DO CALDEIRÃO DA ABUNDÂNCIA AO SANTO GRAAL NAS FONTES MEDIEVAIS

June 2, 2017 | Autor: Adriana Zierer | Categoria: Medieval History, Medieval Studies, Medieval Art, Celtic Mythology
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DO CALDEIRÃO DA ABUNDÂNCIA AO SANTO GRAAL NAS FONTES MEDIEVAIS Adriana Zierer1 In: ZIERER, Adriana; VIEIRA, Ana Livia B.; FEITOSA, Márcia Manir M (Orgs.). História Antiga e Medieval. Simbologias, Influências e Continuidades: cultura e poder. São Luís: Ed. UEMA, 2011, v. 3, p. 75-86.

Os povos de origem celta acreditavam na existência de um caldeirão mítico, o caldeirão da abundância, onde por mais que se retirassem alimentos, eles nunca se esgotariam. Mais tarde, com a cristianização, tal crença originou o Santo Graal, isto é, o cálice que Jesus bebeu na última Ceia e que continha Seu sangue recolhido na crucificação por José de Arimatéia, que o teria levado à Inglaterra, garantindo prosperidade ao reino de Artur, Camelot. O caldeirão e seus dons mágicos também aparecem nos quadrinhos de hoje. Em Astérix, le gaulois, criado por René Goscinny e Albert Uderzo, o druida Panoramix garante a invencibilidade dos gauleses contra os romanos devido à fabricação de uma bebida mágica num caldeirão que todos ingerem antes das batalhas. Obelix, o mais forte da tribo, é proibido de tomar a tal poção, por já ser extremamente poderoso, em virtude de haver caído no caldeirão e bebido do seu conteúdo quando bebê. Essas aventuras criadas nos anos 60 continuam atuais com a realização de desenhos animados e filmes sobre os personagens da história. No Mabinogion, conjunto de contos celtas postos por escrito entre os séculos XI e XIV, aparece, no relato Pwill, príncipe do Dyvet, a menção a um saco que nunca ficava cheio por mais que lhe colocassem alimentos, em clara analogia ao caldeirão da abundância. Pwill, que acaba por se tornar o senhor do Outro Mundo, também está associado ao Rei Pescador, o guardião do Graal nos relatos arturianos (ALVAR, 1997, p. 234-236). Na mitologia celta os caldeirões retiram a sua força mágica principalmente da água (CHEVALIER E GEERBRANT, 2000, p. 166). Dagda, pai dos deuses, proveniente da cidade de Múrias (muir: mar), também possuía um; quem se alimentasse dele jamais ficaria com fome. Esse caldeirão possuía todos os conhecimentos.

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Doutora em História Medieval. Professora Adjunta do Depto de História e Geografia da UEMA. É uma das coordenadoras dos laboratórios de pesquisa Brathair – Grupo de Estudos Celtas e Germânicos e Mnemosyne – Laboratório de História Antiga e Medieval.

Encontramos também referências a outros tipos de caldeirões. No Mabinogion (2000, p. 53-73), o conto Branwen, filha de Llyr menciona um recipiente mágico: o caldeirão da regeneração. Este havia sido dado a Matholwch por Bran e nele os mortos em batalha recobrariam a vida, perdendo, porém, a capacidade da fala. Outro desses receptáculos era o caldeirão do sacrifício, onde os maus reis eram jogados, isto é, aqueles que não eram considerados generosos (LE ROUX e GUYONVARC’H, 1990, p. 63). Por possuir essa qualidade o mítico rei Artur é considerado um modelo de bom governante por excelência. Um vaso exemplar encontrado na Dinamarca é o famoso caldeirão de Gundestrup, confeccionado no século I a.c, de origem trácia, mas representando elementos célticos e orientais. Forjado em prata dourada, possui um simbolismo muito rico: mostra várias placas com figuras de animais e deuses. Uma das cenas gravadas representa Cernunnos, deus da fertilidade e rei dos animais, coroado por um par de chifres. Ele se apresenta sentado de pernas cruzadas com o tradicional torque celta no pescoço. Na mão direita segura outro torque e na esquerda uma cobra retorcida. Vários animais estão a sua volta. Noutra cena uma divindade introduz os guerreiros mortos num caldeirão, o que alguns interpretam como um ato sacrificial enquanto outros estudiosos consideram que é uma clara alusão ao vaso da regeneração.

