DO DIÁLOGO AO MONÓLOGO: Uma visão da cibercultura para os protestos de 2013 e 2015

June 24, 2017 | Autor: Talita Abrantes | Categoria: Social Media, Cibercultura, Social protests, Jenkins Henry
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  UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ­ ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES  Curso de especialização em Gestão Integrada da Comunicação Digital em Ambientes  Corporativos ­ DIGICORP             DO DIÁLOGO AO MONÓLOGO   Uma visão da cibercultura para os protestos de 2013 e 2015      

      TRABALHO DE CONCLUSÃO DE MÓDULO ­ ABRIL DE 2015  PROFESSORA DRA. ELIZABETH NICOLAU SAAD CÔRREA          TALITA ABRANTES RODRIGUES           

“Saímos do Facebook”1    Em seu livro “Cultura da Convergência”, JENKINS (2006) afirma que, graças à  convergências das mídias, “o consumo tornou­se um processo coletivo”2. Podemos parafraseá­lo  e afirmar que, seja escrevendo ou gritando as hashtags #VemPraRua ou #ForaDilma, a  indignação tornou­se uma experiência coletiva durante as manifestações de junho de 2013 ou  março de 2015.   É difícil prever se elas seriam possíveis sem a estrutura de uma comunidade organizada  em rede. Em ambos movimentos, a indignação individual publicizada amplificou os ânimos  coletivos e incitou multidões a tomar as ruas. Ao mesmo tempo, as múltiplas plataformas de  compartilhamento abriram espaços  de conversação que extrapolaram as fronteiras do local e  permitiram que indivíduos de todo território nacional se organizassem em torno de um  movimento comum.   Os protestos de junho de 2013 estão inseridos no mesmo contexto em que frutificaram  movimentos como o Occupy Wall Street, nos Estados Unidos, e a Primavera Árabe, em países  como Egito e Irã. Como afirma JENKINS (2012), em todos os casos, a possibilidade de  circulação de informações e opiniões foi fundamental para “formar e mobilizar a opinião  pública”3. Sob a égide de uma ditadura religiosa ­ no Irã ­ ferramentas como o Facebook e  Twitter foram cruciais para a mobilização nas ruas, uma vez que o digital se configurou como o  único espaço possível para a proliferação de ideias contrárias ao governo.   Guardadas as devidas proporções, um fenômeno semelhante se desdobrou nas jornadas  de junho. Em um estudo sobre as hashtags utilizadas durante os protestos de 2013 no Twitter4,  FALCÃO (2014) mostra que até 17 de junho de 2013 ­ quando os protestos ganharam  abrangência nacional ­, a propagação da hashtag “Vem Pra Rua” era exclusiva de perfis com  menos de 300 seguidores. Ou seja, os tuítes de veículos da imprensa ou de personalidades,  aparentemente, não foram fundamentais para a propagação dessa expressão.  

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 Autor desconhecido. Frase comum nos cartazes das manifestações de junho de 2013.    JENKINS, 2006, p. 30  3  JENKINS, Twitter Revolutions, 2012.  4   ​ FALCÃO de Souza, P. “A Genealogia das Lutas Multitudinárias em Rede. O #vemprarua no Brasil”. citado  por MALINI, F. As diferenças dos protestos nas mídias sociais.   2

