Dissertação: O cavaco rítmico-harmônico na música de Waldiro Frederico Tramontano (Canhoto): a construção estilística de um “cavaco-centro” no choro.

August 3, 2017 | Autor: Jamerson Farias | Categoria: Popular Music, Etnomusicology, Etnomusicologia, Música Popular Brasileira, Choro and Samba, Cavaquinho
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Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Artes e Letras Escola de Música Programa de Pós-Graduação em Música

O cavaco rítmico-harmônico na música de Waldiro Frederico Tramontano (Canhoto): a construção estilística de um “cavaco-centro” no choro.

Jamerson Farias Ribeiro

Rio de Janeiro 2014

CAVACO RÍTMICO-HARMÔNICO NA MÚSICA DE WALDIRO FREDERICO TRAMONTANO (CANHOTO): A construção estilística de um ‘cavaco-centro’ no choro

Por

Jamerson Farias Ribeiro

Dissertação de Mestrado do Programa de PósGraduação em Música da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro; concentração em Musicologia: Etnografia das práticas musicais, como parte integrante dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profª. Drª. Regina Meirelles

Rio de Janeiro, 2014. ii

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Agradecimentos

Primeiramente agradeço a minha família, especialmente minha mãe Eleonora, meu pai Janio e meu irmão Jander, que sempre me apoiaram e me deram suporte para que eu pudesse dar continuidade à minha formação acadêmica. À professora Dra. Regina Meirelles, minha orientadora, pelos conselhos, sugestões e infindável bom humor. Aos professores Dr. Pedro Aragão e Dra. Márcia Taborda pelas sugestões dadas no exame de qualificação. À banca examinadora: prof. Dr. Celso Ramalho e prof. Dr. Pedro Aragão. Ao CNPq, pela ajuda financeira durante o último ano de pesquisa. Aos entrevistados: Bernardo Diniz, Henrique Cazes, Maurício Verde, Luciana Rabelo e Adilson Tramontano. À Miguel Ângelo de Azevedo, mais conhecido como Nirez, pela atenção e acesso a sua coleção de discos em 78rpm. Aos amigos prof. Me. Pablo Garcia e prof. Dr. Pedro Rogério, pela iniciação à pesquisa acadêmica, além de todos os outros que, de alguma forma, contribuíram para o desenvolvimento deste estudo. A todos os amigos e professores do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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RIBEIRO, Jamerson Farias. O cavaco rítmico-harmônico na música de Waldiro Frederico Tramontano (Canhoto): A construção estilística de um “cavaco-centro” no choro. 2014. Dissertação (Mestrado em Musicologia: Etnografia das práticas musicais) – Programa de Pósgraduação em Música, Escola de Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Resumo

Este trabalho visa refletir acerca da construção estilística de Waldiro Frederico Tramontano, Canhoto do Cavaquinho, descrevendo, analisando e transcrevendo aspectos importantes para caracterização de seu estilo a partir da audição de gravações realizadas com o seu regional nas décadas de 1950 e 1960. Canhoto foi um dos primeiros cavaquinistas a se tornar músico profissional através do rádio, atuando em grupos importantes para a consolidação de um modelo de acompanhamento através dos conjuntos regionais. Atualmente o músico é uma das principais referências para o cavaquinho na função de acompanhamento, tendo no repertório gravado muitos clássicos da música popular. Após a elaboração de um relato biográfico do músico, a partir de depoimentos e documentos presentes no acervo pessoal de seu filho, Adilson Tramontano, analisamos o contexto musical do período que corresponde a seu aprendizado e profissionalização com o objetivo de investigar a relação de seu estilo com as transformações rítmicas que culminariam no samba urbano carioca na virada das décadas de 1920 e 1930. A transmissão musical será observada a partir do conceito de ordem sonora, do etnomusicólogo John Blacking e as análises norteadas por conceitos de Philipp Tagg sobre a análise da música popular gravada. No intuito de contribuir para estudos posteriores, também foi realizado um mapeamento rítmico das levadas de Canhoto. Palavras chave: Canhoto; choro; cavaquinho; música popular; etnomusicologia.

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RIBEIRO, Jamerson Farias. O cavaco rítmico-harmônico na música de Waldiro Frederico Tramontano (Canhoto): A construção estilística de um “cavaco-centro” no choro. 2014. Dissertação (Mestrado em Musicologia: Etnografia das práticas musicais) – Programa de Pósgraduação em Música, Escola de Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Abstract

This study aims to have a reflexive look on the stylistic musical construction of Waldiro Frederico Tramontano, Canhoto do Cavaquinho, by describing, analyzing and transcribing important aspects of his performances. We develop this research from listening to the recorded material made with his regional group in the 1950’s and 1960’s. Canhoto was one of the first musicians to become a professional artist on the radio era, perfoming in conceited groups in terms of developing a harmonic style via “conjuntos regionais”. Currently the musician is one of the main references on cavaquinho, having recorded many classics in the repertoire of popular music. After the description of his biography from the testimonies and documents presented in the personal collection of his son, Adilson Tramontano, we have analyzed the musical context from the period he became a professional musician aiming to unravel the connections from his personal style and the rythmical changes that ended up in the creation of the urban samba in Rio de Janeiro in the late 1920's and 1930’s. The musical transmission will be observed from the concept of sonic order, proposed by the ethnomusicologist John Blacking and the analysis guided by the concepts of Philipp Tagg, that deals with the analysis of recorded popular music. In order to contribute to further studies a rhythmic mapping based on Canhoto's way of playing was written.

Keywords: Canhoto; choro; cavaquinho; popular music; ethnomusicology.

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Lista de Ilustrações

Fotografia 1: Casa de Caboclo..................................................................................................19 Fotografia 2: Capa de disco......................................................................................................21 Fotografia 3: Convite do concurso de choros...........................................................................23 Fotografia 4: Panfleto de divulgação........................................................................................24 Fotografia 5: Gente do Morro...................................................................................................30 Fotografia 6: Aurora Miranda e Regional de Benedito Lacerda...............................................32 Fotografia 7: Regional de Benedito Lacerda............................................................................35 Fotografia 8: Matéria Revista do Rádio....................................................................................39 Fotografia 9: Canhoto e Seu Regional......................................................................................42 Exemplos musicais 1: Paradigma do Tresillo...........................................................................78 Exemplos musicais 2: Síncope característica............................................................................79 Exemplos musicais 3: Habanera...............................................................................................79 Exemplos musicais 4: Cinquillo...............................................................................................79 Exemplos musicais 5: Paradigma do Estácio............................................................................80 Exemplos musicais 6: Paradigma do Estácio............................................................................80 Levadas e palhetadas 1: Levada “violão tamborim”.................................................................81 Levadas e palhetadas 2: Levada “teleco teco” .........................................................................81 Levadas e palhetadas 3: Acompanhamento Amanhã Eu Volto.................................................82 Levadas e palhetadas 4: Palhetada Visite o Terreiro................................................................82 Levadas e palhetadas 5: Exemplo grafia de direção de movimentos .......................................88 Levadas e palhetadas 6: Exemplo grafia do stacatto de dedo...................................................89 Levadas e palhetadas 7: Palhetada Jonas 1..............................................................................92 Levadas e palhetadas 8: Palhetada Jonas 2...............................................................................92 Levadas e palhetadas 9: Palhetada de choro.............................................................................94 Levadas e palhetadas 10: Palhetada alternada..........................................................................95 Levadas e palhetadas 11: Palhetada de choro em Uma noite no Sumaré.................................95 Levadas e palhetadas 12: Contraponto característico em Cuidado, Violão..............................97 Levadas e palhetadas 13: Contraponto característico...............................................................97 Levadas e palhetadas 14: Duetos Doce de Coco.......................................................................98 Levadas e palhetadas 15: Palhetada de maxixe........................................................................99 Levadas e palhetadas 16: Palhetada de maxixe (Jayme Vignoli)...........................................100 Levadas e palhetadas 17: Palhetada de maxixe (Luciana Rabello).........................................100 Levadas e palhetadas 18: Palhetada de polca..........................................................................101 Levadas e palhetadas 19: Levada de polca (violão)................................................................102 Levadas e palhetadas 20: Palhetada Roda de Bamba (introdução).........................................103 Levadas e palhetadas 21: Palhetada de Samba 1....................................................................103 Levadas e palhetadas 22: Palhetada de Samba 2....................................................................104 Levadas e palhetadas 23: Contraponto no improviso.............................................................104 Levadas e palhetadas 24: Palhetada Visite o terreiro (introdução).........................................105 Levadas e palhetadas 25: Palhetada de baião 1.......................................................................106 Levadas e palhetadas 26: Palhetada de baião 2.......................................................................106 Levadas e palhetadas 27: Palhetada de rojão..........................................................................107 Partitura gráfica 1: Cuidado, Violão.........................................................................................93 Partitura gráfica 2: Doce de Coco.............................................................................................94 vii

Partitura gráfica 3: Dorinha, Meu Amor...................................................................................99 Partitura gráfica 4: Rato Rato..................................................................................................101 Partitura gráfica 5: Roda de Bamba........................................................................................102 Partitura gráfica 6: Visite O Terreiro......................................................................................102 Partitura gráfica 7: Baião De Dois..........................................................................................105

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Sumário

Introdução................................................................................................................................10 Capitulo 1 – Canhoto no choro: Contextualização...............................................................16 1.1. Biografia.............................................................................................................................16 1.2. Trajetória artística e profissional: os Conjuntos Regionais, o Rádio e o Disco.................27 1.2.1. Gente do Morro.................................................................................................27 1.2.2. Conjunto Regional de Benedito Lacerda...........................................................34 1.2.3. Canhoto e Seu Regional....................................................................................39

Capítulo 2 – Que choro é esse? O cavaco-centro na música popular brasileira................45 2.1. Choro e samba: mútuas influências na música popular....................................................45 2.2. Estruturação formal e instrumental no choro....................................................................55 2.3. A construção estilística de Canhoto..................................................................................66 2.3.1. Antecessores: a linhagem Álvares-Galdino-Canhoto e os processos de transmissão musical..................................................................................................................68 2.3.2. Transformações rítmicas e o legado de Canhoto................................................78

Capítulo 3 – Análise técnica e caracterização estilística......................................................86 3.1. Metodologia de análise......................................................................................................86 3.2. Caracterização estilística e mapeamento rítmico das palhetadas.......................................89 3.3.1. Choro........................................................................................................................93 3.3.2. Maxixe.....................................................................................................................99 3.3.3. Polca ......................................................................................................................101 3.3.4. Samba e batuque....................................................................................................102 3.3.5. Baião......................................................................................................................105 Conclusão...............................................................................................................................108 Bibliografia............................................................................................................................111 Anexos....................................................................................................................................121

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Introdução

Canhoto do Cavaquinho é, certamente, uma das personalidades mais importantes do choro brasileiro. Não apenas por sua atuação em gravações durante mais de 50 anos, mas pela contribuição deixada à música popular e a seu instrumento. O cavaco-centro, acima de tudo, é uma função que, executada pelo instrumento, embasa a sonoridade do conjunto regional e dá sentido a intervenções e variações rítmicas e melódicas dentro formação. Ainda são poucas os estudos sobre as práticas de acompanhamento no contexto do choro (Taborda, 1995; Becker, 1996; Bittar, 2011) e quase nenhuma sobre o cavaquinho, ficando a reflexão sobre a prática no choro voltada para solistas e compositores. Nesse sentido o estudo da práxis do cavaquinista Waldiro Frederico Tramontano - o Canhoto (1908 - 1987), através da descrição e análise de sua trajetória artística e de aspectos peculiares de sua execução que o transformaram em uma das maiores referências para o cavaco-centro na música popular, é extremamente importante. Esperamos com esse trabalho contribuir para preencher esta lacuna na bibliografia sobre o choro e cavaquinho. O capítulo inicial deste estudo tem dois principais objetivos: produzir um relato biográfico sobre Canhoto e descrever sua carreira artística, focalizando sua atuação em três importantes grupos da história da música popular brasileira: o Gente do Morro, o Conjunto Regional de Benedito Lacerda e Canhoto e Seu Regional. A escolha justifica-se pela importância desses grupos na consolidação de um modelo básico de acompanhamento na música brasileira através da atuação do trio de acompanhamento Dino-Meira-Canhoto, – aliando violões em contraponto e cavaquinho centrista à percussão. Foi realizada uma revisão de literatura no intuito de levantar os dados biográficos disponíveis e compará-los com as duas principais fontes de informações sobre Canhoto conhecidas até o momento: o acervo pessoal de Waldiro – em posse de seu filho Adilson Tramontano – e um depoimento do próprio músico registrado em 1978 por Lilian Zaremba, que acreditamos ser o único registro em áudio da voz do músico. Zaremba registou uma série de depoimentos em 1978 para sua monografia do curso de graduação em História da PUC – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Ao todo foram 12 fitas cassetes que, posteriormente, foram entregues ao professor Henrique Cazes que nos revelou que a única defeituosa era a gravação de Canhoto. O material foi totalmente digitalizado e nos foi cedido gentilmente pelo professor. Dentre os depoimentos estão o de Dino Sete Cordas, Abel Ferreira, Severino Araújo, Copinha, Radamés Gnatalli e Orlando Silveira.

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Presentes no acervo de Adilson estão documentos e fotos que retratam vários momentos da carreira artística do músico, além de recortes de jornais e revistas (também encontradas no site da Hemeroteca da Biblioteca Nacional 1). Também foram realizadas entrevistas com Adilson e alguns cavaquinistas cariocas que conheceram pessoalmente o músico ou que possuem bastante conhecimento de sua obra. Trechos dos depoimentos serão utilizados constantemente ao longo do texto devido à relevância das informações em todos os âmbitos que abordamos na pesquisa. Vale lembrar que as entrevistas ainda tiveram como objetivo discutir algumas questões técnicas sobre o instrumento e a construção dos estilos de palhetadas, sendo alguns dos entrevistados fontes dos dois tipos de dados, o que torna necessário que as intervenções do entrevistador sejam pontuais e feitas somente quando as perguntas tiverem a finalidade de gerar um conhecimento ou dialogar sobre possíveis conclusões e hipóteses sobre a questão principal. Julgamos ser mais apropriadas entrevistas em formato semiestruturado (Fraser e Gondim, 2004), o que possibilitaria a mudança de abordagem de acordo com o objetivo das perguntas. Outro tópico do capítulo é reservado à descrição de sua trajetória profissional sendo necessário, em alguns casos, investigar possíveis informações contraditórias. No segundo capítulo basicamente demonstraremos como foram estruturados ao longo dos anos os procedimentos básicos e convenções encontrados na execução do cavaquinho ‘centro’ dentro do contexto musical que lhe é comum, contextualizando e preparando o leitor para o capítulo 3 – onde realizaremos a análise e caracterização do estilo de Canhoto através das gravações. Demonstraremos também como acontece a chamada divisão de tarefas em relação aos procedimentos rítmicos e harmônicos por parte do trio base de acompanhamento: cavaco, violão de 6 e violão de 7 cordas. O primeiro tópico está reservado à revisão de literatura, onde discutiremos sobre os processos de transformação dos gêneros choro e samba e suas relações, evidenciado o debate existente na literatura pós-1980 onde observamos uma crítica aos lugares de origem. A escolha de samba, choro e regional se justifica pelo fato de ser este o contexto onde se desenvolve a prática de Canhoto. Na segunda secção fizemos um histórico sobre as principais formações instrumentais utilizadas ao longo dos anos para execução do repertório dito popular, bem como de sua estruturação sonora/instrumental, além dos aspectos estruturais do gênero choro que, em alguns casos, auxiliava e até facilitava o aprendizado dos instrumentos e garantia aos músicos um conhecimento musical genérico sobre teoria musical. Serão 1

< http://hemerotecadigital.bn.br/>

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focalizados também aspectos do acompanhamento harmônico, frente às considerações de Carlos Almada em Harmonia Funcional (2009) e A estrutura do choro (2002). Na última secção será abordada a construção estilística de Canhoto, partindo de seus antecessores, transformações rítmicas até sua transformação em referência para as novas gerações. Discutimos a práxis musical de acompanhamento no choro e alguns aspectos de transmissão e aprendizado a fim de relacioná-los com a prática aqui estudada, dando ênfase em seu período de aprendizagem musical, naturalmente, pois é onde acreditamos existir maior influência do contexto sociocultural e de seu eventual professor (Galdino Barreto). A relação entre indivíduo e sociedade foi estudada por Mirian Goldenberg em seu livro A arte de pesquisar (1997) onde são apresentadas diversas abordagens para a realização de uma pesquisa qualitativa em ciências sociais. O método biográfico figura como importante ferramenta na tentativa de entender uma coletividade através de uma história de vida. A autora afirma que “cada individuo é uma síntese individualizada e ativa de uma sociedade, uma reapropriação singular do universo social e histórico que o envolve” (Goldemberg, 1997:36). O método foi utilizado na pesquisa com o objetivo de relacionar o contexto histórico no qual Canhoto estava inserido com sua prática musical. A relação se torna importante, pois partimos da hipótese que a construção estilística do acompanhamento de Canhoto sofre influência do processo de mudança de estilo nos padrões rítmicos empregados nos acompanhamentos do samba e choro no início da década de 1930 segundo padrões mencionados por Sandroni (2001). A transmissão musical foi observada a partir do conceito de ordem sonora, do etnomusicólogo John Blacking. No último capítulo será realizada a descrição, análise e extração dos elementos que compõem o estilo de Canhoto tendo como fontes primárias as gravações dos chamados “discos de carreira” e as entrevistas. Como metodologia de análise utilizamos alguns conceitos de Phillip Tagg para análise de música popular gravada (Tagg, 1979; Ulhôa 1999a,1999b, 2006) . Os musemas seriam fragmentos musicais presentes na música que possam ter um significado dentro de um contexto musical específico. Definidos como timbres, levadas, cadências, etc. os musemas são apresentados em partituras gráficas ou grades musemáticas podendo ser extraídos para uma análise individual. Nesse sentido a metodologia foi utilizada em algumas gravações ilustrativas, com relação às características estilísticas do músico e a utilização das palhetadas de gêneros mais importantes, onde foi possível

observar

acompanhamentos.

também a

recorrência

de

certos

motivos

rítmicos

em seus

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Para as análises foi realizado, inicialmente, um grande levantamento fonográfico dos três principais grupos que Canhoto participou ao longo da carreira: Gente do Morro, Conjunto Regional de Benedito Lacerda e Canhoto e Seu Regional. A pesquisa fonográfica foi realizada em três etapas. Iniciou-se em 2011 no Arquivo Nirez em Fortaleza-Ce, onde pudemos ter um panorama inicial da quantidade de gravações realizadas pelo músico em 78 RPM, principalmente dos dois primeiros grupos, já que Canhoto e Seu Regional atravessa uma fase híbrida em relação aos discos (78rpm e Lp’s). Há uma segunda etapa de ampliação do acervo da pesquisa através de blogs da internet especializados em gravações antigas como o Forró em vinil e Ao chiado brasileiro além de valiosas contribuições dos entrevistados que nos indicaram e nos cederam gravações e outros materiais. Consultamos também o acervo digital do Instituto Moreira Sales (IMS) e do Instituto Memória Musical Brasileira (IMMUB), onde pudemos escutar gravações de difícil acesso além de obter informações sobre os discos (ano de lançamento, gravadora, número de catálogo, etc). Atualmente estamos trabalhando para reunir todo esse acervo de gravações realizadas por Canhoto ao longo da carreira. A tarefa é difícil, pois como vimos anteriormente as fichas técnicas são inexistentes em muitos casos. Há outros mecanismos menos confiáveis como associá-los às gravadoras das quais eram funcionários ou ainda contar com a memória de alguns músicos que viveram no período como Jorginho do Pandeiro 2, sempre atentando para os eventuais problemas deste método. Porém a melhor maneira de identificá-lo nas gravações ainda é a escuta crítica e, pensamos que a partir de agora, uma escuta guiada. Devido ao grande número de gravações foi preciso criar categorias que limitassem a amostragem, já que o arco temporal em que o músico atuou é de quase 50 anos (1932 – 1980). Sabemos ainda que alguns dos músicos dessas formações, mais precisamente Dino e Meira juntamente com Canhoto, também estão presentes em vários outros discos da música popular, porém sob outra denominação ou mesmo sem serem devidamente identificados quando estavam na condição de acompanhadores. Segundo o Instituto Memória Musical Brasileira (IMMUB) somente com nome de Canhoto e Seu Regional, foram oito Lp’s, cerca de trinta e seis 78rpm, três coletâneas e projetos extras, além de participações em lançamentos que reuniam vários artistas do choro e também do samba. O site Discos do Brasil indica a participação como acompanhador em, aproximadamente, mais de 360 músicas divididas em 2

Jorge José da Silva (1930) é atualmente um dos últimos representantes do choro da era do rádio ainda vivo e em atividade. Nascido numa família de importantes músicos para choro como Dino 7 Cordas, entrou em 1956 para o Regional do Canhoto onde ficou até a década de 1960. Em 1972 passou a integrar o Época de Ouro que estava parado devido o falecimento de seu fundador Jacob do Bandolim.

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65 discos (vinil) durante sua carreira. Assim, no intuito de não aumentar ainda mais um leque considerável de gravações, foi preciso criar categorias que limitassem a amostragem, considerando a carreira do instrumentista. Os critérios para essa seleção foram, principalmente, a qualidade das gravações e a capacidade de ilustrar elementos estilísticos representativos que encontramos na execução do músico. Nesse sentido são importantes os discos de carreira entre 1951 e 1969, onde o regional de Canhoto aparece como artista principal, e os discos do paraense Ary Lobo 3. Ary foi cantor e compositor de baiões, cocos e rojões. Seus discos foram importantes nesse estudo pelo fato de o cavaquinho ter sua sonoridade destacada nas gravações devido à instrumentação utilizada (com predominância de instrumentos de percussão), favorecendo uma boa audição das dinâmicas rítmicas do instrumento durante as músicas. Também foi produzido um catálogo parcial das gravações realizadas por Canhoto em discos de 78 rpm entre os anos de 1932 e 1965, além dos citados no texto, no intuito de facilitar a identificação em gravações mais antigas, assim como referenciar este trabalho. Outra importante fonte para análise foram as entrevistas realizadas com Bernardo Diniz, Luciana Rabelo, Henrique Cazes e Mauricio Verde que são cavaquinistas e alguns, pesquisadores. A escolha dos entrevistados se deu pelo fato de três desses músicos terem conhecido pessoalmente Canhoto e outro ter sido aluno da principal representante do estilo na atualidade, Luciana Rabello. Além do contato consideramos a relevância dos músicos no cenário atual e os traços estilísticos identificáveis em sua prática, com relação a de Canhoto. Os depoimentos são bastante esclarecedores sobre aspectos técnicos, tecnológicos (construção do instrumento utilizado pelo músico), contexto sociocultural, dentre outras informações. Ressaltamos a importância destes depoimentos para caracterização, já que a partir deles podemos ver de vários prismas como os músicos percebem as nuances estilísticas e compreendem a práxis do cavaquinista. Foram realizadas audições conjuntas de gravações junto com os entrevistados na tentativa de dialogar sobre características mais importantes além da identificação do músico em gravações mais antigas. O ato de descrever, explicar o estilo que já é tão internalizado para eles na prática, nos rendeu boas observações. Lembramos que Canhoto tocava com as cordas na posição comum, a de destro, mas virando o instrumento para o lado oposto do usual. Apesar das questões ergonômicas (postura 3

Gabriel Eusébio dos Santos Lobo (1930-1980), o Ary Lobo, era soldado da aeronáutica antes de vir seguir carreira artística no Rio de Janeiro. Começou apresentando-se em programas de calouros na Rádio Clube do Pará. Gravou seu primeiro disco pela RCA em 1958. Depois disso popularizou grandes sucessos como O último pau-de-arara e vendedor de caranguejo (RCA Victor BPL 3060).

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e mão motora) representaremos os exemplos, com suas devidas articulações, considerando a direção dos movimentos sonoros: do grave para o agudo (para baixo) ou ao contrário (para cima) – a segunda caracterizando um de seus principais elementos identitários que denominamos de ‘volta’.

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Capitulo 1 – Canhoto no choro: Contextualização

1.1. Biografia

Talvez se nos referíssemos à figura central deste estudo somente por seu nome de registro em cartório, Waldiro Frederico Tramontano, poucos seriam capazes de associá-lo a figura emblemática que ele se tornou para o cavaquinho, para o choro e, porque não dizer, para música popular brasileira. Referir-se, então, somente ao seu apelido, Canhoto, certamente geraria mais dúvidas quanto a sua identificação no meio musical – principalmente no contexto do choro – já que outros músicos brasileiros já se utilizaram dessa característica motora para criação de seu nome artístico. Para ficarmos somente nos mais conhecidos, como Waldiro, Américo Jacomino (1889-1928) e Rogério Guimarães (1900-1980) também tem seus nomes artísticos relacionados com o apelido, deixando para os momentos “não-musicais” seus nomes de batismo. Sem esquecermos Francisco Soares de Araújo, o Canhoto da Paraíba (1928 - 2008), que além do apelido ainda teve sua naturalidade agregada ao nome. Ainda é possível encontrar vários outros músicos com o mesmo codinome nos relatos sobre música popular do final do século XIX e início do século XX, talvez pelo fato de causar estranheza a execução de um instrumento do lado contrário do normal (na visão dos destros), sendo logo associado ao apelido quando surgia. Então, para não restar dúvidas, falaremos aqui sobre o cavaquinista Canhoto do cavaquinho nascido em 9 de agosto de 1908, na rua São Clemente, na vila de número 216, no bairro de Botafogo – situado na zona sul da cidade do Rio de Janeiro (tendo em vista a atual disposição social da cidade). Filho mais velho de 5 irmãos, perdeu o pai ainda menino tendo que ajudar na renda familiar desde muito cedo, catando bolas de tênis em um clube localizado no bairro onde nascera. Um leitor interessado em música popular brasileira, certamente, em algum momento, já se deparou com o nome do músico na literatura especializada. É considerado, por muitos músicos e chorões espalhados pelo país, como um dos maiores representantes da escola de cavaquinho-centro, rítmico-harmônico ou de acompanhamento da história de nossa música, fato que infelizmente não se traduziu em materiais biográficos sobre sua carreira e sua prática musical, como observamos já ter acontecido com seus eternos companheiros de regional Dino Sete Cordas e Meira 4.

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Dino (Horondino José da Silva) – o Dino Sete Cordas, é certamente um dos nomes mais importantes do violão de sete cordas, ajudando a definir o modelo de execução adotado por muitos instrumentistas posteriores a ele

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De ascendência italiana, como nos revela seu sobrenome “Tramontano”, Waldiro teve sua iniciação musical cedo, “começou a tocar cavaquinho bastante jovem, tomando parte, desde os seus oito anos de idade [1916] em numerosas reuniões festivas, integrando diferentes conjuntos que iam exibir-se à Rua General Polidoro” (RCA Victor, 1956). Em depoimento, Canhoto também comenta sobre as reuniões festivas que ocorriam em sua casa e sobre seu inicio no instrumento. Eu tinha oito anos de idade, e ia sempre uma turma lá em casa, quando eles saíam dos bares eles iam pra minha casa tocar... quatro, cinco horas da manhã eles iam tocar. E eu vi o cavaquinho e gostei muito! Então falei com meu pai e ele colocou um professor de cavaquinho, mas eu sou canhoto. Então eu aprendi virando as cordas. (Depoimento de Canhoto à Zaremba, 1978)

O trecho nos revela pontos importantes sobre o período de iniciação e aprendizado musical de Canhoto onde havia um ambiente movimentado por reuniões musicais – provavelmente patrocinadas por seu pai – além da presença de um professor de cavaquinho. A prática coletiva proporcionada pelas rodas de choro, “reuniões festivas” além das participações em “conjuntos” que realizavam apresentações em espaços de seu bairro, também ganham, assim, relevância no processo no sentido de vivenciar as lições aprendidas com o professor. Outro ponto importante para o estilo de Canhoto será a disposição das cordas no cavaquinho. Logo na sequência da entrevista o músico comenta que logo após ter aprendido “todas as posições” como um canhoto normalmente faz, invertendo as cordas, um violonista chamado Seu Oscar disse a Canhoto: “você tem que aprender com as cordas direitas [grifo do autor], se não você não toca instrumento nenhum e os outro não também não tocam seu instrumento... aí tive que aprender novamente.” (Zaremba, 1978). Dessa forma o músico teria adquirido a primeira grande característica de seu estilo não por uma necessidade técnica, mas por sugestão de outra pessoa frente ao contexto sociocultural da época onde o compartilhamento e comunhão musical pareciam permear as rodas de choro e reuniões festivas. Ainda sobre seu provável professor, é cogitada a possibilidade do cavaquinista Galdino Barreto ter ocupado tal posição, como veremos adiante. Para Aragão (2011) essa prática de ensino é considerada informal devido a uma série de fatores, como métodos e legitimidade em relação às instituições de ensino de música da época. Na virada do século XIX para o século XX, professores informais eram comumente encontrados no ambiente do – e Meira (Jayme Thomás Florence) – violonista pernambucano, professor de violão de instrumentistas como Raphael Rabello e Baden Powell.

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choro, principalmente em relação ao violão e cavaquinho. O termo é utilizado, por Aragão (2011) de modo a demonstrar uma oposição ao formalismo no ensino de música vinculado as instituições tradicionais da sociedade carioca no período como, por exemplo, o Conservatório de Música e os professores ligados a ele. A oralidade também sugere que certas práticas se tornem um modelo, referência de uma prática ideal para alguém ou, ainda, para determinados grupos. A relação entre Galdino e Canhoto será aprofundada no capítulo seguinte. Em 1927/1928, devido a uma epidemia de febre amarela, Canhoto foi trabalhar na saúde pública como mata-mosquito onde conheceu um trombonista de nome Benjamim e esta amizade lhe possibilitou a frequência em várias festas e rodas de choro da cidade do Rio de Janeiro. Em uma dessas festas, na casa de Alfredo José Rodrigues, o Alfredinho Flautim (1884 – 1958) – que participou do Grupo da Velha Guarda 5 organizado por Almirante na década de 1950 –, conheceu o violonista Gorgulho (Jacy Pereira). Segundo o texto biográfico da RCA Victor (1956) sobre Canhoto, teria sido o violonista Gorgulho, então integrante do recém-criado Gente do Morro liderado pelo flautista Benedito Lacerda, quem o convidou para participar do grupo. Porém, no depoimento à Zaremba (1978), Canhoto credita sua entrada no grupo e sua posição na música popular a Antônio Carlos Martins (1913 – 1985), também conhecido como Russo do Pandeiro e considerado por muitos um virtuose em seu instrumento, esclarecendo também a data de ingresso no grupo Gente do Morro como veremos a seguir. Paulo Flores (2007) no encarte do disco “Benê, o flautista” também cita informações sobre o trabalho na saúde pública. Segundo Flores, Waldiro “ganhava a vida como mata-mosquitos ansiando poder se dedicar a música completamente” (Flores, 2007:21) o que foi possível somente nos primeiros anos da década de 1930 com sua profissionalização através do Gente do Morro e da consequente fixação dos conjuntos regionais nas rádios. O rádio possibilita, assim, o início da carreira profissional de Waldiro e de muitos outros músicos de choro na capital federal que passam a assinar contratos com emissoras de rádio e gravadoras da época, mudando sua posição trabalhista de autônomo para empregado, sendo considerados funcionários das emissoras recebendo salário fixo e até multas por eventuais atrasos. Os contratos de exclusividade existiam em alguns casos, mas era grande a rotatividade de músicos e regionais entre as emissoras de rádio e gravadoras através de artifícios como a mudança de nome dos conjuntos ou até mesmo gravações isoladas/pontuais. A profissionalização também abriu um leque de possibilidades para o músico, como a participação em outras formações instrumentais além dos regionais. Após a entrada para o 5

O grupo contava ainda com as participações de Pixinguinha, Donga, João da Baiana, Bide, dentre outros, e gravou entre 1955 e 1956 três discos: A Velha Guarda, Carnaval da Velha Guarda e Festival da Velha Guarda.

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grupo de Benedito, Canhoto atuou em uma orquestra que acompanhava a famosa bailarina Eros Voluzia Machado (1914-2004) e também na tradicional “Casa de Caboclo”, fundada por Antônio Lopes de Amorim, o Duque (1884 – 1953), dentre outro artistas como Jaraca & Ratinho e Pixinguinha. O espaço localizava-se na Praça Tiradentes, no centro da cidade do Rio de Janeiro, mais precisamente no saguão do teatro São José e era dedicado a encenação de peças do Teatro de Revistas com temáticas sertanejas, além da prática de músicos populares. Segundo o depoimento de Meira a Sônia Maria Braucks Calazans Rodrigues no livro Jararaca e Ratinho: a famosa dupla caipira (1983) antes do início das apresentações teatrais, um grupo de músicos se apresentava na sala de espera do teatro com o objetivo de atrair público para a parte interna. Dentre os músicos citados no depoimento estão Meira, Canhoto, Benedito Lacerda, João Frazão, Romualdo Miranda, Jacob Palmieri, Vidraça e João de Deus. Segundo Bittar (2011) este teria sido o primeiro encontro de Meira com Lacerda e Canhoto.

Fotografia 1: Casa de Caboclo em 1932. Foto do acervo pessoal de Adilson Tramontano, 2008.

