Do jornalismo de informação ao jornalismo de comunicação, uma leitura sobre a necessidade (ou não) de regular um ecos-sistema

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SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 14º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo Palhoça – Unisul – Novembro de 2016

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Do jornalismo de informação ao jornalismo de comunicação, uma leitura sobre a necessidade (ou não) de regular um ecossistema Janaíne Kronbauer dos Santos1

Resumo: O presente artigo busca contextualizar as diferentes fases pelas quais o jornalismo passou até os dias atuais, considerando para isso a periodização feita por Brin, Charron e Bonville (2014). A partir dela, procura-se estabelecer um paralelo com o atual cenário da profissão, descrito em um contexto pós-industrial e ainda em transição. Apresentamos também a proposta do Movimento Jornalistas Pró-Conselho, a qual pretende fundar uma entidade que garanta a prática de um jornalismo considerado adequado aos elementos mais caros à profissão. Com isso, pretende-se entender de que modo o jornalismo vem sendo afetado pelas mudanças sociais e se é possível que a chamada essência da profissão seja mantida, mesmo diante de um contexto em contínua adaptação. Palavras-chave: Ecossistema Jornalístico; Autorregulamentação Profissional; Movimento Jornalistas Pró-Conselho; Reserva de Mercado; Adaptação.

1. Considerações iniciais O jornalismo vem sofrendo os efeitos do avanço tecnológico de modo intenso, com a adoção de novas rotinas e uma postura profissional que precisa pensar e agir de modo articulado para diferentes mídias (eletrônica, digital e, ainda, impressa). Novos 1

Jornalista. Mestre em Comunicação e Informação (UFRGS). Professora do Curso de Jornalismo da Universidade de Cruz Alta – RS. E-mail: [email protected]

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formatos são exigidos para que a informação seja levada ao público, num contexto em que sua profusão é muito maior do que a capacidade que se tem de processá-la. A partir desse cenário, de que modo os jornalistas estão agindo? É possível aos profissionais serem flexíveis para atender às novas demandas? Essas são algumas das questões presentes no debate sobre os rumos do jornalismo. Uma outra, talvez ainda mais urgente, é a que indaga profissionais, mercado e academia sobre a conformação do jornalismo pós-industrial e a manutenção, ou não, de valores e perspectivas profissionais que balizaram, mesmo que no plano ideal, a construção do produto jornalístico até aqui. A incerteza quanto ao futuro gera, além da instabilidade quanto ao modelo de negócio das empresas jornalísticas, apreensão junto aos profissionais. Configura-se, há pelo menos duas décadas no Brasil, um panorama que exige mudanças na conduta daqueles que até há pouco viam na publicidade a principal fonte de financiamento para sua atividade profissional. Atravessando questões de ordem prática está a postura de profissionais e empresas quanto a aspectos centrais à produção jornalística, desde a ética até o compromisso com a qualidade da informação levada ao público. A sociedade contemporânea experimenta um momento inédito de horizontalização do acesso e difusão da informação, no qual o modelo de/para um receptor passivo encontra cada vez menos espaço2. Ao mesmo tempo que o tradicional modelo de negócio das empresas de jornalismo sucumbe, pode-se afirmar que também os preceitos da profissão nesse ecossistema estão em metamorfose. No Brasil a queda da necessidade de formação superior para o exercício do jornalismo em 20093 colocou outros temas, como a própria reserva de mercado, no horizonte dos profissionais. Paralelamente, desde 2013 um movimento vem sendo articu-

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Sobre o atual perfil da antiga audiência, Rosenthal C. Alves, diretor do Knight Center for Journalism in the Americas, citado por Ignácio Ramonet (2012, p. 24), afirma: “o consumidor de informações deixou de ser passivo. Ele não se contenta mais em receber notícias preparadas e embaladas por outros. Ele quer também produzir conteúdos”. Para Ramonet, esse novo perfil pode ser chamado de “prosumers”, ou produtores-consumidores. 3 O Supremo Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade da exigência de diploma para o exercício do Jornalismo (conforme registro acessado, em 220/06/16, no site http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=109717). Desde então, ações vêm sendo realizadas junto à sociedade civil e também no Congresso Nacional para que o diploma volte a ser exigido.

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lado para a formação de um conselho ou ordem profissional dos jornalistas. Tal órgão seria responsável por regular a qualidade do jornalismo praticado no país. A partir desse cenário, a proposta aqui apresentada é a de recuperar a historicidade do jornalismo apresentada por Brin, Charron e Bonville (2004), discutir as mudanças pelas quais a profissão vem passando e abordar a necessidade de adaptação imposta às produções jornalísticas. A partir dessas reflexões, busca-se discutir a pertinência ou não da formatação de uma entidade de autorregulamentação, uma vez que, diante do contexto de mudanças, as incertezas tornam-se evidentes, tanto para profissionais quanto para empresas.

