DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NA REVISTA VEJA E O DEBATE DE GÊNERO

May 27, 2017 | Autor: F. Meglhioratti | Categoria: Estudios de Género, Gênero
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DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NA REVISTA VEJA E O DEBATE DE GÊNERO

Bruno Barbosa de Souza[1]

Marcia Borin da Cunha2

Fernanda Aparecida Meglhioratti3

Introdução

Segundo apontamentos de Albagli (1996), a relação entre a ciência e a
sociedade se intensifica em meados do século XX, no qual a ciência passa a
integrar o domínio da esfera pública e ocorre a percepção do caráter
benéfico das atividades científicas e as suas aplicações (ALBAGLI, 1996). A
autora argumenta ainda, que foi no período pós-guerra que a ciência passou
a ganhar mais espaço e prestígio, uma vez que, a sociedade passou a ver
como ela influenciava na vitória de suas lutas, e principalmente no
crescimento da economia. Porém, não somente os aspectos positivos, mas os
negativos também passaram a ganhar mais espaço e preocupação, sobretudo dos
impactos que o progresso científico-tecnológico poderia causar.

Segundo escritos de Albagli (1996), após o período da guerra e com o
desenvolvimento científico-tecnológico, os países passaram a aumentar suas
preocupações e a atenção quanto à necessidade de informar a sociedade a
respeito da ciência e os seus impactos. Desse modo, algumas iniciativas
passaram a ser sistematicamente tomadas para que houvesse a popularização
da ciência (conhecida também como Divulgação Científica) e da tecnologia
para a sociedade, diminuindo a preocupação que o avanço das mesmas poderia
trazer. Após a mídia iniciar a divulgação científico-tecnológia, a sua
linguagem teve de ser reelaborada, assim como salienta Fontanella e
Meglhioratti (2013), para que se houvesse a compreensão desse conhecimento
por toda a sociedade, e a veiculação dessas informações acessíveis a todos
os meios de comunicação.

A divulgação científica segundo Ferreira e Queiroz (2012) implica na
tradução de uma linguagem científica para uma leiga, com o intuito de
atingir um público ainda maior da sociedade. Entretanto, segundo Motta-Roth
e Marcuzzo (2010), os fatos da produção científica e tecnológica apenas se
tornam notícias para a sociedade, quando essas estão ligadas ou beneficia
de alguma maneira a vida humana. Nessa perspectiva, a mídia e os museus são
os dois grandes mediadores entre a produção científico-tecnológica e a
sociedade, e para o desenvolvimento desse trabalho, iremos discutir e nos
atentar apenas a um desses mediadores, a mídia.

A mídia, como dito anteriormente, é um dos principais veículos de
divulgação científica, e frequentemente é associada ao jornalismo
científico. Segundo apontamentos de Albagli (1996), o jornalismo científico
pode ser divido em duas situações, uma de caráter informativo, no qual
estão presentes as notas, notícias, reportagens e entrevistas; e outra, de
caráter opinativo, no qual se encontram os editoriais, comentários,
artigos, colunas, crônicas, cartoons e cartas (ALBAGLI, 1996). Portanto,
quando se pensa em divulgação científica, o jornalismo científico acaba
sendo um veículo de grande uso, devido ao seu alcance, uma vez que, a
sociedade o consome com uma maior frequência, seja ele impresso ou digital.

O jornalismo assim como qualquer outro meio de comunicação, além de
transmitir informação, acaba se apresentando, inevitavelmente, como um
mecanismo com habilidades normatizadoras, assumindo em muitas de suas
matérias "[...] uma postura capaz de ditar normas para o/a leitor/a"
(AUGUSTI, 2005, p. 82). Portanto, é nesse viés de controle e normatização
de corpos e comportamentos, que se analisa e discute uma matéria da revista
Veja, na qual se apresenta mediante um discurso científico voltado para a
saúde e o comportamento.