“Foi uma ação de circuvizinhança (amigo compartilha conteúdo para amigos) que  produziu uma corrente de micro­opiniões que criaram a sensação que os protestos em  Belo Horizonte aconteciam tal como em São Paulo, que aconteciam tal como no Rio de  Janeiro (...) num encadeamento coletivo cujo principal resultado é a transformação de  uma determinada causa em grande agenda de opinião internacional” (MALINI,  GOUVEIA, CIARELLI, CARREIRA, HERKENHOFF, REGATTIERI e LEITE, 2014)  Como indivíduos aparente pouco influentes  conseguiram moldar a opinião pública dessa  maneira? O conceito de cultura da convergência é uma das possíveis explicações para este  cenário. De acordo com esta ideia, estamos assistindo a um processo de convergência de  conteúdos para múltiplas plataformas de mídia que, entre outros aspectos, “​ permite modos de  audiência comunitários, em vez de individualistas”5. De acordo com ele, o público, que também  é consumidor e cidadão, deixou de ser isolado, silencioso e invisível para assumir um perfil  conectado, barulhento e público6.  E isso lega ​ novos papeis a produtores e consumidores,  governantes e cidadãos.  Assim, em 2013, a violenta reação da polícia aos primeiros protestos do Movimento  Passe Livre (MPL) não ficou circunscrita apenas ao território das ruas. Antes, foi intensivamente  compartilhada e espalhada em tempo real pelas redes sociais. A imagem da repórter da TV Folha  Giuliana Vallone com o rosto desfigurado por uma bala de borracha, por exemplo, caiu em rede  e a indignação espalhou­se pelas ruas nos dias que se seguiram culminando com centenas de  milhares em protesto pelo Brasil no dia 17 de junho. A partir deste momento, ​ as imagens que  davam às ruas contornos de guerra começaram a contrastar com selfies de manifestantes que  precisavam de alguma forma mostrar que também estavam lá.   Dessa forma, não era preciso estar nas ruas para ver o que estava acontecendo. Nem  mesmo checar a seção de últimas notícias dos grandes veículos de imprensa para manter­se  atualizado. O protesto foi narrado em tempo real no feed de notícias do Facebook ou do Twitter  para quem assim quisesse. A imprensa não foi necessária para colocar holofotes sobre a  indignação ou opiniões dos manifestantes já que as redes sociais cumpriram a missão de  espalhá­las organicamente. Neste processo, as mídias sociais tiveram para as ideias o mesmo  5 6

 Idem 2, p. ​ 55   Idem 2, p. 47 

efeito que a imprensa escrita teve para os reis. De acordo com THOMPSON (2008), o  desenvolvimento da imprensa propiciou aos políticos “um tipo de visibilidade que se desvincula  de sua aparição em pessoa diante de um público reunido”7. Da mesma forma que os governantes  puderam aproximar de seus súditos e eleitores sem um intermediário, hoje, cidadãos comuns  podem dar visibilidade às suas ideias ou a si sem precisar cair nas graças de um veículo de  imprensa.   Evidemente, o grau  e a extensão da visibilidade não é distribuída de maneira igual para  todos. Para viralizar, no mínimo, uma ideia tem que  ser coerente com o conjunto de convicões  pré­existentes8 no público que se quer atingir. Excluindo a existência de algoritmos que  determinam a relevância de um conteúdo e que são desenhados por grupos que recentemente  ganharam poder, os editores ou censores tradicionais perderam, portanto, o controle sobre quais  ideias devem ou não circular.   Aliás, temos assistido a um movimento inverso: é a mídia comercial que monitora os  canais alternativos em busca de “conteúdos que possa cooptar e circular”9 ­ como aconteceu em  2013, quando a maior parte dos veículos de imprensa, políticos e até propagandas se valeram da  onda de manifestações para cumprir seus interesses.   Os protestos de março e abril de 2015, por sua vez, trazem dentro de si ecos das jornadas  de junho e julho de 2013. Tal como o movimento antecessor, o mais recente configura­se pelo  uso das mídias sociais ­ em especial o Facebook e o WhatsApp ­ e o protagonismo da sociedade  civil. No entanto, no mais recente, como nota MALINI (2015), as celebridades, os políticos e os  veículos de mídia ocuparam as redes sociais chamando para o movimento mesmo antes que eles  tomassem corpo10. Além disso, na mobilização de 2015 há líderes instituídos. Tanto que  enquanto na mobilização mais antiga a expressão “Vem pra Rua” era um era um grito de  convocação, na mais recente, o nome foi também emprestado a um dos grupos que reclamam  para si a liderança (senão a autoria) do movimento.   O estopim para os protestos de 2013 foi o aumento das passagens de ônibus em diversas  capitais. Mas, apesar de organizados em uma primeira etapa quase que exclusivamente por  7