2. Caminhos percorridos pelo jornalismo A prática do jornalismo como atividade profissional tem uma trajetória peculiar. Desde o princípio, após a fase de simples transmissão de informações via mercadores, seu exercício esteve bastante próximo dos agentes detentores de capital simbólico e econômico, não raro ficando restrito a poucos grupos de pessoas. Há diferentes formas para caracterizar as fases pelas quais o jornalismo já passou 4. Neste trabalho, são utilizadas as definições de tipo ideal propostas por Brin, Charron e Bonville (2004), pois, ao apresentar quatro fases distintas, os autores revelam uma concepção nova, a qual considera a prática do jornalismo desde o período anterior à constituição da imprensa como negócio. Ao utilizarem-se da metodologia de Weber5 para fazer a definição das fases descritas pelo jornalismo ao longo dos séculos, os autores deixam explícita a necessidade de que a tipificação por eles efetuada não seja tomada como real, apesar de verossímil:

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Para Marcondes Filho (2000), por exemplo, são cinco as fases pelas quais o jornalismo se estabeleceu, começando por sua pré-história (anterior à Revolução Francesa) até a contemporaneidade (com a apropriação e uso de recursos tecnológicos). 5 O foco central do método de pesquisa proposto por Max Weber é a constituição de “tipologias ideais” aplicadas sobre a ação dos sujeitos. Kuschik (2006, p. 26) esclarece: “os postulados de Weber, para poder esclarecer os fins a que se propõem, os indivíduos vão construir tipos-ideais, mediante atos, uma espécie de possível previsão em termos de conduta que subtrai os elementos irracionais da atividade e projeta como o sujeito realizaria a sua ação em termos ótimos”.

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:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: Um tipo ideal é definido a partir de um ponto de vista, e muitos pontos de vista sobre uma mesma realidade são possíveis; por consequência, é possível construir vários tipos ideais diferentes correspondendo a uma mesma realidade. Os pesquisadores podem, em virtude de pesquisas diferentes, selecionar e destacar aspectos diferentes das práticas jornalísticas e construir outros tipos ideais (BRIN; CHARRON; BONVILLE, 2004, s/p).

Nesses termos, para Brin, Charron e Bonville (2004) a prática de um jornalismo ainda em constituição teve início no século XVII, com o chamado “jornalismo de transmissão”, fase na qual havia muito mais o repasse de informações por meio de gazetas do que um jornalismo produzido a partir de uma rotina habitual e com um discurso característico. Essa fase se estende até o início do século XIX, quando se passa ao “jornalismo de opinião” – ainda bastante restrito em decorrência da escassez de recursos tecnológicos e alto índice de analfabetismo da população –, marcado pela defesa de bandeiras das elites política, religiosa e comercial da época. A terceira fase do jornalismo começaria no final do século XIX, especialmente na América do Norte, com a industrialização e o aumento da produção, circulação e consumo de bens e serviços, pois “as condições técnicas e econômicas [...] permitem também criar uma rede de coleta de notícias sobre a atualidade [...], aumentar as páginas e a tiragem [...] e, enfim, ampliar a distribuição” (BRIN; CHARRON; BONVILLE, 2004, s/p). Nessa fase ocorre também a injeção de recursos na imprensa pela publicidade. A partir dos anos 1920 o chamado “jornalismo de informação” passaria a ser o modelo predominante no mundo, sendo, nos anos 1950/1960, também o adotado majoritariamente no Brasil. O jornalismo de informação, cujo paradigma pauta-se pela busca da objetividade, adoção da regra da pirâmide invertida, pluralidade de vozes e fontes, credibilidade e compromisso com o interesse público, etc., é o modelo que passa a prevalecer na produção da notícia, sobretudo para o jornalismo hardnews. Mesmo chegando ao Brasil em momento posterior, as definições apresentadas por esse tipo de jornalismo costumam ser as mais caras aos profissionais que deixaram os bancos universitários até o final dos anos 1990 e início dos anos 2000. A formação dos jornalistas brasileiros apresentava, até então, como pressuposto geral, o respeito a esses princípios, entendidos como elementares à prática do jornalismo de referência.