Contextualizando

O projeto da revista Veja segundo Augusti (2005), iniciou em 1959,
nove anos antes de sua primeira publicação. Seu idealizador foi Roberto
Civita, filho do fundador do grupo Abril no Brasil. Roberto trouxe a ideia
dos Estados Unidos onde estudou durante anos, ainda, nos escritos do autor,
a revista que se tornaria tão apreciada nacionalmente, tomou lugar da antes
conhecida Quatro Rodas (AUGUSTI, 2005). Segundo dados do EGM Marplan
(Estudo Geral de Meios) de 2014, a revista Veja atingiu um total de 8,6
milhões de leitores/as em sua versão impressa, sendo considerada a revista
de maior circulação nacional. Conforme o que expõe Augusti (2005), a
revista declara que suas notícias nada mais são do que aquilo que interessa
para seus/suas leitores/as.

Veja é uma revista que utiliza fontes nacionais e
internacionais em suas reportagens de comportamento, pauta
assuntos fazendo referências a diversos contextos,
tentando aproximá-los do/a leitor/a, e apresenta-se, por
isso, como conhecedora da realidade nacional e
internacional. Através do saber científico, localiza o que
julga serem as melhores opções para o leitor (AUGUSTI,
2005, p. 82).

Nessa perspectiva, como escreve Andrade (2013), os meios de
comunicação além de divulgar informações para a sociedade também ditam e/ou
reproduzem modos de vida e comportamentos, ensinando as pessoas como se
portar, viver, o que comprar, etc. Portanto, vale refletir a respeito do
papel que a mídia exerce na sociedade, e como nós, consumidores/as, estamos
sendo afetados/as por ela. Uma vez que a mídia está em constante diálogo
com a sociedade, a mesma acaba trazendo aspectos do saber científico em
suas matérias, possibilitando ao/a leitor/a compreensão de parte das
construções científicas e tecnológicas realizadas em prol do coletivo. No
entanto, como já foi apontado acima no texto, por Motta-Roth e Marcuzzo
(2010) essa divulgação apenas acontece quando beneficia a sociedade, ou uma
parcela dela que irá lucrar com essa divulgação, assim, é preciso um
cuidado ao analisar as reportagens de jornais e revistas, pois esses estão
repletos de significados "[...] que constroem e constituem identidades
culturais hegemônicas" (SABAT, 2013, p.157).

Segundo Andrade (2013), todo espaço que exerce educação, acaba
praticando pedagogia, na qual se ensina algo a alguém ou a um grupo. A
autora traz o termo "pedagogia cultural", o qual se refere a uma educação
ou um ato de ensinar nas diversas áreas do social e do cultural, que
incluem a escola, porém, não estão fixados nela (ANDRADE, 2013). Assim,
Sabat (2001) reforça a ideia de pedagogia cultural conceituando-a enquanto
um tipo de currículo, que opera nos mais diversos processos e práticas que
(re)produzem comportamentos, hábitos, estilos particulares, etc.
Entendemos, portanto, que a prática da pedagogia cultural é muito utilizada
pela mídia, de forma a educar pessoas/corpos, normatizando comportamentos e
mantendo/reafirmando os espaços de segregação (SABAT, 2001).

A revista Veja fazendo parte da mídia, e exercendo essa pedagogia
cultural, traz em alguns de seus exemplares matérias direcionadas à saúde e
ao comportamento. Assim, para o desenvolvimento desse trabalho foi
realizada a análise e discussão de um dos seus textos, o "Exemplar 2233ª
Edição – ano 44 – nº 36, 07 de Setembro de 2011", no qual traz em sua capa
a reportagem "Parece Milagre!".



A padronização dos corpos e o debate de gênero

Para o desenvolvimento da análise e discussão do objeto de pesquisa,
optou-se pelo método de análise do discurso. Uma vez que é por meio da
linguagem, segundo Silva (2005) que o homem transforma a realidade em que
vive e, por conseguinte, a si mesmo. Nessa perspectiva, a análise do
discurso, para Orlandi (2005) consiste em refletir sobre os processos e as
condições pelas quais se podem produzir a linguagem. Em conjunto com as
falas das autoras citadas, podemos pensar, portanto, o discurso enquanto um
instrumento que é construído sócio e historicamente, já que esse é
característico "[...] do homem e da sua história". (ORLANDI, 2005, p. 15).

