Dissertação - PAZ ARMADA NA ESCOLA - UFRJ PPGP 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

PAZ ARMADA NA ESCOLA

THIAGO COLMENERO CUNHA

Rio de Janeiro 2016

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Thiago Colmenero Cunha

PAZ ARMADA NA ESCOLA

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Psicologia. Linha de pesquisa: Processos Psicossociais, Históricos e Coletivos. Orientador: Prof. Dr. Pedro Paulo Gastalho de Bicalho

Rio de Janeiro 2016

C972p

Cunha, Thiago Colmenero Paz Armada na Escola / Thiago Colmenero Cunha. -- Rio de Janeiro, 2016. 113 f. Orientador: Pedro Paulo Gastalho de Bicalho. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2016. 1. Psicologia. 2. Escola. 3. Direitos Humanos . 4. Criminologia. 5. Polícia. I. Bicalho, Pedro Paulo Gastalho de , orient. II. Título.

FOLHA DE APROVAÇÃO

CUNHA, Thiago Colmenero. Paz Armada na Escola. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1º semestre de 2016.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________ Prof. Dr. Pedro Paulo Gastalho de Bicalho (Orientador) Universidade Federal do Rio de Janeiro

________________________________________ Prof. Dr. Francisco Teixeira Portugal Universidade Federal do Rio de Janeiro

________________________________________ Prof.ª Drª. Kátia Faria de Aguiar Universidade Federal Fluminense

________________________________________ Prof.ª Drª. Adriana Marcondes Machado Universidade de São Paulo

Examinado o texto de dissertação. Rio de Janeiro, 03 de março de 2016

GRATIDÃO

À minha mãe pela garra, pela inquietação e por me ensinar a apreender; meu pai pela força e pelos questionamentos; minha noiva pelo amor, cuidado e companheirismo; minhas cinco famílias pela presença e afeto; meus amigos em seus diversos núcleos, por me fazerem respirar um pouco frente a tanta correria e tensão. Ao Pedro por ser muito mais que orientador há mais de quatro anos. Por todas as oportunidades, por toda paciência, por toda aposta, por toda confiança. Ao Francisco, pelos ensinamentos durante as aulas, conversas e encontros, durante a graduação e o mestrado, além das sábias contribuições na qualificação. À Adriana Marcondes e à Kátia Aguiar, por tudo o que ensinam na luta cotidiana por uma educação crítica, afetiva e potente, e pela disponibilidade ao aceitarem o convite a participar da banca e me honrarem com as considerações. Aos que teceram junto comigo o rizoma dessa pesquisa: Raquel pela excelência nos mapas elaborados; Marola pela rede de contatos dos professores; à Rafa pelo abstract; ao Leandro pela paginação; meu problemático campo de pesquisa e todas as pessoas que entrevistei nesse tempo por me fazerem perturbar o que parece habitual e cotidiano nessa nossa vida tão cruel, dura e violenta; aos alunos do curso de extensão, que a toda semana me desacomodavam com perguntas e dúvidas, por toda a criatividade e potência. Aos coletivos de supervisão e orientação que me acolhem para cuidarem desse psicólogo-pesquisador. Ao grupo de terça-feira (Kely, Thiago, Bruno, Silvia, Roberta, Ana, Malu, Jefferson, Marcello, Renata, Alexandre, Polianne, Adriana, Augusto) e ao GIRA (Alê, Carine, Billy, Poly, Sady, Monica, Rê, Nat, Livia, Priscila, Fabiano), penso que o meu serpesquisador é composto por vocês. O cuidado com a pesquisa, a atenção metodológica, a rigorosidade acadêmica e conceitual sem se transformar em um dizer distanciado, muito pelo contrário, conectado com o presente e com a realidade a sua frente. Tenho imenso prazer e orgulho em poder estar em grupos tão potentes, cada momento compartilhado é um novo aprendizado com vocês.

Ao PPGP por ter sido uma casa durante esses dois anos de mestrado: aos professores pelo acolhimento e pelos ensinamentos nas reuniões de colegiado, aos queridos amigos de trajetória pela força em compartilhar as dificuldades e aventuras em se pesquisar solitariamente, mas não sozinho (Verônica, Leandro, Bruno, Legey, Karol, Raquel, Mateus, Juliana, Lis, Alice); à Ana e ao Gian por serem sempre presentes e parceiros na gestão dos assuntos burocráticos da secretaria. Aos espaços de reflexão ético-política que habito que me fazem sempre repensar o que estou fazendo, porque sem cultura, arte e música a cidade e a vida não circula, não cria desvios, não resiste. Aos espaços públicos de estudo, às bibliotecas públicas e particulares do Rio de Janeiro as quais pude estudar, escrever, ler, refletir, criar. Estácio de Jacarepaguá, UFRJ da Praia Vermelha, UNIRIO da Urca, UERJ, Biblioteca Parque Estadual, Biblioteca Popular de Botafogo, FGV, CCBB, Casa França-Brasil. Fica aqui a gratidão como alerta de que é preciso investir mais em locais de estudo! À CAPES e à FAPERJ pelo suporte financeiro. Obrigado pelas presenças!

A minha alma tá armada E apontada para a cara do sossego Pois paz sem voz, paz sem voz Não é paz é medo

Às vezes eu falo com a vida Às vezes é ela quem diz Qual a paz que eu não quero Conservar para tentar ser feliz

As grades do condomínio São para trazer proteção Mas também trazem a dúvida Se é você que está nessa prisão Procurando novas drogas de aluguel Nesse vídeo coagido É pela paz que eu não quero seguir admitindo

“(Minha Alma) A paz que eu não quero” – O Rappa

RESUMO

A presente dissertação é resultado de pesquisa sobre o programa que torna possível o policiamento ostensivo executado pela Polícia Militar nas escolas estaduais do Rio de Janeiro. Tendo como objetivo fazer uma cartografia dos desdobramentos dessa política pública, seguindo (e traçando) linhas que em um processo sócio-histórico promovem o ordenamento e o controle do espaço escolar. Compreende-se a história como um campo de forças onde, aqui, emergem três grandes analisadores – as lógicas disciplinares na escola; a mídia como produtora de uníssonos; a denominada mancha criminal como judicialização da vida escolar. Por meio de discursos heterogêneos que atravessam aqueles que hoje vivenciam esse cenário– através de entrevistas, mapas, notícias, informações, estatísticas, formulários expostos transversalmente ao longo de todos os capítulos para fazer ver e falar o que está sendo discutido – percebe-se uma atualização da criminalização da pobreza, onde a figura do criminoso comum agora se materializa também no estudante de ensino médio da rede pública estadual de ensino do Rio de Janeiro – homem, adolescente, negro, pobre, morador de favela. Tensiona-se o campo da segurança pública em interface com a educação, trazendo múltiplas vozes que compõem uma construção diferente da “solução” apresentada frente aos problemas de conflitos no cotidiano escolar. Ao optar pelo habitar da cotidianidade das relações do contexto escolar e em seu entorno social, é importante fazer emergir as esperanças, os preconceitos, os dramas e sonhos dos professores, estudantes, pais, coordenadores pedagógicos, policiais e diretores, não sendo tratados como números ou objetos, mas como sujeitos cuja voz, os gestos e as linhas nos guiam por entre os tensos labirintos do cotidiano escolar. Construir possibilidades de mediação de relações mais dialógicas e menos truculentas, baseadas mais no dissenso do que na disputa ou do que no convencimento. Levantar discussões para que aos poucos a educação seja desalienada desses processos de terceirização das relações, de judicialização. Produzir intensidade, diferença, vida, não apaziguamento.

Palavras-chave: Psicologia; Escola; Direitos Humanos; Criminologia; Polícia.

ABSTRACT

This dissertation is the result of an intervention-research about the program executed by the Military Police inside state schools of Rio de Janeiro, providing 24/7 vigilance. Aiming to make a mapping of the consequences of this public policy, following (and plotting) lines in a social-historical process that promotes planning and control of the school environment. It is understood that there is a field of forces where, here, emerge three major analyzers – disciplinary logic in school; the mass media as a producer of unison; the so-called criminal “stain” as judicialization of school routine. At the hand of heterogeneous speeches crossing those who nowadays have gone through this scenario – through interviews, maps, news, information, statistics, forms exposed transversely across all the chapters to see and talk about what is being discussed – it can be seen an update of the criminalization of poverty, which the common criminal figure these days is high school students from state public schools of Rio de Janeiro – man, teenager, black, poor, favela resident. The present dissertation questions the public safety field and the education, bringing multiple voices that make up a different construction of the "solution" presented with the problems of conflicts in the school routine. By choosing to occupy the daily life of the school context and in their social environment, it is important to bring out the hopes, prejudices, dramas and dreams of teachers, students, parents, coordinators, officers and directors, not being treated as numbers or objects, but as subjects whose voice, gestures and lines guide us through the maze of tight school routine. Build mediation possibilities of dialogical relations and less truculent, based more on consensus than in dispute. Bring up discussions in order to turn education gradually not alienated of these outsourcing processes of relations. Produce intensity, difference, life, not subsidence.

Keywords: Psychology; School; Human Rights; Criminology; Police.

LISTA DE SIGLAS

AEH -Abrindo Espaços Humanitários ALERJ - Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro CEC – Conselho Escola-Comunidade CEDAE - Companhia de Estadual de Águas e Esgotos CEP – Comitê de Ética em Pesquisa CFCH - Centro de Filosofia e Ciências Humanas CICV - Comitê Internacional da Cruz Vermelha CIEP – Centro Integrado de Educação Pública CIEP – Centro Integrado de Educação Pública CNJ – Conselho Nacional de Justiça CPROEIS - Coordenadoria do Programa Estadual de Integração na Segurança DEGASE - Departamento Geral de Ações Sócio Educativas DPCA - Delegacia de Proteção aCriança e Adolescente ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente EJA - Educação de Jovens e Adultos INEA - Instituto Estadual do Ambiente LAMSA - Linha Amarela S.A. LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional PM – Policial Militar PMERJ - Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro PROEIS - Programa Estadual de Integração na Segurança RAS - Regime Adicional de Serviço SAERJ - Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro SEEDUC - Secretaria de Estado de Educação Sepe-RJ - Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro SESEG - Secretaria de Estado de Segurança SUPAD - Superintendência de Gestão das Regiões Administrativas TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro UPA - Unidade de Pronto Atendimento

SUMÁRIO

.0 COMEÇANDO PELO MEIO – A CONSTRUÇÃO DE UM RIZOMA NO PESQUISAR

1

.1 DA PALMATÓRIA À POLÍCIA: GENEALOGIA DAS LÓGICAS DISCIPLINARES NA ESCOLA

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.1.1 Príncipes infantes, crianças plebeias, índios e jesuítas: soberania e castigo

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.1.2 Uma escola para chamar de sua (ainda não para todos): disciplina e controle

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.1.3 Biopoder e população

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.1.3.1 Do planejamento ao chão da escola: controvérsias

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.2 MÍDIA, MEDO E ORDEM: DISSENSOS SOBRE POLÍCIA, SEGURANÇA E VIOLÊNCIA – REVERBERAÇÕES NA ESCOLA

37

.2.1 Cultura, mídia e subjetividade

39

.2.2 Polícia: para quem precisa?

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.3 “APESAR DA VIGILÂNCIA E DA LIMPEZA, OS ALUNOS CONTINUAM DEIXANDO SUAS MARCAS”: DISCURSOS CRIMINALIZANTES SOBRE A JUVENTUDE ESCOLAR FLUMINENSE

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.3.1Entre a Ideologia da Defesa Social e os processos de produção de subjetividade: Guattari e Baratta

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4. NO MEIO DE DISPUTAS, BRIGAS E TENSIONAMENTOS: COMO LIDAMOS COM OS CONFLITOS NO CHÃO DA ESCOLA

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4.1 Desafio em sala de aula

64

4.2 Em nome da proteção, do cuidado e da segurança

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4.3 O analisador “Mancha Criminal”

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CONSIDERAÇÕES MAIS

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REFERÊNCIAS

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ANEXO I –Parecer consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa CFCH/UFRJ

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APÊNDICE I – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

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.0 COMEÇANDO PELO MEIO – A CONSTRUÇÃO DE UM RIZOMA NO PESQUISAR

Maior policiamento nas escolas aumenta rendimento dos alunos: presença de policiais militares armados dentro das escolas estaduais através do Programa Estadual de Integração na Segurança (PROEIS) estaria tendo efeitos positivos no rendimento e na assiduidade dos alunos, segundo a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC). Um levantamento feito pelo órgão mostra que 57% das unidades que foram contempladas com o patrulhamento apresentaram melhoria, entre o primeiro e o terceiro bimestres, nas notas de português em testes de avaliação da rede – diz o jornal O Globo, em 13 de novembro de 2012. Escolas militarizadas: Ainda em fase experimental, o Programa Estadual de Integração na Segurança (PROEIS) nas escolas estaduais está sendo investigado pelo Ministério Público do Rio. A Secretaria de Estado de Segurança (SESEG) havia garantido que os policias receberiam um treinamento específico para lidar com as crianças, mas uma semana depois de sua implementação, nenhum treinamento havia sido realizado. Denúncias envolvendo policiais nas escolas não param de chegar à Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC), ao Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe-RJ) e na Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) – diz a revista Caros Amigos, em outubro de 2014. Tomando como dispositivo o PROEIS, a política pública que torna possível o policiamento ostensivo executado pela Policia Militar nas escolas estaduais do Rio de Janeiro, a presente pesquisa propõe fazer uma cartografia dos desdobramentos dessa política pública, seguindo (e traçando) linhas que em um processo sócio-histórico promovem o ordenamento e o controle do espaço escolar. Trazer as reflexões e cores propostas pelos filósofos da Análise Institucional Francesa é fundamental para pensar esse campo de pesquisa. Para os geógrafos, a cartografia – diferentemente do mapa, representação de um todo estático – é um desenho que acompanha e se faz ao mesmo tempo com os movimentos de transformação da paisagem. Alteração de temperatura, de pressão, de clima, de população, de chuva, de vento, de acontecimentos. Fatos e dados que não estão ali representados na bidimensionalidade de um desenho representativo, mas podem ser colocados transversalmente em uma cartografia, como uma fotografia momentânea que a todo momento se renova. Mais importante do que listar fatores que compõem uma problemática é revelar a processualidade deles, mostrar as forças que os compõem, que relações de poder estão em jogo no

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plano estudado. Em conjunção com as pontuações de Michel Foucault (1986), compreende-se a história como um campo de forças em combate, onde se percebe a transitoriedade dos fatos, descontruindo um suposto saber científico que propõe revelar a essência dos acontecimentos que estão no mundo, como se algo estivesse prestes a ser revelado, coletado. Essa reflexão nos impõe pensar a neutralidade da pesquisa quando está em campo, fazendo-nos questionar sobre como conjugamos o verbo conhecer, ao passo que propomos entrar em contato com o que não está dado, fugindo de uma ciência da representação. O cheiro da escola. Suor, vento batendo, leve umidade, sabor da merenda sendo servida, de longe sentir que o almoço está sendo preparado. Cores gritantes em cartazes, avisos e fotos, gritos, correrias, risos. Para muitos o ambiente escolar compõe um caos inaceitável, impossível de conviver com, motiva a nunca mais querer estar ali. Entretanto, ao mesmo tempo esse caos compõe vida, produz multiplicidade. Trocas, diálogos, vidas se fazem entre os muros da escola1. Ver potência no encontro que se dá entra duas e mais pessoas em um espaço, trocando, compartilhando, convivendo, aprendendo. Juntos. Carregar água na peneira, peraltar ou amar despropósitos, ser educador é dar poder de voz, fazer reverberar, enunciar. A instituição escolar nos carrega, compreendendo como um movimento dinâmico, como teoriza Lourau (1993), desde cedo: na creche durante a Educação Infantil, nos colégios durante o Ensino Fundamental e Médio, e na universidade no Ensino Superior. Carregar por ser levado, conduzido a diversos espaços, momentos, experiências e perspectivas, mas também carregado por me sentir forte, revigorado, com carga a cada vez que habito o espaço físico de uma escola. Ao longo do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e de Psicologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), através de esforços pude experimentar interseções entre os dois campos de saber, traçando paralelos e cruzamentos interessantes, sejam em pesquisas, estágios ou disciplinas, o disparador para esse projeto de pesquisa surge. Realizando o estágio curricular de didática no Ensino Médio de Pedagogia, alocado em uma escola estadual no centro do Rio de Janeiro, me vi surpreso com a política de educação (ou de segurança pública?) de entrada da Polícia Militar nas escolas estaduais do Rio de Janeiro que estava para ser implementada no então início do ano de 2012. Junto com aquele cenário escolar, composto por alunos, pais, professores e funcionários, questionava esse ato por nunca antes ter visto nenhuma

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Referência ao filme francês “Entre os Muros da Escola” (2008), que ao retratar o cotidiano de uma escola pública do subúrbio de Paris, na França, traz discussões sobre multiculturalismo, currículo, desigualdade social e de uma pedagogia voltada para a docilização social.

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ação como essa, muito menos discussões sobre esse tema. Ali, naquele momento, era alardeado pelo governo que esse programa promoveria a ordem pública em espaços urbanos, trazendo prevenção e segurança a “espaços inseguros, para evitar novo Realengo2”, como determinadas escolas do estado do Rio de Janeiro (SEEDUC, 2012). Divulgar e usar o medo como justificativa de certa ação de segurança, de estabelecimento da ordem. Nenhuma catástrofe poderia acontecer, nenhum atentado, nenhuma desordem. Pautar o medo como regulação social usando como justificativa de um evento pontual para implementar uma política para toda a rede de educação estadual pública. De que Wellingtons1 nós temos medo? Será que são todas as crianças de todas as escolas públicas? Em que escolas nós queremos policiais para controlá-las? Estar em escolas pesquisando sobre a presença da polícia é uma prática de intervenção no mundo (LOURAU, 1993; ROCHA, AGUIAR, 2003), pois, como procedimento de aproximação com o campo, mostra-nos que ambos – pesquisador e pesquisado, ou seja, os ditos sujeito e objeto do conhecimento – se constituem no mesmo momento, no mesmo processo. Pensar com as ferramentas propostas pelos teóricos da Análise Institucional faz olhar o mundo com outros olhos, trocar de olhos. Estranhar processos, desvincular acessos, desconstruir. Imbuído nisso, é possível fazer considerações ou apontamentos possíveis, mesmo não sabendo o que encontraremos. Ao começar a pesquisar o tema, em 2012, ainda antes do mestrado, me incomodava o fato do programa ter surgido sem muito alarde, como uma noticia cotidiana e de forma tão propagandeada, como a nova solução milagrosa da semana. Tinha como suposição na época que as escolas escolhidas para receber o programa, até então, receberiam algum tipo de bonificação ou ainda por serem “carros-chefe” da secretaria, seja por serem muito visadas, seja por serem cartões postais, seja por estarem em ruas ou localizações chamativas. Era uma das minhas curiosidades entender que escolas eram essas, mas já percebendo que desde então havia escolha, que era possível perceber critérios criminalizantes desde então. Frente a isso, entendendo até aquele momento que a presença policial nas escolas era imposta pela secretaria, os alunos, professores e funcionários deveriam conviver com eles. Como seria essa relação? Tendo como aposta de que em muitos destes lugares a existência da polícia militar era mal vista, o que era feito? Se era bem quista, como era essa relação? Se muitos desses lugares se

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Em 7 de abril de 2011, o jovem de 21 anos Wellington de Menezes entra na Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro de Realengo, na Zona Norte do Rio de Janeiro, mata onze crianças, em seguida é morto por um policial. O fato que tomou proporções nacionais e internacionais começa a ser chamado então de “massacre de Realengo”. Retornaremos a esse acontecimento no segundo capítulo.

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opunham a continuidade desse programa, o que era possível fazer? Que resistências e desvios eram possíveis serem operados? Em muitas práticas de pesquisa ver e conhecer são duas faces da mesma moeda. Há aqui, uma convocação a que habitemos um certo modo de ver e estar no mundo, deslocando o verbo ‘conhecer’ da sua tradicional conexão com o ‘ver’ (CIDADE, CUNHA, BICALHO, 2014). Em algumas, pode-se afirmar que conhecer é ver. Não qualquer ver, mas uma maneira determinada, construída por diversos protocolos através de estratégias que separam o ver das contaminações com o sentir, como os afetos e paixões do corpo, com as contingências do lugar de onde se observa algo produzindo um ver almejando o máximo de objetividade, um ver desencarnado. O método não é um modo de lidar com o mundo dado lá fora, mas sim uma prática de performá-lo, de fazê-lo existir. Do trampolim para o ar para a água: trazendo Barros e Kastrup (2010), do cartógrafo se espera que ele mergulhe nas intensidades do presente para dar língua para afetos que pedem passagem. É preciso cambiar os olhos, ser estrangeiro em nossa própria língua e território. Afirmar uma cartografia é evitar o predomínio da busca por informação para que então o nadador possa abrir-se ao encontro. O território vai sendo explorado por olhares, escutas, pela sensibilidade aos odores, gostos e ritmos. Sobre o que podemos falar é como se dará o processo, invertendo o processo metodológico. Como propõem Passos, Kastrup e Escóssia (2010), se o caminho a ser percorrido no fazer das práticas e vivências do pesquisar não pode ser dado a priori em busca de metas a serem alcançadas, meta-hódos, a ideia é reverter o sentido, o caminhar que traça no percurso suas metas, hodos-metá. Não falando de hipóteses, mas sim de apostas. Como pesquisador no campo problemático da educação e da segurança pública, surge essa forma de fazer para problematizarmos as forças que produzem este modo de ser aluno na escola policiada, e os discursos prontos trazidos por professores, pelos diretores, pela sociedade, pela mídia, por nós enquanto pesquisadores. Não significa desconfiar ou desacreditar das políticas públicas atualmente geridas, ou ainda desempoderar as escolhas de cada um, mas sim colocar em análise as práticas sociais, os instituídos e as instituições. Habitar esse plano para ver que movimentos emergem, sem pensar em consequências ou causas, mas em vetores. Escrever sobre a metodologia que utilizamos na pesquisa é sempre um processo, sujeito a mudar de rota a qualquer momento. Frente à submissão e aprovação do projeto de pesquisa no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – CAE 31673314.7.0000.5582 (Anexo I) - no início da pesquisa, era planejado fazer grupos com estudantes; entrevistar secretários, estudantes,

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coordenadores, diretores, inspetores, professores e policiais, atores que articulam esse cenário, habitar o cotidiano das escolas policiadas podendo dar voz às contradições presentes, invisiblizados no maniqueísmo de afirmar se a polícia é boa ou não para aquele espaço. Até então, naquele momento, isso só seria possível a partir do momento em que conseguisse a autorização da SEEDUC para ir às escolas. Durante o ano de 2014, após alguns meses indo de protocolo em protocolo, sendo redirecionado, onde sempre culpabilizavam a “velha burocracia brasileira”, falando sobre todas as demoras que “ninguém” tinha responsabilidade ou maneira de alterar. Já que nada se mexia, resolvi começar ir até as escolas. Em uma delas, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, conversando sobre o projeto com a coordenadora, que ao ser solicitada para que viabilizasse a entrada da pesquisa em sua escola, propõe: tudo bem você fazer as entrevistas, mas não sei sobre o grupo com os alunos. Você até pode conversar com eles, mas não em grupo! Primeiro porque eles tem horário integral, não sei como tiraríamos eles da sala, segundo porque não queremos gerar outra onda de polêmica com isso tudo, de novo. Há dois anos quando tudo isso surgiu, houve uma grande mobilização por aqui, só se falava disso! Hoje está mais tranquilo, as pessoas aceitaram. O que esse discurso e essas negativas à entrada da pesquisa nas escolas nos mostram? Weber (1971) nos faz pensar no conceito de burocracia, isto é, atividades relacionadas à administração pública, pautada pela eficiência e guiada por normas, atribuições específicas e esferas de competência bem delimitada. Ao mesmo tempo que traz rigidez, grande quantidade de regulamentos e maior padronização, resulta em lentidão dos processos, ineficácia. A grande crítica do autor não é só em tratar da avançada organização administrativa, mas também de uma forma de legitimar a dominação. Concebida como um obstáculo à participação democrática popular,totalmente formal e impessoal, a fim de alcançarem os fins pretendidos, a burocratização silencia reflexões coletivas em nome da ordem e da produção. O engessamento institucional, aqui traduzido por George Lapassade (1977) como burocracia pedagógica, visibiliza embarreiramentos e bloqueios, como algo imposto, de cima para baixo, hierarquicamente controlado que retira os espaços de discussão e a capacidade de decisão coletiva sobre a gestão e os processos cotidianos institucionais. Depois de mais de nove meses esperando a autorização formal da SEEDUC, decidi seguir pelo caminho de fora: procurar outros recursos para a pesquisa que não dependessem dessa protocolação toda. Primeiro, através de ligações e emails, solicitei conversar com os gestores e administradores do PROEIS para poder compreender melhor sobre o que estava pesquisando, visto pelos olhos de quem controla esse programa de dentro. Ao passo que me diziam que em nada poderiam acelerar os processos burocráticos, me encaminharam diversas informações, dados,

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formulários, apresentações, tabelas e estatísticas sobre o programa, que além de me ajudar a entender o tamanho e a inserção desse programa, esses dados me propiciaram confeccionar analisadores e reflexões que serão apresentados ao longo do texto, como o mapa da “mancha criminal” trazido no terceiro capítulo. Após essas conversas, iniciei uma busca para entrevistar os atores do cenário estudado. Através de amigos, colegas, familiares e das redes sociais aos poucos os participantes da pesquisa, junto comigo, foram (re)constituindo a rede estudada. O único critério de inclusão foi: trabalhar ou estudar em escola estadual do Rio de Janeiro com a presença da Polícia Militar pelo PROEIS. Interessante expor que os primeiros que aceitaram conversar sobreo tema, que também foram os que indicaram um grande número de colegas para participar da pesquisa, são professores ligados a movimentos sociais, às lutas sindicais e grevistas, sendo alguns deles ligados ao Sindicato Estadual de Profissionais da Educação do Rio de Janeiro, o Sepe-RJ 3 . Essas pessoasqueriam contar suas histórias sobre suas escolas e o que tem a dizer sobre a relação com a polícia, pois havia algo a ser dito. Frente a esse dado, é importante pensar, que também será trazido ao longo do texto: hoje, quem quer falar sobre a polícia na escola? Em cada entrevista feita, me conectava com o depoimento, muitas vezes, extremamente sofrido em falar da profissão-professor ao lidar com esse programa, a ponta de um iceberg dentro do cenário político-educacional atual4. Dos vinte e três entrevistados, todos os quatorze professores que conversaram comigo com certeza foram os que mais me impactaram, me fazendo também me sentir cansado, sucateado, culpabilizado, em um muro de lamentações. Cada entrevista, de mais de uma hora, me deixava carregado, tão conectado com aqueles relatos de heróis cansados enxugando gelo, como alguns disseram. Até que ponto também me vejo nesse mesmo lugar, desse mesmo jeito, fazendo essa pesquisa, analisando esse programa? Importante trazer essas questões, mas ressaltar a prudência de não fazer uma pesquisa-panfletária, que não tem o objetivo de afirmar o certo ou o errado, que instituição ou órgão está correto. Fugindo de possíveis interpretações e teorias da representação, não se perguntará o que quer dizer, perguntar-se-á com o que o programa que institui o policiamento das escolas funciona, em conexão com o que ele faz ou não passar intensidades, sempre dizendo do “como”, dos acoplamentos, dos conjuntos e das conexões, também dos “porquê”, dos “quando” e dos “onde”. Mostrar o campo de forças operando em um plano comum de acessos, entre os atores que fazem

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Desde o início do PROEIS, uma das principais bandeiras de luta do sindicato em suas manifestações, conversas com o governo do estado e nas greves dos professores é contra a polícia nas escolas, sendo inclusive uma das pautas de debate entre as chapas na campanha de 2015 de eleição do sindicato. 4

A discussão sobre a militarização da educação será trazida no terceiro capítulo.