Como músico profissional participou da inauguração de duas importantes emissoras de rádio nos anos de 1934 e 1935: a Rádio Guanabara e a Rádio Tupi. As viagens também foram constantes nos primeiros anos de carreira, tendo participado de excursões com o Gente do Morro às cidades de Campos, Muqui e Vitória, em 1934, onde contaram com a luxuosa participação de Noel Rosa (Almirante, 1977). As viagens no início de carreira eram comuns,

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mas logo os compromissos com o rádio e gravações tomariam conta do dia a dia de Canhoto o impedindo de viajar frequentemente, como nos contou Adilson em depoimento. O retorno ao Rio de Janeiro marca também a mudança do nome do grupo, que passa a se chamar Conjunto Regional de Benedito Lacerda. Em depoimento a José Eduardo Homem de Mello (ZUZA) para o encarte do disco Os Choros dos Chorões (1977) o próprio Canhoto comenta sobre a mudança de nome. Em 1932 eu entrei para o conjunto Gente do Morro de Benedito Lacerda. Nós fizemos uma viagem para Campos em 34 [1934] com Noel Rosa e lá, o pessoal começou a perguntar se a gente não andava de tamanco. Sabe como é, Gente do Morro, tu já viu, não é? Aí, quando voltamos pro Rio, o Benedito resolveu mudar o nome do conjunto. Bobagem botar Gente do Morro. (CANHOTO, 1977)

O antigo nome foi sugerido por José Barbosa da Silva, o Sinhô (1888 – 1930), em uma tentativa de referência a origem de alguns dos integrantes do grupo, como veremos mais detalhadamente no tópico a seguir. No ano seguinte a viagem, Canhoto seguiu para uma temporada em Buenos Aires, na Argentina, acompanhando Francisco Alves e Alzirinha Camargo que foram contratados para inauguração da rádio El Mundo. Em 1937, também foi a São Paulo apresentar-se com o Almirante (Henrique Foréis Domingues, 1908 – 1980) (RCA Victor, 1956). No rádio, era comum cada emissora contar com seu conjunto regional que, em alguns casos, tinha um caráter exclusivo. Canhoto, como participante do regional de Benedito, trabalhou sob contrato de 1938 a 1945 na Rádio Clube do Brasil e, após viagem ao Uruguai – para tocar junto com a orquestra do Cassino de Copacabana – ingressou na Radio Tupi onde permaneceu até 1950 (RCA Victor, 1956). Em dezembro de 1950 devido a várias questões (dentre elas salariais, o câncer de Benedito e sua indisponibilidade por conta dos compromissos na campanha política de Adhemar de Barros à presidência da república) é criado o Regional do Canhoto, que contava ainda com Altamiro Carrilho (substituindo Lacerda) e Orlando Silveira. O conjunto passa a atuar na Rádio Mayrink Veiga até seu fechamento por questões politicas em 1965. Tornou-se artista exclusivo da RCA Victor e, segundo consta no texto biográfico do músico produzido pela gravadora “seu primeiro disco apareceu a 13 de abril de 1951 reunindo o baião ‘Gracioso’, e a popular composição ‘Meu limão, meu limoeiro’ num sugestivo arranjo do próprio Canhoto”. Na época a gravadora planejava lançar também “o long play BPL-3013” que viria a ser “o primeiro disco em long play (vinil), de Canhoto e Seu Regional, sob o titulo de Baiãomania” (1956). O regional atuava no acompanhamento de vários cantores de sucesso, mas também tinha sua carreira

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como grupo de música instrumental lançando diversos discos como artistas principais. Passou a ser considerado um modelo por excelência por conta da competência e versatilidade que tinha em acompanhar uma grande variedade de gêneros. Canhoto faz parte de um seleto grupo de músicos que contrariavam o procedimento comum para época de nomeação dos regionais. Normalmente os solistas nomeavam os grupos como, por exemplo, o Conjunto Regional de Benedito Lacerda, Regional de Dante Santoro, entre outros, e Waldiro, mesmo sendo um músico acompanhador, passa a dar nome ao regional. Há, na discografia e bibliografia, três nomenclaturas utilizadas para se referir ao seu regional: Regional do Canhoto, Canhoto e Seu Conjunto e Canhoto e Seu Regional. Adotaremos no texto o último nome, pois nos parece ser o nome artístico do grupo por aparecer na maior parte dos discos. Antes poucos regionais haviam optado por essa dinâmica de liderança. Para citar alguns temos o Grupo do Canhoto (do violonista Américo Jacomino), e mais tarde o Regional de Rogério Guimarães (violonista), dentre outros (Taborda, 1995). Vale ressaltar que nos últimos dois casos os líderes, apesar de violonistas, eram solistas e compositores.

Fotografia 2: No papel de líder, Canhoto também cedia sua imagem para divulgação e capa dos discos do grupo. Capa do disco 78rpm lançado em 1959 pela Odeon (14512).

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Em outro texto sobre o músico, Castro (2008) destacada a liderança e organização do músico, características que o teriam ajudado a assumir a liderança do regional com a saída de Benedito Lacerda em 1951, além do respeito que os outros integrantes tinham por ele ser o músico mais antigo naquela formação. A relação de companheirismo entre Lacerda e Canhoto era tamanha que ao criar uma cooperativa financeira para os componentes de seu conjunto, o flautista indicou Waldiro para tesouraria, que segundo as informações do biógrafo de Benedito Jadir Zanardi sempre desempenhou bem as atividades (2008). Depois de ter se aposentado, Canhoto recebeu algumas homenagens. Uma delas aconteceu em 26 de Maio de 1977 na primeira edição da série de shows O Fino da música, promovido pela Rádio Jovem Pan, e realizado no Palácio das Convenções do Anhembi, São Paulo. Entre os organizadores do evento estava o musicólogo e jornalista Zuza, o mesmo do disco Os Choros dos Chorões citado anteriormente. O show do Anhembi virou disco, e no texto de apresentação da contracapa o jornalista explica:

Acho que a ideia de reunir os componentes originais do regional do Canhoto começou a me cutucar a cabeça em novembro de 76 no II Encontro dos Pesquisadores da Música Popular Brasileira, quando nossas reuniões foram abertas com uma apresentação do trio Canhoto-Dino-Meira e mais o Altamiro. Mas só meses depois é que a imagem daqueles colossos me voltou: foi quando a Rádio Jovem Pan decidiu fazer o primeiro Fino da Música – ideia do Tuta [Antônio Augusto Amaral de Carvalho] – uma nova etapa de sua campanha que já tinha 2 anos, em favor do músico brasileiro, um sujeito que se não fosse prestigiado logo logo, corria sérios riscos de vida. (Depoimento de Zuza na contracapa do disco O Fino da música, 1977).

Canhoto e Seu Regional faziam, naquela ocasião, 25 anos da reunião de sua primeira formação e Dino, Meira e Canhoto fariam 40 anos de parceria nos regionais que atuaram. Após receber o convite nos estúdios da RCA, Waldiro declarou ao jornalista certa dificuldade em reunir os antigos companheiros de regional com um intuito profissional novamente: "Olha, tem muita gente que já tentou fazer isso. Eu já estou aposentado, a gente não toca mais em público...” (Zuza, 1977). As quatro últimas faixas de O Fino da música, que ainda contou com a participação de nomes importantes do choro como Paulo Moura e Raul de Barros, são reservadas a homenagem ao cavaquinista e seu regional com a formação original (com exceção de Gilson). Ao fim da penúltima faixa do disco, Altamiro Carrilho discursa atestando a importância do trio Canhoto-Dino-Meira para música popular brasileira.

“E agora se vocês me permitem, duas palavras, duas palavras emocionadas de minha parte e tenho certeza que estarei, nesse momento, representando o pensamento de todos vocês, bons brasileiros que são. A esses três homens: Dino, Meira e Canhoto,

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que há 40 anos vem trabalhando em favor da música popular brasileira, tendo acompanhado os mais famosos cantores que pelo rádio brasileiro passaram, e sem contar com os estrangeiros que tem passado por aqui, as mais famosas gravações de regional foram feitas por esse trio de cordas, ora com clarinete, ora com a flauta de Benedito Lacerda, ora com o saxofone de Pixinguinha, ora com o bandolim de Jacob, mas sempre os três sustentáculos da música popular brasileira [começam as palmas]. E para esses três homens que eu peço uma salva de palmas muito especial.” (transcrição do discurso de Altamiro Carrilho na faixa 13 do disco O Fino da música, 1977)

Em outra oportunidade foi homenageado no do 5º Concurso Conjuntos de Choro promovido pela Fundação Rio 6. Em seu acervo pessoal, encontramos também um panfleto e um convite para o evento que ocorreu entre os meses de novembro e dezembro de 1981. No panfleto há um pequeno texto intitulado Homenagem a Canhoto, de autoria de Sérgio Cabral, reverenciando a atuação do músico e sua importância para a música popular. “O cavaquinho de Canhoto já atravessou mais de meio século da história da música popular brasileira e está registrada em milhares de discos. Como instrumentista e como líder de conjuntos musicais, Canhoto percorreu toda a sua longa carreia, contribuindo para nossa música com muito talento e muita dignidade. Todos nos devemos muito a ele.” (Panfleto do 5º Concurso Conjuntos de Choro, 1981).

Fotografia 3: Convite para a final do 5º concurso de conjuntos choros em 1981. Acervo Adilson Tramontano, 2008. 6

Órgão vinculado à secretaria Municipal de Educação e Cultura da Prefeitura do Rio de Janeiro.

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Fotografia 4: Panfleto de divulgação do 5º Concurso Conjuntos de Choro, 1981. Acervo Adilson Tramontano, 2008.

Apesar desta posição de prestígio entre os pares, como foi ilustrado pelas citações acima, há, desde a chegada do Rádio, uma desvalorização dos músicos responsáveis pelo acompanhamento que, segundo Ary Vasconcelos em Carinhoso e etc: história e inventário do choro (1984) acontece em duas estâncias: num primeiro momento em relação aos solistas nos regionais, e posteriormente, aos cantores da Era do Rádio. No livro o autor divide a história do choro em seis gerações identificando a época dos regionais e cantores de rádio como sendo a quarta geração (1927-1946). O fato também se reflete nos trabalhos de cunho acadêmico e até mesmo biográfico onde o foco, na maioria das vezes, está sobre os grandes solistas e compositores. Observando dissertações sobre o choro, solistas como Jacob do Bandolim, Altamiro Carrilho, Raphael Rabello e K-Ximbinho (Côrtes, 2006; Cândido e Sarmento, 2005; Borges, 2008; Costa, 2009) já haviam recebido alguma atenção. Os companheiros de regional de Waldiro, Dino Sete Cordas e Meira, também já foram objetos de estudo – sendo o último um pouco mais recente (Taborda, 1995; Pellegrini, 2005; Bittar, 2011). Chamamos atenção para uma faceta pouco comentada do músico: a de solista. Sabemos que Canhoto não gostava de solar, como ele mesmo já declarou em depoimento,

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mas de certo teve que fazê-lo em algumas eventualidades. No periódico Radiolândia datado de 19/2/1955, o jornalista Oswaldo Miranda – em matéria sobre Canhoto e Seu Conjunto – ressalta o processo de mudança “de como um modesto ‘regional’ se transforma numa das maiores atrações do Rádio brasileiro” (Radiolândia, 1955). Logo no inicio do texto, o autor comenta sobre o passado recente do regional que possuía “apenas quatro: dois violões, um cavaquinho e um pandeiro”, onde algumas vezes Canhoto aparecia como solista, certamente substituindo o flautista Benedito em suas frequentes faltas. Miranda ainda comenta: “vez por outra, Canhoto, o notável solista, dava uns ares de sua graça. Fazia um solinho, muito certinho, muito rico e sonoridade, mas depois do número, seco como é, mal agradecia os aplausos do público, escondendo-se por detrás de Dino, Florence ou Gilson, ou seja, os violões e o pandeiro” (Radiolândia, 1955)

Sérgio Cabral (1997) também nos revela um fato ocorrido em que o músico “solou o restante da música no cavaquinho” em uma das apresentações do programa O Pessoal da Velha Guarda quando Lacerda foi “vencido por uma crise de choro” ao executar uma composição de Pixinguinha, que estava com problemas de saúde na época. Na pesquisa fonográfica também identificamos uma gravação raríssima, onde Canhoto sola a primeira parte de uma composição da qual assina sozinho em 1952: Canhotinho (RCA Victor 80-0991b), sugerindo certa habilidade com as melodias. Apesar de ter declarado não ser compositor (Zaremba, 1978) a pesquisa fonográfica também revelou algumas parceiras em choros gravados nos primeiros anos de Canhoto e Seu Regional como Gingando (RCA Victor 800808-a), Teco Teco (RCA Victor 80-1148-b), Visitando (RCA Victor 80-1364-b), Lenço branco (RCA Victor 80-1509-a) e O beijo do meu bem (RCA Victor 80-1633-b). A maior parte das parcerias são com seus companheiros de regional (Dino, Meira e Orlando Silveira). Acreditamos que, por ser contratado da gravadora, o grupo tinha que produzir discos constantemente, fato que poderia ter desencadeado as composições e parcerias dos músicos. Ou ainda por ser líder do conjunto seu nome pode ter sido vinculado em algumas composições. Em 2008, o Instituto Casa do Choro e a Escola Portátil de música (EPM) organizaram outra grande homenagem à memória do músico através da IV edição do Festival Nacional do Choro – Ano Canhoto. Sobre o homenageado foi produzido um texto informativo que encontra-se disponível no site da EPM. Como sugere o título, o texto comemora os 100 anos de nascimento do músico e traz algumas curiosidades como o gosto por tocar em pé nas rodas e não ingerir bebidas alcóolicas nessas ocasiões, preferindo leite. O gosto peculiar pela bebida

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chegou a ser piada registrada em disco, onde Ciro Monteiro e Dilermando Pinheiro brincam ao ver a mesa cenográfica do show Teleco Teco Opus Nº 1 (Philips P 632.788 L) sem nenhuma bebida alcoólica: “Olha... olha que mesa de boteco mais desmoralizada...leite! Parece até a mesa da casa do Canhoto!” (transcrição da fala de Ciro Monteiro no inicio do show, 1966). Na década de 1980 Canhoto passa a atuar cada vez menos profissionalmente, participando apenas de encontros informais e frequentando rodas de choro em bairros do Rio de Janeiro como a Penha e Ilha do Governador (Castro, 2008) 7. Em agosto de 1987 na coluna Música: Seus nomes suas histórias do jornalista Lauro Gomes, após fazer um resumo da carreira do regional de Canhoto, volta a atenção para as condições de saúde do líder do grupo que “nas proximidades dos 80 anos, encontra-se seriamente enfermo. Não merece e não deve ser esquecido” (recorte de periódico não identificado, 1987 – Acervo Adilson). Três meses depois, em 24/11/1987, Canhoto falecia no Rio de Janeiro abatido pela doença de Alzheimer. Canhoto era casado com Adelaide Franco Tramontano e juntos tiveram somente um filho, Adilson. Pensar que a “canhotice” do músico (uma de suas principais marcas) o ajudou na criação de um estilo próprio é natural, porém sempre nos ficou a dúvida do porquê desse estilo ter se tornado tão popular (entre destros e canhotos) a ponto de se transformar em uma referência para o instrumento. Neste ponto pensamos que a visibilidade e difusão proporcionadas pelas gravações realizadas através do rádio, a parceria com Dino e Meira e a presença em diversos discos de estilos diferentes podem ser alguns dos motivos a se considerar, além da sempre comentada precisão rítmica de sua prática e uma integração com os outros instrumentos da formação. Na seção a seguir discutiremos mais detalhadamente alguns pontos da trajetória artística de Canhoto tendo como ponto de apoio sua participação nos três principais regionais que participou: Gente do Morro, Regional de Benedito Lacerda e Canhoto e Seu Regional.

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Disponível em: < http://www.escolaportatil.com.br/SiteFestEditionsLink.asp >. Acedido em 10 de Jul. de 2013.

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1.2.

Trajetória artística e profissional: os Conjuntos Regionais, o Rádio e o Disco.

1.2.1. Gente do Morro

O grupo Gente do Morro foi criado em 1928/1929 pelo flautista e líder do grupo Benedito Lacerda e foi nomeado a partir de uma sugestão de Sinhô, em alusão aos músicos que vinham das regiões menos nobres da cidade do Rio de Janeiro, já que os primeiros integrantes do grupo eram, em sua maioria, moradores do bairro do Estácio e alguns outros pertenciam à classe média da população carioca. O conjunto gravou muitas canções populares que eram interpretadas por cantores da época como Idelfonso Norat e pelo próprio Benedito, além da execução de musicas instrumentais. Segundo o biógrafo de Lacerda, Jadir Zanardi em E a saudade ficou (2009) “o grupo se destacou pela qualidade musical e organização, reunindo importantes músicos” (Zanardi, 2009: 25). Ary Vasconcelos em Carinhoso e etc. (1984) destaca características sonoras como sendo “os breques e as pontuações das percussões” as principais características do grupo. Em sua dissertação de mestrado o violonista José Paulo Thaumaturgo Becker, também destaca o “desempenho da percussão, os breques e os ponteios da flauta” além das “inversões harmônicas que fazia nos sambas” (Becker, 1996:51). De fato a sonoridade do grupo é bastante característica já que desde as primeiras gravações mostravam-se capazes de aliar a instrumentação básica dos conjuntos de choro (cavaquinho e violões) com a percussão – esta já com forte influência do “pessoal do Estácio”, referindo-se ao bairro onde cresceu o flautista e alguns dos percussionistas do grupo conhecidos por suas contribuições rítmicas ao samba como Russo do Pandeiro. Uma das primeiras gravações a trazer instrumentos de percussão foi o samba Na Pavuna gravado em 1929 pelo Bando dos Tangarás (Almirante, 1977:68), porém o Gente do Morro é quem apresentará recorrentemente esse recurso em suas gravações. Ao comparar os registros fonográficos dos dois grupos, Bittar constata que a “presença da batucada não é tão recorrente” nas gravações do Bando dos Tangarás ao contrário do Gente do Morro (Bittar, 2011:52). Essa marca constante nas gravações do Gente do Morro anuncia o que viria a ser a base instrumental da formação dos conjuntos regionais com a ascensão do rádio no inicio da década de 1930: violões, cavaquinho, percussão e um instrumento solista. Sobre a formação inicial do grupo as informações são divergentes, necessitando assim de alguns esclarecimentos. Vasconcelos (1984) aponta os seguintes músicos: o líder do grupo

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Benedito Lacerda (flauta), Macrino, Bernardo e Doidinho (violões), Canhoto (cavaquinho) e Russo do Pandeiro. Taborda (2010) indica formação parecida com a de Vasconcelos: tendo Waldiro, Benedito, Maurinho, Bernardo e Doidinho na percussão. Henrique Cazes em Choro: do quintal ao municipal (1988) e o pesquisador Sérgio Prata em A história dos regionais 8 identificam Canhoto como integrante primeiro, não determinando uma formação especifica identificando apenas os mais famosos como Benedito, Russo do Pandeiro e Canhoto. O último ainda sugere que foi a primeira reunião de dois “dos mais importantes músicos brasileiros: o flautista Benedito Lacerda e Waldiro Frederico Tramontano, o Canhoto do cavaquinho” 9, enquanto Zanardi (2009) refere-se à formação mais famosa não se atendo ao período cronológico: Benedito, Canhoto, Gorgulho (Jacy Pereira) e Ney Orestes nos violões e Russo do Pandeiro. A parte da biografia de Benedito reservada a sua participação dos regionais identifica substituições na formação sem, novamente, indicar o ano. O nome do cavaquinista Júlio dos Santos aparece como integrante do grupo sem deixar claro, no entanto, sobre a saída ou não de Waldiro. Em As escolas de samba do Rio de Janeiro (2004) o nome Júlio dos Santos aparece em destaque como secretário do bloco União do Estácio de Sá, porém não se tem, até o momento, informações biográficas o cavaquinista. Ainda faziam parte da primeira formação do grupo, segundo Zanardi (2009), o cantor Idelfonso Norat, Bide (Alcebíades Barcelos) e Cipriano Silva. Já a ficha técnica fornecida por Becker (1996) é equivocada, merecendo pequenas correções. A mencionada dissertação que citaremos algumas vezes ao longo desse texto devido a sua rica revisão bibliográfica sobre o choro, dentre outras qualidades, tem como objetivo relatar o funcionamento do violão de 6 cordas no conjunto regional tendo como exemplo um grupo representativo do gênero, o Época de Ouro – criado por Jacob do Bandolim na década de 1960. Becker inicia seu texto citando alguns dos importantes regionais da história como o de Dante Santoro, Garoto, Waldir Azevedo, Luperce Miranda, dentre outros. Sobre a criação do grupo Gente do Morro no fim da década de 1920, o autor comete um deslize ao identificar o cavaquinista Canhoto como Américo Jacomino (1889-1928) quando sabemos, conforme vimos anteriormente, que seu verdadeiro nome é Waldiro Frederico Tramontano. O erro é bastante comum já que existem em nossa música popular no mínimo mais três instrumentistas ligados ao choro com o mesmo apelido, conforme vimos anteriormente. Na dúvida, sugerimos 8

Em: < http://www.samba-choro.com.br/fotos/porexposicao/exposicao?exposicao_id=1 > Acesso em: 12 Jun. 2013. 9 Idem.

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que sempre façamos a relação dos músicos com seus instrumentos para não confundi-los já que dos três somente Waldiro era o único cavaquinista, sendo os outros três violonistas. Podemos observar também que Jacomino faleceu no mesmo ano de nascimento de Canhoto da Paraíba (1928) e, consequentemente, das primeiras gravações de Waldiro como profissional. Na condição de estudante, diversas vezes foi necessário esclarecer a outras pessoas durante o período de desenvolvimento da pesquisa que o estudo se tratava do cavaquinista e não dos violonistas. Coincidentemente, dois dos instrumentistas citados eram solistas e/ou compositores, condição que na história de nossa música popular é mais valorizada assim como a posição de cantor segundo Vasconcelos (1984) que comenta sobre o grande sucesso do rádio entre as décadas de 1927 e 1946, onde “sobrarão apenas migalhas para os músicos, alguns simplesmente maravilhosos, porém todos reduzidos ao papel humilde – às vezes até humilhante – de acompanhadores” (Vasconcelos, 1984:29). Entretanto, não achamos que a posição de músicos acompanhante fosse desonrosa já que os conjuntos regionais foram criados com a função de acompanhar os grandes “astros da música vocal” como diz o autor logo em seguida. Porém é sensato dizer que os devidos créditos não foram dados a esses músicos a começar pela inexistência das fichas técnicas de muitas gravações do período, dificultando estudos como este que tem como foco os músicos acompanhadores. Essas informações acabam ficando a cargo da memória de alguns músicos que viveram no período e da transmissão oral dessas informações dentro da cultura do choro e, claro, do trabalho dos dedicados pesquisadores e estudiosos do gênero. Outro trabalho que nos ajuda a esclarecer sobre as formações do Gente do Morro e, posteriormente, Conjunto Regional de Benedito Lacerda, é a dissertação do também violonista Iuri Lana Bittar sobre o emblemático Jayme Tomaz Florence, o Meira. O trabalho visa analisar os acompanhamentos executados pelo violonista ao longo de sua carreira que tem início em 1928 (com a participação no grupo Voz do Sertão), passando por sua participação no Conjunto Regional de Benedito Lacerda e se prolongando até a década de 1980 (com a participação no Regional de Canhoto, outros trabalhos importantes e a morte do instrumentista). O estudo está dividido em três capítulos referentes aos principais grupos em que Meira atuou, citados acima. Os conceitos de Phillip Tagg (1979)

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são utilizados como

ferramenta analítica das gravações, além de uma discussão de aspectos históricos e bibliográficos. O autor identifica a formação que nos parece ser a mais próxima do grupo inicial, tendo em vista as versões apresentadas anteriormente, com Gorgulho e Henrique Brito 10

“[...] se baseia no estudo da música popular dentro de uma perspectiva semiótica” (BITTAR, 2011, Pg. 05).

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(violões), Júlio dos Santos (cavaquinho), Bide e Gastão de Oliveira (tamborins), Juvenal Lopes (chocalho) e Russo (pandeiro), além de Benedito. Formação que também é observada no sitio eletrônico Discos do Brasil 11 (criado e organizado por Maria Luiza Kfouri) que, aparentemente, repassa as informações contidas no encarte do Box de CD’s Benê, o Flautista que reúne algumas gravações emblemáticas da carreira do flautista. 12

Fotografia 5 - Gente do Morro com Júlio dos Santos (Cavaquinho), Panderista não identificado, Juvenal Lopes (Chocalho), Bide (Surdo) e Gastão de Oliveira (Tamborim), Benedito Lacerda (Flauta), Henrique Brito e Jacy Pereira (Violões). Saxofonista não identificado. Imagem da internet.

Frente ao apresentado acima, nos parece razoável afirmar que não há dúvidas quanto à participação de Canhoto no grupo, porém o período de ingresso não é precisado corretamente na literatura. No momento da identificação dos músicos, alguns autores confundem as

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12

Em: < http://www.discosdobrasil.com.br/discosdobrasil/ >

Projeto realizado por Paulo Flores e Corina Meyer, com patrocínio da Petrobrás, e pesquisa nos acervos de José Ramos Tinhorão e Humberto Franceschi no Instituto Moreira Salles e, também, no acervo da Collector's Studio.

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formações ou identificam somente os músicos que ficaram mais conhecidos na história, devido à falta de informações mais precisas sobre as fichas técnicas. Pelo fato do Gente do Morro ser encarado como um estágio anterior do consagrado Conjunto Regional de Benedito Lacerda, os integrantes do segundo são constantemente identificados como os músicos originais da formação do primeiro, como é o caso de Canhoto. Porém a importância do Gente do Morro para a consolidação do formato regional é fundamental, havendo diferenças cruciais entre os grupos como os músicos e, principalmente, a sonoridade. Em depoimento à Zaremba (1978), no que pode ser um dos únicos registros sonoros do cavaquinista, o próprio esclarece sobre sua entrada no grupo.

Em 1927 eu fui trabalhar na saúde pública, que teve uma epidemia de febre amarela, onde conheci um senhor que tinha um conjunto, Benjamim (tocava trombone). Aí travei conhecimento com Pixinguinha, o pessoal do choro. Ele me levou na casa do Alfredinho Flautim, que tocava junto com o Pixinguinha, na Rua do Riachuelo. Fui eu, Caninha – que era autor antigo – Caninha 13 que é meu compadre... e lá encontrei o Russo do Pandeiro que tocava com o Bendicto Lacerda. O Russo me vendo tocar disse: você quer ir pro conjunto do Benedito? Eu não era profissional, era amador. Isso em 1931 pra 1932. Ai eu digo: quero! Então eu agradeço ser profissional e nome que tenho ao Russo do Pandeiro. (Depoimento de Canhoto à Zaremba, 1978).

As informações sobre a data de entrada de Canhoto no conjunto não são precisas e, por esse motivo, nos parece sensato considerar esta e outra possibilidade. Trata-se de outro depoimento de Canhoto presente no já mencionado encarte do disco de 1977, onde Canhoto inicia seu relato, após um preâmbulo onde o autor comenta sobre a ligação entre os músicos que formavam “a mais sólida base harmônica e rítmica do choro brasileiro”:

Em 1932 eu entrei para o conjunto Gente do Morro de Benedito Lacerda. Nós fizemos uma viagem para Campos em 34 [1934] com Noel Rosa e lá, o pessoal começou a perguntar se a gente não andava de tamanco. Sabe como é, Gente do Morro, tu já viu, não é? Aí, quando voltamos pro Rio, o Benedito resolveu mudar o nome do conjunto. Bobagem botar Gente do Morro. (Depoimento de Canhoto a Zuza no encarte do disco Chorinho e Chorões, 1977)

Os dois depoimentos são claros em indicar a passagem dos anos de 1931 para 1932 como o período de ingresso no grupo de Lacerda. Nos parece sensato, também, afirmar que Júlio dos Santos era o cavaquinista na primeira formação do grupo como é atestado em nas fontes citadas. A análise das gravações do Gente do Morro entre os anos de 1930 a 1934, período em que o grupo gravou sob essa alcunha, identificamos diferenças na sonoridade do

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José Luís de Moraes (1883 – 1961).

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cavaquinho em algumas gravações, o que nos permitir concordar com os depoimentos do músico. A questão relacionada às sonoridades e análises das gravações serão abordadas mais adiante e, portanto, não iremos nos ater a elas neste momento. Porém podemos adiantar que nas gravações antes de 1933, o cavaquinho não apresenta características peculiares a Canhoto como a integração rítmica com os violões e nem os contratempos rítmicos. A participação no grupo Gente do Morro coloca Canhoto como “o mais antigo e constante parceiro de Benedito em seus regionais” (FLORES, 2007). Para o desenvolvimento do estudo, precisar este período significa desconsiderar da análise gravações do período anteriores ao ano de 1932 como Dá nele (Brunswick 10.049-a) que antes havíamos considerado como a primeira gravação do músico com o grupo. Podemos também contestar as informações anexas ao encarte incluso no Box Benê, o Flautista e repassadas pelo site Discos do Brasil onde nas gravações de Gorgulho (Continental 22.129b), Mirthes (Odeon 11.061-a), Minha flauta de prata (Odeon 11.061-b), Olinda (Continental 22.129-b) e Pretencioso (Odeon 10.993-a) indicam Júlio como cavaquinista o que não está de acordo com o exposto acima.

Fotografia 6 – Aurora Miranda e o Regional de Benedito Lacerda. Imagem retirada do filme "Alô, alô Carnaval" (Wallace Downey, 1936).

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A dúvida também se estende aos demais integrantes devido as constantes mudanças que aconteceram no grupo até o ano de 1937, quando a formação reunirá músicos de vital importância para a fixação do principal formato de acompanhamento de música popular. Nessa época o conjunto era assim: no violão, Macrino que já morreu há muito tempo e não era um violão muito forte. O outro era mais fraco ainda, porque era comediante, o Coringa, um mulato. Em 35 eles saíram e entraram o Carlos Lentini e um violão do Rio Grande do Sul, o Nei Orestes que já morreu, e mais o Russo do Pandeiro. Nós inauguramos a Rádio Tupi em 35, e em 36 fomos à Argentina com o Chico Alves e a Alzirinha Camargo. Foi no mês de agosto, e ninguém tinha coragem de tomar banho frio de dia. Eu ficava num apartamento com o Benedito. E esse gaúcho, o Nei, ficava no outro com o Russo e o Lentini, que também bebia bem. Quando voltamos em setembro, ele já estava doente, com os 2 pulmões afetados, e eu internei-o no Hospital de São Sebastião em fevereiro. Foi quando o Dino veio para o conjunto: fevereiro de 37. Em julho o Lentini saiu e aí veio o Meira que já tinha trabalhado na Casa de Caboclo com o conjunto do Jararaca e Ratinho. O Gilson pandeirista veio na época dos discos do Pixinguinha. Antes era o Popeye. Os demais eram Dino, Meira, eu e Benedito. (Depoimento de Canhoto à Zuza no encarte do disco Chorinho e Chorões, 1977)

Na biografia de Benedito há situações de inversão das informações sobre os músicos já que Canhoto e Ney Orestes são apresentados como participantes da primeira formação, porém vimos na citação que estes só passam a integrar o grupo em 1932 e 1935, respectivamente. Até a data parece correto afirmar que Júlio era músico do conjunto e não que se juntou ao grupo após “substituições”, como aponta Zanardi (2009). Quanto aos violões, a dupla pioneira nos parece ter sido mesmo Jacy Pereira (Gorgulho) e Henrique Brito, de acordo com as afirmações de Almirante (1977) e os registros fotográficos. Vasconcelos (1984) parece confundir-se ao indicar Bernardo e Doidinho como violonistas além de Canhoto, como músico da formação original. Os dois primeiros não eram violonistas e sim percussionistas, de acordo com Bittar (2011) – em exame aos registros de Almirante (1977) referente à excursão do Gente do Morro a Campos de Goitacazes, Muqui e Vitória – além de seus nomes aparecem referenciados somente no ano de 1932, no depoimento de Canhoto. Bittar também relata que a formação nessa excursão já aparece bastante modificada como observamos anteriormente. Frente à mudança dos músicos são duas as principais formações do grupo. A inicial com Júlio dos Santos (cavaquinho), Russo do Pandeiro, Juvenal Lopes, Bide e Gastão de Oliveira (percussões), Benedito Lacerda (flauta), Henrique Brito e Jacy Pereira (violões) e a de 1932 com Canhoto (cavaquinho), Russo do Pandeiro, Bide (percussão), Benedito Lacerda (flauta), Macrino e Coringa (violões). O grupo realizou cerca de 63 gravações variando o repertório entre músicas instrumentais e vocais – das quais, muitas vezes, o próprio Lacerda assumiu a função de cantor.

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1.2.2. Conjunto Regional de Benedito Lacerda

O grupo Gente do Morro tem vida relativamente curta com esse nome, pois em 1934 muda para Conjunto Regional de Benedito Lacerda. Sobre a data da mudança Zanardi (2009) aponta para 1935 como o ano da troca de nome, relacionando o momento com a volta de Buenos Aires em decorrência da inauguração da Rádio Belgrano. Porém acreditamos que a mudança ocorre realmente no ano anterior no retorno do grupo de uma excursão para Campos – conforme podemos observar no depoimento de Canhoto (1977) já mencionado. Em relação a viagem a Argentina, já vimos que o grupo tinha sido convidado para inaugurar a Rádio El Mundo, fincando a inauguração da emissora concorrente por conta de Carmen Miranda e O Bando da Lua14. A sonoridade do conjunto mudará o foco dos breques da percussão para os efeitos e contrapontos das cordas e da flauta. A formação inicial deste regional segundo Vasconcelos (1984) terá além de Benedito na flauta, Canhoto no cavaquinho, Ney Orestes e Jacy Pereira (Gorgulho) nos violões além de Russo no pandeiro. Com essa formação o grupo se apresentou no rádio e teve muitos discos lançados pela Odeon entre os anos de 1934 e 1937, dentre esses “alguns dos momentos mais importantes do choro gravado” (Vasconcelos, 1984: 21) como Dinorá (Odeon 11.266-a), Venenoso (Odeon 11.226-a) e Entre amigos (Odeon 11.469-a). Sobre a formação Bittar (2011) aponta para Ney Orestes e Carlos Lentine como violonistas. A rotatividade nos violões é grande tendo em 1937 novas mudanças em sua formação com as saídas de Ney Orestes e Carlos Lentine e as entradas de Horondino da Silva (Dino Sete Cordas) e Jayme Florence (Meira) nos violões além da substituição de Russo por Popeye no pandeiro, formação esta que perduraria durante muitos anos. Assim, reunia-se pela primeira vez “o mais célebre trio de base de toda a história dos regionais: Dino-MeiraCanhoto” (Cazes, 1999:86) e uma das formações mais importantes da história da música popular brasileira. Taborda também comenta sobre o regional que “estabeleceu modelo de organização e sonoridade que permaneceria na música brasileira, como influência para as gerações futuras” (Taborda, 2009:66). A excelência e a importância do regional para a música brasileira é novamente atestada por Flores (2007) no encarte do box sobre Lacerda. Segundo o organizador: 14

Conforme depoimento de Russo do Pandeiro ao pesquisador Renato Vivacqua em 25 de julho de 1982. Disponível em: < http://www.renatovivacqua.com/entrevista-russo-do-pandeiro.html >

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[...] foi o grupo preferido de dez entre dez cantores que prevaleceu nas gravações dos anos de 30 e 40, também como Regional do Canhoto, Boêmios da Cidade e Regional de Luiz Americano. Mas era na precisa mão de Benedito [Benedito], com suas introduções e contrapontos, sua ginga, seu alto padrão de exigência, que essa dinastia mais brilhava. Por trás de cantores com Chico Alves e Sílvio Caldas, Orlando Silva e Mário Reis, Almirante e Noel Rosa, Aracy de Almeida e Carmem Miranda, Benedito, com seu regional, dava o tom em todos os possíveis sentidos da palavra. (Flores, 2007: 64)

A citação é bastante ilustrativa para observarmos a quantidade de gravações e a variedade de estilos musicais e cantores que o grupo acompanhou, além da utilização de outros nomes para o mesmo grupo de músicos. Segundo o catálogo de gravações fornecido por Nirez, o regional de Benedito aparece em mais de 700 gravações entre janeiro de 1935 e setembro de 1950 variando entre acompanhadores e intérpretes/artistas.

Fotografia 7 - Regional de Benedito Lacerda em 1938. Popeye, Dino, Lacerda, Canhoto e Meira. Foto do Acervo Adilson Tramontano, 2008.

