outros.67

6- GOVERNO FEDERAL E DESCENTRALIZADO A União Européia não é um organismo unitário, de poderes altamente centralizados, incorporando apenas as maiorias políticas, como em arranjos "Westmister". Nas instâncias intergovernamentais típicas, como o Conselho de Ministros, a existência de barganhas e alianças tipificam a noção de poder compartilhado. Porém, nas instâncias supranacionais a lógica não é a mesma. Na instância executiva, Comissão européia, há um descompasso entre a soma dos interesses nacionais e as decisões supranacionais. A centralização é notória e o processo de decisão política ganha certa independência frente aos estados-membros, aos partidos europeus, e as instituições políticas no geral. Por não se tratar de um Estado autônomo, o critério apresenta pouca contribuição para uma avaliação majoritária ou consensual.

7- FORTE BICAMERALISMO O critério apontado por Lijphart para um "forte federalismo" define que as duas casas parlamentares, a câmara alta e baixa, sejam diferentes em sua composição, mas iguais em importância e poder. Lijphart aponta a câmara alta como sendo o Conselho Europeu, e a câmara baixa como o Parlamento Europeu. O Conselho de Ministros é efetivamente o espaço deliberativo sobre a legislação comunitária. Sua composição é distinta, senão oposta ao Parlamento. Seus membros são indicados, em proporções idênticas (apenas um por Estado-membro), e votam com pesos relativos, entre 2 e 10 votos. As decisões são tomadas por unanimidade (maioria), ou quando uma proposta agrega 62 votos.

67

Cristiansen (1996, Pág. 88) 57

Decide por meio de regulamentos, que valem para todos os 15 Estados-menbros, indistintamente, e têm poder vinculante, o que define alterações nas legislações nacionais, em caso de desacordo. Pode também decidir através de diretivas, que fixam objetivos, porém não define meios para que o Estado-membro as execute. Decisões são ligadas a temas específicos, sendo obrigatórias para os "destinatários", seja Estado-membro, empresas ou mesmo indivíduos. Por fim cabe ao Conselho atuar através de recomendações e pareceres, que definem apenas opiniões, sem valor jurídico obrigatório. O Parlamento Europeu possui consideravelmente menos poder que o Conselho. Apesar dos mecanismos recentes de co-decisão, a legislação comunitária continua sendo definida pelo Conselho de Ministros. Ao Parlamento cabe a decisão somente em quatro procedimentos legislativos: a) Consulta: Consiste em um parecer demandado pelo Conselho, a partir de uma iniciativa da Comissão, antes da adoção de uma proposta legislativa. Aplica-se, somente, a revisão de preços agrícolas; b) Procedimento de cooperação: Significa o aperfeiçoamento de um projeto de lei, por meio de alterações. É possível alteração na posição da Comissão e do Conselho, porém é restrita a áreas do meioambiente, do desenvolvimento regional e da cooperação. c) Procedimentos de co-decisão: Nesta modalidade há a criação de um comitê conjunto entre Parlamento e Conselho, com participação da Comissão, que buscam, através de acordo, o texto comum a ser aprovado. Aplica-se a uma série de questões, como defesa do consumidor, cultura, saúde, etc. d) Parecer favorável diz respeito às decisões internacionais, porém cabe ao Parlamento aprovar ou recusar determinado texto, sem direito a emendas ou alterações. A assimetria apontada entre os poderes do Parlamento e do Conselho não permitem uma caracterização de forte bicameralismo, conceito associado à noção de democracia consensual.

58

8 - RIGIDEZ CONSTITUCIONAL É possível entender os Tratados Europeus como uma forma "constitucional" para arranjos supranacionais, em aproximação às constituições que suportam regimes federais. 68 Os Tratados e a legislação subseqüente compõem o conceito de "acquis communautaire", suporte jurídico para a União econômica e política. Neste ponto, há grande rigidez quanto à possíveis alterações. Os Tratados de Maastricht, em 1992, que instituiu a união econômica e o Euro, e o Tratado de Amsterdam, de 1997, que aperfeiçoa Maastricht e trabalha a questão da ampliação para os países do Leste Europeu, foram antecedidos por grandes conferências intergovernamentais. Estas conferências são criadas mediante demonstração de vontade da maioria dos Estados-membros. As negociações, artigo por artigo, acontecem mediante representação dos governos nacionais. Completadas as negociações, os chefes de estado e Governo, convocados em uma "cimeira", definem as alterações nos Tratados, com um importante detalhe: apenas decisões unânimes asseguram as alterações. Assim, há extrema rigidez "constitucional", talvez em excesso.

9- REVISÃO JUDICIAL O Tribunal de Justiça Europeu, composto por 15 juízes indicados pelos Estados-membros tem a prerrogativa da revisão judicial, bem como declarar leis nacionais e comunitárias como "inconstitucionais", ou em desacordo com os Tratados. Sem um paradigma constitucional claro, fundado no conceito de "acquis communautaire", o maior problema se relaciona a dificuldade em estabelecer um critério hierárquico entre fontes legais distintas. Os Tratados estabelecem regras específicas para questões econômicas, políticas, e após Maastricht, também militares. Porém os direitos e garantias constitucionais comunitários não fazem parte dos Tratados. De acordo com Ferrajoli: "Nowadays, because of the irrationality of its institutional structure, the European Union in particular, is a political actor that operates without a 68

Saunders (1996, Pág. 52) 59

constitution. It possesses a Parliament with consultative and controlling, but no legislative functions, a Council of ministers with normative functions, but which is free from parliamentary control, a comission with administrative functions, but which are largely independent from those of the Council, and a Court of Justice with many, but largely irrelevant competencies". 69

10- BANCO CENTRAL INDEPENDENTE O Banco Central Europeu, condutor da política monetária, é o sucessor do Sistema Monetário Europeu (sistema de Bancos Centrais Europeus), que deixou de existir após a entrada em cena do Euro, moeda única da União Européia. A proposta original dos estados-membros contemplava total independência do Banco em relação às políticas monetárias e econômicas nacionais. O Banco Central Europeu, como instituição monetária independente, seguiria o modelo do Federal Reserve Americano e do Bundesbank, alemão. Estas instituições, dotadas de grande credibilidade internacional, foram construídas sob esta premissa. Porém, independência não deve significar ausência de controle social e político. A inexistência, na prática, de controles político-partidários não pode resultar em falta de transparência. Na prática o Banco possui grande independência. Este ponto buscou, em primeiro lugar, conceituar as instituições e o processo decisório da União Européia. Esta etapa se mostrou essencial para que se pudesse analisar as dez características apresentadas por Lijphart, características que juntas, demonstrariam a aptidão da democracia Européia para o modelo consensual, em contraposição ao majoritarismo "Westminster". Esta análise levou em consideração os itens: Divisão de poder em gabinetes de coalisão, Balanço de poder entre legislativo e executivo, Sistema multipartidário, Representação proporcional, Grupos de interesse/Corporativismo, Governo federal e descentralizado, Forte bicameralismo, Rigidez constitucional, Revisão judicial e Banco central independente.

69

Ferrajoli (1996, Pág. 157) 60

Dentre estes dez pontos apenas alguns se aproximaram fortemente às características gerais de Lijphart. O inequívoco Multipartidarismo no Parlamento Europeu, a Rigidez constitucional que impede alterações frequentes nas "higher laws" comunitárias, a possibilidade de Revisão constitucional, o que impediria a concentração excessiva de poderes no Conselho de Ministros e a proposta de um Banco Central independente. Esta última, ainda pouco testada, na prática, posto o pequeno período de existência do Banco Central Europeu. Outros critérios, não obstante, se distanciam do modelo da "Democracia consociacional". A divisão de poder não se dá, atualmente, em ampla aliança na Comissão Européia. Sua composição não guarda proporções senão com os partidos majoritários nos Estado-membros. Analisando, por outro lado, as relações de poder entre a Comissão Européia e o Parlamento Europeu, pode-se observar que a primeira prevalece como instituição política, em uma situação que o Parlamento não legisla plenamente. A representação política Européia também carrega inúmeros problemas, os mais importantes dizem respeito as distorções trazidas por sistemas eleitorais distintos, assimetria na realização das eleições Européias, inclusive com a utilização de critérios majoritários, bem como grandes distorções para o acesso a cadeiras legislativas entre os Estadosmembros. A União Européia também não se revela um sistema bicameral equilibrado. A "Câmara baixa" (Parlamento) é frágil em comparação a "upper house" (Conselho de Ministros). Os demais ítens parecem inapropriados para a análise de um arranjo democrático encontrado em um formato que não se enquadra como Estado-nação moderno. Esta talvez seja a grande restrição, pois a União Européia é, ao mesmo tempo, instituição intergovernamental e supranacional; porém não é um Estado soberano, não possui território delimitado, uma constituição que assegure direitos e deveres, ou mesmo um governo ou um legislativo (Conselho de Ministros) eleitos. Até que seja criada a "Federação Européia", talvez seja mais apropriado analisar a União Européia em comparação ao seu sistema político mais próximo, às organizações internacionais ligadas ao Regionalismo e à integração entre Estados-nações: as áreas de livre-comércio, as uniões aduaneiras, os mercados comuns.