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parte da pesquisa, trazendo as relações institucionais e suas encomendas, negativas, demandas, silêncios, questionamentos, verborragias. Escrever também constrói significações e explicações, extremamente conectadas com modo com que se faz, isto é,agrimensar, cartografar, mesmo que sejam regiões ainda por vir. Para então mapear e acompanhar nascimento, desenvolvimento a partir de problematização das linhas de força envolvidas na constituição de um determinado objeto, propõe-se a concepção de rizoma. Discussão trazida por Félix Guattari e Gilles Deleuze (1995; 2011; GUATTARI, ROLNIK, 2013) ao longo de sua escrita conjunta sobre o modo de compreender o conhecimento, o conceito aparece contraposto à noção de raiz e dos sistemas arborescentes no modelo científico. Posta como clássica, binária, significante e hierárquica, a raiz contrasta em relação ao rizoma por apresentar ramificações, laterais, circulares e modos pivotantes, não dicotômicas. Ao invés de questionar o “que é isso?”, “quem somos nós?”, encerrar questões em lógicas binárias que não possibilitem a compreensão da multiplicidade dos processos, deslocar o ponto de vista para “que se passa com nós mesmos?”. Fazer isso coloca em relevo o sentido e valor dos fatores que acontecem conosco, e dos que fazemos também, no presente, não mais perguntando sobre as condições necessárias para determinar a verdade das coisas, até porque entendemos que a verdade é uma construção histórica (FOUCAULT, 2003). Não importa descobrir o que somos nós e sim perguntarmos como chegamos a ser o que somos, para, a partir daí, podermos contestar aquilo que somos, dar visibilidade aos elementos discursivos e não-discursivos, os dispositivos de um determinado processo histórico, operação essa titulada de genealogia por Foucault (1986). É de tal contestação que se pode abrir novos espaços de liberdade, para que possamos escapar (um pouco) das coerções vividas. Não é possível justificar um rizoma por modelo estrutural, montar eixos e organizações supostamente calcadas no presente que, baseadas no passado, expliquem o futuro. Sem sujeito nem objeto, fazendo uso de dimensões, linhas, versões e direções movediças, é factível construir mapas, sempre desmontáveis, conectáveis, reversíveis, modificáveis, com múltiplas entradas e saídas, a partir de experimentações inteiramente ancoradas no real, resistindo a estruturas regulamentares; localizar os impasses sobre o mapa e por aí abrir saídas possíveis, operar novas conexões. Não basta bradar pela multiplicidade, somando forças com Deleuze e Guattari (2011), é preciso fazer o múltiplo, de maneira simples, com força de sobriedade, sempre retirando a unidade, junto com todas as generalizações e universalizações, construindo assim um sistema rizomático. Como foi construída a noção de que uma política pública que institui o policiamento ostensivo nas escolas estaduais do Rio de Janeiro é a atual “solução” para o manejo de situações de

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conflito escolar? Como uma saída possível frente a um cenário múltiplo e complexo, o PROEIS se torna uma “caixa-preta” (Latour, 2000): por mais controvertido que seja seu funcionamento e seu desenvolvimento, a questão que é importante é o resultado final, ou seja, “manter as escolas em funcionamento normal” (SEEDUC, 2012).Essa rede tensa e supostamente estabilizada está relacionada a fluxos, circulações e alianças, devendo ser compreendida como uma lógica de conexões e agenciamentos, onde os atores e actantes se relacionam, interagem, interferem e sofrem interferências. Todas as entrevistas foram feitas presencialmente nos mais diversos lugares da cidade e do estado do Rio de Janeiro. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo II), em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466/12, que regula a ética em pesquisa com seres humanos. Foram feitas, de fevereiro a maio de 2014, vinte e três entrevistas, todas gravadas e transcritas, sendo quatorze professores (três de português, três de geografia, dois de física, dois de história, um de sociologia, um de filosofia, um de música, uma de biologia), um inspetor, um aluno, uma diretora de colégio, três policiais, uma jornalista, dois profissionais da SEEDUC. Serão apresentadas de maneira transversal na escrita, monstrando-se relevantes para ver e falar o assunto em discussão. Apostamos, na transversalidade enquanto ato, verbo necessariamente no infinitivo. A ideia de transversalizar parte de um posicionamento para ação, posicionamento o qual não consiste num ponto fixo, mas a partir de diferentes composições oblíquas no espaço. Ação que opera no sentido da constituição de operações que permitem outro modo de investigar (BARROS; PASSOS, 2012). Os relatos, histórias e contos não ganharão nome, apenas uma identificação de acordo com o grupo que pertencem, mantendo os nomes originais em sigilo, assim como seus dados pessoais; o nome das escolas e os respectivos bairros também foram mantidos em sigilo, para evitar qualquer tipo de identificação. Como meio figurativo, as escolas retratadas nos casos serão identificadas apenas pelo bairro onde se localizam, para mostrar que, independente do nome, da locação ou do público que frequenta a escola, os casos são universais, poderiam ter acontecido em qualquer lugar, em qualquer instância. Como forma de trazer todos essas vidas, histórias e informações, um estilo de escrita é demarcado como forma de operar a pesquisa: o discurso indireto livre é escolhido então como política de escrita. Estamos diante do conceito do filósofo russo Mikhail Bakhtin, que Deleuze e Guattari(1995; 2003; DELEUZE, 1985) examinam nas obras de Franz Kafka (“A Metaformofose”) e Jean-Luc Godard (“Adeus à Linguagem”, “Acossado”, “Viver a Vida”), que também apresenta-se nas obras de Machado de Assis (“Dom Casmurro”, “Quincas Borba”). Este abrange ao mesmo tempo dois modos de narrativa: o discurso direto e o discurso indireto. O discurso direto evidencia a enunciação de alguém, mantendo-se sua forma original, entre aspas, em primeira pessoa. O discurso

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indireto apresenta-se em terceira pessoa, contendo comentários, impressões e elementos de ligação, sendo assim a voz do narrador relatando, a seu modo, a fala de outra pessoa. Bakhtin (1978) divide esses dois modos de olhar o discurso em dois estilos, o linear e o pictórico. No primeiro, o locutor conserva a voz do outro, criando fronteiras nítidas à volta do discurso citado. Já no segundo, o escritor infiltra suas réplicas e seus comentários individuais no discurso do outro, desfazendo a estrutura compacta do discurso citado e apagando as fronteiras entre os dois enunciados. A escolha do discurso mostra o posicionamento ideológico dos sujeitos discursivos, isto é, de quem escreve. Essa estratégia de representação da palavra alheia é uma importante ferramenta na criação de efeitos de sentidos intencionados pelo autor. As estratégias empregadas para a reprodução do discurso de outrem acarretam em tons valorativos, representando assim uma tomada de posição. O discurso indireto livre aponta uma concepção diagonal onde o discurso a transmitir e aquele que serve à transmissão são apresentados ao mesmo tempo como conjuntos e distintos: é um discurso no discurso. Não há marcas que assinalem a separação da fala do narrador da fala da personagem, como os verbos de elocução, os sinais de pontuação e as conjunções que aparecem nos discursos direto e indireto. O discurso indireto livre é um discurso na forma pronominal em terceira pessoa, mas que mantém conteúdos, expressões do discurso, revelando a heterogeneidade interna ao discurso (KASTRUP, 2005). Ao passo que são reportadas falas de personagens entremeadas às do narrador, fundido às vozes que falam; aos poucos vai sendo gerada uma dissolução das pessoas que ali se pronunciam. Trazer fragmentos de histórias, trechos de entrevistas, relatos, notícias de jornal, pesquisas públicas, dados institucionais. Entretanto, não é de citações que aqui se trata. Trata-se, na verdade, de apropriações de uma massa discursiva de outrem, que é “roubada”, como por um “bom ladrão de ideias”. Nossa fala não é unicamente nossa. Nela encontram-se inseridas múltiplas vozes. Ao manifestar de forma ativa o seu ponto de vista acerca da palavra alheia, o locutor apresenta-se também como construtor do seu discurso, o que lhe confere o poder de se aproximar ou de se afastar da ideia sugerida pela palavra citada. O campo problemático apresentado vai ganhando sentido mediante a articulação de vários textos e ideias de outrem, a partir da dimensão coletiva e polifônica da linguagem – uma formulação remete a outras, compondo um bloco de discursos articulados, um conjunto de dizeres que caracterizam o caráter eminentemente plural e coletivo da enunciação. Assim, criam-se redes de enunciação, sem opor lados ou criar cisões, colocando os discursos no mesmo plano.

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Usar da não nomeação, não identificação e de uma proposital sensação de desconhecimento de quem enuncia o texto é uma política de escrita. Fazer a construção da pesquisa transbordar o traçado das palavras, evidenciando a experiência e a vivência dos sujeitos que compõe o pesquisar, sendo pesquisadores desse campo junto comigo. Criar conexões e intercessores, abolindo a formaEu, tão importante nos modelos de pesquisa baseados na representação, para com-por, ir colocando à mostra os planos de força, como construir uma colcha de retalhos, integrando macro e micropolíticas cotidianas, que tecem o campo problemático da pesquisa. Quem disse aquela parte no texto: o entrevistado, a notícia ou o pesquisador? Retirar o pronome pessoal da enunciação do texto é colocar em questão a forma de escrever um texto acadêmico e de tornar a pesquisa um processo. Nublar quem diz é sensibilizar ao que se diz, arredando as possíveis interferências acopladas à titulação de quem fala junto ao discurso que se lê para fazer ver e falar as inúmeras contradições e problemáticas presentes no chão na escola. Usar o discurso indireto livre como ferramenta é tornar os autores e as práticas não como objetos, mas como intercessores. Assim, o importante no discurso indireto livre não é a mistura de dois discursos diretos que os conservaria na sua identidade própria, mas a amálgama que os torna indiscerníveis e que atiça um movimento que afeta a todos eles. Além das entrevistas e dos dados fornecidos pela SEEDUC, também foram utilizadas na pesquisa reportagens dos jornais O Globo e Extra dentre o período de março de 2011 a maio de 2015, a partir do acervo geral disponibilizado online; matérias do site do governo, tanto da Secretaria de Estado de Educação, quanto da Secretaria de Estado de Segurança. Utilizar os informes que são produzidos pela mídia para contar a história que é apresentada é uma forma de mostrar como é operada a construção da imagem de uma política pública hoje. Propor reflexões entre a área da Psicologia e a da Educação, em relação às lógicas de proteção e cuidado da infância e da adolescência nos espaços escolares, dizendo de certas formas de governar determinadas populações, a partir da disciplina escolar. Que modos de segurança, proteção, disciplina e cuidado são esses? É necessário interrogar não só as transgressões e desvios da ordem, mas que lógicas, desde a palmatória até a entrada da polícia nas escolas, estão por trás dessas normatizações. Que modos de funcionamento sustentam essa judicialização da vida escolar? Que modos de proteção e cuidado são utilizados, o que permeia essa relação norma-transgressão-castigo no espaço escolar? Desse modo, a justificativa da pesquisa tem como ponto contribuir para a reflexão para as intercessões teóricas e práticas entre psicologia, educação e segurança pública. Com a devolutiva às pessoas entrevistadas, a publicação da dissertação e de artigos, propagar conhecimentos sobre essas áreas de estudo para futuros pesquisadores. Restituir aquelas pessoas que participaram da pesquisa

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dos resultados obtidos, devolver um pouco de tudo o que foi feito, para assim que o conteúdo e o conhecimento estudado continuem ressoando. Conversar presencialmente, de maneira implicada, sobre o que e como foi pesquisar esse tema, entendendo também como mais uma intervenção do ato de pesquisar. No primeiro capítulo, intitulado “Da palmatória à Polícia: Genealogia das lógicas disciplinares na escola”, as práticas de controle, punição e castigo no contexto escolar brasileiro ao longo dos séculos são tomadas como dispositivo para fazer ver e falaras lógicas disciplinares que circulam dentro desse espaço. Estas são pensadas como eixo importante no processo histórico de universalização da escolarização e sua função fundamental na produção da subjetividade – organizar, controlar, docilizar – útil para fazer funcionar determinados modos de governar em sociedade. A partir das reflexões trazidas por Foucault (1986), é tomado como recurso metodológico nesse capítulo a genealogia, pois exige a busca da singularidade dos acontecimentos, ou seja, requer o entendimento da emergência e proveniência de um determinado saber, daquilo que é singular, contingente. Do suplício (palmatória, régua; ajoelhar no milho; ser colocado de frente para a parede; palmatória), passando pelo poder disciplinar (distribuição no espaço; uniforme; comportamento; fileiras; silêncio; professor fala, aluno em silêncio, copiando) à biopolítica (estimativas, estatísticas, rendimentos, medições, polícia nas escolas), são trazidas correlações entre as práticas e as instituições, esclarecendo a coexistência desses regimes e dessas lógicas disciplinares no contexto escolar, mostrando as transformações ao longo do tempo e suas conexões. No segundo capítulo, nomeado como “Mídia, medo e ordem: dissensos sobre polícia, segurança e violência– reverberações na escola”,é escolhido como dispositivo a produção do grande bombardeio de imagens, notícias, reportagens e estatísticas veiculadas em noticiários da grande mídia televisiva, virtual e impressa nos últimos anos sobre o campo da segurança pública em interface com a educação, especialmente a partir do acontecimento Realengo para pensar sobre a produção de uníssonos sobre esses temas. Aos poucos, ao trazer elementos e discussões, na conexão entre cultura de massa, fetichização da polícia e segurança pública vão sendo produzidos dissensos, estranhamentos, controvérsias. Decompor esse campo problemático colocando-o quase como um engano, assinalando como a mídia é um importante agenciamento na produção de discursos de ordem, ao passo em que produz um grande esplendor, uma aura mágica, unificando vozes, silenciando as contradições e dissonâncias. Atua como ordenamento social ao passo que possibilita a circulação de discursos de (in)segurança e medo, por conseguinte a ideia de que a polícia é fundamental para a sociedade, construindo a sua glorificação. No terceiro capítulo, nomeado ““Apesar da vigilância e da limpeza, os alunos continuam deixando suas marcas”: Discursos criminalizantes sobre a juventude escolar fluminense” é

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feita articulação entre a discussão sobre ideologia da defesa social, trazidos pela Criminologia Crítica de Alessandro Barata (2011) e os processos de produção de subjetividade da Esquizoanálise de Guattari (2013), encontrando como principal convergência o que os autores, cada um em sua teoria, entendem como culpabilização. Processos encadeados, a ideologia da defesa social, os processos de subjetivação e os processos de criminalização andam juntos, principalmente quando o foco é introjetar no sujeito algo que ele deveria ter feito ou não, deveria estar em um lugar ou em um outro, deveria ser daquela forma ou de outro, injetar culpa no indivíduo. Culpa por ser ou executar alguma ação supostamente reprovável, porque contraria os valores e as normas, presentes na sociedade mesmo antes de serem sancionadas pelo legislador; culpa por não se encaixar no padrão social estabelecido. Ao passo que seleciona, discrimina e marginaliza sendo o primeiro aparelho social formal da vida de um indivíduo, a escola reedita as desigualdades sociais, pois entende diferenças entendidas como defeitos pessoais; estereótipos transformados em “injustiça institucionalizada”; desadaptando o “mau” aluno cada vez mais, até a exclusão do sistema. A partir de relatos e histórias colhidas, percebe-se que o sistema escolar, primeiro segmento do aparelho de seleção, discriminação e marginalização, reproduz a estrutura social pelos critérios de avaliação do mérito individual, com efeitos discriminatórios sobre crianças e jovens de estratos sociais inferiores. No quarto capítulo, denominado “No meio de disputas, brigas e tensionamentos: Como lidamos com os conflitos entre no chão da escola?”, a concepção de “mancha criminal” é tomada como analisador para falar do atual modo de encarar e lidar com os conflitos nesse espaço, como o PROEIS pode ser entendido como uma atualização da judicialização escolar. Da sala de aula a utilização do mesmo recurso operado pelos batalhões de polícia militar para promover a prevenção contra crimes à mediação judicial dos tensionamentos, a proteção, o cuidado e a segurança comparecem como discurso, prática e política pública. Desde a fundamentação do programa em trechos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) a frases de professores em sala de aula e profissionais da SEEDUC, os enunciados manifestam uma sociedade de segurança cada vez mais baseada na concepção de um risco iminente, em denúncias e em medidas que são implementados em certos lugares diferentes da cidade e do estado. Frente a essas reflexões, é fundamental pensar como as questões da escola são cada vez mais levadas para fora para que alguém as resolva e como tem se requerido instâncias, contratos ou outros atores, como a polícia, para mediar relações. Por fim, mas sem chegar ao final, mais algumas considerações serão feitas, pensando em desdobramentos e efeitos das reflexões propostas. Problematizar as lógicas disciplinares que circulam no cotidiano escolar, descortinar maniqueísmos recorrentes, pensando em criar caminhos alternativos, fazer com que os discursos circulem por outras vias que não só as ditas recorrentemente.

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A pesquisa contribuirá para criar novos possíveis, propiciar espaços de reflexão que possam abrir novos espaços nos cenários escolares pesquisados. A importância de exercer uma pesquisa crítica, presente, é justamente abrir buracos, fazer a tão supostamente gasta e violentada instituição escolar respirar, entrar novos ares, sair dos caminhos e vãos que grandes estruturas fazem e demarcam. Pensar assim é olhar para as crianças e adolescentes a partir de novos possíveis. A partir do plantio da semente crítica e questionadora, novas reflexões e buracos surgirão, sempre possibilitando novas formas de pensar a educação, as escolhas e outros tantos temas que atravessam a vida destes jovens.

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.1 DA PALMATÓRIA À POLÍCIA: GENEALOGIA DAS LÓGICAS DISCIPLINARES NA ESCOLA

“As luzes que descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas” Michael Foucault, em “Vigiar e Punir”

A partir das reflexões feitas pelo filósofo francês Michel Foucault [1926-1984],estudar a emergência de um conceito, prática, ideia ou valor é proceder a análise histórica das condições políticas de possibilidade dos discursos que instituíram e “alojam” tal objeto (VEIGA-NETO, 2005). Uma das principais contribuições desta abordagem é sua estratégia de problematização das linhas de força envolvidas na constituição de um determinado objeto. Esta problematização consiste na desconstrução ou desnaturalização das formas cristalizadas e instituídas, apontando para o caráter contingente que marca a constituição das mesmas, mostrando-as como frutos de uma historicidade e de determinadas condições de possibilidade. Para Foucault (1986), a genealogia não se interessa apenas por entender como os saberes se transformam ao longo do tempo, mas também por que essas transformações ocorrem, evidenciando as relações de poder subjacentes à produção do saber. A perspectiva histórica trabalhada pela genealogia leva em consideração duas importantes ferramentas conceituais: a noção de gênese e de descontinuidade. Pensar a gênese é diferente de pensar o início de algo. Gênese diz respeito às condições de possibilidade de emergência, considerando a existência de um campo de forças, de disputa. A proposta desse estudo é propor reflexões entre a área da Psicologia e a da Educação, em relação às lógicas de proteção e cuidado da infância e da adolescência nos espaços escolares, dizendo de certas formas de governar determinadas populações, a partir da disciplina escolar, de acordo com seu crescimento histórico. Que modos de segurança, proteção, disciplina e cuidado são esses? É necessário interrogar não as transgressões e desvios da ordem, mas que lógicas, desde a palmatória até a entrada da polícia nas escolas, estão por trás dessas normatizações. Tomando as inquietações e desacomodações propostas por Michel Foucault em seus estudos, o norte não é buscar fins ou origens nos objetos, mas sim entendê-los como instituições sociais, produzidas em práticas datadas a partir de determinados eventos. Para, então, fazer uma genealogia,

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toma-se aqui a disciplina escolar como um analisador, para pensá-la a partir de um emaranhado de redes e lógicas.

.1.1 Príncipes infantes, crianças plebeias, índios e jesuítas: soberania e castigo Lançando suas raízes nas monarquias antigas fundadas pelo direito divino dos reis, a soberania do rei é originária, ilimitada, absoluta, perpétua em face de qualquer outro poder temporal ou espiritual (BODIN, 1967). Monarcas funcionavam como representantes de Deus na ordem temporal, e na sua pessoa se concentravam todos os poderes. Em relação ao registro do poder soberano, durante o século XVI, diante da voz do rei, a maior parte das penas aplicadas aos criminosos da época eram banimentos ou multas, pequena quantidade era destinada ao suplício, sendo todos acompanhados por exposição em praça pública, roda, coleira de ferro, açoite, marcação com ferrete, isto é, um ritual organizado para a marcação das vítimas e a manifestação do poder que pune. Mais do que a economia do exemplo, o que sustenta a prática do suplício é uma política de medo: tornar sensível a todos, sobre o corpo do criminoso, a presença encolerizada do soberano (FOUCAULT, 2011a). Todas as vozes se calam diante do medo produzido a partir do exemplo do criminoso sendo castigado em público. Nesta forma de governo, o rei controla a vida de seus súditos pela via da morte, podendo dizer quem irá matar ou viver, como um fazendeiro cuidando de seu rebanho, como um controle pastoral sobre a população (FOUCAULT, 2005). No contexto da monarquia, surgem os “infantes”: o termo vem do latim, como “o que não fala”, “o não falante”. Esse termo começa a ser utilizado a partir de 1205, em Portugal, para falar dos príncipes: o infante é o que ainda está sendo criado, por isso ainda não fala, por razões da idade. Diferente das outras crianças, as plebeias, o príncipe infante é aquele que um dia estará autorizado a falar o direito, ditando-o para toda a sociedade (HANSEN, 2002). Para alcançar a categoria de adulto e ser criado, virtudes cristãs precisariam ser atingidas, para assim, governar bem. Baseada em racionalidade teológico-cristã e uma educação como progresso da razão, pensa-se em uma ““criatura frágil e maleável”, que será dominada pelas deformações morais decorrentes do pecado original se for deixada à própria sorte” (ALBERTI, 1918). Segundo mestres da época (HANSEN, 2002), a alma infantil é dominada pela natural anarquia que poderá ser contida, no entanto, por meio do exemplo e da correção da família cristã e dos mestres qualificados.

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O castigo foi o principal meio encontrado para doutrinar essas criaturas indomáveis: o mestre modela os hábitos infantis, visando resfriar e canalizar a natural abundância de calor do caráter inquieto da infância para o fim superior do autocontrole (VIVES, 1984). Da nobreza de armas, do orgulho de sangue para uma nobreza de lutas civilizada e erudita, subordinada ao rei, o poder guerreiro dá lugar ao império da escrita e da lei, privilégio de poucos. A educação é então dispositivo que naturaliza a desigualdade social. Constitui a infância por meio da instrução e formação, distinguindo o corpo alto, erudito, discreto e sublime do príncipe dos corpos baixos, tolos e vulgares das crianças do povo.Os autores dos tratados, sendo cristãos, negam que só os homens nobres têm disposição para a virtude, alegando que “o caminho para as coisas grandiosas foi franqueado a todos” (ALBERTI, p. 323, 1918). A liberdade de cada indivíduo é definida como subordinação à cabeça real. Para mantê-la, interesse do “bem comum”, a educação deve “tornar mais homem”, isto é, quem aprende a agir de acordo com o estabelecido visando à concórdia, e a paz do “bem comum”. A política católica é definida, entre mestres e príncipes, como uma arte para manter a unidade e a segurança do reino, supondo Deus como fundamento mediato da ação política (HANSEN, 2002). Quem se rebela contra as leis, rebela-se contra Deus, pois o rei é enunciado por Ele para impor ordem à anarquia dos homens corrompidos pela lei do pecado original. A diferenciação das classes evidencia-se nas formas de castigo. Diferente das crianças plebeias, tidas como vulgares, a repressão e o castigo violento atuam para corrigir a fragilidade ainda não dominada; os mestres não deveriam repreender os infantes, pois seria um desacato a lei: A educação dos príncipes não sofre desordenada repressão e castigo porque isto é uma espécie de desacato. Se controla os ânimos com rigor, e não é conveniente ser vil nessas situações. A juventude é um potro que com cabeça dura se precipita e facilmente se deixa governar, mas há de se permitir a fragilidade, levando-a destramente pelas delícias honestas (FAJARDO, 1976, p. 89, tradução nossa).

O castigo físico imposto a crianças como método de ensino foi migrado, no século XVI, para o Brasil pelas mãos dos padres jesuítas. A história da educação começa então em 1549, com a chegada dos primeiros, inaugurando uma crise que haveria de deixar marcas profundas na cultura e civilização do país. Movidos por intenso sentimento religioso de propagação da fé cristã, durante mais de 200 anos os jesuítas foram praticamente os únicos educadores do Brasil. Expulsos em 1750, a partir de quando se criou uma espécie de vácuo em termos de projeções educacionais no País.

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As políticas pombalinas5, no final do período colonial, após a expulsão dos jesuítas, pouco concluíram em termos de constituição de uma rede estatal de ensino, muito menos pública e obrigatória (MEINERZ, CAREGNATO, 2011). Importante destacar que, no período colonial, a ideia de identidade nacional e de povo brasileiro não era objeto de atenção; os registros eram de etnias que não configuravam ainda um ideal de nação independente. Introduzida pelos jesuítas, o padre José de Anchieta recomendava que amar é castigar e dar trabalhos nesta vida, onde vícios devem ser combatidos com açoites e castigos (ALVES, 2013). Portanto, apanhar, para a criança no período colonial, era trivial. Para os jesuítas, a correção era vista como uma forma de amor, sendo que a punição corporal inseria-se no âmbito do controle pedagógico ― boa educação implicava castigos físicos e palmadas. Contrário a esse modelo de educação, a população indígena não aceitava a prática, exatamente porque desconheciam o ato de castigar, espancar, maltratar crianças. Por muitos anos o castigo e a punição física foram artifícios muito usados por professores, castigava-se fisicamente. Era comum a utilização da régua ou da palmatória para bater no aluno que não respondesse, adequadamente, as suas perguntas. A quantidade de palmadas dependia do juízo deste professor sobre a possível gravidade do erro. O castigo físico noutras vezes dava-se pela prática de colocar o aluno de joelhos sobre grãos de milho ou feijão, ou ainda, de mandá-lo para frente da classe, voltado para a parede e com os braços abertos. Como se vê, o estabelecimento da palmatória como instrumento de castigo disciplinar, a ser aplicado por professores vem desde a segunda metade do século XVIII. Na época, considerava-se que os erros dos alunos resultavam da indolência, impondo-se então o castigo corporal como modo de remir o “pequeno pecador preguiçoso” (ALVES, 2013). É situada na interface da violência física com a psicológica, como por exemplo, deixar o aluno em pé durante a aula enquanto os outros colegas permanecem sentados. O aluno é castigado fisicamente, pela posição forçada, e moralmente, pelo fato de o castigo imposto se tornar visível a todos os colegas, constituindo-se em uma exposição pública da punição (STELKO-PEREIRA, SANTINI, WILLIAMS, 2011). Além disso, outras situações de castigo físico, como ficar de rosto para a parede, ficar de joelhos no milho, ficar retido na sala de aula durante o recreio, suspender o

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Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal de 1750 a 1777, foi o responsável pela implementação de reformas que tiveram o objetivo de recuperar a economia através de da concentração do poder real e da modernização da cultura portuguesa. Assim, procurou industrializar Portugal, fundou academias, incentivou a produção agrícola e a construção naval, entretanto, o exemplo mais conhecido de suas ações reformadoras foi a expulsão dos jesuítas de Portugal e de seus domínios coloniais, como o Brasil, por entender que eles escravizavam os índios que eram catequizados (BAUSBAM, 1957).