Figura 1 e 2. Caldeirão de Gundestrup e Detalhe de Divindade, morto e recipiente. Século I a.c. Museu Nacional da Dinamarca. Copenhagen.

O caldeirão da abundância está associado ao rei Artur desde o século X. No poema galês Preideu Annwvyn (Os Despojos do Outro Mundo), contido no livro de Taliesin, Artur e seus guerreiros vão até o Outro Mundo Celta de onde tentam levar o

recipiente mágico do deus Bran. Não são bem sucedidos e somente o rei e sete dos seus guerreiros retornam com vida. Sobre o objeto precioso: Era o caldeirão do Chefe do Outro Mundo que foi procurado — uma crista de pérolas [estava] em volta de sua borda. Ele não cozinha a comida de um covarde, não está destinado a isso. [...] e quando fomos com Artur — uma tarefa brilhante —, exceto sete, ninguém voltou da Fortaleza da Intoxicação. (Preideu Annwvyn, 1995, p. 290-291)

O poema nomeia o Outro Mundo como a Fortaleza da Intoxicação porque lá o vinho com fagulhas era bebida corrente (ELLIS, 1992, p. 25). Outros qualificativos também foram usados em relação a esse mundo, como Fortaleza do Temor, Fortaleza Oculta e Fortaleza do Divino Lugar. Através da existência deste relato, é possível perceber por que em narrativas posteriores Artur esteja sempre ligado ao Graal, que continua a ser um objeto com propriedades sobrenaturais que não podia ser arrebatado com facilidade, daí a criação de heróis como os cavaleiros Perceval e Galahad, responsáveis por encontrá-lo e desvendar os seus mistérios. Num poema anônimo do século XVI intitulado Taliesin, temos mais um exemplo do caldeirão e sua relação com a sabedoria. Acidentalmente Guion Bach acaba por queimar o dedo com três gotas do caldeirão da deusa Cerridwen, leva-o a boca para diminuir a dor, e por este motivo obtém o conhecimento, transformando-se no mago Taliesin, que mais tarde deu origem ao mito de Merlin, o mago dos romances arturianos e conselheiro do rei, uma espécie de druida com o dom da sapiência, da adivinhação e que possuía habilidades mágicas. Foi com essas habilidades que, na Historia Regum Britanniae, o mago produziu a poção que fez o rei Utherpendragon assumir a forma do marido de Igraine e conceber o futuro rei Artur sem que a jovem soubesse que não estava com o esposo. Sintetizando os traços do caldeirão da abundância, podemos destacar a riqueza, a prosperidade, a sabedoria, o dom da magia e da cura proporcionados por ele. Esses elementos vão ser incorporados e cristianizados através do Santo Graal, como veremos a seguir.

CHRÉTIEN DE TROYES E O GRAAL O primeiro autor a mencionar o termo “graal” foi Chrétien de Troyes em Perceval ou Li Contes du Graal, escrito entre 1181 e 1185. Na narrativa o graal é um prato onde eram servidas as refeições. Perceval encontra, sem ainda saber do parentesco, seu tio, o Rei Pescador, paralítico em virtude de um ferimento. O rei lhe dá hospedagem em seu castelo e o serve regiamente. Esse monarca está associado ao deus celta Bran, uma entidade marinha, e o fato de ser pescador também lembra a figura de Jesus Cristo, pois o peixe era símbolo dos primeiros cristãos. Enquanto os dois conversam e jantam, passa por eles o cortejo do Graal conduzido por um pajem conduzindo uma lança que sangra, por uma donzela levando o graal e por valetes. Perceval, que aprendera com um cavaleiro a arte da discrição, não pergunta o que está acontecendo, ação que curaria o seu tio. Por não haver feito a pergunta, ao acordar no dia seguinte, descobre que o castelo está vazio. Isso denotou que o jovem ainda não havia atingido a maturidade espiritual. No conto é explicado que o Graal fornecia uma “hóstia”, o único alimento que o pai do Rei Pescador ingeria: “Essa hóstia é tão santa que sustenta e conforta a sua vida, e ele próprio é tão santo que nada o faz viver exceto essa hóstia no Santo Graal” (CHRÉTIEN DE TROYES, 1992, p. 111)