61

3.3 UNIÃO EUROPÉIA: SÃO NECESSÁRIAS EXCLUSIVAS PARA SUA EXPLICAÇÃO?

TEORIAS

Há um aparente consenso entre autores ligados aos "Estudos Europeus". Tal consenso supõe que a União Européia possui um arranjo políticoinstitucional e um processo de integração singulares. Caporaso entende que há diferenças na qualidade do processo de integração, sendo de grande dificuldade estabelecer analogias correntes com outros arranjos regionais.70 Esta singularidade talvez tenha sido criada pelo próprio desenvolvimento institucional, mas parece haver bons argumentos para creditar o aparente insulamento dos "estudos europeus" ao eurocentrismo acadêmico dos anos 60 aos anos 80, e a falta de interesse em esquemas de cooperação regional.71 A União Européia possui uma série de características que a situam como o mais complexo, densamente institucionalizado e supranacional regime no mundo. Porém esta singularidade não invalida a importância de estudá-la em uma perspectiva comparada. Esta afirmação contradiz uma série de estudos anteriores, como aqueles realizados por Sandholtz & Zysman, e por Ernest Haas. 72 De acordo com tais estudos, a noção de supranacionalidade, revelada desde a Comunidade do Carvão e do Aço, em 1951, impediria a generalização dos "Estudos Europeus". A ação de grupos organizados, o "Mercado Único", os Tratados de Roma e o "Ato Único Europeu", e o próprio êxito do primeiro momento de ampliação do número de Estadosmembros (inclusão de Espanha, Portugal e Grécia), aparentemente promovem a idéia que a teoria da integração Européia estaria ligada aos estudos políticos domésticos e não a política internacional. A ausência de comparação do processo político e decisório afastou os "Estudos Europeus" da política comparada e dos estudos de Política internacional. Este distanciamento pode ter resultado na extensa tradição Européia em buscar metodologias e aparatos teóricos que possam explicar tal singularidade. Assim, tal processo de afastamento a outras experiências de regionalismo, já construídas na década de 70, como ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático), CAN (Comunidade Andina) e ALALC (Associação Latinoamericana de Livre Comércio), aproximou a Teoria da Integração, da democracia e do processo decisório Europeu às teorias políticas do Estado-nação 70 71 72

Caporaso (2000). Pág. 1 Hurrell (1995). Pág. 25 Sandholtz & Zysman (1989), Haas (1964) 62

moderno e contemporâneo, especialmente vinculadas às experiências das democracias parlamentares Européias. Caporaso entende que a especialização teórica foi causada por pressões acadêmicas e não por explícitas dissensões filosóficas em relação aos estudos dos regimes supranacionais/regionais: "My main argument has been that treatment of the EC as a special case has been mostly by disciplinary pressures, the increasing academic division of labor, and the growing complexity of the EC itself, rather than by explicit philosophical argument".73

A ampla especialização dos "Estudos europeus" permitiu um intenso debate sobre unidades de análise específicas, movimentos sociais, grupos de interesse, redes de políticas públicas, decisões legislativas, dentre outras, divididas em subsistemas da "comunidade política Européia". A noção de que a União Européia estaria incluída em um universo mais amplo ligado às teorias da integração regional não faz parte do núcleo central de teses dos "Estudos Europeus". Não obstante, mesmo sem negar as singularidades das instituições e do processo de integração, é possível, e necessário, buscar conexões na esfera da política internacional e dos estudos comparados em integração regional entre a União Européia e outras experiências em campos correlatos. Moravcsik entende que as insuficiências do debate atual ligado ao campo da pesquisa sobre a União Européia tem por causa, não a ausência de criatividade e inovação teórica, mas especialmente a falta de confirmação das principais abordagens sob rigorosos testes empíricos. Haveriam quatro principais razões para esta ocorrência: a) Poucos estudos apóiam-se em hipóteses explícitas com padrões específicos para sua negação. Assim, é genericamente obscura a forma com que evidências que neguem as hipóteses centrais podem ser incorporadas ao debate. b) Poucos estudos testam teorias alternativas. De acordo com Moravcsik é comum que os "Estudos europeus" assumam determinadas explicações e ignorem abordagens alternativas74 c) Poucos estudos estão envolvidos em uma abordagem comparativa. 73 74

Caporaso (2000). Pág. 2 Sobre este assunto ver Pollack (1996). Pág. 430. 63

d) Poucos estudos estão baseados em sólidas fontes, como documentos governamentais, histórias orais múltiplas e sérias reconstruções de processos decisórios confidenciais. Entendidas como deficiências teóricas e metodológicas, os quatro pontos destacados contribuem para uma explícita crítica de Moravcsik a estudos acadêmicos menos rigorosos: "In sum, the normal research design in EU studies remain an isolated, anecdotal, unstructured case study grounded in secondary sources. The result: "confirmed" hypotheses and theories about the EU proliferate without bound. Yet where hypotheses are rarely rejected, they are rarely being truly confirmed. The ultimate goal should not to be to add yet theory of integration, but (finally) to remove some that empirically vulnerable". 75

A hipótese defendida neste capítulo é que apesar da União Européia representar um caso único, singular, suas teorias devem suportar ser genericamente aplicadas, no campo da política e da integração regional, em outras articulações regionais, como Mercosul, NAFTA (Área de Livre Comércio da América do Norte), SADC (South African Development Community), ou mesmo para organizações internacionais como a OMC (Organização Mundial do Comércio), ou mesmo a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Portanto, entende-se que apesar de derivarem de uma estrutura única, as teorias produzidas pelos "Estudos Europeus" necessitam de validação em arranjos semelhantes. Os motivos são os seguintes: a)

A União Européia pode ser conceituada como um regime internacional, e especialmente após o "Single European Act", como um regime orientado para a integração econômica. Há a existência de uma política comercial comum, portanto pode ser comparada às categorias de Áreas de Livre-comércio, Uniões Tarifárias e Uniões Aduaneiras. Assim, a União Européia se aproxima do Mercosul, do NAFTA (Área de Livre-comércio da América do Norte), de COMESA (Área de Livre-comércio Centro-africana), da Comunidade Andina e de outros 50 regimes de livre-comércio atualmente em curso no mundo;

b) Como regime supranacional, a União Européia pode ser comparada à organizações internacionais como a OMC, e mesmo com o Mercosul, Comunidade Andina, SADC e COMESA, que possuem 75

Moravcsik (2000). Pág. 4 64

algum nível de autoridade supranacional. Segundo Pollack, o debate sobre "déficit democrático" ocorreria em outros arranjos. Seria visível em relação a Organização Mundial do Comércio, posto os enormes problemas ocorridos em recente encontro da OMC, em Seattle, Estados Unidos, em novembro de 1999, onde foi questionada a legitimidade e a ausência de controle democrático sobre suas instituições e processo decisório.76 Em relação ao Mercosul, é necessário frisar que, no caso da Argentina, por força de uma reforma na Constituição, as decisões do Conselho do Mercado Comum (organismo deliberativo intergovernamental) valem automaticamente para aquele Estado-parte. Portanto as decisões do Mercosul, ao menos neste caso, possuem natureza delegada supranacional. c)

Como organização internacional, e não como Estado Federal a União Européia pode ser comparada à Commomwealth (comunidade ligada ao Reino Unido), e a ALADI (Associação Latino-americana de Integração), por tomar decisões motivadas por barganhas intergovernamentais, orientadas por interesses dos estados que as compõem.

d) Como sistema decisório plural e como sistema produtor de decisões referentes a alocação de valores sociais, a União Européia, vista como uma comunidade política, pode ser comparada a outros sistemas políticos com processos decisórios superpostos ou múltiplos, como a Bélgica e a Suíça, denominados por Lijphart como "democracias consensuais".77

76 77

Pollack (2000). Introdução. Lijphart (1999). Pág. 39 65

CAPÍTULO IV: FEDERALISMO E "AGÊNCIAS DE REGULAÇÃO": CAMINHOS PARA O DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL DA UNIÃO EUROPÉIA ? Os capítulos anteriores apresentaram as instituições da União Européia e suas principais tensões contemporâneas. Dois níveis fundamentais de problemas foram discutidos. O primeiro, ligado à temática da soberania, o intergovernamentalismo (esfera nacional) e o supranacionalismo, questões recorrentes às Relações Internacionais. O segundo buscou analisar a União Européia como um arranjo político distinto ao formato Estado-nação, e as decorrentes questões da democracia, campo da Ciência Política, em especial da Política comparada. A intenção deste capítulo é: a) Articular a dimensão da soberania e da democracia para que seja possível analisar o uso de um modelo de delegação (quebra da representação ou "Agency Loss") nos Estudos do regionalismo, em especial à experiência européia; b) Analisar algumas possíveis interpretações para o desenvolvimento institucional da União Européia, buscando sugerir que o modelo de Federalismo alemão pode assegurar uma adequada alternativa, corrigindo algumas distorções decorrentes do "déficit democrático" e permitindo apoio de longo prazo à aliança econômica. Parte importante dos Estudos sobre democracia e soberania da União Européia utilizam metodologias que não permitem diferenciar a assimetria entre os "atores" que atuam na cena regional, em relação aos impactos redutores/ampliadores de soberania e controle democrático.78 Estados, governos, eleitores, partidos políticos, grupos de interesse, dentre outros, agem orientados por seus interesses na arena política da União Européia. A hipótese a ser avaliada é que a transferência de soberania do nível dos estados-membros para a esfera supranacional implica impactos desiguais entre os "atores" nacionais. Alguns recebem impactos redutores de controle democrático, outros não sofrem alterações, e é possível o fortalecimento, e não a redução, para pelo menos um "ator" no processo: o Estado-nacional.