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lanche, realizar tarefas extras em sala de aula ou permanecer com os braços suspensos por períodos eram punições recorrentemente utilizadas. Nos estudos de Michel Foucault (2011a), o uso do castigo físico faz parte de um sistema de controle de uma sociedade investida do sentido da ordem e da lei. A vigilância enreda a todos. A ideia e a prática do castigo decorrem da concepção de que as condutas de um sujeito – aqui, no caso, o aluno –, que não correspondem a um determinado padrão preestabelecido, merecem ser castigadas, a fim de que ele "pague" o seu erro e "aprenda" a assumir a conduta que seria correta. Isso conduz à percepção de que o entendimento e a prática do castigo decorrem de uma visão culposa dos atos humanos (BARATTA, 2011). Ou seja, a culpa está na raiz do castigo. No caso da escola, este senso caminha pela seguinte sequência: um aluno manifesta uma conduta não-aprendida e, por isso, é culpado; pelo “bem comum”, como tal deve ser castigado de alguma forma, a fim de que adquira e direcione seus atos na perspectiva da conduta considerada adequada. Pensando em uma sociedade “para todos”, desde essa época, o governo da sociedade é guiado pela ideologia da defesa social, aqui trazidos por autores da Criminologia Crítica (BARATTA, 2011). A partir de princípios que visavam o suposto bem de todos, entende-se que proteger e cuidar dos infantes é cuidar do futuro da sociedade, constituído a partir do discurso repressivo. Pautar-se na ideologia da defesa social é estabilizar os questionamentos, no sentido que possui o efeito de legitimar cientificamente e de consolidar a imagem tradicional da criminalidade, como própria do comportamento e do status típico das classes pobres na nossa sociedade, e o correspondente recrutamento efetivo da “população criminosa” destas classes.

.1.2 Uma escola para chamar de sua (ainda não para todos): disciplina e controle Com a mesma etimologia da palavra “discípulo”, que significa “aquele que segue”, disciplina tem a ideia de submissão ou respeito às regras, às normas, àqueles que são seus superiores, regulamentação que garante a satisfação de indivíduos ou instituições, submissão ou respeito a um regulamento (MICHAELIS, 1998). Nesse sentido, as normas passam a ser compreendidas como condição necessária ao convívio social. Para Foucault (2011b), a disciplina é um princípio de controle de produção do discurso, fixando os limites do jogo de uma identidade que tem a forma de uma reatualização permanente das

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regras. O filósofo francês nos lembra que a disciplina é um elemento central no controle da sociedade (2011a), seja regulando o corpo, a alma ou as populações. É a disciplina — enquanto "anatomia política do detalhe" (FOUCAULT, 2001a, p.128) — que funciona como um operador, como uma técnica, em bloco, capaz de colocar para dentro de cada indivíduo o olhar do soberano que se apaga com o raiar da Modernidade. Esse apagamento só é possível porque se dá um duplo deslocamento da disciplinaridade: do âmbito religioso para o âmbito civil e do âmbito do indivíduo para o âmbito da população (VEIGA-NETO, 2000). Ao longo dos séculos XVII e XVIII, o poder da soberania é substituído gradativamente pelo poder disciplinar e, por conseguinte, as monarquias soberanas se convertem aos poucos em verdadeiras sociedades disciplinares. Mas a que se deve esta transformação histórica? É nesse ponto que a pesquisa de Foucault revela que, ao longo desses dois séculos, multiplicaram-se por todo o corpo social verdadeiras instituições de disciplina, tais como as oficinas, as fábricas, as escolas, os manicômios, os hospitais e as prisões. Ao contrário do que ocorre no âmbito do poder soberano, o poder disciplinar não se materializa na pessoa do rei, mas nos corpos dos sujeitos individualizados por suas técnicas disciplinares. Enquanto que o poder soberano se apropria e expia os bens e riquezas dos súditos, o poder disciplinar não se detém como uma coisa, não se transfere como uma propriedade, deixa o campo da percepção quase diária e entra no da consciência abstrata. Ao passo do controle dos corpos, “o poder disciplinar é, com efeito, um poder que, em vez de se apropriar e retirar, tem como função maior adestrar; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor" (FOUCAULT, 2011a, p.143). Isso porque a modalidade disciplinar do poder faz aumentar a utilidade dos indivíduos, faz crescer suas habilidades e aptidões e, consequentemente, seus rendimentos e lucros. O poder disciplinar, através de suas tecnologias de poder específicas, torna mais fortes todas as forças sociais, uma vez que leva ao aumento da produção, ao desenvolvimento da economia, à distribuição do ensino e à elevação da moral pública, por exemplo (FOUCAULT, 2011a). Ao passo de uma anátomo-política, o corpo só se torna útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso. É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado. Longe de serem regimes distantes, poder soberano e disciplinar coexistem, porque ao mesmo tempo em que há uma posição hierárquica de poder que comanda as leis, regras e normas que cuidam das instituições, há o poder que se entranha através da disciplina por meio dessas mesmas instituições.

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Técnicas minuciosas, muitas vezes íntimas, que definem um certo modo de investimento político e detalhado do corpo, aparecem na educação cristã, na pedagogia escolar ou militar, de todas as formas, finalmente, de treinamento. A minúcia do regulamento, o olhar esmiuçante das inspeções, o controle das mínimas parcelas da vida e do corpo proporcionam no quadro da escola uma racionalidade econômica ou técnica ao cálculo do ínfimo e do infinito. A invenção da escola no século XVII concebe um certo modo de olhar o desenvolvimento que cria uma certa forma de infância. Ariès (1981) nos traz que, de um olhar ligado à ideia de fragilidade e de morte, a escola produz um “apego” à infância ligado a um interesse psicológico e moral por querer conhecê-la. Distribuição no espaço, esquadrinhamento: ordenação por fileiras, os alunos sentam-se alinhados; aulas expositivas, o aluno somente copia; os alunos em silêncio, o professor manda; filas nos corredores, nos pátios, de acordo com uma série de critérios pré-estabelecidos (ordem de idade, separação por sexo, por comportamento, por desempenho), marcando hierarquia do saber ou das supostas capacidades: “a organização do espaço serial fez funcionar o espaço escolar como uma máquina de ensinar, mas também de vigiar, de hierarquizar, de recompensar” (FOUCAULT, 2001a, p. 242). Em um contexto do século XIX, onde a sociedade burguesa atinge o seu apogeu, a educação é utilizada como cimento ideológico para garantir soberania nacional e popular: instituição pública, universal, obrigatória, como instrumento para unidade nacional. Tendo a ciência e a razão grande poder, a partir do legado iluminista e do projeto liberal de mundo vigente, além do nacionalismo como propulsão de política de implantação de sistemas educacionais públicos, a escola ganha a concepção de instituição “redentora da humanidade”. A ideia de identidade nacional e de povo brasileiro emerge como necessidade a partir do Império, mas o de um povo com características próprias e comuns só vai ser consolidado a partir da década de 1930, por meio de elaborações como a obra de Gilberto Freyre, “Casa-Grande e Senzala”.O sentido político da inexistência da expressão “povo brasileiro” até então denota um vazio diante de uma nação não unificada e sem políticas estatais para todos, bem como a ausência de políticas educacionais para a população em geral no período imperial. Políticas pensadas para uma escolarização mais ampla não eram nem pauta, pois, até 1888, o país viveu em um sistema escravista que não viabilizava na prática a educação massiva, em termos de políticas concretas, muito embora, nos textos da Constituição de 1824, já apareça a ideia de instrução primária e gratuita para todos. Confirmado em 1827, pela lei de 15 de outubro, que então previa a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e vilarejos.

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Entretanto, a promulgação do ato adicional de 1834, que delegou às províncias a prerrogativa de legislar sobre a educação primária, fez com que o governo central se afastasse da responsabilidade de assegurar educação elementar para todos. Tanto com o surgimento de novos centros urbanos pela província, quanto pelo esplendor exibido nas fazendas dos barões do café viase a prosperidade trazida pelo "ouro verde", o que propulsionou o desenvolvimento da educação, notado pela construção de várias escolas por todas as cidades, mesmo que só para a elite. A descentralização da educação básica, instituída em 1834, foi mantida pela República, na Constituição de 1891, impedindo mais uma vez o governo central de formular e coordenar a universalização do ensino fundamental, o que ampliou, nas décadas seguintes, a distância entre as elites do país e as camadas sociais populares, segundo Cunha (1977). O discurso da ciência recobre expressivo conjunto de objetos, constituindo campos disciplinares cada vez mais especializados. Ao incidir sobre temas variados, a razão colabora para demarcar fronteiras, fabricar vocabulário e prescrever práticas que a elas passam a ficar associadas. Através da prescrição de comportamentos, do controle de condutas anteriores e demarcação de fronteiras, higieniza-se as ideias de família, infância, escola (GONDRA, 2002). Transitando dos corpos individuais ao tecido social, a ordem médica constitui a infância, com foco em uma ciência da higiene. Com projeto de modelação higiênica dos sujeitos e do social, no que se refere à infância, tratava-se de prescrever procedimentos, desde o controle das condutas dos pais até a “idade dos colégios”, demarcando fronteiras entre os espaços escolares e familiares. Com o advento da Revolução Industrial o e ajustamento a novas demandas, é dada importância à preservação da inocência e da sociabilidade, diferente dos primeiros anos de escola em que tinha um caráter mais moral (FERREIRA, 2013).À medida que se avançou no tempo, os castigos físicos começaram a serem evidentemente questionados na segunda metade do século XIX. Em seu lugar entraram em cena formas mais tênues de controle disciplinar, mas não menos violentos: os castigos morais (LUCKESI, 1999). Em nossa sociedade, os sistemas punitivos devem ser colocados como uma economia política do corpo: ainda que não recorram a castigos violentos ou sangrentos, mesmo quando utilizam métodos “suaves” de trancar ou corrigir, é sempre do corpo que se trata – do corpo e de suas forças, da utilidade e da docilidade delas, da sua repartição e de sua submissão. Se antes as práticas de punição tal qual a palmatória pareciam bem evidenciadas, hoje se apresentam de modo sutil e obscuro. A disciplina e a competição impostas às crianças na virada do século XIX para o XX vem a partir do interesse sobre essa população na busca de formar,

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futuramente, maiores mercados consumidores, assim como forjar o espírito competitivo entre as crianças (ALVES, 2013). A escola pública para todos entra nas agendas sociais a partir do início do século XX. No final do regime imperial, o tema da identidade nacional vincula-se aos debates em torno da educação como projeto de nação e de desenvolvimento. Começa-se a difundir a ideia de que a educação e a escolarização é necessidade de todos, toda a população deve estudar. Esse ideal é totalmente conectado com o aumento das cidades e o intuito de formar mão de obra, educar as crianças e jovens, ter algum espaço que as crianças possam ficar para que seus pais saiam para trabalhar, diminuir os índices de criminalidade. A educação é a solução para os problemas da sociedade, através dela tudo será solucionado. As famílias prosperaram, o estado produzirá mais e terá mais lucro, a sociedade funcionará como uma máquina, adestrada e disciplinada. Nessa época então começa a ser defendida a ideia de que a educação é o caminho para o desenvolvimento, pois através da instrução é possível gerar e render mais. Entende-se por essa lógica que se educar gera benefícios para o próprio indivíduo que se educou, mas também constrói muitos benefícios externos, o que justifica o subsídio estatal para fomentar a difusão de conhecimento. O campo da educação, com desenvolvimento sempre tardio, começa então a contar como carro-chefe de propagandas e discursos no firmamento de uma identidade nacional a partir desse período, contando com figuras e ideais de grande expressão. A hipotética relação entre mais educação e menor violência tem como premissa que com mais educação, mais oportunidades, é menor a tentação do crime. Além desse raciocínio quase igualar pobreza à criminalidade, cai na questão dos benefícios gerados por quem investe em educação – supondo que “ter que cometer crimes” para sobreviver é um mal, então educar-se potencialmente acaba com esse mal, é um efeito-benefício que o próprio agente usufrui. Cabe destacar que, no processo de constituição da ideia de nação, durante a Primeira República (1889-1930), a perspectiva positivista na organização de políticas estatais e, especialmente, na política educacional, fez-se presente (CUNHA, 1977), através da presença de militares positivistas na Assembleia Constituinte, por exemplo. De outra parte, Anísio Teixeira, Fernando Azevedo e um conjunto de educadores com ideais inovadores foram protagonistas de importantes manifestações filosóficas e políticas vinculadas à ação para a educação no Brasil. Anísio Teixeira foi absorvido pelas ideias de democracia e de ciência, as quais apontavam a educação como o canal capaz de gerar as transformações necessárias para um Brasil que buscava modernizar-se. Nesse sentido, seus ideais educacionais contribuíam para a constituição da nação brasileira.

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.1.3 Pesquisas, probabilidades e resultados na era das estatísticas escolares: Biopoder e população Ultrapassando a noção das sociedades disciplinares, onde o foco de vigilância e punição era sobre todos, a partir da disciplinarização e do adestramento do corpo, Foucault (1986) nos lembra que no início do século XX surge o biopoder, colocando-se em outra escala,aplicando-se à vida dos indivíduos, ampliando a uma biopolítica da espécie humana. Também utilizando técnicas disciplinares, o biopoder tenta compreender, descrever, quantificar o corpo humano, jogando descrições e quantidades, combinando-as, comparando-as e sempre que possível, prevendo seu futuro a partir do seu passado. Dois mecanismos se estabelecem: (...) na esfera do corpo, o poder disciplinar atuando por meio de mecanismos disciplinares; na esfera da população, o biopoder atuando por intermédio de mecanismos regulamentadores. Tais esferas situam-se em pólos opostos, mas não antagônicos: num pólo, a unidade, no outro, o conjunto (VEIGA-NETO, 2005, p.88).

Nas primeiras décadas do século XX, não há escolas de massa e tampouco ensino superior de massa no Brasil; porém, a concepção de acesso público ampliado vai sendo formatada e entra em textos legais (GARCIA, 2011). Da mesma forma, são marcantes as disputas políticas importantes do período em que tomavam posição atores sociais como os liberais, positivistas e católicos. Noutra linha de visualização dos conflitos, havia o enfrentamento entre os interesses públicos e privados de mantenedores e organização da educação formal. O desenvolvimentismo industrial com capital internacional e a cidadania populista do pós1945 não garantem um acesso ampliado da população à escola pública de qualidade. Há um importante processo de debate com participação mais ampla. Trata-se de uma sociedade com economia industrial e vida urbana expressivas. No período histórico em questão, ocorriam os limites, não só de vagas, mas também de concepções da educação formal, que, elitista, desvalorizava conhecimentos não formais. No contexto histórico de meados do século XX, os atores sociais em ação mostravam ousadia, questionando a natureza do conhecimento escolar, de caráter pouco público. A redemocratização e o fim da ditadura talvez tenham trazido consigo os últimos suspiros desse ideal unitário de nação. Amadurece ao conquistar a possibilidade de dizer que política e etnicamente o Brasil é um país diverso. Junto a isso, as novas políticas públicas educacionais apontam para desenhos curriculares que incorporam o multiculturalismo e a diversidade cultural como elementos centrais.

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Governador do estado do Rio de Janeiro por dois mandatos (1983-1987 e 1991-1994), Leonel Brizola implementa ao longo de seus dois governos os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), escolas projetadas por Oscar Niemayer e idealizadas por Darcy Ribeiro, para funcionarem em tempo integral, atendendo ao público de maneira universal. Considerados na época uma revolução na educação pública do país (RIBEIRO, 1994), tinha como objetivo oferecer, além do currículo regular, atividades culturais, estudos dirigidos e educação física. Os CIEPs forneciam refeições completas a seus alunos, além de atendimento médico e odontológico. O governador angariou a antipatia do eleitorado conservador devido às suas políticas de amparo às comunidades carentes, encaradas como de cunho populista. Os governos que sucederam aos de Brizola não deram continuidade administrativa ao projeto, desvirtuando-lhe a sua principal característica: o ensino integral. Desse modo, as unidades construídas e operacionais tornaram-se escolas comuns, com o ensino em turnos (GARCIA, 2011). Esses conceitos estão presentes na Constituição Federal de 1988, que afirma a natureza universalista do direito à educação como um direito básico para a cidadania. É ressaltado que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e propulsionada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988). A contradição entre a intenção universalista e a prática excludente e desigual, sabemos, persiste ao longo da história. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n 9394/1996), chamada Lei Darcy Ribeiro, que vigora até os dias atuais, confirma as tendências da afirmação de uma escolaridade básica mais prolongada e a proposta de uma educação profissional mais abrangente e, portanto, para além do adestramento às técnicas de trabalho, afirmando o propósito de estender ao poder público a obrigatoriedade de oferta do ensino médio como direito de cidadania. A promulgação dessa lei fomentou a construção de mais escolas de ensino médio. As questões descritas na atual LDB determinam pelo Decreto nº 2.208/97 e pelo Parecer nº16/99 que são dois os níveis da educação nacional: a Educação Básica, que corresponde às oito séries do ensino fundamental (mas, que, atualmente são nove), mais as três séries do ensino médio, e a educação superior. No que diz respeito à educação profissional, tratada em capítulo especial, são três os níveis de ensino: o básico, o técnico e o tecnológico. Cabe indagar sobre onde está e qual é o caráter público da escola no Brasil contemporâneo. Afinal, se consideramos acesso, permanência e qualidade, reincidimos na análise do incipiente caráter público da educação experimentada pelo povo brasileiro há séculos.

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Estabelecendo política do convívio social e do comportamento ideal, tal intento prescreve uma regulação do corpo-espécie e do existir em toda sua extensão, promovendo processos de homogeneização e exclusão dos indivíduos, na medida em que atualiza o biopoder no governo da infância e em defesa da sociedade. Foucault (2005) indica a presença no exercício do biopoder de uma relação entre liberdade e segurança, uma vontade de liberdade associada a uma vivência incerta, incontrolável e assustadora do mundo. Essa experiência produzida geraria uma necessidade de ordem e de segurança que os aparelhos de proteção públicos e privados deveriam possibilitar. Em dezembro de 2011, a Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC) encomenda ao Instituto de Pesquisa Mapear6um levantamento aberto de opiniões com professores, pais, estudantes e direção das unidades escolares sobre como a secretaria atuava e qual era a demanda da sociedade escolar naquele momento. Entre os aspectos abordados está o uso da internet nas escolas da rede, onde a pesquisa revela que 92% dos alunos entrevistados têm acesso frequente a computador com internet (SEEDUC, 2012). Frente a arrombamentos, invasões, brigas, furtos, ameaças, alunos armados, consumo e venda de drogas no entorno da escola, a pesquisa aponta que a comunidade escolar queria maior rigor na fiscalização da entrada e saída de desconhecidos e na venda de drogas dentro das instituições. Uma das sugestões mais sugeridas, que surpreendeu os profissionais da SEEDUC na época, foi a de colocar polícia nas escolas devido a dita constante insegurança. Ainda em 2011, a SEEDUC propõe uma parceria com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) para trazer o programa Abrindo Espaços Humanitários (AEH) 7para as escolas estaduais de Ensino Médio, com o intuito de reforçar a conscientização e o diálogo entre professores e alunos. São escolhidas sete escolas, localizadas em sete favelas ao redor do estado, principalmente no município do Rio de Janeiro e na Baixada. A proposta do AEH é partir de noções básicas de princípios e valores humanitários, tais como o respeito à vida e à dignidade humana, para propor aos alunos uma reflexão sobre os dilemas e as questões inerentes à violência armada e suas consequências humanitárias (SEEDUC, 2011). Dessa forma, entende que é possível colaborar para a promoção de espaços de respeito, tolerância e paz nos estabelecimentos escolares, junto com os professores e os estudantes. O programa teve duração de menos de um ano, e, nas palavras do chefe de gabinete da SEEDUC, “era ainda um remédio, um paliativo para resolver as questões de conflito”. Em 02 de maio de 2012, a SEEDUC, a Secretaria de Segurança Pública (SESEG) e a Polícia 6

Empresa privada que realiza mapeamentos de perfis, tendências, mercados e opiniões (MAPEAR, [s. d.])

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Programa que oferece oficinas de capacitação e conscientização que possam reduzir sua exposição a situações de violência armada no espaço escolar e na vida cotidiana (CICV, 2011).

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Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) assinam termo de cooperação técnica para implementação do Programa Estadual de Integração na Segurança (PROEIS) nas unidades escolares estaduais do Rio de Janeiro, com o objetivo manter, restaurar e promover a segurança no ambiente escolar através da presença do policial militar nessas escolas. É crucial apontar que o PROEIS já existia, desde um ano antes e que o convênio com a SEEDUC não foi sua primeira ação. Instituído pelo Decreto governamental 42.875 de 15 de março de 2011, esse programa nasce com o objetivo maior de conservar, reforçar e articular medidas de ordem pública nos espaços urbanos, como meio de reduzir índices de criminalidade (SESEG, 2011). Como uma oferta de salvaguarda extra, além do contingente habitual de policiais nas cidades e municípios, a SESEG disponibiliza à prefeituras, empresas concessionárias de serviço público ou até mesmo órgãos da administração direta e indireta estaduais, municipais e federais policiamento ostensivo feito pela Polícia Militar. Os primeiros órgãos a requerer mais segurança e presença policial foram a SuperVia8 e o MetrôRio9 ainda em 2011. Depois, além da SEEDUC em 2012 e até hoje, outras instâncias assinaram e vem assinando esse convênio, como a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE) 10 , o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) 11 , a Light Serviços de Eletricidade S. A.12, as prefeituras de Niterói, Bom Jardim, Carapebus, Rio das Ostras, Casimiro de Abreu, Nova Friburgo, Seropédica, Queimados, Macaé, Itaperuna e Duque de Caxias e ainda a Linha Amarela S.A. (LAMSA)13, o Departamento Geral de Ações Sócio Educativas (DEGASE)14 e aCCR Barcas15. - Penso que o PROEIS é um fato novo pra enfrentar uma questão grave que não é local, que 8

Empresa privada criada por consórcio para a operação comercial e manutenção da malha ferroviária de trens da região metropolitana do Rio de Janeiro e do teleférico do Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio de Janeiro. 9

Empresa privada concessionária responsável pela operação comercial e manutenção da malha metroviária em operação no município do Rio de Janeiro 10

Pertencente à Secretaria de Estado de OBRAS (SEOBRAS), opera e mantém a captação, tratamento, adução, distribuição das redes de águas, além da coleta, transporte, tratamento e destino final dos esgotos gerados nos municípios do Estado do Rio de Janeiro. 11

Vinculado à Secretaria Estadual do Meio Ambiente, tem com a missão de proteger, conservar e recuperar o meio ambiente para promover o desenvolvimento sustentável. 12

Empresa privatizada de geração, comercialização e distribuição de energia elétrica, responsável pela cidade do Rio de Janeiro, além de boa parte da Baixada Fluminense. 13

Empresa concessionária responsável por manter as condições de pavimento, sinalização e geometria da Linha Amarela, via expressa denominada oficialmente como Avenida Governador Carlos Lacerda, que liga Jacarepaguá à Ilha do Fundão, no município do Rio de Janeiro. 14

Vinculada à Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC), tem como objetivo promover socioeducação através da execução das medidas judiciais aplicadas aos adolescentes em conflito com a lei. 15

Empresa concessionária responsável pelo transporte aquaviário do Estado do Rio de Janeiro, operando linhas nos municípios Angra dos Reis, Niterói e Mangaratiba, além do Rio de Janeiro.

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é a sensação de insegurança no Brasil, diz o prefeito do município de Duque de Caxias no evento de assinatura do convênio da SESEG com a sua prefeitura. Nós estamos dando exemplo em mostrar que segurança não é coisa só do estado, é do município, do governo federal, é de todos. Na mesma cerimônia, com a presença do então governador do estado do Rio de Janeiro, este expõe: “Essa integração vai permitir uma maior sensação de segurança à população, devido ao aumento da quantidade de policiais militares nas ruas” (PREFEITURA DE DUQUE DE CAXIAS, 2013). Emerge então um dispositivo de governo que atua não somente nos indivíduos, pelo eixo das disciplinas, mas também como poder sobre a vida, na qual se investe através da sujeição dos corpos e da gestão calculada da população pelo cuidado político. O PROEIS pode ser visto como a atualização da biopolítica, que para conhecer, organizar e controlar a vida, atua pelos dispositivos de segurança e se expande apregoando a saúde e a redução dos riscos.A entrada da polícia nas escolas estaduais e também nos mais diversos locais e serviços da cidade e do estado reatualiza a lógica disciplinar, agora com tons midiáticos, estatísticos e de rendimentos. Partindo dos aspectos individuais psicológicos, constrói-se a vítima e o agressor, discurso de violência pautado no controle. Sustentada pelo sentimento coletivo, a autoridade pública descarrega a própria reação reguladora sobre fenômenos de desvio, evocando dispositivos de segurança. Foucault (2005) nos traz a reflexão sobre esse controle das populações, dizendo que importa cuidar das pessoas para assim dizer como elas devem se comportar. Fundamental é entender também o cruzamento entre esses dois conjuntos de mecanismos, um disciplinar, o outro regulamentador, pois não estão no mesmo nível. Isso lhes permite, precisamente, não se excluírem e poderem articular-se um com o outro. Além do clamor por mais segurança nos mais diferentes lugares e instituições, outra linha importante é a possibilidade do policial militar (PM) trabalhar nos seus horários de folga de maneira voluntária. O PM é escalado para trabalhar na folga e recebe por isto, de acordo com o turno trabalhado de 6, 8 ou 12 horas. Atualmente, os programas que permitem que PMs de folga aumentem a sua renda fazendo horas extras autorizadas pelo governo, o “bico legal”, são dois, o PROEIS e o Regime Adicional de Serviço (RAS). No RAS, os policiais trabalham para a própria corporação, seja em grandes eventos ou aumentando o efetivo dos batalhões nas escalas normais. Nessa modulação de trabalho, é possível que haja convocações obrigatórias, no caso para atender policiamento ostensivo extraordinários em grandes eventos, como manifestações, carnaval, eleição, réveillon. Já no PROEIS, os PMs prestam serviços a concessionárias de serviços públicos, outros órgãos do estado e prefeituras, de maneira voluntária. Os serviços de segurança particular, os “bicos”, nascem e crescem com o aumento da

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demanda por segurança nos espaços, além da necessidade dos policiais de complementarem a renda. Trabalhando no seu dia de descanso, o valor em média hoje do turno na maioria dos lugares, isto é, boates, churrascarias, lojas, shopping, segurança particular, farmácia, lojas de rua, é na faixa entre 100 a 150 reais pelo turno de 12 horas, segundo relato de policiais. Surge então o PROEIS oferecendo um serviço pagando mais e regularizado, onde essas horas extras agora seriam autorizadas, regulamentadas, legais. No início, houve uma migração muito grande desses policiais que faziam bico há muitos anos, largaram os serviços de segurança particular e foram pro PROEIS. Isso fez com que aumentasse o valor da segurança privada, para tentar contrabalancear esse fluxo e não ficaram descobertos, “O que não adiantou, levando ao ponto de donos de empresas de segurança privada ficarem desesperados, colocarem pessoas totalmente despreparadas e inexperientes em lojas, boates, restaurantes pra trabalharem armados com aqueles uniformes de segurança”, diz um policial militar que faz plantões do PROEIS em escolas da Região Leste. Esse projeto de institucionalizar os serviços que os policiais faziam e fazem dentro do próprio emprego formal, podendo assim propiciar maior oferta de contingente policial aos serviços que demandem, surgiu em São Paulo em 2009. O PROEIS e o RAS são uma réplica do programa Atividade Delegada, que foi inicialmente implantado na capital paulista, e agora ao longo dos anos vem sendo espraiado em diversos espaços, como no Rio. O comandante cadastra todo o seu efetivo no aplicativo-site da Coordenadoria do Programa Estadual de Integração na Segurança (CPROEIS), ao passo que o policial faz seu cadastro individual e diz no início de cada mês se é ou não voluntário, indicando assim os dias e horários da sua folga e em qual convênio e em que área gostaria de trabalhar, seja da SEEDUC ou os outros disponíveis. Alguns dias depois, recebe um email confirmando sua escala, com nome e endereço do lugar onde deve se apresentar. A partir daí, a CPROEIS começa a elaborar a folha de pagamento com o valor que cada PM receberá dentro daquele mês no seu contra-cheque. O valor varia de acordo com a patente do policial, variando atualmente de 175 reais para praças a 225 para oficiais por serviço. Segundo a PMERJ, a principal e maior vantagem é permitir que o policial militar que deseja trabalhar como voluntário tenha uma opção legal e honesta de complementar sua renda mensal, saindo assim da insegurança e clandestinidade do bico. Os turnos de serviço são menores que no bico e o PM invariavelmente ganhará mais, podendo ganhar até R$ 2.100 a mais em sua folha salarial caso trabalhe os 12 turnos de oito horas mensais permitidos no PROEIS, contando ainda com o amparo da polícia militar, por trabalharem fardados, usarem viaturas, arma e colete de proteção da corporação além de estarem completamente protegidos diante de qualquer situação de

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risco, inclusive com seguro e assistência médica (SESEG, 2011).

