DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS

July 6, 2017 | Autor: Edilton Meireles | Categoria: Direito Constitucional, Servidores Públicos, Negociação Coletiva
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Dissídio coletivo de greve dos servidores públicos

DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS Revista de Direito do Trabalho | vol. 137 | p. 93 | Jan / 2010 DTR\2010\67 Edilton Meireles Doutor em Direito pela PUC-SP. Professor dos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado na UFBA. Juiz do Trabalho do TRT-5.ª Reg. Área do Direito: Trabalho Resumo: No trabalho o autor trata dos aspectos pertinentes ao processamento do dissídio coletivo no âmbito da Justiça não especializada do Trabalho em face da decisão da Suprema Corte no MI 670/ES, bem como os aspectos relacionados à greve dos servidores públicos e o direito à negociação coletiva. Palavras-chave: Dissídio coletivo - Greve - Servidor público - Negociação coletiva Abstract: In this paper the author deals with relevant aspects concerning the class actions on account of the Supreme Court's decision on writ of injunction 670/ES, as well as aspects related to the strike of public workers and the right of collective bargain. Keywords: Collective actions - Strike - Public workers - Bargain collective Sumário: - 1.Introdução - 2.Da legislação aplicável, do cabimento e do objeto do dissídio de greve - 3.Poder normativo dos Tribunais no dissídio coletivo - 4.Da negociação coletiva com o Poder Público - 5.Da legitimação - 6.Da competência - 7.Do procedimento - 8.Do recurso - 9.Conclusão - 10.Referências

1. Introdução Com o julgamento do MI 670/ES (idem no MI 708/DF), o STF acabou por introduzir no ordenamento jurídico nacional a possibilidade da propositura do denominado dissídio coletivo de greve junto aos Tribunais Regionais Federais, aos Tribunais de Justiça e ao STJ. Buscando contribuir para desvendar os meandros dessa ação, na Justiça não especializada do trabalho, lançamos ao debate as lições abaixo, especialmente nos pontos obscuros da legislação. 2. Da legislação aplicável, do cabimento e do objeto do dissídio de greve O dissídio coletivo, apesar de esquecido pela doutrina, também se cuida de mais uma ação constitucional (§§ 2.º e 3.º do art. 114 da CF/1988 (LGL\1988\3)). É sabido, porém, que o dissídio coletivo de greve não é regulado pela legislação processual comum. Essa espécie de ação é disciplinada, em verdade, pela legislação processual do trabalho, seja na Consolidação das Leis do Trabalho (arts. 856 a 872), seja através da Lei 7.701/1988. Aplicável, ainda, no que couber, o disposto na Lei 7.783/1989, que regulamenta o exercício do direito de greve dos empregados. Assim, até a colmatação da lacuna existente na legislação processual civil, cabe a aplicação das normas acima mencionadas. À essa conclusão, aliás, chega-se facilmente da própria leitura da decisão proferida no MI 670/ES. O dissídio coletivo de greve, por sua vez, terá lugar quando os servidores estiverem em movimento paredista. Ele tem por objeto principal a declaração de abusividade ou não da greve. Neste ponto, pois, cuida-se de uma ação declaratória. A lei, porém, dispõe, que "a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais durante o período ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça (...)" (art. 7.º da Lei 7.783/1989). No âmbito da Administração Direta (incluindo fundações públicas e autarquias), a participação em greve acarretará na suspensão da relação dita estatutária, ficando o servidor numa situação idêntica Página 1

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ao daquele em licença não remunerada. Caberá, então, nesta segunda hipótese, aos Tribunais decidir quanto às relações obrigacionais do período de greve. Nesse sentido, como bem destacado no MI 670/ES: "A par da competência para o dissídio de greve em si, no qual se discuta a abusividade, ou não, da greve, os referidos tribunais, nos âmbitos de sua jurisdição, serão competentes para decidir acerca do mérito do pagamento, ou não, dos dias de paralisação em consonância com a excepcionalidade de que esse juízo se reveste. Nesse contexto, nos termos do art. 7.º da Lei 7.783/1989, a deflagração da greve, em princípio, corresponde à suspensão do contrato de trabalho. Como regra geral, portanto, os salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento aos servidores públicos civis, ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho (art. 7.º da Lei 7.783/1989, in fine)." Dois, então, são os objetos do dissídio coletivo de greve: declaração ou não da abusividade da greve e a disciplina das relações obrigacionais devidas durante o período paredista. Na primeira hipótese, como dito, estamos diante de uma decisão declaratória. O Tribunal, pois, age no exercício do poder jurisdicional. E, neste caso, cabe destacar ainda que, como se trata de ação que visa a proteção de interesses difusos e coletivos, a ela se aplicam, no que couber, as regras e princípios que norteiam as ações coletivas. Já a natureza da decisão na segunda hipótese é questionável. 3. Poder normativo dos Tribunais no dissídio coletivo Observe que a lei estabelece que o Tribunal deve reger, disciplinar, regulamentar, normativar, as relações obrigacionais durante o período da greve (art. 7.º da Lei 7.783/1989). Tal atribuição (competência), por sua vez, encontra respaldo nos §§ 2.º e 3.º do art. 114 da CF/1988 (LGL\1988\3), aplicando-se por analogia aos dissídios coletivos cíveis (não-trabalhistas) por força de interpretação do STF no MI 670/ES. Veja-se, então, que ao Tribunal compete reger, disciplinar, essas relações obrigacionais. Daí se tem, então, que o Tribunal, neste seu poder, não está adstrito à determinação do cumprimento do previsto em lei. Em verdade, neste caso, ao Tribunal compete estabelecer a norma que irá regular as relações obrigacionais no período de greve. Assim, por exemplo, mesmo diante de uma greve considerada abusiva, v.g., por desrespeito às formalidades para sua deflagração (arts. 4.º e 13 da Lei 7.783/1989) ou por envolver a paralisação total de atividade essencial (art. 11 da Lei 7.783/1989), mas motivada pelo não pagamento dos salários, pode o Tribunal entender que, de qualquer modo, a greve era justa e determinar o pagamento dos salários do período respectivo. Outro exemplo: pode determinar, o Tribunal, o não pagamento dos salários, mas a contagem do tempo de serviço respectivo para diversos fins etc. Estivesse adstrito à lei, não caberia o pagamento dos salários dos dias de paralisação (não se confundindo estes com os salários atrasados que motivaram a greve), nem a contagem do tempo respectivo para fins de permanência no serviço público. Observe-se que, se o Tribunal ficasse adstrito à norma pré-existente ele não poderia determinar o pagamento de salário dos dias não trabalhados (de greve). Como, porém, cabe-lhe regular as relações obrigacionais do período de paralisação, logo pode criar nova regra. Em suma, o Tribunal é livre para disciplinar essas relações obrigacionais, no uso de um poder normativo. Mas, indo além, dispõe a lei que cabe ao Tribunal decidir "sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações" dos grevistas (art. 8.º da Lei 7.783/1989). A questão então que se coloca é definir qual é a natureza destas decisões? A que disciplina as relações obrigacionais no período de greve e a que aprecia a "sobre a procedência, total ou Página parcial, 2

