Do Direito Natural como limite do Poder Constituinte, ou como há mais poder acima da vontade dos da Terra do que a estes agrada admitir.

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Cfr. http://www.imdb.com/title/tt0093389

Neologismo que é uma tradução directa da palavra-conceito "governance" e cujo conteúdo adoptamos e aqui deixamos sumariamente descrito… (introduzir)
Ou o "sérgio godinhista" conceito de "liberdade a sério" (não pude saber se o uso de minúsculas é lapso, propositado, ou nada disso):
«Só há liberdade a sério quando houver / A paz, o pão / Habitação / saúde, educação».
Karl Popper, Em busca de um mundo melhor, pp. 17 e ss.
Absoluto no sentido de "aquilo que está solto porque não depende de nada nem de ninguém". (v. quem pode sustentar este conteúdo conceptual)
Ou, para usar as eloquentes palavras de um insuspeito José Bonifácio, essas «sábias leis da economia geral da Natureza». (v. origem da citação)
A minha definição de Cultura
Por contraposição, em particular, ao "especial" jusnaturalismo hobbesiano (pois como diz BOBBIO, «usa meios jusnaturalistas – se nos permitirmos tal expressão – para alcançar objectivos positivistas»), o qual, ao invés de ser instrumento para limite do poder do Estado, surge para o justificar e reforçar (Cfr. Norberto Bobbio, "Locke e o Direito Natural", 2ª edição, Editora Universidade de Brasília, 1997, p. 41).

Em especial as seguintes passagens:
«um povo (...) [deve] assumir, (...) [aquilo] que lhe dão direito as leis da natureza e as do Deus da natureza».
«Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade. Que a fim de assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados; que, sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e instituir novo governo, baseando-o em tais princípios e organizando-lhe os poderes pela forma que lhe pareça mais conveniente para realizar-lhe a segurança e a felicidade».
E que, baseados nos factos lidos à luz destes princípios que compõem o "Contrato Social", «[apelam] para o Juiz Supremo do mundo pela rectidão das nossas intenções, em nome e por autoridade do bom povo destas colónias, [publicam e declaram] solenemente [a sua Liberdade]» e que «em apoio desta declaração, plenos de firme confiança na protecção da Divina Providência, [empenham] mutuamente as [suas] vidas, as [suas] fortunas e a [sua] sagrada honra».

Que opta por considerar o Direito Natural como um instrumento de defesa do indivíduo contra a ordem positiva imposta pelo poder estadual.
Aquilo que, por exemplo na Idade Moderna (ou na Idade Média ou até na Época Clássica) seria, paradoxalmente, um pressuposto claro (porque assente num subentendido que vulgarmente não careceria nem de afirmação, quanto mais de demonstração) é hoje algo que requer afirmação, esclarecimento de propósitos e de conteúdo e, ainda assim, gerará imenso espanto e repulsa intelectual (ver G. K. Chesterton, creio que na biografia de "São Francisco de Assis"). A mesma que, naquelas eras, gerou a oposição (e a condenação) daqueles que ousavam dispensar Deus (ou até O eliminavam) da equação do processo de Conhecimento.
(mais ajustadas? mais adequadas? mais compatíveis com a natureza humana? E o que é a natureza humana? qual o seu conteúdo e fundamento?)

(pois que há entropias e erros que são recorrentes em consequência da natureza e conteúdo das soluções emanadas do exercício axiologicamente irrestrito ou ilimitado dos procedimentos democráticos)
É o que e busca (mesmo quando é um conceito absoluto e logicamente inatingível e incognoscível).

É o que nunca se obtém a partir da demanda pela Verdade.
O relativista é alguém que tem a certeza de que não há Verdade e, por isso, todas as convenções – e convicções – são admissíveis.

«Não baseamos a nossa opção nas virtudes da Democracia, que podem ser questionáveis, mas única e exclusivamente no carácter nefasto da solução ditatorial, que, essa, não oferece dúvidas» (Popper, "Em busca…", p. 226).












Do Direito Natural como limite do Poder Constituinte,
ou como há mais poder acima da vontade dos da Terra
do que a estes agrada admitir.



por João Titta Maurício










Introdução:

O Estado moderno (em especial naquela que o mundo anglo-americano convencionou chamar "continental Europe") tornou-se numa caricatura da corte chinesa e dos seus eunucos, tal como os podemos entrever em "The last emperor", com a "governança" a funcionar em circuito fechado, escolhendo e acolhendo os eleitos que lhes convêm (de preferência, escolhidos de entre os seus… ou logo os tornando em tal), exercendo o poder, no interesse de oligarquias burocráticas, de um modo caracterizado pelo despesismo e pela inutilidade (ou prejuízo efectivo da comunidade) das suas acções. E que a si mesmas se auto-justificam, através de uma intelectualmente pobre e desonesta defesa de um conceito geneticamente tirânico e totalitário da Liberdade. Porque é a esta é uma tirania de aparência democrática, que ilegitimamente cativou e acumulou excessivos poderes e, por consequência, por se ter tornado um "animal de muito alimento", arrecada enormes volumes, cada vez mais insuportáveis e insustentáveis, de recursos. Porque "não é o braço que é injusto, mas a arma que é muito pesada – e alguns pesos são excessivos [e perigosos] para a mão humana".
A decisão, a motivação e os limites imanentes à celebração do acto contratual constitutivo do Estado (o "Contrato Social", cujo momento não tem de ser nem historicamente verificável e nem ser comprovado), a razão de ser e os fins específicos que justificaram – e permitem compreender – a passagem do "estado de natureza" à sociedade politicamente organizada, ou seja, à constituição do Estado, são, para mim, o ponto de partida de toda a análise que haja de ser feita para fundamentar o exercício do Poder Constituinte e, por isso, do modelo de Estado a constituir.

O Estado existe por vontade dos homens… mas para agir no estrito limite daquilo que o Homem pode querer.
Nas inigualáveis e esclarecedoras palavras de Jefferson «todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade. Que a fim de assegurar esses direitos, os governos são instituídos entre os homens, derivando os seus justos poderes do consentimento dos governados». Repita-se: «os governos são instituídos entre os homens, derivando os seus justos poderes do consentimento dos governados». A releitura deste texto é um sempre importante exercício que todos os cidadãos deveriam exigir-se, pois seguramente poderia proporcionar a redescoberta da humildade, virtude intelectual que, por causa das ilusões de omnipotência humana nascidas com o Iluminismo francês, se tornou algo tão escasso hoje em dia, de tal modo que se esquecem que, mais do que um instrumento para a concretização de "inexistentes sonhados", o Estado existe para fazer aquilo que justificou a sua criação: a protecção da Vida, da Liberdade e do direito de cada um buscar a Felicidade.
A "construção" e desenvolvimento de um conceito de Estado que, beneficiando da ilusão proporcionada por uma bem-sucedida aparência de crescimento económico, possibilitou inúmeros acrescentos de poder em favor do Estado, instaurando um modelo que a si mesmo se justifica e que para si mesmo fixa novos fins, novas atribuições e novos poderes, e que manifestamente contraria a proposta contratualista que presidiu à sua criação por vontade dos cidadãos e que, em última análise, é a sua verdadeira e única fonte de legitimidade formal (e que é limite de legitimidade ao exercício do Poder Constituinte). Desenvolveu-se assim, em nome de uma falsa noção de Liberdade, um Estado que promove uma grave "fraude semântico-ideológica" e que, nela se sustentado, se dedica a actividades não-legítimas porque não-autorizáveis, as quais resultam num esvair de recursos da sociedade e dos cidadãos, e que não só não cumprindo o aumento da Liberdade , apenas construíram um novo "fardo da escravidão" condenando o Povo a uma situação de "asfixia numa estreita cela de pobreza".
O estado das coisas a que este ilegítimo modelo de Estado conduziu é a prova evidente da sua culpa e da sua falência. Porque não tem – nem podia ter – futuro um modelo de Estado assente no pressuposto de que ele existe para estar ao serviço de uma qualquer das várias pseudo-vanguardas esclarecidas que exploram a inveja, revestindo-a da ilusão de que poderia constituir-se como um válido critério de decisão política, e, paradoxalmente, propondo uma dionísica utopia ao estilo dos amanhãs que cantam, servido por uma semanticamente atraente dose de ilusão de felicidade que, por um lado, é economicamente insustentável e, por outro – e mais grave! –, é um radical ataque à Liberdade.
Mesmo que determinada combinação de indivíduos (51%, 2/3 ou qualquer outra superior) apoiasse e aprovasse uma deliberação (proposta pelas oligarquias burocrática-económico-mediáticas dominantes) no sentido de, em favor do Estado, lhe serem cometidas novas atribuições ou competências, essa deliberação só é legítima se respeitar os limites dos fins que presidiram à criação do próprio Estado e, fundamentalmente, se assentar num direito que, separada e individualmente, cada um dos indivíduos já inicialmente possuía – porque inerentes à sua condição de ser humano livre. Aplica-se como uma luva o vetusto (porém sempre certeiro) brocado latino: «nemo plus iuris in alium transferre potest quam ipse habet». Assim, nenhum indivíduo possui, originariamente, qualquer espécie de legitimidade que lhe permita que, contratualmente, se possa comprometer a, abusiva e gravemente, condicionar a sua Vida e a sua Liberdade – e muito menos a dos outros. Nem tampouco de criar instrumentos que sirvam para propôr serviços instantâneos e massificados de uma (suposta) "felicidade".
Até porque subsiste e acrescenta-se o problema de saber: que "felicidade" (ou que medida de "felicidade") servir? É Popper quem rejeita a validade de uma busca da "certeza subjectiva" («por considerá-la supérflua»), pois se o Conhecimento resulta de uma procura da Verdade, o que se encontra não é certeza pois «todo o conhecimento humano é falível e, consequentemente, incerto». E se é assim com o conhecimento científico, mais ainda é com o conhecimento filosófico (mesmo que inserido no contexto de uma ideologia de pretensão científica), pois a percepção que o Homem concreto tem do que é o Bem (de onde deriva o justo, o belo e o bom que fazem a Felicidade) – o qual está limitado pelas condições do tempo e do espaço concretos em que tal Homem vive e que tal percepção ocorre – é uma "interpretação hipotética" que resulta numa formulação (concreta e datada), a qual mais não é do que a adaptação (por adicção, subtracção ou destruição) da formulação (igualmente concreta e datada) anteriormente dominante.
A necessidade de defesa do direito a uma demanda do Bem (ou na expressão jeffersoniana de «busca da Felicidade») aplica-se a todos. E a todos beneficia. Mesmo àqueles que livremente optem por não o exercer, pois ele existe e com sua existência e nela é garantido que, querendo, cada Homem sempre conserva, inteiro e intacto, o direito a exercê-lo. Consagrar modelos que permitissem um regime diferente e diferenciado (eventualmente, com a promessa de vantagens materiais como ganho pela permuta) para os que dele quisessem abdicar (se tal fosse legítimo) geraria a inaceitável existência de um grupo de indivíduos"infra-humanos".