.1.4 Do planejamento ao chão da escola: controvérsias

O programa é implementado a partir da amostra feita pela secretaria contendo noventa escolas da rede ao longo de todo o estado, contemplando as mais diversas modalidades de escolas, como CIEPs, Institutos de Educação, ensino noturno e Educação de Jovens e Adultos (EJA).16Como uma primeira fase do convênio, segundo o gestor do PROEIS na SEEDUC, essa amostra serviria então como um piloto, para iniciá-lo, tendo planos de expandir o número de escolas atendidas pelo convênio a ponto de cobrir toda a rede estadual. Com o objetivo de levar sensação de segurança aos usuários das unidades escolares, sejam pais, responsáveis, alunos, diretores, professores e funcionários pela prática da polícia de proximidade17, inibir e reduzir ações delituosas e proteger bens, serviços, instalações públicas e zelar pela integridade física dos profissionais da rede estadual de ensino, o PROEIS nas escolas age através da presença de policiamento militar nos acessos, principalmente na entrada e saída de turnos, nas ruas ao redor e nas áreas internas das unidades escolares (SEEDUC, 2012). A diretora da escola, assim que recebe o aceite do programa, ganha uma senha diferenciada para entrar no aplicativo-site do CPROEIS, para poder avaliar os policiais, reclamar que estão faltando, pedir aumento ou redução do número, pedir troca de pessoal, estabelecer comunicação da escola com o programa. Também recebe uma planilha mensal, onde o policial anota diariamente seu nome, o horário em que chega e horário que sai. Além disso, recebe um manual com atribuições do policial, o que ele pode fazer ou não, mas, como afirma o chefe de gabinete da SEEDUC, as atribuições específicas e atividades que o policial vai desempenhar na escola ficam a cargo da direção da escola. “Vamos trabalhar em um local e a diretora, a partir do que recebeu como regra, como se fosse o nosso oficial, vai nos diz como temos que nos comportar, quem temos que abordar ou não? Como uma pessoa que está atuando na área de educação se apropria desse fazer policial pra dizer o que você vai fazer ali dentro?” - questiona um policial militar que atua em escolas da Zona 16

Será feita no terceiro capítulo uma análise do número de escolas atendidas pelo PROEIS nessa amostra.

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Também chamado de Polícia Comunitária, tem como objetivo desenvolver relação de reciprocidade entre a polícia e a população, descentralizando o comando por área e reorientando a patrulha de modo a engajar a comunidade na prevenção do crime. Esse tema será desenvolvido no segundo capítulo.

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Norte do Rio de Janeiro. No início do programa, a SEEDUC, na representação do gestor do PROEIS, fez um treinamento com os policiais que foram para as escolas, com o intuito de considerarem o ambiente e o público que eles iriam encontrar (SEEDUC, 2012). Dando muita importância para a imagem que será produzida a partir da atuação policial, o foco é ganhar a confiança da população através do tratamento afetuoso com eles, segundo o gestor do programa. Como? Sempre evitar provocações e não reagir a elas, pois sempre pode haver alguém filmando ou fotografando o que há por perto. Deve-se agir com serenidade e equilíbrio, sempre nos limites da lei e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (O DIA, 12 de maio de 2012). Sempre trabalhando no mínimo em dupla, é autorizado que revistem alunos e professores dentro da escola sempre que a situação exigir, isto é, quando houver suspeita de porte de arma ou drogas, mediante a solicitação da diretora e acompanhado da mesma. Policiais do sexo masculino não realizam revista pessoal em crianças e adolescentes do sexo oposto, devendo pedir auxílio de funcionária ou de um PM feminino. Fora da escola, se localizar o estudante com drogas ou qualquer tipo de aglomeração suspeita, deve levá-la primeiro à direção, não à delegacia. A revista pessoal será feita sempre que a situação exigir e se tiver uma fundada suspeita, sendo necessário comunicar imediatamente à diretora e levar o aluno à presença dela (SEEDUC, 2012). Mecanismo de instrumentalização da biopolítica, o dispositivo de periculosidade considera tão importante quanto aquilo que o sujeito é ou fez é o que ele poderá vir a ser ou a fazer. Criminalidade associada à periculosidade. Isso significa que o indivíduo deve ser considerado pela sociedade ao nível de suas virtualidades e não de seus atos. Possível crime do autor, não do ato. Desse modo, não apenas o poder judiciário deve se encarregar do controle dos indivíduos, mas sim toda uma rede de instituições de correção e vigilância – as instituições psicológicas, psiquiátricas, pedagógicas, médicas, para correção, e a polícia, para vigilância. Esse dispositivo de periculosidade nos faz apontar que ele não é natural, que é produzido em um dado momento da história, em um determinado momento socioeconômico e político, por certas práticas sociais. Foucault (2005) sinaliza em seus textos que hoje não se está mais exercendo controle somente sobre um comportamento ou um ato que o sujeito tenha feito, está se controlando também e produzindo um monitoramento sobre as virtualidades dele, sobre aquilo que ele poderá vira ser ou a fazer, dependendo da “essência” que for dada a ele. - O convênio é uma excelente oportunidade para que os policiais mudem sua imagem perante a sociedade. Os policiais não estão atuando junto às escolas somente para oferecer segurança, também estão lá para serem referências de conduta para os jovens, diz a subsecretária de Educação, Valorização e Prevenção da SESEG na renovação do convênio (SEEDUC, 2013). Tenho certeza de

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que a atuação da Polícia Militar nas escolas está contribuindo para a melhoria da qualidade da educação no estado do Rio de Janeiro. Essa incursão da Polícia Militar na educação faz com que o policial seja uma referência para o aluno, tira aquela visão negativa do policial repressor, opressor pra um policial da comunidade. De alguma forma, desse jeito, esse programa é preventivo por isso, além de conter a violência armada, mostra o policial como exemplo para essa garotada. “A presença do policial é necessária na sociedade, de uma forma geral, e na escola estadual, em particular, para manter a ordem pública, e fazer com que os alunos, professores, gestores da escola, pais e responsáveis se sintam tranquilos com o cuidado dos seus filhos”, assegura o chefe de gabinete da SEEDUC. No mesmo mês de início do convênio, maio de 2012, professores, funcionários de apoio, alunos e pais de alunos de uma das noventa escolas policiadas, localizada na região central do município do Rio de Janeiro, fazem um abaixo-assinado com mais de quatrocentas assinaturas pedindo à SEEDUC a retirada da Polícia Militar da escola: Em mais de 50 anos de existência nossa escola jamais precisou desse tipo de profissional em seu interior. A instituição Polícia Militar é um aparelho de vigilância e combate ostensivos e a escola, ao contrário, é um lugar de confiança e colaboração distensivos, por isso a figura ostensiva do policial militar é estranha a todas as atividades escolares, às quais tal figura só vem trazer tensão e ansiedade. A introdução de policiais na rotina interna da escola só pode levar à perversão da função desta, já que é uma declaração explícita de desconfiança em relação aos nossos alunos e demais membros da comunidade escolar. Em nossa escola não há supostos bandidos que precisem estar sob vigilância policial, esta é bem-vinda no patrulhamento da rua que fica a entrada da nossa escola e suas imediações, onde há décadas nossos alunos, seus pais, professores e funcionários são vítimas de constantes assaltos, seja durante o dia ou à noite (Sepe-RJ, 2012).

O abaixo-assinado, junto com o pedido de investigação da Metropolitana III 18 e uma representação junto ao Ministério Público Estadual para investigar a legalidade do projeto, chega então à Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), que começa a acompanhar o PROEIS. O presidente da comissão, afirma em audiência pública que o colegiado se encarregará de analisar a evolução do programa, frisando que se preocupa com a hierarquia pedagógica dentro das escolas. Esse debate tem que ser educacional, tem que ser pela visão dos educadores. “Muitos dos problemas que as escolas enfrentam são consequências da desestruturação dessas unidades, tais como falta de pessoal de apoio, número insuficiente de inspetores de disciplinas, falta de vigias noturnos, vigias de pátio, enfim, são questões que foram 18

Dentro da Secretaria de Estado de Educação, existem regiões administrativas e pedagógicas que dividem o território do estado para poder acompanhar, cuidar e atender as escolas de maneira mais próxima e rápida. Essas regiões são chamadas de Metropolitanas, e a III é a que abrange as Zonas Norte e centro do município do Rio de Janeiro.

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abandonadas pelo estado ao longo de vários governos”, diz o deputado (ALERJ, 2012). Em artigo publicado no O Globo após a audiência pública realizada na ALERJ, o então Secretário de Educação afirma (SEEDUC, 2012) que a abordagem que uma minoria tem feito e a polêmica forçada desses mesmos em relação ao tema "PMs nas escolas" mostra um grande desconhecimento da realidade existente nas escolas e do entorno desses prédios públicos. “Quem desconsidera a necessidade de segurança, certamente desconhece a realidade da educação pública brasileira. Para esses, alguns registros: furtos de equipamentos de informática; furtos de cabos elétricos; furtos de merenda escolar. Será que algum crítico pode considerar que há pessoas que roubam merenda de crianças?” Comunico aos senhores que sim; furto de grades/cercas completas; brigas entre alunos maiores de idade; alunos que entram armados nas escolas; consumo de drogas; abordagem de malfeitores intra e extra muros. O até então Secretário reforça: O policial não tem função pedagógica, também não tem a função de substituir outros atores da equipe escolar. Quem divulgou essa “inverdade” a fez com propósitos pouco ortodoxos. O policial também não fica entre os alunos com arma em punho, muito menos passa em revista os estudantes.“ A atuação policial é preventiva e, sobretudo, colaborativa. A simples presença desse tipo de segurança inibirá atos já descritos. Ou alguém, realmente interessado em resolver o problema, acredita que com o diálogo vamos conseguir convencer um traficante ou um psicopata a não assediar nossos jovens?” (SEEDUC, 2012). A voz do secretário faz ver e falar os ideais cada vez mais difundidos em sociedade de que o estudante – no caso das escolas públicas: o pobre – já teria um tipo de potencial “inato” para ser violento e agir como um bandido, um delinquente – a criminalização da pobreza. Frente a essas frases, é importante trazer o perfil do adolescente que é atendido nas escolas estaduais do Rio de Janeiro para mostrar quem faz parte do cenário estudado. Segundo os dados do perfil socioeconômico do SAERJ de 2012, a maioria dos alunos declarou-se pardo e branco (71%) e era do sexo feminino (56%). Quando separados por turno, o número de alunos do sexo masculino é maior no noturno do que no diurno (46% no noturno contra 42% no diurno). O perfil geral dos alunos indica também um alto percentual de famílias que possuem computadores com acesso à internet em casa (62%). O perfil geral dos alunos indica satisfação dos alunos em relação às escolas que estudam. Mais de 83% declararam gostar (muito ou pouco) da escola e 85% concordaram que apreendem a matéria ensinada. Ao relatar o cotidiano das escolas, o chefe de gabinete da SEEDUC rebate: “esse pessoal que fez o abaixo-assinado não sabe o que está falando, eles são muito utópicos, vou te levar em uma escola no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro”. Esse colégio foi alvo de

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invasão, furto, depredação, a piscina do colégio é constantemente invadida em feriados e fins de semana, sempre em grupos de cinquenta a cem pessoas, principalmente em dias de calor. Os profissionais da escola contam que algumas vezes a piscina precisou ser esvaziada por ter sido contaminada com fezes. Alguns meliantes chegam até a fazer churrasco à beira da piscina e consomem bebidas alcoólicas livremente, na segunda-feira os professores relatam encontrar camisinhas e garrafas nas salas e no pátio da escola. O chefe certifica que depois da entrada do programa na unidade, o número de arrombamentos e invasões diminuiu consideravelmente. Entretanto, de acordo com relatos de professores moradores da região e de policiais que trabalham nessa escola, a ação em grandes grupos de pular os muros para usar a piscina e o campo de futebol ainda acontece, deixando os policiais de plantão sem saber o que fazer. Em um feriado de novembro de 2014, uma criança de sete anos morreu ao bater com a cabeça e se afogar em piscina nessa mesma escola. O menino, que não era aluno dali, mas morava próximo, ainda foi socorrido pelos cinco policiais militares que faziam a segurança no local e levado para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da região, mas já teria chegado morto (O DIA, 2014). Um professor do colégio pondera: é necessário que nos questionemos porque que essa galera invade a escola. Em uma favela que tem acesso a pouquíssimos serviços públicos, ainda mais os de cultura e lazer, uma piscina é luxo! Eles sim entendem a escola como pública e não como privada, como estamos fazendo deixando ela fechada. A escola é deles também, é da comunidade, é nossa, é de todos. É uma noção de pertencimento, procuraram um lugar no entorno pra se divertir, pra usar como lazer, como um clube. Por que não abrir de fato a escola? Nossas escolas não deveriam ter muros! Tendo que trabalhar em média oito horas nas escolas seja durante o dia ou durante a noitemadrugada, os policiais ficam na maior parte do tempo sentados na portaria do colégio mexendo no celular. Segundo a percepção de professores, os policiais não fazem nada, só ficam andando pelos corredores, entram na sala dos professores para usar o computador, tomar café e comer biscoito, almoçam no refeitório, habitam o espaço escolar esperando o tempo passar. Na voz dos policiais, é um bom bico legal, um serviço muito tranquilo de ser executado, porque cumpre a função do inspetor escolar ganhando muito bem pra isso. A grande questão que se levanta é, na mão da coordenação e da direção, que uso esse “policial inspetor” tem no cotidiano escolar. - Estava na Polícia Militar já há nove anos, anunciaram na corporação essa parceria da Secretaria de Educação com a Secretaria de Segurança Pública, já fazendo a convocação para colocar os policiais dentro das escolas. Paralelo a esse programa, estava sendo implementado na PM o RAS, que tinha um caráter mais compulsório. O PROEIS, apesar de no início também ser semicompulsório, porque incentivavam muito para que participássemos, você escolhia o dia, o local e o horário que você ia trabalhar.

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Cheguei na escola, no centro de Itaboraí, Região Leste do estado, a diretora me recebeu e logo me entregou um papel dizendo o que eu deveria fazer dentro da escola: Sua função é observar os alunos - o único lugar que você não entra é no banheiro, principalmente o das meninas! Aqui não tem briga entre os alunos, o que você vai fazer é policiar ali, ali, ali; você pode entrar na sala dos professores e ficar lá, pode comer no refeitório sem problemas; na hora da entrada, da saída ou em grande movimentações você fica no portão da escola; você não pode deixar os alunos saírem da escola porque eles vão pra pracinha pra matar aula e começam a fumar, a cheirar, a se envolver com drogas e com coisas que não prestam, foi essa a fala dela logo de cara, bastante insistente com a questão de evitar que eles fossem matar aula na pracinha pra usar droga. Logo nos primeiros dias, na hora do intervalo, a diretora passa por mim e pelo meu colega no pátio e fala: alá, tá vendo na grade, do lado de fora, bando de muleques! Vão lá e tirem eles de lá, perguntei: Como assim? Houve uma pequena discussão na hora, eu me neguei a ir e justifiquei: Olha, primeiro que isso não é função minha, você pode chamar o inspetor. Segundo, se eu faço isso, vou estar sendo bastante arbitrário. Só vou fazer alguma intervenção policial se eu entender que aquela pessoa ali tem alguma atitude suspeita. Ela logo respondeu: Ah, mas eles estão ali, tá vendo, tem um monte de aluninha em volta deles! Realmente havia algumas meninas do lado de dentro da escola conversando com os meninos do lado de fora, mas era aquela coisa de flerte, namoro de ensino médio, sabe? Depois disso, percebi que rolou um pouco de desgaste da minha relação com a direção, até um dia que ela me disse: Pois é, durante esse tempo que vocês estão aqui agente tá começando a perceber qual é o policial que nos interessa a estar dentro da escola ou não. Aí que eu percebi que eles também tem certa gerência na convocação e na escolha dos policiais, deixando ficar aqueles que justamente reforçam essa via da prática disciplinar, utilizando a polícia, o braço armado do Estado, como um instrumento interessante. Com um ano do programa em ação, em maio de 2013 a Secretaria de Estado de Educação emite um comunicado a todas as escolas da rede dizendo que agora, a partir do sucesso do programa, ele será expandido a partir da demanda das unidades escolares. Se o corpo escolar quiser, através da voz da direção, que seja feita a solicitação à SEEDUC para que a escola tenha a presença da policia. Como funciona esse procedimento? O gestor do PROEIS na secretaria esclarece: A unidade escolar requisita à sua Regional, que passa ao Batalhão da Polícia Militar da área, que faz um “levantamento operacional”, isto é, avalia e analisa se aquela região é perigosa ou não para o policial estar, para não colocar a vida do policial em risco. Se aceito, é feito o retorno à Regional, que com esse documento, juntamente com o formulário da unidade explicando porque a presença da polícia é

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necessária ali, envia à Superintendência de Gestão das Regiões Administrativas (SUPAD) da SEEDUC, para julgar se os motivos apresentados pela escola são suficientes para ter a presença da polícia ali, isto é, se preenche critérios como boca de fumo, área de prostituição, área de roubo/furto, danos ao patrimônio público, invasões, ameaças, lesões corporais, uso de drogas, agressões. Se aceito, é enviado ao CPROEIS que inicia o programa, disponibiliza para os policiais a partir do mês seguinte a possibilidade de trabalhar na nova escola atendida. Com a ampliação do programa a partir de 2013, tanto do número de escolas atendidas, das cerca de 1300 escolas de rede, hoje o programa conta com 357 escolas, quanto do número de policiais que participam, o treinamento dos policiais passa a ser feito na modalidade de Ensino à Distância. É relato dos policiais tanto quanto dos professores ao conversar com eles, que os que hoje estão nas escolas não tem treinamento ou qualquer tipo de instrução de seus superiores.

Números de escolas com a presença do PROEIS em escala temporal 357 317 283 254 184

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Pensar na lógica do biopoder é trazer à tona de que maneira se faz viver e se deixa morrer, isto é, como vem sendo posto em prática tais modos de governar. Principal força da biopolítica, o foco no homem-espécie aparece através do uso da população: estimativas, estatísticas, rendimentos, medições regulamentam a vida através de normatizações e correções. Em 2014, dois anos após a implementação, um levantamento feito pela SEEDUCmostra que das até então 283 escolas policiadas, 57% apresentaram melhoria no rendimento e na assiduidade

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dos alunos. Em Português, de acordo com o Saerjinho19, 57% das escolas avaliadas apresentaram melhoras; 38% ficaram estáveis; e 5% caíram. Já em Matemática, a situação permaneceu a mesma, com 93% dos colégios mantendo a nota; 3% melhoraram e 4% tiveram alguma piora. A participação dos estudantes cresceu, de 70% para 75%. Na voz do chefe de gabinete da SEEDUC, essa política é um sucesso, pois ao mesmo tempo contém a violência, aumenta índices e faz a paz retornar ao espaço escolar. A escola é uma máquina regulada por diversas linhas de força (CUNHA, BICALHO, 2015a; 2015b). Atravessada pelos universos jurídico, religioso, moral, médico, cientifico, militar, psicológico, familiar, econômico, social, historicamente a lógica disciplinarpelo meio da escola atravessa a história da infância e a construção de políticas públicas educacionais. A criação do anormal, do indisciplinado no espaço escolar é o que permite o funcionamento do mecanismo disciplinar. Seja com o que “não se comporta”, com o que “não rende” ou com o que “é perigoso”, a escola tem sucesso enquanto produção de um lugar institucional: em consenso com o ordenamento social, busca sustentar lógicas que façam a sociedade funcionar de determinadas formas. Em se tratando de formação social e reprodução de uma norma, o sistema escolar está intrinsecamente integrado no processo mais geral de conservação e reprodução da realidade social. Concebendo a estrutura social pelos critérios de avaliação do mérito individual, com efeitos discriminatórios sobre crianças e jovens de estratos sociais inferiores: diferenças entendidas como defeitos pessoais; estereótipos transformados em “injustiça institucionalizada”; rejeição e isolamento ampliados pela distância social, desadaptando o “mau” aluno cada vez mais, até a exclusão do sistema.Frente a esse cenário, é preciso complexificar as problematizações, esquivando-se de dicotomias e maniqueísmos, podendo colocar em jogo mais vozes e falas para muito além do que só o “bem” e o “mal”.

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O Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro (SAERJ) existe desde 2008 e tem como objetivo promover análise do desempenho dos alunos da rede pública do Rio de Janeiro nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática do 4° ano do Ensino Fundamental à 3ª série do Ensino Médio. O Saerjinhoé um programa de avaliação diagnóstica do processo ensino-aprendizagem realizado nas unidades escolares da rede estadual de educação básica, sendo uma das ações que integram o SAERJ.

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.2 MÍDIA, MEDO E ORDEM: DISSENSOS SOBRE POLÍCIA, SEGURANÇA E VIOLÊNCIA – REVERBERAÇÕES NA ESCOLA

O noticiário desta quinta-feira, 7 de abril de 2011, vai ser apresentado diretamente do bairro de Realengo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. A tragédia que aconteceu no dia de hoje, que já está sendo chamada de “Massacre de Realengo”, provocou choque e horror no Brasil e no mundo. Alguns moradores da região falam da importância da permanência de policiamento na porta da escola, mas certamente ninguém poderia imaginar o que iria acontecer dentro desse prédio. Nunca uma escola brasileira tinha sido cenário de um ataque dessa proporção, diz o apresentador em um telejornal noturno na frente da escola municipal Tasso da Silveira. Hoje, dia 7 de abril de 2014, está completando três anos de um fato que marcou a vida de todos nós, de todos os brasileiros, mesmo quem não estava perto. É uma história horrorosa, vivemos em um país que infelizmente tem muitos casos de violência, mas esse tipo de violência nós não tínhamos enfrentado ainda, que é comum nos Estados Unidos e em outros países, invasão de escola. Sentimos tranquilidade quando deixamos nossos filhos na escola porque sabemos que ali é seguro. Não foi o que aconteceu, talvez por isso tenha estarrecido a todos nós – narra a apresentadora em um programa televisivo matinal. Dentre o bombardeio de imagens, reportagens e estatísticas que nos injetam diariamente nos meios de comunicação de massa, sejam os jornais impressos, os noticiários da televisão ou as páginas informativas na internet – produzindo insegurança e medo, em 7 de abril de 2011 especificamente um fato toma conta do cenário regional, nacional e internacional por envolver aspectos específicos e marcantes. Em uma manhã ensolarada de quinta-feira, às 8h30min da manhã na Escola Municipal Tasso da Silveira, localizada no bairro Realengo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, o jovem de 23 anos Wellington de Menezes, ex-aluno da escola, entra armado com dois revólveres e começa a disparar contra os alunos presentes, matando doze deles, com idade entre 12 e 14 anos. Ao ser interceptado por policiais, o jovem comete suicídio. Poderia ser um episódio cotidiano, como tantas outras mortes e assassinatos que ocorrem no Brasil. Mas não foi. “Como aquele jovem tinha aquelas armas?”, “Por que ele fez esse ato tão brutal?”, “Por que escolheu a própria escola que estudou para fazer isso?”, “Por que se matou?”, “Como ele era na infância?”, “Como era a relação com os pais?”, “Como era o rendimento escolar

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dele?”, “Ele sofria bullying?”, “Se ele foi pra psicóloga, por que não resolveu naquela época?”, “Ele era muito estranho!”, “Como a escola não tinha segurança?”, “Onde estava o Guarda Municipal?”, “Por que a polícia demorou tanto a chegar?”, “Podemos botar detector de metais na porta de entrada!”, “Será melhor revistar os alunos quando chegarem?”, “O que pode se fazer agora?”. Dentre tantas perguntas (e respostas) que clamavam por especialismos jurídicos, pedagógicos, psicológicos, psiquiátricos buscando lógicas de soluções e problematizações individuais, poucas respostas eram dadas ou sugeridas. Uma delas surgia mais fortemente e foi ganhando força. “Precisamos de segurança!”. Ao causar comoção social, nas mídias, o debate entra na agenda política do país: declarações do prefeito e do governador do Rio, da Presidenta e do Ministro da Educação, todos lamentando o ocorrido, decretando luto oficial por três dias no país, no estado e na cidade do Rio de Janeiro. A contabilidade de informações postadas na internet com as palavras “Realengo” e “massacre”, mostra que nos domínio de internet terminados em “.com.br” durante os dias 7 e 18 de abril de 2011 foram indexados mais de dois milhões de endereços virtuais contendo essas palavraschave (REDE MINAS, 2011). No mesmo período no ano anterior, esse número de URL não chegava a mais de 500 mil, cerca de um quarto do número de acessos e postagens na semana do acontecimento. O chamado “Episódio de Realengo”, considerado um massacre, aparece como um acontecimento porque une temas de grande apelo socialmente: infância, escola, delinquência, violência, segurança, polícia. Irrompe a realidade, desmancha territórios cristalizados, faz aparecer singularidades. O que fazer quando o que, supostamente, está normal desanda? Solução encontrada e aparentemente não questionada, a entrada da polícia nas escolas estaduais reatualiza o poder disciplinar trazido por Foucault (2011b), que nos lembra que a disciplina é absolutamente discreta por estar em todas as partes e sempre alerta, fazendo funcionar um poder relacional que se autosustenta por seus próprios mecanismos, o jogo ininterrupto dos olhares calculados. Constatamos, como mostra Arantes (2012), sobre a tendência no Brasil de hoje, uma intensa produção de leis como resposta imediata aos problemas sociais, principalmente quando o fato é exaustivamente mostrado na mídia. Uma nota na coluna de Ancelmo Góis20 esclarece que, em 2001, praticamente nenhum jornal de grande circulação nacional mencionou a palavra bullying. Em 2011, só até o mês de abril, o jornal O Globo já tinha mencionado a palavra 100 vezes, o mesmo se dando com a Folha de São Paulo e o Estadão.