A imagem trazida na capa da revista, que tem como título "Parece
Milagre!", é representada por duas mulheres que fazem referência a uma
mesma pessoa, uma fora dos padrões de um corpo "perfeito" e a outra dentro
desses padrões, ambas estão encostadas em uma seringa de insulina. É fácil
perceber que ambas as mulheres representadas na foto não são a mesma
pessoa, embora a semelhança seja bem significativa. Segundo Ruth Sabat
(2013), a publicidade impressa, trabalha basicamente com imagens e essas
produzem a chamada pedagogia cultural, um meio pelo qual a mídia ensina e
dita comportamentos (ANDRADE, 2013; SABAT, 2001, 2013; FELIPE, 2006). E é
essa construção de imagens que privilegiam condutas, modo de ser/de viver,
e regulam os padrões dominantes que são mais aceitos na sociedade (SABAT,
2013).

Figura 1: Capa da revista Veja.


Fonte: Revista Veja, Setembro, 2011, capa.

Ao focarmos na chamada da matéria, percebemos que a revista traz a
notícia de uma descoberta científica de um medicamento que auxilia na
redução de peso, de maneira rápida, eficaz e milagrosa, dando a entender
como conseguir algo sem sacrifício, mostrando ao/a leitor/a a
importância/instantaneidade que a ciência e a tecnologia proporcionam. Ao
analisarmos a imagem das mulheres representadas na capa da revista, uma
delas com uma feição mais séria/fechada, com os braços cruzados, que
simbolicamente representa um "fechamento" para as relações sociais, uma vez
que a mesma está, para a revista, fora dos padrões de beleza, enquanto a
outra, se encontra mais "solta" na imagem, com as mãos na cintura, com um
semblante de felicidade, representando a alegria de uma mulher ao estar em
conformidade com os parâmetros de beleza que são estipulados. Porém, e de
acordo com o que é apontado por Sabat (2013) o valor simbólico, aqui no
caso, a perda de peso, é almejado principalmente pelo público feminino,
sendo este um elemento muito presente no discurso
publicitário/jornalístico, pois é ele quem cria as afinidades entre o
produto e o/a consumidor/a, é por meio desses símbolos que "[...] o produto
desperta em nós algo tão subjetivo como o desejo: o desejo de ter, o desejo
de ser" (SABAT, 2013, p. 157). Ao compreender a representatividade desses
símbolos, percebe-se o quão importante estes são para a mídia, visto que a
mesma utiliza das estratégias simbólicas para "[...] convencer da
importância e da necessidade que determinado produto pode ter em nossas
vidas" (SABAT, 2013, p. 156).

Muitas das reportagens trazidas pela mídia, especialmente nas
revistas, usam as imagens femininas, sobretudo, quando o assunto é
estético. Essas representações femininas são utilizadas, segundo Sabat
(2013) desde que se ancorem nos modelos que são postos pelas sociedades
ocidentais contemporâneas. Essas estão carregadas de significados que ao
entrar em contato com o/a leitor/a, dita como devemos ser e viver em
sociedade (ANDRADE, 2013; SABAT, 2013).

Inserida no corpo editorial da revista, a matéria pode ser encontrada
da página 98 a 104, que traz em seu conteúdo uma novidade científica que
auxilia na perda de peso, um medicamento chamado liraglutida que foi
fabricado por um laboratório Dinamarquês, posteriormente lançado na Europa
e nos Estados Unidos em 2009 e 2010, chegando ao mercado brasileiro no ano
de 2011. Esse medicamento foi desenvolvido para pacientes portadores/as do
diabetes tipo 2, porém, ele acabou sendo receitado como um emagrecedor.
Segundo a reportagem, foram entrevistados/as cerca de 10 endocrinologistas,
os/as quais estimaram que pelo menos um terço desse medicamento foi
comprado por pessoas que queriam emagrecer, sendo que as mesmas não
portavam nenhum tipo de diabetes.

Além de ser descrito o novo medicamento, seus efeitos benéficos e os
colaterais, a divulgadora/jornalista conta a história de Ana Paula Nogueira
de 30 anos, analista de recursos humanos, que após anos de dietas e métodos
de emagrecimento encontrou a liraglutida mediante prescrição médica de seu
endocrinologista, e com o auxílio dessa nova droga conseguiu a tão esperada
redução de peso, que antes não pudera. O texto ainda relata inúmeras dietas
e dificuldades que muitas mulheres iguais a Ana Paula enfrentam ao tentar
emagrecer. Cabe destacar que, logo na primeira e segunda página da matéria,
é utilizada uma imagem parecida com a da capa - discutida anteriormente -
nela estão duas mulheres, agora de mãos dadas, dando a entender que seja a
mesma mulher, de maneira a comparar os seus corpos.