Assim e por tudo isto, mesmo que tais serviços instantâneos e massificados ofertantes de uma (suposta) "felicidade" resultassem de uma decisão que dimanasse do exercício do Poder Constituinte e houvesse sido sufragada de um modo esmagadoramente maioritário, ainda assim, não seria uma opção legítima.

Porque não pode haver Liberdade sem a crença genuína (e as efectivas garantias) na inviolabilidade de uma extensão mínima da liberdade individual, resultante do Direito Natural – e no qual, na perspectiva jusnaturalista lockeana, se originam e fundam esses direitos inalienáveis, imprescritíveis e que precedem a criação do Estado. A Liberdade é medida pela força dos obstáculos absolutos que são a garantia dessa inviolabilidade, mesmo contra leis – em especial quando estas colocam em causa algo de essencial daquilo que consideramos um ser humano.

Um Estado que cria para si, se atribui a si próprio poderes por conta de atribuições que justifica em fins não autorizáveis e alheios aos motivos que justificaram a sua criação, só – e sempre! – o faz à custa da Liberdade. Através da ilegitimidade, pelo "gigantismo" paralisante e pelo despesismo inútil, o Estado torna-se uma real e na principal causa de opressão e pobreza das gentes. Assim, além da "fraude semântico-ideológica" em que justifica os seus novos fins, promove insuportáveis limites à Liberdade e tornou-se num insustentável sorvedouro de recursos.
E, assim fazendo, tornou-se uma tirania.
Uma tirania que só persiste porque abastece anafadas e improdutivas oligarquias económicas e burocráticas, que vivem à custa dos recursos que o Estado, pelo esbulho fiscal, arrecada e lhes serve. E é por isto, que estas o promovem e protegem. Um Estado que, assim se desviando dos seus propósitos, tornou-se feudo de privilegiados e despesistas, que alimentam experiências de "engenharia social" e se especializaram em sonhar, impôr e fazer-se pagar pelos "inexistentes sonhados", de racionalismo delirante feitos, que resultam num modelo político-social assente em altos níveis de burocracia e vários níveis de decisão, pelos quais, contraditoriamente, se repartem poderes e competências, se diluem responsabilidades e se torna impossível a identificação dos decisores. O crescimento da dimensão da Administração Pública ou a extensão do "assistencialismo estatal" resulta em centenas de milhares de "clientes" do Estado, os quais representam e se constituem num "exército" de dependentes que, em última análise, tornou cativo o Estado e os aqueles mesmos que os constituíram em "exército" e os queriam usar!