 THOMPSON, 2008, p. 22   Idem 2, p 286  9  Idem 2, p. 291.   10  Idem 4  8

integrantes do Movimento Passe Livre, as manifestações naquele ano abrigaram múltiplas  reinvindicações. O “não é só pelos 20 centavos” apregoado em diversos cartazes ganhou um  sentido literal neste contexto já que cada manifestante ia para a rua por uma razão: seja por  melhorias no transporte público, na educação ou na saúde; seja para se opor à corrupção ou à  Copa do Mundo. Ou simplesmente para afirmar que estava ali.   Em 2015, no entanto, a pauta é binária. Dependendo do dia, você está na rua ou por que é  contra ou a favor do governo. Não há meio termo. O embate entre polícia militar e manifestantes  em 2013 cede espaço para o embate entre pessoas que compartilharam, há dois anos, a mesma  rua ou indignação. As múltiplas tecnologias de compartilhamento, uma vez concebidas como o  futuro do espaço democrático, viraram palco para o ódio.   É possível emprestar o conceito de sociedade líquida de BAUMAN (2011) para traçar  uma possível explicação para por que a multiplicidade de vozes se restringiu, agora, a uma visão  maniqueísta do cenário político atual. Ele classifica o mundo líquido como um espaço que  “jamais se imobiliza nem conserva sua forma por muito tempo”11, um cenário em constante  movimento que tende a arrastar os indivíduos na viagem, “para o bem ou para o mal”12 .   “O pesadelo da informação insuficiente que fez nossos pais sofrerem foi substituído  pelo pesadelo ainda mais terrível da enxurrada de informações que ameaça nos afogar,  nos impede de nadar ou mergulhar (coisas diferentes de flutuar ou surfar)​ .”  (BAUMAN, 2011, p. 7)  A cultura em rede, que abriu caminho para o compartilhamento de informações, também  tem seus efeitos colaterais. Hoje, sejam verdadeiras ou falsas, informações de todo tipo circulam  no mesmo espaço e com a mesma intensidade. E moldam opiniões e decisões na mesma  proporção.    Um levantamento feito nos protestos de 12 de abril de 2015 mostra que uma parte  considerável dos manifestantes acreditava que seriam verdadeiras ideias não confirmadas  oficialmente como a história de que o PCC (Primeiro Comando da Capital) seria um braço 

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 BAUMAN, Zygmunt. 44 cartas ao mundo líquido moderno. Tradução: Vera Pereira. Editora Zahar. 2011.  p. 6  12  Idem 11, p. 8 

armado do PT ou que o filho do ex­presidente Luiz Inácio Lula da Silva seria sócio da Friboi13 ­  ideias compartilhadas à exaustão nas mídias sociais e em blogs militantes ou de procedência  duvidosa. Em um cenário em que as pessoas vêem instituições ­ como a imprensa ­ com  desconfiança, fica difícil separar o joio do trigo. O que caiu em rede vira informação, subsídio  para a opinião.   Neste ponto, é importante analisarmos o papel dos grupos de interesse para a formação da  opinião. A transição da modernidade para a pós­modernidade é marcada por uma espécie de  “privatização da sociabilidade”, quando, segundo CASTELLS (2003), os indivíduos saíram de  um contexto predominantemente tecido por relações secundárias (feitas por associações) para  uma sociedade de relações terciárias ­ traduzidas por comunidades egocentradas14 que se  mobilizam e se ajuntam em torno de interesses comuns, geralmente, não duradouros.   Mídias como Facebook ou WhatsApp podem estar radicalizando esta lógica ao fechar os  usuários em um feed de notícias recheado apenas de conteúdos compatíveis com interesses  previamente catalogados ou em grupos restritos. Em vez de favorecer o diálogo, essas  plataformas estão fortalecendo monólogos e, portanto, visões estreitas do mundo. Assim como a  globalização, paradoxalmente, teve a valorização do local como efeito15, a cultura da  convergência pode estar criando bolhas de conversação em vez de expandi­las. A radicalização  do discurso que assistimos nas redes e nas ruas pode ser um resultado disso.   O mais perverso desta estrutura é que o pertencimento a um dado grupo não é algo fixo.  Os  indivíduos precisam lutar “por sua própria conta e risco para se inserir numa sociedade cada  vez mais seletiva econômica e socialmente” (FRAGOSO, 2011).  Em um mundo maniqueísta  feito em rede, o posicionamento torna­se um dever e o contínuo endosso de suas ideias, uma  exigência.  Ou seja, para se manter em um dos lados, as pessoas precisam ­ o tempo todo ­ provar  isso. E as mídias sociais se apresentam como um espaço que para essa exigência.  

