Diversidade Sexual e o Movimento LGBT no Agreste Pernambucano: Ações educativas para a inclusão e a transformação social (2009)

June 1, 2017 | Autor: Cleyton Feitosa | Categoria: Movimentos sociais, Educação, Homofobia, Movimentos LGBT
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DIVERSIDADE SEXUAL E O MOVIMENTO LGBT NO AGRESTE PERNAMBUCANO: AÇÕES EDUCATIVAS PARA A INCLUSÃO E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL Cleyton Feitosa Pereira – UFPE/CAA1 [email protected] Allene Carvalho Lage – UFPE/CAA2 [email protected] RESUMO Este artigo estuda a atuação do Movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros) e sua luta para o reconhecimento das diversidades sexuais. Objetiva conhecer as práticas educativas presentes nas ações deste Movimento, no sentido de combater a homofobia e a exclusão social. Para tanto, pautamo-nos numa abordagem qualitativa de pesquisa, a qual “preocupa-se com a compreensão, com a interpretação do fenômeno, considerando o significado que os outros dão às suas práticas” (GONSALVES, 2003: 68). Apresenta ainda como metodologia, uma pesquisa do tipo exploratória e explicativa aliada ao Método do Caso Alargado de Boaventura de Sousa Santos (1983). Como quadro teórico, utilizamos o pensamento de autores que analisaram a presença e a importância da educação nos movimentos sociais populares, sendo estes: Gohn (2007), Leher (2007), Lage (2005 e 2009) e Freire (2000 e 1994), entre outros que tratam da inclusão/exclusão e emancipação da comunidade LGBT. Para tanto, observamos o Grupo de Resistência Gay de Caruaru – grupo de ativistas que realizam ações na região Agreste de Pernambuco, no Brasil. Os resultados apontam para ações educativas inclusivas e transformadoras, na medida em que se dão de maneira contra-hegemônicas ao que está socialmente instituído (a heteronormatividade), visando e fortalecendo uma sociedade justa, digna e democrática. Palavras-chave: educação, movimentos sociais, movimento LGBT, homofobia.

ABSTRACT This paper studies the performance of the Movement LGBT (Lesbian, Gay, Bisexual and Transgender) and his struggle for the recognition of sexual diversity. Aimed at understanding the present educational practices in the actions of this movement to combat homophobia and social exclusion. For this, pautamo us a qualitative research approach, which "is concerned with understanding, the interpretation of the phenomenon, considering the meaning that others give to their practices" (GONSALVES, 2003: 68). It also presents as a methodology, an exploratory research and explanation along with the Extended Case Method Boaventura de Sousa Santos (1983). As theoretical framework, we use the thinking of scholars who analyzed the presence and importance of education in popular social movements, namely: Gohn (2007), Leher (2007), Lage (2005 and 2009) and Freire (2000 and 1994), among others dealing with the inclusion / exclusion and empowerment of the LGBT community. For this, we observed the Resistance Group Gay Caruaru - a group of activists who carry out actions in the region Wasteland of Pernambuco, Brazil. The results indicate an inclusive educational and

2 transformative, in that it gives a counter-hegemonic way to what is socially established (hetero), aiming at strengthening and a just, dignified and democratic. Keywords: education, social movements, LGBT movement, homophobia.

1 INTRODUÇÃO

A questão da homofobia tem provocado inúmeras formas de discriminação, preconceito, injustiças, desigualdades, exclusão e violência verbal, física e simbólica, que culminam na condição de subalternização do sujeito LGBT. Neste cenário, muitas iniciativas têm surgido dentro dos Movimentos Sociais que tratam da liberdade sexual e do respeito às pessoas, independente de suas diferenças. Desde o período da redemocratização3, a atuação do movimento LGBT no Brasil vem crescendo e conquistando visibilidade político-social, através de conferências, palestras, encontros, debates, pressão popular, ações preventivas, apoio psicológico, jurídico e de outras naturezas e, a mais conhecida por todos/as, a marcha da diversidade. A dimensão educativa no movimento LGBT será também outro ponto privilegiado do nosso estudo, discutindo os aspectos formais que perpassam as ações dos ativistas em suas variadas ações de luta contra a prática da homofobia, seja nas escolas, postos de saúde, universidades, faculdades ou nas ruas. Apesar disso vivemos numa situação de discriminação e opressão cotidianas. O Brasil, através das lutas e reivindicações da comunidade LGBT, tem alcançado muitas conquistas que se traduzem em políticas públicas de proteção ao sujeito homossexual, como o Programa Brasil Sem Homofobia4 do governo federal 5 e, mesmo assim, ainda padece da opressão causada pelas forças conservadoras que determinam o que é certo, rejeitam as orientações sexuais diferentes da heterossexual, disseminam ódio e aversão entre as pessoas, fortalecendo condutas homofóbicas. Sob o olhar de Junqueira, o programa Brasil Sem Homofobia

