Do conceito de imaginação nas Investigações sobre o entendimento humano de David Hume

June 19, 2017 | Autor: Abraão Carvalho | Categoria: David Hume, Empirismo británico, Imaginação
Share Embed


Descrição do Produto

1

Do conceito de imaginação nas Investigações sobre o entendimento humano de David Hume Abraão Carvalho abraaocarvalho.com

Resumo Pretendemos com este breve artigo, precisar o conceito de imaginação na metafísica ou teoria do conhecimento de David Hume, sobretudo a partir de sua obra de 1748 Investigações acerca do entendimento humano (do original An Enquiry Concerning Human Understanding), principalmente a partir da seção II do livro, de nome Da origem das ideias (Of The Origen Of Ideas), e da seção III, de nome Da associação de ideias (Of The Association of Ideas). Nesta perspectiva, pretendemos indicar a posição das sensações e impressões como o lugar desde o qual, para o filósofo, as ideias e nestas a imaginação, têm o seu princípio ou origem. Como indicação para a investigação da problemática da imaginação David Hume nos oferece um valioso conceito, que se trata do princípio da associação de ideias, em sua perspectiva empirista, para somente a partir deste ponto, fundamentar sua teoria a respeito do estatuto da imaginação.

Palavras chave: Empirismo, imaginação, teoria do conhecimento, David Hume.

2 David Hume: impressões e ideias em uma perpectiva empirista “todos os materiais do pensamento derivam de nossas sensações externas ou internas; mas a mistura e composição deles dependem do espírito e da vontade.” David Hume

A perspectiva fixada pelo filósofo escocês versado na língua inglesa David Hume (1711-1776) em relação à categoria de imaginação, prossegue um percurso muito peculiar, que ocupa ainda em nossos dias muitos pesquisadores, filósofos, e interessados em metafísica. Na tradição do empirismo, Hume se situa como uma posição radical ao que se refere em lançar à experiência o fundamento de uma teoria do conhecimento. O percurso de Hume consistirá, sobretudo, em determinar noções acerca do processo de formação das ideias, ou nos termos do filósofo em sua célebre obra de 1748 An Enquiry Concerning Human Undertanding, investigar a respeito do que ela chama de “perceptions of the mind” (HUME, [1777] 1992, II, parág. 1). Nesta direção, realiza uma análise da percepção sensorial humana no sentido de encontrar no acontecimento originário das sensações ou impressões a provocação, origem e surgimento das ideias. E neste contexto Hume precisa a noção de imaginação. O que pretendemos como objeto de nossa pesquisa. Nesta direção, a intenção de Hume consiste em demarcar o que ele define como “operações do entendimento”, ou nos termos utilizados por Hume, “operations of the understanding” (HUME [1740] 1995, p. 42).

Contudo, Hume pretende realizar uma

espécie de anatomia da mente humana (“human mind”) de acordo com os dados fornecidos pela experiência. De acordo com sua investida, “Ele propõe anatomizar metodicamente a natureza humana, e promete só chegar a conclusões autorizadas pela experiência” (HUME [1740] 1995, p. 48). Para melhor nos orientar em relação ao processo de formação das ideias, David Hume delimita duas categorias que terão o lugar de princípio em sua metafísica empirista. É o que nos demonstra a leitura da obra Investigações acerca do entendimento Humano,

3 como também seu Tratado da natureza humana (do original A treatise of human nature), que são as categorias que o filósofo escocês denomina “impressões” (“impressions”) e “ideias” (“denominated Thoughts or Ideas"). Na obra Investigações acerca do entendimento humano nos indica David Hume: Podemos, por conseguinte, dividir todas as percepções do espírito em duas classes ou espécies, que se distinguem por seus diferentes graus de força e de vivacidade. As menos fortes e menos vivas são geralmente denominadas pensamentos ou ideias (HUME [1748] 2003, I, parág. 2).

E a outra categoria que são as “impressões”, possuem força e vivacidade mais intensa, digamos assim, pois se abrigam no momento do acontecimento da experiência. Estas categorias, a saber, “impressões” e “ideias”, David Hume procura afirmar do modo mais claro possível em outras passagens de sua vasta obra. Assim encontramos no original A Treatise of human nature, na parte I Of The Understanding, mais precisamente na seção I desta primeira parte do Tratado intitulada Of Ideas, Their Origin, Composition, Connexion, Abstraction: “All the perceptions of the human mind resolve themselves into two distinct kinds, which I shall call Impressions and Ideas” (HUME [1739] 2013, Part I, Section I, parág. 1). Ou nos termos da versão do Tratado para o espanhol: “Todas las percepciones de la mente humana se reducen a dos géneros distintos que yo llamo impresiones o ideas” (HUME [1739] 2001). De acordo com estas noções, o que é então a imaginação na visão de David Hume? Como ela se forma? A associação de ideias e qualidades tomadas pela imaginação seja acordado ou dormindo como no sonho, encontra ou não sua provocação desde a experiência das sensações ou impressões? É no contexto destes problemas que se inscreve a metafísica empirista de Hume. Entendendo o empírico como aquilo que está na ordem do acontecimento da experiência, que para Hume, na problemática da imaginação, significa o dado pelas sensações e impressões. Da experiência empírica sensorial como princípio da origem das ideas e nestas a imaginação Sensações e impressões serão então, de acordo com David Hume, as percepções