Figuras 2 e 3: Primeira e segunda página da matéria que é objeto de
análise.

Fonte: Revista Veja, Setembro, 2011, páginas 98 e 99.

Percebe-se que a matéria está inserida dentro da coluna "Saúde", porém
o conteúdo da mesma e as próprias imagens utilizadas são de cunho estético,
trazendo mulheres com boas aparências, entretanto, "acima do peso" o que
para a divulgadora/jornalista significa um problema. Destacamos aqui também
uma contagem regressiva bem diferente e muito utilizada em propagandas de
emagrecimento, que ganha destaque logo no inicio da primeira página da
matéria, na qual os números referentes aos quilos perdidos crescem, levando
o/a leitor/a acreditar na eficácia "comprovada" do produto. Toda essa
referência que a matéria traz de alimentação, cuidados com o corpo, e até
mesmo tratamentos estéticos, são baseados e falados a respeito do corpo
feminino, corpo esse que precisa estar de acordo com os padrões de uma
sociedade compulsiva pela magreza e juventude. Ainda a respeito da relação
entre linguagem e corpo, Goellner argumenta:

O corpo é também o que dele se diz e aqui estou a afirmar
que o corpo é construído, também, pela linguagem. Ou seja,
a linguagem não apenas reflete o que existe. Ela própria
cria o existente e, com relação ao corpo, a linguagem tem
o poder de nomeá-lo, classificá-lo, definir-lhe
normalidades e anormalidades, instituir, por exemplo, o
que é considerado um corpo belo, jovem e saudável
(GOELLNER, 2013, p. 31).

A divulgadora/jornalista deixa claro após as entrevistas com os/as
médicos/as especialistas, que a liraglutida "revela-se a grande arma na
luta contra o excesso de peso também para pessoas sem a doença". Nessa
perspectiva, Cunha e Giordan (2009), nos faz refletir sobre o discurso
dos/as cientistas nos meios de divulgação científica, em que esses
discursos utilizados pelos meios jornalísticos, bem como aponta a autora e
o autor acima, muitas das vezes já estão vulgarizados, dessa forma "[...] o
divulgador fala sobre Ciência e não mais da Ciência" (CUNHA & GIODAN, 2013,
p. 7). Visto isso, a convicção da eficiência dessa nova droga na redução de
peso, assim trazida pela revista de uma maneira milagrosa, apresenta-se
para os/as leitores/as como uma das inúmeras invenções que a ciência é
capaz de produzir, tentando fazer, segundo Rocha (2007) com que as pessoas
experimentem dessas novidades da ciência, independentes de suas
complicações.

Quando pensamos em Divulgação Científica e nos atentamos à matéria,
concordamos com o que diz Fontanella e Meglhioratti (2013), que "[...] os
avanços científicos e tecnológicos têm levado a sociedade contemporânea a
acreditar que a vida pode tornar-se melhor" (2013, p. 3). Nesse sentido,
compreendemos que os meios de comunicação de modo geral, não estão
adequadamente preparados para trabalhar com as informações científicas,
sendo indispensável, como apontam as autoras, um "letramento científico",
sobretudo nas instituições escolares, de forma a "[...] aproximar o
discurso científico do discurso popular, e auxiliar o processo de
ensino/aprendizagem" (FONTANELLA & MEGLHIORATTI, 2013, p.3).