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ou improcedência das reivindicações" dos grevistas. Na doutrina trabalhista brasileira os autores se inclinam por considerar essa sentença de natureza constitutiva.1 Cumpre, porém, fazer algumas observações para bem revelar o equívoco destas lições predominantes. Lembramos que o dissídio coletivo trabalhista pode ter três objetos: aquele em que se aprecia a abusividade da greve (dissídio de greve); aquele em que se busca uma interpretação da norma coletiva (dissídio de natureza jurídica); e, por fim, no dissídio coletivo típico, aquele em que se busca estabelecer novas condições de trabalho (dissídio de natureza econômica). Em relação ao dissídio coletivo suscitado em face de uma greve, os tribunais do trabalho ao apreciarem tal procedimento estão agindo no exercício do poder jurisdicional. Isso porque, como já ressaltado, através do dissídio coletivo de greve se busca do tribunal uma decisão quanto à abusividade ou não da greve. Aqui, então, o tribunal estará a exercer sua função tipicamente jurisdicional. Isso porque, a partir das regras de direito preexistente, o tribunal dirá se a parada é abusiva ou não. E, para esta conclusão, o tribunal há de analisar se ocorreu ou não violação do direito preexistente por parte dos trabalhadores. Prolata, assim, uma decisão de natureza declaratória. Esse mesmo poder jurisdicional estará sendo exercido quando o tribunal do trabalho aprecia o dissídio coletivo de natureza jurídica, pois neste se busca uma decisão declaratória quanto à interpretação que se deva ter em relação a uma norma preexistente. Aqui nada inovará. Já no dissídio coletivo de natureza econômica os interessados pedem que seja produzida uma norma criando novas condições de trabalho, isto é, novas regras a reger a relação jurídica. Deve, assim, o tribunal decidir "sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações" dos grevistas (art. 8.º da Lei 7.783/1989). Decidir sobre as "reivindicações" e não sobre o direito que se alega violado. Esse dissídio de coletivo de natureza econômica, por sua vez, é cumulável com o dissídio de greve, pois quando a lei menciona que cabe ao Tribunal reger as relações obrigacionais do período de paralisação dos serviços, está, nada mais, nada menos, que conferindo o poder de criar "novas condições de trabalho". Uma nova regra a ser aplicada nas relações obrigacionais no período de greve. Contudo, neste último caso, como dito, não se busca a concretização de norma preexistente, mas, sim, a criação de novas normas. Aqui, então, os tribunais não estão a exercer qualquer poder jurisdicional quando estabelecem novas normas e condições de trabalho. Na verdade - conquanto as jurisprudência e doutrina trabalhistas pátria caminhem em outro sentido - a Justiça, ao exercer essa atribuição, está no exercício do poder legislativo que, constitucionalmente, lhe foi reservado. Sugerida por Aristóteles, John Locke e Rousseau, a separação de poderes do Estado tomou a forma mais atualmente aceita nos países democráticos a partir das lições de Montesquieu. Em suma, a divisão dos poderes consiste em atribuir cada uma das funções básicas do Estado (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes. Essa separação de poderes, por sua vez, tem por fundamento a procura da especialização funcional e a independência orgânica no exercício de cada uma dessas atribuições, evitando-se meios de subordinação.2 A rigidez dessa separação de poderes, no entanto, há muito foi superada. Hoje, e no Brasil desde o Império, delegam-se funções legislativas ao Poder Executivo, funções jurisdicionais ao Poder Legislativo e atribuições legislativas ao Poder Judiciário etc. Nossa atual Carta Magna (LGL\1988\3), inclusive, é pródiga em atribuir a cada um dos Poderes do Estado outras funções governamentais básicas que não aquela que lhe é predominante. Assim, por exemplo, é que ao Poder Legislativo é conferido o poder de julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade (art. 52, I, CF/1988 (LGL\1988\3)), Página 3

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além de sua autoadministração (arts. 51, IV e 52, XIII, CF/1988 (LGL\1988\3)). Ao Poder Executivo é dado o direito, além de executar as funções administrativas inerentes ao Poder Público, de legislar (art. 84, IV, CF/1988 (LGL\1988\3)). Já ao Poder Judiciário, além de sua função típica, a atual Carta da República assegura a autonomia administrativa (art. 99), bem como tarefas legislativas (art. 96, I, a). Mas, ainda que essas confusões ocorram, o princípio da separação de poderes não perde sua razão de ser, pois cada um dos órgãos especializados (Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário) exerce uma função predominantemente típica. Deve-se ter em mente, no entanto, que, apesar de cada um dos órgãos especializados que exercem os poderes do Estado ter uma função típica (legislativa, executiva e jurisdicional), nada lhes impede de exercer outra que, a princípio, não lhes é reservada predominantemente. Talvez presos aos ensinamentos de Montesquieu, a doutrina e jurisprudência pátrias, majoritariamente, sempre defenderam que a Justiça, no uso de sua atribuição normativa, em dissídios coletivos, exerce função jurisdicional. A lógica seria: se a competência para apreciar o conflito pertence a um órgão do Poder Judiciário, logo, na sua tarefa de solucionar o dissídio, este organismo exerce função jurisdicional. Tal conclusão, data venia, é equivocada. Ora, a função jurisdicional tem por objetivo a atuação da vontade da lei. Ela parte do direito preexistente para apreciar e solucionar os conflitos de interesses. No exercício dessa atribuição, o Poder Judiciário não cria direito, não legisla, mas, tão somente, aplica o direito preexistente. Tal peculiaridade, entretanto, não é encontrada quando a Justiça faz uso do seu poder normativo. Aqui, os tribunais estabelecem novas condições de trabalho; criam o direito a reger as relações de trabalho. Como a própria denominação já demonstra, a Justiça, nos dissídios coletivos típicos, faz uso de um poder normativo ou legislativo. E o que é o poder normativo neste caso? A resposta é simples: é a atribuição que um órgão estatal possui de criar direito, de legislar, de disciplinar as relações jurídicas. Essa função normativa ou legislativa, preponderantemente, é exercida pelo Poder Legislativo. Contudo, como lembrado acima, nada impede do legislador, especialmente o constituinte, delegar tal atribuição a outros órgãos estatais. E foi justamente isso que ocorreu ao se assegurar à Justiça o poder normativo. Tal fenômeno, aliás, não é único no âmbito do Poder Judiciário Nacional. Nossa legislação assegura, ainda, à Justiça Eleitoral o poder de legislar em matéria eleitoral (art. 23, IX, do Código Eleitoral (LGL\1965\14)).3 E não era à toa que o Min. Victor Nunes equiparava o poder normativo da Justiça do Trabalho ao poder normativo da Justiça Eleitoral.4 Daí se tem que, ao exercer o poder normativo, a Justiça não está no uso de qualquer função jurisdicional. Ela está, em verdade, exercendo função legislativa, tal como o Congresso Nacional a exerce em suas atribuições típicas. E a função legislativa da Justiça no dissídio coletivo, ao contrário do que ocorre com a Justiça Eleitoral, tem matriz no próprio texto constitucional. A partir dessas definições, podemos facilmente concluir - sem medo de cometer qualquer heresia jurídico-constitucional - que o constituinte estabeleceu a competência concorrente do Congresso Nacional e da Justiça do Trabalho para legislar sobre direito do trabalho. À União cabe legislar privativamente sobre direito do trabalho (art. 22, I, CF/1988 (LGL\1988\3)). Essa competência legislativa da União, no entanto, é repartida entre o Congresso Nacional e a Justiça do Trabalho (ambos os órgãos da União). Ambos possuem, portanto, a atribuição de disciplinar às relações jurídicas do trabalho. O fundamento dessa repartição de poderes normativos, entre o Poder Legislativo da União e a Justiça do Trabalho, é, ainda, simplório. O constituinte sabia que, diante da dinâmica das relações jurídicas de emprego, decorrente do próprio conflito político de interesses entre os representantes do capital e do trabalho (a clássica luta de classes), seria muito difícil ao Poder Legislativo, isoladamente, disciplinar todas as situações postas à regulamentação. Muito melhor, então, atribuir a Página 4