78

Majone (1996), Schmitter (2000), Bankowski & Scott (1996) são exemplos. 66

4.1- CONTROLE DEMOCRÁTICO, DELEGAÇÃO E O MODELO DE "QUEBRA DA REPRESENTAÇÃO". Processos que buscam articulações regionais entre Estados soberanos demandam algum nível de representação. Mesmo em alianças realizadas sob o modelo de áreas de livre-comércio a existência de organismos ou instituições mediadoras da tensão nacional-regional indicam a importância de algum mecanismo representativo. No formato Estado-nação, a democracia representativa permite a delegação formal e legítima de poderes para representantes da soberania dos cidadãos. Assim, um ato de delegação ocorreria quando uma pessoa ou grupo, um "ator principal", seleciona outra pessoa ou grupo, um "agente", para agir em seu nome. Em uma eleição, por exemplo, os cidadãos seriam os "atores principais", e os representantes eleitos os "agentes", que os representariam no parlamento. As democracias parlamentares contemporâneas, segundo Lupia, possuem uma "cadeia de delegação", que seria a "coluna vertebral" da articulação democrática: "The typical chain includes a link that attaches voters to their agents (the members of parliament) a link that attaches members of parliament to their agent (the government) a link that attaches the government to their agents (individual ministers) and a link that attaches ministers to their agents (civil servants). So at one end of the typical delegation chain are citizens".79

Por outro lado, é possível sugerir que em arranjos regionais o processo é mais complexo, especialmente no modelo multi-nível europeu. Há múltiplos elos que ligam os eleitores europeus a vários representantes: aos parlamentares das regiões, nacionais e europeus. Os parlamentares europeus se ligam ao Presidente da Comissão Européia, aos Comissários nacionais, aos Governos nacionais e seus Ministros, aos Comissários das Regiões ou mesmo aos representantes do Conselho econômico-social. Não há um processo retilíneo onde um "ator principal" se reporte a apenas um "agente". Rotas plurais de delegação são construídas, criando uma lógica particular, com várias e superpostas cadeias de delegação. Na avaliação dos impactos da integração regional sobre o controle democrático em Estados soberanos a hipótese levantada é que a desagregação das relações entre "atores principais" e "agentes" 79

Lupia (2000). Pág. 16

67

envolvidos no processo permite importantes ganhos analíticos, dada a complexidade da relação arranjo regional/Estados/cidadãos. Desta forma, é possível avaliar reduções/enfraquecimentos ou eventuais fortalecimentos institucionais entre os "atores" envolvidos na relação. A base das críticas no que se designa comumente por "déficit democrático" é pertinente ao entendimento que a União Européia possui seu processo de decisão distante, tecnificado e sem controle do cidadão europeu. Esta parece ser sua dimensão crucial. Posto desta forma há um inegável reducionismo analítico, identificando como únicos atores do processo os cidadãos/eleitores europeus e o nível supranacional, representado freqüentemente pela Comissão Européia. Os demais atores, os Estados-membros, os partidos políticos, os grupos de interesses nacionais, dentre outros, encontram-se subsumidos na relação bi-unívoca. Em arranjos regionais, portanto, é perfeitamente plausível a hipótese de que alguns atos de delegação reduzam o controle nos processos e nos resultados do jogo democrático para determinados atores, mas ao mesmo tempo, para outros atores não. Para explicitar o modelo de "quebra de representação" envolvido na discussão é necessário utilizarmos um simples modelo de delegação, proposto por Roemer e Rosenthal, e adaptado por Lupia. 80 Para Lupia a delegação é um jogo entre dois jogadores, o "ator principal" (A.P.) e o "agente" (A). O "ator principal" representa uma pessoa que delegou uma tarefa particular. O "agente" representa a pessoa a quem a autoridade foi delegada. Este modelo pode ser observado pela figura a seguir: 1

X ACEITA X

A

PROPOSTA X є [0,1]

A. P.

REJEITA X

0

80

PR

Roemer & Rosenthal (1978) 68

O "agente" usou sua delegação para tomar uma decisão. O "agente" pensa em mudar uma decisão tomada no passado. Formalmente a representação da proposta de mudança de uma política do "agente" pode ser vista como: X ε [0,1]. A nova política seria uma alternativa ao Ponto de reversão (PR), ou seja, à política pré-existente, ou o "Status quo" atual. O "ator principal" pode aceitar ou rejeitar (manter o Statusquo) a proposta. A decisão do ator principal" em rejeitar a ação do "agente" pode ser pensada como um veto a uma decisão do "agente" ou a uma decisão para promover uma sanção ao "agente" em dose suficiente para reverter a uma posição anterior. Uma medida de delegação possível seria conseguida se o interesse do "agente" puder ser medido em Aε[0,1] e o interesse do "ator principal" A.P.ε [0,1]. Assim, tanto A.P. quanto A preferirão, em tese, que o resultado da delegação seja o mais próximo possível de seu próprio interesse. Este modelo presume completa informação entre os "jogadores". O modelo tem a possibilidade de revelar quatro mutuamente exclusivas e exaustivas situações, conforme demonstra a Figura abaixo: Situação 1

* _________________________________________ PR AP=A Situação 2

* _________________________________________ PR A AP

Situação 3

* _________________________________________ PR AP A

69

Situação 4 * _________________________________________ A PR AP A estrela significa o resultado previsto da delegação no modelo adaptado de Lupia (em um quadro de informações completas para os jogadores) O modelo apresentado indica que na situação 1 o "agente" e o "ator principal" possuem a mesmo idéia ou política. Esta é uma situação de equilíbrio onde a proposta do "agente" é aceita pelo "ator principal". Nesta situação imaginária, não há redução de representação (agency loss), o "agente" é um "agente" perfeito, e neste caso, não há redução de "accountability", em uma situação hipotética de delegação nacional para uma aliança regional. A situação 2 apresenta uma situação distinta. Aqui "ator principal" e "agente" possuem diferentes ideais, mas do mesmo lado em relação ao ponto de reversão (status quo original). De uma outra forma os dois possuem propostas na mesma direção, mas com intensidades diferentes. Assim, o "ator principal" prefere a posição do "agente" do que a manutenção do ponto de reversão. É assegurado algum nível de mudança. A situação 3 difere da situação 2 em um aspecto apenas. A proposta do "ator principal"está mais próxima do ponto de reversão do que a idéia do "agente". Isto pode significar que o "ator principal" queira manter o ponto de reversão, ao contrário de aceitar a idéia do "agente". Caso o agente tenha controle sobre as informações, ele não manterá sua proposta original, porém poderá propor alguma mudança. Em uma situação ideal, em equilíbrio, a escolha do "agente" será a mais próxima ao seu próprio ideal, desde que conte com a aceitação do "ator principal". A quebra de representação na situação 3 é ao menos tão grande ou maior que a quebra de representação nos casos anteriores. Na situação 4 há oposição entre as propostas do "ator principal" e do "agente" em relação ao ponto de reversão. Não há, em tese, alternativa para o ponto de reversão que estar em conveniência com as posições do "agente" e "ator principal". Em uma situação de equilíbrio, o resultado é

70

a manutenção do "status-quo", e a quebra de representação é dada pela fórmula: QR = PR - AP. 81 Qual seria a aplicação do modelo de Lupia para a análise da delegação e da democracia na União Européia? Em primeiro lugar o modelo trabalha com a noção de cadeias de delegação, buscando localizar os "atores principais" e seus "agentes" no processo decisório. É possível, portanto, desagregar atores diferentes e analisar níveis diferenciados de conformidade entre propostas não apenas entre dois tipos básicos de "atores": cidadãos e alianças regionais, mas aprofundar a questão entre partidos, Estados, grupos de interesse, entre outros. Usando este método, ao desagregar as relações entre "atores" nos níveis nacional e regional/supranacional na União Européia, a discussão do "déficit democrático" pode assumir outra característica. A partir de uma proposta popular para mudança de legislação a União Européia, através de suas instituições, avalia implementar um novo sistema de tomada de decisões dando mais poder ao Parlamento Europeu (eleito e canal legítimo de representação) e paralelamente reduzindo a importância política do Conselho de Ministros. Tome-se o eleitor/cidadão europeu como "ator principal" e o "Conselho de Ministros", organismo decisório, por "agente". O ponto de reversão, que assegura o "status quo" atual é definido por um papel de co-decisão do Parlamento, em parceria ao Conselho de Ministros, em casos restritos apenas. O modelo de delegação (situação 5) seria o que se segue: * _______________________________________ PR=A A.P. Neste exemplo a possibilidade de quebra de representação (QR) é definida por QR = A - A.P. Como o Conselho de Ministros, nesta hipótese, não admite perder o poder decisório, pois isto representaria um enfraquecimento dos Estados vis-a-vis ao Parlamento Europeu, a quebra de representação seria total. Porém observe-se a mesma proposta tomando por "agente" o Conselho de Ministros e por "ator principal" os Estados-membros. A representação gráfica poderia assumir a seguinte condição (situação 6): 81

