Diversidade religiosa em Parintins-AM: desafios e superação na pesquisa de campo

May 22, 2017 | Autor: Clarice Bianchezzi | Categoria: Memoria, Diversidade Religiosa, trajetória histórica
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2⁰ Simpósio Internacional de História das Religiões XV Simpósio Nacional de História das Religiões ABHR 2016

Diversidade religiosa em Parintins-AM: desafios e superação na pesquisa de campo Clarice Bianchezzi1 Andreissa Silveira Gomes2 1. Introdução A presente artigo apresenta um recorte da pesquisa que visa averiguar a construção da pluralidade religiosa em uma região de fronteira do estado do Amazonas com o Pará3 nos dias atuais. Tendo como campo de pesquisa a cidade de Parintins situada no Médio-Baixo Amazonas onde buscamos elucidar como territórios de origem marcadamente católica vêm correlacionando, nos últimos anos, as marcas identitárias baseadas na forte presença pública da Igreja Católica com o crescimento progressivo das denominações

cristãs

protestantes, pentecostais e neopentecostais na área urbana do município, onde coexistem ainda diversos espaços dedicados aos cultos afro-brasileiros e espíritas(especialmente kardecistas) e, em alguns casos, tradições ligadas às culturas indígenas ou aos chamados novos movimentos religiosos. O projeto de iniciação cientifica aqui desenvolvido se propôs a produção de fontes orais junto às lideranças religiosas, abrindo assim um leque de possibilidades para novas pesquisas ao mesmo em tempo que promove um registro histórico e historiográfico de muitas igrejas, grupos ou movimentos que nunca produziram nenhum relato escrito de sua 1

Graduada em História (licenciatura e bacharelado) pela Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Atualmente professora assistente de História no Centro

de Estudos Superiores de Parintins -CESP da Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Membro do grupo de pesquisa: CEPRES Centro de Estudos Políticos, Religião e Sociedade. E-mail: [email protected] 2 Graduanda da Licenciatura em História CESP/UEA e bolsista do Programa de Iniciação Cientifica – PAIC/UEA/FAPEAM. 3 Projeto registrado na Universidade do Estado do Amazonas, no edital de Produtividade Acadêmica sob o título: A religião na(s) fronteira(s) – espaço público e reconfigurações do campo religioso no médio-baixo Amazonas, sob a responsabilidade de: Msc. Diego Omar da Silveira e Msc. Clarice Bianchezzi, pesquisadores que atuam na coleta de dados de forma distinta e complementar, visando cruzar tais dados para ampliar a compreensão do campo religioso no médio-baixo Amazonas.

trajetória, cujos elementos permanecem guardados apenas na memória de seus fieis e/ou fundadores. Assim tivemos como objetivo neste artigo destacar os desafios e superação na pesquisa de campo de registro da memória da diversidade religiosa (igrejas e movimentos religiosos) em Parintins, a partir das narrativas de suas lideranças visando obter informações sobre a trajetória histórica desses grupos sociais/institucionais na área urbana deste município, partindo previamente da identificação e mapeamento as lideranças das igrejas e movimentos religiosos, em cada bairro do município, a serem entrevistados, organizando, posteriormente, os relatos de memória de cada igreja e movimento religioso de forma a fornecer um banco de dados para aprofundamento de pesquisas históricas.

2. Metodologia Utilizamos a metodologia da Historia Oral tendo presente que ao desenvolver esse estudo que a memória é seletiva. Nem tudo fica gravado. Nem tudo fica registrado (POLLAK, 1992.p. 204), consideramos com isso que as informações fornecidas pelas lembranças dos entrevistados são fragmentos de uma realidade mais ampla e complexa. Após a identificação das lideranças religiosas, foram realizadas entrevistas orais semiestruturadas. Priorizamos a coleta de três relatos orais (minimamente) em cada um dos bairros de Parintins, a partir dos dados da tabela que segue:

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Tabela 01

Fonte: BIANCHEZZI; SILVEIRA, 2015, p.195.

Contudo, nem sempre foi possível cumprir este propósito, porque em alguns bairros não tínhamos este número mínimo e, em outros, tinha mais que o dobro. Desta forma, selecionamos ao total 49 pontos religiosos para serem realizadas as entrevistas com seus respectivos líderes. Esses foram selecionados da seguinte forma: de cada bairro do município de Parintins, escolhemos três pontos religiosos, sendo um pentecostal, um evangélico e um afro brasileiro. De posse disso fomos a campo para localizar e identificar seus respectivos líderes para agendamento e registro da entrevista. Assim constituímos um breve acervo de registros orais capazes de fornecer informações sobre a trajetória histórica das várias igrejas e movimentos religiosos de Parintins, tendo presente que são as narrativas das memórias que afloram dados de maior significado para cada grupo, pois os indivíduos estão inseridos em contexto amplo: familiar, social e nacional (ROUSSO, 2002, p. 94), caracterizando uma vivência identitária religiosa geradora de pertença ao grupo religioso.