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outro órgão essa mesma tarefa, ainda que concorrentemente. Poderia, é bem verdade, atribuir tal função legislativa a um órgão que fosse integrante da estrutura do próprio Poder Legislativo. Preferiu, no entanto, o constituinte, conferir à Justiça do Trabalho essa tarefa, talvez porque ela, na sua função jurisdicional, já esteja mais perto das partes interessadas na regulamentação dos interesses coletivos do trabalho em conflito. Ao atribuir à Justiça do Trabalho essa função normativa, porém, o constituinte não quis transfigurar a natureza dessa tarefa. Ela continua sendo uma atribuição legislativa, ainda que exercida por órgão integrante do Poder Judiciário. Para deixar bem clara essa conclusão basta aventar dois questionamentos: primeiro, se o constituinte tivesse assegurado essa tarefa a um tribunal administrativo do trabalho, vinculado ao próprio Poder Legislativo (tal como ocorre com o Tribunal de Contas), estaria esse tribunal administrativo exercendo função jurisdicional? Óbvio que não. Ele estaria exercendo, em verdade, uma função legislativa que lhe foi outorgada constitucionalmente. Segundo, qual a diferença entre o projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional, sancionado pelo Presidente da República, assegurando jornada especial de 6 horas para os petroleiros e a decisão normativa da Justiça do Trabalho, proferida em dissídio coletivo, pelo TST, no mesmo sentido? Nenhuma. Em verdade, ambas seriam normas de caráter geral e abstrata, disciplinadoras de relações jurídicas de emprego. E, no sentido aqui defendido, podemos citar as lições de Calamandrei, que, apreciando poderes idênticos conferidos à magistratura trabalhista italiana no período de entre-guerras, conforme art. 13 da Lei 563, de 03.04.1926, foi taxativo em sustentar que, as denominadas "sentenças" normativas "tem o singular efeito de dar origem, para cada um dos trabalhadores e empregadores, as regras gerais e abstratas que, de per si, não regulam concretamente uma espécie (ou uma pluralidade de espécies) preexistente, mas estabelecem antecipadamente, de forma hipotética, a regra que deverá valer em todos os casos, concebidos como prováveis, em número indeterminado, de estipulação de trabalho individual entre componentes de certa categoria".5 Lembra, ainda, Piero Calamandrei que, "enquanto é caráter tradicional da sentença ser declaratória e não inovadora, do direito preexistente, as decisões da magistratura do trabalho, criam, para todos os pertencentes às categorias interessadas no conflito, regras obrigatórias que modificam o direito anterior e estatuem para o futuro direito novo, quando nas controvérsias ditas econômicas elas 'formulam novas condições de trabalho'. Os caracteres que distinguem essas decisões da magistratura do trabalho dos julgamentos ordinários, são, pois, os mesmos pelos quais se distinguem das sentenças ordinárias e a lei em sentido substancial".6 Elas, ainda, distinguem-se das decisões proferidas no dissídio coletivo de natureza jurídica, pois neste a decisão é "assimilada à interpretação autêntica ou legislativa, que, 'de modo obrigatório para todos', ou seja, sob uma forma geral e abstrata, interpreta retroativamente, sem o criar, o direito preexistente, enquanto a decisão relativa a uma controvérsia coletiva econômica poderá ser aproximada da lei inovadora, que de forma abstrata e geral cria, para o futuro, direito novo".7 Assim, "ter-se-ia, pois, nos pronunciamentos da magistratura do trabalho sobre controvérsias coletivas um fenômeno, não raro no campo do direito público, de discordância entre a forma e a substância da medida tomada: estas decisões, que encaradas pelo prisma do sujeito de que emanam, afiguram-se jurisdicionais, pois que é ele uma autoridade judiciária, ou à forma de que se revestem, própria dos provimentos em que se manifesta o poder de cognição dos juízes, deveriam ao revés ser consideradas como medidas legislativas, dados seu conteúdo e seus efeitos substanciais: em outras palavras, seriam verdadeiras leis, emanadas de um órgão judiciário, sob a forma de sentença".8 Podemos citar, ainda, Francesco Carnelutti, que tratando dos regulamentos coletivos nas relações de emprego, leciona que, na hipótese do dissídio coletivo de natureza econômica, estar-se-ia diante de um processo dispositivo, já que nele se busca regular os interesses ainda não instituídos por lei.9 Reitera que a "sentença", neste caso, é dispositiva por criar direito novo, não sujeita à imutabilidade Página 5

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pela formação da coisa julgada, pois disciplina as novas condições de trabalho para o futuro, ao contrário da sentença declaratória (de acertamento) na qual o conflito se refere à aplicação de normas já preexistentes.10 No mesmo sentido, podemos citar Nicola Jaeger, para quem, na sentença normativa, o juiz do trabalho atua como verdadeiro legislador.11 No que Guido Zanobini completa afirmando que a decisão do Tribunal é "ato formalmente jurisdicional e substancialmente legislativo".12 Na doutrina pátria, podemos citar Manoel Gonçalves Ferreira Filho para quem, à luz do texto constitucional anterior, já lecionava que "é sustentável a existência de um poder legislativo da Justiça do Trabalho. Embora restrita aos casos previstos por lei ordinária, essa competência se funda claramente na Constituição, onde está disposto que essa Justiça poderá 'estabelecer normas (...)'. Ora, se, por força do art. 153, § 2.º, da Constituição [Constituição de 1967, posteriormente alterada pela EC 1/1969], só a lei obriga, o caráter evidentemente obrigatório dessas normas indica terem elas força de lei. São elas um comando exigível, imposto pelo Estado a particulares. Ainda que só possam intervir nas lacunas da lei, ou nos espaços em branco deixados por ela, essas normas não têm outro fundamento a não ser a sua adoção pela Justiça do Trabalho, em decorrência de competência constitucionalmente atribuída. Competência que é materialmente legislativa".13 Cabe, porém, uma explicação e atualização legislativa. É que, à luz da Constituição de 1967, posteriormente alterada pela EC 1/1969, à Justiça do Trabalho cabia estabelecer novas normas e condições de trabalho a partir das hipóteses previstas em lei (§ 1.º do art. 142 da Constituição de 1967).14 Assim, à luz do texto constitucional anterior, a competência legislativa da Justiça do Trabalho era assegurada na Constituição, mas ela somente poderia legislar nas hipóteses especificadas em lei, que nunca foi editada, diga-se de passagem. O texto constitucional vigente, no entanto, não contém essa restrição. Com a redação dada pela EC 45/2004, a nossa atual Constituição apenas prevê que, nos dissídios coletivos de natureza econômica, pode a Justiça do Trabalho "decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente" (art. 114, § 2.º, in fine, da CF/1988 (LGL\1988\3)). Ou seja, pelo atual texto constitucional, a Justiça do Trabalho pode exercer seu poder legislativo, sem necessitar de qualquer lei especificando as hipóteses em que pode dispor sobre as novas condições de trabalho. Cumpre, porém, observar, que, constitucionalmente, os Tribunais, ao exercerem o poder normativo no dissídio coletivo, devem, por certo, não só obediência à Constituição, já que a norma será de natureza infraconstitucional, como cabe-lhes respeitar "as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente" (art. 114, § 2.º, in fine, da CF/1988 (LGL\1988\3)). Ou seja, por este dispositivo, cabe aos Tribunais sempre respeitar o patamar mínimo já assegurado ao trabalhador ou ao servidor, somente podendo legislar para avançar na proteção. Em outras palavras, deve respeitar o princípio do não-retrocesso social. Quando muito, pode-se excluir da competência da Justiça àquelas hipóteses em que a própria Constituição assegura a reserva de lei (vide STF, RE 197.911, 1.ª T., j. 24.09.1996, rel. Min. Octávio Gallotti, DJU 07.11.1997). A partir do sustentado acima, conclui-se, ainda, que a sentença normativa ingressa em nosso ordenamento jurídico no mesmo patamar da lei ordinária. Poder-se-ia pensar que ela ingressa em patamar inferior, já que o § 2.º do art. 114 da CF/1988 (LGL\1988\3) menciona que os Tribunais, ao legislarem, devem respeitar "as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho". Aqui se poderia extrair uma espécie de submissão do tribunal-legislador à lei produzida pelo Poder Legislativo. Essa submissão, no entanto, apenas é aparente. Isso porque o caput do art. 7.º da CF/1988 (LGL\1988\3) contém idêntico comando dirigido a todo e qualquer legislador infraconstitucional. Observem que esse dispositivo estabelece que "são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social" aqueles elencados em seus diversos incisos que se seguem. Quando a norma constitucional, no entanto, menciona que são direitos dos Página 6