De um exercício do Poder Constituinte compatível com um entendimento de Direito Natural que apresentamos só poderá resultar um Estado que se abstenha de intervir como agente e promotor de um padrão ético, estético ou moral que, resultante de "inexistentes sonhados", tem como fim, violenta, brusca e ilegitimamente, substituir os padrões existentes. Num Estado que, em nome da Sociedade, se dedique – e já não seria nem pequena, nem fácil tarefa – a bem regular (de modo negativo) e a fiscalizar o cumprimento das regras indispensáveis à Liberdade. Que regras compatíveis com a natural (ou natural convencional) hierarquia de virtudes,... pois a Liberdade só pode ser exercida quando os cidadãos submetem o seu comportamento a limites, uma vez que não há Liberdade sem regras morais e de conduta social.

Em nome do Direito natural, uma dimensão de Liberdade natural que é incompatível com uma desmedida dimensão do Estado, para se ter um estado que cobra impostos como contrapartida da missão colectiva que exerce em nome e nos legítimos interesses de todos e de cada um! Proporcional à sua missão legítima e às suas necessidades legítimas. Tudo o mais são excessos tirânicos, disfarçados de fantasias ou que resultam de situações de excepção que alguns pretendem tornar rotineiras: salvo crises económicas graves (como a Grande Depressão), o papel do Estado dever-se-á limitar às funções de soberania e a suportar o acesso aos nossos adquiridos civilizacionais: gratuitidade na Saúde e na Educação (o que não significa que o Estado seja o seu único ou maioritário agente prestador) e a sustentação de uma social safety-network mínima (que torne improvável que um nosso concidadão seja deixado viver abaixo dos padrões mínimos de dignidade)!





Avant-propos:

Para começar, sou Católico: Jesus - que é Deus! – incarnou pelo poder do Espírito Santo, nasceu, morreu e ressuscitou. Sobre isso não podem subsistir dúvidas.

Tal afirmação não surge "porque sim" mas, como espero vir a conseguir demonstrar, por ser (por vários motivos) elemento central do que pretendo afirmar e porque, por causa disso e além disso, é um acto da mais elementar honestidade intelectual tornar conhecida, logo de início, qual é o pressuposto de observação, análise e entendimento do Mundo e das suas coisas. Quero com isto dizer que esta é uma tese católica ou religiosamente motivada e condicionada? Não. Quer dizer que é a tese de um católico que, procurando ser independente, não peca pela absurda presunção e falta de honestidade intelectual de se proclamar imparcial: somos constantemente parciais, pois que toda a nossa percepção e compreensão (ambas continuamente condicionadas pelos "óculos" únicos que dispomos e usamos) resulta da perspectiva assente no lugar de parte que (por escolha ou inevitabilidade circunstancial) ocupamos.
Todas as acções humanas mais não são do que frutos de decisões assentes na vontade humana e limitadas pela realidade. A diferença é que, no Direito, porque se constrói e/ou se expressa com palavras, acaba por se gerar no Homem a ilusória convicção de, como "sonhador" ou "poeta social", se poder permitir assumir a pretensão de ser especialmente provido de uma ilimitada condição de infinita capacidade de, através das leis, poder sobrepôr a vontade à realidade e à ordem natural. Como se as palavras, porque proferidas em nome do Estado, fossem capazes do mesmo efeito criador ou transformador que, no Genesis, se relata Deus possuir e, in illi tempore, ter usado na Sua obra da Criação.

E o que é Direito Natural esse que pretendemos ser capaz de limitar e ser instrumento de aferição da legitimidade do resultado do exercício do Poder Constituinte?
Em primeiro lugar, com o vocábulo "natural", não se procura obter uma consideração de validade, por exemplo, aproveitando e justificando-se a partir de uma adaptação de um conhecido slogan («o que é natural é bom!»), antes procurando reforçar o óbvio: o que é natural… é natural! Não encerra em si qualquer juízo de valor. Todavia, decorrendo apenas da razão de conhecer e compreender que o "natural" o é por ser manifestação da vontade e ser o sentido com que o Real foi dotado e possuí, por pertencer e guardar o sentido primitivo, originário e puro das coisas.
Por isso, ser "natural" é obedecer a uma ordem que tem um sentido, um propósito, um destino: fazer como é "natural" é fazer como deve ser feito.
Depois, é "Direito" pois, não sendo lei…

Sendo o Poder Constituinte comummente considerado como o supremo mando legislativo humano, deveremos entendê-lo e tomá-lo, por um lado, como o poder de celebrar o "Contrato Social" e, por outro, como um poder irrestrito que, em cada momento e em cada lugar, apenas depende da vontade expressa pelo Povo soberano concreto?
A resposta a ambas as questões deverá ser não!