A busca incessante pelo corpo perfeito, magro, malhado, definido, como
é ditado pelos padrões estéticos dominantes presentes atualmente em nossa
sociedade, é apresentada como uma receita para melhorar a autoestima e
aceitação nos grupos sociais. Visão essa que é (re)produzida pela revista
ao longo da matéria, falando da necessidade em perder peso, se não pelo
medicamento, mas por outros métodos como a redução de calorias consumidas
diariamente, a prática de exercícios físicos, entre outros. Entendemos,
portanto, e concordando com o que aponta Andrade (2013) que essa obsessão
está associada ao consumo, pois a mídia ao veicular um ideal de beleza,
acaba que beneficiando não a si mesma, mas também a um mercado milionário,
que dita como devemos ser e o que vestir. Porém, a autora alerta que essa
compulsão por medidas corporais perfeitas e universais por intermédio das
dietas e restrições alimentares, não são suficientes para atingir esse
corpo endeusado, uma vez que o mesmo está "a cada momento mais normatizado
e homogeneizado" (ANDRADE, 2013, p. 118). Essa ideia também está presente
em Sabat (2013), na qual:

A publicidade não só possui características como prazer e
diversão, mas também educa e produz conhecimentos. Ao
funcionar como um mecanismo que educa e produz
conhecimentos a publicidade contribui para produzir
identidades. Ela ajuda a "fazer" sujeitos de um
determinado "tipo". Ela ensina modos de ser e modos de
estar no mundo. (SABAT, 2013, p. 150).

Nesse contexto, temos que pensar as revistas enquanto artefatos
publicitários que ao mesmo tempo em que informam, também produzem as
pedagogias culturais. A matéria da revista Veja, aqui utilizada como objeto
de análise, é um exemplo claro dessas normas sobre o "corpo perfeito" que
devemos ter, principalmente as mulheres, uma vez que são ensinadas a ter um
corpo magro e bem desenhado para que assim possam ser desejadas pelo
público masculino, e que possam "competir" com outras mulheres por um ideal
de beleza nem sempre alcançável. Nesse viés, cabe ressaltar que tanto na
capa da revista, quanto no corpo da matéria, as imagens utilizadas para
ilustrar o texto são de mulheres, (re)produzindo para outras a necessidade
de se enquadrarem nesse padrão estético por intermédio do produto
anunciado.

Quando Sabat (2013) fala a respeito do poder que a publicidade possui
de controlar e regular os corpos, ela inclui não apenas a publicidade, mas
também todo tipo de jornalismo, visto que esses não transmitem somente
informações, mas suas linguagens e apresentações estão diretamente ligadas
a um discurso que se faz presente na sociedade. A linguagem que é utilizada
pelo jornalismo, fundamenta-se em um modelo socialmente construído e aceito
a respeito de corpo e de gênero. Assim, é importante um olhar crítico para
os meios de comunicação, pois como aponta a autora:

Trabalhar com as representações de gênero e sexualidade na
publicidade comporta um potencial crítico, pois é possível
identificar de que formas são socialmente construídos
tipos de corpos, modos de viver, comportamentos e valores
apresentados nas imagens. Também considero possível
entender como sujeitos podem ser construídos a partir de
um modelo predominante, correspondente ao sistema
político, social e cultural no qual estão inseridos.
(SABAT, 2013, p. 152).

A partir do que foi apontado acima, de que os/as sujeitos/as estão em
constante construção, e complementando a fala da autora, Meyer (2013) nos
traz a noção de que gênero é construído ao longo da vida, "[...] através
das diversas instituições e práticas sociais" (p. 18). Nesse sentido, somos
construídos/as, moldados/as e transformados/as a todo o momento para que
possamos ser reconhecidos/as – e nos reconhecer – enquanto homens e
mulheres, na esfera social e nos grupos aos quais pertencemos. Esses
papéis, masculino e feminino, que nos são impostos desde o nascimento, são
"[...] categorias culturalmente construídas, historicamente impostas"
(SILVA, 2006, p. 34), estabelecendo as relações de poder que envolvem esses
papéis, no qual segundo a autora, o homem é detentor desse poder, enquanto
para a mulher, apenas sua submissa. Para Goellner (2013) quando falamos em
corpo, também estamos falando de identidade, que também é construída e
modificada pelos padrões de beleza predominantes – falados a pouco no
texto. E é nessa produção diária de identidades a respeito do corpo, que o
mercado de serviços e produtos direcionados ao corpo, ganha espaço e
destaque na mídia, que através de seus artefatos divulgam as regras pelas
quais as mulheres, em especial, deverão seguir.