Com essa formação o grupo gravaria várias músicas significativas para a discografia do choro, segundo Vasconcelos (1984), como Romance de uma valsa e Meu sabiá (Odeon 11.609), mas nessa época as gravações com cantores e eram bem mais frequentes. O livro A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras (1997) de Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello indica no mínimo uma música gravada pelo regional entre os grandes sucessos do período de 1935 a 1950. Dentre os sucessos destacamos as gravações de Chão de estrelas

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(Odeon 11.475-b), Praça Onze (Continental 55.319-a), Por tua Causa (Continental 55.065-b), Mesma história (Continental 55.218-a), Tico-tico no fubá (Continental 55.368-a), Apanhei-te cavaquinho (Continental 55.432-a), Aperto de mão (Victor 80.0058-b), Falsa baiana (Victor 80.0181-a) e Rugas (Victor 80.0406-a). Os vários nomes de grupo que foram utilizados devido a alterações dos músicos para realização de gravações esporádicas dificulta, em parte, a construção de um panorama geral das atuações de Canhoto em disco, ficando necessário relacionar grande parte das gravações aos principais grupos que participou. Segundo Flores (2007) o grupo também atuou como Boêmios da Cidade e Regional de Luiz Americano, possibilidade que existe, porém não tivemos tempo de realizar uma audição mais detalhada ficando para outra oportunidade essa averiguação. Henrique Cazes nos contou em entrevista que Carmem Miranda chegou a gravar com o regional de Benedito Lacerda sem a presença do flautista, pois a cantora preferia introduções executadas por clarinete. O ano de 1946 é marcado pelo início da famosa e polêmica parceria entre Lacerda e Pixinguinha, que passava por problemas pessoais, e pela entrada no regional de Gilson Freitas no pandeiro. Desde a primeira metade da década de 1940, Pixinguinha atravessava momentos difíceis na vida pessoal. Era cada vez menos requisitado para gravações, tinha problemas financeiros e com o álcool que se agravavam, além da fase de adaptação devido a mudança da flauta para o saxofone. Após fechar um contrato com a RCA Victor e a Editora Irmãos Vitale, Lacerda firma um acordo com Pixinguinha onde ganharia parceria em todas as músicas que fossem gravadas pela dupla mesmo as composições mais antigas onde a contribuição do flautista era inexistente. O resultado da parceria foram um total de 34 gravações entre os anos de 1946 e 1951, além da edição de 25 músicas realizadas pela Irmãos Vitale. Entre as gravações antológicas estão Sofre porque queres e 1x0 (Victor 80-0442-a), Naquele tempo (Victor 80-0447-a), dentre outras. Interessante o fato de algumas composições como Cochichando (Pixinguinha), Atraente (Chiquinha Gonzaga) e Urubu malandro (domínio público) terem sido registradas ao vivo no programa Pessoal da Velha Guarda de Almirante em 1947, não sendo lançadas em disco no período. Segundo Cabral (2007), Lacerda foi bastante criticado na época, sendo acusado de se aproveitar da situação difícil enfrentada por Pixinguinha que nos anos seguinte conseguiu quitar suas dívidas com o dinheiro referente ao contrato. O autor também cita um depoimento de Canhoto à Zuza onde o cavaquinista defendia seu companheiro de grupo, característica esta que também observamos em outro momento marcante na história dos regionais.

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Pixinguinha estava esquecido, ninguém falava dele. Benedito combinou: faziam os discos, mas ele entrava na parceria. Muitas pessoas meteram o pau no Benedito, mas não tinham razão. Ele foi franco. Iam tomar a casa do Pixinguinha. Aí o Benedito Lacerda foi ao Vitale e arranjou o dinheiro para o Pixinguinha ficar em dia. (Depoimento de Canhoto à Zuza Apud Cabral, 1997:182)

A saída de Benedito Lacerda da Rádio Tupi em 1951 faria com que os músicos de seu então regional ficassem desempregados, situação que logo mudaria sob a liderança de Canhoto. Entendamos melhor o caso a partir da entrevista dos músicos veiculada na Revista do Rádio de nº 78 do ano de 1951. Benedito havia alcançado um prestígio muito grande junto à sociedade brasileira com suas composições para o carnaval, além de sua atuação junto ao seu regional. Em 1949 foi eleito presidente da SBACEM (Sociedade brasileira de autores, compositores e editores), onde pode estreitar laços políticos com Getúlio Vargas e, mais tarde, Café Filho na luta pelos direitos autorais. No final dos anos 1950 começou a se afastar de suas atividades musicais devido ao seu câncer de pulmão, passando a acompanhar seu amigo, Ademar de Barros em sua campanha a presidência da república. O então candidato a presidência e criador do Partido Social Progressista (PSP) tinha em sua agremiação um departamento musical com grandes nomes da música popular como Benedito, Herivelto Martins, Ataulfo Alves além de uma empresa especializada em marketing político, segundo Cotta (2008). O departamento musical foi responsável por compor e gravar músicas para promover a campanha de Ademar como Mar de Rosas e Caixinha abençoada. Chegou a disponibilizar um jatinho ao flautista para que ele pudesse comparecer aos compromissos de campanha política do candidato e, respaldado pelo seu carisma junto a população, angariar mais votos. Encontramos duas citações sobre a aeronave que foi comprada por Benedito e Herivelto Martins, com o objetivo de transportálos em excursões e depois vendida por Herivelto para compra de um ônibus (Revista do Rádio, nº 206). Canhoto e os outros músicos reclamavam do desinteresse de Lacerda com o grupo desde o início da campanha política, declarando: “várias vezes fui chamado à direção para explicar as faltas dele e em uma ocasião fomos surpreendidos com uma multa afixada na tabela de serviços imposta a Benedito por faltar aos programas” (Revista do Rádio, nº 78). Importante observarmos no trecho acima a posição de liderança e responsabilidade na ausência de seu então líder, além de adotar uma postura firme ao defender os outros músicos, incluindo o próprio flautista. Na continuação da entrevista, Canhoto argumenta novamente sobre os atrasos de Lacerda: “procurei sempre melhorar a situação, mas houve um instante em

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que os artistas também cansaram de ver sempre o regional desfalcado e eu apenas ensaiando os seus números” (Revista do Rádio, nº78). Outra questão, que também contribuiu para o rompimento de Lacerda e os outros músicos de seu regional: os músicos haviam pedido a Benedito que propusesse ao diretor da Rádio Tupi na época, Dr. José Mauro, um aumento salarial que não aconteceu. Lacerda teria então proposto ao grupo que não renovariam o contrato e ficariam de férias por um mês, retornando com contrato em outra emissora de rádio. O acordo foi aceito por Canhoto e seus companheiros, mas depois de passados dois meses, o rompimento foi inevitável. Em tom de indignação, Canhoto retrucava o jornalista dizendo: “como você deve ter compreendido, Benedito ao deixar a Tupi não se preocupou em conseguir outro compromisso para trabalharmos. Eu tenho emprego [fiscal da União Brasileira de Compositores, UBC], o Meira leciona violão, mas os outros, Dino e Gilson, não tem outra coisa para viver!” (Revista do Rádio, 1951). O posicionamento de liderança de Canhoto assumido frente à decisão de abandonar um famoso conjunto para montar um novo, de defesa a seus companheiros desempregados além, obviamente, do respeito dos outros integrantes por Waldiro (mais antigo membro do grupo naquele momento) foram fatores decisivos para que Dino, Meira e Gilson confiassem a Canhoto a direção do novo regional. O conjunto passa a se chamar Canhoto e Seu Conjunto, juntando-se a eles o “notável” flautista Altamirro Carrilho, e assina contrato com a Rádio Mayrink Veiga em 1951. Já na PRA-9, Luiz Gonzaga indicaria o acordeonista Orlando Silveira para integrar o conjunto que ganhava, assim, a formação que ficaria eternizada em nossa música popular. Surgia então o que segundo Prata “ficou conhecido como modelo de regional por excelência – o Regional do Canhoto”

15

. O grupo tinha uma sonoridade bastante característica com a presença do

acordeom de Orlando, fosse na execução de melodias ou nos acompanhamentos, além de ser também nessa época que Dino começa a utilizar o violão de sete cordas.

15

A história dos Regionais. Em: < http:// www.samba-choro.com.br > Acesso em: 3 Mai. 2013.

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Fotografia 8 - Matéria veiculada na Revista do Rádio sobre o rompimento de Dino, Meira, Canhoto e Gilson com Benedito Lacerda. Nº 78 (1951). Fonte Hemeroteca da Biblioteca Nacional

1.2.3. Canhoto e Seu Regional

A formação era extremamente versátil para acompanhar diversos gêneros musicais e contava com a experiência do trio Dino-Meira-Canhoto além dos já citados Altamiro na flauta, Orlando no acordeom e Gilson no pandeiro. O nível das gravações e apresentações era extremamente elevado pelo fato da maioria dos músicos saberem ler partituras e/ ou cifras, exceto Canhoto e Gilson, o que possibilitavam a execução de arranjos mais trabalhados como

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no caso do choro Conversa Mole (RCA Victor 80-1440-a) do maestro Radamés Gnatalli (Depoimento de Canhoto à Zaremba, 1978). Também foram integrantes do grupo os flautistas Arthur Ataíde e Carlos Poyares e os panderistas Jorginho do Pandeiro e Hercílio (respectivamente na ordem de substituição). Em entrevista à jornalista Nana Vaz, Jorginho do Pandeiro comenta sobre sua participação e da qualidade do Regional do Canhoto.

É verdade. Era tão bom o conjunto que as gravadoras mudavam o horário das gravações só para poder gravar com o Regional do Canhoto. O conjunto era muito solicitado. Todos os cantores queriam gravar com a gente. Todo mundo gravava com o Regional do Canhoto. O Luiz Gonzaga gravou tanto com eles — com o Regional antes de eu entrar — que deu um violão para o Dino, um violão para o Meira, um cavaquinho para o Canhoto e um pandeiro para o Gilson, que foi o pandeirista antes de mim. Porque todo disco do Luiz Gonzaga você encontra lá: Regional do Canhoto. (Entrevista a Nana Vaz 16)

De fato o regional fez grande sucesso, sendo constantemente notícia nos periódicos destinados ao rádio na década de 1950, fato que não era comum para um regional. O Novo Álbum do Rádio (1954, nº5) destinou uma página para apresentação do conjunto, dando destaque a saída do conjunto de Benedito e para uma curiosidade sobre um “princípio disciplinar” do então chefe do grupo, Canhoto, em relação a atrasos: uma “caixinha” onde as multas relacionadas aos eventuais atrasos eram depositadas e, posteriormente, dívidas entre os integrantes. A Revista Carioca de 23/01/1954 trazia na coluna Variedades Musicais os melhores do ano de 1953, tendo Canhoto e Seu Conjunto como vencedores do prêmio de “melhor conjunto internacional [instrumental?]” 17. O prêmio seria mais uma vez destinado ao grupo no ano seguinte através de outra revista, a TV Show, em seu primeiro número. Além dos periódicos especializados sobre o mundo do Rádio e suas celebridades, o regional também era assunto em outras revistas como o Jornal das Moças (14/01/1954) – periódico especializado em assuntos femininos da época como moda, economia doméstica, poemas, piadas, etc. A discografia do grupo se divide de acordo com as funções que executavam nas gravações: a de acompanhadores e de artistas principais. Com o nome de Canhoto e seu Regional foram cerca de 50 discos entre Lp’s, coletâneas e 78 rpm segundo catálogo do IMMUB (Instituto Memória Musical Brasileira). Na década de 1940 participaram de diversas 16 17

Disponível em: < http://www.acari.com.br/SiteInterview.asp?CONTEXTO=Entrevista >.

Ao observar nas páginas anteriores a disposição, ordem das categorias do prêmio e os outros premiados, presumimos que houve um erro de digitação no título da categoria: seria, assim, “melhor conjunto instrumental” e não “internacional”.

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gravações com Luiz Gonzaga e durante toda década de 1950 o grupo participa dos discos de Jacob do Bandolim lançados no período – cerca de 39 discos, com exceção dos gravados com orquestra. Dentre as músicas gravadas com Jacob estão Doce de coco (80-0745-b), Bole bole (80-0813-a), Benzinho (80-1434-a) e Um a zero (80-1476-b). Em 1951 foi lançado o primeiro disco do regional em 78 rpm como artistas principais com Gracioso e Meu limão, meu limoeiro (RCA Victor 80-0784). Em 1953 veio o maior sucesso já gravado pelo regional e curiosamente não foi um choro. A pedido do diretor da RCA Victor gravaram um folk americano Jambalaya e o fox Bye bye blues (80-1161). Segundo Canhoto “tinham mais fé no fox” pois o Jambalaya era mais simples, “primeira e segunda de tom toda vida” (Zaremba, 1978). A música se tornaria uma febre na época, chegando a figurar entre os “campeões da popularidade” em quatro edições da Revista do Rádio. Um dos motivos do grande sucesso do regional pode ter sido saber lidar com as transformações na cena musical do Rio de Janeiro que se iniciaram com o fechamento dos cassinos no governo Dutra (1946 – 1951). Segundo Zan (1997) na segunda metade da década de 1940 e início da década de 1950 o campo da música popular estava dividido entre a indústria de massa (representada pelo rádio) e os espaços de classe média (club’s e boates localizados na zona sul do Rio de Janeiro). De um lado estavam gêneros estrangeiros e regionais com baião, xote, rumba, bolero, e do outro o samba em processo de estilização através de suas vertentes canção e exaltação. Assim como Bittar (2011) acreditamos que um dos grandes méritos do grupo teria sido a capacidade de atuar nas duas frentes populares, como podemos observar na discografia e nos periódicos do período, além da abertura para gravar gêneros “inusitados” para formações ligadas ao choro como os regionais. Em 1956 foi lançando o primeiro Lp do grupo o Baiãomania (BPL 3013) e após participação em dois discos com artistas diversos – Eles tocam assim (BPL 3040) e Nossos ritmos (BPL 3036), ambos em 1957 – voltariam a gravar em 1958 lançando o disco Noites brasileiras (BPL 3053) – o segundo disco já com a participação do flautista Carlos Poyares que substituíra Altamiro após sua saída do regional para seguir carreira solo com um novo projeto: Altamiro Carrilho e sua Bandinha. Nos anos de 1959 e 1960 o grupo gravaria ainda dois discos pela Odeon, Roda de Bamba (MOFB 3063) e Canhoto 1960 (MOFB 3131), antes de gravar o Bem Dançante (LPP 3178) em 1961 pela Continental. Esses dois últimos discos são interessantes para ilustrar a versatilidade do regional em acompanhar gêneros musicais diversos.

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Na apresentação do grupo, escrita por Jorge Cabral e localizada na contracapa do disco de 1960, o autor chama a atenção para surgimento de um novo ritmo, o Sorongo, criado pelo compositor Pedro Santos18. No disco de 1961 podemos até ouvir o ritmo de mambo 19 gravado pelo regional. O grupo voltaria a gravar em 1964 o disco Bons Momentos (CBS 37350) pela CBS e em 1966 e o disco As Festas de Junho (XRLP 5295) pela RGE, este em homenagem as festas de São João. Em 1967 o nome do grupo apareceria novamente nos catálogos da RCA Camden com o disco O Melhor de Canhoto e Seu Regional (CALB 5142) e depois em 1969 com Valsas Inesquecíveis (LPK 20.168) pela Musicolor/Continental. Canhoto e o regional também estiveram presentes em diversas coletâneas durante sua trajetória como O Fino da música (107.0276) e Os choros dos chorões (107.0267), ambos em 1977 e lançados pela RCA.

Fotografia 9: Canhoto e Seu Regional. Meira, Gilson do Pandeiro, Dino, Canhoto, Orlando Silveira e Altamiro Carrilho. Foto do Acervo Adilson Tramontano 18

(1919 – 1993) Percussionista, inventor de instrumentos e compositor. Como músico acompanhante, tocou e gravou com grandes nomes da música brasileira como Paulinho da Viola, Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Milton Nascimento, dentre outros. Suas composições foram gravadas por Waldir Azevedo, Altamiro Carrilho, Regional do Canhoto, Orquestra Tabajara, Época de Ouro, entre tantos mais. 19

Estilo musical e de dança originário de Cuba.

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No acompanhamento de cantores, o regional acompanhou os mais importantes cantores do rádio nas décadas de 1940 e 1950. Dentre alguns artistas estão Carmen Miranda, Orlando Silva, Ary Lobo, Gordurinha, Emilinha Borba, Noel Rosa, Cyro Monteiro, Cartola, Aracy de Almeida, Almirante, Silvio Caldas, Francisco Alves, Dircinha Batista, Ademilde Fonseca, Nelson Gonçalves, Dorival Caymmi, Geraldo Pereira, Donga, Herivelto Martins, Silvio Caldas, Jararaca e Ratinho, Dilermando Pinheiro, Carlos José, Jorge Veiga, Marçal, Paulo Tito, Sacy, Roberto Silva, Paulinho da Viola, Elton Medeiros, MPB-4, Gilberto Gil, Luiz Melodia, além do Rei do Baião, Luiz Gonzaga que até o início da década de 1970 teria gravado quase todos seus discos acompanhado do regional. As informações foram retiradas de arquivos e acervos disponíveis na internet, e precisariam de uma escuta critica mais dedicada para confirmarmos a participação. Segundo o site Discos do Brasil foram mais 360 músicas divididas em 65 discos (vinil) aproximadamente. Podemos ser levianos assim em tentar mensurar a atuação do músico em números exatos, já que não se sabe exatamente em quantos grupos ele atuou ao longo da carreira já que a falta de fichas técnicas dificulta a tarefa de identificação. Para o desenvolvimento do estudo, tentamos reduzir a amplitude da produção discográfica de Canhoto, nos focando apenas nos três principais grupos em que ele atuou: Grupo Gente do Morro, Conjunto Regional do Benedito Lacerda e Canhoto e Seu Regional. No ano de 1962 a rádio Mayrink Veiga havia participado da Cadeia da legalidade – rede de rádios organizada por Leonel Brizola em defesa da democracia – fato que seria argumento para seu fechamento no ano de 1965 pela ditadura militar. Canhoto e Seu Regional perdem assim seu contrato com a rádio, passando a atuar em gravações esporádicas e importantes shows da história da musica popular. Em 1964, com o golpe militar, o Regional de Canhoto teve encerrado seu programa "Noites Brasileiras", na PRE-9 / Rádio Mayrink Veiga. A partir daí, passaram a acompanhar cantores em casas noturnas, principalmente, Silvio Caldas, realizar gravações antológicas como, por exemplo, com Ciro Monteiro e Cartola, ou shows históricos como "Rosa de Ouro" e "O Fino da Música", bela homenagem que receberam no Pavilhão do Anhembi (SP), em maio de 1977 (Prata, 201320).

Dentre os discos gravados destacamos os dois primeiros discos do cantor Cartola intitulados 1974 e 1976 (MPL 9302 e 9325), sob a direção de Marcus Pereira. Na gravação da faixa 10 (Amor proibido) do primeiro disco o cantor realiza a introdução da música fazendo referência a cada um dos músicos que vão lhe acompanhar, como uma ficha técnica sonora: Dino, Meira, Canhoto e Gilberto. Já aposentado, Canhoto continuava a frequentar rodas de 20

Disponível em: < http://www.samba-choro.com.br/fotos/porexposicao/exposicao?exposicao_id=1>.

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choros nos bairros da cidade do Rio de Janeiro como a Penha e Ilha do Governador e veio a falecer em deixando um verdadeiro legado musical para o cavaquinho e para a música popular brasileira. Sua atuação frequente nas gravações comerciais desde o início da década de 1930 com o Gente do Morro até o fim da década de 1970 com o Regional do Canhoto marcaram gerações de instrumentistas ajudando a consolidar, junto com Dino e Meira, um modelo de acompanhamento extremamente eficaz que é utilizado até hoje em nossa música popular.

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Capítulo 2 – Que choro é esse? O cavaco-centro na música popular brasileira

2.1. Choro e samba: mútuas influências na música popular

Choro e samba poderiam ser apontados por muitos especialistas e musicólogos como sendo os dois mais importantes gêneros de nossa música popular nas décadas de 1940 e 1950. Tendo suas raízes ligadas à polca, ao maxixe e ao lundu, choro e samba estão em intensa relação durante toda a história da música popular brasileira. Apesar de terem trilhado caminhos diferentes no que diz respeito à formação de suas principais características estilísticas (segundo Almada, 2009, forma e ritmo, respectivamente) a relação entre eles é natural seja através dos ambientes de interação (social e profissional), das formações instrumentais que utilizavam e até em variações de gênero que surgiram como o samba-choro e o choro-sambado estabelecendo, assim, uma relação de mutuas influências. A própria distinção entre sambistas e chorões é, inicialmente, difícil de ser realizada já que vários músicos frequentavam ambientes musicais comuns aos dois gêneros, assim como nos mostra a literatura. A observação do processo de consolidação dos gêneros musicais torna-se importante na medida em que determinará paralelamente uma série de características e procedimentos relativos à questões musicais (composição, forma, ritmo, instrumentação). Porém até chegarem ao “status” de maiores símbolos musicais nacionais, os termos choro e samba (que mais tarde designariam gêneros musicais) tiveram diversos significados que variam de acordo com o período histórico a que nos referimos. Podemos dizer que o termo “choro”, por exemplo, evoluiu e agregou outras significações desde o seu velado “surgimento”. Os relatos precursores de música popular vão surgir no início da década de 1930 (talvez influenciados pela valorização desta a partir da visibilidade do rádio 21 que era, certamente, o principal meio midiático do período) na tentativa de “reviver grandes artistas musicistas que estavam no esquecimento” – como sugere Gonçalves Pinto na contracapa de seu livro O Choro: reminiscências dos chorões antigos (1936). Além deste outros três livros são considerados importantes para a investigação sobre o samba e choro em relação a seus desdobramentos e definições: Catulo, 1907; Barbosa, 1933; Vagalume, 1933. Estes escritos se caracterizam pelo fato de seus autores terem vivenciado 21

Vale ressaltar que em análises a estes volumes realizadas anteriormente (Braga, 2002; Carvalho, 2006; Aragão, 2011) é possível identificar posicionamentos contra e a favor do Rádio como veiculo de valorização e divulgação da música popular, no caso samba e choro.

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boa parte dos fatos relatados por eles próprios, sendo importantes no que diz respeito à investigação do ambiente musical da época em que foram escritos, não se preocupando muito em discutir origens destas manifestações musicais. Desta forma, apresentaremos a literatura sobre música popular utilizada neste estudo em dois momentos: inicialmente os relatos pioneiros, sendo assim denominados por estarem ligados ao que seria considerado em uma pesquisa etnográfica como “fonte primária”; e posteriormente livros que apresentam um diálogo com os precursores além de novas abordagens sobre a temática (Tinhorão, 1966; Almirante, 1977, Vasconcelos, 1984; Cazes, 1988; Livingston-Isenhour e Garcia, 2005), onde destacamos crescente discussão genealógica em relação aos gêneros. O caráter factual característico dos relatos pioneiros vai sendo gradativamente substituído por uma argumentação documental em relação aos fatos importantes dentro do processo de construção do gênero, principalmente do que diz respeito à origem. Na última metade do século XIX o termo choro era utilizado para designar formações instrumentais de cavaquinho, flauta e violão que se apresentavam nos bailes e festas cariocas de todas as camadas sociais da época (Almada, 2009) com o repertório composto por valsas, lundus, polcas, tangos e fados. Na década de 1930, com ascensão do rádio, o conjunto passa a se chamar conjunto regional. As opiniões sobre as origens desse termo também não são unânimes, mas segundo o professor Henrique Cazes originou-se de grupos como Turunas Pernambucanos, Voz do Sertão e Oito Batutas que “associavam a instrumentação de cavaquinho, violão, percussão e algum solista a um caráter de música regional” (Cazes, 1998:83). Em seu livro Música popular: um tema em debate (1997), Tinhorão reserva uma parte ao “choro” e, em análise sobre o livro de Gonçalves Pinto (1936), destaca a importância da obra principalmente no que diz respeito em relatar as condições sociais que viviam os integrantes do choro naquela época. O livro, objeto da análise de Tinhorão, é uma compilação de pequenas biografias das pessoas que participavam do “choro” – feito de uma forma no mínimo despretensiosa, segundo o autor – desde a última metade do século XIX até as três primeiras décadas do século XX. Tinhorão também sugere que a discussão sobre a origem termo “choro” se encerraria na época da publicação do livro de Gonçalves Pinto – o que de fato, não aconteceu. Antes de ser caracterizado como gênero da música popular, o termo se referia a uma maneira de tocar e esta nomenclatura se estendia às festas em que tocavam os trios de flauta, violão e cavaquinho (Tinhorão, 1997:111). Em outra oportunidade o autor corrobora seu posicionamento ao atribuir à terminologia adotada inicialmente ao sentimento

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de melancolia gerado pelas interpretações dos grupos que tocavam essa música e, por consequência, os músicos desses conjuntos foram chamados de chorões (1982). Ainda analisando o livro de Gonçalves Pinto, Tinhorão afirma que o choro carioca teria origem nas bandas de música de escravos das fazendas que tocavam nas festas populares cujas datas eram fornecidas pelo calendário religioso da igreja católica. Também em análise do livro de Gonçalves Pinto, Taborda (2011) comenta mais uma acepção do termo observada, identificando no pensamento da época a constituição do choro como gênero ao relacionar um tipo de repertório especifico com os músicos:

Além dos significados de pequena orquestra e de sarau, [...] choro ainda podia designar os gêneros abordados pelos conjuntos, como sugere Alexandre G. Pinto: “tocava os choros fáceis como fosse: polca, valsa, quadrilha, chotes, mazurca, etc.” Segundo Alexandre, o repertório dos choros na verdade podia incluir toda e qualquer música instrumental: “toca muitos choros americanos e também nossos com grande facilidade”. (Taborda, 2011: 129)

Em Choro: do quintal ao municipal (1988), Henrique Cazes se refere a algumas das possíveis origens citadas acima, mas atribui o uso do termo ao modo de tocar as melodias e não o acompanhamento do violão – como teria sugerido Tinhorão 22. Segundo o autor a maneira melancólica de executar o violão não era tão desenvolvida como conhecemos hoje 23, fato observado nas audições das primeiras gravações de choro realizadas pelo autor. O “choro” somente ganhou status de gênero musical na década de 1910 com a atuação de Pixinguinha (Cazes, 1988). Ary Vasconcelos, em seu livro Carinhoso etc: história e inventário do choro (1984) propõe a catalogação da discografia do choro disponível até então – tarefa que o autor verificou ser muito maior do que imaginara já naquela época. Uma breve história do choro dividida em cinco gerações, cada uma destacando nomes de músicos e compositores mais importantes de cada período, precede a discografia levantada pelo autor. Ao abordar a primeira geração, ou seja, o que seria o início do choro, o autor se detém a falar das origens do termo e após uma breve revisão bibliográfica – onde se encontra as proposições de outros autores como Luís Câmara Cascudo e Tinhorão – o autor afirma que o termo teria derivado 22

Samuel de Oliveira (1999) em análise a esta afirmação de Cazes não identifica no discurso de Tinhorão nenhum momento onde o autor faz a relação ao modo de acompanhamento com o choro. Tinhorão teria, sim, feito a relação de choro com o resultado sonoro total dos conjuntos e não com determinado instrumento e suas características de execução.

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Certamente Cazes se refere ao desenvolvimento estilístico do acompanhamento do violão de sete cordas, primeiro como Tute e depois com Dino Sete Cordas, que é posterior a esse momento inicial.

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dos choromeleiros (associação de músicos que tocavam instrumentos de sopro e atuavam no período colonial brasileiro). Segundo ele, o povo associou a esse grupo de músicos todos os conjuntos de música instrumental e, depois, foi encurtada para choros. No livro CHORO, A Social History of a Brazilian Popular Music (2005) de Tamara Elena Livingston-Isenhour e Thomas George Caracas Garcia a versão de Vasconcelos é apresentada como sendo a mais coerente para alguns pesquisadores, por ser a que possui mais dados históricos evidenciados. Os autores citam o estudo pioneiro do musicólogo Francisco Curt Lange que aborda a relação entre choro e os choromeleiros, como sendo uma fonte de dados sobre o tema. LivingstonIsenhour e Garcia ainda alertam para o fato de pouquíssimos chorões conhecerem esta versão do surgimento do termo, sendo mais conveniente associar ao significado do verbo “chorar”, pois assim estaria mais associada ao caráter emotivo das músicas (2005). Nota-se na literatura, anterior a década de 1980, um pensamento evolucionista que foi hegemônico durante muito tempo na musicologia histórica, onde a busca pela “verdade” revelaria o ponto inicial do choro e sua natural evolução a partir desse momento. A década de 1980 é, para Napolitano e Wasserman (2000), um momento de mudanças paradigmáticas na historiografia musical brasileira e de extrema importância para a etnomusicologia nacional. O período coincide com o estabelecimento de um grupo inicial de doutores etnomusicólogos em programas de pós-graduação em antropologia e música nas universidades brasileiras e, a partir deles, estudos sobre a música popular e o folclore ganharam mais espaço no meio acadêmico, contribuindo para a consolidação da disciplina nas universidades do país 24. Apesar das tentativas em apontar a origem, no caso do choro, percebe-se, na verdade, certa imprecisão em relação às datas e marcos iniciais que determinariam a criação do gênero, certamente por ser aceitável pensar que, na verdade, há um período processual até a emersão e consolidação de choro e samba como gêneros musicais. A ênfase no social e ideológico dos discursos determinou mudanças conceituais relevantes para a discussão na literatura tanto do choro como do samba. No artigo Desde que o samba é samba: a questão das origens no debate historiográfico sobre a música popular brasileira, Napolitano e Wasserman (2000) identificam uma tendência dominante no meio acadêmico que “coloca sob suspeita a própria questão das origens, com um lugar determinável, procurando analisar historicamente a dinâmica social e ideológica que os discursos de origem podem revelar” (Napolitano e Wasserman, 2000:167). Os autores apontam para um considerável aumento das reflexões

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Para mais ver Sandroni (2008).

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sobre musica popular brasileira na literatura acadêmica a partir da década de 1980 e, segundo eles: A produção ensaística ligada ao meio acadêmico, que se iniciou nos anos 70 e se consolidou nos anos 80, procurou enfatizar os novos padrões e identidades que os gêneros musicais urbanos tomaram, na medida em que foram configurando-se como músicas para consumo, voltadas para o mercado urbano. Nesse viés, o eixo central de análise não era mais a busca das origens, mas a crítica das origens. (Napolitano e Wasserman, 2000:182)

De fato, a crítica às origens tem sido tema recorrente em trabalhos vinculados a musicologia (histórica e etnomusicológica) e a historiografia. No Brasil, importantes trabalhos acadêmicos publicados recentemente têm contribuído com a discussão que vai ganhando olhares mais críticos em relação à historiografia musical popular. No caso do choro e do samba, pudemos perceber que a discussão é referenciada por três títulos iniciais que nomeamos de relatos pioneiros, pelo fato de seus autores também serem personagens ativos da história, insiders. Objeto de pesquisa da tese do professor Pedro Aragão (2011), o livro de Gonçalves Pinto é considerado um dos principais relatos para se entender o ambiente do choro no final do século XIX e início do século XX. Aragão realiza no terceiro capítulo da tese uma análise comparativa dos discursos relativos a “gêneros musicais” e “origens” desta com outros quatro escritos da época (Catulo, 1907; Barbosa, 1933; Vagalume, 1933, e Melo Moraes s/d) por apresentarem uma visão unívoca sobre os pontos levantados. Segundo Aragão, apesar de certa diferença intelectual entre os autores desses relatos é possível concluir que: [...] nos trabalhos memorialísticos realizados por estes diversos atores sociais da época — o intelectual Mello Moraes, o poeta “semi-erudito” Catulo da Paixão Cearense, o jornalista e cronista carnavalesco Vagalume e o carteiro e violonista Alexandre Gonçalves Pinto — havia uma complexa e instigante relação de influências mútuas que formam um verdadeiro caleidoscópio de interpretações dificilmente redutíveis a esquemas teóricos conclusivos e fechados e que de certa maneira constituem um espelho da complexa sociedade brasileira deste período (Aragão, 2001:199).

A diversidade dos “atores sociais” também já havia sido constatada por Oliveira (1999) que enquadra o “caleidoscópio de interpretações” - como se refere Aragão em relação às categorias “gêneros musicais” e “origens” - em uma espécie de mitologia chorística. Conforme o título de sua dissertação Heterogeneidades no choro (1999), Oliveira tenta desconstruir a visão do gênero como uma cultura musical “homogênea e contínua”. Para o autor há uma espécie de “apropriação” de uma “cadeia de enunciados” que é transformada em

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um discurso mitológico de acordo com que vai sendo repetido na literatura e em interações sociais comuns ao choro. Para Olivera: [...] São histórias contadas e re-contadas pela oralidade chorística; apropriações, pois são provenientes de outros campos (principalmente da musicologia) ou vindas de informações oriundas de pesquisadores (não chorões, mas não outsiders) que fazem parte do campo (como é o caso de Sergio Cabral, Hermínio Bello de Carvalho, José R. Tinhorão, etc.9). (Oliveira, 1999: 23)

Acreditamos que ao utilizar a expressão “não chorões, mas não outsiders”, Oliveira sugere que essas histórias do choro sejam transmitidas por pesquisadores que, em muitos casos, não são chorões, porém não são totalmente outsiders por fazerem parte do campo de estudo da música popular. Assim, a condição de chorão é essencial para definição de alguém como insider ou outsider. Ainda nessa perspectiva os pesquisadores do choro também podem ser classificados de analistas em oposição aos informantes (músicos) de acordo com a estratégia de pesquisa do etnomusicólogo John Blacking, que enfoca os grupos sonoros como base de análise ao invés de compositores e figuras individuais (Blacking, 1995). O autor define base de análise como um “grupo de pessoas que compartilha uma linguagem musical comum, junto com ideias comuns sobre a música e seus usos” (Blacking, 1995:208). A participação nos grupos e a utilização de um processo dialético entre as percepções dos participantes das duas categorias forneceria ao pesquisador o acesso à linguagem e à cultura especifica a ele. Assim, a dialética entre as percepções de analistas e informantes seria um caminho natural para os chorões que pretendem refletir sobre a prática do choro no ambiente acadêmico, assim como parece ter sido este o caminho traçado por autores e pesquisadores responsáveis pela literatura do choro. Ao observar os referenciais da literatura mais recente como Cazes (1998) e Livingston-Isenhour e Garcia (2005) percebemos certa “rememoração” dos mitos, como sugere Oliveira (1999), através dos relatos precursores sobre música popular assim como nas primeiras tentativas de diálogo literário (Tinhorão, 1966; Alencar, 1968; Almirante, 1977, Vasconcelos, 1984). Outro aspecto relevante para manutenção da cultura chorística é o compartilhamento de uma “linguagem musical” e “ideias comuns sobre a música e seus usos” como sugere Blacking. É importante atentarmos para o fato de que a construção “mitológica” do choro é, ao mesmo tempo, histórica e formal, tendo definido durante o processo algumas características musicais e extramusicais definidoras dos gêneros musicais aqui abordados. Percebemos também que a categorização em gênero musical não pode estar separada da experiência, da prática musical.