Não, porque o exercício do Poder Constituinte (e, obviamente, só o estamos a considerar no modo "originário", pois que no outro, o "derivado", a dúvida não teria razão de ser) não corresponde à celebração do "Contrato Social", antes sendo um exercício condicionado, porque derivado, deste. Ou seja, o "Contrato Social" é sempre um "facto" que, racionalmente, é cronologicamente anterior. É sabido que este não carece nem de efectiva realização nem da sua demonstração: o "Contrato Social", sendo um "facto", não tem uma existência cronológica certa ou cognoscível, não corresponde a um fenómeno histórico observável, real, ocorrido num tempo concreto. Mas, ainda assim, é um "facto" logicamente ocorrido in illo tempores imemoriais pois coincide com um tempo ocorrido pouco após o início do tempo humano e, por isso, o exercício do Poder Constituinte é-lhe logicamente sobreveniente. Assim, o exercício do Poder Constituinte é sempre um facto (esse sim, verificável e historicamente datável) necessariamente posterior ao "Contrato Social". E que, por consequência disso, lhe é subordinado.
Mas não é só por questões cronológicas que se justifica esta subordinação. Também há entre eles uma óbvia relação hierárquica em questões substantivas. Uma relação hierárquica que se manifesta pelo valor, pela abrangência e pela destinação.
De valor, pois o "Contrato Social" é o elemento fundacional originário e primacial da própria Comunidade (humana ou só nacional?!?), que contém os elementos substanciais definidores do "esboço" cultural que torna legítimos, ou não, os "traços" constitucionais concretos que, em cada momento, um Povo soberano concreto pretende estabelecer para si. Assim a Constituição, cada uma das constituições, é a resposta concreta, legítima e válida ou não, dos homens ao seu tempo concreto, de cujo labor e vontade pode, ou não, resultar num produto cultural que os ultrapasse e a todos una – os do passado, os do presente e os do futuro. Ou então, poderá ser apenas um produto de parte, um puro exercício da força e da violência que, conjunturalmente, esse Povo soberano concreto dispôs e que pretendeu tornar o seu entendimento do presente num pretenso limite e condição de validade das soluções que resultarem do exercício autónomo da Liberdade pelo Povo soberano concreto no futuro. Assim, tal constituição, por não respeitar os limites do "Contrato Social", mais não seria do que um inválido e ilegítimo produto da vontade humana.
De abrangência, porque o "Contrato Social", sendo conciso e sucinto na sua dimensão, é preciso e total no seu âmbito dispositivo, isto é, o seu conteúdo normativo concreto (e racionalmente cognoscível) ultrapassa, pela essência e pelo âmbito de aplicação, a sua aparente pequenez. Não obstante a manifestamente limitada dimensão em termos de número de normas, adoptamos a perspectiva jusnaturalista e contratualista lockeana (e, em especial, a formulação que Jefferson, tão eloquentemente, lhe deu na Declaração de Independência dos EUA), com o contributo straussiano, e que, com esses poucos preceitos, todos e tudo se regula. Neles está tudo o que originariamente foi querido e tudo o que racionalmente pode ser querido. E a tudo e a todos se destinam e cingem. O mesmo não acontece com o produto do exercício do Poder Constituinte, pois que, não obstante a sua maior dimensão ao nível das normas que a compõem – os autores constituintes quase sempre possuem (ou revelam) uma (indesejável mas potencial) predisposição para produzirem constituições que, pelo número de normas e pelo volume de matérias que expressa e efectivamente se propõem regular, se apresentam cheias com a pretensão (porque para tal as acham vocacionadas) para a regulação do total real humano (e, por vezes, não só) –, elas terão sempre um âmbito de disposição menor do que aquele que, natural e logicamente, cabe ao do "Contrato Social". Até porque, dentro deste – e como procuraremos demonstrar – está a capacidade dispositiva que estabelece os limites e âmbito da validade do exercício do Poder Constituinte e de todos os produtos culturais de carácter jurídico que o Povo soberano concreto invente, directa ou indirectamente, em seu nome ou que seja por ele, directa ou indirectamente, habilitado.
De destinação, pois o "Contrato Social" é um produto total e intemporal, que (de modo ideal) vem de todos e a todos se destina e dirige. Até porque é contemporâneo da origem do tempo do Homem, não é um produto de e para um tempo concreto, nem sequer um resultado condicionado pela percepção e pelo querer concretos de um grupo de homens concretos, antes sendo aquilo que todos os "homens de recta Razão", em todos os tempos, reconheceriam como sendo a essência que, compondo a anima, torna humano o animal que também somos. Nem tampouco é um produto de parte, pois ampara todo o conteúdo, o conhecido e o desconhecido, do Bem verdadeiro e perfeito que foi recolhido pelo e acolhido no Direito Natural – pois só d'Ele poderia ser composto. Por isso, ao contrário do produto do exercício do Poder Constituinte (que é sempre o resultado datado, mais ou menos resistente, da percepção, do saber, da imaginação e da vontade de homens concretos, para homens concretos, com soluções concretas que são as resposta a problemas concretos… e todos de um tempo concreto), o "Contrato Social" é o produto completo, total e perfeito, que se apresenta, em cada tempo, como um interminável e hercúleo desafio hermenêutico, interpretativo e ao Saber, colocado e destinado a todos os homens, de todo o tempo e a todo o tempo.