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trabalhadores aqueles elencados na Constituição, "além de outros que visem à melhoria de sua condição social", estabelece, nesta segunda parte, um comando a ser observado pelo legislador infraconstitucional, qual seja, de que somente podem ser criados novos direitos que visem à melhora da condição social do trabalhador. Em outras palavras, claramente, o legislador acolheu o princípio do não-retrocesso social. Dessa forma, não só os Tribunais devem respeitar "as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho" (o patamar mínimo já assegurado ao trabalhador), como o legislador ordinário (Poder Legislativo) somente pode estabelecer novas regras que visem à melhoria da condição social do trabalhador. Numa e noutra hipótese, pois, devem respeitar o mínimo já assegurado ao trabalhador, somente podendo "avançar" quanto à matéria legislada. Diga-se, ainda, que os Tribunais também estão sujeitos ao comando do caput do art. 7.º da CF/1988 (LGL\1988\3). Tanto que, não só devem respeitar "as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho", como, ainda, cabe-lhes observar as disposições mínimas de proteção do trabalho "convencionadas anteriormente". Nunca retroagir. E no conflito da lei com a "sentença normativa", qual deve prevalecer? Simples. A questão se resolve pelas regras de solução dos conflitos entre normas. Logo, estando a lei e a "sentença normativa" no mesmo patamar hierárquico, a princípio a norma posterior revoga a anterior. Se a lei posterior, no entanto, estabelecer "pior" condição de trabalho, ela, no âmbito de eficácia da "sentença normativa", deverá ser tida como inconstitucional, pois não respeitado o princípio, no caso concreto, do não-retrocesso social (art. 7.º da CF/1988 (LGL\1988\3)). Situação essa que será idêntica à da "sentença normativa" que estabelece regra "pior", não respeitando as disposições mínimas da lei ou as convencionadas anteriormente (§ 2.º do art. 114 da CF/1988 (LGL\1988\3)). Acrescente-se, ainda, que esse poder normativo originário dos Tribunais do Trabalho fica mais patente quando em confronto com semelhante atribuição exercida no mandado de injunção. Observe-se que o mandado de injunção pode ser concedido "sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania" (art. 5.º, LXXI, da CF/1988 (LGL\1988\3)). Neste caso, então, na falta de norma regulamentadora, caberá ao Judiciário, em substituição ao Poder estatal originariamente competente para legislar, editar a regra a ser observada de modo a tornar viável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. No uso do poder normativo previsto no § 2.º do art. 114 da CF/1988 (LGL\1988\3), os Tribunais, no entanto, agem em sua atribuição originária. Agem como legisladores com atribuição constitucionalmente conferida. Já no mandado de injunção, agem em atividade jurisdicional substitutiva ao "legislador" descumpridor de suas obrigações legislativas. Ali é legislador, aqui é juiz em sua atividade substitutiva. Lamentavelmente, no entanto, foi a partir de entendimento contrário, majoritariamente predominante nos tribunais e na doutrina trabalhista, que se acabou por criar, equivocadamente, todo um arcabouço legislativo disciplinando o dissídio coletivo como se este fosse um feito tendente a solucionar um conflito concreto de interesses, através do exercício da função jurisdicional. Contudo, o exercício do poder normativo da Justiça do Trabalho é, pois, fruto de uma atribuição legislativa exercida por órgão não integrante do Poder Legislativo. Não passa de expressão do exercício do poder legislativo assegurado à União. Dessa forma, por analogia e em face da decisão do STF no MI 670/ES já mencionado, aplicam-se, no que couber, todas as lições acima às decisões proferidas pelos Tribunais não especializados do Trabalho. Por fim, deve ser lembrado que como não se cuida de uma decisão condenatória a legislação dispõe que caberá ao interessado propor a competente ação de cumprimento da decisão proferida no dissídio coletivo (parágrafo único do art. 872 da CLT (LGL\1943\5)) para satisfação do seu direito. Ou seja, em outras palavras, no dissídio coletivo apenas se dispõe normativamente quanto às relações Página 7

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obrigacionais. Já com base nesta decisão, pode a parte interessada ingressar com a ação de cobrança dos seus créditos (ação de cumprimento da decisão proferida em dissídio coletivo), o que mais uma vez revela a natureza legislativa da decisão do tribunal. 4. Da negociação coletiva com o Poder Público Questão importantíssima, quando se trata do exercício do direito de greve, é de se saber se o Poder Público pode negociar coletivamente. Antes de desenvolver nosso entendimento, precisamos deixar bem claras duas premissas. Uma se refere ao modo como o Estado revela sua vontade enquanto sujeito de uma relação jurídica e outra quanto ao fim da greve. Vamos à primeira. 4.1 A "lei" reveladora da vontade do Estado É entendimento dominante que o Estado, nas suas relações mantidas com os servidores, impõe sua vontade mediante lei. E até por conta disso negam a relação contratual com os servidores, afirmando que esta é institucional, pois regulada por lei. Entendemos, no entanto, que a doutrina comete um equívoco lamentável. Isso porque cumpre distinguir duas espécies de "leis". A primeira delas, em seu verdadeiro sentido e definição, é aquela que procura regular as relações jurídicas mantidas por qualquer pessoa, inclusive o próprio Estado. É o caso do Código Civil (LGL\2002\400), das leis de inquilinato, leis do trabalho etc. Ao lado dessas leis, no entanto, outras são produzidas para, tão-somente, revelar a vontade do Estado nas relações jurídicas por ele mantidas. Não busca regular as relações jurídicas, de modo abstrato, para generalidade das pessoas. Mas, sim, antes disso e em verdade, apenas revela a vontade do Estado. Vamos aos exemplos. Veja o Código Civil (LGL\2002\400). Ele é uma lei que busca regular as relações jurídicas mantidas por qualquer pessoa, inclusive o próprio Estado. Já a lei orçamentária, ela regula as relações jurídicas mantidas por qualquer pessoa ou ela apenas revela a vontade do Estado em gastar seu dinheiro da forma definida na mesma? E a lei que autoriza o aumento de salários dos servidores da União, ela regula relações jurídicas ou apenas revela a vontade do Estado-União em reajustar os salários de seus trabalhadores? E a lei que dá a denominação de pessoas a prédios, aeroportos, rodovias etc.? É lei reguladora de relações jurídicas ou é lei que revela a vontade do Estado em conferir aos seus bens a denominação que deseja? E a que dispõe sobre a reestruturação da composição remuneratória das carreiras funcionais? E a lei que autoriza a venda de bens públicos? Para melhor compreensão dessa diferença basta raciocinar como se o Estado fosse uma sociedade anônima, na qual a vontade negocial depende de aprovação da assembleia de acionistas. Imaginem que o presidente da companhia pretenda conceder aumento de salário aos empregados, mas dependa de autorização da assembleia de acionistas. Neste caso, então, ao presidente cabe convocar a assembleia e propor o aumento de salários. Caso a assembleia de acionista aprove a proposta, caberá, então, ao presidente, mantida sua vontade, concretizar a vontade da companhia. Aqui, pois, a companhia irá revelar sua vontade através desses atos complexos: desejo do presidente, aprovação em assembleia e revelação da vontade mediante ato do presidente da companhia (ainda que seja uma ordem ao diretor financeiro). Situação idêntica ou semelhante ocorre com o Estado. Imaginem que o Presidente da República pretenda conceder aumento aos servidores da União. Mas ele sabe que sozinho não pode revelar essa vontade da União (inc. I do § 1.º do art. 61 da CF/1988 (LGL\1988\3)). Assim, cabe a ele encaminhar a proposta legislativa ao Congresso Nacional (assembleia dos representantes do povo). Caso aprovada, o projeto de lei retorna ao Presidente que, mantendo sua vontade, concretizará a vontade da União (em conceder o aumento). A União, então, revela, da mesma forma, sua vontade através desses atos complexos: iniciativa Página 8