4 mais fortes e vivas na medida em que preservam o acontecimento originário das qualidades fornecidas pelos objetos do mundo material e sensível, como também, pelos afetos. De um lado temos sensações e impressões da presença de objetos, como mesa, cadeira, tv, rádio, computador entre tantos outros. Por outro lado temos também sensações e impressões de afetos, isto é, de emoções. Através da presença, isto é, de impressões e sensações, de objetos e do acontecimento de emoções, temos ideias de objetos e emoções. De todo, no pensamento estas ideias, para David Hume, ora são cópias de impressões e sensações, que correspondem fielmente aos objetos do mundo material e sensível e às emoções ou afetos, ora nossas ideias tomam o rumo da imaginação. Todavia, nos fixemos no problema: em que medida ou limite, as ideias não são somente cópias de sensações ou produto da imaginação? Em outra direção, é a imaginação livre? Ou a imaginação está somente livre desde que originária de sensações e impressões da experiência (empírica)? Contudo, apesar de David Hume nos indicar que o pensamento humano, inclusive a imaginação, possa nos parecer algo ilimitado, a intenção do filósofo é nos levar a uma certa transcendência do hábito de tomar as ideias e a imaginação, como movimentos do pensamento humano tão simplesmente livres. Nesta perspectiva, Hume esforça-se em demonstrar através de diversos exemplos, o quanto as ideias e a imaginação possuem de algum modo a experiência como princípio originário. Assim lemos nas Investigações... Entretanto, embora nosso pensamento pareça possuir esta liberdade ilimitada, verificaremos, através de um exame mais minucioso, que ele está realmente confinado dentro de limites muito reduzidos e que todo poder criador do espírito não ultrapassa a faculdade de combinar, de transpor, aumentar ou de diminuir os materiais que nos foram fornecidos pelos sentidos e pela experiência (HUME [1748] 2003, II, parág. 4).

Sobretudo, David Hume em sua fundamentação de uma teoria das ideias em uma perspectiva empirista, irá compreender a imaginação como caracterizada por um aspecto primordial, que encontrará abrigo e repouso no conceito ou princípio da associação de ideias. Este princípio da associação de ideias está por sua vez vinculado a uma ligação, nas operações do entendimento, por meio de qualidades de impressões e sensações

5 fornecidas pela experiência. Nesta perspectiva, quando tenho a impressão de um sabor, esse sabor se refere a uma das qualidades do objeto, isto é, do alimento ou de uma bebida, que concentram ainda outras qualidades apreendidas pelos sentidos, como o tamanho, forma, estado (se sólido ou líquido...), cheiro e cor. Quando temos a impressão de um relógio de pulso ou de parede, na perspectiva de David Hume, as qualidades do objeto como o brilho, opacidade, tamanho, cor, forma, isto é, suas propriedades, são tomadas como constituintes da impressão de um dado relógio. Por exemplo, quando a imaginação de um pintor como Salvador Dali, em quadro de 1931 de nome A persistência da memória, cria uma imagem de relógios gigantes como se estivessem derretidos em uma paisagem distante, um dos relógios pendurado em um galho seco de árvore, outro no ar, a questão que Hume propõe, é demarcar o acontecimento da imaginação como produto de associação de idéias de impressões reais, como árvore, relógio, fogo, terra, etc, e que retemos suas qualidades em nossa memória, isto é, através da lembrança. De acordo com o filósofo, quando do momento da lembrança de uma sensação, a vivacidade originária do acontecimento nunca pode ser retomada em sua inteireza e força, porém, em menor grau ou intensidade. É nesta direção que David Hume pontua com precisão, que qualquer sensação ou impressão é mais viva e forte que uma ideia, lembrança, ou associação de ideias e qualidades distintas de objetos distintos como no caso da imaginação. Ao passo que a ideia, a lembrança e a imaginação têm seu princípio na experiência das sensações e das impressões. Nesta perspectiva, poderíamos então afirmar, que a imaginação não é tão sem rédeas como pensávamos, mas sua órbita gira em torno das sensações e impressões fornecidas pela experiência. Na medida em que, para o filósofo escocês as impressões e sensações provocam o surgimento das idéias, e nestas, a imaginação. Contudo, no decorrer da problemática da origem de nossas ideias, e sua respectiva fundamentação a partir dos conceitos fornecidos por David Hume, observamos que, a partir do momento em que há um lance conceitual de identificação da composição de