Discussão adaptada de Lupia (2000). 71

* _________________________________________ PR = A.P. = A Pelo exemplo anterior, (situação 6) o ponto de reversão seria idêntico às posições do "ator principal" e do "agente". Tal configuração denotaria uma total fidelidade do "agente" às proposições do "ator principal", Conselho de Ministros e Estados-membros, respectivamente. Não há quebra de representação, portanto, caso o conceito de controle democrático seja mensurado pela fidelidade aos resultados da ação delegada, o processo seria totalmente "accountable". É possível imaginar um movimento intermediário. Caso um importante partido nacional de um grande Estado-membro, por exemplo o Partido Social-democrata alemão, defenda em plano europeu, junto aos demais partidos sociais-democratas e ao Partido Socialista Europeu (2º maior partido presente no Parlamento Europeu) a parlamentarização das decisões na União Européia, o resultado poderia ser distinto. Na hipótese do partido (agente) estar representando interesses da maioria do eleitorado europeu (ator principal), mas ao mesmo tempo suportando politicamente o gabinete alemão (que busca manter o "status quo", na hipótese); o resultado poderia ser como demonstrado a seguir (situação 7): * _____________________________________ PR A AP Nesta situação o "agente" encaminha uma situação intermediária, que busque uma maior representatividade do parlamento Europeu frente aos interesses dos eleitores, porém seus compromissos de governo, nacional e regional, o impedem de uma radicalização. Assim, um resultado intermediário pode ser esperado, permitindo um quadro de quebra de delegação, medido por QR= A - AP, porém menor que a situação anterior. De acordo com Lupia, é possível aferir a quebra de representação entre ator e agente por dois modos: o primeiro pelo método de controle sobre o processo. Assim:

72

"Civil servants are accountables to ministers if the ministers can influence the civil servants actions". 82

Outro método seria pelo tipo de resultados. Desta forma, os resultados seriam importantes para avaliação da fidelidade a representação: "For example, we may say that civil servants are accountables to ministers if the civil servants acts in the ministers interests. It is important to recognise, however, that the "process" and "outcome" definitions of accountability mean different things. To see the difference, note that a civil servant can provide outcomes that the ministers likes without the minister exercising any control (for example, the civil servant and minister share precisely the same policy goals, and the civil servant ignores the minister when making a decision)".83

Não apenas pela possibilidade de desagregação dos atores envolvidos no processo político regional, mas também pela hipótese teórica levantada por Lupia em aferir delegação por meio de duas abordagens distintas, o modelo "agency loss", ou Quebra de Representação, pode produzir o recurso metodológico adequado para que sejam avaliadas as propostas correntes que sugerem a parlamentarização da União Européia. O Parlamento Europeu, visto como centro da representação dos cidadãos Europeus, carece de uma fundamentação social e política. A base da democracia representativa é a noção de "demos". O termo se refere a idéia de uma sociedade européia que se coloca além das divergências de opiniões e interesses, para dividir os mesmos direitos sociais e políticos, onde todos os membros da comunidade se encontram sob as mesmas regras voluntariamente consentidas. 84 Tendo em vista a heterogeneidade européia, que em breve deve possuir mais que vinte Estados-membros (após sua próxima ampliação), é muito difícil imaginar que uma "demos" européia emerja. É também muito improvável que um espaço público, onde os cidadãos apresentem e negociem seus interesses e pontos de vista, surja para dar sentido político a proposta. A inexistência de um espaço político público dificulta o debate das idéias. A decorrente ausência de canais de mediação entre a opinião política dos cidadãos europeus e o "governo comunitário", bem como a fragilidade do sistema partidário, não permitiria que a "voz" do cidadão fosse levada ao nível decisório.

82 83 84

Lupia (2000). Pág. 18 Lupia (2000). Pág. 18 Kohler-Koch (1999). Pág. 8 73

A heterogeneidade linguística, cultural e social talvez pudesse ser superada pela elite européia cosmopolita, mas dificilmente o cidadão europeu mediano poderia fazê-lo. Deste modo a distância entre "agentes" e "atores principais", levando em consideração apenas cidadãos e Parlamento supranacional, redundaria em uma instituição sujeita a um menor controle democrático e mais independente. Como decorrência, a proposta de Parlamentarização não resolveria o problema da delegação entre "agente" e "ator principal", mas o agravaria, dentro do atual quadro institucional.

4.2 TRAZENDO OS CIDADÃOS EUROPEUS AO CENTRO DO DEBATE: UMA ANÁLISE SOBRE AS PRINCIPAIS PROPOSTAS PARA O DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL DA UNIÃO EUROPÉIA. Neste trabalho de dissertação uma série de limites foram analisados para a realização do ideal democrático em um arranjo regional "sui generis", a União Européia. Por sua relevância institucional, pelo aprofundamento constante do processo de integração, pelo enfrentamento à questão sobre como articular democracia e eficiência em uma aliança de estados soberanos, a experiência Européia é um processo de grande relevância aos estudos do regionalismo e da política internacional. Tendo em vista o quadro internacional de construção de um novo momento do Regionalismo, novas áreas de livre-comércio e uniões aduaneiras têm sido criadas na crença que o Regionalismo poderá produzir desenvolvimento econômico e político. Porém, a estrutura fortemente institucionalizada da União Européia não tem sido modelo para o novo Regionalismo. Configurações como o NAFTA (Área de Livre Comércio da América do Norte), a ALCA (Futura Área de Livre Comércio das Américas) ou mesmo a APEC (Futura Área de Livre Comércio ÁsiaPacífico) tem buscado formatos mais "leves", ágeis, econômicos e pouco institucionalizados. 85 Não obstante tal característica, a análise sobre o processo político e os problemas da democracia na União Européia (a despeito do Eurocentrismo característico dos anos 70 e 80) é referência obrigatória para a compreeensão dos processos de integração regional contemporâneos. 86 85 86

Ver Hurrell (1995). Pág. 24 Sobre este assunto ver Pfeifer (1998). Pág. 117, e Mello (1998). Pág. 61 74

A questão inicial que se coloca é: Qual tipo de comunidade política (polity) pode ser mais apropriada para assegurar governança democrática, controle pelos cidadãos europeus e eficiência ao arranjo regional Europeu? Esta dissertação buscou diferenciar o arranjo Europeu do formato Estado-nação. Portanto, algumas hipóteses testadas não são derivadas do modelo. Porém, a proposta de federalização pode ser vista como precisamente adequar as estruturas existentes a um novo Estado, surgido como a última etapa da integração da União Européia. O debate normativo, por outro lado, não deve ser visto apenas como campo da reflexão teórica. Algumas propostas apresentadas têm sido implementadas pelas instituições européias (modelo Regulatory State) e outras debatidas por partidos políticos Europeus em vários fóruns, demonstrando o esforço de vários setores em buscar formatos que possam avançar a antiga proposta de transbordamento (spill-over) de Jean Monnet.

1- AS PROPOSTAS DE INSPIRAÇÃO LIBERAL a) O MODELO "COMUNIDADE ECONÔMICA": A idéia de um sistema de governo que possa separar a esfera econômica da esfera política tem sido discutida em especial na Alemanha. O conceito de “Constituição econômica” tem sido buscado pelo pensamento Liberal Germânico, como nos trabalhos de Mestmacker, Petersmann, Scherer, Streit/Mussler.87 A mais importante característica do modelo é a separação entre mercado e Estado. Assim, a proposta articula a existência do Mercado Comum Europeu aliado a um número de Estados no mesmo território que trabalham com um nível de controle político menor que o encontrado na esfera econômica. De acordo com o modelo a integração econômica não é apenas uma reação necessária ao “natural” processo de globalização, mas uma explícita meta normativa para o Regionalismo. Este argumento refere-se à existência de uma ordem econômica que possui diferentes conseqüências no quesito da eficiência, ou mesmo da liberdade individual. Eficiência e liberdades individuais são valores e características mais facilmente obtidas por meio da institucionalização do livre mercado que assegura a livre concorrência, defesa da 87

Citados em Jachtenfuchs (2000). 75

propriedade privada cartelização/dumping.

e

uma

legislação

fortemente

anti-

Para os Liberais Germânicos este modelo representa um tipo de ordem social que assegura eficiência e, ao mesmo tempo, apuro normativo (defesa da propriedade e das liberdades individuais). Este formato, porém, é constantemente colocado em dúvida pela ação de “rentseekers”, ou grupos organizados que buscam eficiência na acumulação de rendas/capitais às expensas do bem-estar da sociedade. A proteção social contra as ações de “rent-seekers” é realizada pela influência política, comumente codificada em uma Constituição, que assegure proteção de longo prazo. Este tipo de proposta normativa para a União Européia não deve ser confundida com uma noção de um livre e auto-regulado mercado. Tal ordem busca proteger os cidadãos pelos freqüentes interesses egoísticos presentes no mercado. Porém, em sentido genérico para os indivíduos e para as empresas, os direitos e obrigações estariam somente vinculados a um restrito domínio econômico. Desta forma, como os cidadãos teriam apenas direitos e obrigações econômicas, não haveria, formalmente, a necessidade de legitimação democrática ao modelo. A legitimação de uma comunidade econômica seria obtida pela eficiência e pela ampla liberdade de movimentação dos agentes microeconômicos (pessoas, empresas). A legitimação democrática seria entendida, portanto, como domínio da esfera política e não da esfera econômica. Vista por este aspecto, a democracia não seria apenas uma proposta de difícil realização, mas antes uma ameaça (threat) à “Comunidade econômica” e a sua visão de eficiência a longo prazo, no intuito de inibir a ação de “rent-seekers”. O bem-estar, defesa, segurança interna e políticas públicas seriam de competência dos Estados-membros, portanto sem grande relevância para as atribuições correntes da União Européia. Neste modelo não cabe a discussão envolvida na representação "agente"/"ator principal", posto que o formato "Comunidade econômica" se legitimaria na esfera do mercado, e não na esfera política. b) A VARIANTE “REGULATORY STATE”: Como no formato anterior, a proposta articulada por Domenico Majone separa a esfera econômica da política, porém por motivos distintos. Majone entende que há falhas