Ainda sobre a reportagem, é apresentado no final, o depoimento do
empresário, Luiz Henrique de 42 anos, que passou a utilizar o medicamente
para o tratamento de redução de peso, assim como Ana Paula, não possuindo
nenhum tipo de diabetes também. Percebe-se que a divulgadora/jornalista
traz o depoimento e imagem de um homem apenas ao final da matéria,
inserindo o público masculino no debate, uma vez que os mesmos também
passam pela construção e uniformização dos corpos pela sociedade.

Figura 4: Última página da matéria que é objeto de análise.

Fonte: Revista Veja, Setembro, 2011, página 104.

O discurso presente na mídia, de maneira a uniformizar as pessoas
também recai sobre o masculino, com menor intensidade e significado do que
o feminino, mas que é utilizado para reforçar os signos. Nesse sentido,
Sabat (2013) nos diz que essas representações do corpo perfeito, são
construídas socialmente, portanto, nesse processo de construção, os
símbolos são colocados sobre os corpos, e estes, "[...] contribuem para
constituir identidades, reproduzindo significados e produzindo outros
tantos" (SABAT, 2013, p. 153). A ciência, portanto, para a mídia, nada mais
é do que uma ferramenta de conhecimento, que para Rocha (2007) é capaz de
proporcionar a construção dos corpos e a beleza de "[...] ter um corpo
conforme a nova ordem estética" (ROCHA, 2007, p. 3).

Apesar de ser trazida a imagem de um homem ao final, devemos atentar
nosso olhar para a repetida referência ao público feminino no decorrer do
texto, pois essa repetição é o que nos leva a pensar e reafirmar que o
corpo feminino deve estar sempre em conformidade com os anúncios e imagens
apresentadas pela mídia, para que "[...] pensemos a sociedade e a nós
mesmos/as de acordo com os modelos dominantes" (SABAT, 2013, p. 156).



Considerações Finais

Encaminhando nossa discussão às considerações finais, salientamos que
nesse trabalho foi realizada uma análise e discussão de apenas uma matéria
da revista Veja, porém, vale ressaltar a importância de estarmos sempre
atentos/as de como a mídia utiliza de artefatos de ciência e tecnologia
para (re)produzir comportamentos, tanto nas revistas como também nos
programas de TV, praticando o que as autoras (ANDRADE, 2013; SABAT, 2001,
2013; FELIPE, 2006) chamam de pedagogia cultural, na qual a mídia fabrica e
dita modos de ser e de viver em sociedade. Quando falamos de pedagogia
cultural, na perspectiva da divulgação científica pelas revistas, estamos
falando a respeito de signos que recaem sobre o corpo feminino, com maior
intensidade do que no masculino, e é nessa relação de poder presente e
(re)produzida pela mídia que somos construídos/as e moldados/as sempre nas
novas tendências estéticas dominantes que governam a sociedade
contemporânea. Guacira Lopes Louro nos diz que todo corpo diferente dos
padrões estéticos demarcados, vem a ser essencial para que ocorra a
definição/(re)afirmação das identidades dominantes, apresentando-se como um
exemplo de identidade que não é ou não pode ser diferente daquela ali já
estabelecida (LOURO, 2013).

Por fim, vale destacar que esse trabalho não possui um caráter
conclusivo ou definitivo, pelo contrário, o mesmo vem com o intuito de
despertar uma maior reflexão sobre a divulgação científica realizada pelas
revistas, aqui em específico pela Veja, de modo que inspire novas análises
e discussões sobre o assunto, pois toda contribuição para o debate se
apresenta valiosa e construtiva, possibilitando uma maior clareza para com
o tema. A intenção foi apontar os pontos positivos e os negativos que
encontramos ao nos deparar com a divulgação científica feita pela mídia,
que por meio de nossas análises, se apresentou enquanto um artefato da
pedagogia cultural, recaindo de maneira significativa sobre o corpo
feminino.



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[1] Formado em Ciências Biológicas, Mestrando em Educação, Universidade
Estadual do Oeste do Paraná. Email: [email protected]
2 Formada em Química, Pós-Doutora em Educação, Universidade Estadual do
Oeste do Paraná. Email: [email protected]
3 Formada em Ciências Biológicas, Pós-Doutoranda em Ensino de Ciências e
Educação Matemática, Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Email:
[email protected]
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