6 nossas ideias através do princípio da associação, mediado pelas impressões reais da experiência, outro dos problemas fundamentais será então delimitar mais precisamente: o que é exatamente o princípio da associação de ideias e porque ocupa um lugar tão primordial na filosofia de David Hume? E avançando um pouco mais, poderíamos então nos indagar: quais categorias na obra deste filósofo empirista irão corresponder ao conceito de associação de ideias? E é justo na Seção III das Investigações... que iremos encontrar claros indícios para esta problemática: Embora o fato de que as ideias diferentes estejam conectadas seja tão evidente para não ser percebido pela observação, creio que nenhum filósofo tentou enumerar ou classificar todos os princípios de associação, assunto que, todavia, parece digno de atenção. Para mim, apenas há três princípios de conexão entre as ideias, a saber:de semelhança, de contigüidade – no tempo e no espaço – e de causa ou efeito (HUME [1748] 2003, Seção III, parág. 1).

Do princípio de associação de ideias como fundamental para as noções de imaginação em Hume Deste modo, para o filósofo existirá então uma relação de interdependência entre ideias e impressões. Em sua concepção, em nossas percepções primordiais abrigam-se a gênese e origem de todas as nossas ideias. Isto é, entre impressões e ideias uma relação de causa e efeito as aproxima de modo umbilical. Assim, uma ideia tem como sua causa, uma dada impressão, ou em outros termos, uma determinada ideia tem como sua causa um certo conjunto de impressões fornecidas pela experiência. E de modo inverso, uma dada impressão produz como seu efeito uma determinada ideia. Com o percurso até então apresentado, compreendemos que a perspectiva empirista de Hume, inicialmente articulada a partir das noções de impressões (“impressions”), no plano sensorial, e seu correlato no plano do pensamento (“ideas”), compreende, uma outra mediação de justificativa de fundamentação da associação de ideias, que passa, como vimos, pelas categorias de semelhança, contiguidade, e causa e efeito.

7 E justamente a partir destes pressupostos de Hume a respeito das categorias que envolvem sua crítica à metafísica, desenvolvendo sua perspectiva empirista, que pretendemos indicar que as afirmações de David Hume de que as figuras da imaginação associam de uma forma ou de outra elementos e características da experiência sensível, constituem-se como um de nossos principais pontos de partida de compreensão de uma leitura de Hume. Levando em consideração a indicação de Hume de que a atividade da imaginação, assim como do pensamento, consiste em aumentar, associar, diminuir, caricaturar, como própria dinâmica das ideias, os dados fornecidos pelos sentidos. Assim lemos nas Investigações... “that all this creative power of the mind amounts to no more than faculty of compounding, transposing, augmenting, or diminishing the materials afforded us the senses and experience (HUME [1777] 1992, II, parág. 13). É nesta direção que vale a pena investigar algumas noções acerca do tema da imaginação na filosofia de David Hume, para a qual a principal inquietação em relação ao conhecimento parte de uma questão fundamental, a saber: “What impression that idea is derived?” (HUME [1740] 1995, p. 52). Isto é, de que impressão esta ideia é derivada? E foi este o problema filosófico primordial que nos conduziu por todo este percurso de reflexão aqui esboçado. Compreendemos como de grande importância a investigação, no campo da crítica à metafísica, as temáticas e postulados organizados a partir do empirismo. Que na modernidade, aparece como uma concepção de conhecimento, isto é, teoria do conhecimento, orientação metodológica e formal, linha de pesquisa e estudo em relação à tradição da metafísica. Todavia, o empirismo como o persegue David Hume em suas formulações particulares, é fundado em uma avalanche de questões que giram em torno da órbita da problemática do primado da experiência. Segundo Fernão Salles, pesquisador de Hume do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, a partir de alguns expoentes do que convencionamos chamar de empirismo, como os filósofos Locke, Hobbes, Shaftesbury, Berkeley, Hume (filósofos britânicos, exceto Hume, escocês, porém escritor de língua inglesa), a noção de experiência indica uma crítica à metafísica que considera como ponto mais relevante ao conhecimento e sua formação, a ideia ou a razão, e não a experiência como o indica o empirismo em sua investida crítica. Procurando nos situar melhor em relação ao debate