Traz, no seu cerne, a compreensão de que a democracia não pode prescindir do pluralismo e de políticas de equidade e que, para isso, é indispensável interromper a longa sequência de cumplicidade e indiferença em relação à homofobia e promover o reconhecimento da diversidade sexual e da pluralidade de identidade de gênero, garantindo e promovendo a cidadania de todos/as (JUNQUEIRA, 2009, p. 15 e 16).

3 Diante deste cenário, este exercício de pesquisa pretende oferecer reflexões para a seguinte pergunta: - De que modo as práticas educativas utilizadas pelo movimento LGBT contribuem para combater a homofobia? Com o problema apresentado, pretendemos refletir sobre a questão da homofobia que nos inquieta e nos mobiliza a debater o modo de como a educação perpassa o movimento LGBT e faz-se útil no constructo de uma transformação social que visa contemplar a diversidade de sujeitos e promover uma cultura de paz, entre todos/as. O objetivo principal desta pesquisa é observar as práticas educativas utilizadas pelo movimento LGBT para combater as condutas homofóbicas que recaiem sobre as pessoas de orientação sexual diferente da heterossexual.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A fim de entender a questão LGBT, seus desafios, dilemas, possibilidades, conquistas e características, utilizamos as referências teóricas de pesquisadores e autores que têm a temática da diversidade sexual como centro de seus estudos e trabalhos. Para elucidar as análises e esclarecer o fenômeno da educação presente nos movimentos sociais como agentes de inclusão e transformação social, Gohn (2007), Leher (2007), Lage (2005 e 2009) e Freire (2000 e 1994) dão a lógica da transformação social via educação. E para nos ajudar a construir uma metodologia pautada no rigor científico que a área das Ciências Humanas exige, Silva e Pinto (1986), Lage (2008), Gil (2008), Gonsalves (2003), Santos (1983), Iturra (1983), Amado (2010) e Minayo (2008) nos orientam para uma trajetória metodológica que dê conta dos objetivos almejados. 2.1. Educação nos movimentos sociais: estratégia de transformação social

A educação é um fenômeno presente desde que o ser humano existe. Seja nas instruções, no como fazer ou ser. Os séculos se passaram e a educação mudou bastante em sua essência. Houve uma divisão social do saber, ou seja, ensino para ricos e ensino para pobres, respectivamente os que iam comandar e os que seriam comandados, sendo hoje utilizada principalmente como estratégia para formar mão-de-obra trabalhadora para as indústrias fortalecidas com a ascensão do modelo econômico capitalista.

4 Ora, sendo assim os Movimentos Sociais não poderiam aceitar esse modelo controlador, tendencioso e opressor de educação. Uma de suas lutas é a educação diferenciada. Diferenciada em muitos sentidos, seja na metodologia, no currículo, nas relações e, claro, nas intenções políticas de formação. Que sujeito pretende-se formar? Um sujeito alienado e apolítico que não se afirma, não se emancipa e contribui para as desigualdades sociais ou um sujeito politizado, participante, protagonista de sua história e de sua comunidade, que exerce sua cidadania e luta por seus direitos? No caso dos movimentos sociais a segunda opção é uma das suas bandeiras de luta.

A história dos movimentos sociais e revolucionários demonstra que a educação e a cultura sempre foram um ponto central de seus programas e, como as lutas latino-americanas recentes têm propugnado, a educação é uma prática social crucial para o resgate classista dos trabalhadores (LEHER, 2007, p. 28).

