Diversidade no território da tradição - 2015

June 23, 2017 | Autor: Marcelo Daniliauskas | Categoria: LGBT Issues (Education)
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Diversidade no território da tradição 29 de outubro de 2015

No interior de Santa Catarina, professora cria projeto de combate ao preconceito e à homofobia

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Letícia Larieira, do Todos Pela Educação Águas  Mornas,  no  interior  de  Santa  Catarina,  tem  cerca  de  cinco  mil habitantes. Colonizada por alemães, o município fica numa região rural, onde muitos habitantes ainda falam o idioma alemão em seu dia a dia e os jovens trabalham na agricultura. Arquivo Pessoal

  Nessa  pequena  comunidade,  nasceu  e  vive  Maria  Gabriela  Abreu,  de  32 anos. Professora de língua portuguesa na Escola de Educação Básica Coronel Antônio Lehmkhul, onde estudou durante  parte  da  infância  e  adolescência,  ela  desenvolveu  com  os  alunos  do  segundo  ano  do  Ensino  Médio  o projeto  “Uma  Semente  Plantada  em  Terra  de  Agricultores”.  A  iniciativa,  que  visava  promover  o  respeito  à diversidade, o combate à homofobia e uma discussão sobre as relações de gênero, rendeu à professora o Prêmio Construindo Igualdade de Gênero, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O projeto, inicialmente desenvolvido com duas turmas, acabou se expandindo para as demais séries, impactando também  a  realidade  do  município.  Com  diálogo  e  informação,  Gabriela  pretendia  plantar  um  pouco  mais  de respeito às diversidades não apenas na escola, mas também na comunidade. Vencendo barreiras Desde  o  início  de  sua  carreira  como  professora,  Maria  Gabriela  gostava  de  abordar  temas  relacionados  aos direitos humanos e à cidadania nas aulas de língua portuguesa. Durante a infância e a juventude, a garota, criada em um município de valores tradicionais, já questionava sobre o papel da mulher e as diferenças entre os sexos. Como professora e interessada por temas relacionados à Educação Sexual, relações de gênero e diversidade nas escolas,  Maria  Gabriela  buscou  fundamentação  para  o  projeto  que  tinha  em  mente.  Em  2012,  participou  de  um curso  de  extensão  sobre  o  tema  oferecido  pela  Universidade  Federal  de  Santa  Catarina.  Na  formação,  estudou sobre gênero e sexualidade e aprendeu a abordar esse assunto tão complexo em sala de aula. Entusiasmada,  Gabriela  propôs  aos  alunos  a  seguinte  atividade:  durante  um  mês,  uma  vez  por  semana,  eles discutiriam  sobre  relações  de  gênero,  preconceito,  homofobia,  machismo  e  sexualidade.  Ao  final  do  processo, seria realizado um concurso de cartazes, em que os alunos deveriam relacionar os gêneros textuais trabalhados em sala de aula e os temas discutidos. No  primeiro  dia  de  atividade,  Maria  Gabriela  propôs  que  os  alunos  escrevessem  o  que  lhes  viesse  à  cabeça quando  pensavam  em  palavras  como  ‘sexualidade’,  ‘diversão’  e  ‘namoro’.  Confrontando  as  diversas  respostas dos estudantes, a professora os questionou por que ligaram aquelas ideias às palavras. Com base nos relatos, a sala  refletiu,  por  exemplo,  sobre  por  que  as  meninas  relacionam  ‘casamento’  a  ‘sexo’  mais  do  que  os  meninos. “Fizemos uma discussão reflexiva e analisamos a diferença entre as respostas de meninos e de meninas; com o que  eles  disseram,  conversamos  sobre  como  o  nosso  gênero  influenciava  na  nossa  criação  desde  pequenos”, conta a docente. Para aprofundar a discussão, Maria Gabriela propôs aos alunos discutir sobre os conceitos de heterossexualidade e  de  homossexualidade,  procurando  significado  também  para  definições  como  gay,  lésbica,  transexual  e homofobia.  Ao  ouvir  o  que  os  estudantes  entendiam  por  cada  palavra,  a  professora  passou  a  discutir  os preconceitos que pessoas com diferentes variações de gênero poderiam sofrer na escola ou na cidade. Partindo desses conceitos, os alunos criaram, em grupo, cartazes de conscientização contra o preconceito e a homofobia. Resistência e apoio Maria Gabriela afirma que, durante a condução do projeto, esperava reações negativas dos pais e da comunidade