76

no mercado da União Européia e que é necessário corrigí-las. Tais falhas podem ser melhor equacionadas por um formato orientado para a eficiência, em agências de regulação não majoritárias, dominadas por especialistas setoriais. A proposta de Majone busca a proteção contra as eventuais maiorias políticas que podem comprometer interesses de longo prazo na União Européia, especialmente aqueles que ligados ao mercado único e à aliança estratégica econômica. Contudo, mesmo as falhas em áreas de regulação social (meio-ambiente, saúde, educação e emprego) poderiam ser corrigidas pelas agências reguladoras, revelando uma característica contrastante ao modelo da “Comunidade Econômica”. De acordo com Majone, na moderna teoria política e econômica existiriam três formas centrais de intervenção pública: a redistribuição, a estabilização macro-econômica e a regulação: "The redistribution function includes all transfer of resources from one social group to another, as well as the provision of merit goods, that is, good such as elementary education or publicly financed medical care, that the government compels individual to consume. The stabilisation function is concerned with the preservation of satisfactory levels of economic growth, employment, and price stability. It includes fiscal and monetary policy, labour market policy, and industrial policy. Finally, the regulatory function attempts to correct various forms of market failure: monopoly power, negative externalities, failures of information, or insufficient provision of public goods such as law and order or environmental protection". 88

Os Estados-membros da União Européia, como Estados soberanos, transferem importantes poderes de elaboração de políticas ao arranjo regional, em particular para independentes e não-majoritárias instituições, como é o caso da Comissão Européia. O motivo de tal delegação estaria, para Majone, ligado ao fato que os políticos, em geral, possuem baixa capacidade em formular políticas que requerem domínios especializados, ou mesmo adaptá-las a condições externas cambiantes. Como resposta a estas deficiências o modelo "Regulatory state" entende que agências especializadas, geridas por técnicos neutros e competentes (ao contrário dos políticos), poderiam assegurar efetividade e eficiência ao processo de decisão. As questões relacionadas ao controle democrático do processo, a possibilidade de que o formato produza instituições altamente especializadas e "unaccountables", não são negadas por Majone. A

88

Majone (1996a). Pág. 263. 77

solução para o problema demandaria a introdução de "instrumentos de controle" ao processo: "... we conclude that politically independent agencies can be monitored and kept politically accountables only by a combination of control instruments: clear and narrowly defined objectives; strict procedural requirements; judicial review; professionalism and peer review; transparency; public participation".89

A legitimação do modelo não viria das fontes tradicionais da democracia representativa, mas da possibilidade "ex-post" em assegurar estabilidade monetária e econômica e altos níveis de proteção social. Segundo Majone, o ambiente institucional Madisoniano, que enfatiza a necessidade de um sistema de "checks and balances" e dilui a concentração de poder, se mostrou um ambiente favorável ao modelo da "Agências regulatórias". Por conseguinte, tais instrumentos de "controle" poderiam ser identificados em relação às várias agências regulatórias existentes nos Estados Unidos. A AID (Agência para o Desenvolvimento Internacional), e a USIA (Agência de Informações dos Estados Unidos) são exemplos. A transposição de tal ambiente institucional para o nível Europeu pode ter se iniciado com a criação de uma série de agências pelo Conselho de Ministros em 1993: a Agência Ambiental Européia, o Centro de Controle de Drogas e Drogadictos, a Agência Européia para Avaliação de Produtos Médicos, a Agência Européia para Saúde e Segurança no Trabalho. As novas agências não possuem a independência e o poder dos "corpos regulatórios" Norte-americanos, ao contrário da Comissão Européia, agência executiva supranacional. 2- A OPÇÃO DO FEDERALISMO A idéia de um desenho institucional "Estados Unidos da Europa" precede a criação da União Européia. A proposta de federalização da aliança regional Européia tem recebido maior apoio e visibilidade, em especial após o Tratado de Maastricht. É possível identificar, atualmente, dois eixos teóricos para a federalização: o Formato Cooperativo Alemão, caracterizado por uma federação formal, baseado em uma funcional divisão de responsabilidades entre os distintos níveis de governo; e o Federalismo 89

Majone (1996b). Pág. 8. 78

Dual ou americano, que enfatiza a autonomia institucional dos diferentes níveis de governo dirigido para uma separação vertical de poderes (checks and balances). Comum às duas propostas a idéia da transformação da Comissão Européia em um governo regional, eleito e eventualmente deposto pelo Parlamento Europeu. A) O FORMATO COOPERATIVO ALEMÃO OU "GERMAN LÄNDER": No formato do federalismo alemão as dezesseis Länders, ou províncias administrativas, possuem grande representação junto ao nível federal. O ponto fulcral do modelo está ligado a uma divisão de competências concorrentes ou mesmo compartilhadas entre as Länders e o plano federal. Cabe ao nível central a elaboração das leis, e ao nível das províncias a sua operação. Assim, tal divisão requer forte representação das Länders, não apenas no sentido de assegurar eficiência para implemetação das políticas federais, mas especialmente para que existam barreiras a uma redução em unidades meramente administrativas. O que garante a intensa participação das Länders no processo decisório alemão é uma segunda Câmara Federal, ou Conselho Federal (Bundesrat). O Conselho Federal alemão possui características especiais: a representação é indireta e provêm dos governos das Länders. O número de conselheiros é definido de acordo com a população de cada unidade territorial, com importante desproporção para as unidades menores, que obtêm uma sobrerepresentação política. A Constituição alemã de 1949 determina que cada unidade da federação tenha entre 3 e 6 votos na Câmara Alta (Bundesrat). A menor província, Bremen, tinha em 1993 uma população de 686 mil pessoas, e possuía três votos. No entanto, a maior província, Westfália do Norte do Reno, tinha uma população de 17.679.000 pessoas, e possuía seis votos no Bundesrat.90 As atribuições de política fiscal e tributária são compartilhadas entre o nível federal e as Länders, de tal forma que há uma grande interdependência na redistribuição financeira e no financiamento de programas governamentais, o que gera um "Federalismo Cooperativo", na compreensão de Borzel e Risse: "The functional and fiscal interdependence of the two levels of government not only gives rise to a cooperative federalism, interlocking politics and joint decision-making. It also favors the emergence of a policy-making system in which policies are formulated and implemented by the administration at both levels of government. Such executive 90

Borzel & Risse (2000), Pág. 10 e Stepan (1999), Pág. 222 79

Federalism is counterbalanced by a strong and vertically integrated party system, which provides for an effective representation of non-territorial (functional) interests at the federal level". 91

B) O FEDERALISMO DUAL: O modelo implantado nos Estados Unidos e no Brasil, ao contrário do formato Cooperativo alemão, enfatiza a autonomia institucional dos diferentes níveis de governo. As competências, portanto, são alocadas de acordo com os setores e níveis específicos de governo, e não de acordo com as funções governamentais. Esta divisão leva a uma natural duplicidade do aparato governamental, pois cada nível gerencia políticas públicas autonomamente. O custo para tal autonomia regional é a frágil representação dos Estados no nível federal. Em arranjos Federais deste tipo, a segunda Câmara, ou Câmara alta, é freqüentemente organizada sob o princípio de um Senado, ou seja, as unidades territoriais possuem idêntico número de senadores eleitos, independente de seu número de habitantes, poderio econômico ou tamanho. Assim, o Senado pode representar os interesses do eleitorado, dos partidos políticos majoritários em plano regional, mas apresenta dificuldades intrínsecas em representar os interesses dos executivos regionais. Uma das mais importantes consequências é a ausência de um vigoroso e verticalizado sistema partidário que promova o interesse difuso da sociedade, como forma de poder neutralizar o forte domínio dos executivos regionais. A autonomia resultante do Formato do Federalismo Dual exige um sistema fiscal que assegure recursos suficientes para que os níveis regionais de governo possam exercer suas competências sem auxílio permanente do nível central. O nível regional, frequentemente, possui autonomia para fixar seus próprios tributos, gerando fontes independentes de recursos. Frente as opções apresentadas, qual ou quais alternativas se apresentam mais apropriadas e realísticas para o desenvolvimento institucional da União Européia, assegurando democracia e eficiência? Há, no momento, entre os estudos europeus, duas propostas principais para o desenvolvimento institucional da União Européia: a Federalização e o modelo de agências de regulação (Regulatory state). Para analisálos serão considerados: 91