Neste sentido, a escola formal que o Estado provê às pessoas é acusada e recusada pelos movimentos sociais como máquinas do governo que visam controlar e formar trabalhadores/as para o mercado consumista. Os movimentos sociais lutam por justiça social, neste caso a transformação social é uma urgência, uma necessidade. Sendo assim, lutam por uma educação útil e transformadora que contenha conceitos e conteúdos úteis à vida das pessoas subalternizadas.

Construir cidadãos éticos, ativos, participantes, com responsabilidade diante do outro e preocupados com o universal e não com particularismos é retomar as utopias e priorizar a mobilização e a participação da comunidade educativa na construção de novas agendas. Essas agendas devem contemplar projetos emancipatórios que tenham como prioridade a mudança social, que qualifiquem seu sentido e significado, que pensem alternativas para um novo modelo econômico não excludente, que contemplem os valores de uma sociedade em que o ser humano é centro das atenções e não o lucro, o mercado, o status político e social, o poder em suma. A educação não-formal é um campo valioso para construção daquelas agendas e para dar sentido e significado às próprias lutas no campo da educação, visando a transformação da realidade social (GOHN, 2007, p. 53, grifo nosso).

Em Pedagogia da Indignação, Paulo Freire diz acreditar na capacidade de reflexão do ser humano e de sua ação transformadora perante o domínio das estruturas econômicas, científicas e tecnológicas. Para ele

5 O fato mesmo de se ter ele mesmo tornado apto a reconhecer quão condicionado ou influenciado é pelas estruturas econômicas o fez também capaz de intervir na realidade condicionante. Quer dizer, sabe-se condicionado e não fatalistamente submetido a este ou àquele destino abre o caminho à sua intervenção no mundo (FREIRE, 2000, p. 27).

Esta colocação de Freire justifica a existência dos Movimentos Sociais ao responsabilizar o humano como interventor das injustiças sociais existentes. Deste modo, não cabe mais ao governo, a Deus, ou a qualquer segunda instância agir por ele, garantindo ao sujeito humano tomar as rédeas e seguir a trajetória que ele bem escolher: ser um sujeito oprimido ou ser liberto das dominações impostas pelos que estão no poder, e assim libertar o opressor também. Freire ainda vai justificar os movimentos sociais em Pedagogia do Oprimido quando afirma “Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmo, superando, assim, sua “conivência” com o regime opressor” (FREIRE, 1994, p. 29). Nesta colocação é perceptível a importância da organização social para poder lutar pelos seus interesses e contra as injustiças existentes no mundo. Uma ação individual não significaria muito, mas uma ação coletiva possui força suficiente para quebrar as amarras colocadas pelas forças dominantes e conservadoras que desejam permanecer e manter o sistema num status quo, sem modificações, inerte, sem justiça social. É importante observar as artimanhas utilizadas pelos sistemas dominantes para individualizar as pessoas, pois eles perceberam o poder que há numa ação coletiva e sua capacidade transformadora. Sendo assim, são cada vez mais frequentes as ações individuais que não geram muito retorno e quando geram beneficiam somente ao pleiteador/a. Parafraseando o autor de Educação e Mudança “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” (FREIRE, 1994, p. 29). Os movimentos sociais no contexto da luta e da resistência se apropriam de um fazer pedagógico necessário para suas demandas de transformação da situação conflitiva e consequentemente se apropriam e difundem conhecimentos e metodologias que ora se aproximam, ora se distanciam das metodologias educacionais tradicionais, mostrando-se inovadoras. Nesta direção Lage (2010) aponta que

uma territorialidade subalterna e submissa forja no cotidiano da luta outra territorialidade, desta vez rebelde, construída nos espaço da luta, entre as estratégias e os processos de resistência, na medida em que o novo sujeito

6 político se forma por meio da tensão entre democracia e exclusão social. Esta nova construção é político e também pedagógica, pois constrói não apenas o militante, mas também o ator coletivo e um conjunto de conhecimentos que estão a subsidiar as análises das experiências mais inovadoras no campo da educação, da sociologia e política. (...) Esta luta política tem levado os movimentos sociais também a se apropriarem do saber científico e a reinventarem metodologias sociais em campos historicamente afastados de qualquer possibilidade de acesso, como o da educação. Nesta direção os movimentos sociais têm priorizado para além de suas estratégias de ação mais visíveis - ocupações, marchas, greves uma política da educação, na qual visa transformar e melhor qualificar suas organizações, considerando o fato de que, dentro de um movimento social, a educação tem efeito multiplicador (LAGE, 2010, p. 68 e 69).