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legislativa do presidente (seu desejo), aprovação pelo Congresso (assembleia dos acionistas) e a revelação da vontade mediante sanção e publicação da lei (qualquer ato do presidente da companhia). Verifica-se, assim, que, em verdade, nesta segunda hipótese, a "lei" que concede o aumento aos servidores não tem a mesma natureza da "lei" em seu sentido restrito, entendida esta como uma norma estatal destinada a regular, de forma abstrata, as relações jurídicas. A lei que confere aumento aos servidores do próprio ente legiferante, em verdade, é, nada mais nada menos, que ato de formalização da vontade do Estado enquanto parte de uma relação jurídica. Ora, a partir dessa distinção, pode-se afirmar que o Poder Público, pode, sim, negociar com seus servidores. Ocorre, porém, que, como em qualquer negócio jurídico, o ato de vontade da parte deve ser válido. E, para o caso da União, por exemplo, esse ato de vontade se revela através de uma "lei". Sem ela, inexiste ato de vontade validamente manifestada. Assim, a lei que "concede" aumento salarial, por exemplo, funciona, em verdade, como um ato de proposta (art. 427 do CC/2002 (LGL\2002\400)). E quando o servidor recebe o aumento salarial, em face da "incidência da lei", ele, em verdade, está, nada mais, nada menos, aceitando, no mínimo, ainda que tacitamente, a proposta. Não é que a lei, neste caso, incida mesmo contra a vontade do servidor. Ela incide, em verdade, por aceitação do servidor, que acolhe a proposta do "patrão". E é o que ocorre na generalidade das situações jurídicas travadas entre empregador e empregado. O empregador concede o aumento (proposta de alteração do salário), que é aceita pelo empregado. Assim, quando ocorre do Presidente encaminhar projeto de lei após negociar com o sindicato dos servidores, podemos dizer que estamos diante de uma negociação coletiva. A situação aqui, pois, será a mesma do presidente da sociedade anônima que acolhe a proposta do sindicato dos empregados e encaminha a deliberação para a assembleia de acionistas. E quando a lei é aprovada e sancionada, podemos dizer que foi revelada a vontade do Estado em conceder o aumento salarial. Poder-se-ia dizer, no entanto, que, neste caso, sempre haveria o predomínio do Estado, pois, em última instância, tudo dependeria da lei. Correto, mas com o particular também ocorre idêntico fenômeno, pois o aumento de salário sempre dependerá da vontade do patrão. Se ele não concorda, os empregados nunca receberão o aumento, assim como, sem a lei autorizando o aumento dos servidores, eles nunca o terão. Neste sentido, podemos dizer, ainda, que o Estatuto dos Servidores não é uma lei em seu sentido restrito (reguladora de relações jurídicas mantidas por qualquer pessoa). Ele é, na verdade, uma espécie de proposta de "contrato de adesão". É a revelação do Estado em contratar nas condições posta na "lei". Por ela, o Estado revela que irá contratar servidores nas condições ali estabelecidas (tal como ocorre com qualquer empregador). E a este contrato "adere quem quer; quem não quiser, procure outro emprego" (tal como ocorre com qualquer empregador). Assim, temos que, não é que a lei incida imperativamente sobre a relação jurídica mantida com o servidor. O que ocorre, tal como na iniciativa privada, é a adesão do servidor à proposta contratual posta pelo Estado. Desse modo, permissa venia, devemos afastar por completo essa ideia de que o Estado mantém relação institucional com os servidores, já que submetida à vontade da lei. Cumpre observar, ainda, que as regras que cuidam das relações jurídicas mantidas com os servidores de modo geral, obrigando todos os entes públicos, são leis em sentido restrito. Isso porque elas regulam as relações jurídicas mantidas pelos entes públicos (União, Estados etc.) com seus servidores. Difere, portanto, da Lei federal que concede aumento aos servidores federais (pois mero ato de vontade manifestada numa relação jurídica mantida com o servidor) ou da Lei estadual no mesmo sentido em relação aos servidores do ente respectivo. Em suma, será "lei-vontade" o ato que apenas cuida de revelar a vontade do ente público nas relações jurídicas por ele mantida. Já lei em sentido restrito será aquela que regula as relações jurídicas que podem ser mantidas por qualquer pessoa, inclusive pelo próprio ente público legislador. Página 9

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Neste mesmo caminho, podemos mencionar as lições de Sérgio Resende de Barros, que procura distinguir essas duas espécies de lei, denominando-as transitivas e intransitivas. Explica, então, que as leis intransitivas da União seriam aquela que, "sendo da União, não transitam além dela para impor institutos ou instituições à Federação ou à Nação. São leis federais, pelas quais a União se autogoverna e se autoadministra. São leis da União para a União: interna corporis".15 Cita, então, como exemplo dessa espécie, o estatuto dos servidores.16 Leciona, ainda, que, além das intransitivas, coexistem as transitivas, quais sejam, aquelas na qual o ente "legisla ampla e abrangentemente sobre as relações jurídicas", transitando para além do âmbito de interesse da União. E, quanto as leis da União transitivas, elas seriam pertinentes às relações jurídicas relacionadas à Federação (leis federativas) ou à nação (leis nacionais).17 Observa-se, no entanto, que, por uma ou outra classificação, chegaremos ao mesmo lugar. 4.2 Da finalidade da greve Outra questão que deve ser bem esclarecida é quanto a finalidade da greve. É óbvio que a greve não se faz por se fazer. Ela deve ter uma finalidade. Ela, então, revela-se como instrumento de pressão. Ou, em outras palavras, instrumento de reivindicação. A greve, na realidade, é um instrumento jurídico posto à disposição dos trabalhadores para que eles possam, não só exercer pressão sobre o tomador dos serviços para que este respeite o direito posto, como para obter deste último melhores condições de trabalho. E é esta segunda vertente que mais se ressalta, até porque, para valer o direito já posto e que está sendo violado, o trabalhador já dispõe de outro instrumento jurídico tanto quanto eficaz, qual seja, a demanda judicial. Como muito bem leciona Melissa Demari, cujas lições nos valemos como representante de todos os doutrinadores que tratam do assunto, "a sindicalização, a greve e a negociação coletiva são institutos interdependentes e intrinsecamente vinculados".18 "Os três institutos estão 'indisolublemente conectadas entre si, de manera que, representado aspectos parciales de esse poder em que consiste la autonomia colectiva, se complementan em aras de hacerlo efectivo. La faculdad de auto-organización, articulada jurídicamente mediante el reconocimiento de la libertad sindical, viene a reforzar la posición del sujeito que, por su naturaleza colectiva, necesita la suficiente cohesión interna como para constituir un verdadero contrapoder social con capacidad negociadora. En definitiva, hay que tener presente que el poder del grupo tiene como presupuesto ineludible su organización. De ello se deduce que una eventual intervención legal en materia de negociación colectiva debe tener en cuenta, inexcusablemente, la conexión de esta con la capacidad autoorganizativa de los proprios sujeitos negociadores. Por su parte, la función negocial, además de ser indicativa de la fuerza de la organización, modula al efecto su propia fisionomía'. Note-se que a sindicalização e o direito de greve são reconhecidos como direitos instrumentais para composição coletiva de interesses. A negociação coletiva e a greve são os elementos constitutivos da atividade sindical, sem os quais ela resta comprometida, e sua ação fica reduzida à judicialização dos conflitos sociais, ou às manifestações públicas de protesto, estas últimas praticamente inócuas, mormente quando já prevalece no imaginário social a ideia de responsabilização dos servidores pela ineficiência dos serviços públicos, amplamente difundida pelos veículos de comunicação de massa, quando do desenvolvimento de políticas de ajuste do Estado. Em verdade, de nada adianta a institucionalização do direito de greve e a atribuição de personalidade jurídica à coletividade dos trabalhadores se, nesta condição, eles não possuem instrumentos que possibilitem a sua intervenção na determinação das condições de trabalho que lhes são impostas, seja de forma pacífica, através da negociação coletiva, seja através da pressão social do movimento paredista. A doutrina universal reconhece ser a negociação coletiva, assim como a greve, constitutiva do conteúdo essencial da liberdade sindical, que nada mais é senão manifestação da liberdade, fundamento da democracia moderna, ao lado da igualdade. Apenas para melhor elucidar a íntima relação existente entre os três institutos veja-se, por exemplo, a ligação entre a negociação coletiva e a greve. A negociação coletiva, além de função precípua do sindicato, quando atua institucionalmente em prol dos interesses da categoria por ele representada, Página 10