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Vemos a definição de gênero musical a mais complicada a se realizar, por ser construída a partir de vários entendimentos e possuir vários significados, porém essencial, pois fundamenta a sugestão do que poderíamos chamar de “paradigma genealógico”, onde o catalisador original de um gênero não seria um fato isolado, mas uma “rede de conexões” que tem a prática musical como elemento comum. Allan F. Moore é um musicólogo britânico que atualmente dedica-se ao estudo da música popular gravada nos âmbitos teóricos, analíticos e hermenêuticos. Em Categorical conventions in music discourse: style and genre, Moore (2001) coloca o gênero em constante interação com estilo, sugerindo que os dois não podem ser pensados separadamente, atestando quatro formas contrastantes da interação entre os dois. O estilo estaria relacionado com o modo de articulação dos gestos musicais e com experiência musical vista como resultado de um ato criativo. O estilo é algo opcional, escolhido pelo músico, o que torna sua experiência musical descritiva. Por sua vez, o gênero relaciona-se com a identidade e o contexto desses gestos musicais, com a produção de sentido na experiência musical. Para Moore o gênero é algo prescrito socialmente ao músico de acordo com as circunstâncias em que se encontra. O autor ainda constata a existência de outro conceito, o de idioleto – que seria um idioma que pode ser referir ao estilo de um músico específico ou a um grupo de músicos. Moore afirma que, comumente, a definição de idioleto estaria dentro do estilo e, por sua vez, presente no gênero – este designação englobando as outras duas. Para o autor o modelo heurístico mais adequado para o entendimento de gênero seria o constellatory, referindo-se as constelações de estrelas que são vistas como parte de um todo maior mesmo sem ter relações entre elas. A partir daí relaciona performances individuais com escutas particulares que ser tornam objetos discursivos e quando esses entendimentos são compartilhados, um estilo adquire um nome adequado. Outra definição de gênero pode ser observada no artigo Pertinência e música popular brasileira – Em busca de categorias de análise para música popular (2000), Marta Ulhôa utiliza a noção de gênero de Franco Fabbri “um conjunto de eventos musicais cujo curso é governado por um conjunto definido de regras aceitas” (Fabbri, Apud Ulhôa, 2000) onde há regras formais e técnicas, semióticas, comportamentais, sociais, ideológicas, econômicas e jurídicas. Ao observar a prática de choro relatada por Henrique Cazes em sua dissertação de mestrado (2011), por exemplo, podemos encontrar algumas desses parâmetros identificados por Fabbri. No terceiro capítulo de sua dissertação, Cazes realiza uma análise sobre as transformações ocorridas nas rodas de choro desde a década de 1870, a fim de mostrar a construção de um ambiente ritualístico em relação ao gênero. Aliado a depoimentos das

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“lideranças” do choro como Pixinguinha e outros relatos importantes sobre o ambiente do choro no final do século XIX e início do século XX, Cazes utiliza sua posição de insider para demonstrar como antigos procedimentos/práticas sociomusicais seriam “banidos” e, alguns, retomados nas rodas modernas a partir da década de 1980. Nesse sentido, Aragão (2011) também busca entender em um dos capítulos de sua tese de que forma “práticas musicais do início do século XX foram posteriormente rotuladas em ‘rubricas’ estanques como ‘choro’ e ‘samba’”, através da compreensão das diversas representações que a obra de Gonçalves Pinto teve a partir da década de 1960, identificando as diferentes “leituras e análises” do livro ao longo dos anos. O autor argumenta que o termo “choro”, assim como outro como “tango” e “maxixe” são na verdade tentativas de sintetizar uma gama de significados oriunda de uma rede de mediadores formados por outros diversos atores sociais que estão interligados por um entrelaçado de outros fatores. Assim, decidimos adotar a definição de Fabbri (2000) para gênero musical nesse estudo, pois observando o contexto do choro, acreditamos que este somente passa a condição de gênero musical, quando assumimos que uma série de características, procedimentos, comportamentos, etc. estejam condensados em uma manifestação musical. Quando não, as significações para o termo choro variam de acordo como o momento histórico e ao contexto ao qual nos referimos. Como gênero musical, o choro ganhou ao longo dos anos características que podemos classificar de musicais e extramusicais como forma, estilo, performances individuais referenciais, comportamentos e ideologias, como sugerem Moore (2001) e Fabbri (2000) além de uma estruturação instrumental específica, da qual falaremos mais adiante. Estudos acadêmicos contemporâneos como Aragão (2011), Oliveira (1999) e Braga (2002) já constatam o novo paradigma em suas argumentações onde o choro, assim como o samba, se apresenta como produto de uma rede de conexões onde a tradição musical é “construída”, “inventada”. Ou seja, houve uma série de fatores que foram agregando significados aos termos para que posteriormente, estes viessem a ser constituídos como gêneros musicais com identidade e características próprias. Assim como o choro, o samba como gênero musical urbano, teria surgido nas primeiras décadas do século XX no Rio de Janeiro, sendo importante compreender que tanto o gênero como o próprio termo “samba” é resultado de uma convergência de entendimentos e práticas musicais ligadas ao folclore e ao popular (Sandroni, 2001) – bem como nas colocações sobre gêneros citadas anteriormente (Moore, 2001; Fabbri, 2000). Na literatura especializada uma das grandes referências na discussão sobre as origens do samba é, certamente, o livro de Carlos Sandroni Feitiço decente: transformações do samba

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no Rio de Janeiro – 1917-1933 (2001). Como já sugere no subtítulo do livro, seu enfoque será as transformações sofridas pelo samba no contexto do Rio de Janeiro no final da década de 1920 e início de 1930, mudanças essas que podem ser observadas em aspectos estruturais como (ritmo e forma) e semânticos (significado do termo). Inicialmente o autor realiza uma revisão sobre as origens etimológicas do termo samba para depois analisar seu processo de nacionalização onde há necessariamente uma conversão ideológica de seu entendimento da vertente folclórica e popular num único termo. Segundo o autor até o início do século XX a palavra samba era utilizada no Brasil com sentido genérico para indicar os festejos dos negros e estava associada, principalmente, ao samba de umbigada 25 – expressão cunhada por Edison Carneiro em 1961, configurando uma tentativa de generalização de todos os tipos de dança que tivessem a umbigada como gesto característico (Sandroni, 2001). Ao apresentar as primeiras menções impressas encontradas do termo em 1838, o autor atesta que o samba passaria ainda por uma mudança de posição social (da roça à cidade/capital, considerando a oposição do rural e do urbano) e geográfica (do “norte” principalmente da Bahia à capital federal, o Rio de Janeiro), além de ser expressão quase desconhecida no Rio de Janeiro antes da segunda metade do século XIX, segundo Sandroni (2001:86). Em 1880 descrições de danças com características similares as do samba de umbigada da Bahia começaram a ser relatados nos bairros cariocas. Nesse processo de nacionalização o samba deixa de ser apenas “da roça, do norte, dos negros” e passa a ocupar a capital do federal tendo nas camadas mais pobres da sociedade sua representação, conforme o autor tenta demonstrar em suas análises de escritos literários como O cortiço, Til e A carne (id. 1999:88; 91). A expressão “nacionalização do samba” utilizada pelo autor diz respeito não apenas a disseminação musical pelo território brasileiro, mas ao uso do termo “samba” nos registros musicais e historiográficos e sua gradativa substituição em relação a designações musicais anteriores independente de estas estarem ligadas ao campo do folclore ou do popular (batuque, maxixe e tango) como pode ser observado através dos escritos citados pelo autor (Edilson Carneiro, Luciano Gallet, Artur Ramos, Oneyda Alvarenga, dentre outros). Ao observar a discografia da música popular brasileira podemos perceber que as gravações de “samba” aumentaram consideravelmente no início do século XX. A etapa final desse processo é a criação do “samba carioca” que para Sandroni tem inicio em 1917 com a composição

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Ligado a um tipo de dança encontrada em uma das variações descritas por Edison Carneiro no livro Samba de Umbigada (1961). A dança consiste em uma roda onde os participantes dançam individualmente no centro, sendo substituídos por outra pessoa escolhida através do gesto característico: a umbigada.

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“Pelo Telefone” de Ernesto dos Santos (Donga) e tem sua consolidação alcançada com as transformações rítmicas no inicio da década de 1930 (id. 2001: 97). Nacionalidade, progresso e originalidade são ideais que permeiam a historiografia da música popular brasileira até a década de 1980. Segundo Elisabeth Travassos o identificado como “paradigma da nacionalização” apresentava os ideais de progresso e nação como norteadores das primeiras reflexões sobre a história da música feitas no Brasil (Travassos, 2003). Segundo a autora tratava-se de uma “história teleológica que se escrevia a partir dos valores e preocupações do presente do historiador” (Travassos 2003:75), afirmação que pode facilmente ser constatada quando analisamos os relatos precursores. Em relação ao debate historiográfico sobre as origens do samba são identificadas por Sandroni duas posições distintas em relação às argumentações genealógicas. A primeira é de que o samba seria uma “propriedade intrínseca da cultura afro-brasileira” e a segunda é que teria sido uma tradição inventada pelas interações da cultura popular.

[...] o samba não teria sido inventado, muito menos por “vários grupos sociais”; ele já existia confinado às noites da senzala, dos terreiros de macumba ou dos morros do Rio de Janeiro, antes de sair à luz do dia e conquistar o Brasil. O “lugar” do samba seriam os redutos de cultura negra, nichos onde esta se refugiou e resistiu. (Sandroni, 2001:114)

A citação acima define o que o autor nomeou de paradigma da “concepção tópica”, que foi hegemônico por várias décadas e que somente seria questionado por trabalhos “pós 1980” como em O mistério do samba de Hermano Vianna (1995) – este sendo defensor de que o samba seria uma invenção cultural como vimos acima. Já Sandroni adota um meio termo entre estas duas concepções. Assim, o samba como gênero musical teria seu marco inicial com o registro e gravação do samba carnavalesco Pelo Telefone (1916-1917). A autoria da música é cercada de discussões, pois há quem defenda que o tema da canção teria surgido em reuniões festivas na famosa casa de Tia Ciata, sendo recolhida pelo autor e registrada de forma indevida. Apesar de a autoria ser contestada o mesmo não se pode dizer de todo o processo feito por Donga de concepção, organização e registro da obra. Para Sandroni “a consequência de toda essa atividade de Donga foi transformar algo que até então se restringia a uma pequena comunidade em um gênero de canção popular no sentido moderno, com autor, gravação, acesso à imprensa, sucesso no conjunto da sociedade” (Sandroni, 2001:120). Depois desse momento inicial o samba ainda sofreria modificações posteriores – como veremos mais adiante – que modelaram em direção a atual concepção de samba.

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A partir dos pontos apresentados acima, vemos que a própria discussão sobre “origem” é mais um elemento comum entre os dois gêneros. O momento no meio acadêmico remonta também a uma crítica cultural tão defendida pelos musicólogos brasileiros em prol de uma bibliografia mais crítica e menos conformada. Trabalhos como os de Aragão (2011), Braga (2002), Sandroni (2001), por exemplo, se mostram bastante alinhados com uma corrente historiográfica identificada por Napolitano e Wasserman (2000) onde a investigação do contexto social e ideológico é primordial na questão das origens. A consolidação de choro e samba como gêneros musicais serão importantes no sentido de revelar uma série de características musicais e extramusicais que serão definidoras para as manifestações musicais.

2.2. Estruturação formal e instrumental no choro

Elemento estilístico importante, a forma desempenha importante papel na consolidação de um modo de compor e tocar choros e sambas. No caso do samba, a forma sofrerá algumas mudanças em decorrência de sua inclinação comercial, quando se transformasse em um dos principais gêneros brasileiros nas décadas de 1930 e 1940. Sua forma passa a ser menos “folclórica”, menos atrelada ao samba rural – onde predominavam os versos improvisados – e mais seccionada ganhando uma segunda parte fixa para acompanhar ou substituir o refrão. A aproximação natural com as danças europeias durante a segunda metade do século XIX, como a valsa, a polca e o schottisch deram ao choro um esquema formal básico que viria a predominar nas composições: a forma rondó. Em A Estrutura do Choro: com aplicações na improvisação e no arranjo (2006), o professor Carlos Almada nos conta sobre a origem desta forma na Idade Média (Ars Nova) e de sua recorrência nos períodos musicais posteriores. O livro é uma abordagem técnica sobre o choro, que detalha aspectos rítmicos, melódicos, harmônicos e formais tendo como objetivo “a elaboração de um sólido e gradual método de treinamento na arte da improvisação melódica em choros” (Almada, 2006: 02). Para o autor a relação da forma rondó com o choro se dá através das danças de salão europeias, principalmente a polca, que já adotava a forma desde o século XVIII. Sucesso nas cortes europeias e também no Brasil, por meio das interpretações realizadas pelos conjuntos de choros – que se tornariam conjuntos regionais tempos depois – a “polca-choro” consolidaria uma forma quase que padrão para o gênero, definindo-o estruturalmente com conhecemos atualmente. Nesse sentido podemos observar um processo de transformação de uma

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manifestação musical em gênero a partir de diversos elementos como, por exemplo, uma interpretação característica das danças de salão europeias por parte dos músicos brasileiros e a adoção da forma como base para novas composições. Ou seja, há uma assimilação do conteúdo sonoro geral das interpretações em uma nova composição (forma das danças de salão estrangeiras + interpretações nacionais = choro) onde, certamente, um dos elementos estruturais básicos é a forma. Este modelo formal aos poucos vai ser considerado uma característica identitária para o gênero devido a sua recorrência nas composições, remetendo muitas vezes a uma marca de autenticidade/tradição para alguns músicos e compositores ligados ao choro. Ressaltamos que a forma rondó é predominante, porém não é absoluta. Compositores importantes para o choro como Pixinguinha, por exemplo, utilizaram-se de formas binárias para agregar fator diferencial a suas composições como no caso de Carinhoso (1916) e Lamentos (1928), dentre outras. O mesmo pode-se dizer das composições de Candido Pereira da Silva (Candinho do Trombone) que apesar de utilizar a forma mais popular utiliza-se de caminhos melódicos que não eram comuns aos padrões formais, fato que dificultava a realização do acompanhamento intuitivo de suas composições por parte de violões e cavaquinhos. Na posição de insider em relação à manifestação musical, percebemos que a junção entre uma forma musical definida e cíclica (como é o caso rondó) e as naturais relações harmônicas entre as partes fornece aos músicos acompanhadores, no choro e também no samba, alguns caminhos harmônicos básicos devido à recorrência de funções tonais dentro da estrutura, ou seja, entre as partes. Um choro típico possui três partes – A, B e C – e sua estrutura harmônica estabelece modulações para tons relativos, vizinhos ou homônimos entre as partes que costumam ter 16 compassos cada uma. O padrão de execução dessas partes obedece à seguinte ordem: A-A-B-B-A-C-C-A. (Sève, 1999:19).

Normalmente, o choro é formado por três partes denominadas como [A], [B] e [C], sendo a primeira parte repetida sempre que forem tocadas as outras duas partes 26. Por serem muito ricas melodicamente e por sua estrutura harmônica ser coesa, cada uma das partes tem bastante autonomia melódica, porém ligadas, por suas relações de tonalidade. Temática e motivicamente falando, as três partes, na maioria das vezes, têm grande autonomia, soando como se fossem três choros independentes, sem fortes ligações 26

Lembramos novamente que esta é uma forma padrão e não única no choro. Adotaremos essa forma como padrão em prol de um panorama geral condizente com os vários gêneros que foram gravados por Canhoto.

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de parentesco. Na verdade, os principais elementos de coesão entre as partes (além da estrutura formal recorrente) são as relações mútuas entre suas tonalidades. É também característico do choro um esquema harmônico “gravitacional” (que obviamente também deriva dos rondós antepassados) no qual as tonalidades das partes B e C são vizinhas da tonalidade central, de A. Com o passar do tempo, e com a cristalização da prática composicional, a preferência pelos esquemas de relações de tonalidades entre as partes reduziu-se a um número bastante restrito de possibilidades. (Almada, 2006:09).

A afirmação sobre a autonomia das partes da qual se refere Almada é, certamente, relativa aos referenciais analíticos adotados ou mesmo da obra analisada, podendo variar de caso para caso. Porém devemos atentar para o que o autor chama de “esquema harmônico gravitacional” onde as partes [B] e [C] são tonalidades vizinhas da tonalidade de [A], a parte central. Esse “esquema” passa a ser adotado pela grande maioria dos compositores, criando uma verdadeira linguagem estrutural e, consequentemente, harmônica. A linha melódica dentro desse padrão também deve obedecer a certas regras quanto à geração e resolução de tensões, sendo acompanhada pela harmonia. Nesse ponto observamos a importância do conhecimento de uma “harmonia funcional” por parte de músicos acompanhadores e compositores. Sabemos que no contexto do choro do final do século XIX e início do XX muitos músicos não tinham conhecimento de teoria musical, com exceção do solista. Os músicos acompanhadores tocavam, normalmente, “de ouvido” e essa habilidade era muito apreciada (e, diga-se de passagem, ainda é) pelos chorões. A expressão “tocar de ouvido” significa intuir determinada harmonia a partir de melodias executadas – no caso do choro bem sugestivas devido ao seu principal elemento estrutural: a forma. Esta característica, que é naturalmente aplicada ao samba, perdura até os dias de hoje na musica popular de maneira geral.

Geralmente é acompanhada de surpresa e admiração a tomada de contato de um músico ‘de fora’ com a grande habilidade dos violonistas e cavaquinistas de samba para harmonizar. Muitas vezes, em rodas informais, uma melodia desconhecida ‘puxada’ por um cantor/compositor anônimo é instantaneamente harmonizada e – ainda por cima – enfeitada por intricados arabescos da baixaria do violão de sete cordas numa verdadeira improvisação. A enorme experiência desses instrumentistas, aliada, obviamente, a um ouvido harmônico apuradíssimo, faz com que – assim como um jogador de xadrez antecipa as jogadas do adversário – quase que pressintam o caminho que será percorrido pela linha melódica, encontrando instantaneamente os acordes apropriados para ela. Tal habilidade que, aparentemente é um fenômeno misterioso para os “não iniciados” é, na verdade, fruto de uma enorme vivência no meio sambístico, combinada com o conhecimento (na maioria das vezes) intuitivo das inúmeras fórmulas harmônicas característica do gênero, exatamente o que se pretende focar no presente capítulo (Almada, 2009:212).

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A citação faz parte do preâmbulo do capítulo de análise harmônica de sambas e choros do livro Harmonia Funcional de Carlos Almada (2009), onde o autor sugere que, assim como ritmo e forma, os procedimentos harmônicos são características identitárias das mais relevantes para os dois gêneros. As fórmulas harmônicas são progressões de acordes encontradas nas harmonizações dos samba e choros que, de tão recorrentes, foram integradas aos gêneros no âmbito composicional e prático. Assim podemos observar que a intuição desse acompanhamento era quase que natural já que a costumeira repetição das características estruturais (principalmente em novas composições) acabou por “treinar” a audição desses músicos que identificavam a tonalidade e, utilizando sua vivência musical e seu conhecimento das “tonalidades” proviam um acompanhamento para o material melódico que lhes era proposto naquele momento. O conhecimento estrutural de cadências e progressões harmônicas utilizadas com mais frequência era, assim, algo subentendido pelos músicos, mas não formalizado teoricamente. Na parte reservada a harmonia e forma, o autor comenta sobre uma estrutura fraseológica, em relação à harmonia, encontradas dentro das partes do choro – sendo estas derivadas da estrutura formal, como citado anteriormente por Sève (1999) e confirmada pelo próprio autor (2006). Almada chega a se referir a uma “linguagem quase que ritualística do choro” (Almada, 2006:02), certamente pensando nos procedimentos harmônicos como um dos elementos dessa linguagem. Para exemplificar o que nomeou de fórmulas harmônicas, o autor realiza uma série de análises harmônicas de sambas representativos do repertório clássico e choros de Pixinguinha – considerado por muitos como o mais importante compositor do gênero – deixando evidente uma linguagem harmônica encontrada no processo e consagrada pelo uso. Por esse motivo, Almada vê a harmonia como um fator importante na caracterização estilística de um gênero musical, assim como ritmo e estruturação formal são para samba e choro, respectivamente (Almada, 2009). Na passagem do século XIX para o XX as harmonias eram representadas (quando havia representação) em um sistema de cifragem diferente do que conhecemos hoje em dia, desenvolvido pelos próprios músicos. Classificavam os acordes baseados em suas funções dentro das progressões harmônicas como “1ª do tom”, “2ª do tom”, se referindo a tônica e a dominante (preparação) respectivamente, sugerindo a existência de um conhecimento inicial e prático de harmonia funcional por parte de alguns músicos da época. Também era prática comum nesse período o aprendizado de instrumentos através dos “tons” e das “posições”, como costumavam dizer. Acreditamos que a difusão desse artificio possa ter proporcionado a escrita das harmonias, caracterizando uma tentativa das editoras de partitura em atingir um

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público maior. É comum vermos em partituras a partir da segunda metade da década de 1940 cifras escritas dessa forma. Mais adiante veremos, a partir do exemplo de Canhoto, que esse modelo também era utilizado nos processos de aprendizagem musical. Na teoria musical há uma parte destinada ao estudo das funções harmônicas especificas de cada acorde dentro de uma determinada tonalidade. A harmonia funcional diz respeito ao estudo da harmonia tradicional aplicada à musica popular, onde os acordes sintetizam a relação existente entre as vozes (Almada, 2009). O termo “funcional” é utilizado para fazer referência aos estudos que tiveram início na Teoria Funcional de Hugo Riemann em 1887 e que, no Brasil, foi difundida pelo professor Hans-Joachim Koellreuter a partir de 1960. A teoria afirma que o principio de tonalidade é determinado pelas funções dos acordes tônica, subdominante e dominante (T-S-D) e das tensões geradas por eles. O estudo desse modo de interpretação das relações harmônicas é utilizado em larga escala por instrumentos que fornecem acompanhamento às melodias, como é o caso do cavaco-centro, violões, piano, dentre outros. Segundo Almada (2009) podemos considerar o surgimento da teoria funcional como o de uma nova linguagem que quando iniciada adota vários aspectos de sua precedente, mas devido as suas “necessidades práticas” vão se afastando até se apresentarem como duas coisas distintas, embora tenham uma mesma origem (id. 2009:12). O autor chama a atenção para uma divisão no ensino da harmonia em tradicional ou clássica e a funcional e seus estudos seriam uma tentativa de reaproximá-las e fundamentar mais adequadamente a segunda que, segundo ele, por ter seus objetivos práticos, buscou adaptar os “ensinamentos tradicionais às particularidades da música popular, o que acarretou inevitáveis simplificações e reduções” (id. 2009:11). Dentre os estudos de harmonia voltados para música popular brasileira, destacamos ainda as considerações pioneiras do professor Sergio Freitas (1995) que mostra uma preocupação em formalizar esse conhecimento harmônico que até então era extremamente intuitivo e prático. O autor sugere em sua dissertação de mestrado que esses entendimentos são um tipo de conhecimento teórico que se tem sobre as práticas harmônicas na música popular, buscando averiguar a possibilidade de um controle das relações de combinação entre os acordes (Freitas, 1995). De fato os chorões conseguiram certo controle das relações harmônicas como sugere Freitas, porém de forma restrita e relacionada com a forma padrão das composições, ou seja, dentro de um contexto pré-estabelecido. É importante atentarmos para alguns aspectos relevantes dessa “sintaxe harmônica” para as manifestações musicais aqui abordadas (choro e samba) e para o cavaco-centro.

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Primeiramente, devemos lembrar que a linguagem harmônica é derivada da forma rondó, predominante no choro e algumas relações harmônicas derivadas dessa estrutura foram estendidas, de certo modo, ao samba. As fórmulas harmônicas acima de tudo são relações naturais entre os acordes dentro do sistema tonal clássico, com cadências autênticas perfeitas, imperfeitas, plagais, de engano, dentre outras. O conhecimento prático desses elementos, adquirido pelos chorões em suas vivências musicais, aliado ao caráter ágil e improvisatório de seus acompanhamentos possibilitaram a profissionalização desses músicos no rádio através dos Conjuntos Regionais no inicio da década de 1930. O período também é marcado pelo aumento das gravações de sambas – as quais eram realizadas pelos chorões – e pelas transformações rítmicas do gênero. Vemos os processos de harmonização como importante ferramenta para aprendizado musical do cavaquinho, assim como para a caracterização estilística, que será realizada no próximo capítulo. Outro ponto importante para ser observado no contexto do regional é o que denominamos neste estudo de divisão de tarefas, ou seja, qual a função que cada instrumento tem na construção da sonoridade do grupo. Veremos nas análises que Canhoto costumava executar as harmonias sem muitos recursos de rearmonização, como substituição de acordes, ou mesmo inversões. Os caminhos harmônicos utilizados eram em sua maioria os mais funcionais possíveis, pois além de estarem relacionados com as “posições” conhecidas no processo de aprendizagem, eram importantes para a manutenção do centro harmônico do trio de base (dois violões e cavaquinho). A “sintaxe harmônica” também tem relevância no sentido de proporcionar ao músico um conhecimento sobre o funcionamento da música tonal de um modo geral (no que diz respeito à geração de tensões e suas resoluções, engrenagem mestra do sistema) permitindo a ele a compreensão das relações harmônicas em diversos ritmos gravados ao longo da carreira. Bem verdade que a execução de ritmos menos comuns ao contexto dos regionais acontecia com mais frequência em gravações do que nas rodas de choro, sugerindo um arranjo especifico. O acompanhamento harmônico na música popular brasileira foi realizado por uma formação instrumental que, durante muito tempo foi hegemônica por ser compacta e possuir uma sonoridade bastante sintética em relação aos elementos rítmicos, harmônicos e melódicos: os Conjuntos Regionais. Um dos principais motivos da obtenção de tal síntese sonora era, certamente, a divisão de funções por parte dos instrumentos do conjunto baseada na sonoridade das bandas de música. Sobre o assunto, Sandroni (2001) nos revela que de 1902 a 1907, o repertório gravado era basicamente de modinhas e lundus em versões cantadas

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e instrumentais. As versões instrumentais ficavam a cargo de trios ou ternos de choro, tendo junto a formação básica (solista, violão e cavaquinho) outro instrumento de sopro (oficleide ou tuba) com a função de baixo (Sandroni, 1999:189) Em As abordagens estilísticas no choro brasileiro (2010), a professora e violonista Márcia Taborda procura estudar a genealogia do choro através de sua sonoridade, traçando o que seria um pensamento gradativo das mudanças sonoras que tem relação direta com os conjuntos que gravavam música popular (bandas de música, ternos de choro e Conjuntos Regionais) entre os anos de 1902 e 1950. A autora também identifica que os ternos de choro eram compostos por violão, cavaquinho e solista, tendo como referência sonora a polifonia das bandas de músicas do final do século XIX e início do século XX. As bandas, que normalmente estavam filiadas a instituições militares como o Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, Banda do Batalhão Naval, Força Policial de São Paulo, Primeiro Batalhão de Policia da Bahia, Banda do 4º Regimento de Recife gravaram muitos choros na fase mecânica do disco no Brasil (1902 - 1927). Taborda também identifica referência aos graves das bandas militares na sonoridade dos ternos através da execução do violão, sendo este marcado e pontuado pela execução de baixarias (apesar de não haver ainda violão de sete cordas). O cavaquinho era responsável pelo centro rítmico-harmônico, não havendo variações melódicas ou rítmicas (em prol de uma manutenção). Por parte do solista, também não havia variações. É possível, portanto, observar na sonoridade dos Ternos os três elementos musicais básicos divididos entre cada um dos instrumentos, anunciando o que seria a base harmônica dos regionais vinculados às rádios na década de 1930: cavaquinho realizando o centro-harmônico, a melodia a cargo do instrumento solista e o violão marcado com a pontuação dos baixos. Taborda também comenta que o papel do violão de seis cordas na época é extremamente parecido com o violão de sete cordas atualmente, no que diz respeito à condução harmônica através dos baixos e não a função contrapontística, tal a conhecemos hoje, que é posterior historicamente com a atuação de Tute (Artur de Souza Nascimento 1886/1951) e principalmente de Dino Sete Cordas. Pela audição dos fonogramas, pode-se inferir que o trio de choro tinha por referência e modelo a sonoridade das bandas, e nesse sentido o violão cumpre exatamente o papel de sustentar e conduzir harmonias através do desenho dos baixos buscando reproduzir o enunciado e a função dos graves das bandas. O cavaquinho executa um padrão rítmico quase sempre sem variações e o instrumento solista apesar da oportunidade de enunciar o tema por três vezes o fazia também sem variações. (Taborda, 2010:142)

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A autora prossegue suas observações constatando que essa sonoridade será rapidamente superada na década de 1910, com a inserção de improvisos e contracantos, características que serão posteriormente “incorporada à identidade do choro” (Taborda, 2010). A temática regional utilizada por grupos como Grupo do Caxangá, Trupe Sertaneja e Os Oito Batutas na década seguinte também é tida como importante antes do surgimento e consolidação do Conjunto Regional que “estabeleceu modelo de organização e sonoridade que permaneceria na música brasileira, como uma influência para as gerações futuras” (Taborda, 2010:145). Esses grupos eram choros que se utilizavam da temática regional em relação à indumentária e repertório. As novidades eram a presença de mais instrumentos rítmicos aliados à base dos Ternos, com a inclusão de pandeiro e reco-reco. (flauta, violão, bandolim, cavaquinho, violão, voz). Já os conjuntos regionais eram formações menores que as bandas de músicas e grupos típicos, tendo sua formação pautada nos ternos de choro com a incorporação do elemento rítmico, o pandeiro. Quase como uma versão reduzida dos grupos típicos e sem o elemento vocal, o regional tinha seu trio base de acompanhamento formado por: dois violões (seis cordas, inicialmente, depois um deles passa a ser de sete cordas) e cavaquinho, sendo as funções harmônicas divididas entre eles. Um dos violões executava os baixos enquanto o outro fazia os acordes em uma região médio-aguda. O cavaquinho passa a ser mais livre ritmicamente, executando padrões rítmicos mais variados, segundo Taborda. A formação destinava-se ao “acompanhamento de canções sempre com introdução de flauta, sustentada por base harmônica de total entrosamento e complementaridade” (id. 2010:67). Importante observar que com o surgimento das gravações elétricas cresce o numero de gravações do repertório vocal frente ao instrumental, colocando os regionais como principal grupo de acompanhamento de cantores como Orlando Silva, Silvio Caldas e Francisco Alves no que ficou conhecida como a Era de Ouro do rádio no Brasil. Taborda finaliza sua genealogia nos chamando atenção para a importância do Conjunto Regional de Benedito Lacerda para a fixação do formato instrumental do regional, aliando os instrumentos percussivos à base harmônica de cavaquinhos e violão. A importância de Benedito Lacerda para a fixação do formato é crucial para o desenvolvimento e fixação regional, seja pela proposição inovadora de formação para o acompanhamento das canções populares ou pela importância dos músicos que irão se reunir em seu regional, com destaque para o trio de acompanhamento Dino-Meira-Canhoto. O trio de violões e cavaquinho consolida um modelo de acompanhamento além de criar linguagens estilísticas para seus instrumentos e para o gênero choro, de um modo geral. Vimos que antes

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do regional adotar o nome de seu líder o grupo se chamava Gente do Morro, aludindo à origem de alguns de seus integrantes. Com este grupo a utilização da percussão passa a ser constante nas gravações, fato que antes não havia acontecido anteriormente. Vimos anteriormente que na gravação da música Na Pavuna, o Bando dos Tangarás utilizou-se do recurso rítmico, porem foi o Gente do Morro que transformou e fixou o recurso em elemento, consolidando assim a base instrumental dos conjuntos, integrando os três elementos musicais básicos através da instrumentação. Na formação tradicional mais utilizada pelos conjuntos regionais a partir da década de 1950 (com violão de seis cordas, violão de sete cordas e cavaquinho) podemos notar mais claramente a divisão de funções no trio de base a partir dos aspectos rítmicos e harmônicos – já que a função melódica esta destinada ao instrumento solista. Ao analisar algumas gravações de Canhoto e Seu Regional percebemos que a execução das progressões harmônicas é realizada de forma diferente por conta dos recursos disponíveis a cada instrumento, mas principalmente para manutenção das funções. Um dos violões, normalmente o de sete cordas, executa frases melódicas contrapontísticas em relação à melodia principal conhecidas popularmente como “baixarias”, sendo necessário que cavaquinho e violão de seis cordas forneçam o suporte harmônicos que dará sentido as frases contrapontísticas, bem como a melodia principal. O cavaquinho também apresenta intervenções melódicas, sendo necessário um recurso diferente do utilizado pelos violões - os duetos - como veremos a seguir. Essa função harmônica, aliada a aspectos rítmicos da pratica do cavaquinho, é conhecida no contexto do choro como “centro”. A designação diz respeito a sua dupla função na formação instrumental e também de ligação entre os elementos rítmicos e harmônicos. Não significa dizer que os violões também não se utilizem destes dois elementos em sua execução, mas no regional suas funções estão muito mais ligadas às baixarias e contrapontos, que se tornaram características importantes do gênero ao longo dos anos. Em depoimento o cavaquinista Mauricio Verde, que tocou vários anos com o flautista Altamiro Carrilho (ex-integrante do Canhoto e seu Regional) analisa a integração sonora entre o trio de base mais representativo da história do choro: Dino-Meira-Canhoto. Temos que entender qual é o intuito, o sentido, qual é a função que ele está fazendo ali. Por exemplo, quando só tem apenas um violão (seis cordas, no caso), eu tenho que ser a base. Não posso fazer muitas variações já que ele é obrigado a se dividir entre os contrapontos e a harmonia, e esta eu tenho que sustentar rítmico e harmonicamente para que ele sinta-se seguro, pois normalmente só haverá o pandeiro como pedal. Então eu tive que entender essas relações e aplica-las ao regional do Canhoto: Dino ficava solto porque o Meira era a mão direita dele. As levadas executadas pela mão direita tem que "casar" com o outro violonista, fazendo com que o 6 deixe o 7 livre para os contrapontos. Canhoto também ficar livre e

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então percebi que ele fazia tudo aquilo e não atravessava, pois é importante saber que não vai embolar. Percebi também que Dino e Meira pareciam uma única pessoa. (Depoimento de Verde ao autor, 2014).

Verde é bem claro quanto ao entendimento das funcionalidades dentro da formação, citando

“obrigações” e

sugerindo

que apesar

do

centro

rítmico-harmônico

ser

responsabilidade do cavaquinho essas funções se alternam dentro do grupo dependendo de sua formação e até mesmo do arranjo em prol de uma completude sonora. Outro ponto importante em relação às práticas harmônicas dentro da formação diz respeito às inversões de acordes. Ao contrário dos violonistas, que tem progressões criadas de acordo com as inversões – de modo a construir uma linha que vai sendo conduzida a cada acorde da progressão –, os cavaquinistas não podem contar com tal recurso. No instrumento “o baixo de acorde não existe efetivamente” (Cazes, 2005:25) fazendo com que as harmonias geradas sejam um pouco mais simples do que a dos violões, a base de tríades e, em alguns casos, até de acordes com a terça dobrada (compensadas sonoramente pelos harmônicos naturais do instrumento e pelos violões). Outro aspecto importante para sonoridade do cavaco-centro e para a formação instrumental é o ritmo. As palhetadas ou levadas 27 do cavaquinho estavam, num primeiro momento, bastante ligadas ao ritmo característico dos gêneros e eram executadas de forma cíclica de modo a sugerir um elemento constante/pedal, pois a formação utilizada para tocar as músicas na época pedia tal funcionalidade. Porém, essa “obrigação” do centrista com a manutenção rítmica perde força com a chegada de um elemento destinado a esta função, dando mais liberdade criativa ao músico e a possibilidade de dialogar com o ritmo e não apenas reproduzi-lo repetidamente. Ainda hoje são poucas as padronizações em relação às práticas rítmicas do cavaquinho, ficando a transmissão desse conhecimento a cargo da oralidade e da observação da prática de cavaquinistas referenciais, como Canhoto e Jonas Pereira da Silva 28. Sobre os padrões rítmicos de acompanhamento transcritos para o cavaco, citamos o método de Henrique Cazes, A Escola Moderna de Cavaquinho (1988), onde há uma secção 27

No cavaco, os padrões rítmicos são executados pela mão direita que deslizam sobre as cordas tendo uma palheta como objeto de contato entre mão e cordas. Usarei o termo palhetadas para me referir a tal ação. Autores de métodos para o instrumento como CAZES (1988) e HABKOST e SEGURA (2005) utilizam também os termos batidas ou levadas. 28

Jonas (1934 – 1997) foi integrante do conjunto Época de Ouro, criado por Jacob do Bandolim. No principio era solista, mas foi ensinado por Jacob a acompanhar. Seu estilo difere-se do de Canhoto pelo fato de a sonoridade de seus acompanhamentos serem mais seccionados ritmicamente (sincopados) podendo ser comparado a células rítmicas encontradas no tamborim.