É por tudo isto, e não só, que (em resposta à 2ª questão que colocámos inicialmente) se deve afirmar que o Poder Constituinte não é um poder irrestrito e de cuja validade do resultado não depende exclusivamente da vontade daqueles homens concretos que, num tempo concreto, o exerceram. Não só porque acima dele, hierárquica e substancialmente, está o "Contrato Social", mas também porque se este jamais poderia ultrapassar o princípio «nemo plus iuris…» (isto é, nunca poderia dispor aquém, para além ou contra o sentido completo e verdadeiro dos nossos, self-evident e inalienáveis, Direitos Naturais, aqueles que nos definem como ser Homem), então, por maioria de razão, muito menos o pode fazer o Homem concreto, num tempo concreto,… mesmo que no exercício, directo ou derivado, do Poder Constituinte.
Com isto quer-se afirmar que os Direitos Naturais são isso mesmo: inerentes (porque sendo aquilo que torna humano o animal que também somos, só ao Homem pertencem e sem eles o Homem deixa de o ser) e inalienáveis (pois que, sendo inerentes, a sua renúncia – mesmo que voluntária – é sempre ilegítima, pois o resultado seria um ser humano "menor" ou até um "ser humano nenhum"). Nessa medida, os Direitos Naturais são conteúdo sempre presente na personalidade jurídica de todos (podendo, naturalmente, o seu teor útil concreto, o tempo e o modo de exercício serem objecto de alguma especial e concreta forma de compreensão) e, por isso, sempre limite inultrapassável por nenhum poder constituído ou constituinte.


Coisas soltas

(Direito Natural = Bem?!?
Direito Natural (convencional) = normas negativas que impedem que se construam constrangimentos ou limites ilegítimos à busca e gozo do Bem?!? A procura de Felicidade é a procura do Bem?!?
Direito Constitucional = está depois e submetido àqueles, mas funcionando como paradigma positivo da validade do restante ordenamento jurídico nacional?!?)

(transcrever Bobbio, "Locke…", pp. 28-29)

(falar da questão do Direito Natural como direitos negativos ou deveres)

(falar da completa e perfeita inatingibilidade cognoscitiva do conceito de Bem – o justo, o belo e o bom socrático e que se consubstancia em Deus – e, por isso, a ilegitimidade e a invalidade das propostas constitucionais ou legislativas que procurem "construir" institutos jurídicos que assentem num conceito concreto de Bem – ou de justo, belo ou bom –, pois que este será sempre um resultado de uma percepção subjectiva, incompleta, parcial e imperfeita. Daí só se poder atender às normas de carácter negativo. Como o Decálogo na sua dimensão específica de regulação das relações entre os homens.
Daí que no cumprimento do Bem – segundo o resultado da uma percepção e compreensão a que individualmente aderimos e que dele somos capazes – pode resultar um "bonum faciendum" – que será sempre um comando, individual e voluntário. Já do Mal resultarão sempre emanações ou manifestações externas para as quais, uma vez identificadas, se podem prescrever proibições e/ou sanções.
Ou seja, com um satisfatório grau de certeza, podemos identificar quais as emanações ou manifestações do Mal (ou os erros socialmente relevantes ou os actos socialmente mais negativamente valorados) e procurar evitar que sejam seguidas, repetidas ou produzam efeitos. Mas já não podemos fazer o mesmo com o Bem, pois que aquele que, numa dada circunstância, pode ser considerado como um comportamento bondoso… poderá não o ser numa circunstância que, sendo objectivamente semelhante, é subjectivamente diferente.
É perfeitamente natural que matar alguém à fome seja definido como uma emanação ou manifestação do Mal. Já não é tão evidente nem facilmente defensável que se diga que daí resulte um direito subjectivo fundamental, oponível erga homnes, à alimentação ou a ser alimentado)

(a Liberdade é o exercício da autonomia da vontade humana dentro dos limites do Direito Natural ou do Bem?!?)