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Jornalista e colunista brasileiro, mantém uma coluna diária no jornal O Globo, onde fala sobre assuntos diversos do Rio de Janeiro e do Brasil, através de notas curtas.

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É neste caldo social, em que prevalece o discurso do medo e da insegurança, que a polícia militar é chamada ao espaço escolar com o intuito de enfrentamento à violência, uma demanda escolar pela segurança a ser garantida pelo policiamento. Como devemos montar esse quebra-cabeça? Que ligação existe entre tantos fatos? Como compreender a chamada violência criminal que passou a fazer parte do dia a dia de nossas cidades? Como compreender que esses tipos de fatos produziu e produz uma série de explicações acadêmicas, de estudos, de práticas políticas, de notícias de imprensa? É preciso articular a dimensão macropolítica desse tema e a vitalidade micropolítica, a força presente na política do desejo, da subjetividade e das relações. Dentro do acontecimento-Realengo, é escolhido aqui como analisador a efervescência da mídia frente ao caso. O papel do analisador consiste em “trazer à luz situações e fazer com que o conjunto não mais possa apropriar-se indevidamente, sem maiores dificuldades, das verdades que tais situações ocultam” (GUATTARI, 2004, p. 117), isto é, trazer à tona questões invisibilizadas, mesmo que tenham suas contradições e dificuldades.É preciso estranhar o que se encontra para poder extrair visibilidades. Desentranhar raízes e revelar mecanismos reguladores. Tratar de desfazer os laços dos fios, de libertar os vários elementos da totalidade em que significam. Apresentar não só apenas o que os discursos e mensagens proclamam, mas principalmente o que escondem. Pensar o que se fala na mídia, como se fala e o que se quer com essa produção. Qualificar e dimensionar o papel da mídia nessa produção e disseminação do sentimento de insegurança, sem resvalar em mera denúncia infundada. Frente a uma produção de uníssonos, onde outras vozes e opiniões não aparecem, é importante decompor esse “objeto” segurança e colocá-lo quase como um engano, uma sujeição subjetiva através da cultura de massa. Analisando falas concretas, o que nelas está oculto, trabalhando seus detritos, para captar sinais.

.2.1 Cultura, mídia e subjetividade A cultura, enquanto conjunto de símbolos, representações e valores, também é fundamental na avaliação dos comportamentos humanos. São valorados e avaliados dentro de uma realidade social dada, onde a validade das normas – sejam normais, econômicas, religiosas, sociais ou jurídicas – não depende de que elas sejam justas ou legítimas. Segundo Dornelles (2009), a validade dependerá do seu significado cultural na sociedade em questão, do padrão de juízo de valor e das expectativas predominantes entre a população, levando em consideração a importância das relações de poder que são exercidas.

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Uma conduta dentro das normas e convenções previstas e do esperado pelos outros é, para o grupo social em que se está inserido, uma conduta normal. Já que esperada socialmente, se não for cumprida, será uma conduta desviante. Aquela que não é esperada pela sociedade e pelas pessoas, dentro dos padrões culturais predominantes num determinado contexto histórico-político. Falando sobre discursos midiáticos e domínio, é importante que façamos considerações. Os jornais e meios de comunicação escolhidos foram os que escreveram matérias sobre o programa, em sua maioria, matérias do jornal O Globo, maior jornal do estado (tiragem de 262.435 mil exemplares, de segunda a sábado). Não foram ignoradas as produções dos demais meios de comunicação de massa, como a televisão e a internet, porque a mídia (conjunto de meios de comunicação) é um dispositivo de funcionamento em rede, com atravessamentos, desdobramentos e complementos das mesmas notícias, entendendo que as construções dos discursos são coletivas e rizomáticas. É valoroso destacar que não há produção só de uníssonos, não há só um oligopólio de informação, há alcance de outras máquinas produtivas de comunicação, entretanto, é preciso considerar o poder e o alcance das Organizações Globo. Para compreendermos a função do medo na efetuação de um determinado tipo de sociedade, é importante compreender a construção da subjetividade. Como se produz um indivíduo? Injetam-se representações, como parte do processo de formação permanente para passar a ser humano, até que se submeta a essa engrenagem. O sujeito, segundo as tradições filosóficas, é entendido como algo do domínio de uma suposta natureza humana. Aqui, a partir das cores de Guattari e Rolnik (2013), propõe-se o contrário: a ideia de uma subjetividade de natureza industrial, maquínica, fundamentalmente fabricada, consumida, modelada. O indivíduo é um subproduto de uma produção de subjetividade, onde esta não se situa no corpo individual, seu campo é o de todos os processos de produção social e material. O biológico também é uma força, não a maior ou mais forte, sendo o indivíduo sempre o processo de luta constante de forças.Tudo o que é produzido pela subjetivação capitalística – pela linguagem, pela família, pelo que nos rodeia – trata-se de sistemas de conexão direta entra as grandes máquinas produtivas, as grandes máquinas de controle social e as instâncias psíquicas que definem a maneira de perceber o mundo. Pode ser fabricada por máquinas mais territorializadas como a etnia, as corporações profissionais, uma casta, um bairro, um grupo, a mídia. Ao passo que somos familiarizados, produzidos, também produzimos mundo e subjetividades.

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O que caracteriza os modos de produção capitalísticos é que eles não funcionam unicamente no registro dos valores de troca, valores que são da ordem do capital, também operam através de um modo de controle de subjetivação. Desse ponto de vista, o capital funciona de modo complementar à cultura enquanto conceito de equivalência: o capital se ocupa da sujeição econômica, e a cultura, da sujeição subjetiva. A cultura de massa produz, exatamente, indivíduos normalizados, articulados uns aos outros segundo sistemas hierárquicos, sistemas de valores, sistemas de submissão de forma dissimulada. Não de forma interiorizada ou internalizada, como uma subjetividade a ser preenchida, mas sim de forma produzida, garantindo uma função hegemônica em todos os campos da vida – produz aquilo que acontece conosco quando sonhamos, quando fantasiamos, quando temos medo. A cultura não é apenas uma transmissão de informação cultural, é também uma transmissão de sistemas de modelização – a produção dos meios de comunicação de massa gera uma cultura com vocação universal. Como exemplo disso, a produção das crianças quando são integradas ao sistema de escolarização ou como devemos nos comportar ao frequentar determinado lugar. Tais mutações da subjetividade não funcionam apenas no registro das ideologias, mas no próprio coração dos indivíduos, em sua maneira de compreender o mundo, de se articular com o tecido urbano. Tudo o que é produzido pela subjetivação capitalística – pela linguagem, pela família, pela escola, pela mídia, pelo que nos rodeia – trata-se de sistemas de conexão direta entra as grandes máquinas produtivas, as grandes máquinas de controle social e as instâncias psíquicas que definem a maneira de perceber o mundo. Ao passo que o capitalismo despersonaliza, ao mesmo tempo propõe modelos forjados a partir da igualdade e homogeneidade abstrata (GUATTARI, ROLNIK, 2013): os meios de comunicação falam pelos e para os indivíduos através de muro de linguagem que propõe ininterruptamente modelos de imagens através dos quais o receptor possa se conformar – imagens de unidade, de justiça, de beleza, de legitimidade. Os meios de comunicação de massa, particularmente a televisão, pretendem exibir e reforçar o mundo produzido, espetacularizá-lo, torná-lo mais brilhante e glamouroso, fazendo operar uma modelização ainda mais forte. Pelas pessoas se reconhecerem nas imagens apresentadas, a empatia é mais forte, pois operam no núcleo da subjetividade humana, não apenas no seio das suas memórias, de sua inteligência, mas também de sua sensibilidade, dos seus afetos. Desde a mais tenra idade, em decorrência dos mais variados vetores que atravessam a vivência humana, todos são atormentados por uma angústia e uma culpa que constituem uma das engrenagens essenciais do bom funcionamento do sistema de auto-assujeitamento dos indivíduos à

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produção. Segundo Guattari (2004), a obtenção desse resultado se apoia no desenvolvimento de um antagonismo reforçado entre um ideal imaginário e uma imagem de realidade deturpada, que se inculca nos indivíduos por sugestão coletiva. O resultado desse trabalho é a produção em série de um indivíduo que seja o mais mal preparado o possível para enfrentar os entraves da vida. Paralisado por toda a moral e todo o ideal com que o impregnaram, esse indivíduo foi fragilizado, vulnerabilizado, envenenado em algum grau devido à incerteza de sua condição diante dos processos de produção, devido à preocupação quanto a seu lugar e de seus próximos na sociedade. Através da sugestão audiovisual e da mass media, consegue-se assim, no caso da produção de uma cultura de medo, uma valorização desmedida de um mundo imaginário entrecortado pela produção de uma realidade de insegurança e vulnerabilidade. A produção imagética do terror cumpre então um papel disciplinador emergencial. Com sua teatralidade discursiva, com forte carga simbólica política e ideológica dos fatos (MALAGUTI BATISTA, 2003), o medo que se alastra diariamente se transfigura em sentimento, em afeto, em política econômica, em projetos de lei, em fragmentos discursivos, em cenários, em dados, em estatísticas. Representações de perigo e temor, enraizadas em desigualdades sociais profundas se estendem e se projetam na cidade, tendo braços fortes nos campos político, jurídico, médico e jornalístico. Caracterizando o que alguns teóricos chamam de sociedade de segurança (FOUCAULT, 2008), como marca distintiva da sociabilidade de uma época: questão ocupa lugar central na sociabilidade, preocupação é grande destaque dos moradores de grandes centros urbanos. Implicações orientam decisivamente códigos de conduta (como ser, como se comportar, como se vestir, com quem falar, para onde ir, para onde não ir), as moralidades de interação social e os mecanismos de construção de identidade de uma grande parcela da população. Desconstruindo a visão da existência apenas de um medo biológico, Baierl (2004) apresenta a concepção do medo social como um medo produzido e constituído em determinados contextos sociais, por determinados grupos ou pessoas, visando dominar e controlar o outro, através de intimidação e coerção. Caracterizado pelo crescimento do sentimento de vulnerabilidade dos indivíduos, a insegurança age na corrosão da confiança de que os mecanismos institucionais de defesa da vida e do patrimônio são efetivos o bastante para a proteção de todos. Cabe perceber que, uma vez largamente disseminada, tal percepção tenderá a incidir sobre o comportamento dos indivíduos e grupos sociais, funcionando inclusive como princípio norteador de estratégias defensivas voltadas para aplacar a vulnerabilidade, que experimentada como tal, vira realidade.

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O medo, produzido e construído a partir da forma como a violência vem sendo apresentada na sociedade, leva à busca de mecanismos alternativos que compensem a suposta ineficiência daquelas instâncias e a criação de novas alternativas de sociabilidade, alterando o modo de ser e de agir das pessoas, dos grupos, das comunidades e movimentos populares em seu cotidiano. A difusão de notícias inescrupulosas, somadas à facilidade existente atualmente na cobertura jornalística, tenta dar sustentação à ideia de que o mundo está pior hoje do que no passado. É fácil observar em nosso país a existência de diversos tipos de mídia especializada no gênero policial, o qual cresce devidamente ancorado pelo sensacionalismo. A transmissão de informações em ritmo acelerado e exagerado, segundo Kogut e Silva (2009), faz crer que a ocorrência da criminalidade é maior que a realidade mostra, causando grande insegurança na população. Trabalhos estatísticos conduzidos em vários países comprovaram que os grupos sociais mais suscetíveis de sentir medo da criminalidade não constituem as mais frequentes vítimas de delitos. A intensidade do medo não depende do real aumento da criminalidade, e sim da imagem que a mídia e o governo difundem sobre a criminalidade e também da situação psicológica e social das pessoas (SABADELL, 2003). Na base da constituição das sociedades de massa, sobretudo o da imprensa escrita, o desenvolvimento das tecnologias de comunicação. A principal mudança trazida pela difusão dos meios de comunicação implica uma transformação da temporalidade através da incorporação na rotina diária dos indivíduos da noção de “enquanto isso”. Essa inovação introduz nas percepções de rotina dos indivíduos, segundo Anderson (2008), a apreensão da simultaneidade de eventos que acontecem em pontos afastados ou próximos da sua experiência imediata e local, tornando-os coparticipantes de uma série de acontecimentos que lhes afeta direta ou indiretamente, baseado em sua distância espacial. Esse novo padrão de sociabilidade difere dos anteriores por constituir redes não só através do contato face a face, onde precisamos reconhecer a notável capacidade da imprensa em estabelecer uma dinâmica societária pautada pela similaridade de experiências e de percepções no mundo, o que pode nos dizer algo sobre as condições em que nossas vidas rotineiras se dão. No que tange à segurança, essa rede faz com que não seja necessário que alguém do seu círculo mais próximo tenha sido vítima para que se sinta atingido pela violência de que se tem notícia. A confiança da segurança é abalada a cada vítima que tomamos conhecimento, a cada caso que seja relatado para nós por terceiros. Importante ressaltar que tal sentimento de cumplicidade costuma variar de acordo com alguns pontos fundamentais da pessoa atingida, sendo tão maior quanto mais próximos nos identificamos com ela. Esse dado é importante para pensar a comoção

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gerada em certos casos e por que nos mobilizam tanto, uns mais que outros, e por sugerir que não são exatamente os índices de vitimização que causam terror, mas aspectos outros como perfil das vítimas, modalidades de violência e regiões ou locais em que ocorreram os casos reportados. A mídia atual promove valores do consumo de massa, fazendo uma retroalimentação entre meio e cultura. A sociedade assiste com os mass media, segundo Prado (2006), à construção presente de um monopólio da história em tempo real. Imprensa, rádio, imagens, internet e televisão não agem apenas como meios dos quais os fatos seriam relativamente contados, mas como a própria condição de sua existência. Um professor de geografia da Região Leste do Rio de Janeiro comenta sobre essa produção de imagem e discurso: tem muita gente que é perversamente empoderada com esse programa, quem vai entrar na disputa pra pedir que ele seja retirado efetivamente são pouquíssimos ou quase ninguém, porque na hora de argumentar a favor desse fascismo, a favor da violência, da truculência ninguém vai querer tomar essa postura, mas está ali na sombra o utilizando, batendo palma. O educador continua: falando nisso,já escutei comentários absurdos vindo de colegas no almoço do tipo: acho muito bom a PM aqui porque se houver qualquer coisa dá porrada mesmo, revista, prende e já sai daqui pro camburão. Supostamente é bom militarizar a escola porque os militares são um bom exemplo pra essas crianças e adolescentes, já sai daqui querendo entrar nas Forças Armadas. E isso é intencional sim, é produção de desejo, um dia dão um minitanque no gibi para o menino brincar21, outro dia surge um professor de música da PM22... Aos poucos essa imagem supostamente amigável deles vai se entranhando nos adolescentes, por exaustão. Certos tipos de discurso são usados, certas estruturas narrativas, certos jargões, tornando o que é narrado uma espécie de repetição paradigmática de uma situação não de todo explicitada, gerando o desencadeamento de um conjunto de percepções pautadas mais pela emoção provocada pela descrição do fato do que propriamente pelo conhecimento das dinâmicas em que ele está inserido. Produção de opinião pública que a única alternativa à violência e à criminalidade é o endurecimento de penas, encarceramento, construção de presídios, que na verdade só contribuem 21

Exército na ocupação no Complexo da Maré, Zona Norte do Rio de Janeiro, em 2015 distribuiu às crianças o gibi “O

Recrutinha”, com passatempos e histórias em quadrinhos da corporação. Na última página, havia instruções para o recorte e a montagem do tanque blindado utilizado pelo exército. 22

Desde 2013, projeto UPP Musical fornece aulas de música ministradas por policiais militares alocados nas UPPs próximas, para escolas municipais e estaduais do entorno da unidade.

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para a criação de uma cultura de medo. Grande política social da contemporaneidade neoliberal, o sistema penal hoje é ancorado fortemente pelos meios de comunicação de massa, principalmente a televisão, seja através da fabricação de realidade para produção de indignação moral, seja através dos seriados, seja pela fabricação de estereótipos do criminoso. As questões da violência urbana, da criminalidade e da segurança pública têm sido tratadas como realidades únicas pela imprensa e pelas autoridades. Violência urbana não se restringe ao crime e sensação de insegurança, nas grandes cidades principalmente, engloba outros fatores que afetam a vida dos indivíduos. Segundo Malaguti Batista (2012), essa colonização das almas feita pela executivização da mídia como agência do sistema penal, tendo o papel produzir consenso violento e neutralizador de qualquer realidade, faz com que a crítica da truculência e militarização da segurança pública rapidamente passe à sua naturalização e agora ao aplauso, adesão subjetiva ao que é posto. Gerando alienação, essa situação faz com que não haja debate efetivo, desarticulando o envolvimento da sociedade com um problema do qual ela própria é vítima e responsável.

.2.2 Polícia: para quem precisa? Figura central nas discussões sobre segurança pública, a instituição policial tem ligação direta com o tema do medo na sociedade contemporânea. No Brasil, as polícias estaduais são militares e possuem raízes profundas na história do país. A Polícia Militar do Rio de Janeiro foi criada em 13 de maio de 1809 sob o nome de Divisão Militar da Guarda Real de Polícia da Corte. Seu papel era garantir a ordem e combater o contrabando, a fuga de escravos e a prática de capoeira na então capital do império português (SOARES, 2006). A eleição da criminalidade como um dos grandes problemas nacionais ocorreu a partir de 1979, com a política de abertura da ditadura militar. Com o processo de transição democrática, a existência dos órgãos de repressão e controle social do Estado não mais se justificava para a ação contra as atividades subversivas. Segundo Dornelles (2009), o deslocamento do inimigo interno para o criminoso comum permitiu que se mantivesse intacta a estrutura de controle social e os investimentos na “luta contra o crime”. A falta de uma justificativa para a manutenção de todo o sofisticado aparado de repressão, montado nos frios e duros anos da ditadura militar, produziu a necessidade de intensa propaganda sobre o perigo do crescimento do crime (AGUIAR, BERZINS, 2014; SOARES, 2006). Os meios de comunicação desempenharam e ainda desempenham um papel fundamental ao criar um clima de terror e medo, ao divulgar a ideia de que se vive uma situação incontrolável de violência criminal.

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Constrói-se, assim, a justificativa para a existência de órgãos repressivos em tempos democráticos, legitimando as ações de intimidação indiscriminada contra a população. A lógica de guerra da militarização já tem espaço nos territórios urbanos, no armamento ostensivo e na vigilância por toda parte, nas favelas ocupadas por blindados, arames farpados em espiral, nos programas sociais: “Guerra às drogas”, “Guerra contra a pobreza”, “Unidade de Polícia Pacificadora Social”, “Crack: É possível vencer”, mostrando que a concepção de que a pacificação carrrega, como pano de fundo, uma ideia de guerra, moralizada como uma cruzada do bem contra o mal. Com isso, ganha força a divulgação de estatísticas, dados, imagens e notícias sobre o aumento incontrolável da criminalidade urbana, justificando assim a manutenção intacta do aparato repressivo policial-militar e legitimando a ação violenta e pretensamente eficaz como resposta ao crime, como também os incessantes pedidos e solicitações de policiamento nas ruas, nas orlas, nas vias, nos prédios, nas estradas, e, também, nas escolas. Com uma obsessão contemporânea por segurança, as polícias estão cada vez mais parecidas com os exércitos, em se tratando de suas vestimentas, mas também de sua tática de guerra. O que norteia é a ideia de que o inimigo interno, agora o criminoso comum, está em algum lugar na cidade, independentemente de onde estiver: na escola, na rua, no morro, na praia, nas multidões. Como nos diz Graham (2011), o cidadão encontra tranquilidade em ver o controle urbano feito pelo policiamento ostensivo, por temer o inimigo urbano, o próprio cidadão, o outro. Como se trata de uma guerra, há um inimigo a ser derrotado, onde a ênfase das políticas públicas passa a ter como foco a repressão às formas de violência urbana, entendidas como toda e qualquer ameaça à rotina. Reflexo disso é perceber que o controle social, da polícia, dos traficantes ou das milícias, está cada vez mais territorializado, demarcado, visível, anunciado: mapas, georeferenciamento, estatísticas, manchas criminais que são produtos e são produzidos nessa conquista do território urbano. 01 de janeiro de 2015, a presidenta, em seu primeiro pronunciamento após ter sido reeleita, afirma que o lema do seu segundo mandato será “Brasil, pátria educadora”. Segundo ela, a frase sintetiza a ideia de que a educação será prioridade dos próximos quatro anos do novo mandato, entendendo-a como alicerce da cidadania. Junto com o discurso de posse, é lançado um documento que diz ainda pouco das reformas educacionais a serem feitas, como metas a serem cumpridas e discutidas.

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“Pátria Educadora: A Qualificação do Ensino Básico como Obra de Construção Nacional” é lançado, apresentando lógica empresarial, isto é, fazer funcionar lógica produtivista e mercadológica entre as unidades escolares, firmando a cultura de provas e testes padronizados, como o SAERJ, o Saerjinho e a Prova Brasil. Atentos ao cenário vigente, professores em entrevistas dizem que o slogan deveria ser “Brasil, pátria repressora”, já que coloca os problema da educação como problema de polícia ao criminalizar a juventude, não por acaso, junto da seara da redução da idade penal. Em uma tarde de fevereiro, um professor de sociologia abria o ano letivo em uma das suas turmas de 3º ano em um colégio na Zona Norte do Rio de Janeiro com uma aula falando sobre consciência política. Cinquenta alunos olhavam fascinados, em extremo silêncio, enquanto ele falava usando um microfone acoplado em um amplificador portátil preso no bolso da calça, para não ter que gritar e danificar a voz, devido ao tamanho da sala e aos ruídos do ventilador velho e dos carros que passavam na rua na frente do colégio. Falava sobre olhar criticamente para o que está sendo apresentado enquanto verdade pra todos na imprensa; como pensamos o papel da polícia, qual é sua função. Estava fazendo um discurso politizado ali. Então, cita um caso de um vídeo que rodou as redes sociais na época: dois meninos que se divertiam na rua perto de casa, na Baixada, onde de repente começa um tiroteio, os dois se abaixam, um deles é acertado por uma bala perdida, o celular cai no chão, mas continua filmando, a partir daí só se escuta a voz do outro menino chorando muito, rezando para que o amigo voltasse, para que a brincadeira que estavam fazendo pudesse terminar sem aquele fim trágico. O educador traz o acontecido do vídeo para a realidade dos estudantes. Conversa com eles perguntando se já tinham vivido algo parecido, levantando questões como: qual é o tratamento que eles têm aqui nessa favela que moramos? É o mesmo que se dá em outro lugar, lá embaixo? Qual deveria ser a função da policia? A aula começou a esquentar, começaram a participar, principalmente os meninos contam histórias, o professor media. Nesse momento, passam os dois policiais que estavam de serviço na escola no dia e ficaram olhando para dentro da sala. Sobre isso, o educador desabafa: Não sei se estavam fazendo a ronda deles, se estavam indo em direção à cantina, que é do lado, ou se passaram para me vigiar, escutar o que eu estava falando. Cheguei a pensar: os caras estão bem ali, andando pelo corredor, eu to aqui, no microfone falando mal deles. Que merda... Não parei de falar ou de dar aula, mas me bateu um certo receio, um medo. Não mudei meu conteúdo naquele dia nem nas aulas seguintes, mas é extremamente desconfortável ser cerceado no próprio trabalho, como se sofresse uma retaliação ou mesmo um tipo de censura.

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Essa atual política de segurança pública tem sido apresentada como uma solução alternativa às tradicionais operações policiais, num processo nomeado polícia comunitária ou de proximidade. Alguns autores (NUCLEO DE ESTUDOS DA VIOLÊNCIA, 2009) tratam do tema enfocando que as principais características desse modelo são a relação de reciprocidade entre a polícia e a população; a descentralização do comando por área; e a reorientação da patrulha de modo a engajar a comunidade na prevenção do crime. Entre os 423 policiais escolhidos para atuar no programa no seu início, 2012, um dos heróis do massacre da escola municipal Tasso da Silveira, em Realengo: o sargento que entrou em combate com Wellington. Para ele, a tragédia poderia ter sido evitada se houvesse o patrulhamento. Você já vê o respeito deles. Se tivesse policiamento ali seria diferente, estaria tudo em paz, tudo tranquilo, narra o sargento, que ainda se lembra das imagens do massacre (O DIA, 2012). Propondo um paradigma prevencionista, o termo foi cuidadosamente escolhido para destacar a contraposição em relação ao modelo anterior, criticado por usar métodos que acabavam incrementando a violência, ao invés de reduzi-la. Essa polícia substitui a ideia da dissuasão do criminosos através do castigo, da prevenção penal, para uma nova visão de prevenção social. Ainda perpetuando o lema do Exército Brasileiro “braço forte, mão amiga”, mas agora tentando mudar sua imagem, a filosofia do policiamento comunitário pensa em prevenir para punir, legitimando a atuação das forças de segurança para além do marco da legalidade sob o pretexto da reconquista de territórios, superando o punir para prevenir, presente na ideologia da defesa social e no direito penal clássico (BARATTA, 2013). Sendo um serviço, a gestão das atividades policiais é orientada pela qualidade do serviço, para gerar maior produtividade. Ao aferir essa qualidade, um paradoxo: a polícia parecerá mais bem sucedida quanto menos ela for realmente necessária. No paradigma clássico, grande número de apreensões de armas, número de prisões e inquéritos pode revelar maior profissionalismo, mas não necessariamente a satisfação dos cidadãos. Anos de execução dessa proposta geraram um “‘fetichismo da polícia’, uma pressuposição ideológica de que a polícia é um pré-requisito essencial para a ordem social, e que, sem a força policial, o caos vai instalar-se” (SERRA, ZACCONE, 2012, p. 38). Mais que isso, esse fetichismo é efeito de um esplendor que a polícia provoca, como diz Foucault (2008), por gerar ornamento e forma à cidade, beleza visível da ordem e o brilho de uma força que se manifesta e irradia, controlando populações. Observando a cobertura e a associação da grande mídia, podemos compreender melhor a expressão esplendor, já que se produz verdadeiramente uma aura mágica em torno da Polícia e das suas ações.