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em que se encontra algumas células rítmicas mais comuns no acompanhamento, mas sem maiores orientações. Outro método, Nas batidas do Samba: método audiovisual de batidas para cavaquinho (2005) de Nestor Habkost e Wagner Segura enumera segundo consta na capa, “40 batidas diferentes de samba”, mas sem definição dos padrões. Outra ferramenta usada por cavaquinistas que sabem ler partitura é a de transcrição de materiais escritos para outros instrumentos, para a linguagem específica do cavaco, fato que é muito comum pelo farto material de ritmos destinados para outros instrumentos como o violão, por exemplo, além de métodos para instrumentos de percussão. Contudo, reconhecemos que apesar dos esforços em tentar formalizar certas práticas rítmicas do acompanhamento do cavaquinho, as palhetadas são construções pessoais de cada músico baseadas nos ritmos característicos de cada gênero. O modo como cada músico compreende, se apropria e externaliza esse conhecimento pode variar de acordo com uma série de variáveis gerando, consequentemente, várias perspectivas para um mesmo ritmo por exemplo. O instrumento é historicamente ligado à população menos favorecida econômica e socialmente, fato que de alguma forma contribuiu para que os métodos de transmissão musical envolvidos com a prática do cavaquinho fossem muito mais intuitivos do que pautados na teoria musical tradicional, ou seja, muito mais práticos do que teóricos. Comparado ao violão que há décadas tem seu estudo sistematizado através de métodos e de cursos universitários, somente no ano de 2013 foi criado um curso superior de cavaquinho na Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Sabemos que muitos aspectos relacionados as músicas populares não são estudados/discutidos na universidade, porém se apresenta como uma perspectiva nova de estudo relacionada com outros aspectos que podem ser aplicados em diferentes contextos. Vemos na reflexão sobre a prática de Canhoto uma contribuição imprescindível para o instrumento no que se refere à função rítmico-harmônica ou de acompanhamento, e ainda uma perspectiva didática e estilística para os cavaquinistas de um modo geral. A realidade nos mostra que certas palhetadas foram consagradas e servem até hoje como referência para estudantes e estudiosos sobre o assunto, como é o caso de Canhoto. Acreditamos que vários fatores contribuíram para que Canhoto desenvolvesse seu estilo como sua pré-disposição motora, a compreensão das palhetadas e, principalmente, as transformações rítmicas ocorridas no samba no final da década de 1920 e início da década de 1930.

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2.3. A construção estilística de Canhoto

A profissionalização de Canhoto no início da década de 1930 é encarada neste estudo como um ponto de partida para um processo de consolidação de seu estilo individual que alcançará maturidade nos anos 1950 com a criação do Regional do Canhoto. Mas como se constrói um estilo no contexto do choro? Que fatores levam uma “escola”, um estilo individual a perdurar por diversas gerações como referencia de prática? Essas foram algumas perguntas que nortearam as reflexões deste estudo e que também foram feitas aos entrevistados ao longo da pesquisa. Segundo Carla Bromberg (2011) o conceito de “estilo” não tem consenso acadêmico, podendo ter vários significados como linguagem musical, se referir a determinado período histórico e ainda a um estilo de compor. Frequente também é a utilização do termo com o intuito de fazer referência a um modo de tocar um instrumento, um estilo individual. Nesse sentido, necessitamos neste tópico, primeiramente identificar alguns parâmetros a partir da prática do músico que juntos constituirão seu estilo. Escolhemos observar o processo de construção estilística de Canhoto mais profundamente, com o objetivo de tentar compreender como certas características do modo de acompanhamento (palhetadas e contrapontos rítmicos) tornaram-se marcas registradas do instrumentista e referência de boa prática na música popular até os dias de hoje. A temática relacionada ao estilo desenvolvido por músicos populares ligados ao choro vem sendo gradativamente trabalhada nos últimos 20 anos dentro do meio acadêmico. Os solistas Altamiro Carrilho e Jacob do Bandolim tiveram seus estilos interpretativos estudados recentemente (Cândido e Sarmento, 2005; Côrtes, 2006). A condição de solista e a trajetória histórica dos principais instrumentos melódicos utilizados no choro facilitam, em parte, os estudos analíticos. Normalmente esses instrumentos possuem sua transmissão musical consolidada através de partituras e do ensino em instituições estabelecidas socialmente, como a universidade. O destaque dado a esses instrumentistas a partir da consolidação de um comércio musical (o disco e o rádio) naturalmente é maior comparado aos músicos que os acompanhavam, fato ressaltado por Vasconcelos (1984). No que diz respeito aos créditos de suas atuações em disco de 78 rpm e em alguns vinis, há uma grande diferença entre os músicos acompanhadores e seus companheiros solistas – normalmente lideres dos conjuntos. A quase inexistência de fichas técnicas dificulta o trabalho de identificação dos músicos nos discos, ficando a cargo de associá-los ao nome dos conjuntos referenciados na literatura

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disponível ou pela escuta crítica, quando se tem conhecimento das características individuais de cada músico. Apesar da existência de alguns catálogos disponíveis na internet, a maior parte dessas informações, que deveriam obrigatoriamente estar nos discos, partem da memória e depoimentos dos chorões mais antigos que vão transmitindo essas informações dentro de seu contexto musical. Diferente dos instrumentos melódicos, a transmissão musical relacionada aos instrumentos de acompanhamento (violão e, principalmente, cavaquinho) ligados ao choro é pautada no processo oral (e aural anos depois) além de, historicamente, não haver um “suporte teórico” tão abrangente como para instrumentos melódicos. O “suporte teórico” ao qual nos referimos diz respeito a ferramentas que podem ser utilizadas como recurso na análise do material sonoro, como as partituras por exemplo. No caso dos instrumentos de acompanhamento, lembramos que entre as três primeiras décadas do século XX grande parte das partituras (editadas e manuscritas) não possuíam cifras o que dá margem ao registro musical através das performances, ou seja, da prática. Os estudos relacionados ao acompanhamento no choro estavam restritos, até o momento, a violonistas (Taborda, 1995; Pellegrini, 2005; Bittar, 2011) e a prática violonística no contexto do regional (Becker, 1996), normalmente tendo como objetivo extrair, catalogar, descrever e analisar elementos estilísticos de praticas que são tidas como referência – objetivo esse que compartilhamos nesta dissertação. Tendo como base os trabalhos anteriores sobre o tema, pudemos observar alguns pontos importantes para análise desse tipo como a descrição das características técnicas dos instrumentistas estudados bem como do contexto sociocultural ao qual estavam inseridos. Os processos de transmissão musical do início do século – período do aprendizado musical de Canhoto – também serão discutidos, pois acreditamos que essa fase tem grande importância na construção de um estilo. Falaremos também sobre seus antecessores e as “escolas” de cavaco-centro na música brasileira. A caracterização e análise estilística serão assunto no próximo capitulo por se tratar da discussão de procedimentos técnicos específicos da prática do instrumento, deixando o foco deste tópico para alguns fatores socioculturais que poderiam ter contribuído para tal construção. Para tentarmos entender essa construção tendo o cavaquinho como instrumento central, é necessária a observação de alguns aspectos que normalmente são importantes para o desenvolvimento de características individuais no ambiente do choro. Primeiramente abordaremos os antecessores de Canhoto e os processos de transmissão musical em seu período de aprendizado e por último discutiremos sobre a hipótese deste trabalho que

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investiga a possibilidade do estilo de Canhoto ter sido influenciado pelas transformações rítmicas ocorridas no samba no inicio da década de 1930 além de fatores que contribuíram para transformação e manutenção de seu estilo em prática modelo.

2.3.1. Antecessores: a linhagem Álvares-Galdino-Canhoto e os processos de transmissão musical

Os músicos tidos como referência em seus instrumentos tem papel fundamental no processo criativo de um novo estilo, já que acreditamos que nada é totalmente novo a ponto de não ter nenhuma relação com o passado. Uma nova perspectiva para a prática (no caso do cavaquinho) surge a partir de uma proposição a algo vigente em determinado período histórico ou ainda da compressão musical pessoal de um indivíduo em relação ao meio (no caso, o choro), que logo depois será transformado, e assim sucessivamente. Para o etnomusicólogo britânico John Blacking é importante observar que os entendimentos e percepções individuais de uma determinada ordem sonora, são considerados fatores contribuintes para consolidação de estilos individuais e de novas perspectivas para manifestação musical. No Livro How musical is man? (1973), ordem sonora (sonic order) é definida por Blacking como um conjunto de significados/características – que podem ser musicais ou não – subjacentes no pensamento humano no momento da criação musical. Em sistemas musicais híbridos em relação ao uso da teoria musical no ensino/aprendizagem, esses elementos são resguardos pela escuta crítica e pela performance e são compartilhados a partir de interações sociais, pois para Blacking a concepção da maneira que se deve organizar os sons (da criação à performance) não é universal e sim gerada a partir de um consenso entre os membros de uma comunidade (Blacking, 1973). A escuta crítica figura dentre os elementos definidores de uma habilidade musical tanto quanto a execução instrumental. O compartilhamento de experiências é imprescindível para a existência do consenso, no caso musical, tornando ambientes como a roda de choro ideais para manutenção e recriação da tradição musical chorística, além de evidenciar a “inseparabilidade” de música e contexto. Nesse sentido, as regras que norteiam os julgamentos de qualidade dentro de uma tradição musical são construções sociais, e às vezes, ligadas a processos que ultrapassam o contexto da prática musical. Dessa forma Blacking constata que é possível aprender música, ou sobre ela, apenas participando de uma coletividade, organizada por uma ordem que pode

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ser expressa na música, e em outros aspectos (Blacking, 1973; 2007). Ao aplicar as colocações de Blacking ao choro, e mais especificamente a Canhoto, percebemos que seu aprendizado é caracterizado por um ambiente familiar musical e pela presença de um professor. Tempos depois vieram as rodas de choro e a profissionalização. Todos esses ambientes de interação deram ao músico um conhecimento sobre a dita ordem sonora do choro, e em especial do cavaquinho dentro do gênero. Esta ordem está em constante construção e alguns músicos muito contribuíram nesse sentido. Importante ressaltarmos que essa ordem, no caso do choro, se divide em várias camadas, desde uma mais geral sobre o gênero, até camadas mais específicas que podem se referir a cada instrumento da formação básica do regional (violões, pandeiro, cavaquinho e o instrumento solista – flauta, bandolim, entre outros). Vejamos assim alguns nomes importantes para o cavaquinho, anteriores a Canhoto. Em entrevista, a pesquisadora e cavaquinista Luciana Rabello 29 identifica na música brasileira duas principais escolas de cavaco-centro que, apesar das dificuldades em definí-las com precisão – pelo fato das nuances serem muito sutis – concorda que é possível perceber as diferenças entre elas. Convencionaremos nesse estudo a chamá-las de escola antiga e escola nova. A primeira seria uma escola mais antiga/tradicional, onde situaremos os cavaquinistas oriundos do período entre final no século XIX e primeiras três décadas do século XX, ligados ao estilo mais amaxixado dos acompanhamentos. A segunda escola mais influente para o cavaco-centro (escola nova) tem como um de seus principais representantes o cavaquinista Jonas Pereira da Silva, atuante desde a década de 1960 e de quem falaremos mais adiante. Canhoto seria, então, representante da escola mais antiga, e a inovação em seu estilo se dá através da incorporação de características derivadas de seu entendimento pessoal da função “centro” às práticas estilísticas comuns desta escola. Dentre os cavaquinistas mais importantes da escola antiga podemos citar Mário Álvares (~1861 – 1905), Galdino Barreto (~1860 – 1935) e Nelson Alves (1895 – 1960). Pouco se sabe sobre Galdino Nunes Barreto, cavaquinista que tinha como um de seus discípulos Mário Alvares da Conceição. Foi encontrado no acervo pessoal de Canhoto um documento relevante produzido por Heitor Ribeiro (não seria este o mesmo citado por Catulo, 1908 apud Aragão, 2011, que era violonista e funcionário dos telégrafos?) onde foi 29

Cavaquinista, pesquisadora e professora. Destacou-se bem jovem como musicista atuando em grupos como Os Carioquinhas e Camerata Carioca. Depois partiu para carreira solo, acompanhando grandes nomes da música brasileira. É uma das fundadoras da Escola Portátil de Música e da Acari Records - escola e gravadora dedicadas ao choro.

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encontrado o único registo fotográfico do músico, além de nos revelar que “dos discípulos de Galdino, o único sobrevivente é Waldir [sic] Tramontano, que com brilhantismo honra o mestre 30”. Este e alguns outros documentos presentes no acervo pessoal de Canhoto já foram estudados anteriormente por Aragão (2011). Ao comentar sobre o acervo, o autor sugere que o fato do documento com a foto de Galdino aparecer na primeira página de seu caderno/acervo demonstra certa admiração de Canhoto e, talvez, gratidão pelos os conhecimentos musicais que foram transmitidos a eles. De fato, a relação entre CanhotoGaldino parece incontestável pelos documentos encontrados, porém pudemos observar em seu depoimento (Zaremba, 1978) que ao comentar sobre seu aprendizado o músico não faz referencia ao nome de Galdino como sendo seu ‘professor’, o que geraria certa dúvida sobre a relação direta professor-aluno. É bem verdade que o pai de Waldiro costumava receber músicos em reuniões festivas que ocorriam em sua residência, conforme é narrado em seu depoimento a Zaremba, e o Galdino como frequentador das rodas e como um dos grandes nomes do instrumento do período pode ter iniciado um contato em uma dessas reuniões. Outro dado importante para esta investigação é que, segundo Gonçalves Pinto (1935) Galdino era conhecido por ser um dos únicos professores de cavaquinho da época.

“Mestre dos mestres, que se celebrizou com o seu aprendiz Mário, cujo discípulo venceu naquela época todas dificuldades do instrumento transformando a sua tonalidade de quatro cordas para cinco, enquanto isso Galdino, continuava com o seu cavaquinho de quatro cordas tirando infinidades de tons e combinações de acordes que me é aqui difícil de descrever, tal é a magia, e a convicção das notas vibradas pela palheta encantada de Galdino, este grande artista, inigualável no meio dos chorões, aonde ele foi o único educador deste instrumento que se chama cavaquinho” (Pinto, 1935:70).

O trecho sobre o mestre “Galdino Cavaquinho”, fala ainda da superação sonora de um de seus discípulos Álvares. Também conhecido como Mário Cavaquinho (Barbosa, 1933), Mário Álvares ficou conhecido por sua inovação em relação ao instrumento ao inventar um cavaquinho de cinco cordas e outro de doze cordas (ou seis pares de corda) que chamou de Bandurra (Zebróide ou bando, como se refere Gonçalves Pinto). Chamamos atenção, também, para a relação de mestre-discípulo entre Galdino e Álvares, confirmando a condição pioneira do primeiro como professor do instrumento. Analisando alguns outros verbetes de Gonçalves Pinto (1935) acreditamos na possibilidade de Álvares também ter ocupado a posição de mestre em relação a outros músicos como Lulu Cavaquinho e Biláu, corroborando

30

Documento do acervo pessoal de Adilson Tramontano.

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a sugestão de Aragão (2011) que juntos, Galdino e Álvares, teriam construído um estilo, uma linguagem característica de tocar o cavaquinho que seria vinculada a eles. Sobre Lulu Cavaquinho: “Bem poucos serão dos farristas de agora, que não conheceu o bom e excelente amigo Lulu' cavaquinho. Era da turma de Mario, Galdino, Napoleão, Antenor de Oliveira, Quincas Laranjeiras, Juca Russo, Jorge Seixas, e muitos outros chorões, alguns ainda vivos. Era o grande executor acima de uma habilidade belíssima neste instrumento, pois não só solava, como também acompanhava muito bem. Lulu' vendo ser tocado e inventado por Mário, transformando o cavaquinho de quatro cordas, em doze, meteu-se na cabeça, de também aprender, o que conseguiu com Mário, com grande facilidade. Este instrumento não havendo nomenclatura na musica, Mário botou o nome de Bando, instrumento este, que supre o cavaquinho, e também sola em qualquer tom, sem precisar recorrer as oitavas. Hoje bem poucos o tocam, a não ser o grande musico Jorge Seixas aprendendo o mesmo sem mestre. Lulu' foi da turma dos bons, ainda hoje o seu nome é lembrado e comentado na roda dos chorões.” (id., 1935:209)

E sobre Biláu: “Conheci bem criança, na Caixa Velha da Tijuca, onde seu sempre chorado pai ocupava alta posição. Retirando-me da Tijuca muitos anos. Depois precisando ir aquele bairro, encontrei Biláu já moço e atracado a um cavaquinho todo novo, e dos bons. Afinando o cavaquinho, fez ali um tom com todos seus acordes que fiquei bem admirado da sua agilidade naquele pequeno instrumento de arrebatar. Depois solou uma valsa se não me engano o nome é "Sorrir meu doce amor", esta valsa é bem custosa de solar, no entanto nos dedos de Biláu foi sopa. E ali dedilhou outra, de que me fez babar. Biláu foi aprendiz se não me engano do sempre chorado Mário do Cavaquinho, e que deu ao mestre grande gloria. Hoje acha-se retirado da luta, julgo com a morte do seu sempre chorado pai, e sua boa irmã.” (id., 1935:111)

Pixinguinha, que teve como primeiro instrumento o cavaquinho, foi aluno de Álvares. Ernesto dos Santos, o Donga, que iniciou sua prática musical ao cavaquinho, atesta em depoimento ao Museu da imagem e do som do Rio de Janeiro (MIS) a importância do músico para o cavaquinho e para música brasileira 31. Ainda é possível observar através das citações que os músicos com maior ligação a Mário Cavaquinho parecem ter a prática como solista mais desenvolvida do que o acompanhamento rítmico-harmônico. A relação entre Galdino, Alvares e Canhoto também já havia sido estudada por Aragão (2011). Em estudo a práxis musical descrita no livro O Choro – livro este que é objeto de análise de sua tese – o autor destaca a presença dos chamados professores “informais” (como Videira, por exemplo), principalmente de violão e cavaquinho, no período de confecção do livro. A partir dos discursos de Vagalume, Pinto (1935) e Catulo (1908), Aragão constata a

31

Para mais ver Fernandes (1970).

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ligação entre três dos grandes nomes do cavaquinho: dois nascidos por volta da década de 1860 e um nascido na primeira década do século XX. Temos assim a visão de pelo menos três referências da época — Pinto, Catulo e Vagalume — atestando que Galdino e seu discípulo Mário Álvares formaram uma espécie de “escola de cavaquinho” que seria passada para outras gerações. Embora não tenhamos como saber maiores detalhes sobre o método de ensino de Galdino, temos um forte indício de que sua “escola” teve reflexos até a segunda metade do século XX, influenciando um dos mais importantes cavaquinhistas do período que vai de 1930 até 1970 aproximadamente: Waldiro Tramontano, conhecido como Canhoto do Cavaquinho. (Aragão, 2011:222)

O autor utiliza então o documento presente no acervo de Canhoto para comprovar que essa “escola” iniciada com Galdino tem forte ligação com Canhoto e sua prática que perdura até a década de 1970. A ligação entre Galdino e Canhoto é encontrada em um documento preservado em uma espécie de álbum que este último mantinha (e que hoje se encontra em poder de sua família) com recortes de jornal da época com “matérias” sobre o Regional do Canhoto. Na primeira página do álbum há uma espécie de biografia de Galdino Barreto, laborada por um certo Heitor Ribeiro, sobre quem não temos maiores informações. (id., 2011:223).

Apesar de clara a formação de uma escola/linguagem por meio desses dois cavaquinistas, não se conhece até o momento, gravações que possam ser utilizadas em uma análise mais detalhada. Dos mais antigos o único que possui gravações é Nelson Alves, tornando-se o único elo entre Canhoto e a escola antiga. O cavaquinista atuou em muitas gravações desde o início do século XX como solista 32 e como acompanhador. Como centrista gravou com o Grupo dos Fulanos, formação que atuou até o final da década de 1920 e que contava com músicos como Donga (violão), Augusto Calheiros (cantor), Antônio Maria Passos (flauta), Leopoldo Magalhães (não encontramos mais dados biográficos) e Arthur do Nascimento (o Tute do violão). Integrou Os Oito Batutas entre 1919 e 1928, grupo do qual é um dos fundadores, junto com Pixinguinha (flauta); Donga (violão-baixo); Otávio da Rocha Vianna, o China (violão e canto); os irmãos Raul (violão) e Jacó Palmieri (pandeiro); José Alves de Lima, o Zezé (bandolim e ganzá); Luís de Oliveira (bandola e reco-reco)

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(Vasconcelos, 1984). Também fez parte do Grupo

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Ficou calmo e Não pode ser (Victor – 33.205: 1929); Nem ela nem eu (Brunswick – 10.067: 1930); Eu vi você e Não tem dúvida (Parlophon – 13.084: 1929). 33

Autores como Sergio Cabral e Henrique Cazes identificam formações com apenas sete integrantes. Cazes aponta Luís Pinto da Silva como integrante do grupo na bandola e reco-reco (1998, 54) e Cabral fornece duas formações diferentes: uma no texto corrido e outra na legenda de uma foto do grupo. (Cabral, 1997: 51; 54)

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Carioca entre 1915 e 1921 (que tinha como solista Candido Pereira da Silva, o Candinho do Trombone) e do Grupo Chiquinha Gonzaga entre 1908 e 1915. Como compositor é autor de peças clássicas do reportório de choro como Mistura e manda, Serpentina e Nem ela nem eu, algumas delas gravadas pelo Regional do Canhoto. Para caracterização da escola antiga, realizamos audições de músicas gravadas por Alves onde ele aparece como acompanhador (Os Oito Batutas, por exemplo). Em algumas dessas gravações pudemos identificar uma das características fundamentais do estilo dessa escola de cavaco-centro: a adaptação de uma célula rítmica padrão ao gênero executado. Bem verdade que em algumas gravações o cavaquinho apresenta um som similar ao do banjo – um som mais curto (pouco sustain) e com mais harmônicos – deixando a sonoridade entre os instrumentos do acompanhamento um pouco ‘embolada’, confusa. A sonoridade se justificaria por questões tecnológicas como o tipo de corda que era utilizado pelo instrumento, mas não conseguimos maiores informações sobre o assunto. Acreditamos que o estilo de Canhoto começa a configurar-se a partir do momento em que elementos oriundos de seu aprendizado e vivência musical serão interpretados/assimilados, e manifestos a partir de seu entendimento pessoal da ordem sonora do choro. A partir do conceito de Blacking, exposto anteriormente, observa-se a importância do contexto sociocultural para o choro no início do século XX no que tange ao compartilhamento de uma tradição musical assim como o seu desenvolvimento. O período corresponde ao aprendizado de Canhoto, onde o músico adquire o conhecimento relativo à ordem sonora (estilo, função) do cavaco-centro bem como uma ‘bagagem musical’ relacionada ao gênero que será base de sua prática. Ao assumir a condição de músico profissional no início da década de 1930, Waldiro já apresenta em seu estilo de acompanhamento uma perspectiva própria/inovadora em relação ao período com elementos padrões (no período) e principalmente inovações rítmicas. Mas como eram os processos transmissão musicais no período de aprendizado de Canhoto? Sobre os aspectos de aprendizado e transmissão musical no choro, começaremos ponderando as colocações de Aragão (2011) em relação ambiente musical do choro na virada do século XI e XX através de seu objeto de estudo o livro O Choro – um dos principais relatos feitos no período. O autor inicia o quarto capítulo de sua tese fazendo uma revisão de trabalhos anteriores que se ocuparam em discutir a questão da transmissão musical. Em estudo sobre a transmissão escrita e não escrita, o musicólogo norte-americano Leo Treitler (1992) conclui que a dicotomia entre os dois processos não é sustentável na prática já que, isoladamente, os dois teriam elementos, aspectos questionáveis. O

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reducionismo de vários aspectos do fazer musical a um objeto concreto (partitura) e a transmissão de uma práxis musical a partir da memória, tendo como principal fonte a performance, seriam alguns destes aspectos. O etnomusicólogo Bruno Nettl (1983) referencia suas percepções em estudos anteriores como os de Charles Seeger e Curt Sachs, produzidos na década de 1950. Segundo Aragão, Sachs acreditava que a transmissão cultural de um modo geral teria que passar essencialmente por quatro instâncias: oral, escrita, impressa e gravada. As quatro estariam presentes em todas as culturas a partir da segunda metade do século XX, sempre mantendo uma relação de interdependência entre si (Aragão, 2011:202). Se observarmos o contexto do choro estes processos vão agregando-se com o passar dos anos. Os relatos sobre o choro mostram que na virada do século XIX para o XX as principais formas de transmissão eram a oral (rodas de choro, mestre-discípulo) e escrita, cada um tendo importância em processos específicos (ensino de instrumentos) e gerais (conhecimento sobre a cultura do choro). O autor também observa que Nettl questiona a transmissão musical quando associada à ideia de “peças” musicais, pois agrega um reducionismo ao complexo fazer musical a algo como um objeto concreto, uma obra. Especificamente falando, sabemos que uma “peça” é formada por várias “partes” menores que o autor chama de “unidades” (motivos melódicos e rítmicos, acordes, progressões harmônicas, cadências). Ao constatar a presença destas ‘unidades’ em várias obras de um gênero, poderíamos identificar uma linguagem, um vocabulário, ou até mesmo a ordem sonora e teríamos, assim, a possibilidade de observar na transmissão a capacidade de manutenção e combinação desses elementos menores em uma peça musical. Aplicando ao contexto do choro cada uma dessas “unidades” estaria relacionada a uma prática instrumental – que exerce uma função dentro de uma formação instrumental – e a um processo de transmissão musical usual, tendo em todos os processos a transmissão de um conhecimento global do gênero. As principais formas de transmissão utilizadas no período pelos instrumentos de acompanhamento (violão e cavaquinho) adotam processos de transmissão baseados na oralidade como na relação mestre-discípulo e na observação de performances nas rodas de choro. O fato destes instrumentistas não saberem ler música, em sua maioria, além da impossibilidade de grafar certos aspectos do acompanhamento contribuíram para a disseminação desses “métodos” que posteriormente ganharam outras possibilidades como cifras (na música impressa e escrita) e as gravações. No âmbito de seu estudo, Aragão afirma que:

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[...] parece ter sido senso comum entre os chorões da segunda metade do século XX que o choro se aprende prioritariamente através da observação direta e da tradição oral — e mesmo quando o aprendizado se dava através da partitura, esta deveria ser apenas um suporte para a memorização da estrutura básica da música, a ser “completado” por outros aspectos não escritos como “colorido”, “improvisação” etc. Desta forma, o “bom chorão” prescindiria do registro escrito, pelo menos em seu lugar de práxis, a roda do choro. (Aragão, 2011:203)

A mesma importância deve ser dada ao registro escrito, que contribuiu em vários aspectos para o choro conforme o autor segue demonstrando através dos verbetes de Gonçalves Pinto. Concordamos com a conclusão do autor de que a partitura não abrangia (e ainda não abrange) o complexo fazer musical em todos os seus aspectos (id, 2011:205; 206). Elemento essencial para nossas reflexões, Aragão (2011) comenta sobre o fato de o acompanhamento rítmico-harmônico raramente estar escrito. O uso de cifras ou alguma outra forma de notação referente a aspectos interpretativos era quase que inexistente no inicio do século XX, só tendo surgido décadas depois através do sistema antigo de cifragem (como vimos anteriormente). O autor ainda ressalta a importância do registro escrito para a manutenção de aspectos como forma, melodia além de uma característica identitária de instrumentos solistas e, principalmente, dos violões no contexto do choro: os contrapontos. Essa marca estilística tornou-se tão importante para o gênero que hoje, algumas dessas ‘frases’ são chamadas de “baixaria de obrigação”. Com o passar dos anos temos também as performances nas gravações exercendo a função de registro e transmissão desse material sonoro. Nesse caso diríamos que na virada do século XIX para o XX, ‘unidades’ como melodia e forma eram resguardadas pelas partituras, esta sendo fonte primária para os que sabiam ler música (pianistas, flautistas e outros solistas). Já aspectos do acompanhamento rítmico-harmônico, como as levadas e fórmulas harmônicas, eram transmitidos através da oralidade. A troca dessas informações acontecia através de interações sociais como a roda de choro – prática conjunta onde os músicos utilizavam todo seu conhecimento adquirido previamente para execução do repertório. Alguns dos músicos mais experientes, que tinham uma compreensão geral das práticas musicais comuns ao gênero (melódicas e harmônicas), costumavam exercer também uma função didática, transmitindo seus conhecimentos a músicos iniciantes no meio chorão. Em depoimento à Zaremba (1978) já citado, vimos como Canhoto descreveu seu aprendizado quando criança: pautado em posições (desenhos de acordes) que um “professor” (Galdino Cavaquinho) o transmitiu. Nesse sentido o verbete sobre o flautista Videira, citado por Aragão de forma segmentada é extremamente ilustrativo:

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[...] Daquele dia em diante, comecei a procurar Videira, não só em sua casa como em uma charutaria na rua do Ouvidor, onde ele trabalhava como cigarreiro. Andando sempre com ele principiei a tocar violão e cavaquinho, pois ele os conhecia regularmente, e tornando-me desta forma um violão e cavaquinho respeitado na roda dos tocadores batutas (...) tornando-me um bamba nos dois instrumentos de cordas de que fiz uso por muitos anos (Pinto, 1935:32)

Segundo Gonçalves Pinto (1935), o flautista tinha conhecimento dos vários aspectos musicais do choro e mesmo sem ler partituras detinha tal conhecimento devido a prática intensa daquele vocabulário. A partir da década de 1950, ao processo de transmissão da ordem sonora referente aos instrumentos de acompanhamento será agregado o processo aural de escuta crítica das gravações, conforme havia sido previsto por Sachs em seus estudos. Porém vale ressaltar que mesmo com uma possibilidade “mais acessível” (no caso a escuta das gravações) a roda de choro e o contato com músicos tarimbados são essenciais na formação do musico nesse contexto até os dias de hoje. Exemplo disso é a Escola Portátil de Música (EPM) – certamente, umas das maiores escolas de música do país que utiliza a linguagem do choro como suporte didático – que foi criada com esse intuito. Luciana Rabello, uma das idealizadoras da escola e apontada como a grande herdeira da escola de Canhoto, narra em entrevista um pouco do seu processo de aprendizado que gravitava entre a prática nas rodas de choro, audição de gravações e a frequência às aulas de violão do irmão – o violonista Raphael Rabello.

Em 1975, conhecemos o conjunto recém-formado, o Galo Preto. Raphael tinha 12 anos e eu 14. Ficamos amigos e começamos a frequentar as rodas de choro da casa do Afonso Machado -- bandolinista e líder do grupo. Eu ia tocando violão, não tocava cavaquinho ainda. Raphael conheceu o Déo Rian, bandolim do Época de Ouro, que ficou impressionado com ele e mandou que ele fosse ser aluno do Meira, o grande mestre do violão que tocou no Regional do Canhoto e foi mestre do Baden Powell. Além das aulas do Meira, eu e meu irmão passávamos horas tocando com os discos de choro, imitando e aprendendo com as gravações dos mestres, sobretudo do Regional do Canhoto e do Jacob do Bandolim. 34 Meira me dava um cavaquinho com cordas de nylon para que o som metálico das cordas de aço não encobrisse o solo de violão. O que ele queria mesmo era que eu mudasse de instrumento. Me ensinou a solar no violão, meu primeiro instrumento, o choro Magoado, do Dilermando Reis. Tocávamos muito e o mestre ia “aparando as arestas”, ensinando os caminhos, ampliando os horizontes. As aulas duravam tardes inteiras e tinha muito papo, ouvíamos histórias que nos traziam ensinamentos ainda

34

Esta entrevista foi concedida para um artigo sobre a Acari Records (gravadora criada por Luciana e pelo violonista Mauricio Carrilho) que saiu em inglês na revista norte-americana Brazzil (2000).

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mais importantes. Começávamos a entender que tocar implicava muito mais do que dominar a técnica de um instrumento 35.

Pelo que se sabe, Meira não era cavaquinista, mas assim como o flautista Videira tinha conhecimentos maiores que levavam Luciana e Raphael a “entender que tocar implicava muito mais do que dominar a técnica de um instrumento”. Também destacamos no discurso à valorização dos baluartes do choro por parte da “comunidade” (no caso os chorões) como, por exemplo, Meira “o grande mestre do violão”, sugerindo que o próprio gênero cria lideranças, referências para os iniciantes. O depoimento ainda nos fornece detalhes do funcionamento das aulas: a base de muita prática com Meira “aparando as arestas”. A expressão certamente refere-se ao fato do violonista cuidar de alguns pormenores que eventualmente apresentava-se na prática dos garotos. Em outro momento, Luciana também ressalta a importância da roda de choro para o seu desenvolvimento musical. O assunto já foi objeto de um estudo particular 36 devido à riqueza da discussão e constância do ambiente, em todos os momentos da história do choro, como o principal espaço de aprendizado cultural e interação (musical e social). Ao recordar sua iniciação no choro, a cavaquinista revela à ida as rodas em um bairro do subúrbio do Rio de Janeiro junto com o irmão. Sem ter ainda essa noção sistematizada sobre o gênero, eu e meu irmão Raphael Rabello começamos no choro muito cedo e de forma absolutamente apaixonada. Todas as manhãs de domingo pegávamos o ônibus 498 – Cosme Velho/Penha, que ligava a nossa casa a casa de Joel Nascimento. Íamos rumo às rodas de choro do minúsculo bar Santa Terezinha, na Rua Francisco Enes, bem perto da casa do bandolinista. A roda começava por volta das 10 horas, antes do almoço domingueiro do subúrbio. Encontrávamos ali Joel, Joir (seu irmão violonista), Abel Ferreira, Zé da Velha, Índio do Cavaquinho e outros chorões menos conhecidos, como Seu Berredo, Motinha, Petrônio e Caciporé. As rodas sempre acabavam na casa do Abel ou do Joel. Almoçávamos por lá e só voltávamos para casa bem tarde. Esses encontros musicais no bar Santa Terezinha duraram mais ou menos dois anos, tempo produtivo e inesquecível, quando aprendemos muito37.