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As guias para a produção desse jornalismo de referência, aquele que muitos entendem como sendo o modelo ideal de jornalismo ou, mesmo, o que contém a essência da profissão, foram estabelecidas no período de domínio do chamado jornalismo informativo. Essa essência estaria vinculada à imagem de um jornalista comprometido com o interesse público6 e seria imediatamente anterior à fase atual do jornalismo. Ocorre que, já no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, nos Estados Unidos, um novo movimento em torno da produção noticiosa passa a ser identificado. Em decorrência da grande diversidade e superabundância de oferta informativa, o jornalismo de informação passa a ser submetido paulatinamente a outra lógica, a do jornalismo de comunicação (BRIN; CHARRON; BONVILLE, 2004). Nesse formato (que ocorre no Brasil somente a partir da segunda metade da década de 2000), digitalização, miniaturização, telecomunicações e internet convergem. Com o jornalismo de comunicação identifica-se um elevado volume de informações circulando, uso integrado e simultâneo de recursos tecnológicos e também um hibridismo entre os gêneros jornalísticos. Há mais subjetividade na apresentação da notícia e busca-se estabelecer maior proximidade com o leitor, o qual pode ver serem apagadas com o uso da internet “as diferenças entre as formas tradicionais de mídia” e seu uso para “distribuição de informações, entretenimento, publicidade e comércio” (GIDDENS, 2012, p. 515). Nos dias atuais o jornalismo de comunicação vem ganhando força, mas sua existência é concomitante com a do tipo informativo, que ainda prevalece, especialmente nas cidades de menor porte e afastadas dos grandes centros urbanos. A esteira desse jornalismo, a internet, faz parte de uma mudança que, porém, não é universal, como ressalta Ramonet (2012, p. 16-17):

Trata-se de uma mudança de paradigma. Uma revolução que avança aos saltos e sobressaltos, mas que não é universal, pois não podemos esquecer a Em uma analogia usual à área, o jornalista é visto como o “cão de guarda” dos interesses da sociedade, pois teria o compromisso e a responsabilidade de levar ao público informações sobre aquilo que porventura ocorre (nos âmbitos político, econômico, social, cultural, etc.) e é prejudicial à mesma. Contemporaneamente também se menciona a analogia com um espantalho, pois “Embora o espantalho ‘não faça nada’, sua simples existência [...] costuma bastar para coibir a má conduta de corvos e afins. O mesmo vale para o jornalismo. A imprensa vigilante [...] raramente ladra. Mas [...] o fato de que está de guarda, volta e meia basta para inibir a má conduta de instituições poderosas (ANDERSON et al., 2013, p. 59). 6

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:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: existência, em um mundo profundamente desigual, do considerável fosso digital Norte-Sul que separa ricos e pobres, “inforricos” e “infopobres”.

As transformações por que passa o jornalismo refletem o contexto em que sua prática está inserida, daí a não linearidade no enquadramento de seu exercício. O momento atual é de mudanças, não apenas quanto à disponibilidade de recursos tecnológicos para o exercício do jornalismo, mas em relação à postura que se tem no trato com as informações. A seguir avançamos na problematização desses aspectos.

3. A transição entre dois tipos de jornalismo Com o avanço da sociedade é natural que modificações ocorram também em atividades consideradas estáveis, já estabelecidas. É isso o que ocorreu (e ainda está em processo) no jornalismo, que vê as transformações atuais afetarem o paradigma perpetrado ao longo de sua história e por meio do qual se distingue de outras atividades também exercidas com a adoção de características pontuais quanto ao uso da linguagem. Apesar da impressão de que o cotidiano das mídias seria algo rotinizado, o jornalismo está em constante evolução. Mas esta evolução conserva certa coerência interna, o que torna a atividade jornalística reconhecível no decorrer do tempo (ADGHIRNI, 2012, p. 64).

A inserção de recursos técnicos na prática do jornalismo facilitou, na era industrial, a rotina dos profissionais, pois tais recursos concederam um novo ritmo à produção da notícia. Ainda assim, mesmo com a utilização de máquinas de datilografia – posteriormente substituídas por computadores e seus respectivos programas para diagramação e edição – e máquinas de impressão offset e rotativas, a produção de jornais e periódicos mantinha-se num ritmo relativamente homogêneo. Com o avanço tecnológico e, em especial, a chegada da rede mundial de computadores (ocorrida no Brasil de modo mais intenso a partir da metade dos anos 1990) uma nova perspectiva instaura-se, modificando a lógica de produção de empresas e veículos. Agora já não é mais necessário, ao público, pagar pela informação por meio da

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aquisição de jornais impressos e/ou periódicos, ela pode ser buscada diretamente na internet, sem custo7. Com o passar dos anos, as empresas jornalísticas sentiram os efeitos do livre acesso à informação e tentam encontrar formas de captação de recursos que não prejudiquem tanto seu modelo de negócio8. A publicidade, que na mídia tradicional é a principal responsável pelo aporte de capital aos veículos jornalísticos, no ambiente virtual não encontra a mesma realidade.

Ao contrário dos jornais, as mídias digitais [...] têm custos marginais insignificantes e veiculam conteúdos de custo zero ou muito baixo, ao mesmo tempo em que podem se financiar com receitas unitárias igualmente muito baixas, podendo combinar diferentes modelos de custo e receita, o que não ocorre com os jornais impressos (MÜLLER, 2012, p. 163).