Borzel & Risse (2000). Pág. 10 80

a) O uso do modelo de Quebra de representação; b) A observância dos padrões de influência institucional de Weaver & Rockman; c) O atendimento aos objetivos de democratização e eficiência ao arranjo regional; d) A compreensão da União Européia como um formato de Governança multi-nível, e por último, e) A caracaterização da União Européia como uma Federação incipiente, em formação. As propostas definem padrões distintos de reformas institucionais. O modelo de Agências Regulatórias de Majone visa criar espaços institucionais não majoritários, com a finalidade de aumentar a eficiência do arranjo regional. A proposta de Federalização tem por ênfase dar maior consistência ao projeto político e democrático da União Européia. Segundo Weaver & Rockman a construção de efetivas instituições de governo não consiste em escolher uma opção "single best", dado um conjunto de alternativas. Não há, segundo os autores, um conjunto coeso de alternativas institucionais que possa produzir eficiência e democracia se aplicado a diferentes Estados. As propostas de reformas institucionais devem ser contingenciais e atender a objetivos específicos92. Portanto é preciso saber onde se quer chegar, qual a finalidade política da aliança construída pelo Tratado de Roma, para que se possa construir instituições adequadas. Neste ponto há duas ordens de problemas: qual formato democrático e qual ordenamento de soberania buscar? No plano da soberania é possível analisar a União Européia como uma formação que assume, progressivamente, uma série de características federais. Após o Ato Único Europeu e os Tratados de Maastricht e Amsterdã, o domínio da economia deixa de ter exclusividade na gestão das políticas da aliança regional. A noção de cidadania européia e a competência exclusiva para a elaboração/gestão de políticas monetárias são os mais importantes Os padrões de influência institucional considerados por Weaver & Rockman são: 1. Ainda que as instituições afetem capacidades (capabilities) governamentais, seus efeitos são contingentes. 2. Arranjos institucionais oferecem, frequentemente, riscos e oportunidades para as capacidades individuais de um governo. 3. As capacidades de produção de políticas podem variar substancialmente entre diversas área, em um mesmo sistema político. 4. Os efeitos institucionais sobre as capacidades de governo são dirigidas por meio das características do processo decisório (coesão de elites, vetos, grupos de interesse, etc.) 5. Tipos e Regimes de governo influenciam tanto as capacidades governamentais quanto a separação ou fusão dos poderes executivo e legislativo. 6. Argumentos Parlamentaristas ou presidencialistas não ofereçem respostas satisfatórias para aumento das capacidades de governo. 7. Divisão de poder no legislativo e executivo criam problemas para a construção das prioridades coletivas. 8. Há importantes "trade-offs" entre capacidades institucionais. Weaver & Rockman (1993). Pág. 466. 92

81

sinais da emergência federativa. Por outro lado, a União Européia possui competência regulatória em uma gama de setores: transportes, energia, meio-ambiente, direitos do consumidor, saúde e direitos sociais, comércio exterior. As políticas de segurança interna e externa, em menor escala, também tem merecido atenção dos organismos comunitários. A União Européia tem-se transformado em uma comunidade política, que opera sem um território definido ou cidadãos próprios, mas que adquiriu uma nova profundidade e amplitude devido aos recentes Tratados e a jurisdição do Tribunal de Justiça Europeu. A noção de regulação e os direitos comunitários de cidadania envolveram a União Européia em uma comunidade política que compartilha muitas características daquilo que se define na teoria política como Federalismo: a) A União Européia é um sistema de governo que possui duas ordens de autoridade, cada qual com seu próprio ordenamento legal e mesmo o nível comunitário pode se relacionar diretamente aos cidadãos. b) Os Tratados Europeus, especialmente Maastricht e Amsterdam, alocaram jurisdição e recursos para os dois níveis de governo, o nível comunitário e o nível dos Estados-membros. c) Existem áreas de "governo compartilhado" em que as jurisdições são superpostas; como exemplos podem ser citados a Política Agrícola Comum, os esforços para o combate ao desemprego e as políticas de segurança comunitárias. Os subsídios agrícolas (50% do orçamento da União Européia) são exemplos de recursos comunitários dirigidos para o atendimento de demandas dos Estados-membros, em clara superposição aos inúmeros programas nacionais dirigidos ao setor. d) Em várias áreas as leis comunitárias possuem supremacia legal sobre leis nacionais, obrigando que Estados-membros sigam decisões amplas, em alguns momentos contrariando seus próprios interesses. e) Em vários momentos, apesar da direção majoritária (como demonstrado no ítem 3.2, Capítulo 3), a União Européia processa interesses minoritários frente ao processo decisório. A notória desproporção de cadeiras no Parlamento, a ponderação de votos no Conselho de Ministros e na Comissão Européia são exemplos agudos desta característica.

82

f) O Tribunal de Justiça Européia age na resolução de controvérsias entre o plano dos Estados-membros e as instituições Européias. Problemas frequentes na interpretação das decisões tomadas em âmbito comunitário, demandas na área do comércio externo, entre outros, demonstram a identidade com côrtes federais. g) Talvez a característica mais central seja a existência de um Parlamento Europeu, eleito diretamente desde 1979, composto por deputados dos 15 Estados-membros. No plano normativo, porém, duas características comuns em desenhos federalistas não são encontradas na União Européia: um sistema fiscal próprio e a possibilidade de que o nível central (Comissão Européia, Parlamento e Tribunal de Justiça) tenha autonomia para emendar ou alterar os Tratados Europeus. Neste sentido, os Estados-membros continuam sendo "The Masters of the Treaties". 93 Os atributos descritos aproximam a União Européia de um sistema federal. Há níveis distintos de governo, há atribuições compartilhadas, há autonomia relativa e recursos para gestão de políticas. Tais características são suficientes para comparar a União Européia a um arranjo federal. Nas referências teóricas clássicas em relação ao federalismo, como em "O Federalista" de Madison, Jay e Hamilton, a criação de um Estado, derivado de uma confederação (como no caso dos Estados Unidos), supõe uma completa transferência de soberania, com os antigos Estados perdendo suas qualidades anteriores. A Convenção da Filadélifia de 1787 permitiu a construção de um "Pacto Federativo" que agregou unidades, até então soberanas, em uma nova federação. Algumas medidas foram tomadas para evitar a intensa participação da nova cidadania na esfera de decisão federal, o que poderia causar receio quanto à inclusão das unidades minoritárias. Mas, como ponto crucial, as subunidades territoriais (os Estados Federados) alienaram grande parte de seus atributos soberanos ao plano federal. Assim, apesar da noção de dupla soberania (lealdades políticas permanecem no âmbito dos Estados Federados) as subunidades, ao admitirem restrições de suas competências, tiveram uma profunda alteração na qualidade de sua intervenção e autoridade política.

Esta expressão é comumente utilizada nos estudos Europeus para designar que a fonte da soberania comunitária são os Estados-membros. Discutido em Borzel e Risse (2000). Pág. 9. 93

83

Não obstante é possível distinguir tipos diferentes de arranjos federativos. Ao federalismo típico dos Estados Unidos, dual, ou ao federalismo alemão, podem ser agregadas duas dimensões adicionais, conforme Stepan: "Uma importante distinção a fazer é entre as federações cujo propósito inicial é de unir (come together) e aquelas cujo objetivo é manter a união (hold together)". "... A idéia de uma federação para unir baseia-se evidentemente no modelo dos Estados Unidos". ".... Entretanto, algumas das mais importantes federações do mundo se originaram de uma lógica política e histórica completamente diversa. A Índia no final de 1948, a Bélgica em 1969 e a Espanha em 1975 eram sistemas políticos de fortes traços unitários. Contudo, nestas três sociedades multiculturais os líderes políticos chegaram a decisão constitucional de que a melhor maneira de "manter a união" em uma democracia era transferir poder e transformar seus Estados unitários ameaçados em federações"94

Qual modelo, portanto, seria mais adequado e realístico a uma possível federalização Européia? Considerando a atual divisão de poder entre o plano dos Estados-membros e o nível comunitário, o modelo do Federalismo Cooperativo Germânico (em uma composição para unir) aparenta ser factível, dadas as opções. As razões? Em primeiro lugar, tal formato não possibilita excessivo fortalecimento do nível central de governo, pois exige negociações permanentes posto o compartilhamento dos recursos fiscais. Em segundo lugar, um modelo de federalismo democrático deve assegurar que as sub-unidades (Estados-membros) tenham um vigoroso papel na formulação de políticas e que estejam fortemente representadas no nível central. Tal representação poderia ser conseguida pela transformação do Conselho de Ministros e do Conselho Europeu em uma segunda câmara, ao estilo Bundesrat, conferindo assentos aos governos dos Estados-membros. Caberia a Comissão Européia a responsabilidade executiva, porém com a hipótese de eleição direta de seu presidente pelos eleitores Europeus. O fortalecimento de suas instâncias de gestão, no sentido de produzir um corpo burocrático federal, poderia assegurar a efetividade das políticas públicas. Em terceiro lugar o "alargamento", ou a próxima ampliação do número de Estados-membros, prevista entre 2002 e 2009, não comportaria um sistema federal amplamente descentralizado, pois há diferenças econômicas e sociais relevantes entre os atuais Estadosmembros e os candidatos oriundos do leste da Europa. Desta forma o nível federal assumirá um papel relevante na produção de infraestrutura e na cooperação para o desenvolvimento econômico. 94