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No entanto, segundo Nobre (2012), a operação demonstra a fragilidade das intervenções arquitetônicas destinadas a promover a integração entre extremos da cidade. O caráter ostensivo da ocupação da polícia mostra uma correspondência muito maior com as operações identificadas com uma política de segurança violenta e ineficaz que com a renovação que se quer sustentar. É necessário trazer luz à contradição existente entre a apreensão que as autoridades sentem por terem que solucionar o “problema”, a violência na escola, e a sua certeza da impossibilidade concreta de uma resolução do real problema, o conflito escolar. Apesar disso, o programa cada vez mais ganha força e fama, pois a população é atendida ideologicamente pela utilização de medidas imediatistas e individualizantes, por conter a histeria coletiva retroativamente produzida sob o impacto desse clima de terror, pânico coletivo e paranoia. Assim, segundo Serra e Zaccone (2012), trabalha-se tão somente uma gestão policial de reação à atividade delitiva, ficando o aspecto preventivo restrito às demais agências do Estado. Muitas vezes, a falta de políticas sistêmicas preventivas acaba por transformar a atividade policial em afazeres ineficientes. Sobre esse tema, o atual gestor do programa diz que “as pessoas querem a polícia para sanar um problema linear, estrutural. A polícia nesse momento ajuda, pois atende as expectativas da população, mas não quebra esse ciclo sistêmico para interromper a causa”. Luiz Eduardo Soares (1996) nos diz que é impossível enfrentar com polícia esse novelo dramático – famílias e jovens em crise, escolas problemáticas, drogadição e comércio ilegal de drogas e armas, desdobrando-se em outras modalidades de crime. Trata-se de um ciclo vicioso, cujos desfecho e origem confundem-se com o desemprego, a falta de perspectivas, de projeto individuais de futuro e de esperança. A emergência de uma política pública de contenção de eventos que perturbem a ordem no espaço escolar, ao passo que naturaliza a demanda e a utilização do controle ostensivo feito pela Polícia Militar, atualiza o paradoxo da paz armada.A polícia invade o espaço escolar sem buscar permutações com ele, com a agressividade de quem desconhece o ambiente da escola, sua riqueza de espaços e suas práticas culturais e sociais. A mídia aparece nessa rede como um importante agenciamento na produção de discursos de ordem, ao passo em que produz um grande esplendor, uma aura mágica, unificando vozes, silenciando as contradições e dissonâncias (CUNHA, BICALHO, 2015). Atua como ordenamento social ao passo que possibilita a circulação de discursos de insegurança e medo, por conseguinte a ideia de que a polícia é um fundamentalpara a sociedade, construindo a sua glorificação. Como tecnologia de governo, a polícia atua como regulação das forças de existência tanto no território quanto na população.

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Campo controverso e polissêmico, a segurança pública encontra tensionamentos e nós ao passo que esbarra em outros tão controversos quanto, como a infância, a educação, a escolarização. Portanto, para que não haja silenciamento e nem uníssonos na produção dessas intervenções, é necessário refletir sobre a complexidade da área e a importância da transversalidade na construção de projetos públicos e coletivos que sejam capazes de gerar serviços, ações e atividades no sentido de romper a geografia das desigualdades no território pensado.

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.3 “APESAR DA VIGILÂNCIA E DA LIMPEZA, OS ALUNOS CONTINUAM DEIXANDO SUAS MARCAS”: DISCURSOS CRIMINALIZANTES SOBRE A JUVENTUDE ESCOLAR FLUMINENSE

Nas salas de aulas, a utilização da mesma lógica de funcionamento operado pelos batalhões de polícia militar para promovera prevenção contra crimes; mediação judicial de tensionamentos. Desde as falas de professores, as solicitações de diretores assim como a fundamentação do programa que institui policiamento nas escolas estaduais do Rio de Janeiro, enunciados manifestam uma sociedade de segurança cada vez mais baseada na concepção de um risco iminente, em denúncias e em medidas que são implementados em certos lugares diferentes da cidade e do estado. A proteção, o cuidado e a segurança do espaço escolar comparecem como discurso, prática e política pública. Para entender esses movimentos e processos, o delito e o crime como norma social precisam ganhar evidência, visibilizando assim suas redes de tensionamento. A contravenção penal deriva de uma concepção jurídica rigorosa, entendida não como mero fato danoso para a sociedade, mas como fato juridicamente qualificado, como violação de direito. Ligado à filosofia racionalista e naturalista da Escola Positivista de Criminologia, o delito é conectado com a totalidade biológica, sociológica e psíquica do indivíduo, ou seja, de onde é, o que fez na infância, onde estudou, quem são seus pais, onde mora, se já cometeu algum crime. O delito é entendido como uma expressão do homem na sociedade e de onde está inserido. Como postula Cesare Beccaria (2000), o criminoso é aquele que rompeu o contrato social, atacando o Estado, à lei e a sociedade. A partir do Estado Moderno, Toda infração é observada então com ênfase não no ato cometido, mas sim no autor que o realiza. Raffaele Garófalo (1893) considerou em seus estudos a criminalidade ligada ao fator psicológico. Em suas obras, preocupavase com a definição psicológica do crime, eis que defendia a teoria do “crime natural”, para definir os comportamentos que afrontam os sentimentos básicos e universais de piedade e probidade em uma sociedade. O autor acreditava que o criminoso tinha um déficit na esfera moral da personalidade, de base endógena, e uma mutação psíquica, transmissível hereditariamente e com conotações atávicas e degenerativas que faziam com que a tendência ao delito fosse um tipo de anomalia incurável, definindo quatro categorias de delinquentes: o assassino, o criminoso violento, o ladrão e o lascivo. Cesare Lombroso (1876), a partir de estudos antropométricos em prisões, classifica a criminalidade como atávica, inata: o indivíduo que comete alguma infração é um ser inferior

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naturalmente, tendo uma fisionomia diferente da dos indivíduos ditos normais, uma pessoa fora dos padrões de desenvolvimento biopsíquico normal, assemelhado aos selvagens, negros e orientais, ou com traços semelhantes aos dos macacos. Desse modo, sendo o atavismo tanto físico quanto mental, poder-se-ia identificar, valendo-se de sinais anatômicos, aqueles indivíduos que estariam hereditariamente destinados ao crime. O criminoso para Lombroso seria um homem menos civilizado que os demais membros da sociedade em que vive, sendo representado por um enorme anacronismo, ou seja, esses indivíduos reproduzem física e mentalmente características primitivas do homem. Enrico Ferri (2003) por sua vez atribuiu à criminologia as condições sociológicas do criminoso. Ao contrário do que defendia Lombroso, não acreditava que o delito era produto exclusivo de patologias individuais. Entendia que a criminalidade originava-se de fenômenos sociais. Assim defendeu as causas do crime como sendo individuais ou antropológicas (constituição orgânica e psíquica do indivíduo, características pessoais como raça, idade, sexo, estado civil, etc) físicas ou naturais (clima, estação, temperatura, etc) e sociais (opinião pública, família, moral, religião, educação, alcoolismo, etc.). Ferri (2003) entendia as desigualdades existentes na sociedade como inerentes e perpétuas, caracterizando os indivíduos através delas, dividindo assim as camadas sociais em três categorias: a classe moralmente mais elevada não comete delitos porque sua constituição orgânica é honesta; a classe média possui indivíduos que não nasceram para o delito, mas não são completamente honestos; a classe mais baixa é composta por indivíduos refratários a todo sentimento de honestidade porque foram privados de educação e impregnados da miséria material e moral herdados de seus antepassados. As causas de um ato e a culpa dos acontecidos são demarcados através da inferioridade de certas partes da sociedade. O entendimento de Ferri mostra de maneira espantosamente preconceituosa um retrato da mentalidade vigente de sua época que até hoje perpetua. Os estudos racionalistas e naturalistas dessas escolas positivistas perduram ao longo dos tempos e até hoje alguns pontos, como: a individualização das penas; o exame sobre a personalidade e a história da vida dos que são entendidos como infratores; avaliação sobre possibilidade de reincidência; medidas de segurança por tempo indeterminado; manutenção da tradição maniqueísta. Depois da Primeira Revolução Industrial, enquanto se desenvolviam a produção e a acumulação capitalista, era então utilizado com mais intensidade as inovações tecnológicas, visando o aumento da rentabilidade do capital investido. Com o desenvolvimento da produção houve incremento da ciência, que transbordou as relações econômicas chegando ao espaço social e cultural

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como um todo. A ciência passa a ser encarada então como uma espécie de “nova religião” que explicaria todos os fenômenos e resolveria todos os problemas, dando maior eficácia à moderna sociedade industrial. A importância da ciência na redefinição ideológica liberal construiu a ideia de que a sociedade industrial seria o estágio mais avançado da civilização humana: perfeita, racional, científica, onde as dificuldades existentes como a miséria, o desemprego gerado a partir da introdução da máquina na produção, a criminalidade, os conflitos sociais, etc, seriam o resíduo do passado feudal, isto é, algo desprezível que pode ser exterminado da sociedade. O estudo das relações e do comportamento humano era feito para que houvesse maior rendimento e produtividade. As ciências humanas eram então requisitadas e aplicadas, porém com a utilização de metodologias de análise das ciências exatas e naturais, como medições e classificações. As condutas e atitudes dos homens, mulheres, crianças e adolescentes eram então entendidos como predeterminados por causas inatas, predispostos hereditariamente. Os problemas sociais, a desigualdade material, a criminalidade, a miséria não eram entendidos como consequências das contradições do sistema, mas como uma amostra da inferioridade biológica e moral de certos segmentos sociais que insistiam em colocar em risco a ordem existente. Como amoladores de facas (BAPTISTA, 1999), as ciências humanas e sociais como a psiquiatria, a psicologia, a pedagogia, o direito, o serviço social, a antropologia ao olharem para os estudos da criminalidade aos poucos cometiam perversidades. Sem querer serem cruéis ou atrozes, amolam facas e enfraquecem as vítimas, reduzindo-as a pobres coitadas, cúmplices do ato, carentes de cuidado, fracos e estranhos a nós.

Fragmentam a violência do cotidiano, remetendo-a

particularidades, a casos individuais. A delinquência e a periculosidade servem então como dados inatos para explicar a reincidência, naturalizando comportamentos. Assim, servirá de justificativa para a modernização das técnicas de controle e repressão, para o recrudescimento das penas, para a adesão de programas estaduais e federais de segurança cada vez mais violentos e invasivos, em nome da proteção da sociedade. Então, para viver em sociedade e poder criar regras e normas que possibilitem o bem-estar geral, é criada a figura do delinquente, aquele que pode vir a cometer algum tipo de infração ou crime. O delinquente se distingue do infrator pelo feito de não ser tanto seu ato quanto sua vida o que mais o caracteriza, por estar amarrado ao seu delito por um feixe de fios complexos, como

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supostas pulsões, temperamentos, tendências. Foucault (2011, p. 241) diz que “a introdução do biográfico é importante na história da penalidade porque ela faz existir o criminoso antes do crime”. Levando isso em consideração, o que faz com que o direito, a justiça e a produção de subjetividade se articulem, funcionem?

.3.1 Entre a Ideologia da Defesa Social e os processos de produção de subjetividade: Guattari e Baratta Deleuze e Guattari ao longo de sua obra, aqui principalmente em Guattari e Rolnik (2013), abordam o tema da subjetividade e de sua produção industrial, capitalística e social. Desconstruindo a ideia de identidade, de uma unidade inata e pré-disposta, falam da construção da subjetividade como uma engrenagem, a partir da composição de peças, ferramentas, óleos e engrenagens. O grande ponto a ser visto e ressaltado com atenção é, como em uma fábrica, é feita a elaboração de indivíduos modelizados, serializados, sempre gerados no registro social, no coletivo, mesmo que sejam construídas individualidades ou características únicas de cada um. Ao mesmo tempo em que unifica e dá a sensação que individualiza, cria-se um modoindivíduo (BARROS, 2007): através de intervenções e investimentos da sociedade burguesa, é incitada uma maneira de viver que individualiza, cria condições de constituir um modo-padrão de experimentar as relações com o mundo. Modos de ser uniformizados e padronizadosque classificam grupos plurais e diversos, marginalizando singularidades, aniquilando multiplicidades. São criadas então tecnologias que tomam o individuo para cuidá-lo extraindo lhe o conhecimento necessário para melhor assegurar o funcionamento da sociedade. Produzida por discursos, por técnicas, por intervenções profissionais, por formas de cuidar, por discursos culturais e midiáticos, a montagem dessa subjetividade, segundo Guattari e Rolnik (2013), passa por três procedimentos: a segmentarização/segregação, a culpabilização e a infantilização. O primeiro, da segregação ou da segmentarização, pressupõe a identificação de qualquer feito em quadros de referência imaginários, o que propicia toda forma de manipulação. Com foco em manter a ordem social a partir de hierarquias imaginadas, sistemas de escalas de valor, disciplinarizações. Para você fazer isso, você precisa disso. Para você chegar aqui, você precisa passar por ali. Para entrar nesse grupo, você precisa entrar naquele antes. Você não pode entrar aqui, você está vestido dessa forma. Quem é você, o que você faz aqui? Você não é bem-vindo aqui, esse não é seu lugar. Seu lugar é lá. Aos poucos, esse procedimento internaliza e gera no indivíduo um questionamento: então, quem sou eu nesse lugar?

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O segundo processo, da culpabilização, consiste em, a partir de inventadas imagens de referência, ser conduzido a assumir supostas singularidades, sempre em débito por nunca alcançar tais referências. Remorso gerado por nunca atingir padrões estabelecidos por modelos ideais, elementos de culpabilização dos valores capitalísticos. Eu caibo nesse lugar? Será que eu devo estar aqui? Será que eu mereço? Eu não posso estar aqui, eu não fiz por onde. Se tanto me questionam e me dizem que eu não posso ir e vir, não posso transitar. Isso não é para nós, esse lugar não é para nós. Começo a pensar que eu nasci assim, eu cresci assim, tudo vai continuar da forma que está, e eu aqui, onde me colocaram. A terceira função da economia subjetiva capitalística é a infantilização. Muito importante e principal processo de fabricação, opera por intervir na vida de alguém por entender que aquele indivíduo não é capaz de decidir, fazer ou agir por si próprio. Infantilizar, inferir que aquele é sem voz, sem escolha, sem potência para realizar algo. Pensam por nós, organizam por nós a produção e a vida social, isto é, tudo o que se faz, se pensa ou se possa vir a fazer ou pensar seja mediado pelo Estado. Principalmente executado com mulheres, crianças, adolescentes, loucos, doentes, moradores de favelas e de áreas segregadas da cidade ou outros de comportamento dissidente que “ainda não são”, que “virão a ser”, por isso, supostamente precisam de ajuda, mediação. A ordem capitalística produz os modos de relações humanas, ordem que não pode ser tocada sem que se comprometa a própria ideia de vida social organizada – não se pode perturbar a harmonia social, em defesa da sociedade e pelo bem de todos. Esses três processos estão intimamente ligados com a construção da ideia de justiça social, da criação de regras comuns para todos visando o bem geral da sociedade. A partir do século XVIII se começa a construir a noção de Estado-Nação, e para isso seria necessária a edificação de leis e regras gerais para toda a sociedade. Surge então a ideologia da defesa social (BARATTA, 2011). Contemporânea às revoluções burguesas, ao nascimento da Constituição e do fortalecimento da Escola Liberal Clássica de Direito Penal, a ideologia da defesa social assume o predomínio ideológico dentro do específico setor penal, enquanto a ciência e a codificação penal se impunham como elemento essencial do sistema jurídico burguês. Elencando seis princípios – de legitimidade; do bem e do mal; e culpabilidade; da finalidade ou da prevenção; de igualdade; do interesse social e do delito natural –, o conteúdo passou a embasar a filosofia dominante da ciência jurídica e das opiniões comuns, não só dos representantes do sistema jurídico, mas também da população. Os princípios da ideologia da defesa social constituem a base do discurso repressivo dos sistemas penais, como os princípios de igualdade, de legitimidade, do bem e do mal, de culpabilidade, da prevenção e do interesse social. O conhecimento e o debate dos problemas associados ao controle social penal, como a violência urbana e a instituição policial, integram a

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agenda política dos debates partidários, assim como as ações institucionais de secretarias e coordenadorias. Processos encadeados, os processos de subjetivação e os processos de criminalização andam juntos, principalmente quando o foco é introjetar no sujeito algo que ele deveria ter feito ou não, deveria estar em um lugar ou em um outro, deveria ser daquela forma ou de outro, injetar culpa no indivíduo. Culpa por ser ou executar alguma ação supostamente reprovável, porque contraria os valores e as normas, presentes na sociedade mesmo antes de serem sancionadas pelo legislador; culpa por não se encaixar no padrão social estabelecido. Entender que existem regras penais que segregam, afastam, isolam e muitas vezes também matam fora das leis e ditos jurídicos e visibilizar as máquinas e engrenagens sociais que nos constituem e só fazem operar violências. Os processos de criminalização cumprem a função de conservar e reproduzir o que está posto em sociedade, de maneira integrada com as instituições sociais: casa, escola, polícia, empresa, hospital. Ao passo que seleciona, discrimina e marginaliza sendo o primeiro aparelho social formal da vida de um indivíduo, a escola reedita as desigualdades sociais, pois entende diferenças entendidas como defeitos pessoais; estereótipos transformados em “injustiça institucionalizada”; desadaptando o “mau” aluno cada vez mais, até a exclusão do sistema. O sistema escolar, primeiro segmento do aparelho de seleção, discriminação e marginalização, reproduz a estrutura social pelos critérios de avaliação do mérito individual, com efeitos discriminatórios sobre crianças e jovens de estratos sociais inferiores. Dentre as muitas entradas possíveis da ciência na escola, aqui principalmente da psicologia como profissão, ela se insere neste contexto a partir da noção de desvio, de anormalidade. Pesquisar, medir e avaliar transtornos e dificuldades forneceria aos psicólogos subsídios para a formulação do que seria o normal, o desenvolvimento saudável da criança, ou ainda, um modo de vida infantil ideal. Assim, como nos diz Moysés (2001), transforma-se a normalidade estatística em normalidade individual. É possível fazer a correlação dessas violências institucionais com o princípio de legitimidade (BARATTA, 2011), por exemplo. O estado está legitimado a reprimir a criminalidade, da qual são responsáveis determinados indivíduos por meio de instâncias oficiais de controle social, como a polícia e a legislação. Interpretando a legítima reação da sociedade dirigida à reprovação e condenação de comportamento desviante individual e a reafirmação dos valores e normas sociais.

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Utilizando-se de ameaças de punição, intensifica-se a criminalização de ações que interrogam as práticas engessadas, forjando-se políticas do medo e do controle do suposto risco social. Neste processo de judicialização vemos que o foco das ações tem incidido em ações consideradas como da ordem da indisciplina e da violência. O que poderia ser trazido como analisador para pensar os modos de gerir e pensar a escola tem sido tratado como caso de polícia. Foucault (2008) nos diz que a justiça assume como um dos seus papéis, a serviço da burguesia, impor-se ao proletariado pela via da legislação penal e da prisão. Ela também se serve dos jornais, da literatura, de certas categorias da dita moral “universal” que servirão de barreira ideológica frente à plebe. Não ao acaso toda a polícia é convocada para intervir no cotidiano escolar com o objetivo de proteger a norma comum ditada por uma lei universal. A sociedade de segurança busca os autores da infração, se possível, mas tentar sanar as infrações não é o principal. A estratégia do contorno é mais eficaz: fazer medo, fazer exemplo, intimidar – enfim, agir sobre a população virtualmente perigosa, agir sobre a população que um dia vai ocasionar problemas, por exemplo, os jovens desempregados. Operam-se processos de individualização e culpa pelo cenário em que se vive, sendo totalmente responsável pela sua reprovação nas matérias daquele ano, pelo seu fracasso escolar crônico. Essa postura que olha para o estudante dessa forma, a partir de um olhar de incompletude transformado em problema age de maneira perversa: para fazer operar esses discursos, extraídas narrativas das próprias crianças e dos adolescentes, transformando-as em depoimentos contra elas mesmas. Nessa perspectiva, segundo Patto (1990) o "fracasso escolar" tende a ser concebido como resultante de obstáculos – sejam eles orgânicos, afetivos, familiares ou culturais – que afetam o indivíduo isoladamente considerado. As relações todas que acontecem dentro da escola, por sua vez, tendem a ser vistas em abstração do entorno institucional em que ocorrem e dos condicionantes políticos e ideológicos que sobre elas incidem. Com bom intuito e querendo o bem de todos, para legitimar posições e atitudes, são extraídos falas e argumentos que acabam os colocando como culpados e deficientes. Presente em discursos como: esse menino não tem salvação, já está no tráfico; eles são terríveis; tá vendo, olha o que ele disse? Não adianta, ele é assim!; o policial tem que ser o herói desses meninos; nos dizem que olhar pra essa população que frequenta as escolas estaduais do Rio de Janeiro é ver imagens de perigosos, marginais, delinquentes, fracassados, perdedores. Um analisador potente que nos apresenta essas racionalidades são os discursos presentes na solicitação dos diretores de escolas estaduais à Secretaria de Estado de Educação para que sejam

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atendidos pelo PROEIS, dizendo da necessidade da policia em suas unidades. Quem pede polícia, pede por quê? Como dizem, o que dizem? A diretora de uma escola de um município da Região Metropolitana do Rio de Janeiro em entrevista nos responde essas perguntas. Solicitamos por necessidade mesmo, por questão da vulnerabilidade de escola em relação a ameaças externas: principalmente em relação à violência e a circulação de pessoas suspeitas aqui na nossa porta. Mal intencionados depredam, invadem, pulam o muro e a cerca; querem entrar na quadra para jogar bola; assediam as meninas do lado de fora; entram no refeitório para lanchar na hora do recreio, usar o banheiro; colocam banquinha perto da escola para vender bala, mas na verdade é droga; garotos desocupados no final da tarde traziam garrafas de bebida e ficavam ali na porta da escola bebendo; na hora da saída, próximo das 18h, era muito complicado, todos ficavam com receio de sair porque eles ficavam ali. Nós da coordenação tínhamos que ficar sentadas no portão pros alunos saírem, eles assim que as meninas saíam iam atrás delas. A gente nem trabalhava, pois o tempo todo ficava nessa tensão. O relato dessa diretora nos faz visualizar os critérios entendidos como prioridade para quem está na escola para a ação desse programa, mesmo que muitas vezes sejam impalpáveis, abstratos, etéreos. Que critérios nos embasam para poder delimitar quem são os indivíduos entendidos como “desocupados”, “suspeitos”, “estranhos” ou ainda “mal intencionados”? Junto com isso, é preciso dizer do procedimento de solicitação do programa nas escolas. Como funciona? O gestor do PROEIS na secretaria esclarece: A unidade escolar requisita à sua Regional, que passa ao Batalhão da Polícia Militar da área, que faz um levantamento operacional, isto é, avalia e analisa se aquela região é encarada como perigosa ou não para o policial estar, para não colocar a vida do policial em risco. Se aceito, é feito o retorno à Regional, que com esse documento, juntamente com o formulário da unidade explicando porque a presença da polícia é necessária ali, envia à Superintendência de Gestão das Regiões Administrativas (SUPAD) da SEEDUC, para julgar se os motivos apresentados pela escola são suficientes para ter a presença da polícia ali, isto é, se preenche critérios como boca de fumo, área de prostituição, área de roubo/furto, danos ao patrimônio público, invasões, ameaças, lesões corporais, uso de drogas, agressões. Se aceito, é enviado ao CPROEIS que inicia o programa, disponibiliza para os policiais a partir do mês seguinte a possibilidade de trabalhar na nova escola atendida. Mais do que somente pensar a quantidade ou os locais onde essas escolas estão, examinar as justificativas presentes nas solicitações dos diretores e coordenadores de escola para que suas unidades tenham a presença da polícia militar. Deslocar o enfoque do autor para as condições objetivas, estruturais e institucionais, do desvio, passar da descrição para a interpretação da

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desigualdade social, mostrando a relação dos mecanismos seletivos do processo de criminalização com a estrutura e as leis de desenvolvimento da formação econômico-social (DORNELLES, 2009; BARATTA, 2011). Em uma escola no centro da cidade do Rio de Janeiro, a diretora afirma em junho de 2014 no relatório anual enviado à SEEDUC sobre o programa que se trata de uma unidade localizada em área de risco, com alto índice de criminalidade: roubos a transeuntes, roubos de celulares, presença constante de usuários de drogas e de meliantes em geral, local de prática de prostituição. A presença do policial se faz necessária como agente inibidor da presença de tais indivíduos, além de atuar em caráter preventivo, propiciando maior segurança a alunos e servidores no horário noturno. A inflação dos riscos é sincrônica à intensidade de demanda pela segurança da população, em uma política da vida em que a disciplina e a biopolítica são interligadas nos dispositivos de segurança, como aponta Foucault (2008). A produção de um sentimento inundante de insegurança contribui amplamente para que seja aceita a visão de uma sociedade na qual a violência está em toda a parte e ameaça cotidianamente a estabilidade social. Só há paz se for com armas, pois sempre estaremos em perigo, dentro e fora dos muros da escola. É necessário nos perguntarmos: com tantas medidas ostensivas para conter os conflitos, o que sentimos é paz ou medo? Em agosto de 2014, a SEEDUC encomenda às escolas, no papel das Metropolitanas, que preencham um formulário falando da necessidade do PROEIS em suas unidades. Comparando os anos de 2013 e de 2014, são escolhidos critérios para falar dessa utilidade da polícia em cada local: quantidade de alunos; quantidade de turnos; área da escola em m² (intramuros); quantidade de registros de ocorrências; danos ao patrimônio público; invasões por marginais e/ou vândalos; furtos e/ou roubos; ameaças; lesões corporais; uso de drogas; agressões físicas e/ou morais. Pela eleição desses critérios, é possível perceber que juventude pobre que frequenta as escolas estaduais públicas é um segmento ao qual a agenda pública dá visibilidade perversa: pereniza o jovem como problema e ressalta sua associação com a criminalidade, a periculosidade, o risco e a condição de não-humanidade. Predomina então, como apontam Barros Neta e Gonçalves (2015), que o ato cometido é a exteriorização da periculosidade e da quantidade de ‘mal’ que o sujeito traz em sua essência. Junto com isso, a noção de delinquência termina percebida como característica intrínseca e definidora do sujeito criminoso, apartado do cometimento do ato em si. O criminoso potencial, assim, adentra o campo da previsibilidade. Essa concepção é tão usual que ainda predomina o julgamento baseado no direito penal do autor ao invés do direito penal do fato; pune-se o sujeito, sua biografia ou quem ele poderá vir a ser, e não o delito cometido.