Menos recursos à disposição, “cortes de pessoal, orçamentos menores e a necessidade de ‘fazer mais com menos’ hoje viraram a regra em organizações jornalísticas” (ANDERSON et al., 2013, p. 66). Mas, além disso, o impacto que a inserção da internet causou também se relaciona ao modo como o jornalismo é praticado. Aqui fazemos referência a dois pontos da nova rotina apresentada aos profissionais: a) seu relacionamento com o público e b) a submissão do jornalista à busca cada vez mais intensa das empresas pela conquista de audiência. Quanto ao relacionamento com o público, apresenta-se a ideia de que a produção de conteúdo por parte da tradicional audiência pode ser auxiliar àquilo que o jornalista executa. O papel assumido por este tenderia a ser (muito mais) o de articular as informações verificadas, complexificando-se as atribuições do profissional: O jornalista não foi substituído – foi deslocado para um ponto mais acima na cadeia editorial. Já não produz observações iniciais, mas exerce uma função cuja ênfase é verificar, interpretar e dar sentido à enxurrada de texto, áudio, fotos e vídeos produzida pelo público (ANDERSON et al., 2013, p. 43). 7

No Brasil o uso da internet foi disseminado a partir de uma ótica de acesso gratuito aos conteúdos do ambiente on-line (FERRARI, 2010). É possível que a não necessidade de pagamento pelo acesso à informação tenha motivado a baixa adesão inicial dos usuários às propostas de assinatura via paywall. 8 No entanto, desde 2014, o IVC – Instituto Verificador de Circulação tem verificado um aumento no número desse tipo de assinatura junto aos grandes veículos que adotam o modelo. Disponível em: . Acesso em: 21 jun. 2016.

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Ao jornalista inserido no modelo pós-industrial de informação caberia, então, uma função quase de curadoria em torno da notícia a ser produzida. Anderson et al. (2013, p. 46) propõem que “o lugar ocupado pelo jornalismo no [atual] ecossistema tem a ver, portanto, com a humanização dos dados, não com o processo de mecanização”. Paralelo a essa perspectiva está a relação do jornalista com a organização. Aqui pode ser identificado um embate entre aquilo que o profissional do jornalismo busca e o que almeja a empresa. Brin, Charron e Bonville (2004, s/p) mencionam uma divergência velada existente no ambiente jornalístico ao afirmarem: “os jornalistas produzem por iniciativa própria, enquanto grupo profissional, regras ou valores que não são necessária e imediatamente compatíveis com o conjunto dos interesses e os princípios de funcionamento do veículo de comunicação”. Se de um lado o jornalista pretende (idealmente) atuar a partir de um código de conduta profissional preocupado com o que é efetivamente relevante, a ótica das empresas age em busca do lucro, mesmo que isso signifique destacar pautas que não estejam incluídas entre as mais importantes. A preocupação central das equipes de gestão de empresas de jornalismo e comunicação é com os índices de acesso alcançados, pois afetam diretamente o retorno em publicidade e, por consequência, a injeção de capital no veículo. Pisani e Piotet9, citados por Ramonet (2012, p.17-18), revelam a lógica perversa usualmente operada a partir desse contexto: “Antes o texto do jornalista só podia ser colocado ‘na primeira página’ por seu chefe [...]. Esse mesmo texto pode hoje ser levado à primeira página, porque é ‘o mais lido’, o mais enviado por e-mail ou o mais acessado em blogues”. A discussão aqui passa a ser o alcance do maior contingente de público, pois o modelo de negócio das organizações foi afetado de forma vertical. Na era do jornalismo pós-industrial ou, de comunicação, a adaptação tem-se mostrado necessária não apenas aos profissionais do jornalismo, mas também às empresas. Ramonet (2012, p. 22) demonstra, ainda, preocupação com esse panorama, uma vez que a missão do próprio jornalismo estaria perdida:

PISANI, Francis; PIOTET, Dominique. Comment le change de monde. L’alchimie des multitudes. Paris: Pearson-Village mondial, 2008. 9

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:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: as mídias em desespero tendem agora a responder unicamente em termos de audiência. Uma “boa” notícia é aquela que pode interessar ao maior número de pessoas. Não aquela que seria, por exemplo, a mais útil à coletividade, a mais decisiva ou a mais esclarecedora em matéria de economia, de ecologia, de política... Com efeito, as grandes mídias perdem de vista, assim, o verdadeiro sentido de sua missão.