Figura 3. Chegada de Perceval ao castelo do Graal; cortejo do Graal. Perceval ou Le Conte du Graal, de Chrétien de Troyes, escrito entre 1181-1185, copiado em Paris por volta de 1330. BnF, Manuscrits, Français 12577 fol. 18v Na imagem vemos Perceval e o rei Pescador em volta da mesa. Próximo deles uma jovem carrega o Graal e atrás dela um rapaz leva a lança que sangra. No texto é o jovem portador da lança quem vai na frente. Chrétien deixou a obra inacabada. Outros

autores procuraram dar um fim ao texto e nas chamadas “continuações”, o cavaleiro consegue completar a sua tarefa e curar o tio. É possível perceber também, que desde Chrétien, o Graal, embora ainda não descrito como cálice com sangue do Salvador, já está cristianizado, pois é associado a um elemento que simboliza o seu corpo – a hóstia, e no cortejo desse objeto já havia a presença da lança de Longino que feriu Jesus no flanco. Após a morte de Chrétien, uma das versões do seu conto se revela particularmente instigante. Nela é o cavaleiro Gauvain quem assiste ao cortejo, e se interessa em desvendar o simbolismo da lança. Como podemos notar na ilustração a seguir esse cortejo é bastante similar ao de Perceval.

Figura 4. Gauvain vê o cortejo do Graal. Première Continuation du Conte du Graal. Romance anônimo de cerca de 1200, manuscrito copiado em Paris cerca de 1330. BnF, Manuscrits, Français 12577 fol. 74v

O manuscrito explica que primeiro aparece um valete portando uma lança como em Perceval; a imagem, porém retrata a cena da seguinte maneira: Diante da mesa do Rei Pescador uma jovem, à frente, leva o Graal. Atrás dela um pajem carrega a lança que sangra. A seguir quatro pessoas carregam um leito onde está o corpo de um rei morto por um golpe, coberto por um pano vermelho no qual repousa uma espada quebrada.

Gauvain é o personagem central nessa aventura na qual tenta, sem sucesso, consertar a espada quebrada. Apesar disso, faz a pergunta sobre a lança que sangra, conseguindo conhecer o seu significado, o que mostra a importância desse personagem, ainda que não consiga concluir a missão, provavelmente em virtude de sua ligação com o mundo material. As continuações escritas após a morte de Chrétien falam de Gauvain e Perceval e a busca da lança que sangra, da espada quebrada e do Graal. O último dos continuadores de Chrétien, Manessier dá um sentido mais cristão à narrativa. Perceval obtém sucesso em ressoldar a espada quebrada e após haver matado o autor do Golpe Doloroso com ela é coroado rei do Graal no dia de Todos os Santos. Após reinar por sete anos, torna-se ermitão. O Graal ascende aos céus, levado pelos anjos, no momento da morte desse herói. Através do relato de Chrétien e das outras versões do seu texto, podemos notar que o Graal assume elementos curativos, mágicos e alimentares, conforme o mito original do caldeirão céltico no qual se inspirou. Cabe agora mostrar a passagem do Graal ao Santo Graal.

O SANTO GRAAL NAS PRIMEIRAS NARRATIVAS MEDIEVAIS

Wolfram von Eschenbach compôs o poema Parsifal (1210) inspirado na obra de Chrétien, mas nele o Graal é descrito como uma pedra

preciosa, o lapis exillis

(relacionado ao lapis philosorum dos alquimistas), cujos guardiães são os templeisen, alusão aos templários. A pedra caiu do céu quando Lúcifer revoltou-se contra Deus. Nesta obra o Graal continua sendo portador de antigos significados, como seu aspecto de curar e garantir abundância alimentar e conhecimento. A representação do Graal como pedra lembra a pedra de Fal (Lia Fail), que era garantidora de soberania entre os celtas e atributo dos deuses. Em fins do século XII Robert de Boron compôs uma trilogia em versos com os seguintes livros: Le Roman de l´Estoire dou Graal, Le Livre de Merlin e DidotPerceval. Em sua obra é ainda Perceval quem encontra o Santo Graal e a partir de Boron o objeto já se torna o cálice de Cristo com as propriedades que já conhecemos.