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Após selecionado e identificado as lideranças das igrejas, grupos e movimentos religiosos no município de Parintins por bairro iniciamos o registro das memórias-históricas religiosas em áudio e vídeo com as lideranças das igrejas e movimentos religiosos identificados, formando um acervo documental capaz de fornecer dados qualitativos sobre a trajetória, relações e inter-relações religiosas no contexto da diversidade religiosa no município de Parintins. Para desenvolvimento da pesquisa utilizamos o formulário de questões impulsionadoras, de acordo com ALBERTI (2013), nesse sentido, trata-se de um esforço de sistematizar os dados levantados até então e de articulá-los com as questões que impulsionam a pesquisa. Também, antes de iniciar a pesquisa o projeto foi submetido ao Comitê de Ética da Universidade do Estado do Amazonas de acordo com as normas que regulamentam pesquisas com seres humanas.

3. Resultados e discussões Conhecer, estudar profundamente o objeto de pesquisa escolhido deu uma base firme de conhecimento do tema da pesquisa, a qualidade dos resultados da pesquisa e de um trabalho posterior depende de estudo e dedicação. Dessa forma, foi importante conhecer e ter um estudo teórico sobre o tema relacionado ao projeto, assim nos valemos do estudo de Verena Alberti (2013), obra Manual de História Oral, que nos deu suporte teórico para desenvolver a pesquisa nas várias etapas: preparação da entrevista, desde o objeto de pesquisa, a elaboração dos roteiros, a escolha dos entrevistados e entrevistadores, e seus respectivos papeis, o contato inicial, a entrevista, a duração, o local, a condução, a autorização de uso, instrumentos utilizados gravador, câmera de filmagem, o encerramento e o tratamento do material registrado. Desde o primeiro contato com os entrevistados, buscamos como pesquisadora e entrevistadora, expor a importância e confiabilidade da pesquisa, tivemos o cuidado de respaldar o entrevistado e esta pesquisa que foi devidamente submetida e aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade - com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, documento este que todo líder religioso assinou ao concordar em ser entrevistar.

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Ao iniciarmos a pesquisa com a leitura do material teórico, seleção dos pontos religiosos, pensávamos que seria fácil realizar todas as entrevistas selecionadas, inclusive planejávamos realizar três entrevistas por dia, porém depois da ida a campo para localizar e identificar esses pontos religiosos e seus respectivos lideres, compreendemos que não funcionaria tão perfeitinho conforme planejado. Iniciamos as visitas por bairros, geralmente nas primeiras visitas era somente para localizar o centro religioso, pois inúmeras vezes as mesmas estavam fechadas. No decorrer das visitas, apreendemos que cada confissão religiosa tinha horários distintos, por exemplo: nas Igrejas Católicas o atendimento foi sempre no horário comercial devido terem em suas paróquias secretarias para atendimento. Nas igrejas evangélicas o atendimento era a noite no início ou final do culto. Nos espaços reservados as celebrações das religiões afro brasileira, o horário de atendimento sofria variações de acordo com a seara/mesa ou terreiro, podia ser de manhã ou à tarde, dependendo da disponibilidade do líder. Nestes centros religiosos destacamos que a noite, quando ocorre a realização de seus trabalhos/celebrações, tais líderes não gostam de ser incomodados com questões que sejam distintas das celebrativas. Uma vez identificado no endereço o ponto religioso, a tarefa seguinte era encontrar no local o seu líder que, quase sempre nas primeiras visitas, não o encontrávamos. Quando havia algum membro conseguíamos obter informações de quando, como e onde encontrálos. Quando não havia ninguém ocorria inúmeros retornos e tentativas em horários distintos até encontrar alguém. Isso fica bem evidenciado nos gráficos 01, 02 e 03 que seguem, onde consta o número de visitas por cada unidade religiosa:

Gráfico 01

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Fonte: GOMES, 2016, p.14-15.

Gráfico 02

Fonte: GOMES, 2016, p.14-15.