Face a isto, é que os movimentos sociais tem sido campo de estudos de pesquisadores da educação como ricos espaços pedagógicos e que podem, ainda, contribuir de maneira certeira nos espaços onde a pedagogia tradicional ainda é utilizada e perpetrada. Neste sentido, a autora indica de maneira indireta que o fenômeno educativo não prescinde de uma sala de aula com cadeiras enfileiradas e um quadro negro para se fazer e estar presente, mas que ela se encontra em todo e qualquer espaço onde haja promoção e difusão de conhecimento e de saberes.

3 METODOLOGIA Nosso exercício de pesquisa se dá pelo viés qualitativo, pois entendemos que esta abordagem é a ideal para pesquisas na área das ciências humanas e sociais. Na compreensão de Gonsalves

A pesquisa qualitativa preocupa-se com a compreensão, com a interpretação do fenômeno, considerando o significado que os outros dão às suas práticas, o que impõe ao pesquisador uma abordagem hermenêutica (GONSALVES, 2003. p. 68).

Concordamos com Gonsalves ao afirmar que a pesquisa qualitativa se preocupa com a compreensão e interpretação dos fenômenos. Quando tratamos de abordar questões que não podem ser classificadas e quantificadas, comum nas Ciências Exatas e da Natureza, só poderíamos utilizar uma abordagem qualitativa de pesquisa, pois as opiniões, sentimentos e colocações dos sujeitos não poderiam ser mecanicamente classificados ou

7 estaríamos reduzindo seus significados e tolhendo a rica possibilidade de interpretações que nos cabe refletir e inferir. Desta forma, Minayo diz que

Esse conjunto de fenômenos humanos é entendido aqui como parte da realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes (2008. p. 21).

Ou seja, o conjunto de aspirações, desejos, sentimentos, crenças, valores, atitudes, motivações (MINAYO, 2008) formam o espectro humano a qual jamais poderia ser quantificado e classificado, conforme a abordagem quantitativa de pesquisa, concretiza-se. Esse conjunto de significados - para Minayo e concordamos - é parte da realidade social. Nosso estudo será do tipo exploratório e explicativo. Segundo a contribuição de Gil (2008: 27), “as pesquisas exploratórias têm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores”. Para Gonsalves (2003. p. 65), Já as pesquisas explicativas no olhar de Gil (2008, p. 28) “São aquelas que têm como preocupação central identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos”. Embasamo-nos a partir do Método do Caso Alargado (SANTOS, 1983) que consiste, segundo este autor, em alargar a realidade através de um caso particular estu dado e estender as conclusões desse estudo a casos mais amplos. Não se trata de mera generalização, mas sim de encontrar singularidades e elementos estruturais em comuns que unam o caso conhecido aos não-conhecidos. Desta forma, para estudarmos as práticas educativas que perpassam o movimento LGBT, precisamos de um campo empírico específico, caso contrário não seria possível dar conta de todas as organizações que travam a batalha por reconhecimento e respeito no Brasil. A pesquisa de campo foi realizada especificamente em Caruaru e estendida até Recife, capital pernambucana, pois uma das ações da organização pesquisada se deu na cidade citada. Vale ressaltar que essa ação consistia em levar os militantes do Agreste a Recife no intuito de participarem de uma Marcha LGBT6 ocorrida nesta cidade. O campo empírico pesquisado se deu em espaços de atuação do Grupo de Resistência Gay de Caruaru – GRGC – uma vez que esta organização ainda não possui sede própria, sendo uma de suas lutas atualmente a conquista, através de regularização

8 jurídico-legal e recursos financeiros, de uma sede própria. Como se vê na fala do secretário da organização

O GRGC luta hoje por uma sede, um local onde as pessoas possam se dirigir. A gente quer ir pra rua, a gente quer aparecer. A nossa dificuldade atual é essa, conquistar a nossa sede. Porque fica difícil pra gente agir. A gente vem sendo aceito pelos políticos sim, mas nem tanto, estamos avançando, demos o pontapé inicial, pelo menos (SECRETÁRIO GRGC, Setembro, 2010), (sic.).