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também é pressuposto para o exercício do direito de greve. A afirmação pode ser comprovada em dois momentos: (a) por ocasião da deflagração do movimento grevista, quando as tentativas de negociação se mostram inexitosas, e (b) por ocasião do encerramento da paralisação, seja em razão da realização de acordo, seja em razão da constatação de impasse. A negociação coletiva é, assim, o instrumento que veicula as pretensões: é através dela que se discutem as expectativas das partes antagônicas na relação de trabalho, e é, também através dela, que se chega a um consenso ou se conclui, definitivamente, pelo fracasso das tentativas de encontrar uma solução pacífica para os conflitos de interesses".19 Sendo assim, é bastante lógico se concluir que a greve visa à negociação coletiva. Logo, não tem sentido em se assegurar aos servidores o direito de greve e, ao mesmo tempo, negar-lhe a possibilidade de negociar com a Administração. Daí porque, mesmo no dissídio de greve, é cabível a audiência para se tentar a conciliação. Isso porque, em verdade, em diversas situações é possível a conciliação. Basta citar o exemplo na qual a greve é motivada pelo não pagamento dos salários. Neste caso, o Poder Público pode conciliar se comprometendo a efetuar o pagamento de imediato. Da mesma forma, pode ocorrer uma greve motivada pela rejeição dos servidores a um Projeto de Lei encaminhado à Casa Legislativa com objetivo de extinguir determinada vantagem (uma gratificação, por exemplo). Neste caso, na audiência de conciliação o governante (ou seu representante) pode conciliar aceitando retirar o Projeto de Lei. Ou, ainda, na hipótese de greve pela não concessão de reajuste salarial, o governante (ou seu representante) pode se comprometer a encaminhar o projeto de lei respectivo. Em suma, são várias as situações nas quais o Poder Público poderá conciliar. 5. Da legitimação O dissídio de greve pode ser proposto por qualquer das partes interessas na solução do conflito coletivo ou pelo Ministério Público do Trabalho (art. 8.º da Lei 7.783/1989). Temos, assim, como legitimados as entidades sindicais, o Poder Público, inclusive suas fundações e autarquias, e o Ministério Público. De parte das entidades sindicais profissionais, dispõe a lei que quando não houver sindicato representativo da categoria respectiva, esta poderá ser representada pelas federações correspondentes e, na falta destas, pelas confederações respectivas (parágrafo único do art. 857 da CLT (LGL\1943\5)). Todas essas entidades, pois, estão legitimadas para o dissídio de greve, observada a legitimação preferencial prevista na lei. A Consolidação das Leis do Trabalho dispõe, no entanto, que os sindicatos não podem recusar-se à negociação coletiva ou, analogicamente, participar do dissídio coletivo representando a categoria em greve (art. 616). Para tanto, os servidores em greve podem dar ciência ao sindicato para agir em representação da categoria, no prazo de oito dias (art. 617 da CLT (LGL\1943\5)). Havendo recusa poderão, então, os interessados dar conhecimento do fato à federação a que estiver vinculado o sindicato e, em falta dessa, à correspondente confederação, para que, assuma a direção dos entendimentos (§ 1.º do art. 617 da CLT (LGL\1943\5)). Prevê, ainda, a Consolidação das Leis do Trabalho, a possibilidade de, esgotado este último prazo (concedido à confederação), os próprios interessados prosseguirem diretamente na negociação coletiva até o final (art. 617, § 1.º, in fine, da CLT (LGL\1943\5) c/c art. 4.º, § 2.º, da Lei 7.783/1989). Daí se tem a possibilidade dos próprios servidores, diretamente, diante da recusa das entidades sindicais, atuarem no dissídio coletivo. Para tanto, porém, os interessados deverão convocar assembleia para que nesta seja constituída uma comissão representativa, até porque seria inviável exigir que todos os grevistas fossem Página 11

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demandantes ou demandados no dissídio de greve na hipótese de recusa de representação por parte da entidade sindical. Assim, além do Ministério Público, das entidades sindicais e da pessoa jurídica de direito público interno e suas fundações e autarquias, os próprios grevistas, organizados em comissão representativa, estão legitimados para o dissídio coletivo de greve. Esta última legitimação, por sua vez, configura hipótese excepcional na qual o próprio grupo interessado detém a legitimidade para atuar em ação coletiva para defesa de interesses coletivos (em sentido lato). Pode-se, inclusive, incluir neste rol os terceiros legitimados para a defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Observe-se que a lei quando legitima o Ministério Público está conferindo a este o poder de atuar no dissídio de greve na defesa dos direitos coletivos em sentido amplo (difusos, coletivos e individuais homogêneos). Neste sentido, tanto pode atuar na defesa dos interesses do Poder Público (na defesa dos direitos públicos), como dos grevistas (na defesa dos seus interesses coletivos) e também dos membros da comunidade (na defesa dos direitos relacionados aos serviços públicos paralisados). A questão que se coloca, então, é saber se a lei especial, ao mencionar o Ministério Público, estaria excluindo a legitimidade de outras entidades legitimadas, pela legislação geral, para defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Entendemos que não, isto é, que a lei ao prever a legitimidade do Ministério Público não quis excluir a legitimidade dos terceiro legitimados. Assim, pensamos que essas outras entidades também podem deflagrar o dissídio coletivo de greve, buscando o fim do conflito e, em última instância, o retorno da prestação do serviço público em sua integralidade. 6. Da competência A competência jurisdicional para apreciar o dissídio coletivo de greve na Justiça não trabalhista ficou decidida pelo próprio STF no MI 670/ES. Para tanto ele se valeu das regras pertinentes que regulam a competência funcional na Justiça do Trabalho. Adotou um critério analógico para disciplinar a competência funcional. Assim é que, "até a devida disciplina legislativa, devem-se definir as situações provisórias de competência constitucional para a apreciação desses dissídios no contexto nacional, regional, estadual e municipal. Assim, nas condições acima especificadas, se a paralisação for de âmbito nacional, ou abranger mais de uma região da justiça federal, ou ainda, compreender mais de uma unidade da federação, a competência para o dissídio de greve será do STJ (por aplicação analógica do art. 2.º, I, a , da Lei 7.701/1988). Ainda no âmbito federal, se a controvérsia estiver adstrita a uma única região da justiça federal, a competência será dos Tribunais Regionais Federais (aplicação analógica do art. 6.º da Lei 7.701/1988). Para o caso da jurisdição no contexto estadual ou municipal, se a controvérsia estiver adstrita a uma unidade da federação, a competência será do respectivo Tribunal de Justiça (também por aplicação analógica do art. 6.º da Lei 7.701/1988). As greves de âmbito local ou municipal serão dirimidas pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal com jurisdição sobre o local da paralisação, conforme se trate de greve de servidores municipais, estaduais ou federais" (MI 670/ES). Em suma, será competente: a) o STJ para o dissídio coletivo de servidores federais se a paralisação for de âmbito nacional ou abranger mais de uma região da Justiça Federal, ou ainda, se a greve for de servidores estaduais Página ou 12