Stepan (1999). Pág. 199 84

O federalismo Cooperativo Alemão produziu condições econômicas para assegurar grande equilíbrio, com relação ao padrão de vida e bem-estar, entre as diversas Länders. Tal meta de redistribuição foi produzida pela centralização tributária em Bonn/Berlim. Atualmente a capacidade redistributiva da União Européia é circunscrita a 1,27% do Produto Interno Bruto (PIB) Europeu. Há estudos que indicam que para assegurar a criação da Federação Européia será necessário não menos que 20% do PIB dos Estados-membros. Os atuais Estados-membros absorvem em torno de 50% de seus Produtos Internos Brutos com dispêndios redistributivos.95 Há grandes dúvidas se os Estados-membros assumiriam, em caso da Federalização, dispêndios da ordem de 20% de seus Produtos Internos Brutos para financiamento das ações do nível central da Federação. Grandes declínios na arrecadação tributária poderiam produzir impasses e/ou perda de prestígio da proposta. A idéia de um Estado imenso fundado em uma Federação onde o nível central encerrasse grande poder político e fiscal, em estruturas de frágil representação dos Estados-membros, como no caso do Federalismo Dual, poderia eclipsar a idéia de subsidiariedade. A noção, amplamente difundida entre os Estados-membros, de que as decisões devem ser tomadas pelo nível decisório mais próximo do cidadão europeu é conflitante com o modelo Dual. Tal modelo poderia enfraquecer, e não potencializar, a proposta Federativa, exatamente por não possibilitar uma forte representação de Estados cultural e politicamente importantes como a França, Inglaterra e Alemanha. Assim, continuaria o desafio da construção de um sistema partidário verticalizado e forte o suficiente para garantir a representação política da "demos" européia. Utilizando o modelo de "Quebra de representação" é possível compreender o processo pelo uso de uma cadeia de representação. Em primeiro lugar o "ator principal" seriam os eleitores Europeus e o "Agente" seria o Parlamento. Nesta configuração, em um Parlamento composto por parlamentares diretamente eleitos, o nível de fidelidade a delegação seria tão elevado quanto a necessidade dos parlamentares obterem eficiência eleitoral. É de se esperar que um grande descompasso entre as propostas dos "Agentes" em relação aos "Atores principais" possa resultar em descrédito aos Parlamentares. A representação mais provável seria:

95

Borzel e Risse (2000). 85

* _______________________________ PR A A.P. Na sequência da cadeia de representação o próximo "Ator principal" poderia ser o Parlamento Europeu e o "Agente" a Comissão Européia", identificada como o governo Federativo. Por esta simulação, apesar de que a proposta contemplaria a figura de um Presidente eleito, no sentido de aumentar a representatividade das instituições de governo, o Parlamento teria a função de construir o governo, e eventualmente desfazê-lo, em caso de quebra de confiança. Nesta circunstância o interesse do Parlamento seria muito próximo ao interesse do governo, posto sua função semi-governativa. Em caso de alteração do "Status quo", a representação pelo modelo de Lupia poderia assumir a seguinte forma: * ____________________________ PR A=A.P. Forças externas naturalmente têm o poder de criar alguma quebra de representação; porém, em uma situação ideal, tais forças se anulariam, permitindo que os interesses de "Agente" e "Ator principal" sejam equivalentes. A discussão da proposta de Agências Regulatórias de Majone encontrase mais próxima do campo da democracia que do conceito de soberania, ao contrário do Federalismo. A proposta de Majone, tomada como alternativa para problemas da democracia européia é notoriamente insuficiente. Há autores que a avaliam como o abandono do controle democrático em um arranjo regional.96 A desvinculação entre política e economia gera um formato centrado na eficiência econômica, onde os principais atores são "experts" setoriais. A legitimação pela eficiência de longo prazo das políticas, mesmo que promovam redistribuição econômica, não funda o compromisso democrático necessário ao desenvolvimento político Europeu. Aparentemente, o centro do argumento de Majone é uma avaliação positiva sobre as Agências regulatórias em contraste a uma avaliação negativa sobre governos compostos por políticos eleitos em arranjos majoritários. Assim, a independência tecnocrática é vista como uma garantia de integridade quanto a decisão pública, e não um processo de baixa "accountability". 96

Gustavsson (2000). Pág. 6 e Jachtenfuchs (1997). Pág. 9 86

Se avaliarmos a proposta pelo método de "Quebra de representação" de Lupia, a descrição gráfica poderia assumir a seguinte representação: * ________________________________ PR = A A. P. No caso acima, tomando como "Ator Principal" os eleitores Europeus e como "Agente" as Agências Regulatórias, o Ponto de Reversão (ou a manutenção do "Status quo") coincide com a posição do "Agente". Nesta circunstância, de grande probabilidade teórica, a quebra de representação é total. Assim, o baixo controle democrático sobre as Agências regulatórias permitiria uma completa assimetria entre as posições do "Ator principal" e do "Agente", em tal configuração. Os modelos teóricos apresentados podem apresentar inúmeros problemas, no tocante a sua aplicação. Todos requerem reformas institucionais que alterariam a distribuição de poder entre os atores envolvidos. A opção pelo formato do federalismo alemão como alternativa teórica busca assegurar o máximo de eficiência econômica em um modelo consistente, democrático e "accountable". Porém sua viabilidade depende de uma mudança de opinião da "demos" Européia sobre os efeitos de uma Federação. Persiste uma avaliação majoritariamente positiva acerca do formato multi-nível, fundada no êxito econômico conseguido até o momento. As imensas dificuldades por que passa a moeda única, desde sua criação em 1999, o "alargamento" em direção ao Leste e a fragilidade dos partidos políticos Europeus retardam a fixação de tal proposta na agenda política comunitária.

87

CONCLUSÃO: Esta dissertação buscou avaliar as possibilidades teóricas da democratização política e do aprofundamento da eficiência da governança da União Européia. Para este objetivo foram articulados dois conjuntos de análise sobre soberania e democracia. A grande complexidade do quadro político-institucional europeu levou ao uso de uma metodologia (Quebra de representação) que permite a avaliação para cada ator dos impactos derivados da constituição do arranjo regional, bem como das recentes propostas de mudança, visando ampliar o controle democrático dos cidadãos sobre o arranjo regional e assegurar soberania formal aos Estados-membros. Este estudo se apoiou na caracterização da estrutura decisória da União Européia como um arranjo multi-nível, onde processos intergovernamentais, típicos das organizações internacionais, convivem com ambiente decisórios supranacionais ou mesmo infranacionais. Assim, a heterogeneidade do processo, próprio de arranjos regionais com ampla delegação de autoridade nacional-regional, dificulta a interpretação da União Européia como uma democracia parlamentar contemporânea, herdeira das tradições políticas ligadas ao conceito de Estado-nação. Por outro lado, vários argumentos foram apresentados no sentido de caracterizar a União Européia como uma Federação emergente, em construção. Como uma Federação emergente, que processa decisões em um dinâmico sistema multi-nível, envolvendo redes de negociações entre atores públicos e privados, a União Européia demanda uma engenharia institucional que proteja os ganhos econômicos e sociais já conseguidos, mas que amplie o controle pelos cidadãos do seu processo decisório. Posto desta forma, o debate sobre o desenvolvimento institucional da União Européia deve envolver uma avaliação sobre o Federalismo. O formato de descentralização e negociações constantes entre os níveis de governo, típico do federalismo, permite que o atual modelo de soberania compartilhada mantenha suas características, porém com os ganhos da constitucionalização e da diminuição do "déficit democrático". Sob o plano normativo, esta dissertação defendeu que o modelo do Federalismo alemão se apresenta como o mais adequado a um formato que supõe o compartilhamento de decisões entre fortes e tradicionais estados europeus. A "americanização" das propostas federalistas para a

88

União Européia pode ser geradora de impasses, dada a importância da representação dos Estados-membros em um eventual governo federal Europeu. O modelo de federalismo alemão poderá encontrar maior representatividade caso seja agregada a eleição direta para Presidente da Comissão Européia, imbuída de novos poderes e contrabalanceada pelo Parlamento Europeu. A legitimação deste modelo, porém encontra um problema de difícil solução: a heterogeneidade cultural e o pluralismo político encontrados entre os atuais Estados-membros, que se mantêm ligadas ao formato estado-nação. Aqui a hipótese é de que o problema pode ser mais facilmente superado com a existência de fortes e verticais partidos políticos europeus que assegurem a representação ideológica, política e social além das atuais fronteiras territoriais.

89

BIBLIOGRAFIA . Andersen, Svein & Burns, Tom R. (1996). "The European Union and the Erosion of Parliamentary Democracy: A Study of a PostParliamentary Governance". In Andersen, Svein & Eliassen, Kjell (Eds.). "The European Union - How Democratic is it? Londres (Sage). . Bankowski, Zenon & Scott, Andrew. (1986), "The European Union? " In Bellamy, Richard (Ed.) "Constitutionalism, Democracy and Sovereignty: American and European Perspectives". Ed. Avebury. Aldershot. England. . Baptista, Luís Olavo. (1998), "Modelos de solução de controvérsias nos processos de integração regional". Série Alca: Relações internacionais e sua construção jurídica. Volume 2. Ed. FTD. SP. . Bellamy, Richard & Castiglione, Dario. (1996), "The communitarian ghost in the cosmopolitan machine: constitutionalism, democracy and the reconfiguration of politics in the New Europe". In: "Constitutionalism, Democracy and Sovereignity: American and European Perspectives". Ed. Avebury. Aldershot. England. . Blondel, Jean. (1990), "Types of Party System". In Mair, Peter. "The West European Party Sistem". Oxford. . Borchardt, Klaus Dieter. (1995), "A Unificação Européia". Serviço das publicações oficiais das Comunidades Européias. Luxemburgo. . Borzel, T. & Risse, Thomas. (2000), "Whos Afraid of a European Federation? How to Constitutionalize a Multi-level Governance System". In Joerges, Meny & Weiler (eds.). "Responses to Joscka Fischer". European University Institute Press. . Bulmer, Simon. (1997), "New Institutionalism, The Single Market and EU Governance". Arena Working Papers. University of Manchester. . Caporaso, James (1997), "Does the European Union Represent an n of 1 ? Vol. X, N. 3 (Fall - 1997). . Comissão Européia. (1998), "Como funcionam as instituições da União Européia?". Serviço das publicações oficiais das Comunidades Européias. Luxemburgo.