8 promovido pelos empiristas britânicos na modernidade, nos contextualiza este cenário, o estudioso da obra de Hume o pesquisador Fernão Salles, em seu artigo de nome David Hume: Associação de Ideias, ‘cimento do universo’: Segundo muitos filósofos britânicos dos séculos XVII e XVIII, a experiência questionava a primazia da razão, e o método de construção do pensamento deveria inspirar-se na forma analítica da física experimental. (...) O empirismo, que a partir de John Locke se confundiu com as chamadas luzes britânicas, foi em grande medida um esforço para colocar a filosofia em termos diversos daqueles empregados pelos grandes sistemas do cartesianismo. Assim, Locke, por exemplo, iniciara o Ensaio sobre o entendimento humano demolindo a noção cartesiana de ideia inata e postularia a origem empírica de todos os conteúdos mentais (SALLES, 2011, p. 7).

Nesta perspectiva, o conceito de imaginação em David Hume, incide também em se dar conta da contextualização da problemática deste filósofo e sua visada empirista, em relação ao movimento de associação de ideias. Ainda segundo o pesquisador Fernão Salles, David Hume pretende dedicar-se em “descrever regularidades observáveis” (SALLES, 2011, p. 12). Estas “regularidades observáveis”, no campo das teorias do filósofo David Hume a respeito da origem de nossas ideias, significam o mesmo que investigar o modo através do qual, as associações de ideias se conectam. Sendo tal conexão entre as ideias, analisadas desde certo método e regularidade, assim como nos afirma logo ao início da Seção II de suas Investigações... “It is evident that there is a principle of connetion between the differrent thoughts or ideas of the mind, and that, in their appearance to the memory or imagination, they introduce each other with a certain degree of method and regulatiry” (HUME [1777] 1992, II, parág. 1). Nesta problemática, David Hume postula três conceitos, ou três modos e formas através das quais as ideias podem se associar entre si, seja no procedimento de nossa imaginação ou retenção de informações na memória: que são as categorias de contigüidade,

semelhança

e

causa

e

efeito,

que

são

alguns

dos

principais

desdobramentos teóricos mais pertinentes a respeito das problemáticas aqui levantadas.

9 Nesta direção, procuramos fundamentar o conceito de imaginação na metafísica de viés empirista, ou teoria do conhecimento de David Hume, sobretudo a partir de sua obra Investigações acerca do entendimento humano, principalmente a partir da seção II do livro, de nome Da origem das ideias, e da seção III, de nome Da associação de ideias, tomados como pontos de partida de leitura para nossa reflexão aqui proposta. Nesta perspectiva, procuramos com este percurso indicar a posição das sensações e impressões como o lugar desde o qual, para Hume, as ideias e nestas a imaginação, possuem o seu princípio. Como indicação para a investigação da problemática da imaginação David Hume nos oferece um valioso conceito, que é o conceito ou o princípio da associação de ideias, em sua perspectiva empirista, para somente a partir deste ponto, compreender sua teoria a respeito do estatuto da imaginação.

10 Referências HUME, D. Investigações acerca do entendimento humano. Trad. André Mesquita. Editora Escala. São Paulo – SP. [1748] 2003. __________. An Enquiry Concerning Human Understanding. University College, Oxford. [1777] 1992. __________.

Resumo de um Tratado da Natureza

Humana. Edição bilíngüe

Inglês/Português. Trad. De Raquel Gutierrez e José Caio. Editora Paraula. Porto Alegre – RS [1740] 1995. ____________. A treatise of human nature. EBooks@Adelaide. University of Adelaide. Australia. [1739]. 2013. ____________Tratado de la naturaleza humana. Trad. Vicente Viqueira. Dipualba Publicaciones. Espanha. [1739] 2001. SALLES, F. David Hume: Associação de Ideias, ‘cimento do universo’. Revista Mente & Cérebro & Filosofia. Duetto Editorial. Edição n° 2. São Paulo -SP. 2011. ___________. Os empiristas: Revolução política e filosófica na Grã-Bretanha. Revista Mente & Cérebro & Filosofia. Duetto Editorial. Edição n° 2. São Paulo - SP. 2011. DALI, S. La persistencia de la memoria. The Museum de Modern Art. New York. 1931. DELEUZE. G. Empirismo e Subjetividade: Ensaios sobre a natureza humana segundo Hume. Trad. Luiz Orlandi. Editora 34. São Paulo – SP. [1953] 2001. BOUCHARDET, R. A imaginação na teoria da mente de David Hume. Dissertação de Mestrado PUC – RIO. 2006.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.