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municipais e ela compreender mais de uma unidade da federação; b) o respectivo Tribunal Regional Federal quando a greve for de servidor federal e estiver adstrita ao âmbito territorial de sua competência; e c) o respectivo Tribunal de Justiça quando a greve for de servidor estadual ou municipal e ela estiver adstrita ao âmbito territorial de sua competência. Óbvio, ainda, que, até por analogia, pode cada Tribunal constituir órgão especializado para apreciar o dissídio coletivo (art. 6.º da Lei 7.701/1989). Tudo dependerá o regimento interno de cada tribunal. Outrossim, o STF deixou claro que "os tribunais mencionados também serão competentes para apreciar e julgar medidas cautelares eventualmente incidentes relacionadas ao exercício do direito de greve dos servidores públicos civis, tais como: a) aquelas nas quais se postule a preservação do objeto da querela judicial, qual seja, o percentual mínimo de servidores públicos que deve continuar trabalhando durante o movimento paredista, ou mesmo a proibição de qualquer tipo de paralisação; b) os interditos possessórios para a desocupação de dependências dos órgãos públicos eventualmente tomados por grevistas; e c) as demais medidas cautelares que apresentem conexão direta com o dissídio coletivo de greve" (MI 670/ES). 7. Do procedimento Como já dito, na omissão da legislação processual civil, aplica-se ao dissídio coletivo na Justiça não trabalhista as regras contidas na Consolidação das Leis do Trabalho e legislação esparsa. Assim é que o dissídio deve ser instaurado mediante representação escrita (petição inicial) dirigida ao presidente do Tribunal competente (art. 856 da CLT (LGL\1943\5)), em tantas vias forem os demandados (diversos sindicatos, o Poder Público e os sindicatos etc.), com a qualificação das partes e indicação da natureza do estabelecimento e do serviço paralisado, bem como os motivos do dissídio e as bases para conciliação (art. 585 da CLT (LGL\1943\5)). Óbvio, ainda, que, na representação, a parte demandante deve apresentar seu pedido final. Recebida a representação e considerada apta, cabe ao presidente do Tribunal designar audiência de conciliação no prazo de até 10 dias (art. 860 da CLT (LGL\1943\5)). Na audiência, o presidente tentará a conciliação, propondo, inclusive, a solução que lhe pareça capaz de resolver o dissídio (art. 862 da CLT (LGL\1943\5)). Formalizado o acordo pelas partes e homologado pelo Tribunal, não caberá qualquer recurso, salvo por parte do Ministério Público (§ 5.º do art. 7.º da Lei 7.701/1988). Prevê, ainda, a Consolidação das Leis do Trabalho que, quando o dissídio ocorrer fora da sede do Tribunal, poderá o presidente, se julgar conveniente, delegar à autoridade local as atribuições conciliatórias. "Nesse caso, não havendo conciliação, a autoridade delegada encaminhará o processo ao Tribunal, fazendo exposição circunstanciada dos fatos e indicando a solução que lhe parecer conveniente" (art. 866 da CLT (LGL\1943\5)). A Consolidação da Leis do Trabalho é omissa quanto à defesa no dissídio coletivo. Neste caso, observado o princípio do contraditório e sendo omissa a legislação, a solução dada pela doutrina é aplicar a regra consolidada de que cabe ao demandado oferecer sua defesa na audiência de conciliação.20 A Consolidação das Leis do Trabalho, no entanto, apenas fala em audiência de conciliação (art. 860). Não fala em audiência de conciliação e instrução. E isso tem sua razão de ser. É que, a depender do conflito coletivo, para tentar solucioná-lo, muitas vezes se faz imprescindível a designação de audiência de conciliação em curto espaço de tempo (em 24 horas, 48 horas etc.). E, por certo, fere o substancial direito de defesa conceder ao demandado prazo tão exíguo para oferecer sua contestação. Assim, preferível é entender que, realizada a audiência de conciliação e não tendo esta sido obtida, cabe ao presidente do Tribunal conceder prazo razoável para a parte demandada oferecer defesa. Página 13

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Finda esta audiência de conciliação sem êxito, cabe, ainda, a distribuição do feito, designando-se um relator. Observe-se, então, que o Presidente do Tribunal apenas funciona como relator e conciliador até a audiência de conciliação, podendo participar do julgamento como integrante do órgão competente, se for o caso. Apresentada a defesa, encerrada a fase postulatória e, se for o caso, adotadas as providências preliminares, poderá o relator realizar as diligências necessárias à instrução do feito, se necessário (art. 864 da CLT (LGL\1943\5)). Cabe destacar, ainda, que, na hipótese do dissídio ser proposto pelo Ministério Público (ou terceiro legitimado), as partes demandadas (grevistas e Poder Público) devem apresentar suas defesas e, ao mesmo tempo, poderão adotar a posição de autor da demanda, apresentando, em face do outro, suas reivindicações. Neste caso, cabe observar o contraditório, assegurando a cada demandado o direito de se pronunciar sobre a defesa do outro. Teríamos uma espécie de "reconvenção", mas não proposta pelo réu em face do autor (neste caso, o Ministério Público ou terceiro legitimado), mas, sim, em face do outro demandado. Vencida a etapa instrutória, cabe ouvir o Ministério Público, para em seguida o processo ser levado a julgamento. O Ministério Público, por sua vez, pode protestar por apresentar seu parecer oralmente, na sessão de julgamento (art. 11 da Lei 7.701/1988). Vale frisar, porém, que, tanto o presidente do Tribunal, até antes de sorteado o relator, como este último, pode, no decorrer do dissídio, se houver ameaça de perturbação de ordem, requisitar à autoridade competente as providências que se tornarem necessárias (art. 865 da CLT (LGL\1943\5)). São as medidas cautelares que podem ser adotadas para garantia da paz social e da prestação dos serviços e atividades essenciais para atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade (art. 11 da Lei 7.783/1989). Julgado o dissídio, da decisão do Tribunal serão notificadas as partes, em registrado postal, com franquia, ou seus representantes, fazendo-se, outrossim, a sua publicação no jornal oficial, para ciência dos demais interessados (art. 867 da CLT (LGL\1943\5)). A Lei 7.701/1988, no entanto, dispõe que o juiz relator ou o redator designado disporá de 10 dias para redigir o acórdão (§ 1.º do art. 7.º). Buscando a efetividade da justiça, dispõe ainda que "não publicado o acórdão nos 20 dias subsequentes ao julgamento, poderá qualquer dos litigantes ou o Ministério Público (...) interpor recurso (...), fundado, apenas, na certidão de julgamento, inclusive com pedido de efeito suspensivo, pagas as custas, se for o caso. Publicado o acórdão, reabrir-se-á o prazo para o aditamento do recurso interposto" (§ 2.º do art. 7.º). Publicado, porém, o acórdão, quando as partes serão consideradas intimadas, seguir-se-á o procedimento recursal como previsto em lei, com a intimação pessoal do Ministério Público (§ 4.º do art. 7.º da Lei 7.701/1988). Outrossim, dispõe, ainda, a lei, que a decisão "poderá ser objeto de ação de cumprimento a partir do vigésimo dia subsequente ao do julgamento, fundada no acórdão ou na certidão de julgamento, salvo se concedido efeito suspensivo pelo Presidente do Tribunal Superior (...)" (§ 6.º do art. 7.º da Lei 7.701/1988). Se, porém, o dissídio for julgado pelo STJ, por analogia, "a sentença poderá ser objeto de ação de cumprimento com a publicação da certidão de julgamento" (art. 10 da Lei 7.701/1988). 8. Do recurso No âmbito da Justiça do Trabalho, da decisão proferida pelo TRT, em dissídio coletivo, cabe recurso ordinário para o TST (§ 2.º do art. 7.º da Lei 7.701/1988), no prazo de oito dias. Já no TST, das suas decisões não unânimes, cabe embargos infringentes (alínea c do inc. II do art. 2.º da Lei 7.701/1988), também no prazo de oito dias. Óbvio, ainda, que, nas hipóteses disciplinadas na Constituição, cabe o recurso extraordinário. Página 14