escolar. O questionamento veio, mas foi mínimo e por meio de casos isolados. “Tive alunos que disseram que não concordavam  com  o  que  eu  estava  dizendo  e  não  fariam  as  atividades  propostas”,  diz  a  professora.  Por  outro lado,  surpreendentemente,  a  escola  e  as  famílias  deram  abertura  ao  projeto:  além  de  conquistar  o  apoio  de outros docentes, Gabriela conseguiu com que os trabalhos fossem expostos no centro cultural do município. Porém,  ainda  que  a  professora  não  tenha  sofrido  pressão  da  escola  para  interromper  o  projeto,  tampouco  teve apoio  explícito.  “A  escola  não  me  ajudou  diretamente,  mas  me  deu  total  autonomia  para  eu  desenvolver  a iniciativa como queria; hoje em dia, eu sinto que o ambiente mudou. Ainda que de forma tímida, a instituição não é mais conivente com casos de homofobia ou preconceito como já havia acontecido no passado”, conta. Na escola, a  iniciativa  acabou  permeando  outros  projetos  de  combate  ao  preconceito  e  respeito  às  diversidades;  algumas professoras do Ensino Fundamental, por exemplo, criaram projetos de conscientização contra o racismo com os estudantes. Na opinião de Maria Gabriela, a reação positiva de todos deve­se à abordagem do projeto, que sempre visava o combate ao preconceito e o respeito dentro da escola. Para ela, o trunfo foi frisar que mesmo não concordando com  a  conduta  do  outro,  todos  merecemos  ser  respeitados.  “Além  do  conhecimento  teórico,  que  me  dava segurança para trabalhar com o tema, o meu foco sempre foi o respeito à diversidade; nenhum pai quer criar um filho agressivo, intolerante e preconceituoso, então eu sempre argumentei por esse lado”, diz a professora. Gênero e sexualidade na escola De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a orientação sexual deve ser um tema transversal no currículo, podendo ser abordado nas diferentes disciplinas, levando em consideração o contexto. Segundo o documento,  “ao  tratar­se  do  tema,  relaciona­se  com  o  direito  ao  prazer  e  ao  exercício  da  sexualidade  com responsabilidade. Engloba as relações de gênero, o respeito a si mesmo e à diversidade”. O texto também frisa a importância  de  oferecer  Educação  para  a  prevenção  de  doenças  sexualmente  transmissíveis  e  gravidez  na adolescência, problemas não só das relações de gênero, mas também de saúde pública. Segundo Marcelo Daniliauskas, mestre pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), onde estudou sobre relações de gênero, diversidade sexual e políticas públicas de Educação, a escola precisa discutir temas que estão presentes na realidade dos alunos. “Discutir não é impor uma ideia, é debater; a escola precisa ser  um  espaço  para  a  convivência  em  sociedade,  e  isso  implica  conviver  com  as  diferenças”,  afirma  o Daniliauskas. Para  o  pesquisador,  para  acolher  as  diversidades  sexuais  na  escola,  a  instituição  de  ensino  deve  atuar  em  três frentes: assegurar a segurança e integridade física dos alunos, abrir espaço ao estudante para a participação nas atividades  escolares  e  tocar  na  temática  de  gênero  e  sexualidade  com  toda  a  comunidade  escolar.  “No  quesito Educação Sexual, acredita­se que é preciso falar do ato em si, mas a proposta não é necessariamente essa; de modo realista, trata­se de dar ao jovem ferramentas para que ele tenha autonomia sobre o seu corpo e possa ter uma  iniciação  sexual  saudável”.  Marcelo  também  ressalta  que  para  ser  universal  e  acolhedora,  é  indispensável que a escola garanta o acesso, a permanência e a qualidade de aprendizagem dos jovens. A professora Maria Gabriela, por sua vez, concorda com Daniliauskas. Para ela, a Educação, além de ensinar os conteúdos  básicos,  deve  preparar  os  alunos  para  a  cidadania.  “Quando  discutimos  relações  de  gênero  e sexualidade  na  escola,  estamos  ensinando  os  alunos  a  conviver  com  as  diferenças  e  se  tornarem  cidadãos conscientes e preparados para o mundo; afinal, esse é o papel da escola”.  

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