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Como o formulário é uma tabela a ser preenchida com curtos espaços, muitos diretores preenchem com números. Um deles fez diferente. Escola localizada em São Gonçalo, coloca “0” em todos os campos sugeridos, mas no final escreve uma observação: Apesar de não ter nenhuma ocorrência registrada em B.O., a escola possui registros em seu livro de ocorrência interno: agressões verbais e físicas entre alunos. O colégio fica localizado em uma área de risco de São Gonçalo e possui um muro muito baixo. Em relação à pessoas suspeitas, percebemos que, com a eventuais vinda da policiais através do 190, alguns rapazes que ficavam ao redor da escola diminuíram sua frequência. Em outra também na mesma cidade, também a diretora justifica no final do relatório: muito acontece nessa escola – a quadra é invadida por elementos alheios à comunidade para o consumo de drogas, expressando risco para todos; há relatos de ameaça aos professores, roubos de celulares – porém, como nos foi solicitado, que apenas sejam apontados casos onde há registro em delegacia, não computamos esses dados na tabela. A judicialização do espaço escolar aparece na crescente recorrência a mecanismos de notificação que confrontem as normas escolares, nas fichas de controle de presença dos alunos na escola, no livro de ocorrências, no endurecimento das regras que punem agressores ou desviantes, seja por meios legais (abre processo judicial ou fazer um Boletim de Ocorrência) ou dos regulamentos da escola (levar anotações na agenda, ser suspenso ou ainda expulso da escola), mas também em produzir a separação entre o que é normal e o que é anormal dentro daquele ambiente. Acredita-se que, juntamente com Heckert e Rocha (2012), ao trazer os diferentes instrumentos do aparato jurídico para intervir em conflitos que emergem no chão da escola, que ao fazer essa regulação, ao implantar essa dicotomia, o que é lícito e o que é ilícito, estarão resolvidas as questões, as tensões referentes às relações dentro da escola. Nos tempos atuais, desejar proteção é desejar segurança e justiça. Foucault (2008) apresenta a sociedade de segurança como àquela em que há um investimento na segurança como parâmetro central de controle e de sustentação do sistema do capital contemporâneo. Como um bem absoluto e necessário, em nome das ditas ações de proteção e cuidado, toda e qualquer prática que regulamenta a vida ganha legitimidade. É preciso tomar esses conceitos e palavras como constructos, isto é, como uma construção histórica associada a determinadas práticas e discursos. Cada vez se torna mais comum o incentivo à denúncia, tomada como um modo de participação, de responsabilidade social e condição para a realização da justiça e das normas. Importante referir que no mundo da judicialização foi implantada a máxima “somos todos responsáveis”, que delega às redes de proteção e a toda e qualquer pessoa os funcionamentos antes

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restritos aos operadores da justiça. O ato de denunciar o outro aos profissionais especializados e às autoridades competentes do judiciário, na maioria das vezes de modo anônimo, ajusta-se com precisão ao jogo da judicialização. Acreditamos e tememos as leis, assim a sensação de justiça é gerada e ganha força para atuar, onde além de determinar o que é lícito e o que é ilícito, regula as funções do corpo social. Em entrevista, uma professora de sociologia de um colégio na entrada de uma favela na Zona Norte do Rio de Janeiro conta um episódio de uma história que, segundo ela, já aconteceu outras vezes: era uma terça de manhã, abordava em uma de minhas aulas com o terceiro ano do ensino médio o tema da cidade, do espaço urbano e da circulação. Como tarefa para a próxima aula, pede aos meninos e meninas que trouxessem materiais sobre o tema utilizando as tecnologias e mídias que têm domínio. Muitos sugeriram filmar ou fotografar de seus celulares, gostei da sugestão, pedi que eles trouxessem o que coletassem. No final do dia, já era umas 17h da tarde, depois do turno escolar, um entusiasmado grupo tira o uniforme e sai do colégio para começar a fotografar e filmar naquele dia mesmo o cotidiano deles na favela a partir do que haviam conversado em sala de aula. Depois de circular pelas vielas e voltar à quadra da escola, enquanto conversavam a filmavam a estrutura do prédio do colégio, encontram a professora de sociologia que os elogia pela dedicação ao fazer o trabalho. Um policial, ao ver um grupo de jovens conversando e filmando com o celular apontado para a escola, registrando as evidentes marcas de tiro que a escola tem por todos os lados, grita de dentro do pátio da escola para o grupo: PARA DE FILMAR ISSO, MOLEQUE! VOCÊS VÃO MORRER, SEUS ARROMBADOS!! Talvez o policial tenha feito isso por achar aquela situação estranha e supostamente perigosa, como se o menino fosse fazer uma denúncia, diz a professora. Ela, que ali não foi notada naquele grupo pelo policial que gritou porque é de estatura baixa e jovem, ficou assustada e com medo por esse episódio, pela forma deles abordarem os jovens, independente de serem alunos ou não da escola. Em uma escola localizada na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, a diretora diz: entendemos que a necessidade do PROEIS na escola devido à violência que estamos enfrentando com atos de depredação e pichações no cotidiano escolar. É muito frequente alunos destruírem banheiros, picharem paredes e agredirem-se. Apesar da vigilância e da limpeza, os alunos continuam deixando suas marcas nas carteiras, paredes, portas, etc. Continuam deixando suas marcas. Porque os conflitos são pensados quando chegam ao extremo e chama-se a polícia, e não a rede que produz tais realidades? Além da racionalidade que prevalece na lei, percebe-se um esvaziamento dos espaços formativos e educativos da escola como espaço de discussão. Ao entender que chamar o policial para resolver um conflito é o melhor a se

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fazer, se esvaem as oportunidades de debater com todos os atores envolvidos, segmentarizando quem deve responder e se responsabilizar pelo tal problema. Atender essa demanda das escolas e buscar uma saída paliativa e emergencial é uma forma de individualizar os conflitos e a polícia reinar como a lei que os dirime afirmando-se como estrutura poderosa. O olhar judicializante impera. O relato trazido pela diretora de escola nos fornece elementos instigantes para a observação das formas encontradas por indivíduos marginalizados para se fazerem visíveis em locais e situações em que são comumente ignorados. Se pensarmos, junto com Rancière (2009), na política como a criação de uma cena incomum capaz de reenquadrar o habitual, torna-se instigante tentar olhar para essas intervenções através desse prisma. A partir da verificação de uma igualdade pressuposta, conseguem perturbar a ordem policial vigente e fazer com que sua fala passe a ser contada como palavra e não mais como ruído. O ato político estaria vinculado, então, a essa potência poética e produtiva de criação de cenas de dissenso, que abrem espaço para aqueles que não eram considerados passem a ser por meio do ato de tomar a palavra e enunciá-la/performá-la diante dos outros. Nesse movimento, os sujeitos reconfiguram o comum de uma coletividade e promovem uma nova partilha do sensível, fazendo visível e audível o que não era. Junto a isso, é importante pensar frente à impossibilidade de lidar com conflitos e transtornos cotidianos, o quanto somos capturados por medidas emergenciais, rasas e efêmeras, em nome da proteção, do cuidado e da segurança. Segundo Heckert e Rocha (2012), a indisciplina, violência e as tensões da escola são fomentadas nos encontros efetuados no espaço escolar e que, sem análises concernentes ao plano de existência em que se realiza a vida e a formação, acabam encarnando grandes problemas, distensões aparentemente irresolvíveis. Em nome da garantia dos direitos da infância e juventude, a partir do uso de brechas em documentos, ratificamos a partir de políticas públicas, projetos de lei e medidas legais a intensificação dos processos de regulamentação de nossas vidas. A Polícia nas escolas tanto quanto a polícia que nos habita são práticas produzidas numa sociedade em que predomina a cultura da vingança e do castigo, que produzem assujeitamento, fazendo assim se perder a potência criadora. Colocá-las em questão torna-se um grande desafio tendo em vista a naturalidade com que são vistas, o que nos faz pensar em criar outras estratégias para lidar com aquilo que nos incomoda, não conservar práticas que recorram aos tribunais formalmente estabelecidos ou àqueles que estão em nós, fazendo-nos ora juízes, ora acusados, ora algozes, ora vítimas. Frente às medidas atuais aqui estudadas, é fundamental discutir a judicialização

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do espaço escolar, isto é, como atualmente tem se requerido instâncias, contratos ou outros atores, como a polícia, para mediar relações, como as questões da escola são levadas para fora para que alguém as resolva, ausentando a responsabilidade dos próprios atores desse cenário sobre o que tem que fazer. Apesar da vigilância e da limpeza, os alunos continuam deixando suas marcas. A polícia na escola não é só um suposto controle da delinquência, mas na verdade existe para produzir a sensação de que essas crianças e adolescentes são delinquentes, isso sim é um efeitoinstrumento desse programa: impor medo nas outras escolas, nos outros diretores, nos outros professores, nos outros jovens, na sociedade.Como se dissesse, você precisa ter medo desses jovens que precisam ser policiados para estudar. Não invista neles, não trabalhe nessa escola, saia daqui, não olhe para esse lugar!

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4. NO MEIO DE DISPUTAS, BRIGAS E TENSIONAMENTOS: COMO LIDAMOS COM OS CONFLITOS NO CHÃO DA ESCOLA

.4.1 Desafio em sala de aula - Aconteceu comigo mesmo essa história, estava lecionando Língua Portuguesa para o primeiro ano. Em uma das turmas, ao longo dos meses reparei que uma aluna começou a ficar com raiva de mim, pois estava dando matéria, solicitando que fizessem deveres e atividade em sala, porque estava cobrando, chamando atenção dos alunos para a importância da aula, talvez diferente dos outros professores e professoras que eles tinham. Em um dia comum de aula, ela virou pra uma colega dela, a xingou, eu falei, olha só, você deveria ter um pouco mais de educação, eu to me dirigindo a você com educação, você também deveria se dirigir aos seus colegas com educação e respeito, me virei e continuei escrevendo no quadro. Ela me olhou, virou pra colega dela e disse assim: Eu tenho vontade de dar dois socos na cara dessa mulher. Ela dava duas de mim! Eu ouvi e fingi que não ouvi, fingi que não ouvi, continuei escrevendo no quadro. Eis que então a colega dela começa "tia... tia... tia...", eu pergunto: que que foi? A colega dela responde, você ouviu o que ela falou? Disse logo: não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe! Na verdade eu não queria que a menina repetisse porque eu não sabia o que fazer com aquilo que estava acontecendo ali! Mas a amiga dela repetiu... Ela falou, tia, que tem vontade de te dar dois socos na cara. Eu pensei naquele momento - eu tenho que tomar uma atitude. Eu virei, olhei pra menina, respirei fundo, e falei: Olha só: eu estou aqui, você está aí, você quer levantar e me dar os dois socos agora? Me dá agora, não deixe para depois não! Ela respondeu: Iiiih, coé, olha que eu dou! Eu falei: Venha dar o soco agora, mas eu quero dois! Agora, antes de você me dar, eu queria fazer uma pergunta pra você: Você sabe que nós temos policiais militares na nossa escola, não é, querida? Aí ela se desarmou. Fiquei com muito medo daquilo. É como se ela estivesse nem aí, sem nada a perder. Se ela partisse pra cima de mim? Eu contei com a sorte, pois eu estava morrendo de medo! Eu tive que usar um recurso externo, jurídico, pra poder conter aquela situação, botar medo nela através daquela figura fardada e armada que estava disponível ali, porque eu não soube como resolver de outra forma, fiquei com muito medo dela levantar, dar dois socos na minha cara, mesmo! Ela era duas vezes o meu tamanho, se eu levasse um só eu desmaiava ali. Acabou a aula, saí da sala, a turma em silêncio, eu estava fortalecida. Depois ouvi em reuniões que essa história tensa se espalhou no bocaa-boca, percebo que sou altamente respeitada dentro da escola pelos alunos, me respeitam, não tenho mais problema nenhum.

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Só que depois eu comecei a ver que não era por aí. Conversando no almoço com uma professora que faz parte do Sepe-RJ, super engajada politicamente, conhecida na Secretaria de Educação, ela me fez pensar, não tinha parado pra pensar no assunto: que que esses caras estão fazendo aqui? O que representa a presença deles pra essas pessoas que moram nessa favela em que eu trabalho? Pensei sobre os desdobramentos de uma medida dessas, ela me fez pensar sobre o assunto, sobre o constrangimento que os alunos estavam sentindo, que alguns estavam se afastando da escola, porque nós sabemos que alguns já estão no movimento. Eu sei que eu sou muito ingênua, até então estava adorando os policiais dentro da escola. Achei uma maravilha, conforto tremendo, ia, voltava, me sentia super bem. Porque, não é nada, não é nada, mas impõe um certo respeito nos alunos, porque os alunos são terríveis, aquela figura ali impõe respeito, gera uma autoridade – narra a professora de língua portuguesa de uma escola estadual da Zona Norte do Rio de Janeiro. A crônica da professora nos traz um cenário em tensão, um caldeirão entornando, uma encrenca sem fácil resolução, como muitos vem nos dizendo. Adoecem, pedem ajuda, clamam por medidas resolutivas. Uma estudante que manifesta não estar contente com a dinâmica que as aulas da professora vem sendo dadas pode ser entendido como um analisador para pensar o funcionamento do grupo, o quanto a voz dos estudantes está sendo escutada, repensar as práticas pedagógicas. Frente à desestabilização provocada pela irrupção do tema, a professora é tirada da sua estabilidade. O conflito que aparece como tensionador de um jogo de forças é transformado em possível crime, em algo a ser punido judicialmente, aqui representado pela menção à polícia. Frente à produção de uma subjetividade individualizada, que gera culpabilização e responsabilização excessiva nos profissionais da educação inseridos no cotidiano escolar, é importante não dicotomizar e apontar erros, e sim investigar episódios. Fatos são percebidos e explorados, cortando analiticamente à rede de fatores que o circundam em pequenos fragmentos. Séries heterogêneas de elementos conectados por meio das redes em que se veiculam, segundo Pereira (2010), buscando descrevê-las em seus enredos, deixando-se levar pela multiplicidade de agenciamentos, fluxos e movimentos. Em uma cena onde, a partir de demanda, o policial, mesmo que virtualmente, toma as vestes de um inspetor, isto é, evitar que no espaço escolar ocorram agressões e conflitos, as relações passam a ser baseadas em desconfiança e insegurança, já que o representante de segurança pública estadual agora é convocado a mediar as relações dentro e fora de sala de aula. Assistimos e construímos o que pode ser chamado atualmente de judicialização da vida, isto é, uma certa construção subjetiva que implanta a lógica do julgamento, da punição, do uso da lei e da justiça como parâmetro de organização do modo de viver (NASCIMENTO, 2014).

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Segundo Scheinvar (2009, 2012), a efervescência de leis, decretos, convenções, regulamentações ao longo do século XX foram e ainda são a grande expectativa de transformação das relações instituídas e conflituosas em nossa sociedade, em âmbito local, nacional ou internacional. Para que a sociedade e o Estado prospere, cresça, gere lucro e renda, é preciso haver regras comuns e não haver desvios. A lei, como parâmetro universal, segundo Foucault (2003), está sempre acima das pessoas. Sua violação é um crime, e o violador um inimigo social. Em uma economia de mercado como a capitalista, estruturada sob a condição de liberdade, de grande circulação – necessária ao funcionamento do mercado –, os mecanismos de controle atualizam-se e a lei passa a ser o objeto de obediência, uma referência universal e uma forma de poder por inibir atitudes. Constroem-se mecanismos para reivindicar e garantir relações seladas como direitos em nome do conforto e da tranquilidade de todos: são encaminhadas situações para a dita justiça, sob a ótica de que estando em “boas mãos”, o “bem” será feito e a dita verdade prevalecerá. A judicialização do espaço escolar aparece na crescente recorrência a mecanismos de notificação aos conselhos tutelares que confrontem as normas escolares, nas fichas de controle de presença dos alunos na escola, no endurecimento das regras que punem agressores ou desviantes, seja por meios legais (abre processo judicial) ou dos regulamentos da escola (levar anotações na agenda, ser suspenso ou ainda expulso da escola), mas também em produzir a separação entre o que é normal e o que é anormal dentro daquele ambiente. Acredita-se que, juntamente com Heckert e Rocha (2012), ao trazer os diferentes instrumentos do aparato jurídico para intervir em conflitos que emergem no chão da escola, que ao fazer essa regulação, ao implantar essa dicotomia, o que é lícito e o que é ilícito, estarão resolvidas as questões, as tensões referentes às relações dentro da escola. O clamor por leis mais duras e corretivas, como a dos projetos de lei antibullying23 ou como o convênio que implementa a polícia militar nas escolas do estado do Rio de Janeiro (PROEIS), tem como justificativa a tentativa de atenuar condutas consideradas danosas para a sociedade, isto é, prevenir possíveis riscos para o corpo social. Com isso se quer evitar quehaja “ocorrências” na escola, dando à lei a função pedagógica de mudanças de comportamento, já que ela pretende obstruir determinadas condutas. As soluções apontadas pelos diferentes atores escolares para as situações de conflito, a medida predominantemente apontada para diminuí-los, tanto pelos estudantes como por familiares, O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através do programa Justiça na Escola lança em 2010 a “Cartilha do Bullying” (CNJ, 2010), o Ministério Público do Rio de Janeiro, promove a partir de agosto de 2011 o projeto “MP na Escola”, em parceria com a SEEDUC, com o objetivo de divulgar a instituição a partir de palestras e capacitação para alunos e professores (SEEDUC, 2011). Para maiores informações, consultar Decotelli e Bicalho (2015).

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professores e diretores, foi a presença de policiais na escola e em torno dela (SEEDUC, 2012). A solução indicada acompanha a lógica de desmembramento entre o mundo de dentro e o de fora da escola, onde a polícia representa a certeza dessa separação. Entretanto, é necessário conceituar, em conformidade com o que Bonamigo (2014) aponta, que o tema das violências nas escolas é um exemplo de como a educação escolar não pode ser colocada de maneira afastada ou à parte do mundo social, pois trata-se de uma problemática que rompe os muros escolares, trazendo para dentro de sala de aula discussões cotidianas que envolvem diversos atores e instâncias. As construções que vão sendo forjadas a partir de então consideram risco um acontecido adverso, que poderia gerar diferentes modalidades de danos a serem medidos para atenuar possibilidades de problemas futuros. De acordo com essa interpelação, Lemos, Scheinvar e Nascimento (2014) apontam que risco seria algo da ordem do previsível em termos quantitativos, por meio de cálculos probabilísticos, vinculado à análise dos níveis de aceitabilidade, tendo como eixos os seguintes fatores: a constituição permanente de estimativas estatísticas sobre riscos, e o uso de estratégias de conscientização da população via instrumentos difusores das informações sobre os fatores de risco. Vaz (2004) nos diz que só há risco quando se avalia a possibilidade de um evento adverso e perigoso acontecer e se estima a magnitude de seus efeitos. Os “técnicos da vida” então são convocados a anunciar riscos prováveis àqueles que designam como leigos, dizendo assim como se prevenirem, como se cuidarem, como se autovigiarem, “para o seu próprio bem”, “pela sua própria vida”, “pelo bem de todos ao seu redor”. A inflação dos riscos é sincrônica à intensidade de demanda pela segurança da população, em uma política da vida em que a disciplina e a biopolítica são interligadas nos dispositivos de segurança, como aponta Foucault (2008). A produção de um sentimento inundante de insegurança contribui amplamente para que seja aceita a visão de uma sociedade na qual a violência está em toda a parte e ameaça cotidianamente a estabilidade social. Só há paz se for com armas, pois sempre estaremos em perigo, dentro e fora dos muros da escola. É necessário nos perguntarmos: com tantas medidas ostensivas para conter os conflitos, o que sentimos é paz ou medo? Utilizando-se de ameaças de punição, intensifica-se a criminalização de ações que interrogam as práticas engessadas, forjando-se políticas do medo e do controle do suposto risco social. Neste processo de judicialização vemos que o foco das ações tem incidido em ações consideradas como da ordem da indisciplina e da violência. O que poderia ser trazido como analisador para pensar os modos de gerir e pensar a escola tem sido tratado como caso de polícia.

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.4.2 Em nome da proteção, do cuidado e da segurança Segundo a SEEDUC (2012), o convênio que institui a presença da Polícia Militar nas escolas possui amparo legal da Constituição Federal, do Código Penal e de maneira mais basal, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Os trechos a seguir dos documentos citados acima foram retirados da apresentação usada no treinamento dos policiais desde 2012, feito pela SEEDUC. Os grifos, que mostram o que é necessário ter mais atenção nas partes selecionadas, são da própria apresentação institucional. Na Constituição Federal (BRASIL, 1988): Art. 5º- Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Art. 144- A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública;

No ECA (BRASIL, 1990): Art. 2º- Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Art. 3º- A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Art. 4º- É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único- A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; Art. 5º- Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Art. 15- A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis. Art. 16- O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:

69 I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; IV - brincar, praticar esportes e divertir-se; Art. 17- O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. Art. 18- É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondoos a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

Na constituição, os artigos 5º e 144 são relembrados para demarcar a importância da igualdade de todos perante a lei e da função dos órgãos de segurança pública, aqui operados pela Polícia Militar, em proteger todos e também o patrimônio. Utilizando o ECA, os artigos 2º ao 5º e 15 ao 18, trazem a referência da defesa da infância e da adolescência, principalmente pelo poder público, frente a qualquer tipo de suposto mal. A apresentação (SEEDUC, 2012) tem como último slide a frase em tamanho bem grande: “Logo, a ação do policial junto às escolas em que atuará é legal e legítima!”. Com a emergência do ECA, há uma grande produção no campo da infância e da adolescência em nome dessa legislação, parâmetro que passa a regulamentar ações e discursos. Vimos essa movimentação de forma intensa a partir da década de 80, momento no qual movimentos sociais, além de lutarem pela redemocratização do país, também buscavam mudanças legislativas que garantissem direitos, sobretudo para as minorias e para as populações marginalizadas. Essa demanda crescente por leis, atualmente, se atualiza cada vez mais nas vozes de diversos atores sociais. Coimbra (2009) nos alerta: fala-se de ética, cuidado e proteção, mas o que se expande e aplica-se é a moral: julga-se, prescreve-se, tutela-se, pune-se. Apesar de o Estatuto não usar a terminologia ‘em situação de risco’, nem se referir as palavras risco e vulnerabilidade, como mostram Lemos, Scheinvar e Nascimento (2014) tais conceitos e suas operações são amplamente utilizados no cotidiano dos espaços de atendimento à população infanto-juvenil pobre, seja na área da educação, da saúde, da assistência ou do judiciário, seja nos conselhos tutelares. A busca de proteção a qualquer custo é uma estratégia de governo que controla a sociedade por dispositivos de segurança e produz a subjetividade ‘em risco social’. Estar "em perigo" é uma forma de afirmar a necessidade de proteção na construção de um futuro, abrindo a possibilidade de vida segura. Já ser "perigoso" é a indicação de controle, não das condições de vida, mas da pessoa,

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do seu corpo. Que condições de possibilidade fazem emergir essa gestão de riscos na escola atualmente? Apesar de constitucionalmente vivermos em um Estado Democrático de Direito, fundamentado na inviolabilidade da dignidade e dos direitos humanos, prevalece uma ordem social baseada no medo, que legitima a violação dos direitos das classes entendidas como perigosas. Equiparadas a monstros, reservamos-lhes o descaso, o controle e a criminalização de suas vidas. Vidas delinquentes, anormais e perigosas, tornadas indignas de sua humanidade e direitos fundamentais, vidas que, em nome de outras vidas, podem e devem ser manipuladas, descartadas, monitoradas, encarceradas, exterminadas, podem ter seus direitos suspensos e, mesmo, eliminados (COIMBRA, 2009). O outro será sempre um risco em potencial do qual é preciso se proteger. Individualizada a questão, não somente as intervenções recaem sobre o indivíduo como também, de acordo com Augusto (2009), o ato de julgar ganha relevância como prática da democracia participativa, que introjeta a necessidade de punição como algo indispensável à vida de todos, como ato necessário para o bem comum e para o bem de cada um, de cada cidadão de bem. Utilizados de diversas formas, esses dispositivos legais possibilitam a interferência direta na vida da população. Para que esse tipo de intervenção ganhe apoio geral e seja corroborado por todos, é feito uso de estudos e estatísticas de determinadas regiões da cidade para sustentar a opção por implantar determinadas políticas em umas comunidades e outras em locais diferentes. Um dos grandes instrumentos ainda muito presente, mesmo que de forma velada, nos discursos e estudos atuais de políticas públicas de educação e segurança pública, quanto no pensamento educacional brasileiro são as teorias de Carência Cultural24. A crença de que a criança pobre tem menor capacidade para aprender conteúdos escolares ou ter êxito na vida devido ao fato de que ela parte de diferente cultura. Procurando identificar dificuldades, faltas, transformando em problemas e deficiências, as atualizações da Carência Cultural investem no corpo da criança e do adolescente, da família e do professor, que também é capturado.

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A teoria da carência cultural surgiu e desenvolveu-se nos Estados Unidos, durante a década de sessenta. Em seguida, na década de setenta, expandiu-se para os países da Europa e da America Latina. Os estudos e pesquisas voltam-se, então, para a explicação de que os fatores sócio-culturais seriam fortes influencias nas características físicas, perceptivomotoras, cognitivas e emocionais de cada individuo. No Brasil teve grande repercussão e influência não só no meio científico como também serviu de respaldo para medidas políticas que visavam melhorias nos anos iniciais de escolarização. O enfoque de tais programas era centrado na recuperação do ambiente não favorecido a criança na primeira infância, no ensino infantil, como uma educação compensatória. No entanto, as taxas de repetência e evasão continuavam efetivas dentro do quadro do ensino brasileiro, chegando a 56% na passagem da 1ª para a 2ª serie em 1977, segundo os dados do MEC (PATTO, 1990).

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Atravessado no contexto atual por mecanismos que consomem a força de trabalho, há um discurso espraiado na sociedade que legitima a suposta falência da escola pública, da urgência de implementar tecnologias gerenciais para ampliar a eficiência da escola que é hegemônico e que paralisa as conquistas que ganharam corpo no campo educacional, o que ganha evidência é a carência enquanto sensação de incompletude, incompetência, insegurança do trabalhador. Discursos afetados dos professores sobre o atual cenário apresentam uma educação de números e rendimentos, onde a qualidade não só do ensino, mas de todo o funcionamento da escola supostamente está em ruínas. As metas e as estatísticas nos mostram que estamos ali só para colocar mais um dia na folha de ponto, na contagem de números deles, pouco se importa o que está sendo produzido ali, dentro de sala de aula. Assim, frente a essa sentença, a escola que se apresenta como burocratização, produzindo carências e julgamentos. Turmas cheias, pouco tempo de aula, baixo salário, falta de equipamentos e estrutura da escola, ameaça constante de violência por todos os lados e de todas as maneiras, desmobilização política entre os corpos docente e discente, milhares de turmas, são algumas das características institucionais presentes nos discursos dos professores sobre as más condições do cenário educacional atual. O caldeirão pode entornar a qualquer momento! Isso tudo é muito cruel, diz outro professor da uma escola estadual em Nova Iguaçu, é um sistema completo, muito bem pensado e arquitetado, não existe nenhum erro, nenhum elo fraco. Nos gera uma sensação muito ruim, uma culpabilização em quem trabalha com educação: eu não sou suficiente, a culpa é minha eu não estou cooperando, não estou dando uma aula boa, estou ajudando a estragar tudo isso. Esse é o pior. Não obstante seu caráter vago, esse tipo de diagnóstico tem sido um poderoso elemento no processo de legitimação do suposto caráter individual do 'fracasso escolar' e no ocultamento de suas raízes sociais e escolares. Ainda mais grave, ele acaba por se constituir em fator condicionante desse mesmo fracasso, na medida em que concorre para a realização daquilo que profetiza como fatalidade inevitável. O recorrente discurso generalizado de fragilidade e impotência dos professores pode produzir também efeitos de disseminação, reificação, cristalização e naturalização dos conflitos e violências, o que só alimentaria processos de desqualificação dos espaços escolares, especialmente por serem escolas públicas estaduais, e de culpabilização dos que neles convivem, operando na lógica que Patto (1984, 1990) aponta: dos mecanismos que transformam a desigualdade social em questões individuais, eximindo o sistema social e político de implicação na produção das injustiças. Assim, a dimensão educativa desaparece cada vez mais do espaço escolar e, nesse vazio, outros saberes são convocados a ocupar tal lugar. A assunção desses novos mecanismos não é feito,

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como salienta Machado (2007), sem uma clara intenção política do Estado de fragilizar os vínculos de trabalho em cada unidade escolar, em que grupos são espaços táticos de produção de subjetividade e, portanto, abrem condições para que possam ocorrer mudanças. Com o pedido de “conserto” ou eliminação das pessoas-problema, a contradição é uma constante no discurso de todos os envolvidos no processo educativo, ao mesmo tempo em que pede proteção e cuidado, também pede violência, exclusão e truculência. As contradições e a imensidão dos problemas vividos no cenário escolar têm produzido muitas tensões, que rapidamente são significados como adoecimento, perdendo o sentido de inquietude com o estado de coisas ou com a sua própria positividade. É importante pensar esse desconforto como inquietação, postergando uma avaliação que tente a caracterizá-lo como problema. Tratá-lo como analisador, que pode fazer emergir outras linhas destoantes, tensionadoras, inquietas.