Em relação ao nosso objeto de estudo, sabemos que Canhoto frequentou reuniões musicais na infância, mas seu aprendizado inicial do cavaquinho foi através de um professor. Certamente o contato com a escola antiga se deu através dessas reuniões e do contato com Galdino Barreto. A literatura do período (Pinto, Vagalume, Barbosa, Catulo) também indica Galdino e Álvares como os principais cavaquinistas na virada do século o que os colocaria em

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Ensaio elaborado especialmente para o projeto Músicos do Brasil: Uma Enciclopédia, patrocinado pela Petrobras através da Lei Rouanet. 36 Ver Lara Filho, I. G.; Siva, G. T. da; Freire, R. D. (2011) 37 Idem

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uma posição de referência dentro do gênero fazendo com que músicos iniciantes os observassem em especial, no intuito extrair características, procedimentos utilizados por eles na tentativa de legitimar sua prática ou até mesmo de referenciá-la. O período também é marcado por mudanças significativas nos padrões rítmicos do samba que deixam de ser ‘maxixados’ para se tornarem mais sincopados. Tais mudanças tem forte relação com os padrões de acompanhamento que eram utilizados pelo cavaquinho, como vimos anteriormente. Canhoto assim teria seu processo de iniciação e aprendizado musical situado anteriormente às mudanças, onde vigorava os padrões variantes do tresillo. Porém sua palhetadas apresentam também características diferentes, mais próximas do que seria o “samba batucado”. Nesse sentido indagamos se teriam as transformações no samba influenciado a construção estilística de Canhoto.

2.3.2. Transformações rítmicas do samba e o legado de Canhoto

No final da década de 1920 e início da década de 1930 o samba passará por um processo de mudança, em relação aos padrões rítmicos empregados nos acompanhamentos e também nas composições. As transformações foram estudadas por Carlos Sandroni (2001) que identifica dois ciclos de transformações: “um ciclo curto, que conduziu do estilo antigo ao estilo novo, e um ciclo longo, que conduziu do paradigma do tresillo ao do Estácio [grifo do autor]” (Sandroni, 2001:229). Na música brasileira do final do século XIX e início do século XX são encontrados alguns padrões rítmicos que, de tão recorrentes foram denominados por Mário de Andrade de “sincope característica”. Estes padrões rítmicos seriam variações ou subdivisões de um ritmo identificado por musicólogos cubanos na música de seu país, o tresillo, e que hoje no Brasil pode ser encontrado na tradição oral das “palmas que acompanham o samba-de-roda baiano, o coco nordestino e o partido-alto carioca” (id. 1999:28). Se subdividido, o ritmo assimétrico apresenta-se como um dos ritmos de maior destaque nos acompanhamentos de peças populares do período em questão.

Exemplos musicais 1: Tresillo. Sandroni (1999).

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Exemplos musicais 2: Síncope característica. Sandroni (1999)

Para o autor o paradigma do tresillo tem como principal característica a articulação na quarta semicolcheia de um compasso binário distinguindo-se de padrões rítmicos alinhados com a teoria musical clássica que tem sua articulação na quinta semicolcheia. Ao subdividir os grupos ternários do tresillo, Sandroni identifica mais duas variações recorrentes na música brasileira: o cinquillo – presente em padrões rítmicos executados pelo cavaquinho em choros do inicio do século XX (id. 2001:29) – e o ritmo de habanera.

Exemplos musicais 3 e 4: Habanera e Cinquilo. Sandroni (1999).

O autor ainda comenta que gêneros como lundu, polca-lundu, cateretê, fado, chula, tango, habanera maxixe e “todas as combinações destes nomes” quando indicados em partituras nacionais do período, tinham o intuito de evocar o caráter sincopado da música tipicamente brasileira. As formas de acompanhamento poderiam ser permutáveis, ou seja, utilizadas com o mesmo propósito em mais de um gênero sem haver uma descaracterização deste. De fato identificamos nas interpretações de Canhoto tal característica através do uso de uma palhetada-base com naturais adaptações aos ritmos executados, sempre prezando pela coesão sonora com a formação instrumental. Assim como observado em gravações de Nelson Alves (Mione e Requebros da baianinha - Brunswick 10.065-a e 10.055) essa característica marcante da escola antiga é continuada por Canhoto, porém com algumas inovações rítmicas e melódicas. Chamamos atenção ainda que posteriormente a esse período, o samba com características ‘amaxixadas’ será rotulado de “samba-maxixe” em oposição ao samba moderno. O outro paradigma seria o do Estácio, fazendo referência ao bairro do subúrbio carioca onde surgiram tais mudanças por meio de Rubem Barcelos (1904 – 1927), Ismael Silva (1905 – 1978), Nilton Bastos (1899 – 1931), Bide (1902 – 1975), dentre outros. A sugestão inicial seria na intenção de melhorar os desfiles carnavalescos, conforme a necessidade declarada por

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Ismael Silva “de movimentar os braços para frente e para trás durante o desfile” (Cabral, 2004:34). Segundo Cabral, os sambas pioneiros pouco se diferenciavam do maxixe sendo, por esse motivo, mais indicados a dança de salão. Ao assumir que esse grupo de compositores representou uma transformação decisiva para o gênero, Sandroni opta por analisar as gravações do “principal veículo da difusão em larga escala das primeiras composições de Ismael Silva e seus amigos”: o cantor Francisco Alves (1898-1952) (Sandroni. 1999:187). A escolha do autor se justifica pela dificuldade em analisar as gravações do período de 1927 a 1933, que compreende a ascensão e o apogeu dos sambas do Estácio, segundo o autor. A maior parte das gravações desse período foi realizada por orquestras onde não era possível escutar o violão – seu principal parâmetro analítico entre os estilos novo e antigo – e nem elementos rítmicos como cavaquinho, piano ou os instrumentos de percussão. Em busca de um novo parâmetro, o autor identifica na articulação silábica do cantor elementos característicos do estilo novo (id. 1999:202).

Exemplo musical 5: Paradigma do Estácio. Sandroni (1999).

Exemplo musical 6: Paradigma do Estácio (variação). Sandroni (1999).

Em estudo recente Iuri Bittar (2011) analisou gravações de Meira, companheiro de Canhoto nos regionais, no intuito de identificar elementos estilísticos nos acompanhamentos do violonista. Um desses é a levada “teleco-teco” onde o violão faz referência aos instrumentos de percussão através da execução de células rítmicas, tendo estas relações com o paradigma do Estácio. Para Bittar, a levada parece ser uma “fusão entre elementos tradicionais e ‘modernos’”, referindo aos ritmos presentes nos dois paradigmas. O autor ainda sugere que, pelo fato de Meira estar em intensa atividade no período em que ocorrem as transformações no samba parece natural o violonista mesclar ritmos em sua prática. Outra referência citada Bittar sobre essa levada é a dissertação de Márcia Taborda (1995) sobre o terceiro integrante do trio de acompanhamento do Canhoto e Seu Regional, Dino Sete Cordas. Taborda se refere ao “violão-tamborim” como sendo uma batida criada por Dino Sete Cordas

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e utilizada no acompanhamento de sambas daquele momento em diante (gravações com o Conjunto Regional de Benedito Lacerda).

Levadas e palhetadas 1: Violão tamborim. Fonte Márcia Taborda (1996)

Levadas e palhetadas 2: Levada "teleco-teco". Fonte Iuri Bittar (2011)

Na transcrição apresentada por Taborda (1996) o ritmo do paradigma do Estácio não é utilizado na integra, como na levada “teleco-teco”. Ao texto de Bittar, segue um trecho de uma entrevista com Jorginho do Pandeiro – também companheiros de regional na década de 1960, além de um dos grandes ícones do gênero ainda vivo. A entrevista apresenta detalhes importantes sobre as levadas dos três instrumentistas e, por esse motivo, fazemos questão de citá-la na integra.

Você diz a batucada? Eu vou te contar. O Dino, quando começou a gravar, tinha o Risadinha, que fazia no pandeiro a mesma batida que eu faço. E o Dino começou a fazer essa batida no violão, talvez seja isso que chamam de raspadeira [levada telecoteco] (…) E tem uns sambas antigos que o Dino crava essa batucada, e o Canhoto e o Meira fazem também. Por isso que o conjunto tinha aquela personalidade. Você ouvia de longe e já sabia que era Dino, Canhoto e Meira (Entrevista com Jorginho do Pandeiro, apud Bittar, 2011).

Chamamos atenção para o fato de Jorginho creditar a criação da levada à Dino e sua fixação na música brasileira a da atuação do trio Dino-Meira-Canhoto. Concordamos em parte com a afirmação de Jorginho em relação à execução do ritmo por Canhoto, pois em nossas análises podemos observar que o cavaquinho não utiliza nas levadas todo motivo rítmico apresentado nos paradigmas como fazem os violões, por exemplo. Canhoto opta por diluí-lo de modo a integrar à sonoridade geral do trio, como podemos observar no exemplo

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comparativo entre as transcrições rítmicas de violão e cavaquinho na música Amanha eu volto (Columbia 55.343-a) realizadas por Bittar (2011) e por este autor, respectivamente. Vejamos.

Levadas e palhetadas 3: Acompanhamento de violão e cavaquinho na música Amanhã eu volto. Fonte Iuri Bittar (2011) e autoria própria

No pentagrama superior está o padrão rítmico da levada “teleco-teco” executada pelo violão e no inferior a levada do cavaquinho de Canhoto. Chamamos atenção para a presença integral do paradigma do Estácio na região aguda da levada do violão e para a célula rítmica padrão nos acompanhamentos de choro de Canhoto, que ocorre no segundo tempo do primeiro compasso e no primeiro tempo do segundo. Nesse caso a palhetada do cavaquinho mescla células rítmicas da síncope característica dos acompanhamentos do cinquillo e células do paradigma do Estácio. Identificamos na gravação de Visite o terreiro (Ary Lobo, 1958) em que Canhoto utiliza um ritmo muito parecido com o executado no violão “teleco-teco”, sem, obviamente a parte dos graves.

Levadas e palhetadas 4 – Palhetada do cavaquinho em Visite o terreiro, Ary Lobo. Transcrição do autor

A análise mais técnica das gravações de Canhoto será assunto do terceiro capítulo, porém concluímos previamente que o estilo de Canhoto sofre influências naturais de ambos os paradigmas: dos ritmos ligados ao paradigma do tresillo bem como das mudanças rítmicas do samba através do Estácio. Como podemos observar seu período de iniciação e aprendizado musical estão relacionados com a escola antiga do cavaquinho (Galdino, Álvares e Alves) e, consequentemente, com ritmos variantes do paradigma do tresillo, como o cinquillo. O

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músico também vivenciou as mudanças rítmicas do Estácio através da atuação nos regionais: primeiramente com Benedito Lacerda, Bide e Russo do Pandeiro – todos estes envolvidos com as mudanças e moradores do bairro onde surgiram as transformações – e posteriormente com Dino e Meira, também participantes de todos os grupos que Canhoto participou. O ciclo de influências ainda se torna maior quando observamos a quantidade de gravações de samba na década de 1930, período em que ocorrem as mudanças. A gradativa participação de músicos ligados ao bairro do Estácio nas gravações – que eram realizadas pelos chorões – também dá margem para a abertura de outro canal de interação entre os paradigmas, fazendo com que as características inovadoras fossem assimiladas pelos músicos acostumados com o padrão da época. Gravações, aliás, que tem grande relevância para consolidação da sonoridade do trio assim como para os estilos individuais dos músicos em questão, além de contribuírem para a divulgação destas práticas por diversas gerações transformando-os em referência no contexto da música brasileira, principalmente para o choro. A transformação de um estilo individual em referência para um gênero popular, certamente, envolve muitas variáveis. Ao analisar a trajetória musical de Canhoto pudemos identificar alguns pontos que podem ter contribuído para que o músico alcançasse a condição de pilar central do cavaco-centro na música brasileira. Acima de tudo é indiscutível a qualidade e excelência de Canhoto no ato de acompanhar, dentro do contexto do regional, uma grande diversidade de ritmos, sendo alguns não tão comuns para o instrumento. Com Waldiro o cavaquinho abandona sua função quase que exclusiva de manutenção rítmica observada nos relatos da virada dos séculos XIX e XX e nas primeiras gravações dos ternos de choro - e passa a ter maiores possibilidades de interação com os outros instrumentos da formação (contrapontos rítmicos e duetos). Veremos que seu modo de palhetar (palhetada alternada) deu um sotaque único ao seu estilo transformando-se em marca estilística, que o acompanhará ao longo de toda trajetória artística e é peça chave para sua identificação nas inúmeras gravações que a realizou. A visibilidade e difusão proporcionadas pelas gravações de música popular também é relevante pelo fato destas terem se transformado ao longo dos anos no primeiro espaço de contato entre os chorões consagrados e músicos iniciantes no choro. Canhoto atuou por mais de quarenta anos, gravando diariamente com grandes artistas nacionais cujas canções passaram a fazer parte do repertório clássico da música popular. A versatilidade apresentada nos discos de estilos diferentes (algumas onde a presença de um cavaquinho seria improvável) também pode ser um dos motivos a se considerar, além da sempre comentada precisão rítmica de sua execução e integração sonora com os outros instrumentos da formação. Foi possível encontrar no levantamento inicial das gravações

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choros, baiões, polcas, maxixes, valsas, batucadas, toadas, emboladas, marchas, sambacanção, jongo, coco, rumba, mazurca, foxtrote, rancheira, cena africana, fandango, entre outros (Santos et al, 1982). Certamente muitas destas designações de gêneros são referentes ao período histórico, não sendo ideal compará-las às definições que temos na atualidade. Vimos que a construção de um gênero musical é um processo complexo onde os estilos agregaram-se sob uma única denominação (ou não) ao longo da história não sendo possível atingir uma precisão com relação ao assunto. Todavia, podemos considerar que tais designações sofriam influência do crescente comércio musical, onde as composições podiam ter designação de acordo com o prestígio do gênero frente ao crescente mercado de discos e partituras ou, até mesmo, com a intenção do compositor em torná-las diferente das demais. Outro ponto importante para a discussão é a compreensão, por parte do músico, da funcionalidade de cada instrumento dentro da formação (principalmente em relação ao trio de base ou de acompanhamento). Com palhetada discreta e funcional, Canhoto possuía uma capacidade de integração enorme com os violões, chegando a “sumir” e “reaparecer” através das dinâmicas como contratempos e intervenções melódicas. O estilo também possibilita interação sonora com todos os elementos que compõe a formação (melodia, harmonia e ritmo). A audição e análise das gravações, juntamente com as entrevistas com outros cavaquinistas, nos sugerem que Canhoto prezava o ato de acompanhar os músicos, no sentido de dar suporte harmônico a seus companheiros, complementando a sonoridade da formação, dai a atuação em todas as “frentes” do conjunto: melodia, harmonia e ritmo. Isto faz com que suas palhetadas não representem a execução integral de determinado gênero como vimos anteriormente nas transcrições rítmicas dos violões. Segundo Luciana Rabello, o cavaquinista Jonas (outra grande referência de cavaco-centro) buscava uma interação rítmica maior com a melodia que desde a década de 1930, por influencia do samba, viria se transformando ritmicamente. Talvez o fato de interagir, “jogar” (como diria Luciana) mais com as proposições rítmicas e harmônicas dos companheiros de grupo ajudasse Canhoto no sentido de utilizar palhetadas que não tivessem apenas as células rítmicas características de gênero x ou y como base, mas que também fossem importantes para a coesão sonora do grupo. Acima de tudo, Waldiro compreendia a polifonia do regional de maneira a adaptar-se a qualquer gênero que fosse executado. O próximo capítulo está destinado às análises e mapeamento dos principais ritmos gravados pelo músico sendo selecionadas as gravações mais ilustrativas em relação às principais características do estilo. Além da caracterização e mapeamento, acreditamos que as

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análises podem servirão de subsídio teórico/técnico para o estudo de outros cavaquinistas, abrindo mais um leque de possibilidades em suas práticas.

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Capítulo 3 – Análise técnica e caracterização estilística

3.1. Metodologia de análise

Estabelecidos os objetivos buscamos metodologias que nos auxiliassem na tarefa de descrever e extrair das gravações elementos e características que ilustrem o estilo de Canhoto. Sobre a análise de música popular gravada vimos algumas perspectivas nos trabalhos publicados da professora Marta Ulhôa, dente elas a metodologia desenvolvida por Phillip Tagg. Em A pesquisa e análise da música popular gravada (2006) Ulhôa chama a atenção para a importância da escolha dos tópicos de análise já que as ferramentas analíticas consagradas na musicologia “canônica” privilegiam parâmetros inadequados para música popular. A partitura, por exemplo, utiliza um sistema de notação que detalha altura, ritmo, instrumentação, porém não contempla aspectos como técnica instrumental, timbre, articulação e expressão que de modo geral não aparecem na partitura, pois são transmitidos de forma oral. Para autora um das exceções é a metodologia proposta por Tagg que “considera música tanto nos seus aspectos sonoros como contextuais” (Tagg, 2006:06). Algumas aplicações da metodologia de Tagg já foram vistas anteriormente nos trabalhos de Bittar (2011) e Magalhães (2000). A metodologia parte da perspectiva semiótica (considerada por ele como o estudo sistemático dos signos sonoros) para propor conceitos que irão definir alguns processos de significação relacionados com a construção de significado de algumas músicas. Os significados encontrados são justificados pela conexão com outros significados de outras músicas, pois para o autor a música tem sua própria lógica e que, pela dificuldade de explicála através do discurso, necessita de um tipo de pensamento associativo (Ulhôa, 1999a). Assim como é ressaltado por Magalhães (2000) em seu estudo, lembramos que o objetivo deste tópico não é relacionar uma única música com várias outras, e sim agrupar vários elementos interpretativos recolhidos na audição das gravações e realizar eventuais conexões com fontes diversas, no intuito de definir algumas de suas características estilísticas. Dentre os muitos conceitos propostos por Tagg, dois serão particularmente importantes para neste trabalho. Segundo o autor “musemas” são fragmentos musicais, unidades mínimas de significação sonora, podendo ser definidas como timbres, motivos rítmicos e melódicos, convenções, levadas, cadências, texturas, dentre outras (Ulhôa, 1999a). Normalmente os musemas não aparecem isolados, mas podem ser apresentados como excerto

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musical para uma análise especifica (como faremos no mapeamento rítmico), além de estarem relacionados com características sonoras de um código musical do gênero ou, para Blacking, uma ordem sonora. O processo de análise de Tagg é descrito por Magalhães (2000) como sendo dividido em duas partes. Primeiramente uma análise comparativa entre as estruturas musicais do objeto e outras estruturas oriundas do mesmo contexto musical – no caso de Canhoto seria a comparação entre suas características e a de outros cavaquinistas importantes como Jonas, por exemplo. Posteriormente uma segunda comparação entre estruturas do objeto e o contexto social, letras, dentre outras – como fizemos no tópico anterior ao relacionar as palhetadas com o ritmo do Estácio. No intuito de apresentar organizadamente a ocorrência das palhetadas e outros elementos estilísticos identificados nas audições, utilizaremos a ferramenta da partitura gráfica. Nela teremos uma visão geral da música onde poderemos visualizar precisamente onde estão localizados elementos importantes para a caracterização estilística, bem como a palhetada-base e suas variações. A partitura gráfica, também chamada de grade musemática, tem vários tipos de representação, porém sempre são mantidos parâmetros como a minutagem, a forma e instrumentos. Neste caso utilizaremos a grade para mostrar a recorrência de uma levada base e suas variações, além dos outros elementos estilísticos como contrapontos, duetos e trêmulos. Outros conceitos como o de anafonia e sinédoques de gênero não serão abordados 38. Desta forma adotaremos os seguintes procedimentos para o mapeamento rítmico das palhetadas de Canhoto. Escolhemos seis gêneros gravados pelo músico e para cada um deles uma gravação ilustrativa do repertório registrado em disco (78rpm ou vinil). Ao início de cada secção será apresentada a partitura gráfica das músicas analisadas, com a indicação de minutagem e forma, além dos musemas e suas respectivas legendas. Esses elementos estarão dispostos na partitura gráfica da seguinte forma: os musemas, principal elemento da grade, serão representados por barras verticais coloridas dispostas consecutivamente. O que determinará a quantidade de barras e sua cor serão os elementos estilísticos utilizados pelo cavaquinho além da recorrência destes ao longo da música. Acima das barras estará a indicação dos minutos onde se tem como referência a forma, mais precisamente o fim de cada parte da música. Na parte inferior será informada a legenda dos musemas indicados na representação gráfica. Vale lembrar que a maioria dos musemas referem-se às ações rítmicas do cavaquinho, não deixando de serem indicadas as convenções 38

Para mais ver Tagg (2003), Ulhôa (1999a, 1999b, 2006).

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coletivas e frases individuais de violão, flauta, acordeom e percussão, importantes para a estrutura formal da música. Em seguida serão comentados os musemas relacionados às palhetadas e características estilísticas de Canhoto, através dos dois níveis citados da “comparação entre objetos”. Para estudos posteriores as palhetadas serão transcritas para notação tradicional com a indicação de algumas articulações importantes. Serão grafadas em um pentagrama sem clave, já que as transcrições são na grande maioria rítmicas, em compasso binário tendo a semicolcheia como unidade mínima – conforme a convenção gráfica utilizada na transcrição de ritmos brasileiros. Com relação as articulações, utilizamos modelos encontrados em experiências empíricas na condição de professor e aluno de cavaquinho. Historicamente, o cavaquinho é um instrumento que tem seu ensino/aprendizado pouco formalizado e poucas são as padronizações, principalmente, no que diz respeito à grafia das palhetadas. Entramos em contato com Henrique Cazes, professor de um dos primeiros bacharelados em cavaquinho do país (Escola de Música da UFRJ), para sabermos da existência ou da utilização de algum modelo, mas o tema ainda está sendo discutido por alunos e professores não havendo, ainda, uma notação padrão. Assim, sugerimos o modelo de grafia utilizado pelo professor Jayme Vignoli (EPM), para indicação da direção dos movimentos da mão direita na execução dos ritmos. O professsor adota a mesma simbologia dos instrumentos de cordas friccionadas para indicação do movimento do arco, chamados de arcadas, onde o primeiro símbolo representa o movimento para baixo e o segundo para cima.

Levadas e palhetadas 5: Exemplo da grafia de direção dos movimentos da palhetada. Fonte Jayme Vignoli (EPM)

A grafia de articulação utilizada nesse estudo foi pensada no caso específico de Canhoto que utiliza-se de movimentos alternados em sua execução, onde movimentos de “meia-palhetada”

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são rarissimamente utilizados. Lembramos também que a execução dos

movimentos de Waldiro é invertida, porém seu referencial de execução é de destro. Para entendermos melhor a afirmação é preciso estar atento a dois parâmetros importantes: a 39

Recurso utilizado por cavaquinistas onde a palhetada só atinge as duas primeiras cordas do cavaquinho, ou seja, as cordas mais graves.

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disposição das cordas e o modo de execução da parte rítmica. Tomando como referência o instrumento de um destro, temos as cordas dispostas de cima para baixo indo do grave ao agudo. Uma das primeiras lições de um aluno iniciante é aprender que o as palhetadas devem sempre ser iniciadas no sentido grave > agudo, ou seja, de cima para baixo. Esta lição configura o que chamamos de referencial de execução anteriormente. No caso de Canhoto, a disposição das cordas é invertida, mas o referencial de execução é mantido, fazendo com que a direção do movimento inicial também seja invertida. Assim, ouvir não revela sua predisposição motora já que seu referencial de execução é mesmo de um destro. Portanto sempre que utilizarmos a expressão “de cima para baixo” estamos nos referindo a sonoridade do grave > agudo e não ao movimento executado por Canhoto. Outra representação se dá na articulação de movimento em uma pausa, caracterizando o recurso de abafamento – onde o som é interrompido pontualmente através da mão esquerda do instrumentista que pressiona as cordas somente em um momento pré-determinado por uma célula rítmica de um gênero especifico ou no intuído de ‘sincopar’ seus acompanhamentos. O professor Henrique Cazes se refere ao artifício como ‘stacatto de dedo’ já que sonoramente o resultado é bem parecido.

Levadas e palhetadas 6: Exemplo da grafia do stacatto de dedo. Autoria própria

O recurso é pouco utilizado por Canhoto, que utiliza mais frequentemente o movimento alternado. Pudemos identificar o recurso nas interpretações de Jonas, que tem sua execução um pouco mais seccionada sonoramente. A seguir, iniciaremos as análises.

3.2. Caracterização estilística e mapeamento rítmico das palhetadas

Assumimos o ponto de vista de que a escola antiga teria seus acompanhamentos mais ‘amaxixados’ e próximos ao ritmo do cinquillo – figura predominante nos acompanhamentos de cavaquinho no início do século XX. A partir dos pontos observados acima pudemos identificar a partir da audição de algumas gravações que Canhoto manteve algumas

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característica desta escola em sua prática, porém com inovações rítmicas e melódicas. Vimos também que as formações utilizadas foram transformando-se ao longo dos anos assim como as funções dos instrumentos. Nas primeiras formações, cabia ao cavaquinho o acompanhamento harmônico e a manutenção rítmica, esta ficando mais flexível com a inserção do pandeiro e de outros instrumentos de percussão na década de 1920/1930. No âmbito harmônico destacamos o uso das fórmulas harmônicas: os acordes são simplificados e há predominância de tríades, sendo a sétima menor utilizada somente nos acordes de quinto grau (dominante). Os diminutos também são utilizados em tríades tendo a fundamental ou a quinta dobrada, em certos casos. Acordes mais dissonantes tem rara utilização, gerando uma harmonia sólida e funcional para melodia e contrapontos. Os acordes meio-diminutos na função de segundo grau nos tons menores (iim7/b5) são pouco utilizados, sendo mais comum o quarto grau (iv) do campo harmônico menor natural. Vimos no tópico anterior que o uso das fórmulas harmônicas por parte dos cavaquinistas e violonistas era natural devido estruturação formal das composições. As audições e outras informações recolhidas nas entrevistas revelaram alguns elementos no centro de Canhoto que nos soam diferente da sonoridade alcançada por outros cavaquinistas, sejam no âmbito da execução ou na sonoridade do instrumento. Pelas informações que obtivemos Canhoto tinha três cavaquinhos dos quais dois foram fabricados pela Do Souto e outro era da marca paulista Del Vecchio dado de presente por Luiz Gonzaga em 1950. O instrumento mais utilizado pelo músico era um dos Do Souto, sendo um pouco mais fino do que o padrão utilizado em outros modelos da marca como o modelo Waldir (7,5 cm), por exemplo. Segundo o cavaquinista Mauricio Verde, o luthier Silvestre, responsável pela construção do instrumento, baseou-se nas medidas do primeiro cavaquinho de Canhoto, perdido em um incêndio na Rádio Nacional. Mauricio que utilizou o instrumento por alguns anos nos revela mais de sua sonoridade.

Ele gostava de usar cordas de violão, e palhetas de [casco de] tartaruga ou celulose, dependendo do propósito. O instrumento tinha uma sonoridade inigualável, simplesmente, um som todo por igual, levemente puxando pelo grave, por ser mais fino que o modelo Waldir. A madeira era pinho sueco [no tampo], com jacarandá no fundo e na escala. Um detalhe muito importante: esta sonoridade se dá por que o instrumento tinha muitos anos e a madeira estava bastante curtida, além do tampo ter sido lixado algumas vezes, talvez por motivos de arranhão ou para refazer o verniz. Então o pinho estava muito fino, isto, dá uma sonoridade muito boa. (Depoimento de Verde ao autor, 2014)

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O professor Cazes chama atenção para a relação desse modelo com o cavaquinho de Lisboa que não possuía leques harmônicos 40, possibilitando a emissão de sons mais curtos e ritmados, preferíveis para a função centrista. A junção desses elementos aliados às palhetadas de Canhoto, além de uma grande integração sonora com os violões, a ponto de em certas gravações não ser possível diferenciar o que exatamente o cavaquinho executa. Esta característica é importante, em momentos onde era necessário ressaltar alguma passagem contrapontística do violão ou até mesmo trechos da melodia principal. Assim como muitos cavaquinistas mais antigos, Canhoto utilizava encordoamento para violão, porém não sabemos ao certo o intuito de sua escolha. Equilíbrio da sonoridade? Conforto? Maior durabilidade? Falta de encordoamentos específicos? Sabemos que as cordas para violão são menos tensas que as especificas para os instrumentos, o que justificaria sua escolha em prol de um equilíbrio sonoro. Porém acreditamos que a durabilidade era o fator que mais influenciava no momento da escolha do encordoamento. Apesar das questões tecnológicas, o grande diferencial de Canhoto está na execução da mão direita, ou seja, das palhetadas. Outro cavaquinista influente para o cavaco-centro brasileiro foi Jonas Pereira da Silva, que foi integrante do conjunto Época de Ouro liderado por Jacob do Bandolim. Luciana Rabello nos contou em entrevista que o músico aprendeu a “centrar” com o próprio Jacob, segundo depoimento do bandolinista ao Museu da Imagem e do Som (MIS). Jacob por sua vez teria aprendido a fazer o acompanhamento com um cavaquinista chamado Carlos Gil, do qual não temos maiores informações. Jonas era solista e foi ensinado por Jacob a fazer centro. No disco Vibrações lançado em 1967 (RCA Victor BBL 1383) há na contracapa uma breve apresentação dos músicos feita pelo próprio Jacob. Sobre Jonas ele diz: Jonas Pereira da Silva (n. 11/4/1934, Estado do Rio) é funcionário público em Niterói. Ótimo solista de cavaquinho, meu “centro” ideal, não toca “atravessado” e adapta, a cada número, palhetada adequada. Tudo isso ostentando linda mecha branca nos cabelos. (Jacob do Bandolim Apud Cazes, 1998).

Segundo Jacob o estilo de Jonas não teria padrões rítmicos intercambiáveis (para utilizar o termo de Sandroni, 2001) - ou seja, uma célula base como encontramos nos acompanhamentos de Canhoto - adaptando a cada música levada diferente. Jacob, como vimos, chegou a gravar com Canhoto na década de 1950 e pelo depoimento supõe-se que o 40

Pequenas peças de madeira localizadas na parte interior do tampo do instrumento com duas finalidades: estruturais (quando colocadas transversalmente à fibra da madeira) e ressonância (quando colocadas no mesmo sentido da fibra). No caso do cavaquinho, que tem um tampo pequeno, os leques tem dupla função tendo somente duas possibilidades de construção: três ou cinco barras.

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estilo de Jonas o agradava mais do que o de Canhoto. Em uma gravação ilustrativa da atuação Jonas – a música Avenida Fechada de Elton Medeiros (gravada em 1973 pela Odeon – SMOFB 3820) – pudemos associar sua palhetada ao ritmo executado pelo tamborim, sendo estes os únicos dois instrumentos tocados na introdução da música. As variações da palhetada de Jonas durante a música são várias, porém chamamos a atenção para a sonoridade alcançada que parece ser mais seccionada. Identificamos a utilização de recurso de abafamento (stacatto de dedo), onde a mão esquerda deixa de apertar as cordas em alguns pontos específicos fazendo com que o som seja cortado eventualmente.

Levadas e palhetadas 7: Palhetada Jonas na introdução de Avenida fechada. Transcrição do autor

Levadas e palhetadas 8: Palhetada Jonas (variações). Transcrição do autor

Também encontramos elementos comuns aos dois estilos ao longo desta gravação como uso da ‘volta’ e algumas das células rítmicas típicas do samba derivado do Estácio que também veremos a seguir no mapeamento das palhetadas de Canhoto. Sobretudo, é difícil nos posicionarmos com relação à concepção estilística por parte dos músicos devido à impossibilidade do contato direto. Tentamos amenizar ao máximo este impedimento através de entrevistas (algumas já citadas ao longo do texto) com músicos que identificam e compreendem os estilos de centro citados, principalmente o de Canhoto. Mais uma vez recorremos às riquíssimas informações de Luciana Rabello, grande representante da escola de Canhoto na atualidade, que compartilha em entrevista sua visão do estilo do instrumentista, comparando-a com a escola de Jonas.

Imagine uma engrenagem onde cada peça tem sua função. É assim dentro de conjunto de choro. Não especificamente a mesma função o tempo todo, pois isso seria previsível demais. Quando observamos a maior dificuldade é entender esse jogo: em que momento você “deixa de jogar” com a melodia e passa a jogar mais com a parte rítmica... Em que momento você esta jogando com a parte rítmica e

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mais com a parte harmônica... É um jogo que não tem regra, mas deve-se estar extremamente atento nesse contexto. Resumidamente, Canhoto e Jonas jogavam de forma diferente. Se tivesse que diferencia-los diria que Canhoto jogava mais com os violões (seis e sete cordas) e Jonas jogava mais com a melodia. Se tivesse que fazer uma definição, assim mesmo ela não seria precisa. [...] Então diria que Jonas tinha um ritmo mais explicito, uma divisão mais próxima do que a melodia estava propondo, e o Canhoto jogasse mais com que o acompanhamento estava propondo. (Depoimento de Luciana Rabelo ao autor, 2014)

Entendemos o dito “jogo” como os momentos de interação musical entre os músicos. Luciana ressalta a imprecisão no momento de tentar diferenciá-los, mas afirma que Jonas “jogava” mais com a melodia pelo fato de anteriormente ter sido solista. Luciana lembra ainda que não é possível polarizar “Canhoto X Jonas / Jonas X Canhoto” em relação aos seus elementos estilísticos característicos, pois é possível encontrá-los nas duas práticas. Compartilhamos, em parte, da visão da cavaquinista, mas vemos uma clara diferenciação entre ambos: a frequência com que cada músico imprime em suas performances determinado padrão rítmico. Canhoto, por exemplo, por ter uma palhetada-base repetiria mais vezes determinado padrão do que Jonas.

Na sequência veremos através das análises como se

apresentam as interpretações de Canhoto.

3.2.1. Choro

Partitura gráfica 1: Cuidado, Violão

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Partitura gráfica 2: Doce de coco

O choro, junto com o samba, está no topo da lista dos gêneros mais gravados por Canhoto. Por esse motivo muitas características importantes para caracterização de seu estilo vão surgir nessas interpretações. Para esta secção escolhemos duas músicas bastante representativas do repertório de choro: Cuidado violão, musica de José Toledo gravada em 1952 (RCA Victor 80-0888-a) e Doce de coco, gravada por Jacob do Bandolim em 1951 (RCA Victor – 80-0745-b). Nelas podemos observar um misto de modernidade e tradição, já que são choros em duas partes (fugindo as características do rondó) e onde ocorrem muitas convenções rítmicas e frases contrapontísticas dos violões (seis e sete cordas). Além da levada de choro, outros musemas importantes encontrados nas duas músicas são: palhetada alternada, contrapontos, duetos, trêmulos e convenções. A grade de Cuidado, Violão apresenta em um de seus primeiros musemas a levada de choro. As audições nos revelaram duas formas de acompanhamento de choro como sendo as mais importantes utilizadas pelo músico. A primeira forma, e mais recorrente, caracteriza-se pelo uso de uma estrutura rítmica básica que tem sua articulação na segunda semicolcheia de cada tempo dentro de um compasso binário (2/4). Célula semelhante é encontrada no primeiro tempo da ‘sincope característica’ (semicolcheia, colcheia, semicolcheia), diferenciando-se pela não articulação do tempo forte.

