Diversidade no território da tradição - 2015
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Diversidade no território da tradição 29 de outubro de 2015
No interior de Santa Catarina, professora cria projeto de combate ao preconceito e à homofobia
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Letícia Larieira, do Todos Pela Educação Águas Mornas, no interior de Santa Catarina, tem cerca de cinco mil habitantes. Colonizada por alemães, o município fica numa região rural, onde muitos habitantes ainda falam o idioma alemão em seu dia a dia e os jovens trabalham na agricultura. Arquivo Pessoal
Nessa pequena comunidade, nasceu e vive Maria Gabriela Abreu, de 32 anos. Professora de língua portuguesa na Escola de Educação Básica Coronel Antônio Lehmkhul, onde estudou durante parte da infância e adolescência, ela desenvolveu com os alunos do segundo ano do Ensino Médio o projeto “Uma Semente Plantada em Terra de Agricultores”. A iniciativa, que visava promover o respeito à diversidade, o combate à homofobia e uma discussão sobre as relações de gênero, rendeu à professora o Prêmio Construindo Igualdade de Gênero, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O projeto, inicialmente desenvolvido com duas turmas, acabou se expandindo para as demais séries, impactando também a realidade do município. Com diálogo e informação, Gabriela pretendia plantar um pouco mais de respeito às diversidades não apenas na escola, mas também na comunidade. Vencendo barreiras Desde o início de sua carreira como professora, Maria Gabriela gostava de abordar temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania nas aulas de língua portuguesa. Durante a infância e a juventude, a garota, criada em um município de valores tradicionais, já questionava sobre o papel da mulher e as diferenças entre os sexos. Como professora e interessada por temas relacionados à Educação Sexual, relações de gênero e diversidade nas escolas, Maria Gabriela buscou fundamentação para o projeto que tinha em mente. Em 2012, participou de um curso de extensão sobre o tema oferecido pela Universidade Federal de Santa Catarina. Na formação, estudou sobre gênero e sexualidade e aprendeu a abordar esse assunto tão complexo em sala de aula. Entusiasmada, Gabriela propôs aos alunos a seguinte atividade: durante um mês, uma vez por semana, eles discutiriam sobre relações de gênero, preconceito, homofobia, machismo e sexualidade. Ao final do processo, seria realizado um concurso de cartazes, em que os alunos deveriam relacionar os gêneros textuais trabalhados em sala de aula e os temas discutidos. No primeiro dia de atividade, Maria Gabriela propôs que os alunos escrevessem o que lhes viesse à cabeça quando pensavam em palavras como ‘sexualidade’, ‘diversão’ e ‘namoro’. Confrontando as diversas respostas dos estudantes, a professora os questionou por que ligaram aquelas ideias às palavras. Com base nos relatos, a sala refletiu, por exemplo, sobre por que as meninas relacionam ‘casamento’ a ‘sexo’ mais do que os meninos. “Fizemos uma discussão reflexiva e analisamos a diferença entre as respostas de meninos e de meninas; com o que eles disseram, conversamos sobre como o nosso gênero influenciava na nossa criação desde pequenos”, conta a docente. Para aprofundar a discussão, Maria Gabriela propôs aos alunos discutir sobre os conceitos de heterossexualidade e de homossexualidade, procurando significado também para definições como gay, lésbica, transexual e homofobia. Ao ouvir o que os estudantes entendiam por cada palavra, a professora passou a discutir os preconceitos que pessoas com diferentes variações de gênero poderiam sofrer na escola ou na cidade. Partindo desses conceitos, os alunos criaram, em grupo, cartazes de conscientização contra o preconceito e a homofobia. Resistência e apoio Maria Gabriela afirma que, durante a condução do projeto, esperava reações negativas dos pais e da comunidade
escolar. O questionamento veio, mas foi mínimo e por meio de casos isolados. “Tive alunos que disseram que não concordavam com o que eu estava dizendo e não fariam as atividades propostas”, diz a professora. Por outro lado, surpreendentemente, a escola e as famílias deram abertura ao projeto: além de conquistar o apoio de outros docentes, Gabriela conseguiu com que os trabalhos fossem expostos no centro cultural do município. Porém, ainda que a professora não tenha sofrido pressão da escola para interromper o projeto, tampouco teve apoio explícito. “A escola não me ajudou diretamente, mas me deu total autonomia para eu desenvolver a iniciativa como queria; hoje em dia, eu sinto que o ambiente mudou. Ainda que de forma tímida, a instituição não é mais conivente com casos de homofobia ou preconceito como já havia acontecido no passado”, conta. Na escola, a iniciativa acabou permeando outros projetos de combate ao preconceito e respeito às diversidades; algumas professoras do Ensino Fundamental, por exemplo, criaram projetos de conscientização contra o racismo com os estudantes. Na opinião de Maria Gabriela, a reação positiva de todos devese à abordagem do projeto, que sempre visava o combate ao preconceito e o respeito dentro da escola. Para ela, o trunfo foi frisar que mesmo não concordando com a conduta do outro, todos merecemos ser respeitados. “Além do conhecimento teórico, que me dava segurança para trabalhar com o tema, o meu foco sempre foi o respeito à diversidade; nenhum pai quer criar um filho agressivo, intolerante e preconceituoso, então eu sempre argumentei por esse lado”, diz a professora. Gênero e sexualidade na escola De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a orientação sexual deve ser um tema transversal no currículo, podendo ser abordado nas diferentes disciplinas, levando em consideração o contexto. Segundo o documento, “ao tratarse do tema, relacionase com o direito ao prazer e ao exercício da sexualidade com responsabilidade. Engloba as relações de gênero, o respeito a si mesmo e à diversidade”. O texto também frisa a importância de oferecer Educação para a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e gravidez na adolescência, problemas não só das relações de gênero, mas também de saúde pública. Segundo Marcelo Daniliauskas, mestre pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), onde estudou sobre relações de gênero, diversidade sexual e políticas públicas de Educação, a escola precisa discutir temas que estão presentes na realidade dos alunos. “Discutir não é impor uma ideia, é debater; a escola precisa ser um espaço para a convivência em sociedade, e isso implica conviver com as diferenças”, afirma o Daniliauskas. Para o pesquisador, para acolher as diversidades sexuais na escola, a instituição de ensino deve atuar em três frentes: assegurar a segurança e integridade física dos alunos, abrir espaço ao estudante para a participação nas atividades escolares e tocar na temática de gênero e sexualidade com toda a comunidade escolar. “No quesito Educação Sexual, acreditase que é preciso falar do ato em si, mas a proposta não é necessariamente essa; de modo realista, tratase de dar ao jovem ferramentas para que ele tenha autonomia sobre o seu corpo e possa ter uma iniciação sexual saudável”. Marcelo também ressalta que para ser universal e acolhedora, é indispensável que a escola garanta o acesso, a permanência e a qualidade de aprendizagem dos jovens. A professora Maria Gabriela, por sua vez, concorda com Daniliauskas. Para ela, a Educação, além de ensinar os conteúdos básicos, deve preparar os alunos para a cidadania. “Quando discutimos relações de gênero e sexualidade na escola, estamos ensinando os alunos a conviver com as diferenças e se tornarem cidadãos conscientes e preparados para o mundo; afinal, esse é o papel da escola”.
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