Como pano de fundo desse embate está a ética profissional do jornalista, pois os valores vinculados à sua prática acabam sendo frontalmente atingidos quando a preocupação se atém a índices de audiência, algoritmos e métricas de acesso. No instante em que o jornalismo pós-industrial parece estabelecer suas bases, aquele que é tomado como essência fundadora do jornalismo informativo – o interesse público – pode acabar sendo suplantado. As mudanças que o ecossistema jornalístico experimenta no período atual são marcadas por incertezas quanto ao futuro da profissão e pelo protagonismo do público – também ele um agente no processo informativo. As próprias empresas de jornalismo e comunicação, por sua vez, buscam adequar-se ao ambiente e tornar menos graves os efeitos da ruptura com o modelo anterior. Na disputa por espaço dentro do cenário informativo visualizamos, assim, três atores que tencionam legitimar-se: jornalistas, público e organizações. Para David Klatell10 (2013, p. 15), é preciso “uma nova sensibilidade em relação ao que é jornalismo ético na era digital” pois agora o que se produz e o que é consumido em termos de informação difere do modelo anterior. Essa nova sensibilidade relaciona-se à busca pela adaptação do jornalismo às atualizações de seu ecossistema, uma questão, inclusive, de sobrevivência. A partir da intersecção dos elementos recém citados (jornalistas, público e organizações), tem-se a constituição de um vértice relacionado à manutenção e/ou preservação da chamada “essência” do jornalismo informativo. Diante do atual cenário de adaptação, essa questão vem sendo debatida também a partir da articulação do Movimento Jornalistas Pró-Conselho (o qual apresentamos no próximo tópico) e cujo mote de atuação considera, dentre outros elementos, a própria qualidade do jornalismo praticado por seus profissionais no momento presente.

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David Klatell é responsável pela área de estudos internacionais da Columbia Journalism School.

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4. Movimento Jornalistas Pró-Conselho – pela manutenção do paradigma do jornalismo informativo? A discussão sobre a constituição de uma entidade vinculada aos jornalistas e que ancore a atuação de seus profissionais é longa e remete, mais contemporaneamente, ao 29º e ao 30º Congresso Nacional de Jornalistas, ocorridos em 2000 e 2002. Desse período aos dias de hoje, houve a queda da exigência do diploma para o exercício da profissão e movimentos pelo estabelecimento de um Conselho Federal e Conselhos Regionais de Jornalismo11. Atualmente ocorrem deliberações sobre a estruturação de uma entidade que objetive fortalecer a atuação dos jornalistas profissionais no Brasil, movimento que teve início em abril de 2013 com o encontro de sete pessoas12 em São Paulo. Conforme relata o site13 do Movimento Jornalistas Pró-Conselho, em setembro daquele ano foi concluído o texto “Mudanças no jornalismo exigem novas formas de organização da profissão: por um conselho profissional de todos os jornalistas”. O documento caracteriza a situação laboral dos jornalistas e defende a criação de um conselho profissional autônomo. Em 2014 passaram a ser coletadas assinaturas em prol da criação do conselho e em setembro houve uma reunião com 13 jornalistas na Assembleia Legislativa de São Paulo. A partir de então se nominou o grupo como Coletivo de Jornalistas PróConselho. Em dezembro, 10 pessoas foram escolhidas para compor seu colegiado dirigente, foi feita a coleta de assinaturas virtuais14 para estruturar a entidade (o total de assinaturas [961], foi inferior ao necessário [mil] para atingir a meta inicial) e cerca de 40 profissionais se integraram ao movimento. 11

Passados alguns anos, em 2009, houve reuniões da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual dos Jornalistas Profissionais (APIJOR), da Associação Paulista de Imprensa (API) e também o Encontro dos Cursos de Jornalismo da Região Metropolitana de São Paulo. Mesmo assim, a não obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão se mantém até hoje e a busca pela constituição dos Conselhos Federal e Regionais se esvaziou. 12 O grupo inicial articulador do Movimento é composto pelos jornalistas Antônio Graça, Bia Bansen, Costa Carregosa, Fred Ghedini, Jorge Riti, Milton Bellintani e Roberto José Esteves. 13 Disponível em: < http://www.jornalistasproconselho.com.br/historia>. Acesso em: 17 jul. 2016. 14 Endereço do abaixo-assinado virtual: https://www.change.org/p/jornalistas-do-brasilconhe%C3%A7am-e-assinem-nosso-manifesto-em-prol-da-constru%C3%A7%C3%A3o-do-conselhoprofissional-dos-jornalistas-no-brasil-2