Nestes dois primeiros gráficos podemos observar um grande número de visitas em uma só igreja. Nossa persistência em retornar a essas unidades religiosas deveu-se a

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importância que elas têm para a sociedade de Parintins, são igrejas centrais que agregam várias outras da mesma denominação, fazem um trabalho não só espiritual, mas também social. Um desses exemplos foi o caso da Igreja Assembleia de Deus- IEADAM, essa é uma igreja central que possui 17 igrejas filiais só na área urbana do município de Parintins, que tem uma ampla atuação religiosa nesta cidade. Também é uma igreja formadora de líderes religiosos, apontado em entrevistas de outros líderes que iniciaram a formação e atuação como pastores nessa igreja, desligaram-se dela, por vários motivos até mesmo desentendimentos, formaram e são pastores em igrejas próprias. Deste modo, compreendemos que seria importante registrar a memória do líder desta instituição central. Em nenhum momento, nas visitas, percebemos falta de interesse do líder em colaborar com a pesquisa, pelo contrário, o que acontecia é que o pastor sempre estava ocupado, em missões, congressos, viagens e outas atividades da igreja. Devido ser um templo central tem bastante trabalho segundo o próprio pastor, em uma conversa que tivemos, onde realizamos o agendamento com o próprio líder, porém devido essas situações acima citadas, sempre houve o adiamento sendo que não conseguimos realizar a entrevista planejada. Igreja Batista Regular de Parintins, a persistência também foi pela sua singularidade: ela tem vários anos de fixação na cidade; ter um único templo em Parintins. Fizemos muitas visitas, em nenhuma delas encontramos o líder, somente por telefone, agendamos a entrevista, mas sempre foi adiada pelo líder, mas não desistimos, pois, o pastor sempre se desculpava e reagendava, mas, infelizmente não foi possível realiza-la até o prazo de finalização do projeto.

Gráfico 03

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Fonte: GOMES, 2016, p.14-15.

Nas unidades religiosas de matriz afro-brasileira, alguns foram bastante receptivos, observamos o interesse em realizar a entrevista motivados pelo interesse em registrar a trajetória do terreiro, mesa ou seara, com grande satisfação. Uma até nos recebeu bem, conversou contou toda sua história, porém não permitiu que gravasse – nem com gravador, nem com a filmadora. Houve, porém uma situação que não ousamos entrar devido uma placa afixada, bem visível, na entrada do local de atendimento “se não tiver como pagar não perca seu tempo e nem o meu”. Selecionamos poucas unidades religiosas católicas. Realizamos apenas duas entrevistas. Fomos bem recebidas. As outras que faltaram foi devido seus líderes estarem viajando. Através dessas entrevistas tínhamos a intenção de identificar se havia diálogo inter-religioso pela igreja católica com outras confissões religiosas, porém percebemos nas duas entrevistas efetuadas que não existia este diálogo nem por iniciativa dos líderes religiosos católicos destes bairros, nem mesmo por indicação administrativa da própria diocese local. Assim, dos 49 pontos religiosos, previamente selecionados, visitamos 47, agendamos 26, e desses 26 registramos com êxito 20 entrevistas gravadas em áudio (com gravador digital) e em vídeo (com câmera digital). Concluindo o primeiro ano de pesquisa, com os seguintes dados síntese:

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Gráfico 04

Fonte: GOMES, 2016, p.15.

A trajetória dessa pesquisa foi árdua, desde conseguir o contato com os líderes religiosos até a entrevista foi um trabalho de muita insistência e cansativo. Teve situações que não encontramos a unidade religiosa no endereço previamente mapeado, porém voltamos várias vezes para ter certeza que não estava funcionando. Informações essa que foram dadas por vizinhos, pessoas de perto que em certos casos foram receptivos, em outros foram ríspidos e grosseiros. Quando tínhamos certeza que esses centros religiosos estavam funcionando no endereço, voltávamos várias vezes até manter um contato. Também tem os casos de unidades religiosas que até estão no mesmo local registrado no mapeamento anteriormente feito, mas que nunca encontramos aberta.

4. Considerações finais

A atividades desenvolvidas ao longo dessa pesquisa foram bastante proveitosas e satisfatórias, nos despertou para percepção de que cada pessoa tem um jeito de se expressar, relembrar e compartilhar suas lembranças relacionadas as experiências de vida e religiosa, onde nós pesquisadores precisamos estar muito atento para chegar a essas pessoas sempre respeitando sua vontade e disposição em falar.