Levadas e palhetadas 9: Palhetada de choro – Doce de Coco. Transcrição do autor

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A mesma célula pode ser encontrada em levadas de choro atualmente, muitas vezes lembrada como uma referência ao tradicional. Contudo, um detalhe nos chama a atenção. Se considerarmos a volta da palhetada para região grave como uma semicolcheia, teremos um movimento que pode ser a continuação da primeira articulação, uma pausa ou ainda um movimento articulado na direção dos graves. Segundo o professor de cavaquinho da Escola Portátil de Música (EPM) Jayme Vignoli essa “volta” deve ser “displicente e incidental”, ou seja, não deve ser considerada de fato uma articulação e sim algo casual, situacional. Porém no caso de Canhoto esse movimento é bastante utilizado, imprimindo a sua sonoridade um sotaque peculiar. Portanto a presença desse movimento articulado do agudo para o grave caracterizará o que chamaremos de “palhetada alternada”. Apesar desse elemento aparecer com frequência em quase todas as palhetadas utilizadas pelo músico, podemos percebê-la mais claramente na parte B do Doce de Coco. Sem dúvida esse é um dos principais elementos sonoros que auxilia no reconhecimento do músico em gravações onde não há fichas técnicas disponíveis.

Levadas e palhetadas 10: palhetada alternada. Autoria própria

O movimento é utilizado também na palhetada utilizada no choro Uma noite no Sumaré (Esmeraldino Salles – Disco Noites brasileiras, 1958), onde Canhoto utiliza-se do movimento alternado para imprimir um acompanhamento mais “completo” no momento em que há uma passagem contrapontística de um dos violões.

Levadas e palhetadas 11: Choro 2 – Utilização da palhetada alternada – Uma noite no Sumaré. Transcrição do autor

Não estamos atribuindo aqui a Canhoto criação do movimento ou a propagação deste através da sua figura, pois é justamente o contrário. A boa norma do cavaquinho sempre

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sugere que iniciemos a execução das levadas dos graves em direção aos agudos, como ressaltava o professor Jayme em suas aulas. Só chamamos atenção para a recorrência desde movimento alternado na prática de Canhoto com relação a de outros cavaquinistas. O fato de haver um movimento alternado não significa que a execução torna-se cíclica ou repetitiva, pois há momentos de variação. O músico procura usar essas levadas como um ponto de apoio, certamente prevendo momentos de grandes variações (como os contrapontos) onde normalmente retoma uma palhetada segura sem comprometer o ritmo do grupo. O movimento é encontrado nas gravações do Conjunto Regional de Benedito Lacerda, em Canhoto e seu Regional, além de gravações com cantores ligados a gêneros nordestinos como Gordurinha, Ary Lobo e Luiz Gonzaga, onde a formação instrumental varia um pouco em relação ao regional tradicional. Nestas gravações é possível perceber a utilização de outros instrumentos de percussão como a zabumba, triângulo e o agogô – cada um executando funções rítmicas específicas. No caso do Gente do Morro a identificação desse elemento estilístico é mais difícil devido à qualidade das gravações. A análise do repertório de choro gravado pelo músico revela que a palhetada utilizada no Doce de coco se configura como uma levada base utilizada por Canhoto em seus acompanhamentos, fato que é confirmado nas grades apresentadas anteriormente. Uma síntese de antigas e novas atribuições do cavaco-centro a partir da incorporação de um elemento especificamente rítmico a prática já existente: uma dicotomia entre manutenção e quebra rítmica através dos contrapontos. Ao comentar a opinião de Jacob do Bandolim sobre a maneira como os regionais realizavam os acompanhamentos, Becker (1996) aponta o que seria, para ele, a “a marca registrada” do estilo de Canhoto, o contraponto rítmico. [...] Jabob chegou certa vez a afirmar que era o único regional que se propunha a ensaiar seriamente e que por isso davam uma visão mais organizada aos seus acompanhamentos. Com certeza Jacob estava referindo-se as terças nas baixarias, realizadas por Dino e Meira, ou ao centro de cavaquinho de Canhoto, que tinha como marca registrada contrapor ritmicamente tercinas com semicolcheias. Realmente esses dois aspectos tratavam-se de características marcantes do grupo de Canhoto. (Becker, 1996)

O artificio também pode ser identificado nas grades musemáticas apresentadas no início da secção, onde os contrapontos rítmicos, que se dividem em normais e característicos, aparecem recorrentemente na execução de Canhoto. O contraponto característico ao qual se referem Jacob e Becker foi, de fato, identificado no Cuidado, Violão como sendo constituído de “tercinas com semicolcheias”. O processo de transcrição nos mostrou que só é possível escrever todo o contraponto em tercinas ou quiálteras com uma relativização dos valores, por

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esse motivo optamos por uma escrita mais fidedigna ao que está sendo tocado nas fontes. As passagens onde é identificado esse musema normalmente apresentam notas longas executadas pela melodia, onde a intervenção contrapontística tem seu efeito ressaltado. Para uma observação mais efetiva, fizemos a transcrição rítmica contrapondo uma sequência de semicolcheias (pauta superior) ao ritmo executado por Canhoto (pauta inferior) na parte A e do final da parte B do choro de José Toledo.

Levadas e palhetadas 12: Contraponto característico – Cuidado, Violão. Transcrição do autor

A partir da comparação entre o ritmo ilustrado no exemplo acima com outras gravações observamos que as células dois primeiros compassos são recorrentes em diversos outros contrapontos, justificando o motivo deste ser uma marca estilística. O terceiro compasso do exemplo seria uma transição antes do retorno a palhetada de choro, predominante em toda a música. Importante observar que articulações da ‘palhetada alternada’ também estão presentes nos contrapontos sempre antes de uma articulação em direção aos agudos, conforme indicamos no exemplo a seguir.

Levadas e palhetadas 13: Contraponto característico. Transcrição do autor

Outra forma de contraponto acontece através de intervenções melódicas, mais especificamente pela utilização de um recurso denominado popularmente pelos estudantes de cavaquinho como duetos: pequenas frases melódicas em que se utilizam duas notas (como sugere sua designação) de preferência na região aguda, normalmente em terças e que podem ir

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direção ao próximo acorde da progressão harmônica ou não. Sua divisão rítmica varia entre tercinas e sincopes de acordo com as gravações.

Levadas e palhetadas 14: Duetos – Doce de Coco. Transcrição do autor

O trecho corresponde aos compassos 15 a 18 do choro Doce de Coco, de Jacob do Bandolim. No exemplo os duetos dialogam de duas formas diferentes com a melodia, preenchendo suas notas longas num primeiro momento e dobrando o último trecho da passagem em oitava com o intuito de enfatizar a cadência de engano que acarretara numa breve mudança de tonalidade na sequência. A convenção rítmica é mais um importante musema importante identificado nas gravações, podendo ter, nos dois casos analisados, a participação de todos os instrumentos ou serem realizadas apenas por violões e cavaquinho – ocorrendo neste caso uma dobra rítmica com os violões. Nos dois choros aqui analisados percebemos os dois tipos de convenção, sendo mais comuns no Doce de coco a imitação por parte do cavaquinho da rítmica utilizada pelos violões em alguns contrapontos no final da parte B. Nestas convenções “imitativas” o ritmo costuma ser mas simples enquanto as convenções gerais normalmente tem um ritmo assimétrico no intuito de ter um efeito sonoro maior. Outro elemento identificado nas audições, mas que não chega a ser uma característica estilística é um ataque (muitas vezes involuntário) nas cordas soltas do instrumento no momento da troca de acordes em determinadas passagens. Apesar de acontecer com mais frequência nas músicas com o andamento mais acelerado, é possível observar melhor a sonoridade das cordas soltas soando entre dois acordes nas músicas de andamento lento. Muitos cavaquinistas conseguem evitar esse ataque utilizando células rítmicas mais sincopadas junto com o “stacatto de dedo”, tornando a sonoridade mais seccionada, além de antecipações e repetição do movimento da palhetada na mesma direção (grave > agudo). No caso de Canhoto o ataque involuntário acontece no início do compasso, ou seja, no tempo forte - momento onde violões e percussão estão articulando notas, tornando a sonoridade quase que imperceptível. O elemento poderia ser comparado ao momento em que os

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instrumentistas de sopro tomam fôlego após passagens em que precisam articular muitas notas. Por não ser um recurso técnico e nem uma característica identitária do estilo, optamos por não grafá-lo e não identificá-lo como musema, apenas apontar sua existência dentro da sonoridade de Canhoto.

3.3.2. Maxixe

Partitura gráfica 3: Dorinha, Meu Amor

No caso do maxixe, podemos ressaltar alguns pontos interessantes. A música analisada é de José Francisco de Freitas e foi gravada pela primeira vez por Mário Reis em 1928 (Odeon 10.299-a), voltando a ser gravada somente da década de 1950. A partir do gráfico observamos que a palhetada predominante é a de choro, sendo substituída em alguns trechos por uma palhetada de maxixe. A diferença entre as duas levadas está justamente na incorporação da ‘volta’ ao ritmo sugerindo uma das variações possíveis à levada de choro característica do músico.

Levadas e palhetadas 15: Palhetada de maxixe – Dorinha, meu amor. Transcrição do autor.

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A palhetada utilizada no maxixe poderia ser definida como sendo a levada de choro com a incorporação da ‘volta’. O que nos chama atenção é o fato da gravação que originalmente foi classificada como samba, figurar como maxixe nos discos gravados na década de 1950, incluindo o Noites Brasileiras do regional de Canhoto. A designação de gênero nos parece reflexo dos processos de transformação rítmica do samba já citados anteriormente, onde o samba deixa de ser amaxixado para ser mais “sincopado”. Assim, os sambas gravados no período anterior a 1930, vistos a partir perspectiva atual, pareceriam maxixes, como é o caso de Dorinha, meu amor. Fora a utilização da ‘volta’, os musemas da música não revelam nenhuma outra característica identitária do estilo de Canhoto. Em outro choro representativo do repertório de Canhoto e Seu Regional o maxixe Cheio de Moral (Odeon 14.621-b), o cavaquinho já apresenta seu acompanhamento baseado na levada de choro característica. Talvez pelo fato de a gravação apresentar mais instrumentos na formação não houvesse necessidade de estilizar tanto no ‘centro’, exceto nas convenções onde percebemos o cavaquinho saindo de sua eventual descrição. Em outras gravações de maxixe realizadas por Canhoto como Vinte e Oito de Dezembro (RCA Victor 80-1410-b) e Carioquinhas no Flamengo (Continental 16.396-a) a dinâmica de acompanhamento continua sendo a mesma: predominância da levada de choro e rápidas mudanças para a de maxixe. Atualmente há certa variedade nas palhetadas utilizadas no maxixe e algumas delas já se mostram um pouco mais desvinculadas dos tradicionais acompanhamentos de choro, como as recolhidas durante as aulas frequentadas durante a pesquisa com os professores Jayme Vignoli e Luciana Rabello na EPM.

Levadas e palhetadas 16: Palhetada de maxixe 2. Fonte – Jayme Vignoli Transcrição do autor

Levadas e palhetadas 17: Palhetada maxixe 3. Fonte – Luciana Rabelo. Transcrição do autor

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3.3.1. Polca

Partitura gráfica 4: Rato rato

A polca analisada foi gravada pelo regional em 1951 (RCA Victor - 80-0808), mas tem seus primeiros registros datados da década de 1910. Na execução do cavaquinho percebemos que Canhoto costuma executar o ritmo próximo das células da região aguda do acompanhamento dos violões (i, m e a), reforçando o ritmo e contrastando com as articulações em tempo forte realizadas pelos baixos. As interpretações não apresentam muitas variações, exceto nas convenções rítmicas. Outras gravações de polca do músico é Rouxinol no Melado (RCA Victor 80-0875-a) e Mexidinha (RCA Victor 80-0688-a). Na transcrição do musema da palhetada de polca temos representadas também o movimento abafado dos graves para o agudo, representado pela articulação em cima de uma pausa, que auxilia na marcação do tempo.

Levadas e palhetadas 18: Palhetada de polca – Rato rato. Transcrição do autor

A título de comparação, transcrevemos a levada de polca para violão encontrada nos Cadernos da Oficina de Choro 1 (2004) organizados por Maurício Carrilho. Entre os exemplos temos a transcrição da levada do violão tendo como fonte a mesma obra analisada

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nesta secção. Interessante observar também a relação da palheta do cavaquinho com as células da região aguda do violão, citada acima.

Levadas e palhetadas 19: Levada de polca para violão. Transcrição Mauricio Carrilho. Fonte Cadernos da Oficina de Choro 1 (2004).

3.3.4. Samba e batuque

Partitura gráfica 5: Roda de Bamba

Partitura gráfica 6: Visite O Terreiro

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Possivelmente são nas gravações de samba que Canhoto encontra-se mais à vontade com relação às interpretações. Seus acompanhamentos mostram toda a bagagem musical que o músico foi adquirindo ao longo dos anos. As palhetadas apresentam-se com vários elementos representativos como os padrões rítmicos mais sincopados ligados ao samba do Estácio, sempre tendo a palhetada básica de choro e os movimentos alternados como ponto de apoio em seus acompanhamentos. Para análise do samba escolhemos uma música instrumental e uma cantada. Roda de Bamba foi gravada em 1959 (Odeon MOFB-3063) no disco com o mesmo nome. Os dois primeiros musemas da primeira grade representam a introdução, onde Canhoto toca junto com instrumentos de percussão e sua palhetada apresenta mescla entre sua choro, samba e movimentos alternados.

Levadas e palhetadas 20: Palhetada na introdução de Roda de bamba. Transcrição do autor.

Além do uso da palhetada de choro, percebemos também que quase nunca há articulações no primeiro tempo do compasso, com exceção de introduções e finalizações de frases rítmicas (se assim podemos chamar) de dois compassos. Na parte A Canhoto imprime sua palhetada de samba, enquanto na parte B ocorre uma alternância entre choro e samba. Vemos essa introdução como sendo uma variação sobre a palhetada utilizada durante boa parte da música. Esta se encontra representada nos compassos 3 e 4 da transcrição acima, sofrendo algumas inversões já que as variações rítmicas são muitas e as células se apresentam em diversas combinações, sendo a transcrita abaixo a mais representativa.

Levadas e palhetadas 21: Palhetada de samba1. Transcrição do autor

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A mesma célula aparece na gravação de Visite o terreiro, mais uma vez de forma invertida e articulada em seu último tempo com a palhetada alternada, assim como no início e retomada das frases rítmicas da introdução.

Levadas e palhetadas 22: Palhetada de samba2. Transcrição do autor

Chamamos atenção para o último musema da grade de Roda de Bamba onde acontece um contraponto rítmico do cavaquinho já no fade out da música. Assim como no Doce de Coco, esse contraponto diferencia-se por não ser igual ao característico baseado em quiálteras e sim uma quebra de dinâmica da palhetada utilizada na música já que o momento é reservado ao improviso. Também chamamos atenção para o fato das funções entre o trio de base estarem invertidas no momento do improviso, com os violões fazendo o centro enquanto o cavaquinho realiza seu improviso rítmico. A célula rítmica também aparece na gravação de Disfarça e Chora (Marcus Pereira MPL 9302) do primeiro disco de Cartola em 1974, mas desta vez como na mesma intenção do contraponto característico.

Levadas e palhetadas 23: Contraponto no improviso de Roda de Bamba. Transcrição do autor.

Na segunda grade temos a música Visite o terreiro é classificada como macumba (RCA Victor 80-1918-a) e batuque (RCA Victor BPL 3060) em discos do paraense Ary Lobo gravados em 1958. Na gravação o cavaquinho aparece novamente com destaque na introdução executando junto com instrumentos de percussão (zabumba, agogô e triângulo) o padrão rítmico do samba com algumas variações. Apesar de outras designações de gênero o ritmo identificado é o de samba o qual é predominante em todos os refrãos e estrofes.

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Levadas e palhetadas 24: palhetada do cavaquinho na introdução de Visite o terreiro, Transcrição do autor.

Ressaltamos ainda que por serem mais livres do que no choro, as interpretações de samba podem apresentar além dessas formas muitas variações que partem, normalmente, da levada básica de choro e da palhetada de samba. Os discos mais ilustrativos nesse sentido certamente são os dois primeiros discos de Cartola: o já citado 1974 e o 1976 (Marcus Pereira MPL 9325). Segundo Cazes foi a primeira vez que a sonoridade do regional foi gravada em dezesseis canais, melhorando consideravelmente a qualidade das gravação e possibilitando uma escuta mais apurada das nuances de cada instrumento.

3.3.5. Baião

Partitura gráfica 7: Baião de Dois

Os ritmos nordestinos como coco, baião, rojão e xote representam, juntos, uma grande parte do repertório gravado por Canhoto. Além do repertório instrumental gravado por seu regional também observamos a obra de alguns cantores como Luiz Gonzaga, Ary Lobo, Gordurinha e Saci. Apesar das pequenas nuances que diferem os ritmos nordestinos citados, as palhetadas relatadas tem como base o ritmo do baião, com a célula rítmica característica sempre presente nas gravações através da zabumba. Como exemplo do acompanhamento

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básico para o gênero, temos a palhetada registrada nas versões instrumentais de Baião de dois e Paraíba, gravada no disco Baiãomania (BPL 3013).

Levadas e palhetadas 25: Palhetada de baião 1 – Baião de dois, exemplo 1. Transcrição do autor

Nos cocos a palhetada utilizada na grande maioria das gravações é a de choro, como nas gravações de O vendedor de caranguejo, Que choro é esse e Renda dá todas do disco Último pau de arara de Ary Lobo (RCA Victor BPL 3060). Apesar de auditivamente a presença da pausa em um espaço tão curto de tempo não significar grandes mudanças no resultado sonoro, ela é importante parar visualizarmos a volta da palhetada para região grave, caracterizando ou não a palhetada alternada. A música possui ainda uma versão cantada gravada por Emilinha Borba e os Boêmios (Continental 16.187-a), sendo necessário atentarmos para alguns aspectos relacionados à instrumentação utilizada na gravação. Na versão instrumental (versão 1) a percussão é realizada por triângulo, zabumba e um cowbell. O acordeom atua somente como solista, sem realizar acompanhamentos na parte solada pela flauta. Com essa configuração sonora, Canhoto imprime um ritmo parecido com o executado pelo triângulo, diferenciando-se pela quebra do ciclo rítmico na segunda parte de sua palhetada, como vimos no exemplo acima. Na versão cantada, a percussão não é tão presente quanto na primeira além da ausência da flauta. O acordeom executa um acompanhamento constante e o cavaco-centro opta por executar um ritmo parecido com o realizado pelo cowbell na versão instrumental, mas o fazendo de uma forma cíclica. A palhetada também pode ser associada à levada da polca.

Levadas e palhetadas 26: Comparação entre a linha do cowbell e palhetada de baião 2. Transcrição do autor

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Identificamos também a utilização da palhetada de choro na música Tum-tum-tum (RCA Victor BPL 3060) gravada por Ary Lobo, com uma pequena variação na parte final do acompanhamento.

Levadas e palhetadas 27: palhetada Rojão – Tum-tum-tum. Transcrição do autor

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Conclusão

Pretendemos com este trabalho estudar a construção estilística do cavaquinista Canhoto e suas relações com o contexto sociocultural nos diversos períodos de sua carreira, além de instigar as discussões no meio acadêmico sobre o cavaquinho através da figura de um dos músicos mais importantes para o instrumento e para a música popular brasileira. Com a instituição do primeiro curso em nível universitário de cavaquinho no país, situado na Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acreditamos que o momento é extremamente oportuno para as reflexões. A nosso ver também contribuímos para o preenchimento de uma lacuna na música popular relacionada à biografia e trajetória artística de Waldiro Frederico Tramontano. O perfil biográfico e artístico nos revelou dados biográficos importantes como data de nascimento, outras atividades fora a de músico, data e causa de sua morte além de algumas questões que cercam o início de suas atividades como músico profissional. Canhoto ingressa no regional de Benedito Lacerda por intermédio de Russo do Pandeiro na virada dos anos de 1931 para 1932, portanto não fazendo parte da formação inicial do grupo Gente do Morro como atestam a bibliografia, em alguns casos. O grupo tinha como cavaquinista Júlio dos Santos em seus primeiros anos de existência. Precisar esta data foi importante para as audições e possíveis correções em fichas técnicas e catálogos disponíveis. Também foi atestada a existência de um professor no período de aprendizagem do instrumento e que uma de suas principais características (tocar como canhoto em um instrumento com as cordas dispostas para um destro, ou seja, tocar invertido) não foi uma necessidade, e sim uma sugestão. A pesquisa biográfica também trouxe à luz dois documentos de extrema importância para a preservação da memória do músico. O primeiro é um acervo organizado por seu filho Adilson Tramontano em decorrência do IV Festival Nacional do Choro – Ano Canhoto (2008), contendo fotos, recortes de jornais e revistas além de outros documentos referentes à carreira de seu pai. O segundo é um depoimento em áudio do músico cedido à Lilian Zaremba em 1978 que, até o momento, é o único registro de sua voz que se tem conhecimento, sendo fonte primária para esclarecer informações importantes sobre sua carreira. A audição do repertório gravado nos mostrou que o contexto sociocultural e comercial são fatores decisivos para a construção estilística do músico. As levadas utilizadas pelo músico mesclavam elementos rítmicos de duas escolas de acompanhamento do instrumento, ligadas a padrões do samba anteriores e posteriores as transformações sofridas nas décadas de

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1930. Ligadas aos padrões amaxixados do cinquillo está a escola antiga cujos principais representantes são Mario Álvares, Nelson Alves e Galdino Barreto. A escola nova teria surgido com a consolidação do novo estilo de samba, cujo principal representante é Jonas Pereira da Silva, tendo como característica de seus acompanhamentos a utilização de padrões assimilados dos tamborins e cuícas que funcionavam como timelines (linhas guias) em gravações de samba na da década de 1940 e 1950. Desde sua aprendizagem musical até sua profissionalização, Canhoto conviveu com ambas escolas através de Galdino Barreto, seu professor na infância, e de Benedito Lacerda, Bide e Russo do pandeiro que eram músicos oriundos do bairro do Estácio. Como integrante do conjunto de Benedito, Canhoto também seria responsável pela consolidação de um modelo de acompanhamento conhecido como batucada ou teleco teco junto com Dino e Meira, anos mais tarde. O estilo de Canhoto seria, assim, uma mescla de elementos das duas escolas, tendo uma palhetada-base oriunda da escola antiga (e consequentemente do tresillo) aliada a elementos estilísticos ligados aos ritmos sincopados do Estácio que davam dinâmica aos acompanhamentos. No âmbito comercial a pesada rotina de gravações e programas de rádio torna-se fator decisivo para a utilização de uma palhetada-base que se encaixa em vários contextos diferentes, dinamizada por contrapontos e alusões rítmicas a outros gêneros. Nesse sentido, conseguimos identificar no centro de Canhoto uma mescla de várias palhetadas no acompanhamento de um único gênero musical, ampliando as possibilidades de execução. Além destas características identificamos a partir das gravações dos discos de carreira de Canhoto e Seu Regional outros elementos estilísticos relacionados à sonoridade alcançada por Canhoto que ajudaram na sua identificação em gravações onde as fichas técnicas não estão disponíveis. Junto com a palhetada-base os principais elementos são os contrapontos rítmicos característicos e melódicos, através dos duetos. A partir daí procuramos analisar como o músico utiliza-se desses artifícios em suas interpretações, interagindo constantemente com seus companheiros de regional, principalmente os violões. Acreditamos que através dos elementos estilísticos presentes em sua prática, Canhoto conseguiu alcançar uma sonoridade própria criando um estilo de acompanhamento na música brasileira. O músico não exerceu atividades didáticas, mas deixou suas maiores lições registradas nos discos gravados ao longo de quase 50 anos de carreira. A grande quantidade de gravações realizadas, juntamente com a versatilidade apresentada em seus acompanhamentos durante toda a carreira e, acima de tudo, a maestria com que realizou seus trabalhos fizeram com que a transformação de Canhoto em referência para o instrumento fosse natural. Junto com Dino e

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Meira formaram o trio de base mais importante da música popular, impondo modelo e dinâmica a uma formação utilizada até os dias de hoje.

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Documentos utilizados presente no acervo de Canhoto RCA Victor Rádio S.A. Texto biográfico sobre Canhoto e Seu Regional produzido em 17/1/1956 e presente no acervo pessoal do músico organizado por seu filho Adilson Tramontano. Radiolândia. Circulou de 1952 até 1962. Rio de Janeiro, Editora Rio Gráfica, 1955. Revista do Rádio. Propriedade de Anselmo Domingos lançada em 1949 e circulou até o final da década de 1960, transformando-se em Revista Rádio e TV em 1969.

Depoimentos à Lilian Zaremba Zaremba, Lilian. Depoimento de Canhoto (Waldiro Frederico Tramontano), 1978. Recolhidos em trabalho para monografia de conclusão de curso de graduação em história da PUC – Rio de Janeiro – 1978. Os entrevistados são: Nicolino Cópia (Copinha), Radamés Gnattali, Orlando Silveira, Horondino Silva (Dino Sete Cordas), Waldiro Frederico Tramontano (Canhoto), Abel Ferreira.

Entrevistas concedidas ao autor Cazes, Henrique. Entrevista concedida ao autor em Dezembro, 2013. Diniz, Bernardo. Entrevista concedida ao autor em Novembro de 2013. Rabello, Luciana. Entrevista concedida ao autor em Fevereiro 2014. Tramontano, Adilson. Entrevista concedida ao autor em Maio de 2014. Verde, Mauricio. Entrevista concedida ao autor em Janeiro 2014.

Outras entrevistas RABELLO, Luciana. Entrevista concedida para um artigo sobre a Acari Records (gravadora criada por Luciana e pelo violonista Mauricio Carrilho) que saiu em inglês na revista norteamericana Brazzil, 2000. Catálogos e gravações on-line Discos do Brasil Instituto Memória Musical Brasileira Instituto Moreira Sales

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Lista das gravações citadas no texto com ano de lançamento em disco

Canhoto e Seu Regional 1x0 – Pixinguinha e Benedito Lacerda (Victor 80-0442-a), 1946. Baião de dois – Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga (Continental 16.187-a), 1950. Benzinho – Jacob do Bandolim (80-1434-a), 1955. Bole bole – Jacob do Bandolim (80-0813-a), 1951. Canhotinho – Canhoto (RCA Victor 80-0991-b), 1952. Carioquinha no Flamengo – Waldir Azevedo e Bonfiglio de Oliveira (Continental 16.396-a), 1951. Cheio de Moral – Jota Santos (Odeon 14.621-b), 1960. Conversa Mole – Radamés Gnattali (RCA Victor 80-1440-a), 1955. Cuidado violão – José Toledo (RCA Victor 80-0888-a), 1952. Doce de coco – Jacob do Bandolim (80-0745-b), 1951. Dorinha, meu amor – José Francisco de Freitas (Odeon 10.299-a), 1929; (RCA Victor BPL 3053), 1958. Estás com algum ai? - Pedro Santos (Odeon 14512-a), 1959. Eu vou te contar, hein?- Jota Santos (Odeon 14512-b), 1959. Gingando – Canhoto e Dino (RCA Victor 80-0808-a), 1951. Gracioso – Altamiro Carrilho (RCA Victor, 80-0784-b), 1951. Lenço branco – Canhoto e Meira(RCA Victor 80-1509-a), 1955. Meu limão, meu limoeiro – Tradicional / Adapt. José Carlos Burle (RCA Victor, 80-0784-a), 1951. Mexidinha – Jacob do Bandolim (RCA Victor 80-0688-a), 1950. Naquele tempo – Pixinguinha e Benedito Lacerda (Victor 80-0447-a), 1947. O beijo do meu bem – Canhoto e Waldemar Gomes (RCA Victor 80-1633-b), 1956. Rato rato – Casemiro Rocha / Claudino Costa (RCA Victor - 80-0808), 1951. Rouxinol no Melado – Altamiro Carrilho (RCA Victor 80-0875-a), 1952. Sofre porque queres – Pixinguinha (Victor 80-0621-a), 1949. Teco Teco – Canhoto e Meira (RCA Victor 80-1148-b), 1953. Vinte e Oito de Setembro – Altamiro Carrilho (RCA Victor 80-1410-b), 1955. Visitando – Canhoto e Orlando Silveira (RCA Victor 80-1364-b), 1954. Visite o terreiro – Edgar Ferreira (RCA Victor BPL 3060), 1958.

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Gente do Morro Dá nele – Sinhô (Brunswick 10.049-a), 1930. Gorgulho - Jaci pereira "Gorgulho" e Benedito Lacerda (Continental 22.129-b), 1932. Minha flauta de prata – Meira (Odeon 11.061-b), 1933. Mirthes – Benedito Lacerda (Odeon 11.061-a), 1933. Olinda – Benedito Lacerda (Continental 22.129-b), 1932. Pretencioso – Benedito Lacerda (Odeon 10.993-a), 1933.

Conjunto Regional de Benedito Lacerda

Amanhã eu volto - Roberto Martins / Antônio Almeida (Columbia 55.343-a), 1942. Apanhei-te cavaquinho – Ernesto Nazareth (Continental 55.432-a), 1943. Aperto de mão – Dino, Meira e Augusto Mesquita (Victor 80.0058-b), 1943. Chão de estrelas - Sílvio Caldas - Orestes Barbosa (Odeon 11.475-b), 1937. Dinorá – Darci de Oliveira, Benedito Lacerda e J. F. Ramos (Odeon 11.266-a), 1944. Entre amigos – Raul Silva (Odeon 11.469-a), 1937. Falsa baiana – Geraldo Pereira (Victor 80.0181-a), 1944. Mesma história - Benedito Lacerda e Herivelto Martins (Continental 55.218-a), 1940. Por tua Causa - Vicente Paiva e Sá Róris (Continental 55.065-b), 1939. Praça Onze - Herivelto Martins e Grande Otelo (Continental 55.319-a), 1942. Rugas - Augusto Garcez - Nelson Cavaquinho e Ari Monteiro (Victor 80.0406-a), 1946. Tico-tico no fubá – Zequinha de Abreu e Alberico Barreiros (Continental 55.368-a), 1942. Venenoso – Raul Silva (Odeon 11.226-a), 1935.

Lista dos discos citados As Festas de Junho – Canhoto e Seu Regional (RGE XRLP 5295), 1966. Baiãomania – Canhoto e Seu Regional (RCA Victor BPL-3013), 1956. Bem Dançante – Canhoto e Seu Regional (Continental LPP 3178), 1961. Benê, o Flautista – Box de Cd’s (Maritaca – M10032), 2007. Bons Momentos – Canhoto e Seu Regional (CBS 37350), 1964. Canhoto 1960 – Canhoto e Seu Regional (Odeon MOFB 3131), 1960. Cartola I - Cartola (Marcos Pereira MPL 9302), 1974. Cartola II – Cartola (Marcos Pereira MPL 9325), 1976.

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Eles tocam assim – Vários artistas (RCA Victor BPL 3040), 1957. Elton Medeiros - Elton Medeiros (Odeon – SMOFB 3820), 1973. Noites brasileiras – Canhoto e Seu Regional (RCA Victor BPL 3053), 1958. Nossos ritmos – Vários artistas (RCA Victor BPL 3036), 1957. O Fino da música – Vários Artistas (RCA Pure Gold 107.0276), 1977. O Melhor de Canhoto e Seu Regional – Canhoto e Seu Regional (RCA Camden CALB 5142), 1967. Os Choros dos Chorões – Vários artistas (RCA Camden 107.0267) Roda de Bamba – Canhoto e Seu Regional (Odeon MOFB 3063), 1959. Teleco Teco Opus Nº 1 – Ciro Monteiro e Dilermando Pinheiro (Philips P 632.788 L), 1966. Último pau de arara - Ary Lobo (RCA Victor BPL 3060), 1958. Valsas Inesquecíveis – Canhoto e Seu Regional (Musicolor/Continental LPK 20.168), 1969. Vibrações - Jacob do Bandolim (RCA Victor BBL 1383), 1967.