Desta maneira, fomos à 9ª Parada da Diversidade de Pernambuco, nas escolas, faculdades e outros espaços nos quais o grupo atuou. As principais fontes de informação foram os próprios sujeitos do GRGC que ao informarem suas ações, estratégias, experiências, objetivos, conquistas e limitações contribuíram para o desenvolvimento deste exercício de pesquisa e da reflexão do problema levantado. O sujeito investigado é produtor de realidade e de conhecimento (GONSALVES, 2003). Assim, os principais sujeitos desta pesquisa foram: o presidente e os secretários da Organização. A principal estratégia de técnicas de coleta serão os encontros, através da observação participante que é para Minayo (2008), aliada às entrevistas, o que caracteriza essencialmente a abordagem qualitativa de pesquisa. Para Gil (2008: 100) “a observação constitui elemento fundamental para a pesquisa”. No nosso caso, utilizamos a técnica da Observação Participante que consiste

Na participação real do conhecimento na vida da comunidade, do grupo ou de uma situação determinada. Neste caso, o observador assume, pelo menos até certo ponto, o papel de um membro do grupo. Daí por que se pode definir observação participante como a técnica pela qual se chega ao conhecimento da vida de um grupo a partir do interior dele mesmo (GIL, 2008, p. 103).

Da mesma forma, a entrevista também se trata de uma técnica da maior importância no que se refere a pesquisas de cunho qualitativo, e como tal não poderíamos deixá-la de lado na nossa coleta de dados. Para não constranger de alguma maneira os sujeitos e não forçá-los a dar respostas ensaiadas, optamos pela entrevista informal que trata-se do tipo “menos estruturado possível e só se distingue da simples conversação porque tem como objetivo básico a coleta de dados” (GIL, 2008: 111).

9 A fim de trazer um recorte o mais fiel possível das situações do campo empírico observado, anotamos em nosso diário de campo as impressões, rituais, sentimentos, falas, descrições de pessoas, de ambiente, de acontecimentos e tudo o mais considerado importante para elucidar o problema levantado em nosso estudo. O Diário de Campo se constituiu como objeto crucial no que tange ao registro da pesquisa e

Nada mais é que um caderninho, uma caderneta, ou um arquivo eletrônico no qual escrevemos todas as informações que não fazem parte do material formal de entrevista em suas várias modalidades. Respondendo a uma pergunta frequente, as informações escritas no diário de campo devem ser utilizadas pelo pesquisador quando vai fazer análise qualitativa. (MINAYO, 2008, p. 71).

Uma primeira aproximação da técnica de Análise de Conteúdo foi a opção metodológica escolhida para o tratamento dos dados coletados. Para Amado (2000, p. 53, grifo nosso), a técnica de análise “trata-se de uma técnica que procura “arrumar” num conjunto de categorias de significação o conteúdo manifesto dos mais diversos tipos de comunicações”. Tendo como problema de pesquisa “De que modo as práticas educativas utilizadas pelo movimento LGBT contribuem para combater a homofobia?”, escolhemos as três categorias em destaque na pergunta. Contudo, utilizaremos somente a primeira categoria no sentido de adequação às normas do evento em questão, uma vez que este texto é fruto de um estudo mais amplo. Desta forma, estamos criando um rigor metodológico pautado num tratamento científico credível e legítimo, a qual as ciências sociais e humanas requerem.

4 O CASO DO GRUPO DE RESISTÊNCIA GAYS DE CARUARU – GRGC O Grupo de Resistência Gay de Caruaru – GRGC - luta contra a discriminação contra LGBTs no município de Caruaru/PE. O Grupo deu início às suas ações no ano de 2006, na cidade citada, localizada no Agreste de Pernambuco, sendo um grupo recente, mas bastante ativo para o pouco tempo de existência. O Grupo conta com a atuação, além do presidente, de dois secretários e um tesoureiro que tratam das atividades que objetivam conscientizar o público LGBT como sendo sujeitos de direitos e o público não-LGBT a terem uma visão sem preconceitos ou, pelo menos, que possam ter informações para decidirem suas posições políticas sobre esta