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Com base ancorada em São Paulo, o Movimento quer articular ações por todo o país e os 500 primeiros signatários de seu Manifesto15 provêm de 18 estados brasileiros16, além de quatro países do exteror17. Um dos principais instrumentos a partir dos quais o coletivo se apresenta é o site http://www.jornalistasproconselho.com.br18 – também foi a partir dessa página19 que se buscou a maior parte das informações aqui apresentadas20. Em 28 de março de 2015 houve o Encontro dos Jornalistas Pró-Conselho e a definição de cinco ações a serem realizadas: 1) lançar o Movimento Jornalistas PróConselho, convidando os colegas a participarem nacionalmente; 2) articular conversas com as organizações representativas dos jornalistas, convidando-as a participarem do Movimento dos Jornalistas Pró-Conselho Profissional; 3) organizar debates pela internet para permitir a mais ampla participação dos jornalistas e do público em geral, abordando temas de interesse de jornalistas de todo o território brasileiro; 4) realizar o II Encontro dos Jornalistas Pró-Conselho21 em 26 de março de 2016, data que antecede o Dia do A partir daqui, todas as menções à palavra “Manifesto” no artigo se referem ao documento elaborado pelo Movimento Jornalistas Pró-Conselho, o qual pode ser verificado, em http://www.jornalistasproconselho.com.br/manifesto. 16 A seguir são indicados os 18 estados brasileiros com o respectivo número de signatários do Manifesto: São Paulo (376); Rio Grande do Sul (23), Santa Catarina (16), Rio de Janeiro (15), Paraná (14), Distrito Federal (13), Goiás (8), Espírito Santo (5), Mato Grosso do Sul (5), Tocantins (5), Minas Gerais (4), Bahia (3), Amazonas (2), Pará (2), Rio Grande do Norte (2), Acre (1) e Mato Grosso (1). 17 Quatro jornalistas brasileiros residentes no exterior (Escócia, Inglaterra, Irlanda e Portugal) também assinaram o Manifesto. 18 O site contém 15 seções: Home, Quem Somos, Manifesto, História, Jornalismo, Jornalistas, Movimento, Ética, Artigos & Contribuições, Galeria de Imagens, Vídeos, Agenda, Newsletter, Contato e Textos. 19 A página dispõe também de botões para compartilhar nas redes sociais (Facebook, Google +, Twitter, LinkedIn e e-mail) do próprio usuário visitante o endereço do Movimento. 20 Buscou-se contato com o Movimento Jornalistas Pró-Conselho através de e-mail, mensagem direta via Facebook e, ainda, por formulário eletrônico do site do coletivo, mas não foi obtido qualquer retorno. Buscou-se, também, contato via mensagem inbox na rede social Facebook com o Prof. Fred Ghedini, mas o retorno, diferente do esperado, não ocorreu. 21 Havia a previsão de que o II Encontro dos Jornalistas Pró-Conselho ocorresse no Rio de Janeiro em 26 de marco de 2016. Ao que tudo indica, tal encontro não aconteceu, uma vez que no próprio site do Movimento não há qualquer informação a esse respeito. A última postagem no link “Movimento” (http://www.jornalistasproconselho.com.br/movimento/52-sindicato-recebe-jornalistas-pro-conselho) tem a data de 26 de janeiro de 2016 e se refere a uma reunião entre membros do Movimento com o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, no dia 20 daquele mês. Nessa postagem é apresentada a perspectiva do papel distinto que pode vir a ser exercido pelo Conselho Profissional a ser estruturado. Em fala atribuída ao jornalista Dal Marcondes, tem-se a seguinte afirmação: “precisamos construir uma unidade para reagir nesse grave momento, buscando resgatar a imagem e o papel do jornalista junto à sociedade, colocando na mesa que temos uma função estratégica na democracia”. Além disso, o post referencia a necessidade de os jornalistas unirem forças em defesa da profissão a partir de uma caminhada conjunta entre o Movimento dos Jornalistas Pró-Conselho, FENAJ e os próprios sindicatos de jornalistas. 15

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Jornalista; e 5) divulgar o Chamado à Ação, convidando os colegas a participarem do Movimento e da luta pela construção do conselho profissional de jornalistas22. O site do Movimento apresenta no link “Manifesto” o entendimento do grupo quanto à necessidade de constituição de um conselho profissional que regule e respalde as atividades jornalísticas:

Entendemos que um conselho profissional de jornalistas é o instrumento adequado para garantir que o jornalismo e os jornalistas cumpram de fato o papel que lhes cabe na democracia brasileira e que a luta pela sua conquista é tão mais importante neste momento em que se questiona a própria existência do jornalismo como profissão.

A pretensão de criar o conselho e/ou ordem profissional dos jornalistas, a partir do que se pode interpretar dessas informações, relaciona-se à manutenção de alguns parâmetros elementares à prática do jornalismo informativo – aquele cujo perfil é o mais tradicional atribuído à profissão. Há seis aspectos23 defendidos pelo Movimento e destes, destacamos os de número 4, 5 e 6, pois entendemos que os mesmos, talvez, possam conferir especificidade à sua atuação – a seguir apresentamos uma breve análise em torno deles. Começamos com o quarto aspecto, o qual menciona a necessidade de o conselho a ser criado cobrar “dos veículos de imprensa e dos profissionais um jornalismo baseado nas melhores práticas e nos preceitos éticos da profissão”. Não há uma definição quanto à maneira como tal cobrança seria realizada, no entanto, a partir da exposi-