.4.3 O analisador “Mancha Criminal”

Escolas consideradas perigosas, escolas consideradas em perigo, escolas que clamam a intervenção da polícia, escolas ditas fracassadas, escolas que permitem a construção de uma “mancha criminal”. O levantamento das 357 escolas atendidas pelo PROEIS é então chamado pelos atores institucionais de mancha criminal. Utilizando exatamente o mesmo recurso operado pelas P4 – setor de planejamento de operações e logística25 – dos batalhões da Polícia Militar para promover a prevenção contra crime, fazer uma mancha criminal é, a partir do desenho fluido alimentado pela quantidade e qualidade de ocorrências registradas pela Policia Civil, identificar crimes e delitos e planejar as operações policiais na respectiva área, a partir da demarcação de áreas da cidade e do estado onde o corpo institucional deve centralizar suas ações. Tomamos então como analisador a concepção de “mancha criminal” como modo de olhar o mapeamento do programa de policiamento ostensivo das escolas estaduais do Rio de Janeiro. Um mapa pode ser olhado como uma representação, um retrato da realidade, como é a concepção da “mancha criminal” – áreas onde acontecem um número maior de delitos–, de áreas inseguras, áreas em “risco social”. Entretanto, também pode ser olhada como produtora de uma realidade: o que se

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A Policia Militar brasileira é dividida em cinco grande setores. Essa divisão operacional está presente tanto nos setores maior, quartel geral da polícia, quanto menores, os batalhões. Nos quartéis, são denominados PM e um número, nos batalhões, P e um número. São esses: PM1 e P1, setor pessoal; PM2 e P2, inteligência; PM3 e P3, finanças; PM4 e P4, planejamento de operações e logística; PM5 e P5 – relações públicas.

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faz quando se afirma que algumas escolas são mais perigosas que outras? Que discursos e práticas fazem ver e falar esse mapa? Cada ponto dessa mancha mostra uma escola que está dizendo a todos que tem algum problema e que não consegue resolvê-lo, e por isso chama a polícia. Escolas que apontam, distribuídas ao longo do estado do Rio de Janeiro, que precisam de ajuda. Ao produzirmos uma lógica de vítima e agressor, culpabilizando e responsabilizando alguns nesse cenário, impedimos a percepção de que o que está sendo vivido é efeito de um campo de forças múltiplas, ou seja, que todos os envolvidos, sujeitos e instituições participam desta produção e, nesta mesma linha de raciocínio, participam também da constituição das práticas violentas. Machado (2007) indica que isto evidencia a dificuldade de cada um se reconhecer como implicado nestas práticas e facilita o acionamento do mecanismo de culpabilização, onde a realidade psíquica e a realidade material de produção social passam a ser vistas como distintas. Frente aos desvios que acontecem no cotidiano escolar, seja o confronto, a indisciplina, discussões, brigas e desestabilizações do cotidiano escolar, chama atenção a solução encontrada em algumas delas, chamar os representantes da segurança pública estadual para resolver esses desvios. Tendo a possibilidade de que o indesejável aconteça, isto é, o potencial de risco (SCHEINVAR, 2009, 2012), destaca-se as tecnologias de segurança no interior do controle social. O que é do cenário da escola toma outro tom quando encarado pelas forças armadas do estado, se transforma em crime, em potencial de risco criminoso, em mancha criminal. Onde estão essas escolas? O que a localização dessas escolas diz sobre a cidade em que habitamos? Qual é a realidade e contexto de quem solicita esses tipo de intervenção?

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Ao estudar o mapeamento das primeiras 90 escolas estaduais que receberam a presença da Polícia Militarpodemos observar que algumas áreas da cidade tem mais escolas policiadas do que outras. As zonas norte e oeste do município possuem 14 e 15 escolas respectivamente, assim como as da Baixada, 24 escolas, como também as da Região Leste (Niterói, São Gonçalo, Itaboraí), 15

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escolas. O número de escolas atendidas pelo PROEIS nessas áreas é muito mais alto do que, por exemplo, na Zona Sul e Barra, que somadas tem 4 escolas atendidas pelo programa. Ao observar essas informações e também ao olhar o mapa, é claramente possível identificar áreas onde há maior incidência do programa, formando um “V” que cruza a região metropolitana do estado do Rio de Janeiro, marcando suas pontas na Zona Oeste (Campo Grande), nos municípios da Baixada (Nova Iguaçu) e na região leste (Itaboraí), onde não há nenhuma escola policiada e onde há a dita mancha criminal. A mesma discrepância aparece se correlacionarmos os bairros e municípios com maior número de escolas atendidas com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), em comparação aos que tem menor número de escolas contempladas. Entre os 92 municípios do estado do Rio de Janeiro, Duque de Caxias ocupa a 52ª posição na avaliação do Índice de Desenvolvimento Humano (IBGE, 2010), com taxa de 0,711. Com expectativa de vida em 68,5 anos, R$ 702,68 de renda per capita e com 7 escolas atendidas pelo PROEIS, o município tem o mesmo IDH, classificado como médio, de países como Suriname e Argélia (UNDP, 2011). Ao passo que o bairro do Jardim Botânico, na Zona Sul do município carioca, figura como 10ª lugar na lista, com 0,957 de taxa no IDH, 1952,77 reais de renda per capita, expectativa de vida em 78 anos, 1 escola atendida pelo programa, sendo comparado com países como Noruega e Austrália.

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Ao estudar o mapa das 357 escolas atendidas pelo programa, 62 delas no município do Rio de Janeiro, percebe-se que mesmo com os valores tendo aumentado e outras áreas que não eram atendidas agora são, a proporção das zonas e áreas mais concentradas continua a mesma: Baixada, município do Rio de Janeiro e Região Leste. É importante ressaltar que os mapas aqui elaborados são ilustrativos para tornar acessível e possível entender os números de escolas atendidas por cada

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município. As cores servem para descriminar as regiões e as diferenças entre si no mesmo mapa, não para comparar regiões entre os gráficos. Os intervalos díspares entre os dois gráficos (2012 e 2015) mostram a irregularidade no avanço do programa, tendo crescido de maneira muito desproporcional em três anos. Não é intuito da pesquisa construir gráficos comparativos entre os dados de 2012 e 2015. Que condições de possibilidade fazer emergir certas intervenções de políticas públicas em determinadas áreas da cidade e em outras não? Entender que determinadas áreas da cidade e do Estado tem mais risco atualmente é também demandar por medidas de segurança pública nessas áreas. Segundo Scheinvar (2009), os discursos de proteção/prevenção andam lado a lado com discursos e práticas que prevêem penas mais duras. Para gerir a insatisfação da sociedade são produzidos instrumentos de controle social como o encarceramento maciço e indiscriminado; e a manipulação da insegurança e do medo, o que gera mais controle de uma certa população perigosa do que dos fatores que terminariam supostamente essa tal condição. Tomar a denominada mancha criminal como analisador coloca em evidência que as intervenções de políticas públicas para “segurança”, “cuidado” e “proteção” em certas zonas e áreas da cidade supostamente mais ou menos perigosas não são naturais, são produzidas em específicos momentos da história, em determinados momento socioeconômico e político, por certas práticas sociais. Pensar essa equivocada periculosidade de classes e áreas de risco para discutir como o crime e o desvio foram sendo ligados à pobreza na sociedade brasileira ao longo dos tempos. Faço parte do Conselho Escola-Comunidade (CEC)26 da minha região, Zona Oeste do Rio de Janeiro, espaço de mediação entre comunidade e escola, feito por professores, estudantes e responsáveis eleitos para estarem ali. Tem um caso recente de um professor amigo meu que levou um tapa na cara de um aluno que eu acho interessante te contar. Nesse dia eu estava na escola, era de tarde, estava esperando pra dar aula à noite lá. Ele pediu que o menino fosse na sala da direção enquanto ele ia chamar os policiais na portaria. No meio do caminho, encontrei ele esbaforido, totalmente transtornado, sentamos pra conversar. Contou-me que queria levá-lo para a DPCA, fiquei conversando com ele, perguntando se ele achava que era a polícia que iria realmente resolver aquela questão. Ele respondeu que sim, porque queria que os pais soubessem, que fosse parar no juizado, que o juiz escutasse e desse um jeito naquele menino. Não esperava essa primeira reação dele. Falei pra ele: acho que ainda dá pra pensar em outra coisa a ser feita a não ser a polícia; entendo, você

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O Conselho Escola-Comunidade foi criado no início dos anos 1980 com a finalidade de promover o debate crítico sobre os problemas que envolvem a escola, no tocante ao processo de democratização do espaço escolar. Surge devido a situação política e social na qual o Brasil estava inserido, ou seja: o projeto de (re)democratização do país, ressignificando assim, o sentido da palavra “democracia”.

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tomou um tapa na cara. Passou algum tempo, ele resolveu não chamar os policiais, e em conversa com a diretora, ficou acordado que o adolescente seria transferido para outra escola. No dia seguinte, a mãe do menino foi na escola reclamar que o tal professor estava perseguindo ele desde o início do ano, que isso seria assédio moral, tinha ido lá para avisar que o denunciaria. Gostei da posição, de peitar o professor pra lutar pelo direito de manter o filho ali na mesma escola. Fui chamado nessa reunião com eles, pra tentar mediar essa relação. Os dois estavam nervosos – ela não aceitava que o filho pudesse ter feito algo, superprotetora; e ele, irredutível, querendo chamar a policia pra conversa. Pensei e sugeri a eles, que conversaria com outros professores para pedir um parecer sobre o menino, para checar se havia perseguição ou não. Consegui colher que o menino era super tranquilo na aula dos outros colegas, mas também que ele em outra escola anteriormente tinha tido problema com faca, com ameaçar outro adolescente. A decisão tomada foi transferir o aluno, mesmo não sabendo muito mais que isso. Ao optar pelo habitar da cotidianidade das relações do contexto escolar e em seu entorno social, é importante fazer emergir as esperanças, os preconceitos, os dramas e sonhos dos professores, pais, coordenadores pedagógicos, policiais e diretores, não sendo tratados como números ou objetos, mas como sujeitos cuja voz, os gestos e as linhas nos guiam por entre os tensos labirintos do cotidiano escolar. Construir possibilidades de mediação de relações mais dialógicas e menos truculentas, baseadas mais no dissenso do que na disputa ou do que no convencimento. Levantar discussões para aos poucos a educação seja desalienada desses processos de terceirização das relações, de judicialização. Produzir intensidade, diferença, vida, não apaziguamento. A potência dos encontros é vivida e levada, sendo, acima de tudo, uma aposta. Segundo Valle, Cunha e Bicalho (2015), podemos estimular outros caminhos para as práticas escolares, principalmente para aquelas que se dão no âmbito de políticas públicas e suas instituições, ou em projetos sociais de vários segmentos. Dispondo-nos mais vibráteis e atentos às singularidades que teimam em transbordar, dão-se condições de possibilidade ao desejo que vem colocar em análise si próprio e o mundo de onde se reproduz ou rompe. Seja o que for que os sujeitos desejem dizer, pensar, compartilhar; o espaço do encontro vem para questionar o que deriva de todas as direções, transversalisando determinismos sobre a construção do sócius. A importância de exercer uma pesquisa crítica, presente, é justamente abrir buracos, para que os estudantes e funcionários das escolas possam respirar, entrarem novos ares, saírem dos caminhos e vãos que grandes estruturas sempre fizeram e bem demarcaram. Jacques Rancière (2002) nos ajuda a pensar em uma educação emancipadora. Menos truculenta, embrutecedora e alienada, fala que a função do mestre não é instruir a população e sim anunciar que podem tudo o que pode qualquer homem, sem distinção de classe, cor ou gênero. Despertar a consciência do que pode uma

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inteligência quando se considera como igual a qualquer outra. Conectado com a filosofia de Paulo Freire (1996, 2011), a partir de uma postura curiosa e aberta, é objetivo provocar para que se assumam enquanto sujeitos sócio-histórico-culturais do ato de conhecer e transformar a sua realidade.

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CONSIDERAÇÕES MAIS

Em um país tão desigual e com tantos problemas sociais, escutam-se as autoridades, os intelectuais, os juristas e os políticos preocupados com a violência criminal, onde consideram a criminalidade existente nas grandes cidades como exorbitante, exagerada. Discursos alarmistas e intimidadores são elaborados por autoridades e pelos meios de comunicação, desviando a atenção da população de outros problemas da sociedade. A atenção da opinião pública é direcionada para um dos inúmeros aspectos da violência social, e centra a ação dos órgãos públicos de Estado e o ódio da população sobre a figura do criminoso comum. A figura do criminoso comum se materializa também no estudante de ensino médio da rede pública estadual de ensino do Rio de Janeiro. Homem, negro, pobre, morador de favela, a invisível carapuça criminalizante recai sobre o adolescente de uniforme cinza e calça jeans. A polícia militar é chamada para vigiar suas escolas, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. A carapuça infantiliza: você não sabe o que é melhor para você, você é menor de idade ainda para opinar sobre algo. A polícia na sua escola vai te fazer bem, vai te dar disciplina. A carapuça carrega culpa: Será? Será que eu sou mau pra merecer que a polícia fique me olhando? Deve ser mesmo, eu preciso me comportar... Vou me calar. A atuação do sistema de controle social produz um efeito multiplicador de vigilância sobre toda a sociedade, e principalmente, um efeito intimidador e disciplinar sobre aqueles que estão dentro das normas, integrados diretamente aos processos produtivos. É preciso desmascarar a ideia de um direito penal igualitário, desmistificar o sistema de controle social, revelando sua natureza de classe, entendendo que a criminalização depende da posição de classe do autor da conduta transgressora, independentemente da gravidade do delito cometido ou do dano social causado. Os estudos de Guattari (2013) e Baratta (2011) convergem quando falam dos processos da construção da subjetividade e da ideologia da defesa social. Para construir uma forma de gerir vidas é preciso fazer com que as pessoas internalizem o que for necessário, comecem a pensar que é legitimamente delas aquele pensamento. A grande perversidade da máquina política, aqui representado pelo PROEIS, é, antes e durante, ter construído um solo favorável para que fosse possível ser implementado. Pesquisa de monitoramento e avaliação, consulta a professores e responsáveis, clamor popular, auto-alimentação de banco de dados com queda de número de ocorrências ao longo do tempo, aumento nas notas das avaliações estaduais e federais. De 2012 até hoje, 2016, quatro anos de programa. Um sucesso

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calculadamente produzido. Mesmo que ele acabe amanhã27, deixará suas marcas, sua história e seus sinais. Como bater de frente, negar que funciona, que é necessário? É preciso estranhar o que parece óbvio, aquilo que parece pronto. Frente a tanta massificação e individualização, é fundamental investir em processos de singularização (CUNHA, VIEIRA, BICALHO, 2015). Movimentos de rupturas, de desvios, de criação, de sensibilização do caráter processual da vida se façam, instaurando, assim, formas modelares de existência. Inventar e construir subjetividades delirantes, que em seu embate com a subjetividade capitalística, a façam desmoronar, ao invés de pretender a liberdade. Permitir-se pensar diferente, inventar, possibilitar questionamentos. Desconstruir um programa estadual instituído é difícil, mas mesmo entre pedras duras, áridas e secas, é possível florescer, jardinar, verdejar. É preciso investir no diálogo, na troca entre estudantes, entre os professores, entre os funcionários, entre os atores escolares. Menos embate, mais diálogo. Processo pedagógico e também político, tudo o que emancipar pode prometer é aprender a exercitar a igualdade em uma sociedade regida pela desigualdade e pelas instituições que o fazem. Igualdade e emancipação constituem a base da luta por direitos e práticas mais democráticas. Trata-se de uma analogia entre a emancipação intelectual e a prática política, entendida como prática de ruptura do funcionamento da desigualdade. Em ambos os casos torna-se evidente que ninguém pode tomar as rédeas para dizer como são as coisas e que é o que deve-se fazer por alguém: a capacidade para pensar por si próprio e de atuar de acordo com as próprias necessidades é indiscutível.Precisamos exercitar o olhar da primeira vez, para que assim possamos divergir.

27

Notícia do jornal O Dia do dia 15 de dezembro de 2015 afirma que o número de escolas atendidas pelo programa caiu nesse mês de 346 para 76, diminuindo o número de profissionais escalados, devido à crise financeira que o estado do Rio de Janeiro vem enfrentando (O DIA, 2015). A SEEDUC não confirmou tal noticia.

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ANEXO I CENTRO DE FILOSOFIA ECIÊNCIAS HUMANAS DA UFRJ

PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP DADOS DO PROJETO DE PESQUISA Título da Pesquisa: Paz Armada na Escola Pesquisador: Thiago Colmenero Cunha Área

Temática:

Versão:

CAAE: 31673314.7.0000.5582 Instituição Proponente: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Patrocinador Principal: Financiamento Próprio DADOS DO PARECER Número do Parecer:707.282 Data da Relatoria: 04/06/2014 Apresentação do Projeto: Tomando como dispositivo o policiamento ostensivo feito pela polícia militar nas escolas estaduais do Rio de Janeiro, a pesquisa pretende colocar em análise as lógicas disciplinares que circulam dentro do espaço escolar. Tomando como recurso metodológico a cartografia, busca-se seguir as linhas que em um processo sócio-histórico traçaram o ordenamento e o controle do espaço escolar. A partir das pontuações de Michel Foucault, compreende-se a história como um campo de forças em combate, a partir do qual certas verdades acerca do governo da sociedade emergem como hegemônicas, sendo objetivadas por aparelhos disciplinares e práticas de normatização, especialmente em relação a produção de uma infância normal, dócil e disciplinarizada. Percebe-se que a escola, ao longo de sua história, através de seus modos de educar, limpar, higienizar, ordenar e regular, foi útil para fazer funcionar determinados modos de governar. Frente a esse contexto, busca-se fazer pensar que modos e lógicas são essas que os modos de organização na escola sustentam, preservam e mantém. Pretende-se fazer entrevistas com secretários, coordenadores, diretores, inspetores, profissionais da limpeza, professores e policiais. Além da entrevistas com os profissionais que atuam no espaço escolar serão feitos grupos de reflexão com os estudantes das escolas sobre o tema da segurança pública e da polícia no cotidiano escolar. Endereço:

Av Pasteur, 250-Praia Vermelha, prédio CFCH, 2° a

Bairro:URCA UF: RJ Município: Telefone: (21)3938-5167

CEP:22.290-240 RIO DE JANEIRO E-mail: [email protected] Página 01 de 03

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CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DA UFRJ Continuação do Parecer: 707.282

Objetivo da Pesquisa: Objetivo primário: Tendo como dispositivo o policiamento ostensivo nas escolas de Ensino Médio do Rio de Janeiro, o estudo se propõe a fazer ver e falar as lógicas de normatização, controle e disciplina da infância e da adolescência no espaço escolar. Propor reflexões entre a área da Psicologia e a da Educação, em relação às lógicas de proteção e cuidado da infância e da adolescência nos espaços escolares, dizendo de certas formas de governar determinadas populações, a partir da disciplina escolar. Que modos de segurança, proteção, disciplina e cuidado são esses?É necessário interrogar não as transgressões e desvios da ordem, mas que lógicas, desde a palmatória até a entrada da polícia nas escolas, estão por traz dessas normatizações. Realizar banco de dados para dar mais eficiência durante a pesquisa. Objetivo Secundário: Contribuir para a reflexão e para as intercessões teóricas e práticas entre psicologia, educação e segurança pública. Com a publicação da dissertação e de artigos propagar conhecimentos sobre essas áreas de estudos para futuros pesquisadores.

Avaliação dos Riscos e Benefícios: Visto que entrevistas psicológicas podem causar desconforto, haverá um risco mínimo na participação na pesquisa, entretanto, não se acredita na possibilidade de danos decorrentes desta participação. No entanto, caso haja algum dano decorrente da participação na pesquisa, o pesquisador disponibiliza como indenização, acompanhamento psicológico, realizado por profissional vinculado à Divisão de Psicologia Aplicada da UFRJ, desde que o dano seja comprovado por profissional da área. O pesquisador identifica como benefícios aos participantes da pesquisa, poder construir reflexões e argumentos para enfrentar práticas e políticas que estão engendradas, colocando à tona suas contradições. Para a Psicologia, apresenta-se o benefício de atualizar estudos e dados sobre questões relevantes e pouco estudadas.

Comentários e Considerações sobre a Pesquisa: Sob a alegação de que será utilizada na pesquisa uma metodologia processual, serão utilizadas entrevistas, mapas, informações, notícias, formulários, estatísticas. Dadas as especificidades da pesquisa no campo das Ciências Humanas e da metodologia explicada, aceitamos sua argumentação Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória: O TCLE encontra-se correto do ponto de vista da proteção dos sujeitos da pesquisa.

Endereço:

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Bairro:URCA UF: RJ Município: Telefone: (21)3938-5167

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CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DA UFRJ Continuação do Parecer: 707.282

Recomendações: Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações: O projeto está aprovado e reforça-se o cumprimento das considerações acima. Situação do Parecer: Aprovado Necessita Apreciação da CONEP: Não Considerações Finais a critério do CEP:

RIO DE JANEIRO, 02 de Julho de 2014

Assinado por: PEDRO PAULO GASTALHO DE BICALHO (Coordenador)

Endereço:

Av Pasteur, 250-Praia Vermelha, prédio CFCH, 2° a

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CEP:22.290-240 RIO DE JANEIRO E-mail:[email protected]

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APÊNDICE I

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Informações aos participantes 1 – Convite Você está sendo convidado(a) a participar da pesquisa “Paz Armada na Escola”. Antes de decidir se participará, é importante que você entenda porque o estudo está sendo feito e o que ele envolverá. Reserve um tempo para ler cuidadosamente as informações a seguir e faça perguntas se algo não estiver claro ou se quiser mais informações. Não tenha pressa de decidir se deseja ou não participar desta pesquisa. 2 – O que é o projeto? O projeto consiste em pesquisar as escolas estaduais de Ensino Médio do Rio de Janeiro que possuem policiamento ostensivo da Policia Militar, levantando desdobramentos do cenário atual dessa política pública de segurança pública. 3 – Qual é o objetivo do estudo? A presente pesquisa propõe fazer ver e falar as lógicas de normatização, controle e disciplina da infância e da adolescência no espaço escolar. Propor reflexões entre a área da Psicologia e a da Educação, em relação às lógicas de proteção e cuidado da infância e da adolescência nos espaços escolares, dizendo de certas formas de governar determinadas populações, a partir da disciplina escolar. Que modos de segurança, proteção, disciplina e cuidado são esses? É necessário interrogar não as transgressões e desvios da ordem, mas que lógicas, desde a palmatória até a entrada da polícia nas escolas, estão por trás dessas normatizações. Que

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modos de funcionamento sustentam essa judicialização da vida escolar? Que modos de proteção e cuidado são utilizados, o que permeia essa relação norma-transgressão-castigo no espaço escolar? 4 – Por que você foi escolhido(a)? Serão feitas entrevistas para debater sobre educação e segurança pública. Neles, serão conversados muitos temas e questões atuais, de diversas formas. As atividades serão oferecidas para todos os envolvidos nas escolas estaduais que tem a presença da policia militar e a participação é voluntária, conforme desejo e autorização dos interessados. 5 – Eu tenho que participar? Você é quem decide se gostaria de participar ou não desta pesquisa. Se decidir participar do processo você receberá esta folha de informações para guardar e deverá assinar um termo de consentimento. Mesmo se você decidir participar, você ainda tem a liberdade de se retirar das atividades a qualquer momento e sem dar justificativas. 6 – Quais são os efeitos colaterais ao participar do estudo? Visto que entrevistas psicológicas podem causar desconforto, haverá um risco mínimo na participação nesta pesquisa, mas como sua participação trata-se somente de responder a alguns inventários, não se acredita na possibilidade de danos decorrentes dessa participação. No entanto, caso haja qualquer dano à sua pessoa decorrente de sua participação, será oferecido, como indenização, acompanhamento psicológico, realizado por profissional vinculado a Divisão de Psicologia Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (DPA/UFRJ) não relacionado à pesquisa, desde que o dano seja comprovado por profissional da área. 7 – Quais são os possíveis benefícios de participar? Tem-se como beneficio aos participantes da pesquisa poder construir reflexões e argumentos para enfrentar práticas e políticas que estão engessadas, colocando a tona suas contradições. Ao possibilitar que as pessoas falem sobre o tema, há construção de novas possibilidades. Refletir sobre o que atualmente vivem. Para a psicologia, apresenta-se o beneficio de uma pesquisa sobre educação e segurança publica, atualizar estudos e dados sobre questões tão importantes e tão pouco pesquisadas.

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Fazer falar vozes silenciadas, invisíveis. Trazer à academia e a muitos ouvidos o que a escola tem a dizer sobre o que ela vive. 8 – O que acontece quando o estudo termina? A equipe de pesquisa fará uma devolutiva no campo sobre os resultados, com apresentação de dados, reflexões e apontamentos sobre o tema pesquisado.

9 – Minha participação neste estudo será mantida em sigilo? Suas respostas serão tratadas de forma anônima e confidencial, isto é, em nenhum momento será divulgado o seu nome em qualquer fase do estudo. Quando for necessário exemplificar determinada situação, sua privacidade será assegurada uma vez que seu nome será substituído de forma aleatória. Os dados coletados serão utilizados apenas nesta pesquisa e os resultados divulgados em eventos e/ou revistas científicas. Os instrumentos da pesquisa serão arquivados na própria instituição (Instituto de Psicologia, UFRJ) em local seguro e privado.

12 – Contato para informações adicionais Se você precisar de informações adicionais sobre a participação na pesquisa: Pesquisador Responsável: Thiago Colmenero Cunha Tel: 99600-3838 / email: [email protected] Orientador: Prof. Dr. Pedro Paulo Gastalho de Bicalho 15 – Remunerações financeiras Nenhum incentivo ou recompensa financeira está previsto pela sua participação nesta pesquisa. Obrigado por ler estas informações. Se desejar participar deste estudo, assine o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido anexo e devolva-o ao pesquisador. Você deve guardar uma cópia destas informações e do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para seu próprio registro.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

1 – Confirmo que li e entendi a folha de informações para o estudo acima e que tive a oportunidade de fazer perguntas.

2 – Entendo que minha participação, é voluntária e que sou livre para retirar meu consentimento a qualquer momento, sem precisar dar explicações.

3 – Concordo em participar da pesquisa acima.

Nome do participante: _______________________________________ Documento de Identidade: Assinatura do participante: ____________________________

Data: ______/______/______

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