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Anexo I Transcrição da entrevista de Canhoto à Lilian Zaremba (1978). Originalmente em áudio. O inicio do Canhoto no cavaquinho coincidiu com o começo no choro? Eu tinha oito anos de idade e ia sempre uma turma lá em casa, quando saiam dos bares, eles iam pra minha casa, 4/5h da manhã eles iam tocar. E eu vi o cavaquinho e gostei muito. Então falei com meu pai que chamou um professor de cavaquinho, mas eu sou canhoto. Então eu aprendi, virava as cordas. Depois de eu aprender todas as posições, um senhor de nome Oscar disse: não! Você tem que aprender com as cordas “direitas”, se não você não toca instrumento nenhum, de ninguém e os outros também não tocam no seu instrumento. Aí tive que aprender novamente. Ai foi, foi... depois trabalhei... Em 1927, eu fui trabalhar na saúde pública, que teve uma epidemia de febre amarela, onde conheci um senhor que tinha um conjunto, Benjamin (tocava trombone). Aí eu travei conhecimento com Pixinguinha, o pessoal do choro. E ele me levou na casa do Alfredinho Flautim, que tocava junto com o Pixinguinha, na Rua do Riachuelo. Fui eu, Caninha – que era um autor antigo – Sinhô, que era meu compadre. Lá encontrei o Russo do Pandeiro, que tocava com Benedito Lacerda. O Russo me vendo tocar, disse: você quer ir para o conjunto do Benedito? Eu não era profissional, era amador. Isso em 1931 e 1932. Ai eu digo: quero! Então agradeço eu ser profissional e o nome que tenho ao Russo do Pandeiro. Isso tudo aconteceu no Rio de Janeiro? Isso tudo, eu nasci aqui. Nasci em Botafogo, Rua São Clemente, ainda tem aquela vilazinha, 216. Essa prática da música de choro no Rio de Janeiro vem desde essa época? Eu pelo menos já conhecia. O primeiro choro que eu acompanhei chama-se Flor de Abacate, Eu tinha oito anos, eu sou de 1908... isso foi em 1916. Já existia esse choro. O choro é muito velho. É que teve um tempo aí com esse negócio de “iê iê iê” ninguém tocava choro. Agora quando veio aquela novela Carinhoso, é que colocaram o choro carinhoso no fundo. Aí foi que essa mocidade pensou até que aquilo fosse novo, e eu conheço carinhoso desde 1928. Então quer dizer que na realidade foi a televisão que... Eu acho que sim porque teve essa novela, o carinhoso, e colocou no fundo o choro carinhoso de Pixinguinha. E a mocidade ouviu e gostou. E depois o que influenciou muito foi o clube do choro, que foi fundado. Como é que funciona o clube do choro? Tem sócios, né? Eu tomei parte das reuniões e só tinha moços, num tinha velhos não. O velho era eu, Meira e Dino. O resto era tudo mocidade. Quais são as atividades do clube do choro? É justamente pra isso, pra divulgar o choro que tava esquecido. Agora, não! Agora na maioria dos estados tem um clube do choro. E esse clube organiza espetáculos? Organiza. No ano passado mesmo teve um, em São Paulo, dia 26/05. Tem até disco que foi gravado: O Fino da Música. Então eles fizeram um show só de choro com diversos conjuntos. Porque o meu conjunto já tinha, automaticamente, já estava desfeito porque todos se aposentaram e a Mayrink Veiga fechou. Todos aposentados, mas o camarada conseguiu reunir o Orlando Silveira (que hoje é maestro) deixou de tocar, não tocava há dez anos. Mas esse rapaz conseguiu reunir o conjunto. Contratou o Altamiro, o Orlando, falou comigo, Meira,

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Dino e o Jorge panderista. E fizemos esse show lá no Anhembi, em São Paulo no dia 26 de maio. Onde tem o disco, O Fino da Música, com diversos conjuntos. Foram 5 ou 6 conjuntos. E teve também o festival de choro, em São Paulo, no mês de outubro a novembro. E a opção pelo instrumento cavaquinho...no que resultou? Porque é um instrumento de música regional... É completamente regional. Porque antigamente o regional era flauta, cavaquinho e violão. Depois colocaram o pandeiro, e aqui num tinha acordeom não! Em São Paulo já tinha. Tanto que o Orlando Silveira veio de São Paulo para o conjunto. O Luiz Gonzaga trouxe ele, porque esse conjunto primeiro era do Benedito Lacerda. Nós Deixamos o Benedito em dezembro de 1950 e eu convidei o Altamiro para o conjunto. O Luiz Gonzaga vendo o Orlando tocar em um conjunto regional em São Paulo, perguntou se ele queira vir pro meu conjunto. Então o Orlando veio e ficamos de 1951 até fechar a Mayrink Veiga em 1965. Quando você optou pelo cavaquinho profissionalmente... Eu era garoto ainda, tinha oito anos. Foi o instrumento que eu gostei. Então não houve dúvida na opção pelo instrumento? Não, não. Porque eu via lá em casa tocar e gostei do cavaquinho. Podia ter gostado do violão, não é? Que é maior... o cavaquinho é muito pequeno. Mas gostei do cavaquinho. Profissionalmente, o cavaquinho ofereceu bons trabalhos? Para mim sempre ofereceu bons trabalhos porque o cavaquinho é prato principal no choro. É o que faz o centro. Não pode ter um choro sem cavaquinho e violão. Mais e fora do choro? Mas não é só choro que se grava não. Interessante que o meu conjunto fez dois grandes sucessos e não foi com o choro. Foi com uma música americana e uma música portuguesa. Nunca conjunto regional fez sucesso que eu fiz com uma música américana, Jambalaya. Lembra do Jambalaya? Música antiga... [cantarolando]. E o Corridinho 1951, uma música portuguesa. Eu vendi cento e tantos mil discos. Em 1953 Jambalaya e em 1954 o Corridinho. Nenhum conjunto regional fez o sucesso que eu fiz com essas duas músicas, não foi com o choro. Música estrangeira. Nessa época seu conjunto regional gravava... Eu gravei tudo: choro, valsa, schottisch, onde gravei essa música americana a pedido do diretor da RCA Victor. Ele disse: Canhoto, tem uma música aqui (ele trouxe o disco), uma música americana e o Mr. Evans disse pra vocês gravarem isso. Tanto que um lado é esse e o outro lado é o fox Bye bye blues. Nós tínhamos mais fé no fox porque o Jambalaya é a primeira e segunda do tom toda vida. Mas quem fez sucesso foi o Jambalaya. Vendeu cento e tantos mil discos. Mas quer dizer que nessa época (1953)... 1953/1954 foi Corridinho também sugestão do diretor artístico da Mayrink Veiga. Mas quer dizer que nessa época (1953)... a música americana já estava tendo versões? Já estava porque o Corridinho era um programa que tinha do Jair Traumaturgo, que é um programa de músicas portuguesas. Ele disse: Canhoto, tem uma música aqui que se você gravar vai fazer sucesso, porque quando eu boto tem muitos pedidos. Aí nós ouvimos e gravamos. Foi gravado por uma banda em Portugal, fui o segundo sucesso.

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Por outro lado como estava o panorama da música de choro nacionalmente? Não estava muito no auge não. Nós estávamos somente vivendo a bossa nova, depois veio o “iê iê iê”... num tava muito no auge não. E o cavaquinho dentro da bossa nova? Usa, usa, usa muito. Gravou muito. Eu nunca gravei não. Eu fiquei no choro mesmo até me aposentar. Voltando a 1953, o trabalho era mais junto às rádios? Bom, era mais porque naquele tempo não tinha televisão. Era só rádio, né? Então tinha muito. Tinha muitos programas. A Mayrink Veiga tinha um grande casting. Tinha a orquestra do Severino Araújo, tinha meu conjunto, tinha muitos comediantes: Zé Trindade e Chico Anysio. O Chico veio do norte pra trabalhar na Mayrink Veiga. Seu conjunto musicava programas humorísticos? Tomava parte também. Aquarela Sertaneja, era um programa sertanejo. Nós tínhamos um programa Noites Brasileiras que era só solo de conjunto. Quando seu conjunto participava de programas humorísticos? E até novela... já existia novela? Já existia assim, novela em rádio, né? Rádio Teatro, né? Isso. E como era o trabalho? Era na hora? Não, tinha ensaio. Quando tinha o programa sertanejo, Aquarela Sertaneja, aquilo era ensaiado. Tinha músicas sertanejas cantadas, fundo musical. Era ensaiado, mas era ao vivo ou gravado antes? Não, não. Era ao vivo. Tinha auditório e o auditório via. Era gravado não, era ao vivo mesmo. Existia cenário? Não, num tinha cenário. Era o palco só e o microfone. Então não funcionava como um teatro? Não funcionava como teatro não, rádio mesmo com auditório. A rádio Nacional também não tinha palco, cenário como teatro não, era rádio mesmo. Nessa época seu regional era contratado da Mayrink Veiga? Nós éramos contratados Mayrink Veiga, quando passou por meu nome, que nós deixamos o Benedito, nós éramos contratados. Trabalhamos lá de 1951 até fechar em 1965. Nesse ano fechou e cada um foi pro seu lado. Depois de 1970 me aposentei. Quase todos se aposentaram também em 1970 e continuaram gravando. Eu quase que num gravo. Agora mesmo num quero. Quero mais passear agora, devido minha idade. Vô ficar tocando toda vida, num é isso? Tem que gozar a vida. Essa aposentadoria é pela Ordem dos Músicos?

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Pelo INPS. Como músicos alguns se aposentaram. O Jayme Florence se aposentou como músico e como compositor. Eu me aposentei como músico e como fiscal de direito autoral. Como o músico se aposenta? Através do INPS? Através do INPS. No máximo quando me aposentei eram cinco salários. Agora é mais. Agora pode se aposentar com 20 salários. O autônomo só podia aposentar-se com 5 salários e eu ganhava quase 5 como fiscal. O Jayme Florence também aposentou-se com 10 salários. Em relação ao repertório de músicas especificas para o cavaquinho? Qual seria? O cavaquinho pode acompanhar tudo! Eu já acompanhei, eu já até lhe disse que do outro lado do Jambalaya é um fox. Quer dizer, música americana não tem cavaquinho, não é? Era banjo. Mais ai nos gravamos assim e ficou muito gostoso. Flauta, acordeom, banjolão, cavaquinho e ritmo. É um fox. Bye bye blues. E alguma coisa escrita especifica para cavaquinho, não existe? Existe. Agora eu não sou solista. Eu sou centrista, só. Só acompanho. Nunca solei e vou morrer e não vou solar mais porque já estou no fim da carreira. Mas existe solo para cavaquinho. Waldir Azevedo é um grande solista de cavaquinho. Conhece, né? Você compõe? Não, não. Eu tenho um choro só. Dei até o nome de Canhotinho e um partido alto meu e do Dino, Gingando. Mas só. Agora o Dino e o Meira não, tem muitas composições. Altamiro muitas, o Orlando também. Samba, choro, valsa, mas eu fiquei nessas duas só. Como eram feitos os arranjos realizados no seu regional? Bom, naquele tempo era quase tudo de bossa. Nós ensaiávamos, né? Eu não sabia cifra. O Dino e o Meira já sabiam música, o Orlando sabia, o Altamiro, mas eu não sabia. E antigamente não tinha esses arranjos que tem agora, era tudo feito de bossa. Não tinha nada escrito. Depois gravava-se junto com o cantor. Agora não, é tudo escrito. Então nós gravamos e depois é que o cantor põe a voz em cima, ou a cantora. Gravamos o acompanhamento que é tudo escrito. Antigamente não. Então antigamente havia uma variedade maior? Não, num tinha maior. Porque eu acho que uma coisa escrita, um arranjo, fica muito melhor do que a pessoa tocar de bossa, né? Muito melhor. Então o cantor quando vai cantar já sabe que está tudo certo o acompanhamento... antigamente não. Demorava muito, porque daqui que ensaiasse, que a pessoa aprendesse o acompanhamento e guardar aquilo tudo na memória, né? Porque tem que guardar tudo. Agora não, agora escreve e é tudo mais prático. Esse da nacional que você disse... o pianista, maestro da nacional, como é o nome? Radamés Gnatalli. Nós gravamos um choro, chama-se Conversa mole. É justamente conversa de flauta e acordeom. Muito bonito, mas nós ensaiamos. Naquele tempo não tinha nada escrito. Ele deu a melodia pro Orlando e o Altamiro tocar. Como também gravamos um choro muito difícil do maestro Guio de Moraes, Pitoresco. É um choro que hoje eu não acompanho mais se não ensaiar. Difícil mesmo. E não tava nada escrito não. Nós tivemos que aprender tudo, decorar pra tocar. Então quando você aprendeu cavaquinho não foi por escrita?

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Não, naquele tempo não tinha nada disso não. Não tinha cifra, agora tem. Cada letra corresponde a um tom. Então você aprendia pelas posições? Aprendia os tons, né? Todos os tons: os bemóis e sustenidos. Depois tinha que ter ouvido para acompanhar. Eu num sabia, pessoas diziam. Hoje em dia tem muito músico que só toca se botar a partitura na frente. Se não colocar, ele num toca uma nota. O ouvido dele parece que não aceita. Então eu acho muito válido a pessoa ter um bom ouvido. Eu conheço grandes pianistas que se não colocar a partitura na frente ele não acompanha nada. Pode ser a coisa mais fácil mais ele não acompanha. É uma dependência muito grande... É uma dependência muito grande. Só toca porque tá lendo a música. E já quem toca de ouvido tem essa vantagem, né? Faz as duas coisas. Mas então esse seria um dos motivos pela qual a prática de música regional (sem leitura, sem combinação prévia) estaria sofrendo uma mudança. Ah, lógico. É isso mesmo. A própria mudança no ensino de música, no aprendizado. Seu aprendizado foi familiar... Familiar, meu conhecimento com a música. Eu tinha oito anos, menino, né? Eu com oito anos acompanhei o choro Flor do abacate 1º, 2º e 3º partes. Então realmente era muito mais numa disposição auditiva... Muito mais. A pessoa tinha que dá praquilo mesmo, porque se não ficava toda a vida e não aprendia. Eu conheço um senhor que ficou tocando violão toda vida e não aprendeu porque não dava praquilo. Você acha que uma pessoa que não tenha uma facilidade de ouvido pode chegar a tocar? A num chega! Chega a tocar através da leitura? Só através da leitura. Só estudar mesmo. Esse pianista que eu tô lhe falando, num vou citar o nome, é um grande pianista, mas se não colocar a partitura na frente... e muitos músicos. Já o Altamiro Carrilho não, é um grande flautista! Tanto faz lendo como de bossa. O ultimo flautista do conjunto, Carlos Poyares, não sabe música. A pessoa pensa que quando eu digo que num sabe música: mas é impossível. Mas tudo que o Altamiro fez (até a Casinha pequenina, que gravamos em ritmo de samba) ele fez exatinho o que o Altamiro fez e não sabe música. É que aquele nasceu pra tocar. Tocar de bossa está ficando uma coisa rara? Não é fácil não, minha filha. Ah, porque o fulano está lendo né agora, a pessoa está lendo né agora. Tocar de bossa, guardar aquilo tudo é difícil, né? É muito difícil. Eu acho. Você participou de quantos regionais? Só do Benedito Lacerda, depois passou pro meu nome. Porque eu fui para o conjunto em 1932. Trabalhamos com ele e em 1950 nós deixamos ele. Esses violões Meira (Jayme Florence) e Horondino Silva, vieram pro conjunto em 1937. Então nós três trabalhamos juntos, vai fazer no mês que vem 41 anos que trabalhamos juntos. Desde 1937. Éramos todos solteiros. Agora estamos todos casados, todos velhos. [risos] Mas nunca houve nenhuma

126

briga, discussão, até hoje. Nem com o Orlando e nem com o Altamiro. O Altamiro saiu pra formar a bandinha dele. Porque ele tinha uma bandinha, num sei se lembra. Fazia as festas juninas e agora tem um conjunto regional muito bom. Atualmente, os componentes do seu regional ainda gravam? Gravam! Quem grava muito é o Dino, né? Eu e o Meira quase que não gravamos. Não queremos gravar mais. O Orlando deixou de tocar a 10 anos, agora é arranjador e maestro. Depois que voltou a tocar pra fazer esse show em São Paulo. O único que tá tocando e gravando sempre é Horondino Silva, o Dino. Mas um Lp do regional? Não, nunca mais fiz não. Qual foi o último? O ultimo foi Bem dançante. Interessante que foi reeditado agora também. Eu estou com 4 Lp’s: tem o da Victor (que eles colocaram 5 músicas minhas, do meu conjunto) 5 do Benedito e do Pixinguinha (que sou eu, Meira, Dino) e 5 do Jacob que também somos nós três, só uma faixa que não é. É o Choro dos chorões. E esse show de choro que nós fizemos em São Paulo O Fino da música. E a continental colocou um Lp que eu fiz...Bem dançante, com nome só de Canhoto, e fez um Lp de duas músicas de cada um: duas minhas, duas do Waldir, do Déo Rian (do conjunto Época de Ouro), duas do Jacob e duas do Severino Araújo. Eu tenho 4 Lp’s, mas tudo com música de 78rpm que reeditaram em Lp. E essa ultima gravação com o Luiz Gonzaga, quais são os tipos de música? Baião? É tem baião. A maioria é baião, músicas do norte. Já gravamos oito. Estão faltando quatro. Que o Luiz Gonzaga começou a gravar comigo...eu, Meira e Dino. Tanto que nós temos instrumento dado no dia do aniversário dele. Ele faz ano dia 13/12 e nós fomos na casa dele em 1950. Entregamos os instrumentos, depois ele veio com outros instrumentos. Então eu disse: esse instrumento não é meu, rapaz. Ai ele disse: abre que é! Ai ele deu dois violões, um cavaquinho e um pandeiro, com uma plaquinha de prata atrás 13/12/1950. Fez 27 anos agora que ele começou a gravar conosco e conservo até hoje. O cavaquinho é um instrumento brasileiro? Completamente brasileiro. Como é o instrumento? São quarto cordas: D, G, B, D, só. Tem muito pouco recurso. Principalmente pra solo. O Waldir toca nessa afinação. Porque tem muitos que solam ai em cavaquinho, mas é afinação de bandolim. Mas o Waldir não é afinação de cavaquinho. A diferença na afinação da uma maior possibilidade ao instrumento? Ah dá, pra solo dá! Eu não sei, dizem os solistas. Porque o D, G, B, D tem dois D e a outra afinação da mais facilidade pra tocar. E o Waldir toca nessa afinação. Na afinação normal tem dois D? D agudo, D grave. E na afinação de bandolim... Já são quatro notas diferentes.

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Por isso da uma maior possibilidade. Tem maior. É por isso que da mais facilidade.

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Anexo II

Catálogo parcial das gravações de Canhoto e Seu Regional como artista em discos 78rpm e vinis. Canhoto e Seu Regional – 78rpm (como artista e/ou acompanhamento) Musica

Data

Autores

Interprete

Gravadora

Não adianta chorar Meu branco Quem quiser ver vá lá

1946-03 06/05/1948 06/05/1948

Ari monteiro - Felisberto Martins Peterpan - René Bittencourt Peterpan- René Bittencourt

Baião de dois

04/03/1950

Humberto Teixeira - Luiz Gonzaga

Paraíba

04/03/1950

Humberto Teixeira - Luiz Gonzaga

Vestidos da Maria, os Mexidinha Teu aniversário Saudações Graúna Choro de varanda Teu beijo

1950-10 1950 1950 1950 1950 1950 1950 1951

Antônio Nássara - dunga Jacob do Bandolim Pixinguinha Otávio Dias Moreno João Pernambuco Jacob do Bandolim Mário Alvares Bonfíglio de Oliveira / Rogério Guimarães / L. Evandro Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Pixinguinha M. de Vasconcelos Tradicional / Adapt. José Carlos Burle Altamiro Carrilho A. F. da Conceição/ H.X. Pinheiro Jacob do Bandolim Horondino Silva e Canhoto Casemiro Rocha / Claudino Costa Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim

Linda Rodrigues Emilinha Borba Emilinha Borba Emilinha Borba e os boêmios Emilinha Borba e os Boêmios Os Boêmios Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim

Mar de Espanha Doce de coco Vale tudo Cristal Lamentos Siri está no pau Meu limão, meu limoeiro Gracioso Elza Vascaíno Gingando Rato rato Bole bole Nostalgia

1951 1951 1951 1951 1951 1951 1951 1951 1951 1951 1951 1951 1951

Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Canhoto e Seu Regional Canhoto e seu regional Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim

Gênero

Continental Continental Continental

Nº de catálogo C15.591-a C15.889-b C15.889-a

Continental

C16.187-a

Baião

Continental

C16.187-b

Baião

Todamérica RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor

TA-5.009-b 80-0688-a 80-0688-b 80-0702-a 80-0702-b 80-0711-a 80-0711-b

Samba Polca Choro Choro Choro Choro Choro

80-0745-a

Valsa

RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor

80-0745-b 80-0754-a 80-0754-b 80-0767-a 80-0767-b 80-0784-a 80-0784-b 80-0789-a 80-0789-b 80-0808-a 80-0808-b 80-0813-a 80-0813-b

Choro Partido alto Choro Choro Polca Baião Baião Valsa Choro Partido alto Polca Samba Choro

Samba Samba Samba

129

Luar de Paquetá Canarinho teimoso Meu drama Mexe mulher Baião do salvador Feliz matrimônio Tico tico no fubá Carioquinha no flamengo

1951 1951 1951-01 1951-01 1951-04 1951-04 06/05/1951 06/05/1951

Freire Júnior / Hermes Fontes Altamiro Carrilho / Ari Duarte Wilson Batista- Ataulfo Alves Geraldo Pereira - Arnaldo passos Humberto Teixeira - Sivuca Luiz Antônio - Jota /Jr. Zequinha de Abreu Waldir Azevedo - Bonfiglio de Oliveira

Sai dessa

1951-09

Nelson Miranda - Júlio Gomes

Leda

1951-09

Nelson Miranda

Sivuca no Baião Frevo dos vassourinhas (nº 1) Rouxinol no melado Saudades de Ouro Preto Cuidado violão Subindo ao céu Odeon Saudade Turbilhão de beijos Atlântico Tenebroso Faceira Nenê Confidências Saxofone, por que choras? Eu e você Fogo na roupa Boi de touca Migalhas de amor Gostosinho Forró de gala Biruta Caxias Canhotinho Rouxinol

12/10/1951 12/10/1951 1952 1952 1952 1952 1952 1952 1952 1952 1952 1952 1952 1952 1952 1952 1952 1952 1952 1952 1952 1952 1952 1952 1952-04

Humberto Teixeira - Luiz Gonzaga Matias da rocha Altamiro Carrilho Tradicional José Toledo Aristides Manuel Borges Ernesto Nazareth Ernesto Nazareth Ernesto Nazareth Ernesto Nazareth Ernesto Nazareth Ernesto Nazareth Ernesto Nazareth Ernesto Nazareth Severino Rangel “Ratinho” Jacob do Bandolim Altamiro Carrilho e Ari Duarte Jaime Florence / Orlando Silveira Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Roberto Martins Canhoto Nelson Miranda - Chico Silva

Canhoto e seu regional Canhoto e seu regional Jorge Goulart Jorge Goulart Helena de lima Helena de lima Sivuca (acordeom) Sivuca (acordeom) Nelson Miranda (cavaquinho) Nelson Miranda (cavaquinho) Sivuca (acordeom) Sivuca (acordeom) Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Nelson Miranda

RCA Victor RCA Victor Continental Continental Todamérica Todamérica Continental Continental

80-0818-a 80-0818-b C16.323-b C16.324-b TA-5.064-a TA-5.064-b C16.396-b C16.396-a

Baião Choro Samba Samba Baião Samba Baião Choro Choro pot-pourri

Todamérica

TA-5.096-b

Choro

Todamérica

TA-5.096-a

Valsa

Continental Continental RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor Todamérica

C16.475-b C16.475-a 80-0875-a 80-0875-b 80-0888-a 80-0888-b 80-0900-a 80-0900-b 80-0901-a 80-0901-b 80-0902-a 80-0902-b 80-0903-a 80-0903-b 80-0931-a 80-0931-b 80-0933-a 80-0933-b 80-0969-a 80-0969-b 80-0987-a 80-0987-b 80-0991-a 80-0991-b TA-5.150-a

Baião pot-pourri Frevo Polca Valsa Choro Valsa Tanguinho Valsa Valsa Tanguinho Tanguinho Valsa Tanguinho Valsa Choro Choro Choro Baião Choro Choro Coco Choro Choro Choro Choro

130

Baianinho

1952-04

Nelson Miranda - Oscar Belandi

Enigmático Pitoresco Nosso romance Reminiscências Não posso mais Serpentina Tatibiate Por que sonhar Professor Raimundo Teco teco Jambalaya (On the Bayou)

1953 1953 1953 1953 1953 1953 1953 1953 1953 1953 1953 1953

Altamiro Carrilho Guio de Moraes Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Pixinguinha Nelson Alves Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Chico Anysio / Orlando Silveira Canhoto / Meira Hank Williams Fred Hamm/David Bennett/Chauncey Gray/ Bert Lown Jacob do Bandolim Patrocínio Gomes Tradicional Pixinguinha Sérgio Bittencourt Alberto Mariano Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Altamirro Carrilho e Meira José Gomes de Figueiredo Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Milton de Oliveira / Max Bulhões Dino e Orlando Silveira Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim J. Ferreira Lixa Valdemar de Abreu “Dunga” Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim J. Gomes Figueiredo

Bye bye blues Entre mil... você! Pardal embriagado Casinha pequenina Lamentos Brotinho Rapaziada do Brás Sapeca Sai do caminho Viagem à lua Corridinho 1951 Feitiço Vidinha boa Sabiá laranjeira Jambolinha Santa morena Saudade Gostoso como ele só Espiga de milho Bola preta Saliente Raparigas de barqueiros do

1953 1953 1953 1953 1953 1953 1953 1953 1953 1953 1954 1954 1954 1954 1954 1954 1954 1954 1954 1954 1954

(cavaquinho) Nelson Miranda (cavaquinho) Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional

Todamérica

TA-5.150-b

Choro

RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor

80-1083-a 80-1083-b 80-1089-a 80-1089-b 80-1118-a 80-1118-b 80-1122-a 80-1122-b 80-1148-a 80-1148-b 80-1161-a

Choro Choro Choro Choro Choro Choro Choro Choro Quadrilha Baião Não informado

80-1161-b

Fox-trot

Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Canhoto e Seu Regional

RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor

80-1163-a 80-1163-b 80-1207-a 80-1207-b 80-1214-a 80-1214-b 80-1226-a 80-1226-b 80-1233-a 80-1233-b 80-1269-a 80-1269-b 80-1281-a 80-1281-b 80-1295-a 80-1295-b 80-1325-a 80-1325-b 80-1344-a 80-1344-b 80-1364-a

Choro Choro Samba Baião Baião Valsa Frevo Frevo Samba Corrido Choro Mazurca Samba Não informado Valsa Samba-canção Choro Arrasta pé Choro Choro Vira

131

Minho Visitando Toca pro pau Rua da Imperatriz Cadê Luiz Sonhando com você Ivone Vinte e oito de setembro Alvorada Meu segredo Benzinho Ciumento Ai seu mé Conversa mole Mate amargo El pañuelito Sempre teu Um a zero Lenço branco Rio - São Paulo Nego frajola Mimosa Sanfoneiro galante Baião de Itapagé Tira poeira Amapá Modulando Xaxando no Baião Rosa amarela do Texas Arrivederci Roma De Limoeiro a Mossoró Diabinho maluco Revendo o passado Alma brasileira Só tu não sentes

1954 1954 1954 10/08/1954 10/08/1954 1955 1955 1955 1955 1955 1955 1955 1955 1955 1955 1955 1955 1955 1955 1955 1955 1955 1955 1956 1956 1956 1956 1956 1956 1956 1956 1956 1956 1956

Orlando Silveira / Canhoto Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Manoel Macedo - J. Mendonça Alventino Cavalcanti - Manoel Macedo Altamiro Carrilho e Dino Altamiro Carrilho Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Freire Júnior / Luís Nunes Sampaio Radamés Gnattali Carlos F. Bravo / Francisco Brancatti Juan de Dios Filiberto / Gabino Coria Peñaloza Jacob do Bandolim Pixinguinha / Benedito Lacerda Meira / Canhoto Dino / Orlando Silveira Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Antônio Luna - Julinho Julinho - Ari monteiro Sátiro Bilhar Juca Storoni Rubens Leal Brito José de Leocádio Don George Renato Rascel / Pietro Garinei / Alessandro Giovannini Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Freire Júnior Fernando Magalhães J.F. Fonseca Costa “Costinha”

Canhoto e Seu Regional Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Manoel Macedo Manoel Macedo Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional

RCA Victor RCA Victor RCA Victor Continental Continental RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor

80-1364-b 80-1390-a 80-1390-b C17.014-a C17.014-b 80-1410-a 80-1410-b 80-1418-a 80-1418-b 80-1434-a 80-1434-b 80-1440-a 80-1440-b 80-1474-a

Choro Frevo frevo Baião Baião Valsa Maxixe Choro Samba Choro choro Baião Choro Rancheira

80-1474-b

Tango

Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Julinho (acordeom) Julinho (acordeom) Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Canhoto e seu regional

RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor

80-1476-a 80-1476-b 80-1509-a 80-1509-b 80-1510-a 80-1510-b Se55-052-b Se55-052-a 80-1565-a 80-1565-b 80-1572-a 80-1572-b 80-1591-a

Choro choro Tango Baião Samba Polca Polca Baião Polca Tango brasileiro Choro Xaxado Não informado

80-1591-b

Não informado

Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim

RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor

80-1596-a 80-1596-b 80-1608-a 80-1608-b 80-1627-a

Ponteado Choro Valsa Valsa Valsa

RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor

132

Saudade eterna Lembro-me ainda O beijo do meu bem Aguenta seu Fulgêncio Serenata no Joá Amoroso Um a zero André de sapato novo Carícia Buscapé Pimenta no salão Cristo nasceu na Bahia Atrevido Bons tempos Dedilhando Isto é nosso Noites cariocas Vamos sambar Monumental Sofres por que queres Cochichando Fascination Sulla Slitta Implicante Mágoas Até amanhã Clube XV Fim de festa Aí patiense Fubá Velhos tempos Estás com algum Eu vou te contar hein Sorongaio

1956 1956 1956 1956 1956 1956 1956 1956 1956 1956 1956 1957 1957 1957 1957 1957 1957 1957 1957 1957 1957 1957 1957 1958 1958 1958 1958 1958 1958 1959 1959 1959 1959 1960

Santos Coelho Dino Waldemar Gomes / Canhoto Lourenço Lamartine Radamés Gnattali Roberto Martins Pixinguinha e Benedicto Lacerda André Victor Correia Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jonas Cordeiro Sebastião Cirino / Antônio Lopes de Amorim Diniz “Duque” Dino / Arthur Ataíde Arthur Ataíde Orlando Silveira / Esmeraldino Salles Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Arthur Ataíde Pedro Santos Pixinguinha / Benedicto Lacerda Pixinguinha / João de Barro/ Alberto Ribeiro Fermo Dante Marchetti Renato Carosone Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Noel Rosa Oscar A. Ferreira Zito Borborema J. Santos Tradicional (adapt. Romeu Silva) Jacob do Bandolim Pedro Santos Jota Santos Pedro Santos

Jacob do Bandolim Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Canhoto e Seu Regional

RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor

80-1627-b 80-1633-a 80-1633-b 80-1638-a 80-1638-b 80-1666-a 80-1666-b 80-1667-a 80-1667-b 80-1706-a 80-1706-b

Valsa Choro Baião Choro Choro Baião Choro Choro Choro Frevo Frevo

80-1745-a

Maxixe

Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim

RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor

80-1745-b 80-1797-a 80-1797-b 80-1799-a 80-1799-b 80-1841-a 80-1841-b 80-1845-a

Samba Xote Choro Choro Choro Samba Baião Choro

80-1845-b

Choro

Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional

RCA Victor RCA Victor

80-1878-a

Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional

RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor RCA Victor Odeon Odeon Odeon

Valsa Polca característica Choro Choro Samba Valsa Polca Maxixe Maxixe Choro Sorongo Maxixe Sorongo

80-1878-b 80-1930-a 80-1930-b 80-1936-a 80-1936-b 80-1943-a 80-1943-b 80-2125-a 80-2125-b 14.512-a 14.512-b 14.621-a

133

Cheio de Moral Apache Boato Cinco tambores Patatina Chega de baiano Coqueiro bom Pedida legal Confusão em família

1960 1961 1961 1961 1961 1961-03 1961-03 1961-07 1961-07

Jota Santos Jerry Lordan João Roberto Kelly Pedro Sorongo Franco Migliacci / Gianni Meccia Manoel Moreira - Antônio da silva Manoel Moreira - Manoel Fernandes Gordurinha Miguel Lima - Laesse Miranda

Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Valter Damasceno Valter Damasceno Paulo Tito Paulo Tito Pedro Raimundo (acordeom) Pedro Raimundo (acordeom) Noca do acordeom Paulo Tito Noca do acordeom Osvaldo oliveira Osvaldo oliveira Geraldo Nunes Renato Tito Renato Tito Osvaldo oliveira Osvaldo oliveira Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional

Odeon Continental Continental Musicolor Musicolor Odeon Odeon Continental Continental

14.621-b 17.974-a 17.974-b 50.019-a 50.019-b 14.721 14.721 17.973-b 17.973-a

Maxixe Balada Samba Sorongo Chá-chá-chá Coco Coco Rojão Xote

Sanfoninha velha amiga

1961-08

Pedro Raimundo

Continental

17.977-a

Polca

Escadaria

1961-08

Pedro Raimundo

Continental

17.977-b

Choro

Baião da esperança Recadinho de mamãe Rio quatrocentão Cabo canaveral Juízo final Nordeste sangrento Guaratiba Chorinho na chuva Jogo do bicho Eterna lembrança do norte Matuto

1962 1962 1962 1962-03 1962-03 1962-06 1962-07 1962-07 1963 1963 1964

Na colheita

1964

Nasci para te amar Sabes que te amo (Sabras que te quiero) Deixa-me em paz Minha secretária Marcha do chofer

1964

Leonel da Cruz - Noca José Luiz - santo silva Noca Osvaldo oliveira - Sebastião Chaboudet Júlio Ricardo Elias Soares Arnô Gomes - Antônio soares Antônio soares - Agenor madureira Osvaldo oliveira - adão Ferreira Ângelo Orestes - Sebastião Chaboudet Ernesto Nazareth Batista Júnior / Francisco Ponzio Sobrinho Ramoncito Gomes

Continental Continental Continental Continental Continental Continental Continental Continental Continental Continental CBS

78-076-a 78-119-b 78-076-b 78-016-a 78-016-b 78-088-b 78-105-b 78-105-a 78-199-a 78-199-b 3.311-1-a

Baião Baião Dobrado Rojão Baião Toada Choro Choro Samba Baião Não informado

CBS

3.311-1--b

Não informado

Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional

CBS

3.352-1-a

Rancheira

1964

Teddy Fregoso / Darci Bourbon

CBS

3.352-1-b

Bolero

-

José Roy - Doca - Leitão Ramez Abud - D. Contador Nenete - Antoninho Lopes

Paulo Fernandes Paulo Fernandes Paulo Fernandes

Tr26-a Tr23-b Tr23-a C-EspPR371-b C EspPR371-a

Samba Marcha Marcha

Por que fugir

-

Domingos Lima

Salim Gonçalves

Coração indeciso

-

Domingos Lima

Salim Gonçalves

Samba canção Samba canção

134

Discos Lançados em vinil tendo Canhoto e Seu Regional aparecendo como artistas Título do disco Baiãomania Eles tocam assim

Data 1956 1957

Nossos Ritmos

1957

Noites Brasileiras Roda de Bamba Canhoto 1960 Bem Dançante Maiorais de 1961

1958 1959 1960 1961 1961

Bons Momentos As Festas de Junho O Melhor de Canhoto e Seu Regional Feliz Natal

1964 1966 1967

Valsas Inesquecíveis Um Chorinho na Gafieira

1969 1973

O Fino da Música

1977

O Melhor da M.P.B.

1977

Chora Chorão

1977

Choro. Chorinho. Choro. Chorões

1977

O Choro dos Chorões

1977

Nova História da Música Popular Brasileira - Donga e outros primitivos

1978

1967

Artistas relacionados Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional, Jacob do Bandolim, Fafá Lemos, dentre outros. Canhoto e Seu Regional, Trio Nagô, Ary Lobo, dentre outros. Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional, Waldir Azevedo, Ângela Maria, Jamelão. Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional, Titulares do Ritmo, Ângela Maria. Canhoto e Seu Regional Canhoto e Seu Regional, Nelsinho do Trombone, Jacob do Bandolim, dentre outros Canhoto e Seu Regional, Paulo Moura, Fina Flor do Samba, Raul de Barros e Conjunto Atlântico. Canhoto e Seu Regional, Elizeth Cardoso, Waldir Azevedo, Severino Araújo, Elis Regina, dentre outros. Canhoto e Seu Regional, Época de Ouro, Déo Rian, Severino Araújo, dentre outros. Canhoto e seu Regional, Época de Ouro, Waldir Azevedo, Raúl de Barros, dentre outros. Canhoto e Seu Regional, Pixinguinha, Benedito Lacerda, Jacob do Bandolim. Canhoto e Seu Regional, Jacob do Bandolim, Baiano, Jorge Veiga, dentre outros.

Gravadora RCA Victor RCA Victor

Nº de catálogo BPL 3013 BPL 3040

RCA Victor

BPL 3036

RCA Victor Odeon Odeon Continental Continental

BPL 3053 MOFB 3063 MOFB 3131 LPP 3178 LLP 3201

CBS RGE RCA Camden

CBS 37350 XRLP 5295 CALB 5142

RCA Camden

CALB 5136

Musicolor/Continental RCA Camden

LPK 20.168 107.0123

RCA Pure Gold

107.0276

Continental

1.07.405.123

Continental

1.07.405.113

GTA Records (Itália)

GTA 026

RCA Camden

107.0267

Abril Cultural

HMPB 36

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