10 comunidade, estimulando assim uma cultura de paz no agreste pernambucano. 4.1 Concepção de educação para o GRGC

Para o GRGC a educação perpassa e se faz presente diretamente em suas ações, não somente na luta contra a homofobia, mas em vários aspectos que estão relacionados, próximos ou não, da questão LGBT. O grupo promove palestras e dialoga com a comunidade caruaruense através de encontros assistemáticos e não regulares, mas periódicos, sobre os direitos dos homossexuais e a subalternização vividas por estes em diversos espaços como escolas, postos de saúde, faculdades e universidade da região. Uma das ações realizadas se deu na escola Professor Machadinho, que fica localizada no Bairro São Francisco em Caruaru e conta com um grande número de estudantes que cursam o Ensino Fundamental I e II. Este momento nos foi relatado pelo secretário do GRGC.

(...) nós fomos às escolas, fizemos debates, palestras, nos auditórios, para conscientizar as pessoas. Foi ótimo. Levamos uma travesti para falar o preconceito que ela vivia. No primeiro momento foi um choque né? Porque é muito difícil... é muito difícil não, não tem dentro de Caruaru uma escola que apóie os travestis. Mesmo as escolas que aceitam tem muito preconceito, o preconceito é muito grande. A gente falou como se prevenir das DSTs, a fazer exames (SECRETÁRIO GRGC 1, Diário de Campo: 12/09/2010).

O secretário do grupo ao narrar-me sua experiência perguntei se o diálogo tratou apenas da questão de saúde. A resposta foi que no início da atuação da organização sim, mas que posteriormente as ações se estenderam às ruas e o respeito e os direitos foram abordados. somente a questão da saúde mesmo, mas a gente fez outros trabalhos, por exemplo, abordando as pessoas para participarem da parada gay que ia haver. Drags participaram, travestis panfletaram e divulgaram o evento. Nesses momentos havia uma certa rejeição, preconceito e resistência por parte dos homens ‘héteros’ (SECRETÁRIO GRGC 1, Diário de Campo: 12/09/2010).

As falas demonstram uma verdadeira luta travada no seio da cidade de Caruaru e o quanto eles se expõem ao enfrentar uma carga cultural histórica que apresenta a heterossexualidade como a única, e, por isto, natural maneira de se relacionar entre as pessoas e que possui o aval e a benção cristã, sendo as outras manifestações sexuais pecadoras e imorais.

11 Nestes momentos de intensa luta contra-hegemônica, a educação era o fenômeno que fazia a ponte dialógica entre o GRGC e as demais pessoas. Ainda nos foi relatado q ue a escola embora revestida de conservadorismo e patriarcalismo se mostrou mais aberta às orientações dadas pelo grupo e os tratou mais dignamente.

Isso na rua, porque na escola o tratamento foi outro. Na escola eles perguntavam e participavam, por exemplo eles perguntaram “por que vocês são gays? Vocês trouxeram a Aids”, aí a gente explicou que não foram os gays que trouxeram a aids. Os gays representam um grupo de risco assim como outras pessoas como mulheres e homens heterossexuais. Eles nem perguntavam, eles acusavam mesmo! Mas a conversa foi boa porque a gente pôde explicar (SECRETÁRIO GRGC 1, Diário de Campo: 12/09/2010).

Um outro momento educativo se deu na Universidade Federal de Pernambuco, Campus Agreste, quando houve uma mesa redonda e que contou com a participação dos presidentes da ONG Leões do Norte e GRGC Weligton Medeiros e Erison Ferreira, respectivamente. Este momento apresentou-se como uma oportunidade de debate sobre o tema, na medida em que muitas pessoas do Agreste pernambucano participaram e assistiram às exposições feitas pelos militantes LGBTs. Em nosso relato, do diário de campo, é possível perceber um pouco o que foi este evento.

O primeiro convidado a palestrar foi o Erison. Ele conversou com a plateia e contou-lhes a opressão vivida por travestis e transexuais desde a infância até a vida adulta e relatou diversos níveis de violência sofrido por estes que só tinham a prostituição como meio de sustento às suas vidas. O convidado expôs, através de apresentação de slides, imagens chocantes de agressões e homicídios praticados contra travestis. Diversas formas de violência apareciam nas imagens: tiros, atropelamentos, espancamentos, queimaduras, pessoas jogadas em rios, lixos e outros lugares que demonstravam a brutalidade das ações de ódio atentadas à vida de pessoas que diferiam da orientação heterossexual (FEITOSA, Diário de Campo: 21/10/2010).