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Disponível em: . Acesso em: 24 jun. 2016. Aspectos defendidos pelo movimento: “1 – Fazer a defesa da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e dos direitos fundamentais dos cidadãos definidos na Constituição Federal; 2 – Se constituir em canal permanente de diálogo com a sociedade brasileira, em sua diversidade de interesses e de pensamentos; 3 – Defender um jornalismo plural, em consonância com a diversidade de interesses e opiniões existentes na sociedade brasileira; 4 – Atuar como indutor da ética e das melhores práticas no exercício da profissão, com base no princípio profissional da Liberdade com Responsabilidade, cobrando dos veículos de imprensa e dos profissionais um jornalismo baseado nas melhores práticas e nos preceitos éticos da profissão; 5 – Defender os profissionais no exercício do Jornalismo de forma complementar ao que é feito pelas organizações e instituições já existentes, tratando com a mesma consideração todos os jornalistas, sejam eles empregados, freelancers, autônomos ou empreendedores; 6 – Juntamente com as demais associações e organizações dos próprios jornalistas e da sociedade, contribuir com a melhora da qualidade de ensino de Jornalismo no país”. Disponível em: . Acesso em: 18 jul. 2016. 23

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ção de Fred Ghedini24 durante o VI Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental25, pode-se inferir que, enquanto organização, mecanismos institucionais seriam criados para agir de modo semelhante ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária26. Também não se explicita quais seriam consideradas as melhores práticas e preceitos éticos da profissão. O quinto ponto versa sobre a defesa irrestrita dos profissionais, “tratando com a mesma consideração todos os jornalistas, sejam eles empregados, freelancers, autônomos ou empreendedores”. Quanto a esse aspecto, é possível visualizar seu vínculo com uma busca por reserva de mercado, considerando-se que cada vez mais os profissionais da área são afetados tanto pela sobrecarga laboral quanto pela própria extinção da exigência de formação superior para exercício da profissão. O último aspecto que destacamos relaciona-se à formação dos jornalistas a partir das instituições de ensino. A ordem ou conselho profissional teria como atribuição, “juntamente com as demais associações e organizações dos próprios jornalistas e da sociedade, contribuir com a melhora da qualidade de ensino de Jornalismo no país”. Apesar de já existirem entidades responsáveis por aferir tal qualidade, a possível futura ordem dos jornalistas revela, aqui, a pretensão de participar das deliberações sobre um espaço que vem também sendo alterado27. Entendemos que o envolvimento nessa atividade estaria voltado à formação dos futuros jornalistas especialmente no que tange aos princípios basilares da profissão. O debate em torno da criação ou não de uma ordem ou conselho profissional dos jornalistas é marcado por diferentes posicionamentos. Há quem defenda que a entidade não deva ser instituída porque as atribuições a que se propõe já seriam de responsabilidade de organizações como a Federação Nacional dos Jornalistas – FENAJ ou a Associação Brasileira de Imprensa – ABI. Em contrapartida, identificam-se também 24

Fred Ghedini é jornalista, professor universitário e atua na Assessoria de Comunicação e Imprensa da Câmara Municipal de São Paulo. 25 Realizada no painel “Roda de Conversa 3: De que jornalismo o amanhã precisa?” durante o VI CBJA – Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, São Paulo, 21 out. 2015, realizado, entre outros, pelo Instituto Envolverde. 26 Hoje constituído oficialmente como ONG, o CONAR foi criado oficialmente em 1978. A entidade conta com a participação voluntária de publicitários e profissionais de outras áreas, tendo suas ações ancoradas no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. 27 Aqui fazemos alusão às mudanças determinadas pelas novas Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Jornalismo, as quais já devem estar implementadas em todo o país no corrente ano.

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aqueles que entendem que a possível futura ordem seja essencial para o fortalecimento da profissão, com o resguardo de princípios éticos do jornalismo e também devido à inoperância das atuais instituições representativas da classe28. Mas, afinal, o que representa a criação de um conselho profissional de jornalistas? As instituições já existentes não cumprem as funções que lhes são atribuídas? É legítima a busca por reserva de mercado? Os jornalistas estão dispostos a aceitar que seu lugar e as funções que vinham exercendo já não são mais os mesmos? O momento atual por que passa o jornalismo é de adaptação. Para, entre outros, Ramonet (2012), Adghirni (2012) e Anderson et al. (2013), as mudanças nesse ecossistema desafiam os profissionais, mas também representam uma maior democratização da informação – algo que já está em processo:

estamos, todos, nos adaptando ao novo panorama. Aqui, o mecanismo mais importante de adaptação talvez seja reconhecer que estamos em meio a uma revolução – a uma mudança tão grande que a estrutura atual da sociedade não tem como contê-la sem ser alterada por ela (ANDERSON et al., 2013, p. 88).

Não podendo ser contida, a adaptação ao momento pós-industrial pode conceder sobrevida à profissão jornalística, mas, uma vez a profissão estando adequada aos parâmetros da contemporaneidade, não há qualquer garantia ou, mesmo, convicção sobre a manutenção daquela que é considerada a essência definidora do jornalismo, com seus princípios éticos e valores de dever-ser. Considerações finais A proposta deste artigo foi identificar algumas das mudanças que têm afetado o jornalismo, entender o posicionamento dos profissionais que defendem a criação de um conselho de autorregulamentação e tentar projetar um horizonte para o jornalismo no período pós-industrial. Diante de todos esses elementos, entendemos que a chave para a manutenção e perenidade da profissão é a adaptação.