90

. Cristiansen, Thomas. (1997), "Legitimacy dilemmas of supranational governance: the European Comission between accountability and independence". European University Institute. Working Paper 97/74. . Damgaard, Erik. (2000), "Conclusion: The Impact of European Integration on Nordic Parliamentary Democracies". Journal of Legislative Studies. Vol. 6. Nº 1. . ECSA Review. (1997), "Does the European Union Represent an n of 1 ?. Vol. X, N. 3 (Fall - 1997). . Eriksen, Erik. (1999), "The question of deliberative supranationalism in the E.U." Arena Working Papers. University of Oslo. . Eriksen, Erik & Fossum, John E. (1999), "The European Union and the post-national integration". Arena Working Papers. University of Oslo. . Ferrajoli, Luigi. (1996), "Beyond sovereignty and citinzenship: a global constitutionalism". In Bellamy, Richard. "Constitutionalism, Democracy and Sovereignty". Ed. Avebury. Aldershot. England. . Fontaine, Pascal. (1998), "Dez lições sobre a Europa". Serviço das publicações oficiais das Comunidades Européias. Luxemburgo. . Franklin, Mark. (1996), "European Elections and the European Voter". In Richardson, Jeremy, "European Union: Power and Policy-making". Routledge. . Goodman, James. (1997), "The European Union: Reconstituting Democracy Beyond the Nation-state". In McGrew, Anthony. "The Transformation of Democracy? Globalization and Territorial Democracy". Polity Press. . Gustavsson, Sverker (2000), "Reconciling suprastatism and democratic accountability". In Hoskins, Catherine & Newman, Michael. "Democratizing the European Union. Issues for the 21 st Century". Manchester University Press. . Haas, Ernest. (1964), "Beyond the Nation-state. Functionalism and International Organization". Stanford University Press. . Hesse, Joachim Jens. (1995), "Constitutional Policy and Change in Europe: The Nature and Extent of the Challenges". In Hesse, Joachim J.

91

& Johnson, Nevil (eds.), "Constitutional Policy and Change in Europe". Oxford University Press. . Hurrell, Andrew. (1995), "O Ressurgimento do Regionalismo na Política mundial". Revista Contexto Internacional. IRI/PUC-RJ. Vol. 17, nº 1. . Jachtenfuchs, Markus. (1997), "Democracy and Governance in the European Union" in Follesdal, Andreas & Koslowski, Peter. "Democracy and the European Union". Berlim. . Hegeland, Hans & Mattson, Ingvar (2000), "Another Link in the Chain: The Effects of EU Membership on Delegation and Accountability in Sweden". Journal of Legislative Studies. Vol. 6. Nº 1. . Kohler-Koch, Beate. (1999), "Europe governance". Arena Working Papers. 99/27

in

search

of

legitimate

. Lijphart, Arend. (1999), "Democracies II: Forms of government and government performance in thirty-six countries". Yale University Press. Mimeo. . Linz, Juan. (1995), "Democracy's Time Constraints". "Paper" apresentado no "Second Vienna Dialogue on Democracy", Democracy and Time, Vienna: Institute for Advanced Studies. . Lupia, Arthur. (2000), "The EU, the EEA and domestic Accountability: How Outsides Forces Affect Delegation within Member States". Journal of Legislative Studies. Vol. 6. Nº 1. . Mayntz, Renate. (1990), "Föderalismus und die Gesselchaft der Gegenwart', Archiv des Öfentlichen Rechts (AöR), 115, 232. . Majone, Giandomenico. (1996a), "A European regulatory state? "In: Richardson, Jeremy. "European Union, Power and Policy-making". Routledge. England. . Majone, Giandomenico. (1996b), "Temporal Consistency and Policy Credibility: Why Democracies Need Non-Majoritarian Institutions". European University Institute, Working Papers - RSC, No. 96/57. . Majone, Giandomenico. (2000), "Democracy and Constitutionalism in the European Union". European Community Studies Association - Debate for the ECSA Review - Spring - Págs. 2-7.

92

. Mazey, Sonia. (1996), "The development of the European idea: from sectoral integration to political union". In: Richardson, Jeremy. "European Union, Power and Policy-making". Routledge. England. . Mello, Flávia C. (1998), "O Mercosul e a Alca". In: Série Alca: Relações Internacionais e sua Construção Jurídica. Vol. 2. Ed. FTD. SP. . Moravcsik, Andrew. (1994), "Why the European Community Strengthens the State: Domestic Politics and International Institutions" Center for European Studies Working Papers Series 52. Cambridge. . Moravcsik, Andrew. (1998), "Europe's Integration at Century's End". In Moravcsik, Andrew (ed.) "Centralization or Fragmentation? Europe Facing the Challenges of Deepenings, Diversity and Democracy". Council on Foreign Relations Press. New York. . Moravcsik, Andrew. (2000), "Democracy and Constitutionalism in the European Union". European Community Studies Association - Debate for the ECSA Review - Spring - Págs. 2-7. . Nicolau, Jairo Marconi. (1996), "Multipartidarismo e Democracia". Ed. FGV. 1ª Edição. Rio de Janeiro. . Pfeifer, Alberto. (1998), "O Nafta e a Alca: O caso do México". In: Série Alca: Relações Internacionais e sua Construção Jurídica. Vol. 2. Ed. FTD. SP. . Pollack, Mark (1996), "The New Institutionalism and EC Governance: The Promise and Limits of Institutional Analysis". Governance, 9:4, 429458. . Pollack, Mark. (2000), "Democracy and Constitutionalism in the European Union". European Community Studies Association - Debate for the ECSA Review - Spring - Págs. 2-7. . Preuss, Ulrich. (1996), "The political meaning of constitutionalism". In "Constitutionalism, Democracy and Sovereignity: American and European Perspectives". Ed. Avebury. Aldershot. England. . Roemer, T & Rosenthal, H. (1978), "Political resources allocation, controlled agendas, and the status quo". Public Choice. Vol. 33, Nº 1. Págs. 27-44.

93

. Sandholtz, W & Zysman, J. (1989), "1992: Recasting the European Bargain". World Politics, 42:1, 95-128. . Saunders, Cherryl. (1996), "The constitutional arrangement of federal systems: a sceptical view from the outside". In Hesse & Wright: "Federalizing Europe?". Nuffield European Studies. Oxford University Press. . Scharpf, Fritz W. (1996), "Economic integration, Democracy and the Welfare State". Max-Planck Institut Working Papers. . Schmidt, Vivien. (1999), "Approaches to the study of European politics". In ECSA Review, Spring, Vol. XII, nº 2. . Schmitter, Philippe. (1989), "Corporatism is dead: corporatism!" Government and Opposition. Vol 24. Nº 1.

long

live

. Schmitter, Philippe. (2000), "Democracy and Constitutionalism in the European Union". European Community Studies Association - Debate for the ECSA Review - Spring - Págs. 2-7. . Schuppert, Gunnar Folke. (1995), "On the Evolutions of a European State: Reflections on the Conditions of and the Prospectus for a European Constitution". In Hesse, Joachim J. & Johnson, Nevil (eds.), "Constitutional Policy and Change in Europe". Oxford University Press. . Seitenfus, Ricardo. (1997), “Manual das Organizações Internacionais”. Porto Alegre. Livraria do Advogado. 1ª Edição. . Stepan, Alfred. (1999), "Para uma Nova Análise Comparativa do Federalismo e da Democracia: Federações que restringem ou Ampliam o Poder do Demos". Dados - Vol. 42, nº 2, 1999. . Tsebelis, George. (1999), "Approaches to the study of European politics". In ECSA Review, Spring, Vol. XII, nº 2. . The Economist. (1998), "A survey of EMU". Edição de 11 de abril de 1998. . Wallace, W. (1990). "The Dinamics of European Integration". London. Pinter Publishers. . Weaver, R. Kent & Rockman, Bert A. (1993), "When and How Do Institutions Matter?" in Weaver & Rockman (eds.), "Do Institutions

94

Matter? Government Capabilities in the United States and Abroad". The Brooking Institution - Washington D.C.. . Weaver, R. Kent & Rockman, Bert A. (1993), "Institutional Reform and Constitutional Design" in Weaver & Rockman (eds.), "Do Institutions Matter ? Government Capabilities in the United States and Abroad". The Brooking Institution - Washington D.C.. . Weaver, R. Kent & Rockman, Bert A. (1993), "Assessing the Efects of Institutions" in Weaver & Rockman (eds.), "Do Institutions Matter? Government Capabilities in the United States and Abroad". The Brooking Institution - Washington D.C.. . Weiler, J. H. H, Haltern, U. & Mayer, F. (1995), "European Democracy and its Critique: Five Uneasy Pieces". Harvard.

95

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.