De fato, foi um momento educativo riquíssimo, na medida em que conceitos e noções de cidadania eram explicados aos participantes. Dentre eles, destacam-se o conceito de homofobia, de transexual e de travesti, entre outros que frequentemente geram dúvidas nas pessoas. Muitos dos assuntos tratados eram desconhecidos do público que ao final ainda pôde formular perguntas e indagar questões não esclarecidas. O evento ainda

12 garantiu às/aos ouvintes um folheto que apresentava o GRGC e marcos históricos do cenário mundial e a população LGBT como protagonistas na luta por respeito. Abaixo, um trecho do informativo distribuído no evento.

O grupo de resistência gay de Caruaru luta pelo fim do preconceito, da ‘descriminação’, faz parte do dia a dia da sociedade no Brasil e no mundo. Negros, índios, mulheres, crianças e adolescentes, entre outros segmentos, conquistaram seus direitos depois de muita luta. Nós, homossexuais, há muito participamos da construção e crescimento da nossa cidade e do nosso país, mas somos tratados como Cidadãos de ultima classe. O nosso dia a dia é preconceito, ‘descriminação’ expulsão de casa, violência física e muitas vezes morte. (INFORMATIVO GRGC, Outubro, 2010).

Desta maneira, ao informar às pessoas dados de pesquisa, estatísticas, informações diversas e até conceitos como o da homofobia, o grupo está atuando educativamente com a finalidade de visibilizar o preconceito sofrido pela comunidade LGBT e despertar novos valores, ressignificações e o sentimento de solidariedade para com as pessoas homossexuais ou com identidade de gênero diferente da socialmente instituída. Abaixo, mais um trecho do informativo Algumas leis são interpretadas de modo a tornar impossível que a população LGBT possam casar, adotar filhos, receber pensão por morte do seu parceiro. Eles são tão cidadãos quanto os demais, se têm os mesmos deveres por que não podem ter os mesmos direitos?. O termo homossexualismo passou a ser destacado e banido da literatura da saúde e dos movimentos sociais na medida em que traz em si a ideia de patologia (INFORMATIVO GRGC, Outubro, 2010).

5 ANÁLISE DO CASO 5.1. Categoria 1: Educação nos movimentos sociais

Com a finalidade de analisarmos esta categoria, embasamo-nos no pensamento de Lage e outros teóricos que justificam o caráter pedagógico dos movimentos sociais no contexto da luta e da resistência, com vistas ao desenvolvimento de suas legítimas formas de resistir às injustiças e fortalecer suas ações através de argumentação científica ou

13 jurídico-legal, tendo o campo dos direitos como respaldo e justificativa para exercer suas cidadanias Esta luta política tem levado os movimentos sociais também a se apropriarem do saber científico e a reinventarem metodologias sociais em campos historicamente afastados de qualquer possibilidade de acesso, como o da educação. Nesta direção os movimentos sociais têm priorizado para além de suas estratégias de ação mais visíveis - ocupações, marchas, greves - uma política da educação, na qual visa transformar e melhor qualificar suas organizações, considerando o fato de que, dentro de um movimento social, a educação tem efeito multiplicador (LAGE, 2010, p. 68 e 69).

Desta forma, a ação educativa no movimento LGBT se dá de diversas formas inseridas no contexto de suas ações: seminários, palestras, mesas-redondas, excursões, marchas, politização dos seus militantes e de sujeitos beneficiários de sua atuação. É na esperança da mudança social através de seus protagonismos que a educação aparece como fenômeno imprescindível para tal realização. A educação sozinha não dá conta da transformação social necessária, mas sem ela é impossível isso acontecer como nos aponta Freire. Portanto, pode-se perceber a infinidade de possibilidades, modos e metodologias que ela apresenta para além do interior das salas de aula. Pois como o próprio militante argumenta, não há um tratamento horizontal para o público LGBT na escola formal nós fomos às escolas, fizemos debates, palestras, nos auditórios, para conscientizar as pessoas. Foi ótimo. Levamos uma travesti para falar o preconceito que ela vivia. No primeiro momento foi um choque né? Porque é muito difícil... é muito difícil não, não tem dentro de Caruaru uma escola que apóie os travestis. Mesmo as escolas que aceitam tem muito preconceito, o preconceito é muito grande. A gente falou como se prevenir das DSTs, a fazer exames (SECRETÁRIO GRGC 1, Diário de Campo: 12/09/2010).