(Quais são os Direitos Naturais?
- à Vida
- à Liberdade (porque esta é a natural consequência de se ser pessoa humana, um animal consciente e com vontade, sem a qual não faria sentido – uma (pretensa) renúncia resultaria numa pessoa não humana, num não-Homem? Em relação a esta última expressão, tenho muitas dúvidas: por causa das consequências para o embrião humano – nestes, a sua capacidade cognitivo-consciente é, naturalmente, potencial, pois um embrião humano é-o porque do seu desenvolvimento natural sempre resultará um Homem –, e para os que sofram de quaisquer incapacidades mentais-intelectuais – ainda que, neste último caso, sempre os poderíamos reconhecer como humanos em razão de a sua incapacidade ser uma condição não natural nem normal… tretas!!!);
- à busca da Felicidade

(E qual a composição do Direito Natural (convencional)?
E onde se inclui o Pacto Social?
E os Direitos Fundamentais?
São-lhe subordinados, ou estes últimos são, em parte, a sua expressão?
Mas, se são parte, haverá hierarquia entre Direitos Fundamentais – além da óbvia dos DLG sobre os DDESC?)

(ao contrário do Homem, o Estado não é um sujeito natural: é um evidente produto cultural e, por isso, um produto de um agir assente na vontade do Homem, à partida o seu único alcance (ainda que não o seu único limite) será sempre a vontade humana. E, por isso, como todos os da sua espécie, apenas possuiu as qualidades – entre elas os direitos – que os seus criadores em si são titulares, e que transportam e combinam quando o produzem. Podem não os colocar todos. Não podem é nele, "Contrato Social", incluir mais direitos do que aqueles que são titulares: «nemo plus iuris…». Mas esse resultado concreto e existente daquilo que, in illo tempore, criaram ou do como dispuseram, perdurará até ao final dos tempos.
Diferente é o que resulta do exercício do Poder Constituinte, a constituição, pois essa pode, a todo o tempo, ser alterada (aumentando, restringindo ou reformulando – de modo ordinário, revisão constitucional, ou extraordinário, ruptura constitucional – o seu conteúdo e forma). Condicionado, sucessiva e cumulativamente, pelo conteúdo do "Contrato Social" e pelo Poder Constituinte – que, fundamentando-o e limitando-o, é a fonte próxima que, não sendo a sua origem directa, lhe dá (através da arquitectura de Poder por ele escolhida) a sua forma concreta –, o Estado é o produto da vontade concreta de disposição de um Homem concreto pode e quis validamente estatuir. Logo o Estado não é sujeito (e muito menos titular) de algum Direito Natural que lhe seja inerente ou inalienável, não se justificando (e até sendo ilegítima), por isso, a atribuição quer de um "Princípio da presunção da legalidade dos actos da Administração", quer do "Privilégio da Execução Prévia": ambos são mecanismos que desequilibram, em favor do Estado, a relação deste com o Homem. E logo aquele que é uma criação, um produto exclusivo da vontade deste…)

(há associações humanas naturais e originais? Sim, uma: a família! Todas as famílias? Não, apenas aquelas em cujos laços que ligam os seus membros resultam de processos naturais de reprodução ou de vínculos jurídicos aparentados com aqueloutros que reproduzem os modelos naturais e originários. Seja no momento constitutivo – o casamento – seja na ocorrência de resultados causais – nascimento e adopção)

(o Homem como um ser social por natureza – porque, como consequência de todos sermos filhos de Deus, somos todos irmãos – o que torna compreensível porque é que o Direito Natural (convencional) também é Direito Natural, na medida em que a relação com os outros é algo de natural e fundamental na essência da nossa humanidade)

(o que são e quais serão os direitos que fazem parte do Direito Natural (convencional)?
São (esboço) aqueles que estabelecem as grandes linhas gerais que regulam a relação dos homens entre si e, por causa da lei da escassez, dos homens entre si e as coisas (cabendo ao direito convencional positivo - consuetudinária ou legalmente estabelecido - a fixação das regras concretas que, se legítimas, se aplicam, no tempo e no espaço, a cada homem concreto e cada comunidade concreta).
- o direito de propriedade
- os direitos eleitorais
- o direito ao trabalho)

(Porque é que o Direito Natural vale?
Explicar muito bem porque é que o Direito Natural produz soluções intrinsecamente mais valiosas sob o ponto de vista axiológico em relação às que resultam do Direito positivo.
E esse valor está no nível do conteúdo normativo ou ao nível da legitimidade?
A superioridade do Direito Natural não se sustenta apenas na sua posição hierárquica, mas também na sua irrenunciabilidade, inegociabilidade e inalianabilidade.)