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No âmbito da Justiça não trabalhista, porém, duas são as soluções possíveis: a primeira, adotar a sistemática recursal trabalhista diante da omissão da legislação processual civil ou aplicar as regras recursais postas na legislação processual civil. Nesta segunda hipótese, então, e que nos parece mais aceitável, das decisões dos TRFs e dos Tribunais de Justiça caberia a interposição do recurso especial ou extraordinário, enquanto das decisões do STJ, quando muito, caberia o recurso extremo ao STF. A atração da sistemática recursal civil, por sua vez, seria a aplicável por força do disposto no art. 105, III, da CF/1988 (LGL\1988\3), que estabelece a possibilidade de interposição de recurso especial das decisões proferidas pelos TRFs e Tribunais de Justiça, em causas decididas em única ou última instância. Este recurso, pois, seria o cabível, em qualquer hipótese, dada sua matriz constitucional, contra as decisões proferidas pelos TRFs e Tribunais de Justiça nos dissídios coletivo de greve. Cabe, porém, a aplicação da regra que possibilita ao presidente do Tribunal Superior conceder efeito suspensivo ao recurso, "pelo prazo improrrogável de 120 (cento e vinte) dias contados da publicação, salvo se o recurso (...) for julgado antes do término do prazo" (art. 9.º da Lei 7.701/1988). Vale lembrar, todavia, que as lições acima, quanto ao recurso, somente tem cabimento contra a decisão jurisdicional proferida pelos Tribunais. Na hipótese de decisão normativa, descabe a interposição de recurso especial e extraordinário, pois eles apenas estão previstos para as causas jurisdicionais. Observe-se que o recurso extremo, dirigido ao excelso STF, bem como aqueles dirigidos ao STJ, só tem cabimento contra decisão proferida em uma causa. No que se refere a "causa", é entendimento já sedimentado, na doutrina e na jurisprudência, que o seu conceito é o mais amplo, abrangendo "a totalidade dos processos em que tenha sido proferida decisão jurisdicional, tanto em jurisdição contenciosa como na denominada jurisdição voluntária".21 O próprio STF já assentou que "são impugnáveis na via recursal extraordinária apenas as decisões finais proferidas no âmbito de procedimento judicial que se ajuste ao conceito de causa (art. 102, III, da CF/1988 (LGL\1988\3)). A existência de uma causa - que atua como inafastável pressuposto de índole constitucional inerente ao recurso extraordinário - constitui requisito formal de admissibilidade do próprio apelo extremo. A locução constitucional 'causa' designa, na abrangência de seu sentido conceitual, todo e qualquer procedimento em cujo âmbito o Poder Judiciário, desempenhando função institucional típica, pratica atos de conteúdo estritamente jurisdicional".22 Ficam excluídas, assim, do âmbito do recurso especial e extraordinário, as causas de natureza eminentemente administrativa ou legislativa, já que nestas não há decisão jurisdicional. Sendo assim, não cabe a interposição do recurso especial ou extraordinário contra a decisão proferida em dissídio coletivo geradora de sentença normativa. Contra os vícios da inconstitucionalidade, cabe, sim, com fundamento no art. 102, I, da CF/1988 (LGL\1988\3), o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade contra o ato normativo (sentença normativa). 9. Conclusão Em conclusão, verificamos pelas lições acima que, em face do decidido pelo STF no MI 670/ES, a Justiça não-especializada trabalhista passou a deter competência para apreciar o dissídio coletivo dos servidores públicos. E, diante da lacuna legislativa, a esta já antiga e conhecida demanda judicial, aplicam-se as regras procedimentais estabelecidas na legislação processual trabalhista, no que couber. É certo, ainda, que, somente com o pipocar dessas demandas na Justiça Comum e Federal é que as questões procedimentais pertinentes serão, na praxe judicial, solucionadas. 10. Referências BARROS, Sérgio Resende de. Leis federais transitivas e intransitivas. In: Martins, Ives Gandra Página da 15

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Silva; Resek, José Francisco (coords.). Constituição Federal (LGL\1988\3): avanços, contribuições e modificações no processo democrático brasileiro. São Paulo: Ed. RT: CEU - Centro de Extensão Universitária, 2008, p. 514-522. CALAMANDREI, Piero. A natureza jurídica das decisões da magistratura do trabalho na Itália. Trad. Osvaldo Magon. RF, vol. 75, ano 35, fasc. 423. Rio de Janeiro: Forense, 1938. CARNELUTTI, Francesco. Teoria del regolamento collettivo dei rapporti di lavoro. Padova: Cedam, 1936. COQUEIJO COSTA, Carlos. Direito processual do trabalho. 4. ed. São Paulo: Ed. LTr, 1995. DRSQUOAGOSTINI, Gracco. Il processo collettivo del lavoro. Padova: Cedam, 1938. DEMARI, Melissa. A possibilidade da negociação coletiva entre servidores públicos e o Estado. Jus Navigandi, n. 2046, ano 13. Teresina, 06.02.2009. Disponível em: [http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12289]. Acesso em: 23.03.2009. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. JAEGER, Nicola. Corso di diritto processuale del lavoro. 2. ed. Padova: Cedam, 1936. LITALA, Luigi de. Diritto processuale del lavoro. Torino: Torinese, 1936. ____. Contratto di lavoro. Torino: Torinese, 1937. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 1991. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil (LGL\1973\5). 3. ed. Atualizado por Sérgio Bermudes. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, t. V. ROSAS, Roberto. Direito processual constitucional: princípios constitucionais do processo civil. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 1997. SEMO, Giorgio de. Il contratto collettivo di lavoro: natura giuridica ed effetti. 2. ed. Padova: Cedam, 1935. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. ZANOBINI, Guido. Corso di diritto corporativo. Milão: Giuffrè, 1942.

1. Por todos: Carlos Coqueijo Costa, Direito processual do trabalho, p. 106. 2. José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 99. 3. A respeito, cf. Roberto Rosas, Direito processual constitucional, p. 60-70. 4. Apud Roberto Rosas, idem, p. 60, nota de rodapé 20. 5. Piero Calamandrei, A natureza jurídica das decisões da magistratura do trabalho na Itália, p. 520. 6. Idem, p. 521. 7. Idem, ibidem. 8. Idem, ibidem. 9. Teoria del regolamento collettivo dei rapporti di lavoro, p. 105. Página 16

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10. Idem, p. 106. 11. Nicola Jaeger, Corso di diritto processuale del lavoro, p. 51. 12. Corso di diritto corporativo, p. 363. 13. Do processo legislativo, p. 187-188. 14. "Art. 142. (...) § 1.º A lei especificará as hipóteses em que as decisões, nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho." 15. Leis federais transitivas e intransitivas, p. 518. 16. Idem, ibidem. 17. Idem, ibidem. 18. Melissa Demari, A possibilidade da negociação coletiva entre servidores públicos e o Estado. Jus Navigandi. Disponível em: [http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12289]. Acesso em: 23.03.2009. 19. Idem. 20. Carlos Coqueijo Costa, op. cit., p. 113. 21. Athos Gusmão Carneiro, Anotações sobre o recurso especial, RT 654/7 (DTR\1990\73) apud Mancuso, Rodolfo de Camargo, Recurso extraordinário e recurso especial, p. 78, nota de rodapé 28. 22. RE 164.458-4/DF, rel. Min. Celso de Mello, DJU 02.06.1995, p. 16241.

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