Desta maneira, a educação nos movimentos sociais aparece como uma via alternativa para a formação de pessoas que, de alguma maneira, foram excluídas da escola e almejam construir um presente e um futuro com justiça social para toda a comunidade LGBT, que fora subalternizada devido à uma concepção de mundo hegemônica que subtrai da vida de milhões de pessoas suas cidadanias e suas lutas por direitos e por respeito.

6 CONCLUSÕES PRELIMINARES Retomando à nossa pergunta inicial “De que modo as práticas educativas utilizadas

14 pelo movimento LGBT contribuem para combater a homofobia?” Obtivemos as seguintes conclusões. Educação: Suas ações, embora não apresentem uma sistematização pedagógica, aparecem como fortes momentos educativos para aqueles/as que participam do Movimento e aqueles/as que são beneficiados/as por elas. Nos momentos educativos a homofobia é combatida. Seja nas palestras, seminários, marchas, manifestações e outras estratégias de luta utilizadas pelo Movimento, a educação perpassa suas ações e se faz imprescindível

na

mudança

de

elementos

falsamente

estruturantes

que

é

a

heteronormatividade. Face a isso, o problema é respondido na medida em que percorremos os objetivos almejados e estudamos a questão posta inicialmente. As práticas educativas apresentaramse como elementos imprescindíveis e fundamentais no combate às percepções homofóbicas e na construção de uma sociedade harmônica que tenha o respeito e o princípio da alteridade como eixos norteadores de sua organização. Deste modo, através do método do caso alargado foi possível estender ao Movimento LGBT algumas características estruturantes deste Movimento, a partir das ações do Grupo de Resistência Gay de Caruaru, sem lhe tirar as especificidades que lhe s caracterizam, pois assim como todo ser humano é único, a organização também o é. É desnecessário dizer que este exercício de pesquisa apenas esclarece alguns pontos que podem (e devem) ser aprofundados por outros trabalhos que objetivem estudar a democracia, os direitos humanos, as diversidades sexuais, os preconceitos e discriminações e outras questões que estão intrinsecamente ligadas à população LGBT.

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Graduando em Licenciatura em Pedagogia pela UFPE/CAA. Vice-presidente do Grupo de Resistência Gay de Caruaru desde Janeiro de 2011. Bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET. Participante de grupos de pesquisa da UFPE/CAA. Tem artigos publicados no Brasil, Argentina e Cuba. 2 Doutora em Sociologia pela Universidade de Coimbra (2006) sendo orientada por Boaventura de Sousa Santos. Professora adjunta da UFPE/CAA. Coordenadora de Extensão da UFPE/CAA. Coordenadora Interina do Programa de Pós-Graduação em Educação e Coordenadora do Observatório dos Movimentos Sociais da UFPE/CAA e editora da SABERES - Revista do Observatório dos Movimentos Sociais. Professora Visitante da Universidade de Salamanca/Espanha, selecionada pelo CNPq. Tem artigos publicados no Brasil, Portugal e Espanha. Orientadora deste artigo. 3 Iniciada em 1985. 4 O Programa Brasil Sem Homofobia busca o reconhecimento e a reparação da cidadania da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, inegavelmente uma parcela relevante da sociedade brasileira, que sofre com o preconceito e a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, além de outros como de raça, etnia, gênero, idade, deficiências, credo religioso ou opinião política. Informações extraídas do sítio http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/brasilsem/. Acessado em 17/10/2010. 5 Na gestão do ex-presidente Lula. 6 9ª Parada da Diversidade de Pernambuco. Realizada em Recife, capital de Pernambuco, Bairro de Boa Viagem em 12 de Setembro de 2010.

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REFERÊNCIAS

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