(«Todo o ser vivo procura um mundo melhor.
Os homens, os animais, as plantas e mesmo os organismos unicelulares, estão permanentemente activos. Procura melhorar a sua situação ou, pelo menos, evitar a sua deterioração. (…) Todo o organismo está permanentemente ocupado na resolução de problemas, problemas que decorrem da apreciação da sua situação e do seu enquadramento, que procura melhorar.
A tentativa de solução revela-se muitas vezes errónea, conduzindo a uma degradação. E então seguem-se novas tentativas de solução, novas experiências».
Karl Popper, "Em busca de um Mundo melhor", p. 11 – v. também as pp seguintes)

(Se com o contratualismo moderno se busca a justificação para a existência do Estado (ele mesmo um conceito moderno), do recurso ao Direito Natural para cumprir esse desiderato não resulta que o conceito foi por ele criado e com esse propósito. Antes se estriba nele e dele derivam as propostas de resposta para alcançar o desiderato da explicação da origem e fundamento do Estado. E, por isso, a discussão sobre o Direito Natural não depende do "Contrato Social". Já o contrário…

MUITO IMPORTANTE (Cf. "Em busca…", pp 42 ss) para a fundamentação da ilegitimidade da legislação positiva assistida por uma noção de Bem: a antinomia entre o "Homem de Estado Socrático" («tem consciência do quão pouco sabe») e o "Homem de Estado platónico" (o sábio que tudo comanda em razão de tudo saber, ao ponto de sugerir uma "sofocracia" – definição) – ver "A Apologia de Sócrates" e nela a petulância dos artífices.

(É muita antiga a análise que sustenta uma praxis política assente na necessidade de inventar uma inevitável culpada (porque a sua acção é sempre envolta na presunção de uma hipotética intencionalidade) para explicar um facto mau, desagradável ou inoportuno. Noutros tempos, na ausência de melhor explicação, a culpa era do mau-humor (da inveja ou da cólera) dos deuses do Olimpo… continuar Popper, "Em busca…", pp. 163 ss)

(e a ideia não é fundar-se ou justificar-se uma forma ou solução hiper-individualista. Não, pois continuarão a existir associações e empreendimentos humanos de base colectiva (ou colegial). Aos quais os indivíduos livremente poderão ou não aderir. O que não pode é existir um normativo legal formalmente legitimado que force a adesão ou associação ou, ainda pior, que impeça a Liberdade, a Vida e a demanda do Bem!)

(pretendo ultrapassar as categorias do Direito Natural "cristão", "personalista", "solidarista", etc)

(no "estado de natureza" proposto por Espinoza, cada um tem um direito proporcional ao seu poder)

(v. Fernando Catroga)

(distinção entre Verdade e certeza.
Kant: a Verdade é «a concordância do Conhecimento com o seu objecto».
Popper: é Verdade quando «[o facto descrito por] uma teoria ou preposição (…) está de acordo com a realidade».
v. Popper, "Em busca…", p 18: «O conhecimento científico é sempre hipotético: é um valor por conjectura».
Não cedência ao relativismo.)

(ver a metáfora de Popper sobre o veredicto de um júri como uma convenção não arbitrária)

(O Mal – ou o "não-valor ético", na formulação de Popper)

(Popper rejeita a busca da certeza subjectiva, «por considerá-la supérflua».
Não é a certeza subjectiva que defende: é a demanda pessoal do Bem como exercício de garantia da Liberdade, do qual o resultado é, obviamente, pessoal.
Não é uma certeza subjectiva que se alcança, mas tão só um resultado subjectivamente satisfatório da busca pessoal da Felicidade.)

(Sócrates: «Todos nós ansiamos por aquilo que não temos» - onde está isto?!? – e é dessa consciência do não saber, do não conhecer que surge a ânsia de o buscar, de procurar conhecer a totalidade perfeita da Verdade… ainda que com a certeza de ser um empreendimento cujo sucesso é uma improbabilidade (ou até impossibilidade) lógica).

(A Democracia – de que tipo, forma ou conteúdo? – como condição e limite resultante do Direito Natural (convencional), pois admitir que seria um absurdo aceitar o estabelecimento de um regime não-democrático como um aceitável e legítimo exercício do Poder Constituinte.)

(Não confundir as características do Direito Natural com "determinismo" – contra o qual Popper é um excelente e feroz adversário (v. "Em busca…", pp 30 e ss) – nem tampouco com o conceito popperiano de "propensão" ou "tendência" (v. p 4 verso e também pp 48-49; 62 e ss)

(v. noção kantiana de "a priori" e "a posteriori"

(v. se em Hobbes o juspositivismo exclui ou não as leis constitucionais? Ou até (ou então) se há ou não a observância do Direito Natural – uma vez que, em "De cive", ele atribuiu ao Direito positivo uma função de concretização/esclarecimento do Direito Natural?
v. Bobbio "Locke…", p 43 – Não, por causa da 2ª citação: este Bobbio é um canalha mistificador!!!)

(sobre a Liberdade e Direito Natural, v. Bobbio, "Locke…" p. 55)



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