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 ORTELA, Paulo; SOLANO, Esther. Pesquisa com os participantes da manifestação do dia 12 de abril de  2015 sobre confiança no sistema político e fontes de informação. Disponível em    14  ​ CASTELLS, 2003, p. 108  15  ​ SANTOS, Milton. ​ Técnica, espaço e  tempo ­ Globalização e meio técnico científico­informacion al. São Paulo:  Editora Hucitec, 1994. p. 15 

Citando a ideia de panoptismo de Michel Foucault, THOMPSON (2008) afirma que a  visibilidade é uma maneira de exercer poder16. ​ Concebido pelo jurista ​ Jeremy Benthan, o  Panóptico é um projeto de prisão circular em que um observador central poderia ver todos os  locais onde os detentos estivessem. A sensação de ser visto o tempo todo faria os presidiários  internalizarem a disciplina e mudarem seus comportamentos.   Conectados por verdadeiras “máquinas de ver”17, em rede, os indivíduos se submetem à  uma visibilidade (por vezes, constante) e “tornam­se a um só tempo o efeito e o instrumento do  poder” ­ ora julgando o outro, ora fazendo de tudo para se posicionar e conquistar seu espaço em  dado grupo. Em um sistema disciplinar como este não há brechas para o meio­termo. Opinar  com uma leve tendência à esquerda ou à direita, à favor ou contra, pode ser suficiente para se  enquadrar em um estigma, ganhar um bloqueio no Facebook ou o fim de uma amizade. As  pessoas se fecham cada vez mais em si mesmas e se abrem apenas para o que é igual, raramente  para o diferente.   Inspirado pelas ideias de Pierre Lévy, em 2006, JENKINS encarava com otimismo a  cultura em rede que se formava em torno dos múltiplos dispositivos de compartilhamento.  Acreditava ele que estaríamos caminhando para uma evolução da democracia, em que os  cidadãos seriam mais participantes da política e as massas, mais inteligentes. A ideia de  JENKINS era que, juntos, os indivíduos teriam mais poder de negociação seja com os produtores  de mídia ou com os governantes. No entanto, como negociar, se as pessoas estão fechadas em  trincheiras? Como fortalecer a democracia, se o monólogo suplanta o diálogo? Como expandir a  sociedade do conhecimento, se a sociedade se divide em tribos que não compartilham?              

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 Idem 8, p. 27    ​ BRUNO, 2004, p. 111.  

Bibliografia   BAUMAN, Zygmunt. 44 cartas ao mundo líquido moderno. Tradução: Vera Pereira. Editora  Zahar. 2011.   BRUNO, Fernanda. Máquinas de ver, modos de ser: visibilidade e subjetividade nas novas  tecnologias de informação e de comunicação. In: Revista Famecos: mídia, cultura, tecnologia.  Número 24. Porto Alegre: PUC­RS, 2004.  CASTELLS, Manuel. 2003. “Comunidades virtuais ou sociedade de rede?”. In: A galáxia da  internet p. 98 ­ 113  FALCÃO DE SOUZA, Paula. A Genealogia das Lutas Multitudinárias em Rede. O #vemprarua  no Brasil. Mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014.  MALINI, Fábio. As diferenças dos protestos nas mídias sociais. Revista INFO, n. 351, 2015.  Disponível em:  . Acesso em: 21  abr.  2015.  FRAGOSO,  Tiago de Olivera. 2011. “Modernidade líquida e liberdade consumidora: o  pensamento crítico de Zygmunt Bauman”. In: Revista Perspectivas Sociais Pelotas, Ano 1, N. 1,  p. 109­124, março/2011. Disponível em  Acessado em  12/06>   JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph. 2008.    JENKINS, Henry. “Twitter Revolutions” IN Spreadable Media Website. Disponível em:  . Acesso em: 23  abr.  2015. 

MALINI,  GOUVEIA, CIARELLI, CARREIRA, HERKENHOFF, REGATTIERI e LEITE.  #VemPraRua: Narrativas da Revolta Brasileira. XII Congresso Alaic, 2014. Disponível em:  . Acesso  em: 22  abr.  2015.  ORTELA, Paulo; SOLANO, Esther. Pesquisa com os participantes da manifestação do dia 12 de  abril de 2015 sobre confiança no sistema político e fontes de informação. Disponível em . Acessso em: 23/04/2013 

SANTOS, Milton. Técnica, espaço e  tempo ­ Globalização e meio técnico  científico­informacional. São Paulo: Editora Hucitec, 1994. 

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