Interessante também é notar que enquanto nas narrativas anteriores o foco era principalmente nos cavaleiros, em especial em Perceval e Gauvain, a partir de l´Estoire dou Graal o foco é concentrado no próprio Graal. Por isso, a narrativa deixa de ser um “conto”, como em Chrétien, e se torna a “história” do Santo Graal, recurso que procurava dar veracidade ao relato (BARBER, 2007, p. 63 e p. 207). Um novo herói também se destaca relacionado aos evangelhos: José de Arimatéia, que leva o Santo Vaso para o reino de Logres. Robert de Boron cria a partir de então a narrativa sobre os guardiões do Graal, começando por José de Arimatéia, passando por um seu descendente Bron, até chegar ao Rei Pescador. Com base nas obras de Boron, dedicadas a um templário que não voltou das Cruzadas, conservadas somente em fragmentos, foram compostos entre 1215-1230 cinco romances anônimos, conhecidos como a Vulgata da Matéria da Bretanha, com os seguintes títulos: L’Estoire du Saint Graal, L’Estoire de Merlin, Le Livre del Lancelot du Lac, La Queste del Saint Graal e La Mort D’Arthur. Mais tarde foi formado um novo ciclo francês, a Post – Vulgata (1230-1240), no qual La Queste del Saint Graal fundiu-se com La Mort D’Arthur, incorporando também elementos do ciclo do Tristan en Prose. Para vários autores foi este o ciclo predominante a circular na Península Ibérica. O primeiro exemplar da Demanda teria sido trazido da França pelo futuro rei Afonso III que teria encomendado a tradução para o português, realizada por frei Vivas ou Bivas por volta de 1250 (CASTRO, 1983). Desde a composição dos cinco romances anônimos, o personagem central da narrativa não é mais Perceval, mas sim Galahad, puro e sem pecados, mas bastardo. O cavaleiro era filho de Lancelot com a filha do Rei Pescador. Observemos os elementos comparativos entre o caldeirão celta e o Graal no quadro a seguir:

Quadro 1: DO CALDEIRÃO DA ABUNDÂNCIA CÉLTICO AO GRAAL CRISTÃO: PRINCIPAIS OBRAS

CALDEIRÃO DA ABUNDÂNCIA

GRAAL

ALIMENTOS QUE NUNCA SE ESGOTAM NUM RECIPIENTE COM TRAÇOS MÁGICOS. PREIDEU ANNWVYN (OS DESPOJOS DO OUTRO MUNDO) (ANÔNIMO, SÉCULO X): ARTUR E SEUS HOMENS TENTAM PEGAR O CALDEIRÃO NO OUTRO MUNDO CÉLTICO E FRACASSAM. PWILL, PRÍNCIPE DE DYVET (CONTO CELTA DA OBRA ANÔNIMA MABINOGION – REMONTA AO FIM DO SÉCULO XI): UM SACO NÃO SE ENCHIA DE COMIDA POR MAIS ALIMENTOS QUE SE COLOCASSE ALI.

OBJETO CAPAZ DE GARANTIR PLENITUDE MATERIAL E ESPIRITUAL. PERCEVAL, DE CHRÉTIEN DE TROYES (SÉCULO XII): ESCUDELA QUE ALIMENTAVA O PAI DO REI PESCADOR, TIO DE PERCEVAL. O CAVALEIRO PURO DEVE DESVENDAR A AVENTURA. LA QUESTE DEL SAINT GRAAL, DE ROBERT DE BORON (FIM DO SÉCULO XII): CÁLICE BEBIDO POR CRISTO NA ÚLTIMA CEIA E COM SEU SANGUE RECOLHIDO NA CRUZ POR JOSÉ DE ARIMATÉIA, ENCONTRADO POR PERCEVAL. LA QUESTE DEL SAINT GRAAL, ANÔNIMO DO SÉCULO XIII: REELABORAÇÃO DO TEXTO DE BORON. GRAAL COMO CÁLICE COM O SANGUE DE CRISTO, SOMENTE PODE SER ENCONTRADO PELO CAVALEIRO PURO E SEM PECADOS, GALAHAD, ACOMPANHADO POR SEUS DOIS COMPANHEIROS, PERCEVAL E BOORZ