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Em comentários de matéria publicada no portal Comunique-se sobre o assunto, usuários manifestaramse contrários e favoráveis à estruturação do conselho – o que revela, em nossa leitura, a incerteza quanto aos próximos passos da profissão.

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Neste período em que o jornalismo de comunicação ascende em termos de força e aceitação, não há como recuar. É preciso, no entanto, entender que, mesmo diante de uma sociedade com contornos mais flexíveis, o paradigma que conduz e diferencia a prática jornalística das demais formas de comunicação é constante e não está sob negociação – pelo menos para considerável parcela de seus profissionais. A criação de mais uma instituição, entendemos, não vai impedir que o jornalismo sofra os efeitos das mudanças em transcurso. Ao mesmo tempo, uma nova entidade, por mais válida que seja sua proposta, não encontra sentido de ser se já há outras que devem/podem assumir tal tarefa. Talvez o principal mal do qual padeça o jornalismo hoje, no Brasil, seja a desarticulação de seus profissionais (vide a baixa adesão dos próprios jornalistas ao abaixo-assinado virtual criado em 2014 e a falta de articulação do Movimento para a realização de seu II Encontro de Jornalistas Pró-Conselho), cuja identidade pode até ter um contorno definido, mas não manifesta suficiente interesse em se afirmar enquanto categoria profissional. Acerca da discussão em torno da identidade profissional dos jornalistas e seu reconhecimento enquanto grupo social ou, comunidade interpretativa, nas definições de Ponte (2005) e Zelizer (2000), abre-se margem para uma nova de discussão.

Referências ADGHIRNI, Zélia Leal. Mudanças estruturais no jornalismo: travessia de uma zona de turbulência. In: PEREIRA, Fábio; MOURA, Dione; ADGHIRNI, Zélia Leal (Orgs.). Jornalismo e Sociedade: teorias e metodologias. Florianópolis: Insular, 2012. ANDERSON, C. W. et al. Jornalismo Pós-Industrial: adaptação aos novos tempos. Revista de Jornalismo ESPM, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 30-89, abr./jun. 2013. Relatório de pesquisa produzido no Tow Center for Digital Journalism da Columbia Journalism School. Disponível em: . Acesso em: 19 out. 2015. BRIN, Colette; CHARRON, Jean; BONVILLE, Jean de. Nature et transformation du journalisme – théorie et recherches empiriques. Canadá: Les Presses de L’Université Laval, 2004. No prelo. Texto traduzido. CORREIA, Milton. Adoção de “paywall” cresce e alavanca assinaturas. Observatório da Imprensa, 06 jan. 2015. Disponível em: . Acesso em: 22 jun. 2016. KLATELL, David. Ética e imprensa: as mudanças radicais trazidas pelas novas tecnologias obrigam a repensar fundamentos do jornalismo. Revista de Jornalismo ESPM, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 14-15, abr./jun. 2013. Disponível em: . Acesso em: 22 jun. 2016. FERRARI, Pollyana. Jornalismo Digital. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2010. GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Penso, 2012. GRUPO promove movimento pela criação de conselho profissional de jornalistas. Comuniquese, 19 mar. 2015. Disponível em: . Acesso em: 22 jun. 2016. KUSCHIK, Murilo. Weber e sua relação com a comunicação. In: MAROCCO, Beatriz; BERGER, Christa (Orgs.). A Era Glacial do Jornalismo: teorias sociais da imprensa. Porto Alegre: Sulina, 2006. v. 1. MARCONDES FILHO, Ciro. Comunicação e Jornalismo: a saga dos cães perdidos. São Paulo: Hacker Editores, 2000. MÜLLER, Carlos Alves. A crise estrutural dos jornais e o surgimento das mídias digitais: impactos sobre a produção jornalística. In: PEREIRA, Fábio; MOURA, Dione; ADGHIRNI, Zélia Leal (Orgs.). Jornalismo e Sociedade: teorias e metodologias. Florianópolis: Insular, 2012. p. 145-165. PONTE, Cristina. Para entender as notícias: linhas de análise do discurso jornalístico. Florianópolis: Insular, 2005. RAMONET, Ignácio. A Explosão do Jornalismo: das mídias de massa à massa das mídias. Trad. Douglas Estevam. São Paulo: Publisher Brasil, 2012. ZELIZER, Barbie. Os jornalistas enquanto comunidade interpretativa. In: Revista de Comunicação e Linguagens Jornalismo 2000. Organização: Nelson Traquina. Fevereiro de 2000. Nº27. Editora Relógio D’água.

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