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Trabalhar com pessoas requer muita sensibilidade para saber ouvi-las com carinho e respeito. Quando o tema em questão é religião requer mais tato e cuidado, pois cada qual fala daquilo que considera elemento fundamental na sua vivência e sempre vai referir-se com uma áurea sagrada, de defesa e proteção. As palavras muitas vezes são “medidas” para que tenham um único sentido e as frases são externadas para que as lembranças sejam carregadas de mérito e veneração. O campo nos ensinou muito! A trajetória da pesquisa nos deu aprendizados de elementos que não constam na teoria da pesquisa metodológica: enquanto entrevistadoras, fomos aprendendo como abordar um pastor, um padre, um líder da umbanda na realidade local de Parintins - que livro algum seria capaz de nos fornecer devido a especificidade local e experiência humana única nestes casos. A pesquisa também apresentou dificuldades que precisam ser constadas aqui, porque compõem esse logo percurso que é fazer pesquisa pela metodologia da Historia Oral, algumas destas foram: a) o agendamento: quando fomos para agendar as entrevistas não foi na primeira vez que conseguimos, tivemos que tentar uma, duas, três, quatro vezes e quantas vezes foram necessárias para encontrar o líder. Outra situação foi encontrar a instituição fechada, e em alguns casos, a intuição não estava mais naquele determinado local ou então já não estava mais atuando há algum tempo. b) adiamento das entrevistas: agendávamos a entrevista, porém no dia marcado o entrevistado não comparecia, por motivo de viagem, de outro compromisso ou até mesmo por esquecimento. Então novamente fazíamos o agendamento, essas situações foram constantes ao longo da pesquisa. c) líderes que não quiseram dar a entrevista por motivação própria e outros que não tinham autorização de um líder geral para fornecer essa entrevista/informação. Apesar de todas as dificuldades que encontrávamos desde o contato com o entrevistado até a realização da entrevista, não se compara jamais, com o aprendizado e conhecimento recebido nesse tempo de pesquisa: novos olhares, novos posicionamentos, novas ideias, possibilidades de ampliar pesquisas, novos horizontes um enorme leque de temas que podem ser aprofundados nessa área de História das Religiões a partir dos dados coletados.

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Houve também a satisfação, o respeito, a amizade que os líderes e/ ou fieis tiveram conosco ao longo do contato e, até mesmo, depois da entrevista, pois eles sentiram-se privilegiados em contribuir neste projeto para registrar a História/memória de sua instituição ou movimento religioso. Fazer pesquisa de campo com a metodologia da História oral mais do que o cansaço físico de andar o dia inteiro para agendar entrevistas, ficou o aprendizado com a pesquisa, experiência que envolve teoria e prática, mas que muitas vezes nos surpreende superando toda a teoria estudada.

5. Referências GOMES, Andreissa Silveira. Relatório Final de Iniciação Cientifica PAIC: Memórias e histórias da diversidade religiosa do Baixo-Amazonas - 1ª ano. Parintins - AM. CESP/UEA, 2016. ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. 3º ed. (ver. e amp.). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013. ALBERTI, Verena; FERNANDES, Tania Maria; FERREIRA, Marieta de Morais (org.). História oral: desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2000. BIANCHEZZI, Clarice; SILVEIRA, Diego Omar da. Demografia, Cartografia e História das religiões em Parintins: novas possibilidades para o estudo da diversidade religiosa na Amazônia. In: FERRREIRA, Arcangelo da Silva [et. al.] (org). Pensar, fazer e ensinar: desafios para o ofício do historiador no Amazonas.1ª ed. Manaus: Valer & UEA Edições, 2015, v.1, p. 183-204. MONTENEGRO, Antônio Torres. História Oral e memória: a cultura popular revisitada. 3ºed. São Paulo: Contexto, 1994. MONTENEGRO, Antônio Torres. História, metodologia, memória. São Paulo: Contexto, 2010. POLLAK, Michael. “Memória e identidade social”. In: Revista de Estudos Históricos. Rio deJaneiro: FGV, v. 5, n° 10, 1992. ______. “Memória, esquecimento, silêncio”. In: Revista de Estudos Históricos. Rio de Janeiro: FGV, v. 2, n° 3, 1989. ROUSSO, Henry. “A memória não é mais o que era”. In: FERREIRA, Marieta Moraes, &AMADO, Janaína (org.). Usos & Abusos da Historia Oral. 5º ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2002. 11

SANCHIS, Pierre. “O campo religiosos será ainda hoje o campo das religiões?” In: BEOZZO, José Oscar (org.). História da Igreja na América Latina e no Caribe (1945-1995). O debate metodológico. Petrópolis: Vozes, 1995. pp. 81-131. VALLA, Victor Vincent (org.). Religião e Cultura Popular. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

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