Em A Demanda do Santo Graal o objeto sagrado aparece no início do relato, banhado numa forte luminosidade, capaz de alimentar material e espiritualmente os membros da távola redonda: E eles estando assim sentados, entrou no paço o Santo Graal, coberto de um veludo branco; mas não houve um que visse quem o trazia. E assim que entrou, foi o paço todo repleto de bom odor, como se todos os perfumes do mundo lá estivessem. E por onde passava, logo todas as mesas ficavam repletas de tal manjar, qual em seu coração desejava cada um. (DSG, 1988, p. 41)

No entanto, devido aos pecados do rei Artur e dos seus guerreiros, o Santo Vaso se retira da corte. A busca dos cavaleiros por ele é o eixo central da narrativa. No

entanto, somente 12 deles, devido a sua pureza espiritual, poderão encontrá-lo. Existe uma analogia entre a távola redonda e a mesa da Última Ceia e o número dos cavaleiros eleitos é uma analogia aos 12 companheiros de Cristo. Mas apenas o eleito dos eleitos, Galahad, ou Galaaz na versão portuguesa, é destinado a dar cabo das aventuras do Graal. Trata-se de um jovem fiel ao rei, devoto e desprendido dos bens materiais. Sua pureza espiritual é atestada através de várias provas, das quais somente ele consegue o sucesso: É o único a poder sentar no assento perigoso (DSG, 1995, p. 30), conseguir retirar a espada do Pedrão (DSG, 1995, p. 32), receber o escudo branco da cruz vermelha (DSG, 1995, p. 53) e num outro momento, a espada da estranha cinta (DSG, 1995, p. 313). A retirada da espada da pedra, associada a Artur em outros relatos, representa, na Demanda, a soberania espiritual. Quanto ao escudo é uma alusão aos cruzados e às ordens militares, como os templários. A espada da estranha cinta, cuja bainha fora trançada com os cabelos da donzela do Graal, era destinada ao cavaleiro eleito a encontrar o Santo Vaso e seus dois companheiros, Persival e Boorz, falham em retirá-la da bainha (DSG, 1995, p. 313). Reforçando o seu desapego em relação ao mundo corporal, Galaaz usava uma estamenha, túnica de lã com farpas, que “funciona como uma segunda pele, a um só tempo como defesa ante as tentações da carne e como sinal de uma inquebrantável missão” [...] (MOISÉS, 2008, p. 78), a de encontrar o Santo Graal. Por seu caráter e pelo desprezo das vãs glórias mundanas é que o jovem é escolhido por Deus e vence todas as batalhas que enfrenta. É vitorioso num caso de tentação feminina, quando uma donzela tenta passar a noite com ele (ZIERER, 2008, p. 321-322); e consegue, no final do relato da Demanda portuguesa, converter um muçulmano ao cristianismo, o cavaleiro Palamades. Galaaz é um exemplo perfeito de cavaleiro cristão nos moldes elaborados pelos oratores. Ele é tão puro que chega a se aproximar dos religiosos ao realizar uma série de milagres: expulsar o demônio (DSG, 1995, p. 301), curar uma leprosa que veste a sua estamenha (DSG, 1995, p. 307) e fazer um paralítico andar (DSG, 1988, p. 457), ações em analogia aos feitos de Jesus. Ao final de A Demanda do Santo Graal ele ascende aos céus, juntamente com os anjos e o Santo Vaso, após haver curado o rei Pelles e ter uma visão mais profunda que os demais sobre os seus mistérios. Esta ação está em analogia às aventuras de Perceval numa das continuações do Conto do Graal.

Podemos concluir que o Graal, proveniente da herança do caldeirão da abundância, tem vários significados. Alimento, cura, prosperidade, proximidade com o sagrado. Ao longo da Idade Média seu significado se enriqueceu, cristianizou-se e ganhou novas facetas, despertando a nossa curiosidade até os dias atuais.

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